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O Bosque

Era uma manhã de domingo ensolarada com a brisa fresca típica do mês de maio no interior de São Paulo. O casal,
sem nenhuma combinação prévia, decide ir a um dos parques da sua cidade, com sua filha de 2 anos e sua pequena
vira latas. Dentre tantas opções disponíveis, é num bosque perto da casa deles onde resolvem parar.

Como em uma ação ensaiada, descem do carro, observam todos os pontos do parque, com suas trilhas para
caminhada, suas grandes árvores que fazem sombra em quase todo o espaço, analisam cada rota de saída e mais à
direita do bosque, está o parque infantil, com brinquedos antigos e alguns bancos dispostos em L. Lá estão duas
crianças a balançar no balanço de três lugares, um homem lendo no primeiro banco, no terceiro banco está uma
mulher com um livro, um caderno e uma caneta, mas o que ela realmente lê é a tela de seu celular. Mais à frente, no
banco que fecha o parque, formando o L, estão um senhor grande e careca e uma mulher loira, de seus aparentes 50
anos.

Martim observa a cena, vê a loira falando e pensa que o homem ao lado dela é cego. Vai para o bosque com a sua
cachorrinha. Enquanto a Tarsila entra no parque com Luz e se aproxima das pessoas. A mulher está falando e se
balançando para frente e para trás, a princípio parece que ora, e o homem ao seu lado olha para Tarsila como se
pedisse para ignorar.

Mãe e filha vão até o balanço entre as duas crianças maiores, ficam ali por um tempo, mas as palavras carregadas da
mulher atrás delas, que agora mais parece uma sessão de exorcismo, incomoda. Parece se transformar numa massa
densa e escura, e a única coisa que Tarsila consegue pensar é que mais ninguém parece estar ouvindo aquilo.

Rapidamente convence a pequena Luz de ir encontrar o papai pelo caminho. Saem do parquinho e vão ao encontro
do Martim pelo caminho oposto, param para ver as formiguinhas, brincam com a sobra e a luz, comentam sobre a
pequena cachoeira que existe ali ao lado e é neste momento que os quatro se encontram. Comentam sobre o que
aconteceu até ali e Martim diz que quando as duas saíram do parquinho, ele ficou observando as pessoas do local.
Agora, o homem estava em pé olhando para o sol, a mulher atrás com as mãos direcionadas a ele e em aparente
oração, o outro casal continuava sua leitura, imóveis enquanto as crianças brincavam por ali. Ela para de orar e fixa
seu olhar em Martim, que sente o mesmo incômodo de Tarsila.

Enquanto conversam parados em meio ao bosque, avistam o senhor do casal que os deixou incomodados vindo em
sua direção, recomeçam a caminhada e ele se senta em um banco e os cumprimenta com um bom dia. Vão em
direção ao início do bosque, a pequena Luz pede para ir ao balanço, voltam ao parque ainda sem entender se o que
os incomodou realmente aconteceu, e lá estão, o homem e a mulher com suas leituras, as crianças brincando no
gira-gira e agora a mulher loira está lá, no balanço que a Luz estava sentada antes, passando a mão em sua própria
cabeça, olhando para o céu enquanto balbucia o nome de Deus e suas bençãos com um forte balançar, sem medo de
romper as finas correntes que a seguram.
Luz se senta no balanço e pede para a mãe a empurrar bem forte, a mulher ao lado para imediatamente de fazer a
sua oração e direciona seu olhar a elas. Começam as perguntas:

- Como a bebê se chama?

- Luz, Tarsila responde contrariada.

- Esse lugar é muito gostoso, né...

- Sim, sempre bem tranquilo.

- Quem cuida dela?

- Eu cuido dela! Tarsila responde em um tom mais assertivo.

- Ah, então você não precisa trabalhar, que bom né.

- Eu trabalho e cuido dela! Eu faço tudo. Responde incomodada com as perguntas, enquanto se pergunta se deveria
estar incomodada com aquela conversa.

- Vocês moram aqui?

- Sim, moramos nesta cidade!

- Os meus filhos já são grandes, mas acho que não serei avó. Meu filho se casou há um tempo, mas pelo visto, a
mulher dele não quer filhos. Conta com um olhar triste.

- Deus prepara e sabe quando será o momento, tudo tem sua hora. Responde, enquanto vê o Martim parado no
escorregador tentando entender a conversa.

Luz desce do balanço e chama o pai para ir até a gangorra. Martim de um lado, Luz do outro e Tarsila com a cachorra
Jane logo ao lado enquanto eles trocam olhares incomodados e confusos.

Chega a loira para se despedir da bebê Luz, pede para dar um beijo e não espera resposta! Beijo e carinho no cabelo.
Martim trava a gangorra, e inspira com a boca aberta, como se quisesse sugar toda e qualquer energia ruim, ora em
pensamento. Tarsila observa as crianças brincando ao lado enquanto o Martim pega a Luz no colo e se esfrega no
rosto dela na tentativa de tirar algum mal agouro do beijo que ela ganhou, se sentam no gira-gira, se olham
incrédulos com tamanho desconforto e saem do parque apressados para ir para casa.

Ao chegar, as duas tomam banho, Tarsila pede o sal grosso para o Martim e enquanto ela joga o sal em suas costas, o
chuveiro queima, como se tentasse as proibir. Terminam o banho de sal grosso das duas, Martim toma seu banho no
outro banheiro e joga o sal dos ombros para baixo. Continuam o dia pensando se o que sentiram, viram e ouviram
realmente aconteceu.

O casal chega em sua casa com os sobrinhos depois do passeio no parque, e começam a conversar sobre o casal
estranho que estava com a menininha e a cachorrinha mais cedo por lá, sobre como eles olhavam para aquele banco
sem ninguém, a hora que a mãe ficou conversando com o balanço vazio e como ficaram estranhos lá na gangorra,
como se estivessem olhando alguém que não estava lá.

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