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A MADEIRA COMO ALTERNATIVA

SUSTENTÁVEL NA CONSTRUÇÃO CIVIL


BRASILEIRA

Gabriel Andrade Gomes de Assis1


Lívia Dal Sasso de Souza1
Larissa Carvalho Santos2
Vitor Dias Lopes Nunes1
Walter Torezani Neto Boschetti1
Déborah Nava Soratto1
Pedro P. de C. BRAGA3
Ana Márcia Macedo Ladeira Carvalho4

1
Universidade Federal de Viçosa
2
Universidade Federal de Viçosa - Departamento de Engenharia Florestal
3
Departamento de Ciências Florestais / Universidade Federal de Lavras
4
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA FLORESTAL
A MADEIRA COMO ALTERNATIVA SUSTENTÁVEL NA CONSTRUÇÃO CIVIL
BRASILEIRA

Resumo: Há muito o concreto tem sido o principal material utilizado na construção civil, mas
o novo cenário mundial tem exigido sua adaptação a outros materiais que gerem menos
resíduos, exijam menor gasto energético em sua produção e possibilitem descarte com
menor impacto ambiental. O presente trabalho trata das condições do uso da madeira na
construção civil, objetivando analisar o cenário atual. A madeira está presente em inúmeros
processos na construção, podendo compor peças decorativas, móveis, esquadrias, objetos
arquitetônicos e peças estruturais. Como peças estruturais, apresenta boa resistência
mecânica, desde que se conheçam suas características de umidade e homogeneidade,
entre outras. Outro aspecto considerável é a baixa relação peso/resistência da madeira, de
modo que as estruturas ficam mais leves quando comparadas a elementos de concreto. A
vista disso há inúmeras possibilidades de utilização da madeira na construção civil, contudo,
esse material não é aproveitado de forma integral no Brasil, devido a aspectos culturais e
conservadorismo por parte dos profissionais da área.

Palavras-chave: sustentabilidade, materiais de construção, estruturas de madeira.

MADEIRA AS A SUSTAINABLE ALTERNATIVE IN BRAZILIAN CIVIL


CONSTRUCTION

Abstract: Concrete has long been the main material used in construction, but the new world
scenario has required its adaptation to other materials that generate less waste, require less
energy expenditure in its production and allow disposal with less environmental impact. The
present work deals with the conditions of wood use in civil construction, aiming to analyze
the current scenario. The wood is present in numerous processes in the construction, being
able to compose decorative pieces, furniture, frames, architectural objects and structural
parts. As structural parts, it presents good mechanical resistance, as long as its
characteristics of humidity and homogeneity are known, among others. Another considerable
aspect is the low weight/resistance ratio of the wood, so that the structures are lighter when
compared to concrete elements. In view of this there are many possibilities of wood use in
construction, however, this material is not fully utilized in Brazil, due to cultural aspects and
conservatism on the part of the professionals of the area.

Keywords: sustainability, construction materials, structures of wood.

1. INTRODUÇÃO

Uma relação homem x ambiente satisfatória, que possibilite a concepção de construções


sustentáveis, pode ser alcançada através da aplicação dos mais atualizados conhecimentos
teóricos nas práticas já consolidadas. A escolha dos recursos construtivos deve ser pautada
na avaliação do consumo energético, do impacto ambiental e dos aspectos culturais
(MADEIREIRA MADECAL, 2014).
Todas essas necessidades são contempladas pela utilização da madeira, um material
disponível em abundância, renovável, fixador de carbono e presente no cotidiano de
inúmeras comunidades. A primeira utilização de madeiras como material construtivo, no
Brasil, foram as cabanas indígenas, porém, com a colonização do país, iniciou-se o uso de
concreto, que assumiu lugar de destaque devido à associação de construções em madeira
às populações desfavorecidas. Ao longo da urbanização das cidades, a utilização de
madeiras em construções se concentrou no sertão nordestino, nas populações ribeirinhas
do Norte e nas comunidades tradicionais de origem europeia, no sul do país (ARAÚJO,
2012).
De acordo com a Revista da Madeira (2003), é comum encontrar resistência das
empreiteiras em aplicar a madeira como elemento estrutural. Essa rejeição tem alicerce na
falta de profissionais especializados em tal matéria-prima no mercado, pois conhecimentos
escassos e defasados sobre as propriedades das madeiras, somados ao emprego de
métodos antiquados de construção, culminam em desempenhos insatisfatórios frente a
outros materiais.
Verdélio (2017) afirma que se tem observado crescente o interesse no emprego de
madeiras provenientes de reflorestamentos, em detrimento daquelas extraídas em florestas
naturais. É imprescindível o uso racional dessa matéria-prima, dada a importância das áreas
verdes para a biodiversidade de fauna e flora, além da contribuição significativa das árvores
para o combate ao aquecimento global e ao efeito estufa.
Com isso, objetivou-se realizar um levantamento das atuais condições de extração e
utilização da madeira na construção civil brasileira.

2. MADEIRAS PROVENIENTES DE CORTES SUSTENTÁVEIS

De acordo com Governo do Estado de São Paulo, madeiras nativas de origem legal são
aquelas de espécies brasileiras que: i) provêm de corte autorizado pelo órgão ambiental
responsável; ii) possuem documento de autorização para transporte e armazenamento; iii)
acompanham nota fiscal (SÃO PAULO, 2016). Ainda segundo o governo paulista, existem
muitos problemas relacionados a extração ilegal de madeira, sendo que esta ocorre,
surpreendentemente, até em Áreas de Preservação Permanente (APP) e em Reservas
Legais (RL).
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis em 2016 aponta que até 80% da produção madeireira da região amazônica
pode ser proveniente de desmatamentos ilegais e predatórios, sendo grande parte dessa
madeira destinada à indústria da construção civil.
A indústria de construção civil é comumente associada à danificação da natureza, se
dispondo de práticas não sustentáveis. Todavia, a exploração e os danos podem ser
controlados através de métodos construtivos eficientes e ecologicamente corretos. Ressalta-
se que que a madeira é um elemento indispensável em todos os tipos de construções, seja
para fins estruturais ou estáticos e, nesse sentido, existem diversos produtos derivados de
madeira de reflorestamento, que permitem a aplicação da madeira além da sua forma
natural, maciça, como painéis compensados, aglomerados tipo medium density
particleboard (MDP), medium density fiberboard (MDF), e oriented strand board (OSB),
madeira laminada colada (MLC), além dos pisos laminados e esquadrias em geral
(ARAÚJO, 2012). Na Figura 1 são apresentadas algumas utilizações de madeiras em
construções na forma de esquadrias.

Figura 3 – Materiais madeireiros utilizados em construção civil.

3. VANTAGENS EM RELAÇÃO AOS MÉTODOS CONSTRUTIVOS TRADICIONAIS

A produção das peças estruturais de madeira demanda cerca de duas vezes menos
energia que das de alvenaria. Além disso, a produção e instalação das peças também
necessitam de menor quantidade de água, ou seja, o emprego da madeira implica tanto em
economia de energia quanto de recursos hídricos.
Por ser um material isolante, a madeira é muito utilizada como revestimento acústico e,
também, oferece conforto térmico aos ambientes onde é instalada, diferentemente do
concreto e do aço.
Em termos de resistência ao fogo, costuma-se ter uma falsa ideia de que madeiras
apresentam baixa resistência em situações de incêndio. Entretanto, quando bem
dimensionadas, observa-se que o interior das peças permanece intacto devido a formação
de uma camada superficial de carvão, que retarda a propagação de calor para o interior do
elemento (MADEIRA ESTRUTURAL, 2009). Na Figura 2 observa-se um perfil de madeira
submetida à condição de fogo, e na Figura 3, material residual pós incêndio.
Figura 2 – Seção de uma viga de madeira laminada colada, exposta ao fogo por 30
min (MADEIRA ESTRUTURAL, 2009).

Figura 3 - Vigas de madeira e de aço submetida à situação de incêndio (MADEIRA


ESTRUTURAL, 2009).

Ao falar sobre a resistência mecânica, ressalta-se que as características de cada peça


estão intimamente ligadas à sua matéria prima e aos métodos produtivos pelos quais é
obtida. A MLC, por exemplo, apresenta ótimo desempenho mecânico, similar ao de peças
em concreto e, considerando-se uma viga composta por tábuas laminadas e outra de
concreto armado, ambas com mesmo volume e mesma seção transversal, estas possuem
comportamentos parecidos quando submetidas a cargas iguais. As peças de madeira
adaptam-se a uma grande variedade de formas, apresentando alta resistência a solicitações
mecânicas. Ademais, possuem peso próprio relativamente baixo (ZANGIÁCOMO, 2003).
Outra vantagem em relação aos materiais construtivos mais tradicionais é a
racionalização da construção devido ao uso de peças pré-fabricadas. Isso faz com que o
desperdício, seja por cortes desnecessários ou erros nos canteiros de obras, seja reduzido.
À medida que o processo construtivo torna-se industrializado, as situações não previstas em
projeto são evitadas e, consequentemente, o tempo de execução da obra também diminui.

4. DEFEITOS NATURAIS E DE PRODUÇÃO

Os defeitos naturais da madeira afetam diretamente o desempenho das peças na


estrutura. É possível classificar tais defeitos através de uma análise visual, identificando
possíveis elementos que diminuem a resistência e rigidez do material.
Segundo a norma ABNT NBR 8456:1984, as peças de postes preservados devem estar
isentas de defeitos inaceitáveis. É admitida a presença de defeitos, desde que dentro de
limitações e que as peças possuam bom acabamento. A norma sugere que a madeira esteja
isenta de: i) sinais de apodrecimento, principalmente no cerne; ii) avarias no alburno
provenientes do corte ou transporte; iii) fraturas transversais; iv) depressões acentuadas; v)
orifícios, pregos, cavilhas ou quaisquer peças metálicas, que não estejam especificamente
autorizadas.
Já a ASTM D25-99 (2005) aponta os principais defeitos de degradação em peças roliças
de madeira após o abate e expostas ao meio de alta agressividade ambiental. São eles: i)
sinais de apodrecimento ao redor do nó (Figura 4.a); ii) sinais de apodrecimento da medula
e do cerne (Figura 4.b); iii) separação devido às propriedades diferenciais de retração e
fibras retorcidas (Figura 5).

A B

Figura 4 – a) apodrecimento ao redor do nó; b) apodrecimento da medula e do cerne


(CALIL, 2007).
Figura 5 – Separação devido às diferenças das propriedades de retração e fibras
retorcidas (CALIL et al.,2007).

5. APLICAÇÃO DA MADEIRA NA CONSTRUÇÃO CIVIL

A madeira está presente em quase todas as etapas das obras de construção civil.
Algumas espécies possuem propriedades mecânicas suficientes para exercer função
portante nas estruturas. Além das peças de madeira serrada, constituem vigas laminadas
coladas, caibros, andaimes, escoramentos, formas, esquadrias e assoalhos domésticos.
Nos países europeus fazia-se o uso de arquitetura vernacular, com madeira extraída dos
bosques da região, por meio da junção de troncos empilhados. Nos Estados Unidos, o uso
de painéis de madeira reflorestada (wood frame, Figura 6) em residências é extremamente
disseminado, graças, principalmente, à rapidez possibilitada para a execução (ARAÚJO,
2012). No Brasil, os métodos construtivos que utilizam esse material ainda são
embrionários, contudo, promissores.

Figura 6 – Residência em Wood Frame.


6. PARÂMETROS QUE INFLUENCIAM O DESEMPENHO DA MADEIRA
6.1. Umidade

A madeira é material higroscópico, e o teor de umidade tem grande importância sobre


suas propriedades mecânicas. A quantidade de água das madeiras verdes ou recém
cortadas varia muito com as espécies e com a estação do ano. A faixa de variação da
umidade das madeiras verdes tem como limites aproximados 30% para madeiras mais
resistentes e 130% para madeiras mais macias (PFEIL, 1985).
Face ao efeito da umidade nas outras propriedades da madeira, é comum referirem-se
estas propriedades a um grau de umidade padrão; na Europa, adota-se 15%; nos Estados
Unidos e no Brasil, 12%. Em complemento, faz-se necessário realizar ensaios tecnológicos
rigorosos para identificar os níveis de resistência das peças ‒ que variam de acordo com os
fatores climáticos da região na qual ela está inserida.

6.2. Dimensões

As dimensões afetam propriedades determinantes para a estabilidade das peças, como,


por exemplo, a inércia. Como a madeira é utilizada em variados formatos na construção
civil, de caibros a painéis, é imprescindível a normatização quanto à classificação e
dimensionamento. As flechas ocasionadas por carregamentos excessivos na estrutura,
fluência ou secagem prematura, são mais críticas para estruturas esbeltas. A NBR
7190:1997 (ABNT, 1997), rege a realização de ensaios que contribuem para o
dimensionamento estrutural de peças de madeira.

6.3. Durabilidade e Tratamento

Um grande número de agente ambientais tem potencial para prejudicar a performance da


madeira ao longo do tempo. Calil (2016) cita três medidas para combater possíveis
problemas relativos a durabilidade: i) melhor detalhamento do projeto, para garantir
drenagem e impermeabilidade; ii) tratamento preservativo, impregnando o produto químico
no material e submetendo-o a tratamentos superficiais; iii) inspeção, manutenção e reparos,
para prevenção e combate de possíveis falhas.

7. CONCLUSÃO SOBRE A CONSOLIDAÇÃO DE CONSTRUÇÕES EM MADEIRA NO


BRASIL

Os sistemas construtivos utilizados no Brasil ainda estão afeiçoados a práticas antigas,


em sua maioria das décadas de 60 e 70, de forma que a construção civil se encontra entre
os setores que mais consome recursos, gera resíduos e menos avança em produtividade.
É preciso inovar para mudar esse cenário, mas a apreensão de falhar mantém o
conservadorismo na construção, tanto dos profissionais da área quanto dos clientes. Por
isso, torna-se difícil o surgimento de uma nova realidade dentro dessa indústria. A utilização
das estruturas em madeiras é afetada por essa estagnação, apesar das suas inúmeras
vantagens e versatilidade que apresenta.
O primeiro passo para a conquista de um espaço para a madeira no mercado de
construção civil no Brasil é a conscientização dos profissionais envolvidos. Estes devem
possuir conhecimentos sobre as propriedades mecânicas, físicas e anatômicas do material,
suficientes para discernir que a tecnologia aplicada à madeira não é a mesma que a usada
para aços e concretos. Existem muitas espécies arbóreas produtoras de madeira e cada
uma delas tem propriedades características que determinarão qual o melhor emprego como
material construtivo.
O Brasil é um país continental, ou seja, o território é extremamente vasto. Isso dificulta a
fiscalização das florestas de manejo. Por outro lado, há um enorme potencial para a
extração da madeira, devido ao clima e as amplas reservas nativas. Portanto, se o controle
legal das atividades se tornar efetivo, a construção civil do país será consideravelmente
beneficiada.

8. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq, à Fapemig e à Capes, pelo apoio prestado ao


desenvolvimento deste trabalho.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

American Society for Testing Materials. ASTM D 25 – 99 – Specification for Round Timber
Piles. In: Annual Book of ASTM Standards, 2005.

ARAUJO, Rosanne Teixeira. Alternativas sustentáveis de uso da madeira na


construção civil. Especialize, Manaus, AM, v. 4, p. 1-15, dez. 2012. Disponível
em:<https://www.ipog.edu.br/revista-especialize-online/edicao-n4-2012/alternativas-
sustentaveis-de-uso-da-madeira-na-construcao-civil/>. Acesso em: 12 maio 2017.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – NBR 7190 – Projeto de


estruturas de madeira. Rio de Janeiro, 1997.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – NBR 8456 – Postes de Eucalipto


Preservado para Redes de Distribuição de Energia Elétrica. Rio de Janeiro, 1984.

CALIL, C. Jr. Madeira Roliça Tratada em Sistemas construtivos. Laboratório de Madeira


e Estruturas de Madeira, Departamento Engenharia de Estruturas. Escola de Engenharia de
São Carlos. Universidade de São Paulo, SP. 2007.

CALIL, C. Jr.; Dias, A.A. et al. Manual de projeto e construção de pontes em madeiras.
São Carlos: Suprema, 2006. 252p.

LO SCOIATTOLO (Italia) (Org.). Tecnologia Tetti in Legno. Disponível em:


<http://www.loscoiattolo.net/tecnologia-tetti-in-legno/>. Acesso em: 07 de Maio de 2017.

MADEIRA ESTRUTURAL: A Madeira: um Material Resistente ao Fogo. 2009. Disponível


em: <https://madeiraestrutural.wordpress.com/2009/07/13/a-madeira-um-material-resistente-
ao-fogo/ >. Acesso em: 12 de Maio de 2017.
MADEIREIRA MADECAL (Belo Horizonte). Madeiras para construção. 2014. Disponível
em: <http://www.madecalmadeiras.com.br/produto/madeira-para-construcao/>. Acesso em:
03 maio 2017.

REVISTA DA MADEIRA (São Paulo) (Ed.). Madeira na construção civil. 2003. Disponível
em: <http://www.remade.com.br/br/revistadamadeira_materia.php?num=456&subject=E
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ZANGIÁCOMO, André Luiz. Emprego de Espécies Tropicais Alternativas na Produção


de Elemento Estruturais de Madeira Laminada Colada. Dissertação apresentada à
Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo – 2003.

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