Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
E no segundo capítulo a autora aborda de forma mais específica cada uma das práticas,
trazendo críticas e sugestões de métodos de ensino a partir da concepção interacionista,
funcional e discursiva da língua.
resenHa
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo:
Parábola Editorial, 2003.
capítulo 2:
Assumindo a dimensão interacional da linguagem; capítulo 3: Repensando o
objeto de ensino de uma aula de português;
A unificação desses dois interesses resulta no livro Aula de Português: encontro & interação,
em que a autora busca sistematizar suas reflexões e propostas para o ensino do Português
pela abordagem interacionista, funcional e discursiva da língua, com a prática de produção e
interpretação textual oral e escrito. O livro tem publicação pela Parábola, editora reconhecida
pelo catálogo abrangente de obras voltadas às práticas de ensino da língua e ao estudo e
reflexão das diversas correntes linguísticas.
Aula de Português: encontro & interação é composto por seis capítulos, em que a linguista
reflete, sob uma perspectiva crítica, sobre as atuais práticas de ensino de português; apresenta
um conjunto de princípios teóricos para a instauração de uma nova prática pedagógica
fundamentada no oferecimento aos alunos da possibilidade de exercício discursivo pleno,
relevante e adequado; e propõe um programa e uma série de atividades para a prática dos
professores, consonantes com os princípios teóricos apresentados anteriormente, além de
expor, ao fim do livro, uma proposta de avalição dos resultados alcançados pelas novas
metodologias de ensino.
Aula de Português: encontro & interação posiciona Antunes como importante referência para
a reflexão sobre o ensino contextualizado e de relevância social da língua portuguesa. Aqui
encontram eco os preceitos oficiais dos PCNs e os apontamentos reflexivos de Por que (não)
ensinar gramática na escola, de Sírio Possenti, por exemplo, quanto à preocupação da
reformulação da abordagem do ensino da língua.
Embora não tenha se furtado a considerar que a consecução dos objetivos pretendidos para o
ensino da língua não depende unicamente da intervenção do professor em sala de aula, mas
de políticas públicas efetivas é importante salientar que o livro poderia ter reservado um
espaço maior a esse tipo de discussão. A ideia é que não se reserve apenas ao professor o
“privilégio” de comandar a guinada total na qualidade de ensino do país: é preciso que se
tenha consciência da importância do apoio do sistema oficial que sustenta o ensino.
À parte dessas considerações, Aula de Português: encontro & interação é obra indicada a
todos que enxergam no ensino da língua uma importância fundamental para plena e mais
eficaz participação social dos alunos, cidadãos.
No primeiro capítulo Antunes faz uma análise a situação atual. Embora reconheça que fatores
exteriores à escola implicam nos problemas com relação ao aprendizado, lembra-nos que já
existem alguns avanços relacionados ao estudo e à percepção da Língua Portuguesa, tanto no
sentido das políticas públicas quanto nos critérios de avaliação das provas e exames oficiais.
Assim, a autora cita os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que já privilegiam “a
dimensão interacional e discursiva da língua” e o Sistema de Avaliação da Educação Básica
(SAEB) que transcendem as definições e classificações gramaticais contemplando, nos seus
descritores, um conjunto de habilidades e competências avaliadas através de textos de
diferentes tipos, gêneros e funções. Assim, afirma, já não se pode culpar unicamente as
políticas públicas pela maneira com que se trabalha a língua portuguesa na escola.
Ainda no primeiro capítulo, Antunes traz um pequeno esboço dos principais equívocos
relacionados aos quatro elementos que citamos acima. Na oralidade, a autora aponta o
descaso com relação à fala, como se esta não estivesse ligada ao estudo da língua ou vice e
versa, como se na fala fossem permitidos todos os tipos de erros, não distinguindo situações
de usos mais ou menos formais da oralidade. Com relação à escrita, Irandé nos apresenta
equívocos relacionados ao não reconhecimento da interferência decisiva dos sujeitos na sua
produção; a prática de escrita mecanizada, artificial, centrada nas regras e embasada em
exercícios descontextualizados, como formar frases isoladas, sem função social e vazias de
sentido, criando um abismo entre a língua do aluno e a “língua da escola”. No trabalho com a
leitura a autora afirma que as escolas ainda se centram nas habilidades de decodificação da
escrita, sem contemplar a dimensão interacional da língua, uma leitura desvinculada dos
diferentes usos sociais que dela se pode (e deve) fazer. Sobre a gramática a autora explica que
há vários equívocos quanto à maneira como ela é trabalhada na escola: fragmentada,
descontextualizada, desvinculada com a realidade da língua escrita e falada, trabalhada
através de frases soltas e sem sentido, apoiada apenas em regras e definições, inflexível,
engessada, sem considerar os usos reais da língua – oral e escrita – e o processo de mudança
por que ela passa.
É, então, a partir destes limites e equívocos que Irandé baseia seu trabalho para fundamentar
elementos que contribuem na construção de novas formas de enxergar a língua portuguesa e
de desenvolver o trabalho no ensino desta. Assim, no segundo capítulo, ela apresenta
princípios teóricos que possam cumprir esta função.
Com relação à escrita a maior preocupação da autora é a sua afirmação como elemento
comunicativo entre sujeitos. A escrita não pode ser compreendida apenas como ferramenta
avaliativa, mas toda a atividade escrita deve direcionar-se, deve dizer algo a alguém. Ressalta
também a variação de formas e gêneros existente na escrita, dependendo de que ou a quem
se destina. São também abordadas as condições para produção da escrita e as diferenças com
relação à fala, além de apresentar-nos as diferentes etapas pelas quais se deve passar na
elaboração de um texto escrito. Como questões pedagógicas, a autora apresenta as
necessidades de propor textos que sejam de autoria dos alunos, vinculados
comunicativamente, socialmente relevantes, diversificados, com destino (a quem escrever?
Pra que?), contextualizados, coerentes, tecnicamente adequados.
Quanto à leitura, Antunes a apresenta como ferramenta de interação verbal escrita , atividade
de acesso ao conhecimento, necessária para a aquisição de novos saberes e de aprendizado
formal da língua. Ressalta a necessidade de se trabalhar o contexto extralinguístico do texto,
ou seja, compreendê-lo a partir de elementos externos, conhecimentos prévios, estimulados
por uma ou mais palavras nele contidas. Nas implicações pedagógicas a autora expõe a
necessidade de se promover leitura de textos autênticos e reais (revistas, jornais, panfletos,
livros, cartazes etc.); que o texto seja interativo, um encontro entre quem lê e quem escreve,
atividades que vinculam leitura e escrita, pois há uma relação de interdependência entre elas.
Ressalta-se também a necessidade de compreender as diversidades de gêneros literários, o
trabalho com a coerência global do texto e a importância de reconhecer que cada texto, por
mais inocente que pareça, é regido por uma concepção de mundo.
No que diz respeito à gramática, Irandé busca desconstruir o mito de que a gramática é o
conjunto de regras estáticas e inflexíveis que regem apenas a linguagem escrita formal.
Apresenta-nos a gramática como regras que especificam o funcionamento de uma língua no
sentido geral, seja escrita ou falada. Dessa forma, nenhuma manifestação de linguagem existe
sem gramática, sem normas, mesmo que, no ponto de vista da língua formal, seja considerada
errada. A gramática existe em função da maneira como as pessoas se expressam e não o
contrário, como se pensa; é um conjunto de regras que visam à compreensão de textos
escritos e falados e, em geral, diversifica-se de acordo com a região geográfica. Como
implicações pedagógicas a autoria recomenda que no trabalho com a gramática observe-se a
relevância, utilidade e aplicação para os alunos das regras e definições trabalhadas na escola,
uma gramática que observe a funcionalidade da língua, partindo de textos e fatos reais das
manifestações lingüísticas; contextualizada e interessante, instigante ao aluno, flexível com
relação às diversidades da linguagem.
A oralidade é apresentada neste livro como uma manifestação tão importante quanto a leitura
e a escrita. Para a autora, não há oposição entre oralidade e escrita, estão intimamente
relacionadas, embora possuam suas particularidades. Desta forma, Antunes manifesta em
todo esse trabalho a preocupação em compreender a oralidade como um texto também
elaborado e que, como tal, tem sua variedade de gênero, suas especificidades de público e
suas diferenças de uso em situações formais e informais. Como recomendações pedagógicas,
manifesta a importância da coerência a partir do tema em que se desenvolve o texto oral, dos
tópicos e subtópicos da interação, recursos que mantém o encadeamento do texto, das
diferenças entre escrita e oralidade, da diversidade de gêneros textuais nela também
existentes, enfim, que se trabalhe a oralidade visando a interação e o convívio social entre os
sujeitos, desenvolvendo também a capacidade de ouvir.
No terceiro capítulo Irandé Antunes retorna estes princípios pedagógicos a fim de fornecer ao
professor elementos que ajudem na construção do ensino de língua portuguesa a partir desta
concepção interacionista da linguagem. Assim ela contribui com sugestão de atividades e
metodologias que visem essa concepção, enfocando-se em cada especificidade trabalhada
para oralidade, leitura, escrita e gramática. No capítulo 4, volta-se os olhos para a avaliação
que, admitindo-se uma concepção interacionista da linguagem, deve também ser encarada
diferentemente das concepções avaliativas reinantes. Para ela, não se trata de uma questão
técnica, mas sim de concepção. Neste sentido, a avaliação não deve ser apenas um processo
para detectar erros e reprovar os incapazes de assimilar as normas da gramática, mas deve
avaliar o processo de aprendizado a partir da compreensão da língua como objeto de
comunicação entre os sujeitos e da necessidade de os educandos assim compreendê-la, bem
como desenvolver competências para aplicá-la em situações reais.
Por fim, nos dois últimos capítulos, a título de conclusão, a autora ressalta a necessidade de o
professor assumir a autonomia de seu trabalho pedagógico em língua portuguesa, assumir-se
como especialista em língua portuguesa e ter segurança na sua ação docente, para avançar
para além das concepções antigas da língua engessada, monótona e cheia de regras. Um
ensino da língua que tenha sentido e significado para os alunos, porque é a sua língua e não a
língua exclusiva da escola.