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Sónia Pereira Dinis

Manual de Intervenção Psicológica em Emergências Sónia Pereira Dinis

ÍNDICE

Índice
ÍNDICE ......................................................................................................................................... 2
1. Introdução.............................................................................................................................. 4
2. OS PRIMEIROS SOCORROS PSICOLÓGICOS ............................................................. 7
1.2. Preparar a aplicação de Primeiros Socorros Psicológicos .............................. 8
1.2.1. Objectivos dos PSP .............................................................................................. 8
1.2.2. O que não são os PSP? ..................................................................................... 10
1.2.3. Conceitos e conhecimentos com significado ............................................. 11
1.2.4. Preparar a intervenção ...................................................................................... 22
3. Aplicar Primeiros Socorros Psicológicos ................................................................... 29
3.1. Quando se aplicam os PSP...................................................................................... 30
3.2. Onde se aplicam os PSP? ........................................................................................ 30
3.3. Como aplicar PSP....................................................................................................... 30
3.3.1. Intervir por princípios de acção – Técnicos de saúde e segurança ...... 31
3.3.4. Actuar por metodologia e princípios – Os Psicólogos ............................. 40
3.4. Adaptar a intervenção à variedade das populações ......................................... 58
3.4.1. Crianças dos 0 aos 3 anos................................................................................ 58
3.4.2. Crianças dos 3 aos 6 anos................................................................................ 59
3.4.3. Crianças dos 6 aos 9 anos................................................................................ 61
3.4.4. Crianças dos 9 aos 12 anos ............................................................................. 63
3.4.5. Como é que as crianças podem retomar o controlo.............................................. 66
3.4.6. Adolescentes ........................................................................................................ 69
3.4.7. Pessoas com deficiência e populações especiais ..................................... 74
3.5. Intervenção em situações específicas.................................................................. 78
3.5.1. Suicídio consumado ........................................................................................... 78
3.5.2. PSP em famílias multi-problemáticas ............................................................ 79
3.5.3. Envolvimento da família .................................................................................... 81
4.Desactivação dos técnicos: tratar de si e dos outros técnicos ............................. 83
4.1. Síndrome de desgaste por empatia e síndrome de super-homem ............... 84
4.2. Sinais de alarme nos intervenientes ..................................................................... 86
4.3. Prevenção: o autocuidado dos técnicos .............................................................. 88
4.4. Prevenção: cuidar dos técnicos e das equipas ................................................. 89
4.4.1. Difusing .................................................................................................................. 89

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4.4.2. Debriefing .............................................................................................................. 90


5.Depois dos PSP: Competências para a recuperação psicológica ........................ 94
5.1. Quando é que as CRP são aplicadas? .................................................................. 95
5.2. Quais são os objectivos das CRP? ....................................................................... 96
5.3. Antes de disponibilizar as CRP .............................................................................. 98
5.4. As acções dos técnicos – Oferecer as CRP ........................................................ 99
5.4.1. Primeiro passo: recolher informação e criar prioridades de assistência
........................................................................................................................................... 103
5.4.2. Segundo passo: ensinar as competências ................................................ 107
5.4.2. Terceiro passo: follow up (acompanhamento) .......................................... 125
6. COVID-19: Comunicar sem causar danos ................................................................. 128
6.1. Papel do comunicador ............................................................................................ 129
6.2. Estratégias a utilizar .................................................................................................... 129
6.2.1. Meios de comunicação e comunicadores .................................................. 131
6.2.2. Estratégias para a população em geral ....................................................... 132
7. Referências........................................................................................................................ 135

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1. Introdução

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Vivemos, nos nossos dias, uma situação única, em virtude de um novo vírus que surgiu
repentinamente. A situação está a testar a capacidade de resiliência e de adaptação do ser
humano. E, no meio da tristeza e do medo de uns, ergueu-se um movimento amplo e forte
de apoio de outros: as autoridades governamentais, diversas entidades privadas e pessoas
singulares e colectivas mobilizaram-se para apoiar. Em consequência, surgiu a pergunta
sobre como ajudar, o que fazer?

Também na área da psicologia se colocou esta questão: como é que a intervenção poderia
ocorrer para salvaguardar e ajudar psicologicamente as pessoas vítimas da catástrofe?
Como se presta auxílios a pessoas que passaram por risco de vida e por momentos
stressantes?

Actualmente sabemos que as pessoas têm instrumentos internos que lhes permitem lidar
com os eventos traumáticos e com as catástrofes. Ao longo da vida, é normal que ocorram
perdas, problemas e situações de stress. As estratégias que as pessoas utilizam nessas
situações podem ajudar o processo de recuperação de traumas maiores. Algumas pessoas
recuperam naturalmente ao fim de algumas semanas (são resilientes), mas outras
desenvolvem problemas sérios de saúde mental (como ansiedade, perturbações no
funcionamento social e familiar ou distúrbios do stress pós-traumático).

Por isso, neste manual a resposta aos eventos traumáticos é organizada em três etapas:

• Em primeiro lugar a reacção imediata ao impacto (nas primeiras 72 horas), através


da identificação de prioridades, informação sobre emoções e estratégias para
ultrapassar o trauma e conexão entre as vítimas e as redes de suporte social – este
é o domínio dos Primeiros Socorros Psicológicos;

• A segunda etapa refere-se à resposta ao stress e ansiedade que aparecem nas


semanas seguintes ao evento, aos pesadelos, à tristeza, etc. Trata-se de oferecer
estratégias simples para que as vítimas possam retomar o controlo das suas
próprias vidas;

• Finalmente, as situações críticas, em que se desenvolvem problemas permanentes


e severos, devem implicar o acompanhamento por pessoal especializado e não
serão alvo deste manual.

Este manual está organizado para responder às duas primeiras etapas e para servir

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bombeiros, forças de segurança, enfermeiros, médicos, outro pessoal de saúde e


intervenção de líderes comunitários e religiosos. Porém, é particularmente destinado aos
psicólogos e à expectativa de que venham a actuar mais presentemente em cenários em
que ocorrem catástrofes quotidianas (como os suicídios e as mortes inesperadas de
familiares) e massivas (como as inundações e as crises pandémicas ou epidémicas).

A primeira parte é destinada à preparação dos primeiros socorros psicológicos, tanto ao


nível dos conceitos, como ao nível da preparação dos técnicos.

A segunda parte é destinada a dotar os técnicos de ferramentas que precisam para actuar,
os princípios que devem ser seguidos na intervenção, mas também inclui uma orientação
para populações especificas, como as crianças e os idosos. Em seguida, quisemos incluir
uma parte dedicada aos técnicos: a proximidade da morte, da angústia e do sofrimento
dos outros tem reflexos em qualquer pessoa e, por isso, é necessário que os técnicos
conheçam formas de prevenir malefícios para a sua própria saúde mental.

Finalmente, apresentamos os mecanismos de atuação dos técnicos após as 72 horas do


evento, no âmbito das competências que ajudam as vítimas a recuperar psicologicamente
e a recuperar o controlo sobre a própria vida.

A sua inspiração foi a vontade e o empreendimento de técnicos e instituições (públicas e


privadas) que actuaram no apoio às vítimas das enxurradas de 11 de Março de 2015, em
Angola, nos Bairros do Akongo, Santa-Cruz no Lobito e Vikundu, na Catumbela e a
actual crise pandémica que assola o mundo. Esperamos que este trabalho possa estar à
altura da solidariedade e empenho de todos e em particular, daqueles que estiveram (em
Março de 2015 em Angola) e daqueles que têm estado, em todo o mundo, desde o início
desta pandemia na linha da frente, pondo em risco a própria vida para salvar vidas.

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2. OS PRIMEIROS SOCORROS PSICOLÓGICOS

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1.2. Preparar a aplicação de Primeiros Socorros


Psicológicos
Quando acontece um acidente, todos sabemos que é preciso prestar primeiros socorros.
Também sabemos que é preciso que as pessoas que ajudam estejam treinadas para isso,
caso contrário, podem provocar mais mazelas às vítimas.

Os Primeiros Socorros Psicológicos (PSP) seguem os mesmos princípios. Ajudar vítimas


de catástrofes não é uma acção simples; pelo contrário, pode ter consequências positivas
ou negativas para toda a vida.

Tal como nos primeiros socorros, a ajuda psicológica implica treino. Se não se sabe o que
fazer, é importante pedir ajuda ou aguardar que a ajuda chegue.

Nos Primeiros Socorros Psicológicos (PSP), estar treinado significa:

- Saber o que são e o que não são;

- Saber como aplicar e quando e onde aplicar;

- Estar informado para não colocar as pessoas em riscos acrescidos.

1.2.1. Objectivos dos PSP


Os objectivos dos PSP são proteger as pessoas de mais danos (físicos ou psicológicos)
que podem surgir na gestão dos eventos catastróficos e acalmar as pessoas, para prevenir
problemas psicológicos posteriores, para que não surjam danos secundários.

Então os objectivos dos PSP são:

- Reduzir o nível de stress que o acontecimento traumático produz.

- Promover a segurança física e emocional, a calma e a tranquilidade.

- Conectar a pessoa com a sua rede de apoio.

- Potenciar as estratégias de coping.

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- Aumentar a autonomia das pessoas afectadas (ajudá-las a conseguir tomar decisões e


ganhar controlo sobre a sua vida).

É importante que as pessoas afectadas percebam que têm recursos e que sejam
estimuladas a usar as estratégias para lidar com a situação. Portanto, os PSP incentivam a
auto-eficácia e eficácia da comunidade ou grupo.

Podemos dizer que os PSP são procedimentos que se aplicam a pessoas que receberam
uma má notícia, presenciaram um acidente ou viveram uma catástrofe (pessoas em
choque, vulneráveis, que tentam perceber o que aconteceu).

Os PSP são o primeiro passo para a recuperação e estão relacionados com:

- Sentimentos de segurança e proximidade;

- Acesso a apoio social, físico e emocional;

- Sentimentos de capacidade de ajudar a si mesmo enquanto indivíduos e comunidades.

De acordo com o Projeto Sphere (2011) e o IASC (2007), os primeiros cuidados


psicológicos descrevem uma resposta humana e de apoio às pessoas em situação de
sofrimento e com necessidade de apoio.

É fácil perceber quando é que os PSP estão a ser aplicados. Há indicadores claros,
nomeadamente quando os técnicos estão a:

- Inspirar calma e ajudar a produzir respostas saudáveis;

- Oferecer ajuda que não seja intrusiva e avaliar necessidades e preocupações;

- Ajudar as pessoas a suprir suas necessidades básicas (por exemplo, alimentação, água
e informação). Ajudar as pessoas na busca de informações, serviços e suportes sociais;

- Proteger as pessoas de danos adicionais;

- Facilitar a conversa e a partilha que a pessoa queira fazer, mas sem a pressionar
(muitas vezes, as pessoas sabem melhor que os técnicos sobre o que precisam).

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Na aplicação dos PSP:

- Os técnicos têm que ser especialmente honestos e confiáveis. Se prometerem e não


cumprirem, podem estar a provocar mais danos e estão a influenciar negativamente a
relação das vítimas com outros técnicos futuros;

- É preciso preservar a dignidade e a confidencialidade (a comunicação social pode


ajudar, mas também pode pedir informações confidenciais);

- Tem que haver sensibilidade cultural e religiosa. As comunidades e as famílias podem


ter formas de pensar muito diferentes. É preciso adequar o comportamento e linguagem.

1.2.2. O que não são os PSP?


Também é fácil reconhecer o que não são os PSP.

Não são uma forma de super-protecção. Com isso, não estaremos a ajudar ninguém.

Não são uma terapia nem uma técnica de diagnóstico ou de desativação (debriefing).

Não devem ser uma forma de abordar em profundidade (e com muitas verbalizações) o
que aconteceu (isso é útil e necessário, mas numa etapa posterior às 72h).

Não é algo que apenas profissionais podem fazer.

Não é um atendimento psicológico profissional.

No fundo, nos PSP não é solicitado que as pessoas analisem o que aconteceu ou que
relatem os eventos ocorridos. Os PSP pressupõem capacidade de ouvir as histórias das
vítimas, mas isso não significa pressioná-las a falar sobre sentimentos e reações que
tiveram em relação a um evento.

(Organização Pan-Americana da Saúde, 2015).

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1.2.3. Conceitos e conhecimentos com significado


O funcionamento humano é complexo. Não há um factor único capaz de explicar os
sentimentos, pensamentos e acções das pessoas. Por isso, compreender o que acontece no
quotidiano, no interior dos indivíduos e os mecanismos de funcionamento que as pessoas
têm, contribui para intervir com mais coerência.

Alguns destes conceitos e conhecimentos passarão a ser do domínio técnico, ou seja, serão
palavras e termos que os socorristas passarão a dominar e a utilizar e que, por isso, os
ajudará a constituir um grupo com recursos; por outras palavras, trataremos de um grupo
específico de conhecimentos, cujo sentido ganha relevância enquanto competência
pessoal.

1.2.3.1. Impacto primário e impacto secundário


As primeiras palavras técnicas têm a ver com os conceitos de impacto primário e
secundário.

O dano primário é o problema que origina a vulnerabilidade, o acontecimento que a


pessoa não pode evitar. Por exemplo, o terramoto, o acidente de viação, o contágio viral
ou o suicídio.

O impacto secundário é o que acontece ao longo da gestão do impacto primário. Por


exemplo, os sentimentos de impotência ou de culpa, ou a sensação de grande
vulnerabilidade quando por exemplo, as pessoas afectadas por cheias têm que dormir ao
relento e perto do local onde aconteceu o evento.

1.2.3.2. Transtorno do stress agudo e transtorno do stress pós-


traumático

O transtorno do stress agudo é relativamente comum, porque se refere à resposta imediata


das pessoas a acontecimentos traumáticos. Já o transtorno do stress pós-traumático é um
problema muito grave de saúde que põe em causa o funcionamento.

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TRANSTORNO DO STRESS AGUDO TRANSTORNO DO STRESS PÓS-


TRAUMÁTICO
- Transtorno transitório; - É a cronificação de um transtorno agudo que foi
- Gravidade importante; mal gerido;
- Resposta a um stress excepcional; - Muito grave;
- Aparece horas ou dias após o evento traumático; - Resposta a um stress excepcional devido a um
- Acontece/mantém-se durante as 4 - 6 semanas evento traumático;
seguintes ao evento que causou o stress; - Não tem cura sem ajuda profissional;
- Precursor do stress pós-traumático. - a duração dos sintomas é superior a 4 - 6
semanas;
- Tem efeitos negativos na vida quotidiana.

CARACTERÍSTICAS DO TRANSTORNO CARACTERÍSTICAS DO TRANSTORNO DO


DO STRESS AGUDO STRESS PÓS-TRAUMÁTICO
Hiper-alerta: Hiper alerta:
Insónia, sobressaltos e hipervigilância; Dificuldade em conciliar o sono, dificuldade de
irritabilidade, sintomas físicos de ansiedade. concentração, irritabilidade e episódios de cólera
hipervigilância.

Re-experimentação: Re-experimentação:
Pensamentos intrusivos, flashbacks, Memórias repetitivas e intrusivas, flashbacks,
pesadelos. pesadelos recorrentes, mal-estar psicológico intenso
ao exporem-se a estímulos relacionados com o
acontecimento, respostas fisiológicas sucessivas a
estes estímulos.

Evitação: Evitação:
Esforços para evitar pessoas, lugares ou Esforços para evitar acções, pessoas ou lugares; torpor
acções; incapacidade para continuar a vida afectivo intenso, incapacidade de recordar alguns
normal e torpor afectivo. aspectos do acontecimento, diminuição das
actividades quotidianas e das relações sociais,
dificuldade em imaginar e planear o futuro.

Sintomas dissociativos:
Sensação de desapego, redução da
consciência do meio envolvente,
despersonalização, amnésia selectiva.

Deteorização do funcionamento:
Manifestação de sofrimento; redução da
capacidade de desempenhar as actividades
habituais.

1.2.3.3. Epidemiologia

Que tipo de exposição é que os técnicos devem esperar? Uma parte significativa foi ou
será exposta a factores stressantes agudos. A permanência e gravidade dessa exposição e
também a existência de outros fatores de risco ou de protecçäo determinam a percentagem
de pessoas que desenvolve problemas crónicos de saúde mental.

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CAUSAS DOTRANSTORNO DO STRESS CAUSAS DO TRANSTORNO DO STRESS


AGUDO: PÓS-TRAUMÁTICO:
- A maioria a população passa por eventos - Varia muito em função do contexto (existência
traumáticos; de um clima de guerra);
- A prevalência varia ao longo da vida e de acordo - 35% dos adultos expostos a eventos traumáticos
com as culturas; desenvolvem o transtorno crónico ou agudo;
- Ocorre em todas as idades e em ambos os - No caso do transtorno crónico, há mais
géneros; prevalência nas mulheres (9,7%) do que nos
- Há maior prevalência nas mulheres vítimas de homens (3,5%).
abusos sexuais ou físicos ou em homens sujeitos a
combate;
- 65% dos adultos expostos a eventos traumáticos
conseguem recuperar sem sequelas.

1.2.3.4. Factores protectores e factores de risco


Os factores de risco e de protecção são outros dois conceitos com que os técnicos lidam.
Em todas as situações da vida é possível identificar factores que protegem as pessoas e
factores que as colocam em risco. Por exemplo, no dia-a-dia das crianças dizemos que há
factores de risco se os familiares estão desempregados, se há casos de alcoolismo ou se
há produtos perigosos ao alcance das crianças. E falamos em factores protectores se os
pais falam com os filhos sobre a escola e as relações com os amigos, se o ambiente
familiar está isento de conflitos e discussões e se a casa tem higiene.

É muito importante que os técnicos sejam capazes de identificar esses factores. Eles
podem ser importantes para a intervenção dos próprios técnicos, como para a
referenciação e trabalho de outros serviços.

Há que diferenciar os factores de risco e de protecção em crises massivas dos factores de


risco e de protecção das crises quotidianas.

1.2.3.4.1. Crises Massivas

As emergências massivas (ao contrário das quotidianas), afectam um grande número de


pessoas, geram interesse mediático, comprometem os recursos, podem destruir
infraestruturas e influenciam os processos de coesão social e comunitária.

São situações em que as pessoas podem ser vítimas duas vezes. Há vitimização primária
quado as pessoas são afectadas pelo evento e quando o caos se estabelece a seguir e se
junta à falta de informação: dá-se a vitimização secundária (e o dano secundário, que

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ocorre durante a gestão do evento).

São, por exemplo, os incêndios, os terramotos, as cheias, os atentados terroristas.

Há três fontes de factores de proteção:


Factor de protecção Caracaterísticas
Situação - O evento é um desastre natural;
- Não há perda de pessoas da família;
- As vítimas não sofrem ferimentos;
- O evento ocorre durante o dia.

Pessoa - Boa capacidade para enfrentar situações difíceis;


- Boa rede de apoio social;
- Factores facilitadores da resiliência.

- Pouca ou nenhuma negação ou dissociação;


Gestão do evento - Tranquilidade e baixo nível de activação;
- Informação disponível e de qualidade;
- As vítimas são bem tratadas pelos técnicos;
- Aplicação de PSP.

Os factores de risco são traduzidos pelo contrário dos factores de protecção.

1.2.3.4.2. Crises quotidianas

São situações em que as pessoas não têm recursos e capacidades para lhes fazer frente,
ou eventos traumáticos e que as pessoas ou entes queridos passam por situação de risco
de vida (têm aspectos muito negativos, mas não colocam em risco as estruturas
comunitárias). São situações repentinas, inesperadas, frequentes, urgentes e que afectam
uma família. Por exemplo, o desemprego, uma doença grave, uma inundação, divórcio,
agressão sexual, acidente de automóvel, luta e agressão, roubo violento, ter uma arma
apontada.

A resolução eficaz destas situações dá origem ao início do processo de luto ou a encontrar


novos recursos que se juntem aos recursos da vítima, para enfrentar a situação. A
resolução ineficaz poderá dar origem a problemas de saúde mental.

Os factores de risco e de protecção estão relacionados com o ambiente, a situação e a


pessoa. O ambiente diz respeito às caraterísticas físicas exteriores que influenciam a
percepção do acontecimento; a situação refere-se às condições que afectam as pessoas e
que podem fazer com que um evento seja vivenciado como positivo ou negativo; os
factores pessoais são relativos à pessoa, adquiridos ao longo da adolescência e adultícia

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e são factores internos.


Factor Protecção Risco
Ambiente - Fácil acesso; - Difícil acesso;
- Clima agradável; - Clima extremo;
- De dia (há luz e visibilidade); - Noite (pouca visibilidade);
- Zona frequentada. - Zona pouco frequentada.
Situação - Atitude empática dos técnicos; - Pouca ajuda e prestada tardiamente;
- As vítimas terem algum controlo da - Não haver possibilidade de tomar
situação; decisões;
- Possibilidade de pedir ajuda; - Ter pouca informação e estar exposto a
- Ter acesso à informação de qualidade rumores;
e repetida; - Desagregação familiar;
- Possibilidade de reagrupamento - Atitude pouco empática dos técnicos;
familiar; - Ver feridos e pessoas mortas.
- Apoio da comunidade.
Pessoa - Boa capacidade de comunicação; - Idade;
- Capacidade de exprimir emoções; - Ter passado por situações traumáticas
- Rede de apoio funcional; anteriores;
- Aceitar o apoio de familiares e - Problemas de saúde física e mental;
vizinhos; - percepção do perigo de vida para si e para
- Ser optimista; outros;
- Realizar actividades de ócio e prazer; - Poucas relações sociais;
- Sentido de humor. - Dificuldade em falar do sucedido.

1.2.3.5. Acontecimentos vitais stressantes


Os acontecimentos vitais stressantes são os acontecimentos da vida diária que põem à
prova as capacidades psicológicas e físicas.

Podem ser situações tão variadas como situações traumáticas agudas (agressão física e
verbal, agressão sexual ou desastres), mas também podem ser situações crónicas (a
pobreza, o desemprego, maus-tratos ou problemas crónicos de saúde). Também são
situações vitais stressantes o divórcio ou o encarceramento de um familiar ou o momento
em que os filhos saem de casa. Algumas ocorrências podem ser stressantes, mas não
desagradáveis, como o casamento ou a mudança de residência. Estes eventos são variados
e têm significados diferentes de pessoa para pessoa.

O que é que estes acontecimentos produzem?

Uma série de respostas cognitivas e psicofisiológicas com o objetivo de ajudar a pessoa


a adaptar-se à situação (o corpo e a mente estão a adaptar-se).

A inadaptação origina mudanças do estado de saúde ou o agravamento de situações


existentes. Pode originar destabilização do ambiente familiar ou profissional e levar a

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crises que terminam em disfunções.

Os acontecimentos vitais stressantes são considerados factores de risco. Porém, há muitos


casos de pessoas que passaram por várias situações vitais stressantes e que se conseguem
adaptar: trata-se da resiliência.

O que é importante na resiliência é saber como é que as situações são resolvidas e


enfrentadas; quais são os recursos que as pessoas utilizam para fazer frente aos problemas.

Porque é que os acontecimentos vitais stressantes são relevantes para os PSP?

- Dão informação sobre como é que as pessoas enfrentam os acontecimentos


traumáticos;

- Permitem que os técnicos reforcem as estratégias funcionais que as pessoas já


possuem (“O que fez naquela altura pode ser-lhe útil agora”);

- Dá, às vítimas, alguma sensação de controlo, porque já têm conhecimento da tarefa


que enfrentam.

Mas se os acontecimentos vitais stressantes não foram bem resolvidos no passado, podem
aparecer complicações adicionais:

- Acumulação de acontecimentos traumáticos não resolvidos;

- Frustração (sensação de que não é capaz de gerir os acontecimentos);

- Prognósticos negativos.

Estes acontecimentos fazem com que a recolha de informação seja muito importante,
tanto nos PSP como nas Competências para a Recuperação Psicológica (CRP). Como
veremos mais a frentes, as CRP são competências que os técnicos ajudam as vítimas a
desenvolver e que contribuem para a recuperação psicológica. Porém, se os técnicos
identificam situações em que os sobreviventes já aplicaram, por si, essas competências,
metade do trabalho está feito.

Portanto, como se pode fazer a gestão dos acontecimentos vitais stressantes na aplicação
de PSP?

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- Recolher informação (já passou por situações parecidas a esta?);

- detectar pontos fortes e fracos; (como geriu e saiu das situações anteriores?) há algum
evento traumático não resolvido que pode prejudicar a situação actual e tornar-se
crónico?);

- O seguimento (follow up) é importante. Se tivermos conhecimento dos acontecimentos


vitais stressantes anteriores, poderemos gerir melhor os momentos actuais.

1.2.3.6. As tarefas do luto


Optámos por colocar as tarefas do luto enquanto conceito que os técnicos devem
conhecer, porque quem intervém poderá estar a lidar com pessoas e situações que podem
ter origem no falecimento de pessoas amadas. Conhecer as tarefas do luto pode ajudar os
técnicos a compreender o que se está a passar com as vítimas. Mas isso não significa que
qualquer técnico possa intervir quando as tarefas de luto previstas não estão a ser
cumpridas. O conhecimento das tarefas de luto é útil para que os técnicos cumpram uma
das suas funções mais importantes: a referenciação e encaminhamento para os serviços
adequados.

Estas são quatro tarefas essenciais no processo de luto que têm de ser concretizadas
para que se restabeleça o equilíbrio e para o processo de luto ficar completo: aceitar a
realidade da perda, elaborar a dor da perda, ajustar-se a uma realidade em que o falecido
está ausente e reposicionar emocionalmente o falecimento e prosseguir com a vida.

1.2.3.6.1. Aceitar a realidade da perda

Este é o primeiro passo do luto. Só se pode chorar as pessoas que morrem. Por isso é um
passo muito importante. Adiante veremos que quando os técnicos têm que fazer ou
acompanhar a notificação da morte (quando se tem que dizer a familiares que alguém
faleceu), devem ser utilizadas palavras que facilitem a aceitação da perda, como «morreu»
ou «faleceu».

Alguns sobreviventes podem permanecer nesta tarefa, ou seja, podem não aceitar a
realidade da perda (Dorpat, 1973 cit. por Worden, 1991). Eis alguns indícios de que os

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sobreviventes não estão a aceitar o falecimento do ente querido:

- As vítimas podem agir sobre os factos da perda e negar os factos da perda. Podem,
por exemplo, distorcer os factos ou mesmo apresentar quadros de delírio; em casos raros,
manter o corpo do falecido em casa durante vários dias. Contudo, a reacção mais
frequente é a manutenção, sem alterações, dos objetos e espaços da pessoa falecida, o que
pode indiciar a esperança do retorno da pessoa falecida.

- Outra forma das pessoas negarem a perda é desdenharem o significado da morte. Esta é
uma forma de se protegerem da realidade, fazendo com que a perda pareça ser menos
significativa do que é na realidade. Exemplos comuns são verbalizações de desdém ou
negativas: "ele não era uma boa pessoa" ou "não nos dávamos muito bem" e "não era uma
pessoa importante para mim". Os sobreviventes que neguem o significado da perda
também podem deitar fora os pertences que recordem a morte e esquecer selectivamente
alguns momentos positivos passados com a vítima (ou mesmo esquecer as feições da
pessoa falecida).

- Alguns sobreviventes também se impedem de realizar esta tarefa de aceitação da perda


através da negação de que a morte é irreversível. Note-se que as crianças até aos 6 anos
não compreendem que a morte é irreversível. Mas o mesmo não se passa com os adultos.

Há que diferenciar o que é normal (os adultos podem ter expectativas de se juntar à pessoa
falecida depois da morte), do que serve para negar a perda (quando essa esperança tem
um carácter de presença permanente).

Apesar da aceitação da perda levar tempo e ser um processo com passos em frente e atrás
(principalmente nos aspectos emocionais) há rituais (como o funeral ou a visita à campa
do falecido) que contribuem para que os sobreviventes avancem para a próxima tarefa.

1.2.3.6.2. Elaborar a dor da perda


Perder uma pessoa amada provoca sentimentos de angústia e dor (por vezes, até de dor
física). É um processo pelo qual passam os sobreviventes e é normal e desejável, porque
se se impedir essa dor, os sobreviventes prolongarão o processo de luto (Parkes, 1972 cit.
por Worden, 1991). Esta tarefa implica sentir. Portanto, a negação desta segunda tarefa, é
não sentir.

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Os sobreviventes que adiam a elaboração do luto podem, por exemplo, negar a dor,
idealizar o falecido, evitar coisas que lembrem o falecido e utilizar substâncias alienantes
(álcool ou outras drogas). Aliás, o evitamento dos sentimentos também pode ser
manifestado através da criação de ocupações que remetam a dor para segundo plano,
como trabalhar muitas horas seguidas ou viajar. Quando os sobreviventes não elaboram
a dor (Bowlby, 1980 cit. por Worden, 1991), é provável que desenvolvam quadros de
depressão.

1.2.3.6.3. Ajustar-se a um ambiente em que o falecido está ausente

Ajustar-se a um novo ambiente é, na realidade, um processo de descoberta da relação com


o falecido e de autoconhecimento. Muitas vezes, só na ausência da pessoa falecida é que
o sobrevivente percebe que perdeu a pessoa com quem falava e partilhava os sentimentos,
ou a pessoa que fazia as pequenas obras na casa, ou que tratava da contabilidade do lar e
garantia que o dinheiro do casal durasse ao longo do mês, ou que cuidava da alimentação.
Por isso, o ajustamento é diferente de pessoa para pessoa, em função da relação com a
vítima e dos papéis que ela desempenhava (Parkes, 1972 cit. por Worden, 1991). Há, em
simultâneo, três áreas de ajustamento: externos (funcionamento quotidiano e na
comunidade), ajustamentos internos (a identidade própria) e ajustamento de crenças
(valores, considerações).

Ajustamento externo - Nesta fase, a adopção de novos papéis e competências pode trazer
alguma satisfação (por exemplo, aprender a cozinhar para os filhos), porque o
sobrevivente pode sentir que está a respeitar o falecido, porque está a garantir o bem-estar
dos filhos; e também pode estar satisfeito porque está a aprender coisas novas e a ganhar
controlo sobre a sua vida e o seu futuro (pode haver uma projecção de que a pessoa
falecida sentiria orgulho e segurança no sobrevivente).

Ajustamento interno – Quando as pessoas partilham a vida (por exemplo, no caso dos
casais e dos pais e crianças) é natural que aquilo que a pessoa é (a identidade) seja
influenciado pelas relações com os outros. Nesse caso, o processo de luto significa a perda
de uma pessoa amada, mas também (verdadeiramente) de um pedaço da própria pessoa
que sobrevive e das referências de construção e desenvolvimento pessoal (Zaiger, 1985
cit. por Worden, 1991).

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Ajustamento de crenças – A perda de familiares e de pessoas amadas também pode


afectar a visão que a pessoa tem do mundo. Por exemplo, os adolescentes têm um
sentimento de que têm uma vida longa à sua frente, o que pode ser posto em causa pelo
falecimento de um amigo. Numa situação dessas, o adolescente ganha incertezas e
inseguranças que de outra forma não teria. Assim, a perda pode pôr em causa várias
crenças e desafiar aquilo que as pessoas tomavam como certo e seguro.

Quando os sobreviventes não cumprem esta tarefa de luto, não estão a adaptar-se à perda,
ou seja, não estão a desenvolver as novas competências que lhes permitem enfrentar o
dia-a-dia, cuidar dos seus e crescer.

1.2.3.6.4. Reposicionar emocionalmente a pessoa que faleceu e


prosseguir com a vida

As memórias significativas nunca são perdidas. Qualquer pessoa mantém memórias de


momentos felizes da infância, ou do primeiro beijo, ou do nascimento de um filho. Essas
memórias significativas são utilizadas no quotidiano, sem que seja necessário mobilizá-
las propositadamente ou sem que elas surjam constantemente. Assim, o processo de luto
cessa quando os sobreviventes deixarem de ter a necessidade de recordar o falecido e os
momentos significativos com intensidade exagerada no quotidiano (Volkan, 1985 cit. por
Worden, 1991). Por outras palavras, quando a pessoa falecida ocupa um espaço
importante na vida do sobrevivente (como, por exemplo, ocupa o nascimento de um
filho), sem impedir que novas relações sejam desenvolvidas (no caso dos nascimentos, os
pais não estão permanentemente a recordar essa situação, o que lhes permite repreender
os filhos quando necessário, ou ajudá-los com os trabalhos da escola).

Quando as memórias da pessoa falecida estão «arrumadas», as vítimas começam a ter


disponibilidade para entrar em novas relações (Schuchler & Zisook, 1987 cit. por Worden,
1991). Portanto, esta tarefa de luto é retratada pelo desenvolvimento de novas relações e
novos sentimentos para com outras pessoas, tanto de amizade como, eventualmente, de
amor.

Por isso, não cumprir esta tarefa é não amar. A pessoa agarra-se ao vínculo que tem com
o passado em vez de seguir em frente e formar novas vinculações. São situações em que
a vida está estagnada e os sobreviventes estão presos às memórias de quem já não existe

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e incapazes de se relacionarem com os vivos. Normalmente, as pessoas que estão presas


a esta etapa apresentam a sobre-idealização da pessoa falecida, sentimentos de
deslealdade ou receio de uma nova perda; estes sentimentos costumam impedir novas
vinculações e compromissos (Walsh & McGoldrick, 1998).

1.2.3.7. Resiliência

A resiliência é um conceito central na intervenção com pessoas que sofreram perdas ou


que passaram por eventos traumáticos.

A resiliência é a capacidade de ultrapassar uma situação stressante, sem sofrer


consequências negativas permanentes e que incapacitem qualquer parte do
funcionamento. Trata-se de garantir as tarefas essenciais do desenvolvimento, apesar de
qualquer evento traumático que ocorra.

Ao longo do desenvolvimento, o ser humano passa por etapas de crise. Há crises que
todos esperam que aconteça (como a adolescência, em que há um grande crescimento
físico e ético) e crises que podem ou não ocorrer, mas que, na generalidade, não se espera
nem se está preparado para que aconteçam (divórcio, acidente, epidemia, pandemia e
desemprego). Assim, o resultado das crises é relevante: a pessoa evoluiu, desenvolveu-
se, ou ficou parada (ou retrocedeu)?

A resiliência desenvolve-se ao longo da vida, no âmbito das etapas desenvolvimentais e


a sua influência na intervenção na crise tem a ver com o reconhecimento que as pessoas
têm capacidades e forças internas que aplicam ao longo da vida e que as podem ajudar a
enfrentar situações negativas catastróficas.

Modelo de risco e reacção Modelo de prevenção (usa a resiliência)


- Baseado nos problemas; - Assenta nas capacidades e recursos das pessoas;
- Centrado nas características associadas ao risco - Lida com competências que protegem as pessoas
de dano biológico, psicológico e social. e que ajudam a superar as crises.

Desta forma, é importante que os técnicos conheçam os factores que potenciam ou inibem
a resiliência. Os factores presentes podem determinar o sentido da intervenção junto das
vítimas:

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Nível Potenciadores da resiliência Depressores da resiliência


Individual Pessoas: Pessoas com:
- Activas; - Baixa autoestima;
- Reflexivas; - Depressão ou angústia;
- Sociáveis; - Níveis fracos de percepção do risco;
- Independentes; - Impulsividade;
- Confiantes; - Passividade;
- Com capacidade para resolver problemas; - Baixo desempenho escolar;
- Com interesses variados. - Exposição a pressões e stress;
- Afastadas da família;
- Falta de projectos de vida.
Familiar Famílias com: Famílias com:
- Menos de 4 filhos; - Falta de cuidados e supervisão;
- Laços afectivos fortes; - Disciplina inconsistente ou muito
- regras e limites; severa;
- educação e estudos; - Pais temperamentais e violentos;
- Supervisão parental; - Expectativas irrealistas dos filhos;
- Estimulação da autonomia; - Crise de valores.
- Atribuição de tarefas domésticas.
Contexto Relações positivas com os pares, vizinhos e - Cultura de risco;
professores. - Crise de valores sociais;
- Sociedade permissiva;
- Falta de apoio social;
- Ausência de alternativas de tempo
livre;
- Problemas sociais.

1.2.4. Preparar a intervenção


Oferecer ajuda pode ser muito mais complicado do que parece à partida. Sobretudo
significa respeitar a segurança, a dignidade e os direitos das vítimas, garantir que se está
a actuar com competência e que se age de tal forma que os técnicos e os sobreviventes
estejam seguros antes, durante e depois da intervenção.

A intervenção dá-se em ambientes desorganizados e junto de pessoas vulneráveis. As


catástrofes não se anunciam, por isso, a actuação ética é particularmente importante.
Reconhecer que as vítimas estão vulneráveis significa que os técnicos sabem que têm que
agir para garantir que a segurança, a dignidade e os direitos estão salvaguardados.

Intervir com segurança significa:

- Que a ajuda não pode colocar as pessoas em novas ou maiores situações de risco ou
dano;

- Actuar para que as vítimas que recebem a sua assistência sintam que estão seguros e que

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podem ser protegidos física e psicologicamente.

Intervir com dignidade significa:

- Que as vítimas são pessoas com plenos direitos. A intervenção não justifica acções que
minimizem a cultura ou a autoestima.

Intervir no respeito pelos direitos significa:

- Que as vítimas têm acesso à ajuda sem discriminações;

- Que a acção ocorre em benefício dos interesses das vítimas e ajuda-as a ter acesso ao
apoio social e aos seus direitos.

O processo completo seria o seguinte.

1.2.4.1. Atitude do socorrista


Ao longo deste manual reforçaremos sempre a seguinte ideia: o que os técnicos fazem
influencia o trabalho dos outros técnicos. E isso convoca a que todos os técnicos estejam
comprometidos com princípios éticos, humanos e profissionais elevados. Eis alguns dos
comportamentos indispensáveis aos PSP:

- Ser honesto e confiável;

- Respeitar o direito das pessoas decidirem por si mesmas;

- Informar às pessoas que podem recusar a ajuda, que poderão receber ajuda mais tarde,
caso prefiram não o fazer de imediato;

- Respeitar a privacidade e manter sigilo sobre a história da pessoa, caso seja


apropriado;

- Ter comportamentos adequados à cultura, idade e género das vítimas;

- Estar atento aos próprios preconceitos e preferências. A catástrofe não é


preconceituosa, os técnicos também não o devem ser.

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1.2.4.2. Estar preparado para a adaptação cultural


As catástrofes e os eventos que levam à necessidade de PSP não escolhem pessoas,
culturas nem idades. Por isso, o prestador de cuidados deve estar reparado para agir em
função do contexto cultural das vítimas. Em alguns casos, pode não ser conveniente
intervir sozinho junto de mulheres ou crianças, ou pode ser adequado usar um
determinado vestuário.

Como o técnico não pode adivinhar onde ocorrerá a crise, deverá estar preparado para
refletir sobre a sua ação. Eis algumas perguntas que podem ajudar:

Domínio Ações
Vestuário - Que roupa deve ser usada pelo técnico?
- Que roupa é que as vítimas precisarão para serem ajudadas? (Pode
acontecer uma vítima recusar ajuda por não ter roupas adequadas).
Idioma - Conhece o idioma?
- Estará acompanhado por pessoas que podem traduzir?
- Que palavras técnicas devem evitar usar, para não confundir as vítimas?
(Lembre-se que as vítimas podem não compreender as palavras que utiliza e
isso pode deixá-las mais assustadas).
Sugestões:
- Procure e utilize as semelhanças linguísticas;
- Cumprimente na língua das vítimas.
Género, idade e - É importante que os homens sejam assistidos só por homens? E as
poder mulheres? E as crianças?
- Que líderes da comunidade podem auxiliar a sua intervenção?
Comportamentos - Há cuidados a ter no contacto físico (toque no ombro, segurar a mão)?
- Há algum cuidado a ter com crianças e pessoas idosas?
- Qual é a organização das refeições, dos horários e das orações?
Crenças e religião - Há grupos étnicos e religiosos diferentes na área de intervenção?
- Que crenças podem afetar a intervenção?
Sugestões:
- Inclua os sobreviventes na orientação dos técnicos quanto aos protocolos
culturais (por exemplo, na forma de cumprimentar);
- Participe nos rituais, se tal for pedido e adequado.
(U.S. Department of Mental Health and Human Services, 2003)

1.2.4.3. Estar preparado para informar


Os técnicos que oferecem PSP precisam ter informações seguras. Não precisam fornecer
muitas informações, porque isso pode aumentar a confusão das vítimas, mas tudo o que
dizem tem que ser verdadeiro e confiável. A nota importante aqui é a seguinte: a confiança
que os sobreviventes desenvolvem com uns técnicos, influenciam os trabalhos dos outros
técnicos. Numa catástrofe é muito natural que vários técnicos (bombeiros, enfermeiros,
médicos, psicólogos, religiosos) contactem com as vítimas.

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Oferecer informações é um acto muito variável. Numa situação catastrófica, pode


significar informar sobre os serviços de apoio, locais de recolha de comida, ou um centro
onde a vítima pode procurar familiares desaparecidos.

Em situações mais particulares (acidentes de automóvel, suicídios), as informações são


mais individualizadas.

Por isso, quando se organiza a ajuda, tem que se ter em conta a informação aos técnicos.
Técnicos informados criam confiança, resolvem problemas e ajudam mais pessoas. Os
técnicos devem estar preparados com informações sobre:

- Actuação das autoridades: o que está a ser feito, que serviços estão disponíveis e onde;

- Que outros técnicos estão no terreno e quais as suas áreas de competência;

- O que aconteceu na catástrofe;

- Qual o nível e as preocupações de segurança dos técnicos e das equipas.

Em termos práticos, antes de intervir, o técnico deverá saber responder às seguintes


perguntas:
Domínio Perguntas
Impacto O que aconteceu?
Quando aconteceu?
Quantas pessoas foram afetadas?
Serviços disponíveis Que serviços estão a ser oferecidos e onde?
Quem está a oferecer esses serviços?
Quais são os membros da comunidade que estão a apoiar a intervenção?
Segurança A crise já terminou ou ainda há riscos?
Que perigos podem existir no local?
Existem áreas a ser evitadas?
Existem comportamentos a ser evitados?
Organização Quem vai actuar consigo?
Qual a experiência que têm?
Como pode estabelecer comunicação com os serviços?
O que fazer com situações prioritárias?

1.2.4.4. Estar em condições para intervir


Significa que os técnicos devem ter condições físicas, psicológicas e técnicas para actuar.

Em primeiro lugar, os técnicos devem conhecer as suas competências: o que podem e


devem fazer e o que requer encaminhamento para outros técnicos. Ajudar é um trabalho

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de grupo. Se for técnico, não hesite em pedir aconselhamento a quem tem mais
experiência e a ajudar quem não a tem. Sobretudo, não hesite em convocar técnicos mais
especializados.

Nas catástrofes, nunca há especialistas suficientes para chegar a todos. Por isso, você
pode ser importante para ajudar a criar prioridades de assistência.

Em segundo lugar, se alguém da família de algum técnico foi afetada pela tragédia, talvez
seja melhor esse técnico dedicar-se à família. A atenção estará sempre virada para eles.

Em terceiro lugar, os técnicos devem ter a certeza de que estão bem de saúde física e
mental. As zonas de catástrofe são espaços sujeitos a doenças. Se os técnicos estiverem
vulneráveis, passarão a ser um problema acrescido.

Para além disso, num impacto primário, os técnicos convivem com tensões, desespero,
pessoas que não poderão ajudar. Mesmo em situações singulares (por exemplo, dar a
notícia da morte de um ente querido) a carga emocional é muito grande. Por isso, se é
técnico, cuide de si. Significa também que tem que ter um olho sempre nos seus colegas.
Por vezes as pessoas não são capazes, por si só, de reconhecer as suas fragilidades.

1.2.4.5. Estar preparado para coordenar uma equipa


A preparação pode salvar vidas. Por isso, se tem responsabilidades na coordenação de
equipas, apesar de implicar algum tempo, garanta que os técnicos estão preparados. O
sucesso da intervenção em PSP está dependente de algumas informações, como vimos
anteriormente.

Uma estratégia útil é a de antecipar as crises. Por exemplo, prepare um colaborador para
lidar com os técnicos que chegam e para os informar antes da intervenção.

Se tiver preparada uma estrutura de intervenção, a acção será mais útil e eficaz. Eis
algumas questões que podem ajudar a organizar e preparar a intervenção.

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Domínio Questões
Orientação dos Quem orienta a intervenção?
técnicos A quem devem recorrer em caso de necessidade?
Quem identifica as competências dos técnicos?
Quem fornece as informações de que os técnicos precisam para intervir?
Aspetos éticos Que informações e expectativas éticas devem ser partilhadas com a equipa antes
da intervenção?
Aspetos culturais Que elementos acerca da cultura local podem influenciar a intervenção e que os
técnicos devem conhecer?
Quais são os elementos da comunidade que podem contribuir para a
intervenção?
Informações Que informações são transmitidas às equipas e quem é responsável por essa
informação?
Que serviços estão no terreno e como é que se compatibilizam?
Que informações sobre os serviços devem ser oferecidos à população?
Segurança? Que riscos existem?
Que procedimentos devem ser adoptados em situações de insegurança?
Qual é a constituição das equipas?
Prioridades Qual o encaminhamento a dar perante situações que os técnicos considerem
prioritárias?

1.2.4.6. Comunicar

Actuar nos PSP é, em primeiro lugar, um acto de ligação e comunicação. Não é como
noutras intervenções, acções físicas (não se ausculta, nem se cura feridas).

Comunicar com uma pessoa emocionalmente abalada implica estar preparado para tal,
porque quem passou por eventos traumáticos pode estar triste, ansioso ou sentir-se
culpado.

O princípio de acção é: estar calmo e ser empático.

Este princípio ajuda a que as pessoas se sintam calmas, seguras, protegidas e respeitadas.

Ouvir as histórias é importante. Mas apenas as histórias de quem quer contar. Não deve
haver pressão para que as vítimas falem sobre o ocorrido. Por vezes, o silêncio é suficiente
(a presença de uma companhia, ainda que em silêncio, pode ajudar).

As vítimas devem sentir-se respeitadas e devem saber que os técnicos estão disponíveis
quando elas quiserem partilhar.

Como comunicar e o que fazer?

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O que fazer e dizer? O que não fazer e dizer?


- Comunique num ambiente reservado e seguro, - Não pressione ninguém a contar a sua história
sem distrações exteriores; pessoal;
- Respeite a confidencialidade; - Não pressione ou apresse a história de alguém
- Esteja próximo, mas com o distanciamento (por exemplo, não olhe para o relógio, ou não se
adequado ao género, cultura e idade da pessoa; vire para a saída);
- Mostre que está a ouvir. Utilize a escuta activa; - Não toque na pessoa se não tiver a certeza de
- Seja paciente e esteja calmo; que pode fazê-lo;
- Forneça informações se você as tiver. Caso não - Não julgue o que as pessoas fizeram ou o que
as tenha, seja sincero sobre isso. Poderá voltar não fizeram;
mais tarde, com melhores informações; - Não julgue os sentimentos das pessoas. Por
- Fale com simplicidade. A pessoa deve poder exemplo, não diga “Você devia estar a sentir-
entender as informações; se…” ou “Você deveria sentir-se com sorte por
- Reconheça os sentimentos das pessoas e as ter sobrevivido;”
perdas que ocorreram. Por exemplo, “Eu lamento - Não invente coisas de que não tem certeza;
pelo que houve. Posso imaginar a - Não use termos muito técnicos;
tristeza/angústia que está a sentir”; - Não conte às vítimas as histórias de outras
- Reconheça também os esforços da pessoa e a pessoas;
importância desses esforços; - Não fale sobre os seus próprios problemas;
- Permita o silêncio. - Não deixe falsas esperanças ou promessas;
- Não diminua o esforço da pessoa para resolver
os seus problemas ou as suas capacidades de
cuidar dela e dos seus entes queridos;
- Não utilize termos negativos (louco, doido, etc.).

A comunicação é importante porque cumpre objetivos de auxílio. Quando se comunica,


pode-se observar, escutar e aproximar. Assim, os técnicos podem identificar prioridades
de intervenção e as necessidades das pessoas. Por isso, a sua acção é definida pela sua
capacidade de observar, escutar e aproximar.

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3. Aplicar Primeiros Socorros Psicológicos

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3.1. Quando se aplicam os PSP


Os PSP aplicam-se numa situação de tragédia quotidiana ou massiva, nas primeiras 72
horas após o evento.

Há situações em que não é possível intervir dentro dessas 72 horas. O que fazer nessas
situações?

Há duas intervenções possíveis. A primeira é a de desenvolver competências para que os


afectados possam fazer a sua recuperação psicológica. A segunda é a de oferecer PSP,
com orientação para que as vítimas compreendam o que se está a passar no contexto.
Tanto os PSP como as CRP têm alguma eficácia mesmo que sejam aplicados muito tempo
depois do impacto. Porém, quando passa muito tempo, os sobreviventes podem já ter
desenvolvido os quadros crónicos que os PSP e as CRP ajudam a evitar.

3.2. Onde se aplicam os PSP?


O local de aplicação dos PSP deve permitir segurança e o afastamento das vítimas do
impacto. Podemos identificar um cenário ideal e um cenário com condições mínimas:
Cenário ideal Cenário com condições mínimas
- Lugar seguro; - Lugar seguro;
- Temperatura adequada; - Em que seja possível tapar o contacto visual com
- Longe da vista e dos ruídos do impacto (mas não o impacto;
demasiado longe); - Com garantia de que os meios de comunicação
- Com espaços e divisões que permitam a social não podem entrar;
privacidade (com espaços em que as famílias - Com biombos que ofereçam privacidade mínima.
possam estar juntas);
- Com disponibilidade de comida, bebida e espaço
de apoio para as crianças;
- Com acessos fáceis;
- Protegido dos meios de comunicação.

3.3. Como aplicar PSP


Há vários modelos para a intervenção e aplicação de PSP. Ao longo deste manual
utilizaremos os contributos desses vários modelos, mas o enquadramento será sempre nos
princípios essenciais do socorrista: ver, escutar e ligar.

Estes são os grandes princípios que devem estar sempre presentes nos PSP e nos

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socorristas. Fazem parte de todos os modelos de intervenção (apesar de alguns modelos


considerarem outros passos). Vamos tentar enquadrar os vários modelos nestes princípios
de acção.

Organização Mundial da Saúde (Brymer, et al., 2006)


Acções Objectivos Acções Objectivos
Ver Verificar se há segurança, pessoas Contacto e Iniciar ou responder a contactos,
com necessidades urgentes estabelecimento da de forma empática e não
evidentes e reações sérias ao stresse relação intrusiva.
psicológico.
Segurança e conforto Aumentar a segurança imediata
e oferecer conforto físico e
emocional.
Escutar Abordar quem precisa de ajuda, e Estabilização Acalmar pessoas que podem
conhecer as necessidades. Ajudar a estar desorientadas e
acalmar. Conhecer o que os outros assustadas.
técnicos sabem.

Recolha de informação Recolher informação sobre


necessidades imediatas e que
possam ser úteis para os
serviços.
Assistência prática Oferecer ajuda prática para que
os sobreviventes enfrentem
problemas e preocupações
imediatas.
Ligar Ajudar as pessoas a resolver os seus Informação sobre coping Informar sobre as reacções
problemas e a aceder aos serviços. positivas e negativas esperadas
Fornecer informações e e sobre estratégias de coping.
aproximar as pessoas dos seus entes
queridos e do suporte social.

Conexão ao suporte Ajudar as vítimas a


social estabelecerem contacto com a
sua rede de apoio social.
Referenciação a serviços Ligar as vítimas aos serviços de
que necessitem imediatamente
ou no futuro.

3.3.1. Intervir por princípios de acção – Técnicos de saúde e


segurança
Os princípios de acção permitem-lhe começar a intervir. Vamos utilizar a sequência VEL:
ver, escutar e ligar.

Através deles poderá observar em segurança a situação das pessoas, aproximar-se das
pessoas afetadas, atender as necessidades dessas pessoas e encaminhá-las para que elas
possam obter outros tipos de ajuda e de informações.

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Domínios Para si Pelas vítimas Questões


Observar Verifique se há Verifique se há pessoas Há perigo de fogo,
segurança com necessidades desabamento, conflito ou
urgentes evidentes. outros?
Verifique se há pessoas Você pode chegar à área sem
com reações sérias ao se ferir ou ficar em risco?
stresse psicológico. Há alguém que aparente
precisar de serviços médicos
imediatos?
Há alguém a precisar de
resgate?
Há pessoas que não têm
acesso a comida, água, roupa
ou agasalhos?
Há pessoas que podem ser
discriminadas e que estão em
risco acrescido?
Quem pode ajudar?
Há pessoas que aparentam
estar extremamente abaladas
psicologicamente?
Quais são as pessoas que
precisam de atenção especial?
Escutar Escute o que os Aborde as pessoas que Está a fazer escuta activa?
outros técnicos possam precisar de Está a prestar atenção
no terreno ajuda. verdadeira?
sabem Pergunte sobre as Está a escutar com o coração?
preocupações e Quais são as necessidades das
necessidades das pessoas?
pessoas.
Escute as pessoas e
ajude-as a sentirem-se
calmas.
Aproximar/Ligar Aproxime-se das Ajude as pessoas a Como ajudar as pessoas a
soluções e da resolverem os seus terem o controlo e a lidar com
segurança problemas e a sua situação?
necessidades básicas e a Quais os serviços a que as
aceder aos serviços. vítimas podem recorrer?
Forneça informações. As vítimas têm informação
Aproxime as pessoas dos acerca dos serviços de apoio?
seus entes queridos e do As vítimas têm consciência
suporte social. das suas capacidades e
competências?

Vamos ver como é que pode intervir para aplicar estes princípios de acção.

Como vimos anteriormente, a atitude do socorrista é de comunicação empática,


tranquilidade e de adaptação cultural. Estas serão sempre as atitudes de quem presta
apoio.

Em seguida ocorre a apresentação.

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Este passo pode parecer óbvio. Porém, nunca se esqueça de que está a agir com pessoas
que sofreram perdas enormes e que estão perturbadas. Podem estar em «modo defensivo»
e os familiares presentes também podem ter instintos protectores. Apresente-se, diga qual
o seu papel e os seus objectivos.

E pesquise, também, por necessidades imediatas. Nenhuma vítima o vai escutar se, por
exemplo, souber que não tem ninguém para ir buscar o filho à escola.

Contacto e Iniciar o contacto de Estabeleça o contacto com os sobreviventes de forma


Estabelecimento forma empática e não empática e não intrusiva:
da intrusiva, de forma a - Apresente-se e descreva o seu papel;
Relação oferecer ajuda. - Peça permissão para falar;
- Explique os objetivos;
- Questione sobre as necessidades imediatas;
- Antes de falar com crianças assegure-se, sempre que
possível, que pede permissão aos pais/adultos
responsáveis.
- Tenha em atenção as diferenças culturais no que
concerne ao toque, “espaço pessoal” e ao olhar;
- Assegure ao máximo a confidencialidade.

Ver Ver que há segurança;


Ver se há pessoas com necessidades básicas
evidentes;
Ver se há pessoas com sinais de grande angústia
ou descontrolo.
Escutar Dirigir-se a quem precisa ou pede ajuda;
Escutar o que precisam;
Escutar as pessoas e ajudá-las a acalmarem-se.
Ligar Ajudar as pessoas a solucionar as necessidades
básicas e a aceder aos serviços;
Fornecer informações;
Ligar as pessoas à sua rede de apoio social e aos
serviços.

3.3.1.1. VER
A que sinais psicológicos devem estar atentos?

Numa situação de crise, pode não ser fácil discernir as pessoas que estão mais afectadas.
Por isso, esteja atento aos seguintes sintomas e sinais:

- Sintomas físicos: tremores, dores de cabeça, cansaço intenso e perda de apetite.

- Choro, tristeza, humor deprimido, pesar.

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- Preocupação permanente de que algo de “mau” venha a acontecer.

- Insónia, pesadelos.

- Raiva, irritabilidade.

- Culpa, vergonha (por ter sobrevivido ou por não ter salvo ou ajudado os outros).

- Confusão emocional e sentimentos de que se está a viver uma situação irreal (delírios).

- Alheamento, quietude anormal, não responder às pessoas, ficar calado.

- Desorientação (por exemplo, não saber o nome, de onde é ou o que aconteceu).

- Não ser capaz de cuidar de si mesmo ou dos filhos (por exemplo, não ser capaz de
cozinhar, alimentar ou tomar decisões simples).

É normal que as pessoas fiquem afetadas por uma situação de crise. Porém, com o tempo,
os sintomas devem desaparecer principalmente, se houver apoio próximo, social e
respostas às necessidades básicas.

Mas algumas pessoas poderão manter os sintomas, ou apresentá-los com severidade.


Essas pessoas podem, provavelmente, precisar de outros apoios. A pergunta a fazer é
sempre a mesma: as pessoas são capazes de manter as suas rotinas diárias e de tratar de
si e dos outros a cargo?

Assegure-se de que as pessoas severamente afetadas não ficam sozinhas até terem o
acompanhamento adequado pelos familiares, serviços ou líderes da comunidade local.

Quais são as pessoas que precisam de atenção especial?

- Crianças e jovens, porque provavelmente não são capazes de tomar conta de si e, se


estiverem sem apoio social, podem ser alvo de exploração. Elas precisam de ajuda
daqueles que os rodeiam para suprir as suas necessidades básicas.

- Pessoas com problemas de saúde (físicos ou mentais) e com deficiência – podem


precisar de atenção para conseguir um local seguro ou o acesso aos serviços. Também
podem precisar de medicamentos específicos (por exemplo, insulina).

- Pessoas em risco de discriminação ou violência – como pessoas de etnias minoritárias.

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3.3.3.2. Como escutar?

1 – Aproxime-se:

- De maneira respeitosa pela cultura;

- Apresente-se e à instituição que representa;

- Pergunte se pode oferecer ajuda;

- Procure um local com as condições mínimas para conversar;

- Promova o conforto. Por exemplo, ofereça uma bebida (água, chá, outra semelhante);

- Se a pessoa estiver em perigo, afaste-a, se o puder fazer com segurança;

- Proteja as pessoas da exposição aos meios de comunicação social invasivos. Proteja


sempre a dignidade e privacidade;

- Garanta que as pessoas que estão muito angustiadas não ficam sozinhas.

2 – Pergunte sobre as necessidades e preocupações das pessoas:

- Veja as necessidades evidentes;

- Pergunte às pessoas sobre as suas necessidades;

- Ajude as pessoas a identificar as suas prioridades e a agir sobre elas.

3 – Ajude a acalmar:

- Fique perto;

- Não pressione a falar;

- Se a pessoa quiser falar sobre o que aconteceu, escute;

- Ensine a pessoa a relaxar.

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3.3.3.3. Como ligar?

A situação de crise não dura as 72 horas em que os PSP devem ser aplicados. A sua
presença também não será permanente.

Então, o ponto com mais importância na vida das vítimas é a aproximação aos serviços:
são as pessoas que devem resolver os próprios problemas, embora com o auxílio dos
técnicos.

As pessoas afetadas precisam usar as suas competências e habilidades para lidar com os
problemas e para recuperarem a longo prazo. Ajude as pessoas a ajudarem-se a elas
próprias e a tomar o controlo nas mãos.

Como aproximar?

A aproximação pode ser feita a partir das necessidades das pessoas:

Se a necessidade é… A aproximação é… Ajudar as pessoas a


lidarem com os problemas
é…
Necessidades básicas, Informar as pessoas sobre os Criar prioridades (“o que é que
como comida, água, roupa locais e serviços que podem você tem que resolver agora e o
ou saneamento básico. ajudar. Acompanhar as pessoas que é que pode esperar”?)
aos locais, caso seja possível. Dar informações práticas sobre
Feridos ou doentes com Informar sobre os serviços como resolver o problema. Por
doenças crónicas. médicos disponíveis ou exemplo, não diga, “Deve ir ao
Informações sobre entes próximos. médico”, diga, “Deve ir ao
queridos. médico que funciona no sítio x,
Informações sobre os a partir de x horas. Leve a sua
serviços. identificação e uma garrafa com
Acesso a serviços Indicar sobre os locais de culto água. Pode demorar, mas é
religiosos ou culturais e aproximar dos líderes da preciso que seja atendido”.
próprios. comunidade. Fale com as pessoas sobre
Informações sobre o que Envolver as vítimas nas decisões como elas lidaram com
se está a passar. importantes, nem que seja situações difíceis no passado e
através de consulta. sobre como isso as pode ajudar
no presente.
Ajude as pessoas a identificar o
que as ajuda a sentir melhor e a
usar o tempo nessas atividades.

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Incentive Iniba
Estratégias positivas Estratégias negativas
- Descansar o suficiente. - Uso de drogas, álcool ou tabaco.
- Alimentar-se e beber água. - Dormir demasiado ou passar o dia sem fazer
- Passar o tempo com família e amigos. nada.
- Aproveitar para conversar. - Trabalhar constantemente sem descansar ou
- Falar dos problemas com alguém em quem relaxar.
confie. - Afastar-se dos amigos ou entes queridos.
- Realizar actividades relaxantes (Caminhar, ler, - Descuidar a higiene pessoal.
brincar com as crianças da família) - Violência.
- Envolver-se em actividades comunitárias e usar
as suas competências para ajudar as outras
vítimas.

Quando estiver a informar:

- Seja específico: locais, horários, pessoas. E diga de onde vem essa informação.

- Diga apenas o que souber. Nunca invente ou parta do princípio de que algo vai
acontecer.

- Transmita mensagens simples e repita-as. Se sentir necessidade, peça à pessoa para


repetir o que você lhe disse.

- Pondere transmitir as informações a um grupo de pessoas. Assim, todos ouvirão a


mesma mensagem.

- Se puder, informe as pessoas que voltará para as actualizar. Comprometa-se com data
e hora e cumpra.

Tenha em atenção que as crises causam desespero e que os boatos surgem. Poderá ter
que lidar com pessoas frustradas e mal informadas. Seja paciente.

3.3.3.4. Populações especiais


Durante a sua acção, nem tudo pode ser igual, porque há pessoas com características
diferentes: crianças e adolescentes, pessoas com incapacidades e pessoas em risco de
discriminação.

Estas são populações que podem não compreender o que se está a passar ou que não têm
o controlo sobre os recursos importantes ou acesso aos serviços (por exemplo, as pessoas
em cadeiras de rodas não podem deslocar-se com facilidade).

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Sobre as crianças deve saber o seguinte:

- É natural que apresentem comportamentos regressivos (por exemplo, que voltem a


chuchar nos dedos ou a urinar na cama). São reacções normais às emergências e
desaparecerão ao longo do tempo. É importante que as crianças não sejam penalizadas
por isso.

- Podem fazer brincadeiras relacionadas com os eventos críticos (como funerais ou


incêndios ou brincadeiras com bombeiros).

- Podem isolar-se e estar mais tempo sozinhos.

- As crianças não têm a mesma interpretação dos acontecimentos que os adultos. Por
exemplo, podem juntar as informações que ouvem e construir uma versão própria dos
acontecimentos. Podem até ter sentimentos de culpa sobre o que se passou e também
podem pensar que a morte não é definitiva. Por isso, é importante que os adultos
mantenham as crianças informadas com dados simples (por exemplo, que lhes digam que
os familiares que morreram não estão a sofrer, que não têm culpa, etc.).

Sobre os adolescentes, é preciso ter em atenção que apesar de ainda não serem adultos, já
dominam algumas decisões. Podem não sentir nada, ter comportamentos normais ou
mesmo ter atitudes negativas e de risco. Nesta altura da vida, os adultos são menos
importantes e os amigos e o grupo de pertença são mais importantes (ou seja, também são
importantes para apoiar os adolescentes).

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Os técnicos podem ajudar as famílias a cuidar das crianças:


Idades Ações
Crianças pequenas - Manter as crianças em lugares seguros, longe de ruídos ou situações
caóticas;
- Fazer carícias e manter o contacto físico;
- Manter rotinas (por exemplo, horários de sono e alimentação);
- Falar com tranquilidade e realizar actividades calmas e relaxantes (por
exemplo, canções).
Crianças em idade - Comunicar-lhes regularmente que estão a salvo e dedicar-lhes mais tempo;
escolar - Explicar-lhes o que se passou e que não têm culpa;
- Manter rotinas e horários (alimentação, sono, escola);
- Explicar-lhes o que se passou e responder às questões que colocam, mas sem
dar dados que possam assustar;
- Ter paciência com os comportamentos de regressão;
- Oferecer actividades para brincarem e relaxarem.
Adolescentes - Explicar-lhes o que se está a passar;
- Envolvê-los nas actividades da família;
- Permitir que estejam tristes e dar espaço para estarem com os amigos;
- Não obrigar a falar, mas estar disponível para ouvir;
- Falar sobre os seus dias e estar atento aos riscos que possam a aparecer.

Quando há pessoas com problemas de saúde ou com deficiência mental?

Nesses casos, o papel dos técnicos é de ajudar a aceder aos serviços e a responder às
necessidades básicas:

- Ajudar a chegar a um lugar seguro;

- Ajudar a atender as necessidades básicas, como água, comida, cobertores, acesso a


comunicação ou refúgio;

- Recolher informação: saber se há medicamentos de que precisem e ajudá-los chegar a


essas necessidades;

- Pô-los em contacto com os familiares ou organizações que os possam proteger. Não


deixar as pessoas sozinhas;

- Oferecer informações sobre como chegar aos serviços disponíveis.

E estes também são os passos a dar com pessoas que possam estar em risco.
Particularmente em emergências massivas, as mulheres e crianças e pessoas de culturas
diferentes. É muito importante fazê-los chegar a lugares e pessoas de confiança.

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3.3.4. Actuar por metodologia e princípios – Os Psicólogos

A intervenção de técnicos especializados, como os psicólogos é uma grande valia nas


emergências massivas e quotidianas.

A actuação dos técnicos deverá assentar nos mesmos princípios de acção (ver, escutar e
ligar), mas também em tarefas a realizar. São tarefas com maior especificidade e com
maior grau de técnica.

As sete tarefas são as seguintes:

Tarefa Objectivo
Contacto e Iniciar o contacto de forma empática e não intrusiva, de forma a oferecer ajuda.
Estabelecimento da
Relação
Segurança e Conforto Promover a segurança de forma imediata e providenciar conforto físico e
emocional.
Estabilização Acalmar e orientar os sobreviventes em descontrolo emocional.
Recolha de Identificar as necessidades e preocupações imediatas, obter informação
Informação adicional de forma a ajustar a intervenção.
Assistência Prática Oferecer ajuda prática aos sobreviventes na resolução das necessidades e
preocupações imediatas.
Conexão ao Suporte Ajudar a estabelecer ligação à rede social de suporte, incluindo membros da
Social família, amigos e recursos da comunidade.
Informação sobre o Providenciar informação sobre as reações de stress e como lidar com elas de
Coping forma a promover o funcionamento adaptativo.
Referenciação a Promover a ligação dos sobreviventes a serviços necessários no presente ou no
Serviços futuro.

3.3.4.1. Contacto e estabelecimento da relação

Contacto e Iniciar o contacto de - Apresentação e descrição do papel;


estabelecimento forma empática e não - Explicação dos objetivos;
da intrusiva, de forma a - Questionamento sobre as necessidades imediatas (as
Relação oferecer ajuda. vítimas só estarão disponíveis para os PSP se não houver
situações pessoais mal resolvidas);
- Garantir que tem o conhecimento e permissão dos
responsáveis antes de falar com crianças;
- Intervenção em respeito pela cultura e diferenças (por
exemplo, toques, “espaço pessoal” e olhar);
- Assegurar a confidencialidade.

O primeiro contacto com os sobreviventes é importante naquele momento, mas também


deverá influenciar a receptividade das vítimas para ajuda futura.

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As vítimas podem considerar que não necessitam de apoio (deve respeitá-las), mas
também podem apenas não procurar activamente a ajuda. Ofereça ajuda, mas não seja
intrusivo (por exemplo, não interrompa conversas). As primeiras reacções dos
sobreviventes podem não ser positivas, por isso, mesmo nesses casos, deixe claro que as
pessoas podem recorrer à ajuda posteriormente.

Depois da apresentação, busque por necessidades imediatas. Por exemplo, poderá dizer:

Olá, o meu nome é _________, sou psicólogo da equipa de intervenção e estou a falar
com as vítimas desta emergência para ver como estão e o que precisam. Gostaria de
saber se podemos falar por uns minutos?

Gostaria de saber o seu nome.

Sr. ___________, antes de continuarmos queria saber se há alguma coisa de que precisa
agora mesmo?

Nunca se esqueça de que noutro momento a intervenção poderá estar a cargo de um


técnico diferente. Por isso, a confiança que os sobreviventes tiverem em si afectará o
trabalho de outros. Esteja particularmente atento às questões da confidencialidade.

3.3.4.2. Segurança e conforto

A segurança e o conforto significam que os técnicos actuam para criar segurança e


conforto físico e emocional imediato.

É de salientar que a acção dos técnicos está dependente das emergências. As emergências
massivas normalmente provocam algum sentimento de caos e as vítimas podem precisar
de protecção física. Por exemplo, de serem encaminhadas para locais de acolhimento, de
ajuda para procurarem familiares e informações ou mesmo de água, comida, abrigo ou
roupas. Nas emergências quotidianas, como um acidente de viação, normalmente os
sobreviventes estão em suas casas e têm acesso a suporte familiar. Neste caso, as
preocupações podem ser relacionadas com os filhos que podem estar na escola ou podem
precisar de quem tome conta deles, por exemplo.

Há um princípio claro nesta tarefa: crianças sozinhas e pessoas com problemas de saúde
ou deficiência não devem ficar isoladas. Não as deixe até que estejam com familiares ou

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com autoridades.

Segurança e Promover a segurança - Garantir a segurança física imediata;


Conforto de forma imediata e - Fornecer informações sobre as atividades e/ou serviços
providenciar conforto de resposta ao incidente;
físico e emocional: - Oferecer conforto físico;
- Promover o contacto social com outros sobreviventes;
- Proteger de experiências potencialmente traumáticas e
de estímulos associados ao trauma e falar sobre a
exposição aos meios de comunicação social;
- Ajudar as vítimas com familiares desaparecidos.

Garantir a segurança física imediata significa:

- Conhecer as necessidades de medicação ou outros apoios (óculos, por exemplo) das


vítimas,

- Ajudar as vítimas a organizar o ambiente (por exemplo, remover vidros ou objetos


perigosos e organizar um espaço seguro para as acrianças);

- Contactar familiares que possam assistir a vítima com necessidades primárias;

- Em caso de insegurança física, notificar as autoridades.

Fornecer informações sobre o evento significa:

- O que se sabe sobre o evento;

- O que as vítimas devem fazer a seguir;

- O que está a ser feito para as ajudar;

- Quais são os serviços no terreno e como contactá-los;

- Esclarecer os boatos.

Seja claro e não dê demasiada informação. É importante que as pessoas se foquem no que
é mais importante. Ainda assim, pergunte se as pessoas têm questões e responda àquilo
que souber. Lembre-se, a confiança e a veracidade em primeiro lugar. Por exemplo, nunca
diga às pessoas que elas estão seguras se não tiver 100% de certeza.

Promover o conforto físico significa:

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- Ajudar as vítimas a organizar o espaço e a assegurar água, comida, e conforto no lar


(temperatura, luminosidade, etc.);

- Se houver crianças, ajudar as vítimas a preparar um espaço para as crianças, com


brinquedos, por exemplo;

- Ajudar as vítimas a procurar ambientes seguros, longe dos ruídos do evento ou da


assistência que está a ser prestada;

- Garantir o acesso à comunicações e casa de banho.

Promover o contacto social significa:

- Colocar as crianças junto de adultos que estejam calmos;

- Juntar as pessoas que estão a lidar bem com o evento a pessoas que possam beneficiar
da sua ajuda;

- Facilitar o contacto de familiares e amigos que possam oferecer suporte social.

Proteger de outras experiências traumáticas significa:

- Evitar que as vítimas tenham contacto com interruptores emocionais e de memória,


tais como ruídos ou sons (por exemplo, sirenes, ou ver notícias de televisão sobre o
evento) que as faça reviver o evento;

- Ajudar as vítimas a protegerem a sua privacidade (por exemplo, falar com eles e com
adolescentes e crianças sobre o direito de negar entrevistas).

Ajudar as vítimas com familiares desaparecidos significa:

- Ajudar as vítimas a contactar com os serviços e a obter informações acerca dos


familiares desaparecidos;

- Ajudar as vítimas a recolher informações que possam ajudar as autoridades (por


exemplo, se a família tinha um plano combinado, caso alguém se perdesse);

- Evitar que os sobreviventes se dirijam a locais perigosos para procurar os familiares.

Os sobreviventes com familiares desaparecidos estarão, provavelmente, focados nessa

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situação. Poderão estar angustiados, com raiva, com medo; poderão ter esperança ou
desespero. Nestas situações, é importante que os técnicos usem um pouco mais de tempo
para ouvir as vítimas.

Quando é necessário recolher informações junto de crianças, é melhor que essa entrevista
seja feita por um profissional e é preciso salvaguardar eventuais sentimentos de culpa.
Por exemplo, a pergunta pode ser colocada assim:

O______________ está desaparecido. Estamos a unir esforços para o procurar e, por


isso, as autoridades precisam de te fazer algumas perguntas. Não tem importância se não
te lembrares de alguma coisa. Diz-lhes o que te lembras. Se não te lembrares de algo,
isso não vai fazer mal ao _____________. A tua mãe ficará ao pé de ti durante todo o
tempo. Gostarias de me perguntar alguma coisa?

E o que fazer quando alguém morreu? Como ajudar a família e os amigos?

A morte de uma pessoa próxima é sempre um momento angustiante e pode provocar


tristeza, dor, raiva e descontrolo. Essas reacções são saudáveis e ao longo do tempo
transformam-se em manifestações mais positivas (como recordações positivas).

As reacções à morte de alguém são muito variadas: não há formas correctas de reagir,
nem formas erradas.

Mas há formas erradas de lidar com essa perda: algumas pessoas podem envolver-se em
consumos de substâncias como medicamentos, drogas ou álcool.

Os técnicos podem ajudar:

- Explicar aos membros da família que a dor da perda é manifestada de formas diferentes
por pessoas diferentes e que essa manifestação está correcta (desde que não ponha em
perigo a pessoa);

- Explicar que as crianças podem não manifestar a dor como os adultos (por exemplo,
podem não chorar tantas vezes), mas que a dor está presente;

- Ajudar as pessoas a perceberem o que estão a passar e o que é ou não saudável:

- Os períodos de dor continuarão por algum tempo;

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- Que há pessoas dispostas a ouvi-los e apoiá-los, como técnicos, amigos e


membros da comunidade religiosa, caso os sobreviventes sejam praticantes;

- Que se a depressão e a dor estiverem a afectar o funcionamento no dia-a-dia,


devem socorrer-se dos serviços de saúde, sem hesitar.

O socorrista pode ser tentado a iniciar um diálogo e dizer coisas como:

- Eu sei como se sente, foi melhor assim, tem que andar com a sua vida para frente…

Não o faça.

Este é o momento dos que sofrem. Os técnicos devem apenas reconhecer e normalizar os
sentimentos de dor.

Tenha em atenção que as crianças e os adolescentes não têm o mesmo entendimento da


morte que os adultos; ou a morte de uma pessoa querida não tem o mesmo significado
que nos adultos. Por exemplo, as crianças novas não concebem a morte como um estado
definitivo; e os adolescentes, ao contrário dos adultos, encaram a morte como algo muito
distante. A morte de um familiar pode abalar todas as suas convicções. Mais adiante,
desenvolveremos sugestões específicas para cada uma destas populações.

O apoio religioso pode ser importante. Nas emergências quotidianas as famílias


costumam ter o apoio da comunidade, mas nas emergências massivas, podem precisar de
um espaço calmo para rezar. Essa é uma das tarefas.

Uma outra questão tem a ver com o acesso ao corpo, com o funeral e com as preocupações
legais. Trataremos destes assuntos um pouco mais à frente, porque se trata de ligar os
sobreviventes aos serviços, mas é importante, desde já, esclarecer que a presença no
funeral pode ser um instrumento importante para a aceitação da morte. Por exemplo,
apesar de haver uma tendência para proteger as crianças, elas devem poder participar no
funeral. Os familiares devem encorajar as crianças a participar nos rituais, mas não devem
obrigar. A criança deve poder escolher.

Os adultos devem explicar às crianças o que devem esperar do funeral (choro, rituais,
etc.) e permitir que decidam qual a pessoa por quem querem ser acompanhados. Deve
sempre haver alternativa: um local seguro para as crianças ficarem se não quiserem ir ao

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funeral.

É importante reforçar esta ideia: deve ser dito, várias vezes, que o falecido não está em
sofrimento.

Contudo, é sempre de evitar o grotesco: se o corpo estiver em mau estado, é melhor a


opção por caixão fechado, com a colocação de uma fotografia do falecido.

3.3.4.3. Estabilização

A estabilização é destinada a acalmar os sobreviventes, caso seja necessário:

há sinais que aconselham a que se tome este passo. Por exemplo, se os sobreviventes
demonstrarem sinais como:

- Olhar vago e vazio (alheamento);

- Ausência de respostas a orientações verbais;

- Desorientado (a deambular);

- Reações emocionais muito intensas (choro incontrolável, hiperventilação);

- Reações físicas incontroláveis (tremores);

- Comportamento frenético de busca;

- Envolvimento em actividades de risco.

No geral, sinais de que o sobrevivente está a perder a sua capacidade para tomar conta de
si e dos seus e que apresentam sintomas muito fortes e persistentes.

A dor e as emoções são normais e saudáveis. Porém, quando ultrapassam um limite que
impede o funcionamento, os técnicos devem intervir para estabilizar. Isto significa
também que a estabilização pode não ser necessária.

Estabilização Acalmar e orientar os Estabilização emocional


sobreviventes em Orientação emocional
descontrolo emocional. Ponderar a medicação.

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Tenha atenção a alguns factores do contexto:

- É possível envolver amigos e familiares na estabilização? Se assim for, talvez seja


melhor levar o sobrevivente para um local calmo em que um amigo ou familiar possa
estar por perto.

- O que leva a pessoa a estar intranquilo? Se houver motivos que possam ser resolvidos,
é melhor ajudar a vítima a enfrentá-los do que tentar acalmar. Por exemplo, imagine que
o sobrevivente não sabe quem é que foi buscar os filhos à escola. Primeiro, há que
descobrir onde ou com quem é que as crianças estão e depois, se necessário, acalmar a
vítima.

- Se a situação está a ocorrer com crianças, é mais importante ensinar os pais a lidar
com a situação, do que intervir directamente. Ajude os pais a intervir.

A estabilização e orientação emocional significam que:

- Os técnicos estão presentes e disponíveis. Essa presença passa por uma postura
tranquila em que os técnicos aguardam o momento certo para intervir. Por exemplo,
podem manter-se presentes (disponíveis) e em silêncio, em vez de tentar imediatamente
falar com a pessoa. Se houver muitos estímulos, isso poderá causar uma espécie de
sobrecarga de informação no sobrevivente.

- Os técnicos ajudam os sobreviventes a compreender os seus sentimentos e reacções:

- Emoções intensas podem aparecer e desaparecer repentinamente;

- O corpo pode passar por dores físicas ou mesmo alguma perda de controlo
(tremores, por exemplo);

- a família e os amigos são importantes no controlo das reacções;

- Há passos simples que podem ser dados para acalmar reacções negativas: estar
ocupado com tarefas rotineiras, dar um passeio, fazer relaxamento, etc.

- Agir de forma diferenciada com pessoas muito agitadas:

- em primeiro lugar pedir que a pessoa se foque no técnico (“olhe para mim”),
explique onde está (“pode descrever-me este local”) e explique o que sabe

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(“pode dizer-me o que se está a passar e o que está a sentir”).

- Em segundo lugar recorrer (e ensinar) técnicas de relaxamento: grounding,


relaxamento muscular, controlo da respiração:

- Em terceiro lugar, se nada funcionar, recorrer a ajuda de médicos.

“É natural que se possa sentir desorientado e que tenha muitos sentimentos difíceis
de gerir. Por isso, vou ensinar-lhe uma técnica que o pode ajudar a evitar
sentimentos desorganizadores e a relaxar.”
Grounding Relaxamento muscular Controlo da
respiração
Usar quando a pessoa parece Usar quando a pessoa está tensa e Usar quando a pessoa
ausente excitada está excitada e a
hiperventilar
- Ponha os pés no chão e as mãos - “Deite-se ou sente-se de forma - “Inspire devagar pelo
em cima dos joelhos (ou noutra confortável. Inspire e expire nariz e encha
posição, mas não cruze os braços); profundamente e sinta o ar entrar e confortavelmente os
- Inspire e expire com calma e sair dos seus pulmões; pulmões até à barriga;
sinta o ar a entrar e sair do seu - Feche os punhos com força. Faça - Silenciosa e
corpo; força e mantenha durante 5 segundos, calmamente repita
- Olhe em volta e diga-me o nome dirija a atenção para os punhos. Agora para si: ´o meu corpo
de 5 objectos que não lhe causam abra a mão e relaxe durante 10 a 15 está cheio de calma`;
sentimentos negativos; segundos; - Expire devagar pela
- por exemplo, estou a ver uma Inspire e expire profundamente e sinta boca e esvazie
cadeira; o ar entrar e sair dos seus pulmões; totalmente os
- Inspire e expire com calma e - Faça músculo com força no braço. pulmões;
sinta o ar a entrar e sair do seu Faça força e mantenha durante 5 - Silenciosa e
corpo; segundos, dirija a atenção para o calmamente repita
- Agora diga-me 5 sons que está a braço. Agora relaxe o músculo do para si: ´o meu corpo
ouvir e que não lhe causam braço durante 10 a 15 segundos; está a libertar a
sentimentos negativos; inspire e expire profundamente e sinta tensão`;
- por exemplo, estou a ouvir o som o ar entrar e sair dos seus pulmões; - Repita 5 vezes;
de talheres a bater; - Feche os olhos com força durante 5 - Faça-o as vezes que
- Inspire e expire com calma e segundos. Agora abra-os e sinta o forem necessárias ao
sinta o ar a entrar e sair do seu corpo a relaxar; longo do dia.”
corpo; Inspire e expire profundamente e sinta
- Agora diga-me 5 sensações que o ar entrar e sair dos seus pulmões;
não lhe causam emoções - Faça isto sempre que se sentir tenso
negativas; e frenético.
- por exemplo, estou a sentir os
pés no chão;
- Inspire e expire com calma e
sinta o ar a entrar e a sair do seu
corpo.”

Ponderar a medicação significa:

- Que a medicação dos sobreviventes só é ponderada em situações de reacção grave


aguda ao stress e depois dos outros meios não funcionarem; ou quando a pessoa

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representa um perigo para si e para os outros;

- Que a eventual utilização da medicação é ponderada para situações pontuais e


específicas (por exemplo, controlo do sono ou de ataques de pânico);

- A medicação deve ser limitada no tempo (deve haver uma data clara para deixar de
utilizar);

- As situações graves necessitam de acompanhamento médico.

Mas também significa:

- Ajudar as pessoas que precisam de medicação a ter assistência (por exemplo, o caso de
doenças agudas, ou de doentes com esquizofrenia ou PTSD (Transtorno do Stress Pós-
Traumático) anterior;

- Recolher informação que possa servir para outros serviços: medicação habitual, casos
de abuso de drogas e álcool existentes, necessidade do sobrevivente realizar exames
médicos permanentes (caso dos diabéticos), etc. Caso o sobrevivente não esteja em
condições de lhe dar informação, recorra à família, vizinhos e amigos próximos.

3.3.4.4. Recolha de informação


Este é o passo que permite que os técnicos actuem em diferenciação. Sabemos que as
pessoas não são todas iguais, mas para se puder intervir de acordo com as diferenças
individuais, é preciso conhecê-las.

É verdade que a recolha de informação teve início quando foi estabelecido o contacto e a
relação com o sobrevivente. Porém, destinava-se a facilitar as condições ideais para o
técnico actuar.

Nesta fase, o técnico já conhece:

- As necessidades imediatas das vítimas;

- A eventual medicação que as vítimas necessitam (o que é importante para a


estabilização, caso seja necessário medicar os sobreviventes);

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- E também é possível que já conheça o suporte social dos sobreviventes.

Se ainda não tem esta informação, este é o momento de a recolher.

As outras informações relevantes e que devem ser recolhidas têm a ver com:

- Natureza e severidade das experiências passadas no desastre;

- As indagações acerca deste tema não deverão ser específicas, uma vez que isso pode
aumentar o sofrimento das vítimas;

- Existência de mortes na família ou amigos em virtude do evento;

- Preocupações com a segurança imediata ou com a segurança de pessoas chegadas;

- Sentimentos de culpa ou vergonha;

- Historial de perdas e traumas anteriores;

- Perdas materiais provocadas pelo desastre (e também perdas de animais de


companhia);

- Pensamentos sobre magoar-se a si próprio ou a terceiros;

- Consumo de substâncias antes do impacto;

- Consequências do evento nos planos de vida e no desenvolvimento pessoal.

Através da recolha de informação, os técnicos estarão melhor preparados para planear os


passos seguintes, sobretudo ao nível da assistência prática e das estratégias de coping.

3.3.4.5. Assistência prática


As catástrofes produzem sentimentos de impotência e desesperança. Por isso, os PSP
devem contribuir para que as vítimas sejam capazes de “ver” um futuro à sua frente,
tomem o controlo das suas vidas e tenham esperanças e expectativas no futuro. A
assistência prática destina-se, pois, a ajudar os sobreviventes a resolver os seus problemas
e a ter o controlo. Logo, é uma assistência diferente de vítima, para vítima.

Nos desastres, como na vida, há sinais que indiciam a recuperação:

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- O pensamento positivo;

- A capacidade de vislumbrar o futuro (por exemplo, de ter objectivos a cumprir);

- A consciência de que há pessoas dispostas a ajudar (o estado, a sociedade);

- O acesso a recursos, como o emprego, as escolas e a habitação.

Na etapa de assistência prática, há que aproveitar os indicadores positivos e ajudar as


pessoas a encontrar prioridades e agir para resolver os problemas e sonhos.

A sequência de acção dos técnicos deve ser:

- Priorizar;

- Estabelecer e praticar um plano de acção;

- Identificar as necessidades actuais.

Em alguns casos, as necessidades actuais são de resolução imediata. Por exemplo, obter
alimentos, contactar membros da família, encontrar abrigo para os dias mais próximos.

Noutros casos, as necessidades não se resolvem imediatamente (como reconstruir a casa,


ou regressar às rotinas anteriores) e por isso devem ser encontrados passos mais fáceis
(por exemplo, encontrar um emprego ou regressar à escola).

Em primeiro lugar, há que ajudar a vítima a dizer quais as suas necessidades. Por exemplo:

- Encontrar alguém desaparecido.

- Encontrar comida.

- Contactar a família.

- Falar com o patrão.

- Retomar a frequência escolar.

É importante salientar que nas emergências domésticas e massivas, as vítimas podem não
saber o que fazer em relação à morte de um ente querido: onde reclamar o corpo, quem
chamar, como obter a certidão de óbito, como fazer o funeral, que despesas são

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previsíveis, etc. Essas informações devem ser prestadas pelos técnicos.

• Priorizar

Em segundo lugar, é importante que seja encontrada a prioridade (eventualmente duas


prioridades) que a vítima possa cumprir. Os técnicos devem clarificar a prioridade com o
sobrevivente.

• Estabelecer e praticar um plano de acção

Nesta fase, os técnicos devem ajudar as vítimas a estabelecer a ideia da sua acção: o que
fazer primeiro, o que fazer a seguir.

Ouça o que a vítima pensa que pode fazer; em seguida, se for importante, acrescente
sugestões e informações que podem ser importantes para os sobreviventes. Fale dos
serviços disponíveis e seja preciso: as vítimas precisam saber com o que podem contar na
realidade.

Uma vez estabelecido o plano de acção, ajude a vítima a pô-lo em prática. Há passos
simples para os técnicos, mas que podem ser complicados para as vítimas: telefonar aos
familiares, contactar a escola, contactar com a polícia, marcar uma reunião com os
serviços de apoio social.

3.3.4.6. Conectar com o apoio social

O apoio social é uma fonte importante de recuperação. As vítimas mais bem ligadas com
familiares, amigos e serviços têm mais possibilidade de receber e praticar apoio. Esse
apoio pode ser manifestado de várias formas (emocional, financeiro, material, físico,
médico, aconselhamento) e traduzir-se em relações positivas (confiança,
companheirismo, confirmação da identidade e do valor próprio e autoestima).

A conexão com familiares, amigos e serviços é particularmente importante, porque


significa que as vítimas podem ter quem os ajude e aconselhe em tarefas descritas
anteriormente:

- Resolução de problemas;

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- Clarificação das reacções e consequência

- Partilha de informação sobre estratégias de coping;

- Empatia e compreensão das emoções e pensamento.

Os passos que podem ser dados neste sentido são os seguintes:

- Aumentar o acesso a pessoas que podem dar suporte primário;

- Encorajar o recurso às pessoas disponíveis que podem dar suporte imediato;

- Discutir os passos para a procura de ajuda e para oferecer ajuda;

- Os sobreviventes podem não querer pedir ajuda, por não conhecerem os prestadores de
cuidados, sentirem culpa ou embaraço, não saberem como recorrer ao apoio, pensar que
podem ser um peso para os outros, pensar que a ajuda não será adequada (também
podem ter passado por experiências em que a ajuda não existia). Os técnicos terão que
ajudar as vítimas a lidar com estas percepções;

- Se as vítimas estiverem isoladas socialmente, é conveniente que os técnicos as ajudem


a pensar que pessoas as podem ajudar, em que altura e como;

- Os sobreviventes devem ter conhecimento da importância de se falar com alguém e de


procurar ajuda quando os problemas parecem ser enormes;

- Algumas vítimas podem querer ajudar. Isso é positivo e, nesses casos, o papel dos
técnicos é ajudar as vítimas a descobrirem como o podem fazer: identificar onde e como
podem ser úteis, identificar as pessoas e serviços em que podem prestar apoio, instruir
sobre como escutar, ajudar a resolver problemas e fazer a adaptação cultural;

- Sobretudo, os técnicos devem ter presente que estarão a ser modelos para as vítimas
que pretendem oferecer apoio.

3.3.4.7. Informação sobre estratégias de coping

As vítimas de emergências veem-se confrontadas com sentimentos e emoções novos, com


os quais podem não saber lidar. Podem já ter passado por situações próximas e dominar

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estratégias de coping eficazes, mas podem nem sequer ter a noção de que possuem essas
competências. Por isso, torna-se importante oferecer informações para que as vítimas
possam lidar com os sentimentos e tensões ou para que possam ajudar outros a fazê-lo.

Durante a intervenção é importante que os técnicos não deem significado patológico aos
sinais que as pessoas evidenciam. Por isso, os técnicos não devem falar em “sintomas”,
“desordens” e devem salientar as reacções positivas.

As informações ajudam os sobreviventes a organizarem-se e a planearem as suas acções,


mas também a agirem quando surgem reacções negativas. As informações que os técnicos
devem oferecer são as seguintes:

- O que se sabe acerca do evento;

- O que está a ser feito para assistir as vítimas;

- Onde estão os serviços e como é que se tem acesso aos mesmos;

- Quais são as reacções mais comuns que surgem depois das emergências e como é que
elas podem ser geridas;

- Que estratégias de coping usar e como cuidar do próprio e da família.

Reacções mais comuns a eventos traumáticos e perdas:


Reacções Caraterísticas
Intrusivas O evento está recorrentemente presente no pensamento (intrometem-se): são imagens
e sonhos que preenchem o pensamento. Também podem ser reacções emocionais ou
físicas a interruptores de memória que façam a vítima lembrar-se do evento. Algumas
pessoas podem ter flashbacks – memórias tão fortes que é como se estivessem a viver a
situação.
Evitação As pessoas evitam e retiram-se do contacto com estímulos que possam fazer recordar o
evento, como evitar falar, pensar, e sentir sobre o evento; ou evitar pessoas, lugares e sons
que possam recordar o evento. As pessoas podem ficar “adormecidas” (é uma forma de
protecção) ou afastarem-se dos contactos sociais.
Físicas São reacções físicas que fazem o corpo comportar-se como se o perigo estivesse presente:
dificuldade em adormecer ou permanecer a dormir, irritabilidade, elevado estado de
vigília e dificuldade de concentração e atenção.

Há também interruptores ligados aos eventos e à perda de que as pessoas devem estar
conscientes, uma vez que reagem a esses interruptores e podem ter o seu dia-a-dia
comprometido devido às suas reacções:

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Interruptores Caraterísticas
Trauma Podem ser estímulos (sons elevados, imagens televisivas, etc.) que provocam estados
de ansiedade e medo.
Perda São elementos que lembram a perda e que podem fazer os sobreviventes sentirem-
se sozinhos, perdidos e tristes (por exemplo, fotografias e lugares).
Dificuldades Referem-se a dificuldades que podem surgir devido ao evento, como a ausência de
lar, o afastamento de amigos ou a perda de emprego e que podem impedir o
sobrevivente de viver a vida com normalidade.
Dor da perda São comuns em pessoas que perdem pessoas amadas, animais de estimação ou bens
materiais. Pode dar origem a sentimentos de culpa, isolamento, tristeza e fúria.
Também podem estar na origem de desejos de que a pessoa falecida volte.
Dor de uma Quando a perda de um ente querido ocorre em circunstâncias traumáticas, os
perda traumática sobreviventes podem ficar “presos” à situação que assistiram, e terem sentimentos
de culpa e preocupações sobre o sofrimento da pessoa falecida, o que pode impedir
que o sobrevivente cumpra as tarefas do luto.
Depressão A depressão está relacionada com o prolongamento das reacções de dor pela perda
e pelas adversidades após o evento.
Pode originar sentimento de desesperança, tristeza e perda de objectivos de vida.
Recções físicas Inclui a perda de apetite, hiperventilação, tonturas, cólicas, dores de cabeça, etc.

Depois dos técnicos ajudarem as vítimas a compreenderem as reacções que podem


ocorrer, é importante fornecer uma listagem de actividades e estratégias que ajudam a
lidar com os problemas. É, também, de salientar o que prejudica ainda mais a situação:

Estratégias de coping adaptativas Estratégias de coping maladaptativas

Falar e procurar apoio de outras pessoas ou passar Usar álcool ou drogas como estratégia para lidar
tempo com outras pessoas; com o problema;

Envolver-se em actividades distrativas positivas Evitamento extremo em pensar ou falar acerca do


(desporto, passatempos, leitura); evento ou da morte do ente querido;

Descansar adequadamente e fazer refeições Violência e conflito;


saudáveis;
Abuso da comida ou privação alimentar;
Tentar manter um horário normal;
Ver TV em excesso ou jogar jogos de computador
Agendar actividades de lazer; excessivamente;

Fazer pausas; Culpar os outros;

Relembrar episódios positivos com o ente querido Trabalhar em demasia;


que morreu;
Isolamento dos familiares ou amigos;
Focar-se em algo prático e que possa fazer para
gerir melhor a situação; Não cuidar de si próprio;

Utilizar técnicas de relaxamento (exercícios Fazer actividades arriscadas (conduzir


respiratórios, meditação, música relaxante); irresponsavelmente; abuso de substâncias; não
tomar precauções adequadas);
Participar num grupo de apoio;
Fuga de actividades prazerosas.
Fazer exercício moderadamente;

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Escrever um diário;

Procurar aconselhamento.

A reflexão acerca das estratégias de coping ajuda as vítimas a escolherem as melhores


estratégias, a recusar as estratégias maladaptativas quando elas surgem. Também é uma
forma de dar às vítimas algum controlo sobre o que se está a passar.

Nesta fase, as técnicas de relaxamento analisadas anteriormente também são úteis (com
excepção do grouding, que deve ser utilizado em sobreviventes que estão num grande
estado de angústia e de ansiedade).

Um dos pontos importantes é o coping da família. Se as pessoas podem, individualmente,


utilizar estratégias para lidar com os seus sentimentos, as famílias devem também ser
encaradas como um alvo de recuperação: devem ser ajudadas a retomar as suas rotinas
habituais (refeições, horários de sono, escola e estudos, emprego, etc.).

Os técnicos têm, neste caso, três papéis importantes:

- Ajudar os familiares com pessoas que tenham problemas emocionais anteriores,


dotando-os de estratégias para lidar com essa situação;

- Ajudar as vítimas a compreender e apoiar os seus familiares e as suas reacções;

- Contribuir para o retorno de rotinas de vida.

Eis algumas situações em que os técnicos devem ajudar as vítimas e as suas famílias:

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Problema Intervenção do técnico


Desenvolvimento O desenvolvimento das pessoas pode ser alterado devido à emergência
(controlo dos esfincteres, dormir sozinho, escolaridade, aniversário, férias,
novo emprego, etc.).
Ajudar as vítimas significa agir para re-planear os elementos
desenvolvimentais para que eles possam ocorrer num momento mais
apropriado e de acordo com expectativas mais realistas (por exemplo, nova
data para a festa de aniversário, nova data para retomar a escola, etc.).
Comportamentos de raiva e Neste caso a ajuda é na gestão destas reacções. Os técnicos devem:
fúria - Normalizar a situação, referindo que é possível que elas aconteçam
(salientando que demasiada fúria é maladaptativa);
- Descrever os aspectos negativos das reacções de raiva e fúria e ajudar as
vítimas a reflectir sobre o efeito da fúria no dia-a-dia;
- Ajudar a encontrar formas de gerir esses momentos:
afastar-se do local por algum tempo;
falar com um amigo;
realizar actividades positivas (oração, desporto, música, leitura, etc.);
Sono Nestas situações, os técnicos podem ensinar a promover melhores
condições para dormir:
- Não dormir demasiado;
- Não ter ruídos, fontes de calor ou de luz no quarto;
- Não tomar bebidas estimulantes, como o álcool e o café;
- Usar técnicas de relaxamento muscular;
- Não ficar na cama acordado muito tempo (caso a pessoa não consiga
dormir, é melhor sair da cama, preparar uma bebida quente, ler ou fazer
outra actividade relaxante).
Consumo de substâncias Aqui o papel dos técnicos é de:
- Alertar para os problemas que o uso de substância acarreta e que em
situações de stress há vítimas que recorrem a esse consumo;
- Averiguar os sentimentos das vítimas para com este problema e se a
vítima está a aumentar o uso de substâncias ou se consumia antes do
evento;
- Orientar para estratégias positivas: fazer exercício, comer e descansar
bem, não tomar mais medicamentos que os prescritos, usar e dar o apoio
social à família, solicitar apoio médico.

3.3.4.8. Ligar as vítimas aos serviços

A ligação com os serviços disponíveis é um passo para que as vítimas assumam o controlo
das suas vidas e tenham o apoio necessário para resolver os seus problemas imediatos.

Se necessário, os técnicos devem oferecer ajuda prática (por exemplo, podem


acompanhar as vítimas aos serviços). Os técnicos também podem fazer a referenciação
das situações, por exemplo, em casos de:

- Indícios de violência doméstica ou maus-tratos;

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- Consumo de substâncias;

- Problemas agudos de saúde mental e física que requeiram atenção imediata;

- Necessidade permanente de medicação;

- Necessidade de apoio espiritual;

- Perigo para a vítima ou para outros;

- Incapacidade dos adultos tomarem conta de crianças;

- As vítimas solicitam o apoio.

3.4. Adaptar a intervenção à variedade das populações

Sabemos que as pessoas são diferentes e que os técnicos devem estar preparados para essa
diferença. Contudo, há populações que requerem que os técnicos estejam preparados para
as exigências específicas: as crianças, os adolescentes, os idosos e as pessoas com
deficiência.

A actuação base com crianças e jovens é a sequência: conter, acalmar, informar,


normalizar, consolar.

Estes passos estão integrados nos princípios de acção, ou seja, em primeiro lugar o técnico
observou e escutou e também irá ligar. Porém, com crianças e jovens, há que integrar
estes cinco elementos na acção dos técnicos e utilizá-los para que a família os possa
realizar.

3.4.1. Crianças dos 0 aos 3 anos

Uma vez que as crianças entre os 0 e os 3 anos têm limitações na fala, a atenção dos
técnicos deve estar virada para outras expressões emocionais.

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O que se deve fazer:


Domínios Ações
Conter Dar carinho e segurança.
Evitar “encerramento” e apertos.
Dar espaço para a expressão controlada (choro, gritos).
Acalmar Ajudar a criança a relaxar e descansar (banho, canções).
Informar Informar o que se passou.
Abrir espaço para perguntas.
Usar um tom de voz pausado e tranquilo.
Ter em atenção que as crianças podem entender mais do que os adultos pensam.
Informar apenas o que sabemos.
Normalizar Fazer a criança compreender que os sentimentos são normais. No caso de bebés a
paciência é fundamental, porque é preciso dar espaço para que chorem e estejam
impacientes. O adulto será sempre o ponto de segurança.
Ver chorar os outros pode ajudar (para que a criança perceba que está a ter uma reacção
normal).
Consolar Fazer actividades positivas.
Dar o controle de pequenas tarefas.
Implementar rotinas, para que as crianças percebam que, da apesar da crise, a vida
retoma.
Deixar que a criança brinque com a catástrofe (funeral, terramoto), porque está a
integrar e a compreender o sucedido.

Que reacções se deve esperar das crianças:

Estas reacções são normais, é expectável que elas ocorram.

Quando é que o comportamento da criança deixa de ser normal?

Se, passado um mês, os sintomas estão presentes de uma forma forte. Se não baixou a
activação, se continuam problemas grandes para dormir, se tem pânico de ficar longe da
família, se não consegue voltar às rotinas anteriores

Nessa situação, deve ser procurada ajuda especializada.

3.4.2. Crianças dos 3 aos 6 anos

Os seis anos representam o fim da primeira infância. Neste período (3 a 6 anos), as


crianças…

- São mais autónomas (vestem-se e comem sozinhas).

- São mais sociais (nos jogos, jogam com outros).

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- Imitam profissões e interessam-se mais por contos e canções completas.

- São egocêntricas (começam as frases por eu) e percebem que há opiniões diferentes
das suas.

- Têm pensamentos mágicos e são capazes de contar uma história completa. Porém,
ainda têm dificuldade em discernir o que é real e o que é imaginário. Os pensamentos
mágicos fazem-nos acreditar que as coisas acontecem apenas porque estão a pensar que
elas vão acontecer. Por exemplo, se desejarem que aconteça alguma coisa má ao irmão e
há um acidente, podem ficar a acreditar que foram responsáveis.

- Um problema é que as crianças destas idades podem juntar os «pedaços» das histórias
que ouvem dos adultos, dos vizinhos, dos colegas e amigos de escola e na televisão e
rádio e podem construir as suas próprias histórias, que podem ser completamente
diferentes da realidade. Por isso, é muito importante que os adultos de referência
mantenham as crianças informadas.

- Creem que a morte é um estado temporal e reversível (acham que os falecidos vão
acordar e começar a respirar a qualquer momento).

Como é que estas crianças reagem perante a um evento traumático?

Todas as crianças reagem de forma diferente. Alguns comportamentos que podem surgir
são:

- Falam mais do que o normal;

- Ou não falam, porque têm dificuldade em expressar o que as está a magoar;

- Pesadelos, sono agitado, dificuldade em adormecer sozinha;

- O comportamento pode regredir (perda do controlo dos esfíncteres, incapacidade em


vestir-se ou comer sozinhas, etc.);

- Podem expressar o medo e horror através dos jogos;

- Perdem autonomia;

- Estão mais agitadas;

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- Sentem medo generalizado (de estar só, de um animal em concreto, de tomar banho,
etc.);

- Podem apresentar incertezas acerca de quem tomará conta delas e as acompanhará no


dia-a-dia.

O que fazer?
Domínio Ações
Conter Garantir a segurança e o conforto: comida e água; roupa; jogos e brincadeiras; descanso;
carinho (com palavras e gestos).
Acalmar Falar com a criança à altura dos olhos.
Falar pausadamente e com voz suave.
Para relaxar, pode-se optar por banho, massagem ou histórias.
Pode-se jogar com a criança (e, também, com os seus amigos imaginários).
Informar Explicar o aconteceu, com linguagem acessível.
Responder às questões de forma sincera.
Não minimizar o que aconteceu nem as consequências.
Explicar o que irá acontecer num futuro próximo (a previsibilidade transmite segurança).
Ter paciência (se necessário, oferecer informações temporariamente).
Saber que informações foram dadas por outros adultos, para corrigir, se necessário.
Ajudar a criança a diferenciar a realidade do imaginário.
Normalizar Ajudar a criança a compreender que a expressão das emoções e dos sentimentos é
positiva e normal.
Ajudar a pôr um nome às emoções e sentimentos.
Não criticar a perda de capacidades.
Consolar Animar a criança.
Se necessário, jogar ou brincar (organizar situações sobre o que se passou, para ajudar
a compreender o que aconteceu e como se sente).
Retomar rotinas e tarefas (como pôr a mesa, vestir-se, arrumar o seu espaço).
Oferecer a possibilidade de despedir-se dos entes queridos (funeral, velório)
Se as crianças não quiserem falar, não forçar. Apenas fazer entender que estamos
disponíveis quando quiserem falar (usar palavras que expressem sentimentos comuns,
para que a criança não se sinta estranha).

3.4.3. Crianças dos 6 aos 9 anos

As crianças estão mais maturas e compreendem coisas que as crianças até aos 6 anos.

Mas nãos são adultos. Entendem mais, mas não entendem tudo.

São crianças vulneráveis a informações mal-entendidas, a juntar pedaços de histórias e a


construir (a imaginar) um cenário diferente da realidade.

Por outro lado,” apanham”, rapidamente, as incongruências. É fácil trazer segurança e


acalmar uma criança de 5 anos, porque aceita melhor a linguagem corporal e verbal do
técnico, mas a criança com 7, 8 ou 9 anos desconfia se identificar inconsistências na

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mensagem.

Entre os 6 e os 9 anos de idade, as crianças sabem que a morte é irreversível e que acontece
às pessoas, mas ainda não têm a consciência de que elas também morrerão um dia. Mas
sabem que as pessoas que as rodeiam morrerão um dia, o que provoca preocupação. isto
coloca desafios à gestão dos acontecimentos traumáticos.

Como é que os acontecimentos traumáticos (com ou sem morte) afectam as crianças entre
os 6 e 9 anos?

- Aparecimento de medo generalizado: estar só, jogar, pessoas e espaços desconhecidos,


e de se afastar dos cuidadores habituais. Porque a criança sabe que pode perder os
adultos.

- É importante não dar informações a mais.

- Devemos aceitar os medos e dimensioná-los: não deixar que condicionem o


comportamento da criança. Se dermos protagonismo, estamos a transmitir à criança que
o medo tem razão de ser.

- É frequente as crianças terem pensamentos constantes sobre o evento.

- Também pode haver alterações ao sono: dormir demais (hipersónia), pesadelos e


dificuldade em dormir.

Nas primeiras 4-6 semanas, estas reacções são adaptativas e ajudam a criança a lidar e
ultrapassar com o que aconteceu. Se se prolongarem, torna-se necessária ajuda
profissional.

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Domínios Ações
Conter Conter as emoções.
Criar um ambiente calmo e seguro.
Nomear as emoções.
Apelar a pensamentos que possam tranquilizar as emoções.
(estás seguro aqui, os teus pais protegem-te).
Acalmar Falar em voz pausada.
Manter tranquilidade e voz baixa e calma.
Recordar à criança que a situação é semelhante a outras situações e que, nessa altura,
os medos foram superados (lembras-te quando caíste e tiveste que ir ao hospital?
Tinhas medo, mas os médicos ajudaram! O que se passa agora é semelhante. Tens
medo, vais perceber que vais conseguir ultrapassar a situação) – Relembrar a criança
que têm mecanismos internos para gerir a situação.
Não dizer à criança que se se acalmar, tudo irá ficar melhor (possivelmente não é
verdade). Mas podemos dizer que estamos lá para a ajudar a acalmar-se e, para que
tudo corra o melhor possível.
Informar Com a criança calma, começar a informar.
Utilizar linguagem apropriada (estas crianças não são adultas).
Explicações fáceis, curtas e simples trazem segurança (por exemplo, sabes que de
manhã o pai foi trabalhar e que foi de carro. Há pouco, a polícia ligou-me e disse-me
que o pai teve um acidente – a criança perguntará se o pai está bem. Teremos que lhe
dizer que não, que está no hospital e que os médicos dizem que é grave). Os rodeios são
difíceis e ameaçadores.
Temos que ser simples, mesmo que os adultos se assustem com aquilo que têm que
dizer à criança.
Normalizar Normalizar todas as emoções e sentimentos.
Dar nome às emoções (importantíssimo).
Dizer que os sentimentos são normais e que, possivelmente, ao longo das horas e dos
dias, se transformarão noutras emoções.
Não dizer “vais melhorar”, porque o que acontece é que as emoções se transformam.
Reforçar que estamos presentes para ajudar.
Consolar A criança dá conta de que teve uma perda e está a racionalizar.
É importante continuar a garantir que estaremos lá que a criança se sinta o melhor
possível (não dizer para se sentir bem, porque numa perda isso é impossível).

3.4.4. Crianças dos 9 aos 12 anos

Nestas idades, já não são crianças, mas também não são adolescentes. Há muita
variabilidade.

A compreensão cognitiva é quase semelhante à dos adultos. Nas idades anteriores


tínhamos que ter cuidado devido à imaginação das crianças. Nestas idades podemos falar
como se estivéssemos a explicar as coisas a um adulto.

Mas este é um período de mudanças constantes. Muda o corpo. Muda a personalidade.


Há muita instabilidade, o que condiciona a forma de reagir.

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O grupo de amigos (os pares), começa a ter um papel importante. Na adolescência, os


indivíduos abandonam os modelos que tiveram e centram-se nos modelos que têm dos
pares. Este é o início desse período. Logo, entre os 9 e os 12 anos, haverá momentos em
que recorrem aos adultos (para segurança e conforto) e haverá momentos em que
recorrem aos amigos. O que dificulta a comunicação.

As crianças ainda estão a aprender a gerir as emoções: podem passar do descontrolo e


impulsividade, para a agressão ou apatia, por exemplo. E isto acontece em situações do
dia-a-dia (com um comentário sobre a roupa ou o penteado). É o início da preparação da
adolescência: oposição

Nestas idades, como é que a morte é vista?

O conceito de morte é igual ao dos adultos:

- Todos morrem;

- É irreversível;

- Afectam as pessoas com quem há laços afectivos;

- Os indivíduos entre o 9 e 12 anos têm consciência da própria morte.

Que reacções esperar?

Irritabilidade (dificuldade em gerir as emoções; a tristeza confunde-se com mau génio e


irritabilidade).

Precisam de ajuda para perceber que a forma de chorar são as lágrimas e não o mau-
génio. Será sempre difícil, devido a questões comunicacionais.

Falar sobre o que aconteceu e as consequências no futuro, provoca stress. Por isso, os
pré-adolescentes tendem a evitar a comunicação e a refugiar-se no grupo de amigos.

A tarefa dos adultos é manter aberto o canal de comunicação, mesmo que não diga aquilo
que acha importante dizer e explicar (isso poderá ser feito posteriormente).

Podemos, por exemplo, esperar que seja o pré-adolescente a perguntar sobre o tema.

Os pré-adolescentes também podem…

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- Aumentar os comportamentos de risco;

- Reduzir o desempenho escolar.

- Tentar fugir de casa.

- Apresentar problemas no sono e na alimentação.

Na pré-adolescência, costumam aparecer problemas nestas áreas, mas quando aparecem


depois de um acontecimento traumático, os jovens precisam de tempo para voltar à
normalidade.

Não devemos fazer do sono e da alimentação uma batalha. Não é fácil, mas nas primeiras
4 a 6 semanas, a presença de tais reações são formas de expressar um pedido de ajuda.

Domínios Ações
Conter Encontrar um equilíbrio entre o emocional e racional; entre a protecção (adultos) e a
acção (estar com) dos amigos.
Criar um espaço para que possam “fugir”, não pensar no que aconteceu e isolar-se (é
importante haver momentos de desconexão).
Acalmar Falar calmamente e com voz pausada.
Os pré-adolescentes gritam, refilam e confrontam, por isso, actuar para acalmar passa
por deixá-los estar (por exemplo, perguntando se precisam de alguma coisa).
Ao contrário das crianças (a quem afagamos e pegamos ao colo) os pré-adolescentes
precisam de “espaço” acompanhado.
Informar Utilizar quase as mesmas palavras que com um adulto (dar a informação necessária,
curta, precisa e aguardar as questões).
Mas a comunicação é complicada, por isso é importante voltar ao tema várias vezes
(recordas-te o que falamos antes? É importante falarmos sobre…)
Normalizar Este é o passo mais importante a tomar na pré-adolescência, porque para um
adolescente que está assustado, para quem muito mudou e que sente angústia, tudo
parecerá anormal.
Por isso, é importante salientar que não há uma maneira única e correcta de reagir e
que a única regra que existe é a do apoio mútuo entre pessoas e (principalmente) os
amigos da mesma idade (eles sabem bem o que os pode ajudar).
É importante relembrar que a revolta, a contestação, pode ser uma forma de estar triste
(não dizer “É incrível que, apesar do que aconteceu, tu ainda estás a refilar”).
Consolar Temos que aceitar que, possivelmente, as melhores pessoas para consolar são os
amigos de 11 ou 12 anos. Percebem muito bem o que se passa com os seus pares. A
prioridade deve ser o consolo através do grupo de apoio de amigos.
Apesar disso, devemos estar disponíveis.

Como nos outros casos, se após 4-6 semanas os sintomas não passam, devemos recorrer
a orientação.

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3.4.5. Como é que as crianças podem retomar o controlo

Para que a criança consiga readquirir a sensação de controlo e previsibilidade da situação,


é necessário ter em atenção diferentes aspetos:

Ambiente Físico

- Retirar a criança de cenários muito violentos, perto de pessoas com ferimentos


graves ou mortas, evitando assim a exposição a estímulos potencialmente traumáticos;

- O retorno da criança a um ambiente tranquilizante é muito importante para a sua


recuperação e deve ser feito da forma mais rápida, mas também, de uma forma calma;

- Proteger a criança do olhar de estranhos e dos media.

Pais / Adulto Responsável

Os pais/adulto responsável têm um papel fundamental na ajuda que se pretende dar à


criança, uma vez que a conhecem melhor que ninguém e são pessoas de confiança para
ela. Assim sendo, considere-se que:

- Sempre que seja possível, deve estar junto da criança e no seu ângulo de visão;

- Os pais/adulto responsável devem assegurar à criança de que não se vão embora;

- Quando os pais/adulto responsável estão demasiado ansiosos para ajudar é importante


dar-lhes informações adequadas e realistas, aconselhá-los, ajudá-los no seu processo
de autocontrolo e atribuir-lhes funções activas no processo de ajuda à criança, de forma
a sentirem-se úteis;

- Seja uma referência e explique aos pais/adulto responsável que estão com a criança: a
criança reage instintivamente por “cópia”, ou seja, é normal adoptar as mesmas atitudes
e comportamentos de outros adultos que são uma referência para ela. Assim, adultos
calmos e seguros de si vão transmitir mais tranquilidade do que adultos ansiosos ou
sem controlo. Explique isto aos familiares ou conhecidos que acompanham a criança.

- Explique à criança que, apesar dos pais/adulto responsável estarem alterados com a
situação, continuam a ser capazes de tratar dela, tão bem como o faziam antes da

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situação.

Confiança nos profissionais

- Apresente-se e fale de forma calma e tranquila, mas alto o suficiente para a criança o
ouvir. Trate a criança pelo nome;

- Fale ao nível visual da criança. Sente-se ou ajoelhe-se perto da criança, se for


necessário;

- Nunca actue ou fale como se a criança não estivesse presente, ou não o


compreendesse, mesmo que os seus actos ou a sua comunicação não lhe sejam
dirigidos;

- Não guarde segredos das crianças, pois elas pressentem quando as coisas não estão
bem. O “segredo” de trabalhar com crianças em emergência é saber comunicar que
alguma coisa não está bem, mas que alguém tomará conta delas e que as coisas irão
acalmar e melhorar em breve. Se não se souber responder, dizer com sinceridade que
não sabe;

- Comunique com a criança de forma que ela entenda. Relembre-se de que os adultos
têm necessidade de ouvir as experiências das crianças, por vezes de forma exaustiva.
Mas as crianças não necessitam de saber todos os detalhes das experiências dos adultos;

- Pode oferecer um boneco, algo simbólico;

- Dê informação – as crianças querem e precisam ter informação sobre o que aconteceu


e sobre o que se está a fazer para resolver a situação.

Controlo sobre o Processo A criança está preocupada com o que vai acontecer a seguir.
Com a colaboração do adulto responsável deve-lhe ser explicado todo o processo numa
linguagem adaptada ao seu nível de desenvolvimento. Assim:

- Transmitir à criança que não está a ser castigada por nada de errado que tenha feito;

- Sempre que possível, e se for necessário realizar algum procedimento médico na


criança deixar a criança tocar nos instrumentos que vão ser utilizados;

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- Explicar sempre à criança o que se vai fazer, principalmente se for um


procedimento invasivo. Tanto quanto possível transmita o que é que ela vai ver, ouvir,
cheirar e sentir. Mas cuidado com a linguagem, por exemplo, deve dizer “Vais sentir um
calor” e não: “Vai arder!”;

- Ter em atenção a linguagem utilizada, indo de encontro ao nível de desenvolvimento


e nível de compreensão da criança;

- Ser honesto com a criança, se não se souber responder-lhe, dizer com sinceridade:
“Eu não sei”;

- Pedir ajuda à criança, como por exemplo, segurar num instrumento, numa compressa,
etc.;

- Permitir que a criança tome algumas decisões sempre que possível, como por
exemplo, em que posição quer estar durante a intervenção, em que dedo quer ser picado;

- Em procedimentos mais complicados, se possível, pode ajudar convidar a criança a


simular o procedimento num boneco, assumindo ela o papel de técnico.

Autocontrolo

Para ajudar a criança a ganhar autocontrolo, é adequado recorrer a:

- Técnicas de relaxamento, tais como técnica de respiração diafragmática, técnica de


relaxamento muscular, treino de imagética, tudo dependendo da idade da criança;

- Estratégias de distração, por exemplo, olhar para o monitor e dizer quando há


alteração, contar de zero a dez e de dez a zero, falar sobre um tema que a criança goste;

- Estratégias para modificar o significado da dor, procurando que a criança associe a


dor a um processo positivo de cura, como por exemplo, “Esta dor é a ferida a ficar boa,
a fechar”;

- Estratégias para reforçar/valorizar as atitudes de controlo e de colaboração.

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3.4.6. Adolescentes
Os adolescentes estão numa fase de transição em que não são crianças, mas também não
têm acesso aos mesmos recursos que os adultos têm. Em primeiro lugar, interessa
compreender a que pressões os adolescentes estão sujeitos e depois como é que os
adolescentes podem ser envolvidos nos PSP.

3.4.6.1. Stress quotidiano na vida dos adolescentes

A adolescência é uma etapa de mudanças frequentes que, por si só, são causadoras de
stress. Quando há eventos traumáticos, esse stress do evento anormal é somado ao stress
do dia-a-dia. Por isso, entender as pressões a que os adolescentes estão sujeitos é um
elemento importante para a intervenção. Compreendermos quais são os factores que
dificultam a vida dos adolescentes permitir-nos-á ajustar a forma de agir.

Adolescência é o período de cerca de 10 anos que decorre entre a infância e a adultícia e,


em que o jovem estrutura a sua identidade. A puberdade refere-se apenas aos dois a três
anos em que há a maturação dos órgãos sexuais.

A primeira pressão sobre os adolescentes tem a ver com o rendimento académico. Nesta
altura, os adultos começam a pedir aos adolescentes mais empenho, responsabilidade e
rendimento escolar. Normalmente, estes pedidos estão relacionados com mensagens de
que a escola é importante para o futuro e que os adolescentes devem começar a pensar no
seu futuro a longo prazo e a escolher vias para uma futura profissão. Apesar de isto ser
muito importante para os adultos, não o é para os adolescentes.

Em segundo lugar, o corpo não ajuda. Como há muitas alterações no crescimento físico,
hormonal e de personalidade, os jovens sentem-se um pouco estranhos no seu próprio
corpo. O crescimento é de tal forma acelerado que o cérebro tem alguma lentidão de
adaptação às novas medidas e, por isso, os jovens podem ser descoordenados, deixar cair
objectos com frequência, bater contra os móveis, etc. Este é um processo de adaptação ao
novo corpo diário, mas que gera problemas de autoestima. A imagem externa dos
adolescentes é muito importante para os adolescentes.

A autoestima é a típica “pescada de rabo na boca” da adolescência: como há stressores


que afectam a autoestima, esta é baixa; porém, como esta é baixa, é mais difícil enfrentar

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os stressores.

Em terceiro lugar, os adolescentes estruturam a sua personalidade através de novos


caminhos e relações. Se até aos 10 anos as crianças fazem o que os adultos sugerem e
aprendem a partir dos valores e regras dos adultos, na adolescência regem-se por valores
e regras próprias. Fazem esta descoberta da identidade (Como é que eu sou? Como é que
eu faço as coisas?) através da oposição aos adultos e aos ensinamentos que estes
transmitiram. No termo da adolescência, os jovens terão uma identidade própria baseada
em parte no que os adultos lhes transmitiram e no que eles aprenderam junto dos seus
pares e através das suas experiências. Trata-se de encontrar a sua própria personalidade e
identidade (como adulto, estudante, desportista, amigo, etc.).

A etapa de oposição pode ser “pesada” para os adultos e para os adolescentes. Parece que
os adultos nunca fazem nada sem que os adolescentes contestem. É uma etapa que
dificulta a gestão de eventos traumáticos e é muito importante que os técnicos tenham
presente que a oposição é anterior a qualquer evento traumático (ou seja, não surge devido
ao trauma).

Em quarto lugar, o referencial dos jovens passa a ser o grupo de iguais em vez dos adultos.
Os jovens procuram o seu papel no grupo. É um processo em que se produzem tensões
no grupo, mas que são importantes. É, também, um processo adaptativo que permite a
socialização e o treino de competências que serão necessárias para a vida adulta. O grupo
de pares é o espelho dos adolescentes. Logo, o grupo de iguais tem um papel nos PSP
com adolescentes.

E o que acontece aos jovens perante um evento crítico?

Em primeiro lugar, vê-se confrontado com a incerteza da vida. Os jovens adolescentes


acreditam que terão sucesso se forem aplicados e organizados, mas as catástrofes
contradizem esta visão e mostra-lhes que apesar do esforço para fazer as coisas bem, a
vida, às vezes, apresenta-lhes dificuldades e incertezas. Isso fará com que os jovens
tenham dificuldade em gerir as suas emoções. E essa insegurança é criada num momento
de oposição, em que, provavelmente, já não é possível recorrer aos “braços da mãe”, o
que significa que os adultos já não podem oferecer toda a segurança que anteriormente
ofereciam.

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Felizmente a adolescência é uma etapa de fortes contactos sociais e de muita


sociabilidade. O grupo de pares normalmente identifica-se com amigos que sofrem perdas
e estão preparados para ser empáticos e apoiar. Mesmo os colegas de escola que não são
próximos, disponibilizam-se para ajudar. Isto é um factor protector.

De qualquer forma, o evento crítico pode desencadear um problema de saúde mental. É


preciso notar que a palavra-chave é “Desencadear”, ou seja, que o evento crítico, por si,
não resulta em problemas de saúde mental, mas pode contribuir para despoletar uma
situação em jovens que estejam expostos a outros riscos (as catástrofes não geram
problemas de saúde mental, mas precipitam-nos).

Perante a ausência de controlo e dificuldades emocionais típicos da adolescência, todos


os recursos possíveis devem ser postos à disposição dos adolescentes. Os técnicos têm
um papel importante, as famílias também, mas é importante aceitar que parte do processo
decorrerá junto do grupo de pares. E isso também põe responsabilidade sobre a escola,
uma vez que é aí que estão os amigos e, por isso, a escola deve-se envolver activamente
na ajuda.

Para os pares poderem ajudar, devem ter acesso a informações sobre o ocorrido e formas
de ajudar e devem ser valorizados como elementos do processo de acompanhamento.

3.4.6. 2.. Como implicar os jovens nos processos de gestão de eventos


críticos?

Até aos 12 anos as principais tarefas são dos adultos. Porém, na adolescência, os amigos
dos jovens ganham um papel especial. E as mudanças fazem aumentar a impulsividade.

Apesar das dificuldades é possível e aconselhável implicar os jovens na gestão do seu


evento crítico. Nesta altura, os adultos já não podem fazer tudo pelos jovens e terá de ser
o adolescente a agir, utilizando a autonomia que reclama.

As características da adolescência modulam a intervenção dos jovens. É necessária a


colaboração entre técnicos, amigos dos jovens, família e escola. Porém, não se deve
pensar que o evento traumático vai mitigar a etapa de oposição. Há expressões vulgares
como “agora que aconteceu isto, tens que ser o homem/mulher da casa”. Mas a
adolescência continua, apesar do evento crítico. O adolescente não se transforma na
criança calma e obediente da infância.

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Então, como obter a colaboração?

Em primeiro lugar, aproveitar o facto dos adolescentes precisarem dos adultos para passar
pelas dificuldades da catástrofe (podem não gostar, mas, de facto, precisam dos adultos).

Em segundo lugar, os adultos têm que ser capazes de reconhecer que é difícil adoptar a
mesma atitude de independência que adoptariam se o evento traumático não tivesse
ocorrido. Os pais tendem a proteger os filhos. Os técnicos devem explicar aos pais e aos
filhos que estas atitudes são normais.

Há quatro elementos que ajudam os jovens a sentirem-se respeitados e a querem implicar-


se:

- Tratar os jovens como se fossem adultos – eles já se sentem adultos e, portanto, a


linguagem e atitude deve dar a entender que reconhecemos o crescimento dos jovens e
que sabemos que os jovens precisam de apoio, mas que não precisam de ser tutelados.

- Oferecer informação – os jovens devem receber informações precisas, mas não


devemos dizer o que pensamos que os jovens devem fazer e o que não devem fazer. Se
precisarem de conselhos, os adolescentes pedirão.

- Estar disponíveis – Normalmente os adultos querem saber o que os jovens precisam e,


por isso, perguntam e tentam descobrir essas necessidades. Mas os jovens preferem saber
que há disponibilidade e procurarão por apoio quando necessitarem.

- Respeitar os espaços do adolescente – tanto quando quer estar só, como quando quer
estar com o grupo de iguais. Enquanto adultos, poderemos querer consolar e acalmar, mas
devemos ter capacidade para deixar que os jovens recorram aos amigos (que podem ser
capazes de oferecer mais apoio e tranquilidade).

O que fazer perante um adolescente (ou grupo) a quem devemos aplicar PSP?

Em primeiro lugar, perguntar se aquele é um bom momento para falar. A permissão deve
sempre ser pedida. Se o adolescente não quiser, essa opção deve ser aceite.

Caso seja possível falar, devemos tentar descobrir o que é que o jovem quer (que apoio
precisa). Porém, o próprio jovem poderá não o saber. Então, os técnicos devem oferecer
alternativas. Se quer ir à escola, se quer algum apoio médico, etc.

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O jovem deve ser sempre convidado a participar nas actividades familiares. Convidar
significa que não deve ser forçado. Deve tomar conhecimento das vantagens que, do
ponto de vista dos adultos, tem a participação nas rotinas familiares.

Finalmente, os jovens devem poder participar na gestão do evento crítico. Por vezes os
jovens não são mais participativos porque ninguém lhes pergunta se querem. Por
exemplo, na ajuda com crianças ou na realização de tarefas básicas. Os adolescentes são
pró-sociais e, por isso, gostam de ajudar e socializar nas situações de crise.

E o que não fazer?

Não obrigar os jovens a falar.

Não estabelecer expectativas sobre o que os jovens devem fazer. Os técnicos devem falar
com os adultos sobre isto. Deve-se evitar que apareçam as frases feitas (“Deves portar-te
bem”) que, num momento de vulnerabilidade, podem ser prejudiciais. Os técnicos devem
evitar que este tipo de influência ocorra ou então devem fazer para que sejam
desactivados.

3.4.6. 3. O papel do grupo de pares no evento crítico


O grupo de adolescentes é o local em que surge a partilha de sentimentos, identidades,
emoções e valores. Por isso, o grupo ganha importância. Os jovens têm necessidade de
pertencer um grupo e de ser aprovados pelos membros, o que explica parte dos
comportamentos da adolescência.

É no grupo que se começa a desenvolver a etapa da adultícia e se desenvolvem


competências importantes para a vida adulta: a resolução de problemas, as competências
sociais e emocionais, a comunicação, etc. E também é o espaço de geração de valores que
permitirão interpretar o mundo e os acontecimentos quotidianos.

Como é que os técnicos devem agir perante o grupo e que conselhos podem oferecer?

Num evento crítico o ideal é que o grupo mantenha a calma, que não discutam ou se
culpabilizem mutuamente pelo sucedido.

Devem evitar a sobre-informção, através de rumores, ou fontes que levantem dúvidas


sobre o que aconteceu.

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Depois, os técnicos devem normalizar as emoções que os jovens estão a sentir. Os


adolescentes têm dificuldade em expressar as suas emoções e por isso deve-lhes ser
explicado que qualquer forma de expressar emoções é válida, como por exemplo: não
chorar, ou chorar sem lágrimas, estar mal humorado, afastar-se, etc.

É importante que os jovens mantenham rotinas saudáveis: descansar, alimentar-se, fazer


exercício físico.

Também devem ser aconselhados a recuperar as suas rotinas habituais: voltar à escola e
a sair com os amigos, por exemplo.

Finalmente, devem aceitar o apoio dos amigos.

E o que os jovens não devem fazer?

Não devem iniciar ou aumentar o consumo de drogas.

Não devem evitar falar do evento ou mesmo ir ao local em que ocorreu.

Não desleixar os autocuidados.

Assim, os jovens estarão mais preparados para lidar com os problemas. Os técnicos
também devem informar os jovens sobre as estratégias de coping que possuem ou que
podem aplicar, como:

- Ser optimista e ter um bom sentido de humor;

- Evitar autocrítica acentuada e a negação do sucedido.

3.4.7. Pessoas com deficiência e populações especiais


Entre estas, contam-se as pessoas com deficiência auditiva e/ou visual e os idosos. Em
todos os casos, a comunicação pode estar comprometida. Nessa medida, a preocupação
dos técnicos é a recolha de informação (poderão recorrer a quem conhece as vítimas) e
também garantir que não há qualquer discriminação no acesso aos serviços.

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3.4.7.1. Idosos
Nestes casos, é previsível que haja necessidade de medicamentos e estejam presentes
doenças crónicas. Por isso, a intervenção deve promover o retorno rápido à medicação e
também:

- Identificar necessidades especiais comuns nesta faixa etária (ex. fraldas, arrastadeira,
cadeira de rodas);

- Evitar fazer suposições acerca das capacidades sensoriais, cognitivas e físicas do


idoso, baseadas na idade deste (por exemplo, não falar mais alto, a menos que se saiba
que o idoso tem dificuldades auditivas);

- Assegurar que o ambiente é apropriado à comunicação, reduzindo fatores que possam


influenciar negativamente (barulho, por exemplo);

- Explorar com o idoso quem lhe poderá dar apoio numa fase posterior.

De resto, a intervenção segue a atitude de comunicação simples e de empatia que deve ter
com outras vítimas.

3.4.7. 2. Pessoas com deficiência mental

No caso das pessoas com deficiência intelectual (PCDI), é importante colocar as


competências dos técnicos em perspectiva: caso o técnico sinta que não está capacitado
(por motivos pessoais ou de conhecimento) para intervir, então deve passar o caso a um
técnico mais experiente.

Tal como em qualquer pessoa, também nos casos das PCDI as situações de catástrofe ou
os eventos críticos quotidianos são um desafio, porque estão acima do nível de pressão
que normalmente experienciam.

No caso das PCDI, existe alguma tendência para a protecção (evitar que sintam emoções
negativas) ao longo da vida. Em alguns casos, as pessoas são segregadas (afastadas da
sociedade) ou excluídas (colocadas em locais onde contactam maioritariamente com
outras PCDI e em ambientes muito controlados).

Isso não significa que as PCDI não tenham alguns recursos. Mas também têm

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características individuais. Em todo o caso, devemos esperar que o nível de resistência ao


stress seja inferior.

Então os recursos e a intervenção dependem mais das características individuais de cada


PCDI do que do diagnóstico, ou seja, é mais importante a personalidade (por exemplo, a
existência de bom humor, autonomia, rede de apoio social, etc.), do que atuar em função
do tipo de deficiência (por exemplo, autismo, trissomia 21, etc.).

No caso das PCDI há elementos mais salientes:

- A comunicação poderá estar comprometida e parte da acção poderá ser uma


interpretação do técnico. Por isso, a recolha de informação precisa é mais importante. E
apesar da PCDI poder não compreender todas as informações, os técnicos devem
comunicar as informações, mas de uma forma simples e sobretudo concreta (isto é, sem
abstracção). Há que falar lenta e pausadamente. E há que dar tempo para que haja
entendimento. Uma estratégia importante é permitir silêncios e pausas e perguntar
questões sobre o que foi dito pelos técnicos.

- Os espaços tornam-se mais relevantes. É importante que o local dos PSP seja
especialmente confortável (sentido como seguro) para a PCDI. Há que perguntar às
pessoas qual é o espaço que prefere (estás bem aqui?).

- Há que procurar por quem conhece a PCDI, mesmo que sejam apenas vizinhos ou
parentes afastados. Essas pessoas podem ajudar a compreender se as reacções da PCDI
estão muito afastadas da normalidade do dia a dia. ATENÇÃO: estas pessoas devem ser
facilitadoras. Caso não o sejam, estejam nervosos, pessimistas e precisem de apoio, então
é melhor trabalhar primeiro e à parte com essa pessoa, eventualmente, facilitadora e
descobrir quais foram as reacções das PCDI a eventos traumáticos anteriores, a medicação
eventual de que necessita, etc.

- A percepção das PCDI pode estar alterada em função do evento. Por isso, é importante
anunciar sempre a presença do técnico que fornece PSP (por exemplo, posso entrar?), o
que facilitará a intervenção.

- Escutar ganha outro sentido no caso de PSP a PCDI: é importante perguntar o que sabe,
o que outras pessoas disseram e é preciso ouvir com atenção a comunicação verbal e não
verbal.

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- As perguntas das PCDI são uma fonte preciosa de informação: que perguntas são? Qual
é a intenção das perguntas? As perguntas são coerentes com a informação prestada? Qual
é o significado das perguntas? Trata-se, portanto, de saber o que preocupa a PCDI:

- Os técnicos também devem recolher informações acerca das reacções: Há angústia? Há


alteração marcada do comportamento? Há reacções de agressividade e fúria? Há
verbalizações ameaçadoras? Procura isolamento ou o contacto com outros?

- Quando há dúvidas acerca do comportamento, há que perguntar à PCDI: “posso fazer-


te uma pergunta?”. A resposta já é um indicador importante.

O que não deve ser feito é:

- Incapacitar a pessoa através de atitudes sobreprotectoras ou invalidantes.

- Estar com medo das reacções da PCI. Os medos são percebidos e reflectem
expectativas que podem despoletar reacções negativas.

- Ser invasivo e realizar acções de PSP sem solicitar autorização.

- Dar informações (à PCDI ou família) de forma pouco clara.

- Dizer como é que a PCDI deve sentir-se.

- Perder a paciência.

- Gritar.

- Tocar.

- Responder perguntas sobre suposições desconhecidas.

3.4.7.5. Pessoas com deficiências físicas

Nestes casos, a intervenção deve estar orientada para garantir o acesso das pessoas a
recursos de mobilidade (cadeiras de rodas, por exemplo). Devido às dificuldades
eventuais de locomoção, estas pessoas devem ser consideradas prioridades.

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3.5. Intervenção em situações específicas


Algumas situações podem apelar a atitudes específicas dos técnicos, particularmente
quando há casos de suicídio consumado, famílias multi-problemáticas, necessidade de
envolver a família no apoio a jovens.

3.5.1. Suicídio consumado

No caso do suicídio consumado, os técnicos que estabelecem o primeiro contacto com a


família têm um papel crucial.

O primeiro contacto é um elemento-chave na intervenção junto dos sobreviventes, porque


pode abrir a porta para apoios seguintes e para reforçar a coragem dos sobreviventes para
recorrem a esses apoios.

O suicídio é uma situação difícil para os técnicos que intervêm e, conjuntamente com as
tarefas relacionadas, os técnicos podem “esquecer-se” de quem ficou vivo.

- Apresentação.

- Respeitar a privacidade. Comporte-se como um convidado, porque isso ajuda os


sobreviventes a recuperarem o controlo da situação.

- Falar brevemente sobre o que se vai fazer (o que a pessoa que fornece PSP vai fazer ou
sobre o que a pessoa que vai tratar do corpo vai fazer). Depois, deve ser solicitado aos
familiares que se afastem do local e é preciso garantir que, particularmente, as crianças
não estão em contacto com o corpo na cena do suicídio.

- Tudo o que for feito será visto ou sentido pelos familiares presentes. É importante
respeitar o falecido e não falar sobre a situação em frente dos familiares. Quando falar
acerca da pessoa que morreu, é mais adequado utilizar o nome, uma vez que isso
humaniza a comunicação (não utilize “ele” ou “ela”). A utilização do nome é
reconfortante para os familiares.

- Há que manusear o corpo com respeito e cuidado. O manuseamento desinteressado do


corpo origina reacções de dor e angústia nos familiares.

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- É particularmente importante acompanhar os sobreviventes enquanto se está no local


(nunca os devemos deixar sozinhos). O suicídio é “contagioso”, porque oferece uma
imagem de que há uma saída de determinada situação. Os cuidados devem ser
redobrados com as crianças.

- A apresentação de explicações simples para o suicídio ajuda a quebrar o efeito


contagioso do suicídio: é preciso lembrar que o suicídio não resulta nunca de um único
facto; é sempre o produto de muitas variáveis e situações de vida em interacção
complexa.

- A escuta incondicional é outro instrumento: há que ouvir, sem julgar, o que os


sobreviventes têm para dizer (são informações preciosas).

- E há que perguntar o que é que eles precisam e como é que podemos ajudar.

- Nos primeiros contactos é igualmente importante prevenir ou reduzir os sentimentos


de culpa. Os sobreviventes podem sentir-se culpados por não terem identificado os
sinais relacionados com o suicídio. Há que normalizar esses sentimentos (é normal
sentir-se culpado) e que o suicídio é uma situação complexa.

- Os sobreviventes podem não querer ser ajudados, devido ao choque do falecimento e,


por isso, deve ser deixada informação sobre os serviços que estão disponíveis para
ajudar. Os sobreviventes devem ser estimulados a utilizar as ajudas posteriormente.

3.5.2. PSP em famílias multi-problemáticas

As famílias multi-problemáticas são aquelas que apresentam a existência de problemas


frequentes e permanentes. O ponto chave é que são famílias incapazes de realizar a gestão
e organização de tarefas (educação dos filhos, protecção dos mais vulneráveis, gestão dos
conflitos, apoio emocional aos mais jovens).

Há famílias multi-problemáticas em todos os níveis sociais, mas quando esta situação


também está relacionada com a pobreza, então passa a existir um problema estrutural a
que é preciso atender. Mas qualquer família multi-problemática, rica ou pobre, precisa de
acompanhamento.

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São famílias em que há casos de consumo de drogas, violência entre os membros, desleixo
na alimentação ou educação dos mais jovens. Têm poucos recursos físicos e emocionais
para lidar com os problemas e apresentam conflitos individuais e também com o contexto.
A estrutura é caótica, sem rotinas e limites e, muitas vezes, os papéis sociais estão
invertidos. A comunicação é disfuncional e há incoerência entre a comunicação verbal e
não verbal (e a comunicação deixa de fazer sentido). É vulgar haver o abandono ou
insucesso escolar e estas famílias apresentam dificuldade em transmitir normas e regras
socialmente aceites.

São, portanto, famílias em que co-existem problemas de vária ordem, em que há


desequilíbrios entre os problemas e os recursos.

Em virtude das situações que originam o disfuncionamento, estas famílias também


apresentam áreas fortes de actuação: são flexíveis, capazes de mobilizar recursos sociais
do sistema formal e informal.

Podemos considerar várias tipologias de famílias multi-problemáticas:

- Famílias bem estruturadas: normalmente de nível socioeconómico alto, mas em que


um dos membros apresenta uma grande variedade de problemas crónicos e recorrentes.

- Pais ausentes, que não apoiam o desenvolvimento dos filhos;

- Pais jovens, com problemas de atitude e de consumo de substâncias, dados a conflitos.


Normalmente um dos pais abandona o lar.

- Mulheres sozinhas com um ou vários filhos, com incapacidade para manter uma
relação estável com os filhos. Vulgarmente apresentam um historial de consumo de
drogas ou prostituição.

- Famílias petrificadas: são aquelas que, perante um evento traumático, são incapazes de
reagir e têm o funcionamento completamente alterado.

No trabalho de PSP com famílias multi-problemáticas há que promover a ordem e


reduzir o ruído, isto é, procurar eliminar todos os factores que dificultem a gestão da
situação:

- Não falar todos de uma vez;

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- Responder quando há perguntas;

- Respeitar quem está a falar;

- Quem não quer estar, deve sair.

Há que diferenciar e definir o núcleo familiar da família extensa (outros familiares,


vizinhos, etc.).

Na acção, devemos ser claros sobre o serviço que será prestado e sobre as diferenças para
os outros serviços. Os objectivos da intervenção devem ser claros e significativos para a
família.

No caso das famílias multi-problemáticas, as atitudes e comportamentos são mais


importantes do que as palavras: por isso, as atitudes e os comportamentos devem ser a
prioridade dos técnicos (mais do que as emoções). São mais importantes as mudanças que
se vêm nas atitudes e comportamentos do que aquelas que estão evidentes nas emoções
ou palavras.

Os técnicos também devem favorecer a sensação de controlo sobre o comportamento de


cada indivíduo e sobre a tomada de decisões que lhes dizem respeito.

Os técnicos devem evitar discussões ou impor mais limites do que aqueles que as pessoas
da família estão disponíveis para aceitar.

É, também, importante reconduzir os sentimentos. Se houver momentos de fúria e raiva,


devem ser entendidos como atitudes de preocupação perante o sucedido e os demais e
atuar perante esses sentimentos: “Compreendo que nesta situação estejas irritado, mas
não é bom para ti e para os outros que o manifestes dessa forma tão explicita”.

Não se deve substituir os adultos no acompanhamento de crianças e jovens: há que


perceber o que precisam e estimular os seus recursos.

3.5.3. Envolvimento da família

No caso de crianças e jovens, é importante o envolvimento da família.

Que obstáculos podem aparecer?

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Já sabemos que passos devemos dar na intervenção com crianças e jovens.

Se conseguirmos envolver a família, estes passos produzem melhores resultados

Quais são os erros mais comuns dos técnicos?

Por excesso Por defeito


São apenas os técnicos a aplicar os PSP. Os técnicos centram-se nos pais e não explicam
como funcionar com as crianças.

Criticar abertamente a gestão que a família faz. Falar do impacto à frente das crianças, sem ter em
conta a sua presença.

Sobreprotecção (e a família acaba por não


resolver os seus problemas).

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4.Desactivação dos técnicos: tratar de si e


dos outros técnicos

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Os eventos críticos não causam apenas vítimas durante o impacto primário. O impacto
secundário também pode provocar problemas de saúde mental. Por isso, os técnicos
expostos a situações de catástrofe e ao sofrimento humano devem ter consciência de que
estão em situação de risco. É inevitável que tal aconteça e também é inevitável que haja
um sistema pensado para auxiliar os técnicos e empreender pela sua saúde e bem-estar,
para que os técnicos possam ir para casa e retomar os outros papéis das suas vidas.

Os protocolos mais conhecidos são o debriefing e o defusing, mas também há


intervenções (sessões) especificas para o falecimento de um colega de trabalho. Também
pode haver sessões de pré-intervenção, sobre o que se vai passar, o que devemos esperar
– é uma psico-educação preventiva. Note-se que estas técnicas não devem ser utilizadas
em vítimas de eventos críticos: elas são válidas apenas para as equipas de técnicos que
prestam o auxílio.

Em primeiro lugar, veremos as duas principais síndromes que os técnicos podem


desenvolver, depois os sinais de alerta e finalmente as técnicas a utilizar com o grupo de
técnicos, tanto no momento imediatamente a seguir ao termo da intervenção, como nos
dias seguintes.

4.1. Síndrome de desgaste por empatia e


síndrome de super-homem
Os técnicos estão expostos a riscos em virtude do contacto continuado com a dor e a
angústia dos outros. Por exemplo:

- Tomam consciência de que o controlo sobre a vida é inferior ao esperado. Quando os


técnicos se confrontam com, por exemplo, a morte de um jovem devido a um acidente de
automóvel, estão a confrontar-se com a possibilidade disso lhes acontecer. O contacto
com as emergências lembra periodicamente que o controlo sobre a vida é mais limitado;

- confrontam-se com as mortes inesperadas e com as consequências desse evento. Os


técnicos, habitualmente, não se levantam de manhã e pensam que podem morrer ou que
os filhos podem morrer. Mas quando se intervém em emergências esses pensamentos
estão mais presentes. A situação é desgastante e stressora, porque põe o evento crítico na
imaginação dos técnicos;

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- O contacto com as emergências põe os técnicos em contacto com as consequências vitais


dos eventos traumáticos. Ou seja, os técnicos tomam consciência de que nem todos os
eventos traumáticos permitem a recuperação total, o que é assustador;

- Os técnicos também estão expostos a eventos relacionados com violência de uma pessoa
sobre outra e, portanto, têm a consciência da brutalidade e do dano que os seres humanos
são capazes, o que é inquietante.

Portanto, o contacto com eventos críticos põe em causa a visão da vida. Passa a ser uma
visão mais dura e menos confiante na tranquilidade do dia-a-dia. E os técnicos, em
contacto com as vítimas, sofrem o desgaste dessa dor que é contactada com frequência.

Estes dois elementos originam a Síndrome de Desgaste por Empatia.

A empatia é um instrumento precioso para o entendimento da vida, das pessoas e para a


adaptação social. É também um instrumento dos técnicos que aplicam PSP. No fundo,
está-se a pedir aos técnicos que compreendam a dor e a angústia dos outros. E esse uso
continuado da empatia (a impossibilidade dos técnicos se afastarem emocionalmente)
deixa as pessoas vulneráveis. A empatia que ajuda as vítimas pode, por isso, ser um factor
de risco para os técnicos. Logo, é necessário que os intervenientes o aprendam a gerir.

A síndrome está relacionada com três ordens de factores:

- Em primeiro lugar, as experiências traumáticas próprias dos técnicos. Muitos técnicos


sentem-se motivados a intervir em catástrofes porque vivenciaram uma ocorrência crítica
e comprometeram-se a estar preparados. É um stress traumático prévio. É conveniente
que os técnicos tenham esse stress traumático resolvido antes de intervirem.

- Em segundo lugar, está o stress traumático secundário, ou seja, aquele que resulta da
exposição e intervenção no evento crítico e aos factores de risco referidos anteriormente.
É secundário porque há uma exposição em segunda linha à dor dos outros (daqueles que
sofreram o impacto);

- Em terceiro lugar, está a exposição continuada e acumulada (e o respectivo esgotamento)


ao stress traumático prévio, ao stress secundário e às situações.

Quais são os sinais de Síndrome de Desgaste por Empatia?

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Sinais físicos Sinais psicológicos Sinais de desempenho


- Fadiga; - Mau humor; - Falta de concentração;
- Dores musculares; - Irritabilidade; - Desaparecimento de sinais de
- Problemas gastrointestinais; - Agressividade; motivação (atrasos no emprego,
- Dificuldade em adormecer; - Frustração. etc.).
- Mudanças nos hábitos Sinais de isolamento:
alimentares. - Menos comunicação;
- Isolamento;
- Dificuldades de
relacionamento com os colegas.

Muitos destes sinais são compatíveis e vulgares com outros quadros médicos. Logo, antes
de concluir que esta síndrome está presente é conveniente consultar médicos e
especialistas que garantam que não há outros problemas de saúde diferentes.

A outra síndrome que se desenvolve é o Síndrome de super-homem. É evidente quando


os técnicos se julgam invencíveis e assumem riscos que de outra forma não assumiriam
(não usar luvas, trabalhar horas a mais, etc.)

Estes são dois sinais que alertam para a necessidade de intervenção e de aprender a gerir
os eventos traumáticos. Saliente-se que essa intervenção não é uma psicoterapia. Trata-se
de técnicas de carácter preventivo (e não de técnicas a aplicar posteriormente ao
aparecimento de sintomas de stress, ansiedade, desajustamento ou depressão).

4.2. Sinais de alarme nos intervenientes


O stress nos intervenientes é normal, dentro de um nível funcional, que permite que o
trabalho ocorra. Porém, os intervenientes estão sujeitos a vários tipos de stress, como o
stress laboral, por exemplo, que está relacionado com questões de trabalho e interacção
com colegas e superiores.

Mas também há um stress cumulativo, que se refere ao efeito acumulado do stress vivido
nas várias experiências quotidianas e nas emergências em que os técnicos participaram.

Finalmente, os intervenientes estão sujeitos ao mesmo stress da emergência a que as


vítimas estão sujeitas.

As vítimas podem pensar que os intervenientes estão impermeáveis às emoções e à


situação, mas isso não corresponde à verdade. São esperadas, isso sim, duas posturas:

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Manual de Intervenção Psicológica em Emergências Sónia Pereira Dinis

- Que os técnicos actuem com profissionalismo, o que se traduz numa postura calma e de
recolha de informação durante a intervenção (os técnicos sabem que essa é a melhor
forma de ajudar pessoas que podem estar perdidas, em pânico ou com medo);

- Que os intervenientes saibam tratar de si e agir para se manterem funcionais.

Há sinais que indicam que algo vai mal, que podem aparecer durante a intervenção:
Sinais a estar atento durante a intervenção
Sinais físicos Sinais emocionais Sinais cognitivos
- Mal-estar; - Falhas de memória; - Sentimentos de euforia (por
- Dores de cabeça; - Dificuldade de concentração; estar vivo e a intervir no
- Dores musculares. - Dificuldade em realizar tarefas salvamento – Síndroma de
simples. super-homem) ou sinais de
síndrome por empatia
(identificação com as vítimas,
como tristeza, apatia, etc.).

Depois da intervenção os sinais podem ser:

- Consumo de substâncias;

- Evitamento de lugares;

- Aborrecimento em realizar tarefas rotineiras;

- Sinais de fadiga por empatia (transtorno de stress pós-traumático secundário; os


intervenientes sentem os mesmos sintomas que as vítimas);

- Os sinais afectam várias áreas da vida das pessoas.

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4.3. Prevenção: o autocuidado dos técnicos


O que fazer para evitar que esta síndrome ocorra? Quais são os cuidados que os técnicos
devem adoptar?

Domínio Ações
Manter rotinas - Planear o dia para que tenham um tempo adequado de descanso e de
diárias afastamento;
- Manter contactos sociais;
- Praticar desporto;
- Realizar actividades de ócio e culturais;
- Ter contacto com a natureza;
- Utilizar instrumentos de relaxamento;
- Ter um hobbie:
- Apanhar sol pelo menos 30 minutos por dia.

Comportamentos - Recompensar os seus esforços;


preventivos durante - Pensar nos mecanismos de coping que o ajudaram no passado e que poderá
a intervenção utilizar agora;
- Conhecer os seus limites: evitar trabalhar com muitos sobreviventes no mesmo
turno;
- Trabalhar em equipa, perguntar como se sentem e pedir-lhes para eles o
monitorizarem;
- Fazer pausas, mesmo que breves, para alimentação e descanso;
- Utilizar o apoio de pares e supervisão;
- Ser flexível, paciente e tolerante;
- Aceitar que não consegue mudar tudo.
Comportamentos
preventivos após a O primeiro passo é a catarse informal: falar e partilhar o que fez, o que
intervenção impressionou, etc. Essa catarse deve ser feita com os pares de técnicos. Quando
se fala com a família está-se a dar detalhes a pessoas que podem não saber lidar
com eles.
Depois, deve haver a descompressão da dor e do evento, para retomar a vida
normal e igual à anterior. Trata-se de voltar a realizar tarefas normais do dia-a-
dia, que devolvem a normalidade da vida (tratar do jardim, passear o cão, etc.).
É importante que os técnicos se conectem com a normalidade das suas vidas.
Nos dias seguintes à participação nos PSP os técnicos devem realizar mais destas
rotinas normalizantes.
São exemplos os seguintes:
- Ter e dar suporte;
- Planear tempo para férias;
- preparar-se para uma mudança na visão do mundo que poderá não encontrar
eco nos seus familiares;
- Procurar ajuda se as reações e respostas extremas ao stress se mantiverem por
2 ou 3 semanas;
- Aumentar as atividades de prazer, o exercício físico e a gestão do stress;
- Estar atento à alimentação e à sua saúde;
- Passar tempo com as pessoas importantes;
- Praticar boas rotinas de sono;
- Usar tempo para a reflexão pessoal;
- Falar sobre as suas preocupações, ou escrever;
- Reflectir e aceitar o que fez bem, os aspetos a melhorar, e os limites do que
podia fazer dadas as circunstâncias.

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4.4. Prevenção: cuidar dos técnicos e das


equipas
Para além dos comportamentos que os próprios técnicos devem adoptar, há duas técnicas
que as equipas devem planear como parte integrante das suas rotinas de intervenção: o
defusing e o debriefing.

4.4.1. Defusing
O defusing é uma técnica breve, aplicada no momento de desactivação dos elementos da
equipa, com duração que varia entre os 20 minutos e os 60 minutos.

Os objectivos de defusing são:

- Informar acerca do stress que a equipa sofreu;

- Minimizar as reacções de stress no momento de retorno ao lar;

- Potenciar o regresso à rede social de apoio;

- Recordar e reforçar as estratégias de coping que os intervenientes têm;

- Analisar o bem-estar e necessidade de cada pessoa.

O defusing trata-se de um relato coordenado acerca do sucesso da intervenção. Mas não


é uma sessão terapêutica; não se destina a tratar ou avaliar alguém, nem tão pouco a
catarse descontrolada das emoções que os técnicos sentiram no terreno (não se trata de
um momento que demora mais que 60 minutos).

É importante porque os responsáveis da equipa podem tratar de si e dos seus e os técnicos


também têm essa oportunidade. O defusing deve estar planeado na intervenção como o
momento final.

Apesar de ser um momento relativamente informal, deve seguir três passos:

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Passos Ações
Introdução É explicado o funcionamento da sessão (setting) e objectivos e pede-se a quem tem
questões que as coloquem naquele momento.
Exploração Trata-se de relatar os acontecimentos, como foi a intervenção, o que foi visto e vivido
e também o relato dos casos que necessitam de seguimento e acompanhamento
especial.
Informação e Faz-se um resumo do que os intervenientes explicaram sobre o sucesso da intervenção
encerramento e sobre os sentimentos, depois normaliza-se as reacções de stress e relembra-se a
evolução esperada de padrões de reacção. É importante relembrar as técnicas ao
dispor dos técnicos.

Quem coordena o defusing deve garantir que as pessoas podem expressar os sentimentos
e que são apoiadas e sabem a quem podem recorrer. É importante que no defusing os
técnicos expliquem os acontecimentos para não terem que as explicar em casa. Trata-se
de prevenir os ajustes emocionais.

E também é importante que os técnicos aceitem as suas reacções e emoções, porque


podem pensar que o que vivenciaram os imuniza a experiências traumáticas, o que não é
verdade.

4.4.2. Debriefing
O debriefing utiliza-se 48 horas a 72 horas após a intervenção no evento traumático. É
um processo grupal estruturado destinado a analisar os efeitos stressantes da intervenção.

O processo contribui para o alívio dos técnicos na medida em que possibilita a


exteriorização e comparação de ideias, sentimentos, recordações e emoções perturbadoras
num ambiente de compreensão plena: os sentimentos são partilhados com outras pessoas
que experimentaram sensações semelhantes e que podem compreender os sentimentos e
ajudar a normalizá-los. Nessa medida, o debriefing serve como técnica preventiva do
stress pós-traumático.

Trata-se de uma sessão com duração próxima de uma hora em que é feita a análise cuidada
do evento e da intervenção e são vistos os sentimentos, ideias e emoções que surgiram
em função da intervenção. Também são fornecidas informações sobre estratégias que
permitem enfrentar e ultrapassar as emoções negativas provocadas pela intervenção.

A sessão permite que as pessoas expressem a sua angústia e compreendam as suas

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próprias reacções e sentimentos para que não as reforcem ou tenham uma interpretação
equivocada do acontecimento.

Apesar de ser tipicamente utilizada com grupos, também pode ser utilizada
individualmente.

A constituição do grupo é importante, porque, por um lado, pretende-se que as pessoas


integrem um ambiente em que os seus sentimentos sejam compreendidos e normalizados
(os membros do grupo devem ter estado no evento); por outro, que cada participante
descreva a sua participação (e respectivos sentimentos) para finalmente se fazer um
retrato fiel da intervenção.

Um grupo demasiado grande pode não permitir que estas tarefas sejam conseguidas e,
por isso, há que pensar sobre o número de elementos que constitui o grupo e sobre a
necessidade de constituir sub-grupos.

Em suma, os objectivos do debriefing são:

- Permitir expressar a angústia vivida;

- Reduzir o risco de stress pós-traumático;

- Proporcionar apoio e consolo;

- Fornecer informações uteis para compreender as reacções após a intervenção;

- Fornecer informações que permitam a gestão autónoma do stress;

- Reforçar os laços interpessoais que permitem combater o isolamento social que pode
surgir depois da intervenção;

- Criar conexões com as redes de apoio;

- Aumentar a colaboração e confiança entre a instituição e os técnicos que nela


trabalham.

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Assim, o debriefing é uma técnica de intervenção primária (de prevenção). Mas não é
uma sessão terapêutica, nem uma cura ou remédio.

Já vimos que deve ser aplicado 48 a 72h após a intervenção. As sessões devem ter a
duração próxima dos 60 minutos (pode ir até às 3h), em grupos de técnicos intervenientes
de tal forma que permita a partilha (sugestão de 8 a 10 pessoas no máximo por grupo).

Quanto ao ambiente, deve proporcionar um espaço confortável para comunicação e que


não existam quaisquer interrupções (telemóveis, pessoas a entrar e a sair),
preferencialmente em torno de uma mesa circular.

A condução do debriefing deve estar a cargo de um elemento capaz de coordenar a sessão


(preferencialmente um psicólogo), eventualmente apoiado por um ou dois ajudantes. O
coordenador do grupo tem a responsabilidade de garantir o seguimento de uma dinâmica,
apoiada em normas e condutas de comportamento, de dar mais tempo de comunicação
àqueles que que estão mais afectados e de fazer um resumo da sessão. Os auxiliares
devem estar atentos aos sinais de mal-estar e às reacções dos participantes, dar apoio
individualizado e apoiar aqueles que precisarem de sair da sala.

A sequência da sessão deve ser a seguinte:

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Domínios Ações
Introdução Trata-se da apresentação de pessoas e objectivos e descrição do processo (do que vai
acontecer). Em seguida descreve-se as condições de confidencialidade e as normas a
seguir (escutar em silêncio, sem interromper quem fala, ninguém está obrigado a falar,
devem ser evitadas críticas ou juízos de valor entre os participantes, deve-se falar das
experiências próprias e reacções pessoais e não das dos outros, explicar que se alguém
sentir necessidade pode sair da sala, a sessão realizar-se-á sem interrupções).
Finalmente, faz-se uma descrição breve da estrutura da sessão.
Relato do que Cada participante relata o que fez e que intervenção teve desde o momento em que
se fez tudo começou até que acabou. É importante alcançar o relato completo da intervenção
do técnico, porque isso ajuda a estabelecer organização cognitiva. Também permite que
as pessoas encarem a sua acção racionalmente, sem que os acontecimentos dominem
as pessoas.
Esta tarefa favorece a compreensão do acontecimento e a construção de uma imagem
global do ocorrido com a participação de todos.
O que se Pede-se aos participantes que partilhem os pensamentos que tiveram ao longo da
pensou intervenção, partilhar e expressar as recordações com outros intervenientes permite
diminuir a frequência e a intensidade das ideias e pensamentos e também a sua
reorganização e fornece-lhes um carácter menos individualizado e invasivo.
O que se Nesta fase analisam-se as emoções e os sentimentos expressos nos relatos dos
sentiu participantes. Quando as pessoas escondem sentimentos, podem sentir efeitos
negativos na sua saúde. Por isso, é importante que partilhem os sentimentos. A partilha
deve ser dos sentimentos e sensações vividas e também da sua manifestação na
actualidade. Esta dinâmica de partilha de emoções promove uma percepção de
semelhança e normalidade das reacções
Reformulação Neste ponto, o coordenador fará uma síntese das reacções dos participantes. Deve
e reforço salientar as semelhanças e normalizar as reacções. É importante salientar que estas
reacções são normais e compreensíveis perante eventos traumáticos. Em seguida, o
coordenador deve falar sobre os sintomas possíveis que podem aparecer nos dias
seguintes à intervenção e realçar que se espera que esses sintomas diminuam com a
passagem do tempo. Isto permite que o grupo tenha expectativas de criar estratégias
para lidar com a situação. Assim, o coordenador deve transmitir as técnicas de combate
do stress disponíveis e motivar as pessoas a adoptar comportamentos saudáveis
(actividade física e social, ócio, contacto com a natureza) e a evitar substâncias nocivas.
Recuperação Nesta fase, o grupo fala sobre os seus projectos e sobre as suas estratégias para lidar
com a situação. Isto ajuda a estabelecer soluções construtivas para os traumas. É,
também, a última oportunidade de responder a questões ou dúvidas e de concluir,
motivando os técnicos a manter o contacto para que possam ser apoiados, caso
necessário.
Seguimento Pode ocorrer através de contactos pessoais e informais, telefone, internet, etc.
(Follow up)

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5.Depois dos PSP: Competências para a


recuperação psicológica

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Sabemos que os eventos traumáticos desafiam os seres humanos. Provavelmente cada um


de nós conhece pelo menos uma história extraordinária, de pessoas que sobreviveram, ou
que passaram por situações muito difíceis e foram capazes de retomar as suas vidas e de
ter sucesso.

Mas algumas pessoas também desenvolvem problemas sérios de saúde mental. Embora
muitos sobreviventes tenham a capacidade para recuperar por si, outros têm reacções de
stress e ansiedade que prejudicam o coping e o retorno ao controlo sobre a própria vida.
Por isso, todos podem beneficiar de competências que ajudam, nas semanas e meses
seguintes ao impacto, a retomar o controlo da vida (embora algumas vítimas possam ter
todas as competências de que precisam para prosperar, mesmo sem a intervenção dos
técnicos).

5.1. Quando é que as CRP são aplicadas?


É um processo que vem a seguir aos PSP, ou seja, depois das 72 horas do impacto e ao
longo de semanas e meses. Alguns estudos sugerem as 4-6 semanas a seguir ao impacto,
outros falam em 3 meses.

Previsivelmente as CRP devem ser iniciadas quando a segurança e as necessidades


básicas estiverem reestabelecidas e quando a comunidade inicia a sua reconstrução. Isso
pode ser uma semana depois do evento, mas também pode significar semanas ou meses.
A devastação provocada pelo impacto é o factor determinante.

Quando não é possível aplicar as CRP imediatamente depois dos PSP, há evidências que
mesmo assim elas têm alguma eficácia. Por outras palavras, é melhor aplicar o processo
de CRP do que não aplicar nada, mesmo que tenha passado muito tempo.

O processo tem que ter em consideração que em algumas ocasiões, como catástrofes com
muitas vítimas, é provável que os técnicos só possam efectuar uma ou duas visitas às
vítimas. Ou seja, as CRP devem poder ser disponibilizadas em poucas sessões e em pouco
tempo. Por isso, é um processo simples e objectivo, em que a intervenção assenta na
prioridade da vítima, na comunicação eficaz e no follow up.

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A questão do tempo é importante. Na parte dedicada aos PSP consideramos que os PSP
se aplicam nas 72 horas imediatas ao impacto e falamos várias vezes de sintomas agudos
que podiam ir até às 6 semanas.

Um critério de intervenção pode ser encontrado na natureza das acções:

- Os PSP são oferecidos em ambientes temporários em que pode não ser possível fazer o
follow up;

- As CRP assentam no ensino de competências para responder às necessidades das


vítimas. Logo, as perguntas que guiam a decisão entre PSP ou CRP é: há condições para
ensinar as competências e fazer o follow up? E há condições para as vítimas usarem
essas competências para ganharem o controlo das suas vidas?

5.2. Quais são os objectivos das CRP?


Os objectivos das CRP seguem em linha com os objectivos dos PSP e estão relacionados
com a protecção das vítimas, a sua saúde mental e a perspectiva de que há futuro depois
dos eventos traumáticos.

1.Proteger as vítimas e a sua saúde mental

2. Promover a capacidade das vítimas lidarem com as suas necessidades.

3. Contribuir para a recuperação psicológica e para a retoma do controlo da própria vida


e do funcionamento na comunidade.

4. Prevenir comportamentos de risco e disfuncionais.

Estes objectivos são alcançados por um passo aparentemente simples, mas muito
importante: definir e agir sobre o que é prioritário para as pessoas. A partir deste passo, é
preciso desenvolver as CRP, nomeadamente:

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Em termos práticos, o pensamento a ter na intervenção é o seguinte.

- Se as vítimas tiverem todas estas competências, estarão mais seguras e capazes de


retomar a sua vida;

- Cada pessoa e família têm áreas mais carenciadas e, por isso, os técnicos devem ajudar
os sobreviventes e lidar com essas áreas, ensinando-lhes as competências mais úteis;

- Logo, o primeiro passo na relação técnico-vítima (estando assegurada a comunicação)


é a identificação de prioridades e a ligação aos serviços disponíveis;

- E depois de cada intervenção os técnicos devem esforçar-se por acompanhar o


desenvolvimento da situação. Se tudo tiver corrido bem, devem ajudar as vítimas a
responder à próxima área de carência; se houver problemas, os técnicos devem ajudar a
reformular o plano de acção da vítima;

- A intervenção parte sempre das forças das vítimas: apesar da situação, elas possuem
experiências anteriores e competências que as ajudam a lidar com as situações
catastróficas; e devem ser as vítimas a ganhar o controlo da sua vida. Ninguém o poderá
fazer por elas.

As CRP são eminentemente relacionais, sociais e emocionais: não se trata apenas de ouvir
a vítima; trata-se de criar uma relação que valide sentimentos e os normalize, que crie
empatia e que permita um relacionamento positivo. Novamente, a intervenção parte do
princípio de que as vítimas possuem a capacidade para se recompor. Este é um
pensamento central: de que são as vítimas as responsáveis, os actores na recuperação.
Nenhum técnico pode substituir a vítima, porque o mais provável é que a presença dos
técnicos seja pontual e inconstante. A única grande constante é a vítima e aquilo que ela
tem dentro de si.

Durante a intervenção após os eventos do 11 de março, recordamo-nos da acção junto de


uma mulher de cerca de 40 anos. Estava com a família numa tenda (no Camoringue, na
Zona dos Cabrais), porque tinha perdido a sua casa na enxurrada. Não tinham ocorrido
mortes na família, embora tivessem passado por momentos de risco de vida. E quando
quisemos saber qual era a sua principal necessidade a resposta foi pronta: sal.

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Para aquela vítima, retomar a vida era poder retomar as rotinas e assegurar o bem-estar
dos filhos e da família e o sal era uma peça importante para isso. Note-se que esta vítima
passara por um processo por si: foi capaz, mesmo antes da nossa intervenção, de mobilizar
as suas energias e experiências anteriores para enfrentar os principais problemas:
protecção, segurança e necessidades básicas. Houve outras histórias muito diferentes, mas
esta retrata muito bem as capacidades das pessoas em situação de crise.

5.3. Antes de disponibilizar as CRP


Há vários passos a considerar antes de oferecer as CRP. O que consideramos principal é
que as pessoas estejam preparadas para intervir. É certo que as CRP podem ser oferecidas
por vários técnicos que trabalhem na área da saúde mental e na intervenção (enfermeiros,
médicos, assistentes sociais, bombeiros), mas também por membros da comunidade
(professores, religiosos, familiares).

Contudo, todos estamos conscientes de que a formação antecipada dos agentes poderá
não ser possível, o que significa que ela poderá ter que ser realizada após o impacto e
quando se está a planear o follow up da primeira intervenção (PSP). Portanto, se os PSP
não podem esperar (a formação tem que ocorrer antes do impacto) as CRP permitem
formação de técnicos após o impacto, uma vez que, previsivelmente, a intervenção
ocorrerá no período mínimo de uma semana após o evento. Note-se que isso não é o ideal
(o ideal será sempre ter técnicos devidamente preparados), mas, eventualmente, o
possível.

Quando se estiver a organizar a intervenção, os passos a ter em conta são os seguintes:

- Considerar que a relação com os sobreviventes deve estar na base da intervenção e,


portanto, da formação dos técnicos. A confiança é uma ferramenta dos técnicos;

- As informações acerca dos sobreviventes, serviços, necessidades e recursos são centrais.


Nesta fase, os serviços deverão ter informações úteis para fornecer. Eventualmente
poderão ser recolhidos dados junto dos técnicos que ofereceram os PSP. As informações
ajudarão a perspectivar quais são as competências mais úteis para a situação em concreto,
o que permitirá focar a preparação dos técnicos;

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- É preciso prever as estratégias para ensinar as CRP aos sobreviventes (individualmente,


em grupo, em família) e para formar os técnicos. Por exemplo, onde, quando, quais são
técnicos – no caso do 11 de Março, os técnicos foram, entre outros, alunos de um curso
de licenciatura em psicologia, o que oferecia uma base estável e competente de trabalho
e a motivação para intervir.

- É necessário prever estratégias para que os sobreviventes estejam envolvidos em mais


do que uma sessão de CRP. Por exemplo, poderá ser criado um centro de apoio e
atendimento no local? Em que horário? Com que técnicos? Ou será mais viável que os
sobreviventes se dirijam a um determinado serviço? Se assim for (se os técnicos não
forem os mesmos), como é que os serviços saberão o percurso das vítimas nas CRP.

Uma vez que este manual está orientado para os técnicos que se propõem intervir,
gostaríamos de salientar a importância da confiança e da comunicação. Os princípios não
são muito diferentes daqueles que foram adoptados para os PSP.

Tal como nos PSP a comunicação é a chave para o início de uma boa relação. Neste caso,
pretende-se criar uma relação de empatia e confiança, mas nunca de dependência. E tal
como nos PSP, a acção dos técnicos deve ser de respeito individual e cultural.

Há alguns passos que contribuem para esse tipo de relação:

- Oferecer as CRP de uma forma prática e eficaz;

- Praticar a escuta activa, validar as preocupações e demonstrar empatia e compreensão;

- Ser sincero e profissional;

- Estimular e motivar;

- Identificar as forças internas das pessoas e reforçá-las com novas competências.

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5.4. As acções dos técnicos – Oferecer as CRP


Depois da preparação, a pergunta seguinte é “O que fazer exactamente”?

Há sempre quatro passos:

- Ajudar as vítimas a definir a prioridade (qual é a área em que é mais importante agir?)

- Explicar a importância das competências (ajudar a racionalizar);

- Ensinar a competência;

- E fazer o follow up.

A definição de prioridades é um passo lógico, mas muito importante. No caso de eventos


críticos, as pessoas podem ter tantas preocupações que se tornam incapazes de perceber
qual é a área mais importante. Por isso, às vezes assiste-se as pessoas que não tratam dos
filhos, ou não resolvem problemas simples ou que estão permanentemente ansiosas. Isso
não significa que não sejam capazes de tomar conta de si e dos seus. Pode apenas querer
dizer que precisam de ajuda para se focarem num problema (o mais importante) de cada
vez.

Ainda assim, é preciso não hesitar. Caso se verifique risco para a pessoa e para os
familiares próximos, há que referenciar a situação aos serviços ou solicitar a intervenção
de técnicos mais experientes.

É preciso explicar a importância de cada uma das competências (porque é que fazem
efeito?) e decidir quais as competências que são mais importantes (a vítima deve ter um
papel activo). Essas competências devem ir ao encontro das necessidades das pessoas
afectadas. Quando estiver a ensinar as CRP é muito importante esclarecer sobre os
objectivos das competências. As vítimas devem compreender para que serve aquilo que
estão a aprender a usar. E também que a prática permite que as vítimas melhorem as suas
competências. Estimule a prática das competências.

Não é necessário (nem aconselhável) ensinar todas as competências imediatamente. Qual

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é a competência mais importante face à situação do sobrevivente? E quais são as


competências que as vítimas têm e que nem sequer é preciso falar? Um ponto importante
é o reconhecimento e valorização das estratégias de coping que as vítimas já têm. Isso
permite que os sobreviventes comecem a sentir que estão a envolver-se num trajecto que
as ajudará a lidar com as necessidades e preocupações. Se lhe parecer que a vítima não
tem estratégias de coping veja o seguinte: Ter a coragem para falar consigo já é uma
estratégia de coping.

Não apresse a conversa. Seja empático e valide as preocupações das vítimas. Elas podem
parecer insignificantes para si, mas não o são para as pessoas que as verbalizam.

Reveja os passos essenciais relacionados com essa competência. Mesmo que só consiga
estar com a pessoa uma vez, essa revisão ajuda as vítimas.

E se a vítima não quiser mais contactos posteriores?

Há que respeitar. Mas isso não significa esquecer. Por exemplo, se há sinais de que a
pessoa não consegue tratar de si ou da sua família, deve informar os serviços para que
possa ser definido um curso de acção para aquela situação específica. De qualquer forma,
deve deixar o seu contacto (deve tornar-se acessível) ou dos serviços e deixar claro que
se a vítima quiser, mais tarde, recorrer à sua ajuda, podê-lo-á fazer.

E esteja atento às suas expectativas:

- Não espere demasiado do pouco tempo que tem. Vale mais a pena ensinar uma
competência importante e com calma, do que apressar a conversa. Foque-se numa
competência. Não sobrecarregue o sobrevivente.

- Modere as expectativas de mudança da vítima. A sua intervenção terá um impacto


positivo, mas não deve esperar que tudo corra rápida e imediatamente.

Tenha em atenção que o nível de desenvolvimento e de capacidades das vítimas contribui


para o sucesso e que, por isso, você deve adaptar as competências às capacidades das
pessoas. Ensinar as CRP a uma criança de 6 anos ou de 12 anos é muito diferente.

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Outro aspeto que deve considerar na intervenção (e na fase preparatória) tem a ver com
as condições das pessoas e das famílias:

- Quantos contactos estabelecer? Vale mais a pena vários contactos em que possa
ensinar uma competência muito importante para aquela pessoa do que um contacto
muito prolongado;

- Sessões isoladas ou em grupo? Pode oferecer as CRP em sessões individuais,


pequenos grupos ou reuniões familiares. Normalmente as sessões com pequenos grupos
são melhores, pois permitem o apoio mútuo entre os participantes. Por outro lado, as
sessões individuais permitem que haja mais atenção às necessidades e prioridades da
pessoa;

- Tem a permissão da família? Se a intervenção for com crianças, deve garantir que os
pais permitem que a intervenção ocorra. No caso dos adolescentes, como são jovens que
prezam a sua autonomia, deve pedir autorização ao adolescente em frente dos pais.

- As vítimas precisam de CRP? A questão é importante porque há sinais que evidenciam


imediatamente que as pessoas precisam de outro tipo de intervenção: tendências
suicidas, psicóticos, pessoas perigosas para os outros e pessoas com deficiências
cognitivas graves.

A apresentação do que vai fazer poderá ser:

Estou contente por estarmos aqui hoje. Eu gostaria de descrever como podemos
trabalhar juntos hoje e no futuro. Talvez já tenha estado com um conselheiro, mas eu vou
ser mais como um professor ou um treinador. Vou ajudá-lo a aprender um conjunto de
habilidades que ajudam as pessoas após eventos difíceis; vou dar-lhe uma espécie de
caixa de ferramentas.

Primeiro, vamos descobrir juntos quais são as suas necessidades mais importantes. Em
seguida, vamos descobrir a melhor forma de responder a essas necessidades através da
caixa de ferramentas. É você quem vai escolher qual é a ferramenta para melhorar a sua
situação. Também vai decidir o tempo de que precisa para aprender essas habilidades de
modo a ficar no comando da sua vida. Gostaria que nos pudéssemos reunir mais do que

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uma vez, para que possamos fazer o check-in.

A minha experiência diz-me que praticar as habilidades de maneiras diferentes e o check-


in ajuda muito. O que acha disso?

Com crianças há que ser mais concreto. Por exemplo, pode dizer:

Estou contente por estarmos aqui hoje. Eu sou como um treinador e, por causa do que
passaste, vou ensinar novas maneiras de ajudar o teu corpo a estar mais calmo, a sentir-
te mais forte e a divertir-te novamente. Primeiro eu gostaria de saber mais sobre ti, sobre
como tu estás e depois podemos começar a aprender e a treinar juntos.

5.4.1. Primeiro passo: recolher informação e criar


prioridades de assistência

O primeiro passo é saber o que é que a vítima precisa. A intervenção dos técnicos segue
três etapas:

1. identificar necessidades e preocupações;

2. Criar prioridades de acção;

3.Estabelecer um plano de acção.

Domínio Ações
Objectivo Compreender se há necessidades que devem ser atendidas imediatamente e
criar prioridades para a aplicação de CRP.
Porque é importante? O momento do impacto pode ter efeitos devastadores. E os dias e semanas
seguintes são ocasiões em que há insegurança e as vítimas desconfiam do
futuro, têm dificuldade em decidir o que é mais importante e em agir para
tomar o controlo das suas vidas. Esta competência ajuda-os a reflectir sobre a
sua situação e a começar a agir e a tomar o controlo.
Usado em quem? Em todos os sobreviventes (contacto inicial). Também deve ser utilizada nos
sobreviventes que já tenham sido contactados, mas que tenham desistido do
processo.
Duração 15 minutos

Como fazer?

Depois de se apresentar, introduza a ideia de que identificar as necessidades e criar


prioridades é importante. Por exemplo, pode dizer:
Para saber como posso ajudá-lo melhor, gostaria de lhe fazer algumas perguntas. Essas

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perguntas ajudar-nos-ão a identificar o que é importante para si e quais são as suas


necessidades. Assim, poderemos trabalhar em conjunto para dar resposta às suas
preocupações. Em primeiro lugar, eu gostaria de saber: há algo que o deixa
preocupado neste momento e sobre a qual devamos falar primeiro?

Depois de falarem sobre a principal preocupação da vítima, explique que precisa de


perguntar sobre outras necessidades e preocupações e de determinar se há alguma coisa
que precise de ser imediatamente referenciada para outros serviços.

Algumas pessoas não precisam de grande estímulo para identificar as suas necessidades.
Outras precisam de ajuda. O técnico pode usar o formulário seguinte. É muito importante
que a vítima classifique os problemas.

Área do problema Grau do problema


Saúde física
Tem preocupações acerca da sua saúde física ou da sua
família? (Descrever) Urgente

Importante, mas não urgente

Não importante

Outro: __________________
Dificuldades emocionais
Tem preocupações sobre a forma como você ou membros da
sua família estão a reagir emocionalmente ao evento? Urgente
(Descrever)
Importante, mas não urgente

Não importante

Outro: __________________
Segurança
Tem preocupações acerca da sua segurança ou da segurança
da sua família? (Descrever) Urgente

Importante, mas não urgente

Não importante

Outro: __________________
Necessidades básicas
Tem preocupações sobre as suas necessidades básicas ou as
da sua família? (Descrever) Urgente

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Manual de Intervenção Psicológica em Emergências Sónia Pereira Dinis

Importante, mas não urgente

Não importante

Outro: __________________
Uso de substância
Tem preocupações sobre a utilização de substâncias como o
álcool, drogas ou medicamentos? (Descrever) Urgente

Importante, mas não urgente

Não importante

Outro: __________________
Funcionamento no dia-a-dia
Tem preocupações sobre o seu funcionamento no dia-a-dia,
no trabalho, na profissão ou com a família? (Descrever) Urgente

Importante, mas não urgente

Não importante

Outro: __________________
Relações com outras pessoas
Tem preocupações sobre o seu relacionamento com outras
pessoas – esposo, esposa, filhos, amigos, familiares, Urgente
empregados, colegas, patrão? (Descrever)
Importante, mas não urgente

Não importante

Outro: __________________
Outras preocupações
Há outras preocupações sobre as quais queira falar?
(Descrever) Urgente

Importante, mas não urgente

Não importante

Outro: __________________

Terminado este passo, você e a vítima têm a vossa frente o material que permite a
próxima acção:

- Definir quais são as preocupações e necessidades mais importantes;

- Escolher as competências que melhor respondem a essas necessidades.

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Manual de Intervenção Psicológica em Emergências Sónia Pereira Dinis

Como deve actuar?

O seu discurso ajuda a organizar o pensamento da vítima. Por isso, comece por sumariar
o que descobriram. Por exemplo:

Estivemos a ver quais as suas preocupações e necessidades em várias áreas. Disse-me


que a área em que há maior urgência para si é a ____________? É isso? O que é que
acha?

Mas às vezes as pessoas têm dificuldade em identificar uma ou duas prioridades, porque
o acontecimento pode ser desregulador e tudo pode parecer importante. Algumas
perguntas simples ajudam a definir essa prioridade:

- Neste momento, o que é o que preocupa mais?

- Há algum problema que pareça estar a piorar de dia para dia?

- Acha que há algum problema ou necessidade que precise mesmo de ser tratado
primeiro que todos os outros?

- Há alguma situação na sua vida (pagamento da renda, problemas de saúde, escola


dos filhos, retorno ao emprego, etc.) que se aproxime e que seja difícil para si?

A seguir, há que orientar a vítima, de acordo com as prioridades identificadas. Por


exemplo, pode dizer:

Então, a nossa conversa aponta que será mais útil se nos dedicarmos primeiro à área
_____________. Depois disso, noutra sessão, podemos ver o que fazer com as outras
áreas. O que é que lhe parece?

Nesta fase, deverá ser possível identificar o que é mais importante. Será o problema que
a vítima identifica como a sua maior preocupação e que causa mais stresse e
preocupações; o problema que piora de dia para dia. Mas também pode ser o problema
que, se for resolvido, alivia outros problemas ou aquele que o sobrevivente gostaria de
ver resolvido primeiro e que sente que é capaz de resolver

O que fazer a seguir? Definir o que fazer a seguir! Ou seja, estabelecer o plano de
acção.

A pergunta que guia a acção dos técnicos é: a vítima conseguirá ultrapassar o problema
com a utilização de CRP ou é necessário referenciar para outros serviços?

A maioria das vítimas beneficiará de CRP. Então, é preciso escolher a estratégia de


actuação. Por exemplo:

Agora que sabemos que a sua principal preocupação é ____________, podemos


começar a responder. Podemos fazê-lo de várias formas:

Podemos desenvolver a sua capacidade para resolver problemas (o que ajuda a enfrentar

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Manual de Intervenção Psicológica em Emergências Sónia Pereira Dinis

os do dia-a-dia) – Se a pessoa diz que tem um problema para resolver.

Podemos trabalhar na sua capacidade de promover actividades positivas (ajuda a


melhorar o seu estado de humor através de actividades prazerosas) – Se a pessoa
considera que tem pensamentos tristes, depressão ou isolamento.

Ou a capacidade para gerir as reacções (reduzir o stress face a situações perturbadoras)


– se a pessoa diz que tem reacções desproporcionadas e desajustadas às situações.

Ou promover a capacidade de pensar positivamente (identificar pensamentos negativos


e combatê-los com pensamentos melhores) – Se a pessoa manifesta que tem pensamentos
negativos que lhe enchem o dia e a atenção.

Ou ainda a sua capacidade para repor as relações sociais saudáveis - Se a pessoa


manifesta não saber como conectar-se com a família e os amigos ou que não tem apoio
e ajuda social suficiente.

Escolhida a competência de que a vítima precisa e que faz mais sentido para a sua
situação, o segundo passo é ensinar as CRP. Alguns sobreviventes precisarão de aprender
apenas uma CRP, outros talvez duas. Mais do que isso não tem grande efeito, porque é
demasiada informação. Há também vítimas que já aplicam as competências. Podem não
as chamar pelo mesmo nome que o técnico utiliza; podem não seguir os mesmos
processos; mas se alguma competência já for do domínio do sobrevivente, não vale sequer
a pena mencionar, a menos que seja para a vítima ajudar outros:

Você tem uma grande habilidade em _________________. Pode utilizar essa capacidade
para ajudar ________________________. Explique-lhe o que faz e como faz. E se puder,
acompanhe-o nas situações em que ele tem que aplicar essa habilidade.

Quando as pessoas dominam as competências, têm-nas organizadas de acordo com um


processo pessoal que é eficaz para a própria pessoa. Se os técnicos tentarem mudar esse
processo, podem estar a interromper a eficácia da competência.

5.4.2. Segundo passo: ensinar as competências

A estrutura do ensino das competências é sempre a mesma: explicar porque é que elas são
importantes, ensinar e treinar e focar-se em situações específicas. Há, algumas diferenças
que justificam uma análise em separado.

5.4.2.1. Resolver problemas


A intervenção dos técnicos segue três etapas:

1.Definir o problema e a responsabilidade nesse problema.

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Manual de Intervenção Psicológica em Emergências Sónia Pereira Dinis

2.Estabelecer o objectivo.

3.Identificar múltiplas soluções e escolher a mais adequada.

Domínios Ações
Qual é o objectivo Ajudar os sobreviventes a criar prioridades, a resolver os seus problemas e a
desta competência? atender às suas necessidades.
Porque é importante? O momento do impacto pode ter efeitos muito variados e pode fazer surgir
muitos problemas. Alguns novos e outros conhecidos. De qualquer forma, as
vítimas sofrem a pressão de que “Têm que fazer algo”. Isto pode levar a que
não se saiba bem o que é mais importante. Por isso, esta competência ajuda a
que os sobreviventes reflictam sobre a sua situação, definam as suas
prioridades e a melhor estratégia para as enfrentar.
Usado em quem? Em todos os sobreviventes que identifiquem problemas como a principal
preocupação, por exemplo:
- Têm tantos problemas que não sabem para onde se virar;
- Manifestam incapacidade em resolver problemas;
- Verbalizam que têm dificuldade em resolver as situações.

Como fazer?

Como sempre, as pessoas devem ser ajudadas a compreender porque é que é importante
enfrentarem a situação.

Neste caso, os problemas podem afectar o humor, as relações com os outros e afastar o
apoio social. E quando a quantidade de problemas cresce, as vítimas podem sentir
desespero e desistir.

Acções dos técnicos Os técnicos podem dizer…


Explicar a importância da competência. Há pouco disse-me que o desastre criou vários
problemas. Quando isso acontece, as pessoas podem
A utilização de estratégias de resolução de
sentir-se perdidas, porque há muitas coisas a que dar
problemas permite que sejam identificados os
atenção. Por isso, hoje gostaria de ver consigo como é
problemas mais importantes a cada momento,
que pode enfrentar esses problemas, passo a passo;
ou seja, são pedaços mais pequenos da
são estratégias que lhe permitirão encontrar a melhor
realidade pessoal que são mais fáceis de gerir.
maneira de resolver, um de cada vez, os seus
problemas.
E a seguir? É a altura de identificar o problema: Vou-lhe ensinar três passos que lhe permitirão
enfrentar os seus problemas. Se usar estas estratégias,
poderá minimizar os seus problemas. Vamos utilizar
estas estratégias no problema que identificou há
pouco.
1.Definir o problema e porque é que ele aparece.
2. Definir o seu objectivo.
3. Encontrar várias soluções e escolher a solução mais
adequada.
1.Definir o problema e compreender porque é - Quantas vezes acontece o problema?

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Manual de Intervenção Psicológica em Emergências Sónia Pereira Dinis

que ele aparece. - Quem é que está envolvido?


Neste passo, o técnico deve recolher - O que é que o faz sentir?
informação e ajudar a pessoa a recolher
- Como é que o afecta?
informação e a compreender se o problema é
exclusivamente seu, se envolve outras pessoas,
ou se é exclusivo a outras pessoas.
Por vezes, as pessoas podem não ser capazes de
identificar mais do que uma situação geral.
Nessa situação, ajude as pessoas a reduzir o
problema em pedaços mais pequenos, que
possam ser resolvidos passo a passo.
Há um conjunto de perguntas que podem ser
utilizadas com crianças (que costumam ter mais
dificuldade em definir o seu problema), mas que
também são úteis para adultos.
2. Definir o seu objectivo. Este próximo passo é sobre estabelecer o seu objectivo.
Já definiu o problema que quer trabalhar, agora
Este é o passo da acção. Por isso é importante
gostaria que dissesse o que é que quer que esteja
que as vítimas digam “Eu quero”, “Eu vou”, etc.
diferente nos próximos dias.
Quanto mais específico for o objectivo da
pessoa, mais fácil é a intervenção e o
desenvolvimento do sentimento de controlo.
Por exemplo, se um sobrevivente diz que precisa
de satisfazer as suas necessidades básicas, deve
ajudá-lo a clarificar: água, comida, saúde, escola
dos filhos. Exactamente o quê?
3. Encontrar várias soluções e escolher a mais Agora vamos fazer uma lista de soluções possíveis que
adequada possam ajudar a alcançar os objetivos e a mudar as
coisas. Diga-me que ideias é que lhe vêm à cabeça,
Trata-se de fazer um brainstorming para
quantas mais melhor. Vamos considerar que todas as
encontrar várias soluções possíveis. Deve ser a
ideias são boas neste momento. Não se preocupe agora
vítima a realizar esse percurso, mas o técnico
se são ideias realistas ou não. Diga-me apenas 5 ideias
deve ajudar.
para resolver este problema.
Em algumas situações as pessoas podem ter Conhece outras pessoas que têm/tiveram o mesmo
dificuldades em ter pensamentos abstractos. problema? O que é que elas fizeram? E o que é que
Nessas situações, há que ajudá-las a tornar as acha que podiam ter feito também?
coisas concretas.
Perante uma listagem de propostas, há que ver Vamos ver a lista das soluções que apontou. Pode
quais são as melhores soluções para aquele “deitar fora” qualquer uma que não lhe pareça
momento e problema. É importante pensar adequada e escolher aquelas que parecem melhores e
quais são os efeitos positivos e negativos das que acha que podem ajudar. Talvez aconteça que a
soluções e deve ser o sobrevivente a adoptar a melhor opção passe por várias soluções.
solução.
Vamos ver, para cada uma das soluções, quais são os
Além disso, em algumas culturas e famílias, pontos fortes e fracos.
tomar uma decisão é um processo que envolve
os familiares e os mais velhos. Se esse for o caso,
não hesite em envolvê-los.
O papel dos técnicos é ajudar as vítimas a avaliar
que soluções podem ser postas em prática e que
beneficiam o objectivo.
A próxima pergunta é importante, porque se E agora, nos próximos dias, como é que vai fazer?
trata de estabelecer um compromisso não

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Manual de Intervenção Psicológica em Emergências Sónia Pereira Dinis

escrito.
É o momento em que o sobrevivente define as
suas acções, o que irá fazer.
Procure ajudar a pessoa a estabelecer o dia, o
horário e a identificar possíveis obstáculos e
também as necessidades de ajuda (é melhor
fazer com um amigo?). No caso das crianças, é
necessário envolver os pais.

Nesta fase é muito importante definir de quem é o problema. Particularmente as crianças


tomam responsabilidade por problemas que não são seus, mas que afectam as pessoas de
quem gostam. O mesmo pode acontecer com os adultos.

Por isso é importante saber se o problema está a acontecer à pessoa, entre pessoas (por
exemplo, discussões com um familiar) ou a outra pessoa (por exemplo, a depressão de
um familiar) ou entre outras pessoas (por exemplo, os amigos estão a discutir muitas
vezes).

O técnico deve ajudar a vítima a compreender que pode ajudar as outras pessoas, mas que
esses problemas devem ser resolvidos pelas pessoas que estão a vivenciar a situação e
não por ela.

A vítima já deu o último passo desta competência, mas o técnico não. O último passo do
técnico é o Follow Up.

A terminar: Se o sobrevivente manifestar que os problemas estão centrados nos


familiares, explique-lhe que ele pode ensinar esse membro da família a resolver
problemas, mas que primeiro tem que aprender o processo.

5.4.2.2. Promover actividades positivas

Esta é a segunda competência, que deve ser utilizada quando a vítima utiliza expressões
como “Sinto-me triste”, “Estou deprimido”, “Sinto que já não faço nada do que gostava
de fazer”.

Há duas etapas a implementar:

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1.Identificar e planear actividades positivas

2.Planear as actividades na agenda

Domínios Ações
Qual é o objectivo Ajudar os sobreviventes a envolverem-se em actividades positivas que lhes
desta competência? tragam momentos de prazer e contribuam para melhorar o humor e a retomar
o sentimento de controlo.
Porque é importante? As rotinas são importantes para que as pessoas tenham um sentido de
normalidade e certeza. Os eventos traumáticos quebram esse sentimento. Por
isso, é importante ajudar as vítimas a retomar esse controlo sobre as suas vidas
e, em simultâneo, promover o bem-estar.
Usado em quem? Nos sobreviventes que têm preocupações sobre:
- Sentimentos de tristeza;
- A imprevisibilidade do dia-a-dia (inexistência de rotinas ou certezas);
- O afastamento dos outros, de si ou a pouca participação em actividades
positivas de que gostem.

A sequência da intervenção pode ser a seguinte:

Acções dos técnicos Os técnicos podem dizer…


Explicar a importância da competência. O acontecimento que viveu teve consequências na sua
vida. Pode ter mudado coisas simples, como conversar
Como o impacto pode ter efeitos grandes nas
com os amigos, fazer as tarefas de casa ou as rotinas
vidas das pessoas, é normal que as rotinas
de estudo das crianças e adultos. Também pode
sejam também afectadas e que as pessoas se
provocar emoções negativas e tristeza.
afastem das actividades que, normalmente lhes
dão prazer. Uma das formas de começar a ter o controlo sobre a
sua vida é envolver-se em actividades que fazem bem e
Actividades simples, como os familiares, tarefas
que gosta de fazer: rotinas familiares, passatempos,
do lar ou actividades sociais ajudam as vítimas a
actividades desportivas ou outras. Estas actividades
tomar controlo da sua vida e a mitigar a tristeza,
também o vão ajudar a sentir-se mais bem-disposto e
desesperança e falta de energia. Também ajuda
confiante. Se fizer actividades positivas, terá melhores
as vítimas a focarem-se naquilo que é
pensamentos e isso ajudará a melhorar os seus
importante para si e para os seus.
sentimentos e emoções.
Com crianças pode dizer:
O que viveste pode estar a encher-te de sentimentos
negativos, como tristeza, medo, enfim, sentimentos
maus. Eu sei que custa e gostava que não tivesses que
passar por isso, mas também sei que podemos dar-te
sentimentos positivos que te vão ajudar a sentir melhor.
Podes fazer coisas como jogos, música, desporto, estar
com os amigos, ir à escola e isso trará sentimentos
positivos.
1.Identificar e planear actividades positivas - Quais são as actividades em que participava antes do
evento?
Deve começar por aquilo que é familiar ao
sobrevivente (pode utilizar o guia que lhe - Como pode retomar essas actividades?
deixamos em baixo).
Para ajudar esta escolha, você pode usar o Aqui está uma lista de actividades que as pessoas
discurso da coluna da direita. costumam gostar de fazer. Elas são importantes porque

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Manual de Intervenção Psicológica em Emergências Sónia Pereira Dinis

podem ajudar a estabelecer relações com outros e a


criar rotinas diárias. Gostaria que me dissesse pelo
menos três actividades que gostarias de fazer esta
semana. São apenas exemplos, talvez haja outras
melhores. Se for esse o caso, escreva-as (ou diga-as).
Provavelmente você já fazia algumas das actividades
antes do desastre; mas talvez queira experimentar
algumas actividades novas. Elas são muito
importantes. Mesmo que se sinta triste, é importante
que procure envolver-se.
2.Planear as actividades na agenda Muita coisa aconteceu em pouco tempo. É muito
natural que se sinta com pouca energia ou até que sinta
que não deve aproveitar o dia e gostar de fazer
Porque é que é importante planear e fazer um actividades. Não deixe que esses pensamentos o
calendário? para que as pessoas vejam como se travem, porque a sua vida, você e a sua família
podem ajudar. Faça um calendário e coloque-o beneficiam com essas actividades positivas. Vamos
num local acessível à pessoa (note que a pessoa fazer um calendário para a próxima semana, com as
poderá querer mantê-lo confidencial). actividades que considerou que gostaria de fazer.
Assim, se surgirem outras actividades, pode colocá-las
Por vezes os sobreviventes podem achar que
no calendário.
não têm direito a divertir-se ou a beneficiar do
dia. Nesses casos o papel dos técnicos é
importante.
Depois ajude o sobrevivente a pensar na - Gostaria de fazer esta actividade com alguém? Com
realização da actividade e a descobrir as quem? Qual é a melhor forma e horário para o
melhores condições para a actividade: contactar?
- Precisa de alguma coisa para fazer a actividade
(calçado desportivo, por exemplo)? Onde os pode
arranjar?
Com crianças, as actividades podem ser - Se estiver zangado, explique à criança que fará as
planeadas com os adultos (estes podem ajudar actividades planeadas mais tarde;
a fazer o calendário) e também usar desenhos.
- Procure actividades que mantêm as rotinas que
Lembre-se sempre que as crianças precisam,
estavam implementadas antes do acidente;
provavelmente, de ser acompanhadas.
- Não deixe que as crianças fiquem muito tempo
Por isso, eis alguns conselhos que deve deixar
sozinhas;
aos pais:
- Encoraje activiaddes exteriores (se houver
segurança);
- Fale com a criança acerca das actividades da escola ou
as actividades em que ela se envolveu;
- Aceite, permita e disponibilize espaço para que as
crianças falem acerca dos sentimentos negativos.

Normalmente, as famílias beneficiam se partilharem actividades com as vítimas, por isso,


principalmente com crianças e adolescentes, procure que uma actividade implique a
família.

E com idosos esteja atento: o significado de reconstruir a vida não é o mesmo e muitos
podem ter alguma dependência das famílias. Esteja atento à coerência entre as actividades

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Manual de Intervenção Psicológica em Emergências Sónia Pereira Dinis

e os meios e recursos existentes (por exemplo, talvez os idosos não possam deslocar-se
para lugares distantes – por vezes, 2 km podem ser demasiado longe).

Finalmente, tenha atenção que o contexto das pessoas pode ter mudado com o desastre:
as pessoas podem ser outras e a segurança também. Não aconselhe ninguém a passear,
por exemplo, se a segurança não for adequada.

Importante: lembre-se que a principal competência dos técnicos é a confiança. Esclareça


as vítimas que é possível que algumas actividades não sejam tão prazerosas como
anteriormente, ou que os efeitos de participar em actividades não seja imediato. Por isso,
é importante que haja alternativas válidas. Por exemplo, procure que a vítima se envolva
em actividades em que contribua para o bem-estar de outros ou da comunidade e em
actividades que afastem os sobreviventes do stress do dia-a-dia.

E também há precauções culturais que os técnicos devem ter: devem ter a certeza de que
a inserção das vítimas em actividades é aceite culturalmente. Que actividades não são
aceites? Qual é o tempo certo para começar a participar nas actividades?

Eis o guia para descobrir actividades (pode optar por falar com a vítima ou a pessoa pode
escolher; também pode fazer um brainstorming):

Actividades dentro de Actividades fora de Actividades sociais Actividades


casa casa relacionadas com
ajudar os outros
Ver televisão Caminhar; Contactar com amigos Ajudar os vizinhos;
Ler; Visitar vizinhos; e vizinhos; Ajudar as vítimas do
Desenhar ou pintar; Passear um animal; Estar com amigos; evento;
Fazer croché; Fazer desporto; Aprender algo novo; Tomar conta das
Usar o computador; Ir ao mercado; Ensinar coisas a outros; crianças da família;
Ouvir rádio; Ver o intervalo da Fazer desportos; Tomar conta de outras
Ler o jornal. escola; Jogar às cartas; crianças;
Outros: Ir ao café. Tomar café com Ajudar a recolher
_____________ Outros: alguém. donativos;
_________________ Outros: Ajudar pessoas idosas.
________________ Outros:
_________________

E depois deste passo?

Bem, tal como na competência anterior, vem o follow up (se for possível uma nova
sessão).

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Pode começar por resumir o que se passou:

5.4.2.3. Gerir as reacções


Para esta competência, há três etapas a seguir:

1.Identificar reacções disfuncionais e o seu interruptor;

2.Ensinar a lidar com as reacções disfuncionais

3.Criar um plano para gerir as reacções.

Domínios Ações
Qual é o objectivo Ajudar os sobreviventes a acalmarem-se física e emocionalmente e a
desta competência? compreenderem melhor o que se está a passar (em termos de reacções).
Porque é importante? Os sobreviventes de eventos traumáticos podem ter reacções físicas e
emocionais despropositadas quando estão face a face com coisas que lhes
façam lembrar o desastre e também com outras situações que causam stress
no dia-a-dia. Estas reacções podem afectar negativamente o relacionamento
com os outros, a vida diária, o humor e a saúde física. Por isso, as competências
para lidar com estas reacções podem proteger a saúde física e mental,
aumentar a confiança e promover relações interpessoais de sucesso.
Usado em quem? Nos sobreviventes que têm preocupações sobre:
- As suas reacções a pensamentos ou outras recordações do evento traumático;
- As suas reacções desproporcionadas a eventos quotidianos.

A sequência de acções já é conhecida:

Acções dos técnicos Os técnicos podem dizer…


Explicar a importância da competência. Depois das catástrofes, muitas pessoas sentem
preocupações, medos e também ficam tensas e
Comece por explicar aos sobreviventes que os
facilmente irritáveis. E, por isso, as suas relações podem
eventos traumáticos provocam stress e que isso
ser problemáticas e surgir problemas no trabalho, em
pode levar a reacções físicas e emocionais
casa ou dificuldades a fazer coisas como tomar
fortes, como ficar nervoso, ficar sem paciência,
decisões e fazer as tarefas do dia a dia. Pode ser muito
estar tenso, ter momentos de respiração rápida,
útil aprender algumas competências que ajudam a
preocupações constantes e medo. E estas
acalmar e a tranquilizar.
reacções podem durar semanas e meses e
podem levar a dificuldade em dormir,
problemas de relacionamento e também a
consumo de álcool e outras substâncias.
1.Identificar reacções disfuncionais e o seu Todas as pessoas reagem de forma diferente a eventos
interruptor. como o que ocorreu. Podem sentir-se ansiosas,
irritadas, reagir com brusquidão ou ter dores de cabeça
e de estômago. Vamos perceber quais são as suas
Pode começar por dizer …
reacções e quando é que elas aparecem.

A seguir, pode perguntar… Quais são as reacções que o estão a incomodar mais e
a impedir que o seu dia-a-dia decorra como gostaria?
No caso das crianças, pode fazer um desenho do Quais destas reacções foi mais difícil de lidar no
corpo humano e pedir para elas indicarem onde passado?

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sentem reacções, dores ou incómodos. Qual destas reacções acha que é mais importante
trabalhar já?
Pode descrever uma situação em que tenha sentido
ansiedade e stress e a reacção que teve?

Normalize os sentimentos das pessoas. Pode As reacções emocionais a eventos como o que passou
dizer: são normais. Pode sentir momentos em que parece que
está a viver a situação outra vez (por exemplo, quando
vê notícias sobre desastres ou tem pesadelos), pode
evitar a situação (evitar falar, evitar lugares ou pessoas
que lhe façam recordar o evento), pode afastar-se e
sentir-se adormecido ou também pode sentir-se
sensível e irritadiço.
Depois acrescente: Mas pode aprender a lidar com esses sentimentos e
reacções. Essas reacções são comuns e você não está
sozinho: as outras vítimas também passam por elas e
há pessoas e serviços para o ajudar; e você pode
praticar técnicas para lidar, por si, com essas reacções
e para se acalmar, como a meditação, ouvir música,
fazer coisas de que gosta e estar com outras pessoas. É
importante que evite álcool e outras substâncias e que
contacte quem o pode ajudar sempre que precisar. Vou
ensinar-lhe algumas técnicas.
2.Ensinar técnicas para lidar com o stress e para Veja os quadros seguintes:
acalmar.

São muitas as técnicas que as pessoas podem


utilizar para promover a calma e para reduzir os
níveis de ansiedade. É possível que as vítimas
sejam capazes de pôr algumas em
funcionamento mesmo antes da intervenção
dos técnicos. Se for esse o caso, encoraje-as a
continuar.

Vamos considerar técnicas para: acalmar, lidar


com emoções e pensamentos, lidar com
interruptores das reacções negativas e ajudar
crianças.
3.Criar um plano de gestão das reacções. Estivemos a ver algumas reacções que tem e também o
que é que faz com que elas apareçam. Agora já conhece
Um plano deve estar claro para as pessoas. Pode formas de evitar que essas reacções e pensamentos
ser escrito ou desenhado (no caso de acrianças negativos apareçam e também sabe o que fazer se eles
ou pessoas que não saibam ler). aparecerem. É muito importante que pratique. Ao
princípio pode parecer difícil, mas sempre que praticar
O que deve fazer é combinar com a vítima em
estas técnicas melhor elas funcionam.
que situações específicas usará esta
competência. Por exemplo, quando está a ter Neste ponto, deve consultar o anexo e dominar as
pensamentos negativos, ou antes de ir ao técnicas de ajuda aos adultos (acalmar, relaxar, ter
mercado (onde há muitas pessoas) ou antes de pensamentos positivos) e às crianças.
ir ajudar alguém.

Reveja os passos necessários para esta


competência e responda às dúvidas que o

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sobrevivente possa ter. A prática é importante.

No caso das crianças pode fazer um role play


(atenção: não foque uma situação real que
tenha acontecido, desenvolva uma situação em
que a criança e a família falam sobre
pensamentos negativos que a criança está a ter,
mas não fale directamente do desastre, das
mortes, etc.).

Quando você sabe que alguma coisa está mal, mas a criança não é capaz de se expressar:

- Envolva-se em actividades positivas com a criança (ajuda a criança a ter pensamentos


positivos);

- Ofereça-se para fazer uma massagem nas costas;

- Faça uma bebida quente ou fria (os cheiros e sabores “tiram” a criança do ambiente
negativo interno);

- Faça exercícios de relaxamento.

Tenha atenção que as dores e sensações que surgem devido ao evento podem confundir-
se com outros problemas de saúde. Se, por exemplo, a vítima manifestar mau estar geral,
dores específicas (como a dor no peito) certifique-se que a pessoa foi acompanhada
recentemente por um médico ou encaminhe-a para os serviços.

E se os sintomas emocionais forem muito presentes e intensos, não hesite em referenciar


a situação aos serviços de saúde mental.

Um ponto comum às pessoas que necessitam de trabalhar esta vertente da gestão das
reacções são os pensamentos que, recorrentemente, criam sentimentos e percepções
negativas. O primeiro passo do técnico é ajudar as pessoas a identificarem esses
pensamentos e a tomarem consciência de que eles estão a operar no seu dia-a-dia. O
segundo passo é normalizar os pensamentos, explicar que eles são normais nos
sobreviventes. Finalmente, os técnicos devem oferecer alguns caminhos de pensamento
para que a própria vítima combata os pensamentos negativos (trata-se de aplicar a
próxima competência)

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E depois? O follow up.

Se for possível realizar outra sessão, descubra se o plano foi implementado e qual o seu
resultado.

5.4.2.4. Promover pensamentos positivos

Para esta competência, há três etapas:

1.Identificar os pensamentos negativos da vítima;

2.Identificar pensamentos positivos;

3.Praticar pensamentos positivos.

Domínios Ações
Qual é o objectivo Ajudar os sobreviventes a compreenderem quais são os pensamentos que
desta competência? estão a guiar as suas acções e que têm influência no stress e ansiedade que
sentem.
Outro objectivo é contribuir para que os sobreviventes adoptem padrões de
pensamento mais saudáveis.
Porque é importante? Os sobreviventes de eventos traumáticos podem ter pensamentos negativos e
de culpabilização. Esses pensamentos criam emoções que afectam o dia-a-dia,
criam desesperança, depressão e medo e também são contagiosas, ou seja,
afectam outros elementos da família. Podem, até, ter efeitos físicos. Ajudar as
pessoas a seguirem padrões de pensamento mais positivos e saudáveis
contribui para melhores relações, menos ansiedade e melhor intervenção no
controlo da própria vida.
Usado em quem? Nos sobreviventes que têm preocupações sobre:
- O seu nível de stress e ansiedade;
- Os seus pensamentos e forma de estar critica e negativa;
- As suas reacções e pensamentos físicos e emocionais.

Acções dos técnicos Os técnicos podem dizer…


O primeiro passo dos técnicos é explicar o que Depois dos acontecimentos catastróficos como aquele
poderá estar a acontecer e a importância de por que passou, podem aparecer pensamentos
combater pensamentos negativos e de adoptar negativos sobre muitas situações do dia-a-dia. Esses
pensamentos positivos.
pensamentos influenciam muito o que sente e as
reacções que tem. Por exemplo, pode haver menos
Tenha atenção ao seguinte: pensar positivo não paciência para os filhos, para esperar, pode ter atitudes
é negar os sentimentos nem negar a gravidade muito críticas para com outros ou emoções de medo e
da ocorrência. Os sentimentos das pessoas de desesperança. Mas se se focar nos pensamentos
devem ser validados (é normal e natural que se positivos, isso pode ajudá-lo a criar emoções positivas
sinta assim). Não discuta com a vítima quais são e a lidar melhor com os outros e com as situações do
ou não os sentimentos válidos, ajude-a, apenas, dia-a-dia; e também a estar melhor consigo próprio. O

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a descobrir que se se focar em pensamentos primeiro passo é analisar os pensamentos que tem tido
mais positivos isso ajudará a avançar e a utilizar ultimamente e depois nós podemos ver formas de criar
melhor as suas energias. pensamentos mais positivos.

No caso das crianças, há que simplificar a Sabes que os pensamentos que temos influenciam os
mensagem: nossos sentimentos. Pensar é uma coisa diferente de
sentir. Por exemplo, quando pensas em marcar um golo
Com crianças também pode utilizar desenhos que sentimentos é que tens? - Deixe a criança
do tipo banda desenhada, em que a criança responder e ajude-a a identificar emoções positivas.
escreve nos balões os pensamentos negativos
que têm e depois você ajuda-a a identificar as Mas se fores o guarda-redes e sofreres o golo, se calhar
emoções que se criam a partir desses pensas coisas negativas, ficas zangado, triste. Mas
pensamentos. também poderias pensar que és capaz de fazer melhor,
que confias na tua equipa para tentarem ganhar o jogo
e que poderás treinar com mais afinco para seres um
melhor guarda-redes e então a pessoa sente-se
confiante e esperançado.

Bem, como vês, são duas formas diferentes de olhar


para a situação. O que as pessoas pensam tem
influência nos sentimentos que têm.

1º passo – identificar sentimentos negativos. Quando pensa no desastre, que reacções é que tem?

Uma forma de ajudar a pessoa a identificar os E quando tem essas reacções, normalmente que
pensamentos negativos é focar-se no concreto, pensamentos é que está a ter?
ou seja, nas situações que ocorrem:

Pesquise por pensamentos negativos em áreas


como a culpa (eu não devia ter deixado isto
acontecer; eu devia ter feito mais) e a fúria
(não é justo; a culpa disto ter acontecido é
deles).

2º Passo – Identificar sentimentos positivos. Utilize a tabela seguinte como instrumento de


trabalho.
Agora que os sobreviventes identificaram
pensamentos negativos que influenciam as
suas emoções e acções, há que ajudá-los a
encontrar e escrever pensamentos positivos.
Para essa tarefa, pode focar-se nos objectivos
que a vítima estabeleceu, como, por exemplo,
ajudar as crianças a retomar a escola
normalmente.

A ajuda deve estar focada em encontrar formas


positivas para cada pensamento negativo:

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Pensamentos Provocam Pensamentos que Criam sentimentos


negativos sentimentos ajudam de
de
R Eu devia ter sido capaz Culpa. Eu não podia prever a Realidade.
e de salvá-lo. catástrofe. Mesmo que Compreensão do que
a Porque é que eu agisse de forma diferente, se passou.
c sobrevivi e ele não? não a poderia ter evitado.
ç
õ Na altura, fiz tudo o que
e estava ao meu alcance.
s A minha dor é enorme Impotência; Se eu falar com alguém Aceitação da
d e insuportável. Nunca Medo; sobre a minha dor, talvez realidade
e vai parar. Desesperança. isso me ajude a melhorar. Esperança.
d Eu ainda tenho pessoas na
o Vou perder as pessoas minha vida. Elas
r de quem me aproximo. preocupam-se comigo,
e umas são mais velhas,
l outras mais novas.
u
t
o
F Não é justo! Fúria; Isto podia ter acontecido a Aceitação da
ú Sentimento de qualquer pessoa. realidade.
r vingança. Compreensão
i Às vezes, as coisas más Razoabilidade.
a acontecem a pessoas boas.
e A culpa disto ter Desconfiança; Culpar outras pessoas e Esperança;
i acontecido é deles! Fúria; instituições não muda a Aceitação.
r Frustração. minha situação.
r
i A culpa pode estar em
t outras pessoas, mas agora
a eu preciso focar-me em
b mim e na minha família.
i
l
i
d
a
d
e
C As coisas nunca vão Tristeza; A minha comunidade está a Esperança.
o melhorar! Desesperança. começar, aos poucos, a
m recuperar. Eu ainda posso
u alcançar os meus objectivos.
n Eu não posso fazer Frustração. Sei que pode parecer difícil, Tranquilidade e
i nada! mas eu vou ficar melhor. esperança.
d Não tenho ninguém Receio. Ainda tenho familiares e Apoio social.
a que me ajude. amigos que se importam
d comigo.
e Nunca mais vou Solidão. Ao longo do tempo Companheirismo.
e conseguir relacionar- descobrirei situações e
r me com os meus coisas que gostemos de
e colegas e amigos. fazer em comum
l O mundo é um lugar Medo; O mundo nem sempre é um Esperança de que a
a inseguro. Tristeza. lugar inseguro. situação melhore.

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ç Sinto-me inseguro Sentir-me inseguro e estar


õ todos os minutos. inseguro são coisas
e diferentes.
s
s
o
c
i
a
i
s

Acções dos técnicos Os técnicos podem dizer…


3º passo - Ensinar/aprender a praticar e usar os Se fosses o médico desta pessoa e ela te dissesse:
pensamentos positivos. Doutor, sinto que há perigos em todos os lugares. O
que é que lhe dirias para ela pensar?
É útil se os pensamentos negativos ficarem
escritos, tanto para os adultos como para as
crianças.

Com crianças a actividade tem que ser muito


mais orientada por processos simples. Por
exemplo, pode pedir à criança que diga, se ela
fosse o médico de uma vítima, os conselhos que
daria. Por exemplo:

Encoraje os sobreviventes a praticar os pensamentos positivos e a substituir os negativos


por positivos. Peça-lhes para lerem diariamente a folha que escreveram e que identifica
os principais pensamentos negativos e a forma de os substituir.

Tome particular atenção aos sentimentos de culpa: eles podem ter razão de ser e o
sobrevivente pode mesmo ter tido responsabilidade no que aconteceu. Como esses
sentimentos podem ser pesados, talvez seja melhor referenciar o sobrevivente a outros
serviços.

As crianças, sensivelmente até à pré-adolescência, têm o centro de referência nos adultos.


Muitos dos pensamentos que têm podem ser manifestações do que ouvem e vêm os
adultos fazer. Por isso, é importante trabalhar com os adultos no sentido de criarem
espaços de pensamentos positivos. A dor e os pensamentos negativos também têm lugar,
mas os familiares podem ter cuidado para que eles não estejam sistematicamente
presentes no dia-a-dia da criança (conversa, posturas, etc.).

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A seguir, o Follow up!

5.4.2.5. Reestabelecer relações sociais positivas

Esta competência inclui as seguintes etapas:

1.Fazer um mapa das relações sociais.

2. Reflectir sobre o mapa das relações sociais.

3.Estabelecer um plano de suporte.

Domínios Ações
Qual é o objectivo Ajudar os sobreviventes a aumentar as interacções sociais e comunitárias
desta competência? saudáveis e de suporte.
Porque é importante? Os sobreviventes de eventos traumáticos podem ter dificuldade em retomar as
suas vidas. A vida do dia-a-dia é favorecida pelo conjunto de relações sociais e
comunitárias: fazem a pessoa sentir-se incluída, sentir que faz parte de algo,
que é um membro de um grupo, que não está sozinha. Para além disso, as
relações sociais também são relações de afecto e suporte que contribuem para
melhores pensamentos e emoções e para desenvolver sentimentos de
companheirismo. E finalmente as relações sociais também permitem que as
vítimas encontrem pessoas em situações semelhantes (tenham a percepção da
normalidade da sua situação) e que ajudem outras pessoas.
Usado em quem? Nos sobreviventes que têm preocupações sobre:
- Sensação de isolamento e afastamento dos amigos e família;
- Sentimentos de solidão e isolamento;
- Receio ou ansiedade em viverem num novo contexto;
- Sentimentos de inutilidade pessoal;
- Dificuldade de acesso aos recursos da comunidade;
- Ausência de pessoas com quem falar sobre os seus sentimentos;
- Ausência de possibilidades de apoiar outras pessoas.

Eis os passos a dar:

Acções dos técnicos Os técnicos podem dizer…


1.Fazer um mapa das relações sociais. Os eventos catastróficos podem ter impacto nas
relações sociais. Muitas vezes afastam as pessoas e
Como sempre, há que começar por explicar a diminuem a rede de amizades e suporte social. E, por
importância desta competência.
isso, às vezes os sobreviventes podem querer falar
sobre o que aconteceu ou podem querer acompanhar
um amigo na sua recuperação e não o conseguem fazê-
lo. Isso também é negativo porque as vítimas podem
estar afastadas de outras vítimas que passaram pelos
mesmos eventos e que conhecem as dificuldades.

As pessoas que fazem parte do nosso dia-a-dia


(amigos, colegas, familiares) são uma fonte de suporte
social importante para a recuperação. E se pensa que
pode ser um fardo para essas pessoas, pense na sua

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situação: você não gostaria de ajudar uma pessoa de


quem gosta ou um amigo? Sabemos que os
sobreviventes com mais apoio social recuperam mais
rapidamente.

O contacto com os outros pode ajudá-lo a sentir:

- Que é compreendido;

- Que pertence a algum sítio e grupo;

- Que não está sozinho e isolado;

- Que os outros estão disponíveis para si;

- Que pode ter ajuda quando for preciso.

Por isso é muito importante reestabelecer uma rede de


apoio social. Elas são muito importantes. Todas as
pessoas gostam de estar juntas com outras:
aniversários, festas, refeições, práticas religiosas, etc.

Vamos começar por fazer o mapa das suas relações


sociais. Gostaria de saber quais são os momentos em
que você está junto com amigos ou familiares?
Podemos construir a partir daí. O objectivo é ter uma
ideia da sua rede de relações sociais antes da
catástrofe.

2. Reflectir sobre o mapa das relações sociais. Agora que identificou o seu mapa de relações sociais,
vamos perceber qual é o valor de cada uma para si e
Este passo permite definir que relações sociais a para a sua situação. Há necessidades diferentes e tipos
vítima deve privilegiar e porquê. Trata-se de de apoios diferentes. Por vezes pode precisar de ajuda
responder a questões importantes. com as crianças ou com as tarefas do lar; outras vezes
pode precisar de falar com alguém.

Para si, quais são as ligações mais importantes agora?

- Destas pessoas que identificou, com quem é que se


sente mais à vontade para partilhar os seus
pensamentos?

- E quem é que lhe pode dar conselhos que ajudem a


sua recuperação?

- Se precisar de ajuda com tarefas práticas (procura de


trabalho, deslocar-se, trabalhos de casa, tarefas do lar)
a quem é que acha que pode recorrer?

Depois de fazer as perguntas mencionadas, o Agora que fizemos este percurso, repare que há aqui
papel dos técnicos é de ajudar a pessoa a esta área que está vazia. Há alguns familiares ou
identificar áreas vazias (ou seja, áreas em que o amigos com quem não esteja em contacto actualmente
apoio social é fraco) e a preenchê-las. e que possam entrar para estas áreas? Gostaria de

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melhorar as relações com algumas destas pessoas?


Nestas áreas que estão vazias, já ponderou a
possibilidade de se juntar a um grupo da comunidade?

Os técnicos devem ter em atenção que há muitas diferenças entre as pessoas:

- Pode haver sobreviventes que passaram muitos anos a estabelecer a sua rede de suporte
social. Nesses casos em que foi posta muita energia, as pessoas provavelmente, serão
capazes de definir as suas prioridades. Respeite-as.

- Outros sobreviventes podem ter perdido entes queridos que estavam na base do suporte
social. Nessas situações, devem ser as vítimas a mostrar-se disponíveis para reestabelecer
as relações sociais;

- E também é importante compreender qual o tipo de relação social existente


anteriormente. Se o sobrevivente estava numa rede social abusadora e disfuncional, este
pode ser o momento para avaliar o padrão de relacionamento social e descobrir melhores
formas de relacionamento.

- E as crianças focam-se muito nos seus familiares para se desenvolverem. Se os


familiares não se envolvem em relações sociais, as crianças podem não o fazer também.
Porém, nas crianças, as brincadeiras e jogos com os outros são muito importantes para o
desenvolvimento e para a recuperação. Por isso, os familiares devem ser encorajados a
estabelecer relações sociais (as crianças têm tendência para copiar e repetir).

- A disponibilidade do suporte social não implica necessariamente a proximidade. A


pessoa mais disponível pode não ser a mais próxima. O telefone, as cartas ou as redes
sociais virtuais podem ser instrumentos válidos para retomar a conexão social.

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Esta ficha pode ajudar:

Qual é a importância Como é que pode


dessas pessoas? contactar com elas?
Quem é que está actualmente na sua rede social?
Quem é que gostaria que estivesse nessa rede?
Em que pessoas com quem se relacionava é que
pensa com frequência?
Com quem é que gostaria de passar menos
tempo?
Como é que pode melhorara a sua rede de relacionamentos?

3.Elaborar um plano de suporte social

Agora que estão identificadas as áreas que precisam da atenção da vítima, a questão é
como avançar.

Ajude a vítima a estabelecer passos simples. Por exemplo: fazer o contacto (como?
Quando?) e a definir quem a pode ajudar. Provavelmente, um amigo próximo pode
acompanhar a pessoa a uma igreja, ou a uma associação. Esse acompanhamento traz
segurança e confiança à pessoa.

Use, por exemplo, um quadro como este:

Conforto emocional Como dar/como obter?


Fazer parte da comunidade e ser Quem é que pode disponibilizar
útil. um ombro amigo? Ou tempo
para ouvir?
Ter apoio de confiança. Que actividades pode realizar
com amigos e colegas?
Quem é que pode ajudar no seu
dia-a-dia?
Ter aconselhamento para Quem é que o pode ajudar a
resolver problemas. obter informações sobre
serviços? E quem é que você
pode ajudar?
Ter assistência física. Quem o pode ajudar com
pequenos arranjos em casa? E
que ajuda você pode dar?
Ter assistência material Se faltarem bens essenciais
(comida, água) a quem é que
pode recorrer? Que amigos seus
podem precisar dessa ajuda?

Quando pede ao sobrevivente para pensar na própria situação, mas também na de outros,

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está a criar pensamentos positivos que podem ajudar outros, contribuir para estabelecer
relações sociais e também para a pessoa encontrar estratégias que podem vir a ser úteis
para si mesmo.

E depois o follow up.

5.4.2. Terceiro passo: follow up (acompanhamento)


Todas as competências devem ter follow up. Isto permite determinar se a competência
está a ser posta em prática, se há necessidades de reformular o plano ou se é possível
avançar para outra competência que contribua para a recuperação do sobrevivente.

Também permite que a pessoa tome consciência dos ganhos sobre o controlo da sua
própria vida, reconheça as suas forças e tenha algum suporte social.

O follow up de todas as competências segue os mesmos princípios:

Recordar Rever a importância da competência. Resumir o


que tinha ficado decidido com a vítima. Valorizar
as acções adoptadas.

Em seguida, no follow up trata-se de fazer um balanço do funcionamento do plano de acção.

Se o plano de acção foi eficaz a pergunta é: Qual é a próxima competência?

Se resultou parcialmente, há que perguntar: Como é que podemos simplificar o


plano de acção?
Lembre-se que todos os planos são flexíveis e que são os
esforços e ganhos das vítimas que devem ser salientados.
Lembre-se e recorde a vítima que o treino das competências é
muito importante para que elas sejam eficazes. Procure saber se
a pessoa a treinou e procure perceber o que está a impedir,
eventualmente, o treino e a experimentação. Por vezes os
sobreviventes podem precisar não de aprender uma única

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competência, mas de duas ou mais que, em simultâneo, podem


ajudar na recuperação.

Se o plano não funcionou, deve ponderar se era aquela Quais são as prioridades das
competência que a vítima precisava ou se há alguma informação vítimas?
que você não tem ou ainda se a vítima tem dificuldades
acrescidas que aconselham o encaminhamento para outros
serviços.

Em todo este percurso a empatia é um dos principais instrumentos dos técnicos. Mantenha
sempre presente o seguinte:

- Os sentimentos das pessoas são únicos, valide-os (eles são reais) e normalize-os.

- Parte do sucesso da sua acção enquanto técnico depende de si: a vítima tem de ser a sua
prioridade (esqueça telefones ou outras interrupções), seja um ouvinte sincero e
interessado;

- Não hesite em recorrer a colegas com mais experiência na busca da melhor solução. Isso
é um sinal de que está interessado em ajudar a pessoa.

- Como técnico será sempre um referencial para o sobrevivente: defina expectativas reais
– não há soluções mágicas ou imediatas, mas as competências são uteis ao longo do tempo
e podem ajudar a recuperação com eficácia. Haverá retrocessos, porque a recuperação
não é um trajecto linear. Eles são normais. Disponibilize-se para apoiar nesses momentos
e esclareça que a importância do follow up é exactamente dar resposta a esses momentos.
Explique às vítimas que os retrocessos não são fracassos, são apenas momentos em que
as vítimas podem precisar de competências e de informações diferentes.

- Mantenha-se atento aos sinais de aviso. Por exemplo, quando sente que a vítima não
está verdadeiramente engajada no processo (que está presente mais por obrigação).

- Esteja atento e considere os momentos que não controla na sua acção. As vítimas
também devem estar conscientes de que eles ocorrem e podem influenciar os planos. Por

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exemplo, as situações em que a televisão debate o evento, ou a ocorrência de um outro


evento, mesmo que seja em outro país, mas que seja divulgado pelos meios de
comunicação.

- Finalmente, garanta que há sempre disponibilidade para atender as situações


importantes. Deixe contactos, esclareça a sua disponibilidade.

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6. COVID-19: Comunicar sem causar danos

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Devido à crise pandémica, com início nos primeiros meses do ano de 2020, vivemos uma
situação nova e global, que pode ser temperada com medo, angústia e incertezas quanto
ao futuro – o que pode ser traumatizante.

Em contextos de incerteza, a comunicação é - e sempre foi - muito importante. Neste


momento específico de pandemia, a maneira como comunicamos pode afectar a saúde e,
por isso, devemos dar-lhe uma atenção especial, sobretudo porque é preciso “passar
mensagens” e aconselhar pessoas.

A pandemia provocada por Covid-19, traz grandes desafios à sociedade. O impacto


psicológico e social que têm todas as etapas da infecção e as medidas de contenção, como
a quarentena e o isolamento, estão e continuarão a afectar a totalidade da população. Nesta
medida, é importante que, ao comunicarmos, tenhamos em conta as vivências que
estamos a experienciar, sejamos solidários e busquemos o bem comum.

Antes de entrarmos no tema, gostaria de frisar que este último capítulo é elaborado com
base nas contribuições do curso “Covid-19: Comunicação sem danos”, da Universidade
Pontífica Javeriana.

6.1. Papel do comunicador

Os comunicadores e todos os meios de comunicação constituem-se, nesta pandemia,


como agentes fundamentais na prevenção da propagação da doença e são responsáveis
em fornecer informações que não causem danos à população, nem causem alarme e
revolta social.

6.2. Estratégias a utilizar

É importante que aprendamos a comunicar sem causar danos. Assim, devemos fazer uso
de uma comunicação que tenha como princípios:

- A solidariedade;

- O altruísmo;

- O cuidado;

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- O respeito ao próximo;

- A capacidade de relacionamento com o outro de maneira empática, generosa, cuidadosa


e respeitosa.

Apela-se a uma comunicação que enfatize a assertividade, que ensine, que privilegie
experiências positivas, que traga esperança face à situação e que promova uma atitude
colaborativa entre todos, integrando-nos.

Quais podem ser os impactos da pandemia?

- Dificuldades Psicossociais;

- Preocupações associadas às necessidades básicas;

- Possibilidades de conflitos;

- Falta de esperança;

- Solidão;

- Rotinas trocadas;

- Insónias;

- Incertezas;

-Irritabilidade;

-Tristeza,

- Depressão;

- Angústia;

- Medo de ficar doente e morrer.

É importante referir que a maior parte das pessoas que possam vir a contrair o vírus, não
morrem. Para alguns poderá ser mais difícil.

O grupo de maior risco, é a população idosa, havendo por isso a necessidade de a cuidar
e proteger de forma zelosa.

Os meios de comunicação e os comunicadores podem desempenhar um papel decisivo


em todo este processo. A ideia chave é esta:

Os comunicadores podem ser vectores, agentes de saúde.

Serão o rosto do conhecimento das pessoas que os ouvem e o alvo da sua confiança. Por

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Manual de Intervenção Psicológica em Emergências Sónia Pereira Dinis

isso, é importante que apresentem a informação de forma organizada, com


direcionamento ordenado da informação a cargo das autoridades competentes, garantindo
uma informação adequada e com estratégias que promovam o bem-estar. Isto contribuirá
para uma melhor saúde mental da comunidade.

A estratégia para a comunicação sem causar danos, face à Covid-19 é dirigida a:

1. Comunicadores e Meios de comunicação.

2. À população em geral.

6.2.1. Meios de comunicação e comunicadores

Num momento difícil como aquele em que se vive uma pandemia é importante estar bem
informado. Nesta medida, os meios de comunicação devem atender as seguintes
recomendações:

- Interpretar correctamente as estatísticas. Os números podem desencadear ansiedade. É


importante que a magnitude da situação seja clara. Se se disser que há 500 pessoas
infectadas, isso dá azo a interpretações e comparações. Porém, se se disser que a província
x tem 50 pessoas infetadas e hospitalizadas, a província y 75 pessoas nessas
circunstâncias, e por aí fora, isso permite que o receptor tenha uma informação
relativizada e torna-se mais fácil o surgimento de sentimentos de controlo.

- Fazer generalização de pequenos números requer particular atenção: apresentar dados


de um determinado número de pessoas infectadas não é aconselhável, tendo em conta os
seus efeitos ansiogénicos. Por um lado, é importante não generalizar e por outro, é
preferível apresentá-los em percentagem sobre o total de pessoas.

- Evitar enviar mensagens negativas/pessimistas que aumentam incertezas.

- Ter em atenção que o isolamento se refere ao distanciamento físico e não ao


distanciamento emocional e afectivo.

- Evitar o uso de expressões que possam ter conotações negativas, como por exemplo, “O
país com o maior número de mortes no mundo”.

- Não descrever esta pandemia como a maior catástrofe mundial.

É evitar tecer críticas às vítimas ou ao pessoal de saúde. Quem não está directamente

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envolvido, pode não ter toda a informação e, portanto, pode não saber o que
verdadeiramente se passa:

- As informações devem ter sempre em conta as famílias.

- Depois de informar, é importante dizer repetidamente quais são as orientações para estes
casos.

- Deve-se incorporar, nas informações, as vozes de especialistas sobre as causas e os


tratamentos.

- Também se deve evitar o exagero e o sensacionalismo.

- Procurar informar a população como passar tempo durante o período da quarentena (que
tipo de passatempos, que actividades podemos realizar em casa). É importante por
exemplo, que as pessoas mantenham as suas rotinas, cuidem da sua higiene pessoal,
façam os seus trabalhos, tenham espaços em que possam estar sós, assim como, tenham
tempo de convívio com os seus familiares.

- Divulgar os conteúdos de prevenção da conflitualidade e de respeito.

- Evitar, textos, fotos e vídeos nos quais se privilegie catástrofes, mortes.

- Favorecer o cuidado, o respeito e a valorização aos profissionais de saúde. Essa


validação é importante para a motivação daqueles que, diariamente, se colocam em risco
para salvar vidas.

6.2.2. Estratégias para a população em geral


Deve-se privilegiar diferentes meios de comunicação e que favoreçam diferentes formas
de comunicar (rádio, tv, jornal e redes sociais) e ter em conta que as pessoas têm canais
preferidos e que alguns podem ter maior efeito residual.

A comunicação baseada nos meios de cada região pode favorecer a sua idiossincrasia. É
importante que a informação chegue a todos e que possa fornecer actividades que
favoreçam o uso adequado do tempo. Assim, as recomendações para a população em
geral são:

- Estabelecer um período de tempo para se informar. É importante que não fique


demasiado tempo exposto a muitas informações. Isso poderá gerar desinformação;

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- Evitar fazer publicações perto da hora de dormir, tendo em conta os seus efeitos nas
outras pessoas;

- Verificar a veracidade da informação antes de a partilhar;

- Fomentar as conversações amenas e respeitosas;

- Os meios regionais devem privilegiar as informações locais;

- Fortalecer a difusão das actividades que conduzem a uma adequada gestão do tempo.

- Cada um tem o dever de evitar a estigmatização: evitar utilizar expressões como “Todos
vão morre com a Covid-19…”; “Se não usar máscaras fico doente…”; “Todas as pessoas
terão o vírus…”. Elas poderão contribuir que para que as pessoas tenham receio de
procurar ajuda, para uma compreensão empobrecida da doença e para a rejeição pela
comunidade de pessoas em risco. Isso acontece quando as pessoas ficam expostas a fontes
não especializadas. É importante informar aquilo que é real e empoderar, ensinar as
pessoas para que se possam proteger, a partir de fontes oficiais/credíveis.

Há algumas recomendações para a primeira infância:

- É importante não esquecer que as crianças podem estar expostas a noticias negativas.
Por isso, é necessário pensar-se em horários mais adequados para determinadas notícias.

- Os jovens e os adultos devem manter a calma e a serenidade diante das crianças.

- É importante não manifestar ansiedade diante do confinamento obrigatório/quarentena


e procurar formas de aproveitar o tempo e vivê-lo da melhor maneira.

- Deve-se favorecer a comunicação verbal para que as famílias manifestem o seu afecto
(troca de elogios, valorização).

- E deve-se promover o contacto virtual ou telefónico entre famílias, sobretudo com


aquelas que estão sozinhas. É importante que as famílias possam continuar a ser unidas.

Também há recomendações dirigidas às instituições que devem:

- Divulgar informações com números exactos.

- Estabelecer protocolos de informação de forma unificada para evitar a desinformação.

- Utilizar uma linguagem fechada nos discursos, de tal forma que facilite a compreensão

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dos conteúdos da população.

- Estabelecer um canal oficial de informação para verificar os conteúdos.

- Ter em conta a comunicação não verbal quando se dirigir à população, para que possa
gerar confiança. O tom de voz, muitas vezes denuncia ansiedade. É importante que se fale
tranquilamente e com serenidade.

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7. Referências

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Manual de Intervenção Psicológica em Emergências Sónia Pereira Dinis

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Wade, D., Crompton, D., Howard, A., Stevens, N., Metcalf, O., Brymer, M., et al. (2014).
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World Health Organization. (2013). Psychological first aid: Facilitator’s manual for
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Fontes eletrónicas:

Vídeos do curso “Covid-19: Comunicação sem danos”, da Universidade Pontífica


Javeriana

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