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Reafricanização e dessincretização do candomblé: movimentos do um mesmo processo

Aislan Vieira de Melo

dessincretização e reafricanização
são movimentos diferentes de um mesmo processo, a saber: o de
afirmação do negro na sociedade brasileira. RESUMO
politização da cultura - TURNER 1991 TURNER, Terence. 1991. Representing, Resisting,
Rethinking: Historical
Transformations of Kayapo Culture and Anthropological Consciousness.
In STOCKING Jr., George W. (ed.): Colonial Situations: Essays on the
Contextualization of Ethnographic Knowledge, pp. 285-313. (History of
Anthropology, 7). Madison, Wisconsin: The University of Wisconsin
Press.
Ligado a lutas por direitos sociais do negro no brasil

ETNICIDADE IORUBÁ
Candomble teria sido criado sob a hegemonia do sistema religioso ioruba
Ver concepção do duplo

PRANDI 1991 - candomblé virando religião universal ? Candomblés de São Paulo. São Paulo:
Hucitec/Edusp.

África que vive nas Américas não deve ser medida em termos da
sobrevivência mais ou menos pura de um ‘alhures’ primordial. A
África que vive nas Américas é uma mobilização estratégica de um
repertório cultural circum-atlântico de quinhentos anos. Em suma,
muito do que é chamado de ‘memória’ cultural ou coletiva naÁfrica que vive nas Américas não
deve ser medida em termos da
sobrevivência mais ou menos pura de um ‘alhures’ primordial. A
África que vive nas Américas é uma mobilização estratégica de um
repertório cultural circum-atlântico de quinhentos anos. Em suma,
muito do que é chamado de ‘memória’ cultural ou coletiva na diáspora africana, e em toda
nação, ocorre em contextos de poder,
negociação e recriação (Matory 1999:61). MATORY, James Lorand. 1999. Jeje: repensando
nações e transnacionalismo.
Mana, 5(1):57-80.

CONSORTE, Josildeth. 1999. Em torno de um manifesto de ialorixás baianas


contra o sincretismo. In CAROSO, Carlos & BACELAR, Jeferson
(org.): Faces da tradição afro-brasileira, pp. 71-91. Rio de Janeiro/Salvador:
Pallas/ CEAO.
Sincretismo com catolicismo remetia à condição de escravidão - imposição
Pertencimento legitimo a cultura dos primeiros escravos africanos
a separação institu
cional
entre candomblé e catolicismo, proclamada pelo manifesto em
1983, nunca se efetivou nas demais casas. As entrevistas com Olga do
Alaketo, Nicinha do Bogum e com membros da Casa Branca do
Engenho Velho, além das observações de rituais, fizeram a professora
Consorte “crer que nessas Casas a tradição prevalecia” (Consorte 1999:
84) PAG 167

Tradição - ligada a fundação das casas onde havia já o catolicismo


Opó Afonja expoente da reafricanização

Dentre as quatro mais tradicionais casas de candomblé – Casa


Branca, Gantois, Opô Afonjá e Alaketo – somente o Opô Afonjá não foi
fundado por uma iorubá de nascimento, visto que Mãe Aninha, Eugênia
Anna dos Santos, fundadora e primeira ialorixá, era filha de gruncis13.
Segundo Lima (1987:54): LIMA, Vivaldo Costa. 1987. Cartas de Édison Carneiro a Arthur
Ramos. São Paulo:
Corrupio.
Mãe Aninha, ela mesma era e se sabia etnicamente descendente de
africanos grunces, um povo que ainda hoje habita as savanas do
norte de Gana e do sul do Alto Volta e que nenhuma relação
negreiro.
mantinha com os iorubás até o tráfico PAG 169

Diante dessas condições, considero possível aventar a hipótese de


que buscando um contato mais intenso com a África, Mãe Aninha substituiu
sua etnicidade biológica grunci pela fidelidade religiosa, espiritual,
iorubá. Embora nunca tenha se afastado de sua crença na Iyá dos
gruncis, na “mãe da terra dos gruncis”, identificada como sendo a
Iemanjá dos iorubá (Santos apud Lima 1987). Pag 171

CONFLITO CASA BRANCA X OPÓ AFONJÁ - BUSCOU NA AFRICA A ETNICIDADE


IORUBA - MAE ANINHA ERA GRUNCI
ANOS 80 - PERDA DE CONHECIMENTOS RITUALISTICOS E LINGUISTICOS
PAULISTAS CRIANDO LINHAS GENEALOGICAS COM CASAS BAIANAS
No entanto, as relações entre esses sacerdotes paulistas e os
baianos se tornaram ambíguas: de um lado, procuram construir uma
linha genealógica até um desses terreiros para legitimarem o seu axé: “[...]
minha raíz é lá da Casa Branca” (Iyá Sessu); Gilberto de Exú, ogã do Ilê
Iyá My Osun Muyiwá, remeteu à linhagem de Mãe Wanda de Oxum, a
sacerdotisa-chefe, primeiramente à Joãozinho da Goméia (apesar de ser
da nação angola, ele tem muito prestígio no candomblé, ao menos no
sudeste), e, posteriormente à morte deste, ao seu atual pai-de-santo,
Waldemiro de Xangô, que teria passado do candomblé efon para o
terreiro do Gantois; Pai Armando de Ogun, por sua vez, remete sua
filiação religiosa a Agenor Miranda, que, apesar de ser do terreiro do
Bate-Folha, tradicional Casa de candomblé angola, teria sido oluô parti
cular
de Mãe Meninha do Gantois, assim como ele sempre esteve
presente consultando os orixás quando das sucessões das Casas baianas
mais tradicionais. Pag 172

NAS RELAÇÕES simbólicas do mundo do candomblé a linhagem-de-santo deve


remeter,
sempre, a um terreiro conceituado – geralmente, no que tange à tradição
nagô ou iorubá, a um terreiro baiano PAG 173
Podemos dizer que em São Paulo a reafricanização teve impulso
com o curso de idioma iorubá fornecido pela Universidade de São Paulo
na década de 70, quando muitos sacerdotes fizeram o curso, e puderam
ter contatos com professores nigerianos que traziam e comercializavam
materiais religiosos. PAG 173 BABA MUXIALA FEZ O CURSO
NÃO HÁ CONHECIMENTO PLENO DA RELIGIÃO MAS SIM FRAGMENTADO
Entretanto, ao buscar conhecimentos sobre o
sagrado – rituais, cantigas, visão de mundo etc. – na escrita leiga,
produzida pelos viajantes, antropólogos etc., desprovida, portanto, de
qualquer caráter sagrado, o movimento de reafricanização introduz uma
forma de adquirir o saber diferentemente da oralidade tradicional, herdada
da África, e da transmissão direta do mais velho para o mais novo. (*...)
A abolição da missa no axexê, por exemplo, ou a definição das diferenças
entre orixás e santos só podem ser fundamentadas através de relatos
históricos que demonstrem a inexistência de missas nos rituais fúnebres
dos iorubá, ou atestem a relação dos orixás com a natureza, o que os
santos católicos originalmente não possuem.PAG 174

Sugiro que, enquanto processo de ressignificação, podem existir

várias possibilidades de reafricanizar, cada qual segundo os critérios de

cada sacerdote-chefe: no que tange a estética, podem adotar roupas tipi

camente
africanas ou continuar usando trajes típicos baianos; podem

inserir cantigas diferentes dos demais; podem introduzir algum ritual que

consideram tipicamente iorubá, ou extinguir aquele que julgam sincrético

ou sem fundamento religioso; podem introduzir elementos rituais (como

comidas ou objetos) que considerem iorubá, ao passo que extinguem

outros tidos por eles como provenientes de outras tradições; ao mesmo

tempo podem continuar a utilizar trajes, cantar cantigas, praticar rituais,

utilizar objetos, cultuar divindades ou continuar fazendo comidas que

considerem não provenientes da religião iorubá por considerarem pró

prias
do contexto brasileiro.

Assim, reafricanização do candomblé diz respeito a uma

modificação doutrinária e/ou litúrgica em função do que se imagina que

seja tipicamente iorubá, PAG 175


PACE 1997 enclausuramento ou hibridação = reafricanização novo sincretismo com marcação
da diferença - tradição imaginada, porém real PACE, Enzo. 1997. Religião e Globalização. In
ORO, Ari Pedro (org).
Globalização e religião, pp. 25-42. Petrópolis: Vozes.

ANOS 70 - IMPORTANCIA DAS NAÇÕES


Retórica da diferença

SEGATO, Rita Laura. 2005. Raça é signo. (Série Antropologia, 372). Brasília:
UnB. CÓDICE AFRICANO

VOLTA À ÁFRICA
(RE)AFRICANIZAÇÃO E IDENTIDADE RELIGIOSA
NO CANDOMBLÉ PAULISTA DE ORIGEM BANTU
RENATO UBIRAJARA DOS SANTOS BOTÃOi

Reafricanização - adaptação a modernidade ou pos modernidade


Para
Lopes (1988, p. 01):
Essa discriminação dos Bantos atinge o negro de um
modo geral. Porque com toda a certeza a maioria dos

africanos trazidos para o Brasil na condição de


escravos veio do vasto território abaixo da grande
floresta tropical (África Central, Oriental, Austral),
que é o habitat dos povos bantófones. PAG 1

jinkisi2 PLURAL DE NKISI

O termo (re)africanização, em sua acepção

atual, no Brasil, foi pensado por cientistas sociais

(Brown, 1994; Prandi, 1991; Silva, 1995 e outros),

para designar um conjunto de medidas que se

caracterizam pela intenção de resgatar os mitos, os

rituais e outros elementos que vinham e vêm

perdendo o significado no interior do candomblé.

3Emprestamos essa expressão de Prandi (1991, p. 101), que a utiliza


para demonstrar a popularidade alcançada pelo candomblé nação ketu
– também chamado de nagô – no Brasil, na década de 1970.NAGOCRACIA

A reafricanização ou pelo menos a tentativa de


reafricanização dos cultos afro-brasileiros, pelas

razões históricas e até mesmo políticas, foi

profundamente prejudicial ao conhecimento de

outros povos africanos, tais como os Bantos, que

legaram ao Brasil muito da sua concepção de vida, de

hábitos e costumes, hoje plasmados na totalidade do

ethos brasileiro. A reafricanização pouco serviu aos

interesses dos candomblés Angola, Congo e Congo

angola,
e tantos outros grupos religiosos. Ao

contrário, ficaram de alguma forma estigmatizados,

quase órfãos de uma matriz à qual pudessem

eventualmente recorrer. É como se a cultura religiosa

africana se limitasse exclusivamente à religião dos

Orixás. Em síntese, a reaproximação com a África

tem

sido

pouco

expressiva

em

relação

ao

conhecimento dos países de língua portuguesa, ironia

da história, os menos estudados e muito pouco

visitados

por

pesquisadores

gente-de-santo.

(BRAGA, 1988, p. 88) BRAGA, J.S. Fuxico de candomblé: estudos afrobrasileiros.


Feira de Santana: UEFS, 1988.

pag2
Contudo, desde os anos 1990 que alguns

sacerdotes do candomblé angola-congo em São

Paulo, resolveram iniciar o resgate de ritos e mitos

bantu.

A discussão acerca da busca da identidade

religiosa do candomblé nação angola-congo sempre

foi um ponto importante e discutido entre seus

adeptos. Já em 1981, no I Encontro de Nações de

Candomblé, realizado na Bahia, o sr. Esmeraldo

Emetério de Santana, integrante de um dos terreiros

mais

antigos

de

Salvador,

pedia

que

os

pesquisadores “olhassem” com mais atenção para a

nação angola-congo. Entretanto, atualmente, parece

que

essa

preocupação

tem

se

intensificado,

principalmente em São Paulo. PAG 3

identidade contrastiva - roberto cardoso de oliveira 1976 OLIVEIRA, R. C. de. Identidade,


Etnia e Estrutura
Social. São Paulo: Livraria Pioneira, 1976 - surge por oposição
Auto atribuição das nações - noção subjetiva

Identidade é interação entre o eu e a sociedade - subjetivo e objetivo PAG 3

Seguindo a mesma linha de argumentação,

tata Nkassuté lança mão de possíveis influências

étnicas na exaltação da cultura bantu para o Brasil.

Segundo este pai-de-santo, até mesmo gestos com a

boca, com os olhos, são um legado da cultura

bantu.

Nós somos homens da floresta. A gente sente cheiro

das coisas. A gente faz assim (o sacerdote faz uma

virada de cabeça, como quem quer escutar algo, mas

não consegue), não é? Não é um costume... De

repente você quer escutar as coisas e você faz assim

(novamente a postura de quem quer escutar algo).

Você sabia que os gestos são bantu? Quando você

faz assim (fazendo estalos com a boca ao mesmo

tempo em que balança a cabeça negativamente), isso

é bantu. Quando faz assim (pigarreando como se não

estivesse gostando do que está vendo ou ouvindo).

Quando você entorta a boca, você não gostou de um

negócio, tudo isso é bantu. Você sabia ou não? [...]

Nós somos bantu e ao mesmo tempo nós somos

índios. (TATA NKASSUTÉ) pag 4

IMPORTANCIA DA LINGUAGEM NO CANDOMBLE ANGOLA-BANTU - DIFERENCIAÇÃO

Segundo tata Nkassuté a expressão “turimba” é utilizada para


identificar quando alguém canta numa mistura de português com
alguma língua africana ritual (yorubá ou bantu).

O fato de que numerosos grupos, que se consideram


atualmente como grupos étnicos, não tinham
nenhuma consciência da sua identidade comum há
apenas um século atesta que a continuidade com o
passado é sempre estabelecida por processos
criativos, como Hobsbawm & Ranger (1983)
mostraram-no a propósito da “invenção das
tradições”. Que uma identidade étnica seja sempre de
um certo modo criada ou inventada, não implica por
isso que seja inautêntica ou que os atores que a
reivindicam possam ser taxados de má-fé. (BARTH,
1998, p.165) pag 5

FILIAÇÃO COM A BAHIA IGUAL KETU

Talvez os pais e mães-de-santo da Bahia

não vejam como um problema repassar os

ensinamentos como aprenderam, mesmo que estes

contenham uma mistura de línguas e rituais de

outras nações e até mesmo de outras religiões, “pois

foi assim que nos foi passado”, dizem os mais

antigos. Neste sentido, manter a tradição também

significa não fomentar “purismos” de separação

entre as nações, não vendo problema em chamar

nkisi de orixá, e em cantar em turimba, como

ressaltou tata Nkassuté, entre outras assimilações. Pag 5

ler ethnic boundary de Barth

Neste

sentido a definição de tradição pensada por Vansina

(1982) parece ser uma das mais completas e a que

está mais próxima de nossa discussão, pois autor diz

que: “A tradição pode ser definida, como um

testemunho transmitido verbalmente de uma

geração para outra [...] As tradições requerem um

retorno contínuo à fonte”. (VANSINA, p.157,

1982).

Pelas nossas entrevistas, percebemos que


os pais-de-santo mais novos já não acham mais
necessário recorrer apenas aos mais velhos dentro
da religião, mesmo porque estes, geralmente, têm se
posicionado ceticamente em relação ao movimento,
principalmente os terreiros baianos7. Sobre a
resistência dessas casas, tata Nkassuté, que é ligado
ao terreiro do Tumba Junçara liderado por mametu
Messoegi, diz:
Aí o que é que eu fiz, dei andamento a tudo isso e fui
mudar a minha casa matriz. Por que eu fui mudar a
minha casa matriz? Porque eu tinha que fazer uma
política lá. Porque se uma casa de angola é a primeira
do Brasil e [as pessoas que estão lá] falam que é filho
de Ogum, ela não é de angola. E se você for lá hoje,
tem aula de kimbundu lá dentro.
Ainda sobre este assunto, tata Katuvanjesi PAG 6

Um ponto importante nesta questão do

resgate dos ensinamentos é que a noção de

sincretismo sofrerá aí uma reformulação. Ferretti

(1995), em estudo realizado na Casa das Minas, no

Maranhão, vai trabalhar com várias noções de

sincretismo:

paralelismo,

justaposição,

adição,

alternância, fusão, convergência. Canevacci (1996)

trabalhará a noção de sincretismo como sinônimo

de justaposição, mas numa perspectiva mais

cultural. PAG 7

Como diz Teixeira


(1999, p. 131)
Assim, tradições (sejam elas religiosas ou não) devem
ser consideradas como algo inventado, isto é, como
um conjunto de práticas atualizadas em função de
uma continuidade do passado [...] comportando
também adaptações no intuito de conservar alguns
costumes ou complexos simbólicos em condições
novas. TEIXEIRA, M.L.L. Candomblé e reinvenção de tradições.
CAROSO, C.; BACELAR, J. (org.) Faces da
tradição afro-brasileira: religiosidade, sincretismo,
anti-sincretismo, reafricanização, práticas
terapêuticas, etnobotânica e comida. São Paulo:
Pallas/CEAO/CNPq, 1999

VOLTA A BAHIA PARA LEVAR TRADIÇÃO BANTU

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