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A corrupção da linguagem

Até o ano de 2012, quando concluí o ensino médio, política era o tipo de assunto pelo qual a
maioria dos jovens jamais se interessariam, não me recordo sequer de um único episódio em que
meus amigos e eu tivéssemos discutido alguma questão político-social. Não sei exatamente quando,
mas em algum momento, como se uma chave tivesse sido virada, todos estavam falando de assuntos
políticos: aborto, casamento gay, quotas raciais, desarmamento civil, a liberação das drogas e o
controle estatal da conduta religiosa.

Não seria demais dizer que quando me lembro de acontecimentos anteriores a essa “virada de
chave”, as memórias que encontro na caixa de recordações me parecem muito mais alegres que as
atuais, mas o fato é que o mundo mudou, hoje tudo está politizado, no trabalho, na igreja, na escola,
no grupo da família, as questões sociopolíticas parecem nos perseguir em todos os ambientes
sociais.

Num mundo de tantas tensões, às vezes o que queríamos era simplesmente sentar e tomar um café
com os colegas ou a família e falar amenidades, nada que suscitou o acirramento dos ânimos ou
reações apaixonadas. Mas, quando penso nisso, sinto que é um desejo cada vez mais distante. É
como se tivesse sido dado um start, que não aceita pause nem voltar atrás, nasceu uma geração de
militantes, e uma era em que pautas políticas são forçadas em todo ambiente, este é um fenômeno
que começou e parece que ninguém consegue pará-lo.

Parece-me que o vazio existencial da nossa geração tornou-se tão gritante que a defesa de
determinadas pautas se fizeram um par perfeito para nossa juventude desejosa de encontrar algum
elemento de identificação ao mesmo tempo em que possa sinalizar possuir alguma virtude no
mundo. O filho desse relacionamento mais desastroso que amoroso é assistirmos milhares de
absurdidades todos os dias.

Certo dia uma colega contou, com ares de orgulho, que sua mãe havia ficado com raiva dela, isso
porque enquanto assistiam juntas a novela Malhação sua genitora soltou um elogio a uma atriz nos
seguintes termos “que menina negra linda!” e nossa companheira prontamente a repreendeu pelo
ato racista, isso mesmo, racismo! Segundo ela nos explicou, se fosse uma menina branca o alvo da
exaltação da beleza, sua mãe jamais diria “que menina branca linda”, logo a referência a cor da pele
da garota não poderia ser outra coisa senão fruto de racismo. Em sua visão o correto seria dizer
apenas “que menina linda”.

Não pude deixar de encarar com perplexidade o fato dela não compreender o motivo da chateação
da mãe, nem consegui deixar de falar que sua mãe tinha toda a razão, afinal de contas ela só queria
elogiar a beleza que admirou na garota e provavelmente apenas mencionou uma característica
diferencial dessa beleza, assim como dizemos “olha que careca bonito”, não que ser careca seja
mais importante, mas se trata apenas de um traço distintivo. Daí de um inocente e sincero elogio a
ser acusada de ser racista é um trajeto tão grande que parece óbvio sentir-se ofendido.

Falando em sentimentos, disse que se fosse a mãe dela eu também sentiria-me chateado, pois faltou
boa vontade de interpretá-la. Tive a impressão que depois das minhas palavras a interlocutora não
ficou satisfeita, nem demonstrou o mesmo ímpeto de quando iniciou o relato, é como se ela tivesse
a expectativa de receber alguma espécie de apoio e reconhecimento por ter contendido contra aquilo
que na sua concepção era um mal a ser combatido, porém, não eu via nem a maldade anunciada,
nem a utilidade da intriga, sem falar que considerei um tanto desrespeitoso o modo como ela falou
com a própria mãe.
O interessante é que cenas como esta tornaram-se cada vez mais frequentes. Qual era o cerne da
questão nesse caso? Foi assistindo uma aula do professor Rodrigo Gurgel que comecei a
compreender melhor a celeuma: as palavras não comunicavam mais, pois o que significava
preconceito para uma não expressava o mesmo significado para outra, é como se a palavra houvesse
se esvaziado de sentido e cada um pudesse preenchê-la como quisesse com suas impressões e
sentimentos sem qualquer ligação com a realidade objetiva.

A linguagem foi sequestrada pela ideologia, aliás esse era o título da palestra do mestre Rodrigo
Gurgel “Como as ideologias sequestram a linguagem?”. Na aula, o professor ensinava que quando
a linguagem é capturada pela ideologia isso corrompe e destrói nossa capacidade de olhar a
realidade como ela de fato é e condena as pessoas a viverem alienadas num mundo de ilusão. Isso
acontece porque a ideologia filtra a forma como nós entendemos a realidade e condicionam os
nossos pensamentos e julgamentos.

Em outras palavras a ideologia da filha a condicionou a interpretar qualquer menção a cor da pele
ou a alguma característica ligada a um grupo minoritário específico como uma expressão de
preconceito. Mas, acontece que preconceito não é isso. O que é preconceito? Ora, segundo a
maioria dos dicionários, por definição, considera-se preconceituosa qualquer opinião ou sentimento
concebidos sem exame crítico e/ou sentimento hostil, assumido em consequência da generalização
apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio ou mesmo intolerância propriamente
dita.

Como podemos perceber é impossível encaixar o comportamento da mãe na definição real de


preconceito. Ela não emitiu uma opinião sem exame crítico, pelo contrário, deve ter analisado bem,
talvez tenha considerado o rosto da jovem harmônico e proporcional ou notado os traços ordenados
para chegar a conclusão: a garota negra é bonita! Por outro lado, de tudo que foi narrado, não se tem
sequer um mísero elemento para se cogitar que havia qualquer sentimento hostil, generalização
apressada ou intolerância no elogio formulado.

Veja como é sério o problema dessa questão, se a palavra não tem um significado definido ela
obedecerá a vontade repentina ou caprichos de cada um, isso é linguagem ideológica. Se pensarmos
em termos jurídicos a consequência da corrupção da linguagem pela ideologia é a possibilidade de
se enquadrar como crime meras impressões ou sentimentos. A lei 7.716/1989, por exemplo, diz o
seguinte: “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, mas quem define o que
significa preconceito ou discriminação não é a lei, mas a linguagem e se, porventura, ela foi
corrompida pela ideologia, a segurança jurídica derrete como cera ao sol do meio-dia, pois, caso
julgado por uma pessoa ideologizada, os mais despretensiosos atos podem ser considerados
criminosos.

Quem dera parasse por aí, essa não é a única forma de destruir a realidade por meio da linguagem.
O professor Gurgel ainda menciona outro meio que conhecemos bem, são os chamados “jargões
intelectuais” aquelas frases difíceis que tem aparência de complexidade, geralmente exclusivos de
certos grupinhos, sendo que, se você não pertence ao grupo, não entende direito o que eles querem
dizer. No ambiente universitário isso é muito comum e de forma muito submissa os alunos
costumam incorporar esses jargões, como se eles refletissem a realidade, mas quase sempre o jargão
não expressa a realidade e não passa de pedantismo.

O problema desses jargões é que todos passam a usar conceitos que parecem ser verdadeiros, mas
que na verdade são apenas lugares comum que todos repetem, entretanto, perderam o valor
específico e nos levam a ver apenas o que a ideologia quer que a gente veja. O uso desse discurso
ideológico irrefletido com o tempo faz que percamos o contato com a realidade ou nos faz vê-la de
uma forma distorcida. Essa linguagem corrompida pela ideologia é difundida pela propaganda, pela
mídia, pelas universidades e assim corrompe a realidade.

Karl Marx escreveu um poema sobre Hegel em que dizia “Palavras eu ensino todas misturadas em
uma confusão demoníaca. Assim, qualquer um pode pensar exatamente o que quiser pensar", nesta
sentença o ideólogo do socialismo marxista deu o perfeito conceito da corrupção da linguagem pela
ideologia: uma confusão demoníaca em que cada um pode pensar o que quiser.

Para Eric Voegelin, desenvolvedor do conceito de “corrupção da linguagem”, usar palavras


desvinculadas da realidade é fazer trapaça intelectual. E a trapaça, claro, resulta em mentira –
mentira constante. E é só por meio da mentira constante que a linguagem ideológica se mantém.
Além disso, esse tipo de linguagem exerce uma espécie de fascínio, pois tem aparência de
complexidade e erudição, porém, simplesmente não fazem sentido.

Nesse sentido, os jargões intelectuais se degeneram e se popularizam, passando a serem repetidos


sem reflexão crítica pelas massas. Por exemplo, chamar alguém de fascista, racista, misógino,
homofóbico, negacionista ou antidemocrático é um chavão resultado de uma linguagem
ideologizada que aparenta expressar a realidade, mas não o faz. Isso porque, apesar de cada palavra
possuir um significado específico, no debate público elas tem sido utilizadas como mero rótulo para
tachar e depreciar adversários políticos, abandonando, assim, seus significados originais para
significar apenas “não concordo com o que você está dizendo, você está errado”, sendo que a sua
repetição tem sobre o indivíduo o efeito de distorcer sua percepção da realidade, tornando-o
alienado ao mundo real e concreto.

De todas as classes falantes, sem dúvida a mídia se destaca em distorcer a linguagem criando
narrativas para que as palavras signifiquem o que a ideologia quer que signifique e não o que de
fato elas descrevem. Recordo-me de um episódio interessante ocorrido no reality Big Brother Brasil
na edição do ano de 2021 quando uma participante negra chamada Lumena Aleluia fez a seguinte
declaração depreciativa sobre a atriz branca Carla Diaz “não gosto dessa coisa sem melanina,
desbotada” e acrescentou que a participante estava “cagada na merda da branquitude” fazendo
evidente referência a cor de Carla.

Qualquer um sabe que o ato racista consiste em preconceito, discriminação ou antagonismo por
parte de um indivíduo, comunidade ou instituição contra uma pessoa ou pessoas pelo fato de
pertencer a um determinado grupo racial ou étnico, é o que consta nos dicionários. Quando as frases
de Lumena Aleluia, que, diga-se de passagem, era alinhada à ideologia de grande parte do
jornalismo militante, passaram a ganhar uma repercussão negativa vários veículos de imprensa
caridosamente fabricaram diversas matérias para isentar a participante por suas falas
preconceituosas.

No dia 22 de fevereiro de 2021 a Folha de São Paulo publicou uma matéria com a seguinte
manchete “BBB 21: Por que não se pode falar que Lumena está sendo racista contra Carla Diaz”,
o objetivo da reportagem era anistiar Lumena, mas a grande questão era como? Mais uma vez, a
ideologia sequestrou a linguagem para servir aos próprios propósitos. Transcrevo aqui parte do
malabarismo retórico criado para distorcer a realidade, dizia a reportagem: “[…] o crime de
racismo não se refere a todo e qualquer gesto de preconceito racial […] Falar que racismo
independe de raça desconsidera que houve 300 anos de escravidão no Brasil e que, historicamente,
brancos nunca foram discriminados, defende o advogado “O racismo tem, sim, cor e destinatários
certos”.
Antes de analisar o contorcionismo retórico acima lhe convido a refletir: por que somos contra o
racismo? Justamente porque não é justo que uma pessoa seja julgada não por seu caráter ou suas
atitudes, mas por sua cor. Aliás, esse era o sonho do maior símbolo da luta contra o racismo, o
pastor evangélico Martin Luther King que declarou “Eu tenho um sonho de que um dia meus
quatro filhos vivam em uma nação onde não sejam julgados pela cor de sua pele, mas pelo seu
caráter”. Mas, foi precisamente isso que a participante havia feito, levado ao menoscabo uma
pessoa não com fundamento em uma atitude concreta, mas simplesmente por causa da sua cor de
pele.

Pois bem, perceba que o sentido da palavra racismo é autoevidente, porém, para servir ao propósito
ideológico de defesa de uma correligionária o termo se descola do seu significado original para
significar o que os donos da narrativa bem entenderem. Para estes veículos da imprensa nacional
não basta descriminar alguém com base em seu grupo étnico ou raça como o significado da palavra
exige, é necessário que essa pessoa discriminada faça parte de um grupo historicamente oprimido,
logo um negro pode discriminar um branco, pois, algum dia, seus ancestrais, que jamais conheceu,
foram inferiorizados durante o período da escravidão, porém, um branco não pode cometer a mesma
atitude em relação a um negro sob pena das severas punições da lei.

Esquecem-se da lição do escritor e economista Thomas Sowell, que é negro: “Negros não foram
escravizados porque eram negros, mas porque estavam disponíveis. A escravidão existiu no mundo
a milhares de anos. Brancos escravizaram outros brancos na Europa durantes séculos antes do
primeiro negro ter sido levado ao Ocidente. Asiáticos escravizaram europeus. Asiáticos
escravizaram outros asiáticos. Africanos escravizaram outros africanos. E, ainda hoje, no norte da
África, negros continuam a escravizar negros”. Nenhuma raça tem o monopólio do sofrimento,
brancos, negros e asiáticos já foram oprimidos ao longo da história.

Os indivíduos que já viveram as agruras do preconceito e do racismo deveriam ser justamente os


sujeitos a desejarem que ninguém jamais passe pelo que passaram. Martir Luther King tinha como
combustível o amor e buscava alcançar a paz, por isso dizia “Eu tenho um sonho que um dia, nas
montanhas rubras da Geórgia, os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes
de donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade”.Infelizmente o que era um
ideal de fraternidade, para muitos, degringolou-se em ódio, vingança e revanchismo onde o
oprimido deseja ser o opressor.

Para uma mente sã: nada mais incoerente. Mas, para os ideologizados esse absurdo é considerado a
mais lídima justiça. Ninguém deveria discriminar ninguém, independentemente a que classe
pertença, pois não se trata de um coletivo sem rosto, mas de seres humanos, indivíduos reais com
família, sentimentos e dignidade. Permitir que determinados cidadãos possam cometer violência
contra outros sob a justificativa de cobrança duma dívida histórica é legitimar que os filhos sejam
castigados pelos pecados dos pais. Cabe relembrar as palavras inscritas no livro do profeta Ezequiel
“[…] o filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai levará a iniquidade do filho. A justiça do
justo ficará sobre ele e a impiedade do ímpio cairá sobre ele” (Ez 18:20). Em outras palavras,
Carla Diaz de nada tem culpa.

O comportamento reiterado da ideologia de sequestrar o significado das palavras distorce a


realidade e fomenta comportamentos. Prova disso é que tempos mais tarde a Folha de São Paulo
publicou um artigo do antropólogo baiano Antonio Risério com a consequência natural da
deturpação do que de fato é o racismo, estampou-se a manchete com o título “Racismo de negros
contra brancos ganha força com identitarismo”. Não poderia ser diferente, dizer que racismo de
negros contra brancos não é racismo, só poderia fomentá-lo. Como bem disse William Douglas
“Não é que não exista racismo reverso porque minorias não possam ser racistas: não existe
racismo reverso porque todo e qualquer racismo é racismo!”
Ao deturpar o sentido da linguagem, a ideologia não consegue apenas comprometer a percepção da
realidade, mas a própria noção de justiça, do certo e do errado. O que se segue é a multiplicação de
absurdidades e injustiças. Quando a ideologia conquista força suficiente ela passa a alterar o sentido
da linguagem não apenas informalmente, mas pelos meios formais, modificando as significações
nos livros didáticos, dicionários, enciclopédias e sites de pesquisas. Por exemplo, por muito tempo o
significado de machismo era “a qualidade, ação ou modos de macho”, sinônimo de macheza
sinalizando a virilidade típica do masculino, o que até então era visto como uma virtude. Porém,
com o advento da hegemonia feminista e a demonização do másculo como algo opressor a palavra
tomou um aspecto pejorativo a ponto de passar a constar em muitos dicionários a seguinte definição
totalmente estranha ao seu significado original “o comportamento que rejeita a igualdade de
condições sociais e direitos entre homens e mulheres”.

Contudo, a nova definição permite que qualquer um pense o que quiser, é nesse sentido que a
linguagem é aviltada e empobrecida pela ideologia. Para ilustrar, lembro-me de ficar surpreso com a
conclusão de um homem feminista, numa conversa informal, daquelas de quando os parentes se
reúnem em casa, quando lhe respondi as seguintes perguntas. Ele me indagou: quando você anda
com uma mulher na calçada você fica do lado da rua ou dos prédios? Pensei um pouco e percebi
que sempre andava do lado da rua. Depois questionou se eu puxava a cadeira para uma mulher
sentar ou lhe abria a porta do carro. Pensei novamente e respondi que sim.

Em seguida ele me perguntou o porquê deu agir dessa maneira. Até aquele momento eu fazia isso
de forma tão automática que nunca havia refletido sobre o assunto. Respondi inocentemente que a
razão era que a mulher era mais frágil, se um acidente acontecesse numa avenida estando eu do lado
da rua poderia lhe proteger com o meu corpo, porém, em relação a puxar a cadeira e abrir a porta do
carro eu não sabia dar resposta, não havia pensado o suficiente sobre o fato. Ingenuamente pensava
que havia dado as respostas corretas, pois minhas intenções eram as melhores, porém, o veredito foi
muito diferente do que eu imaginava. Ele encheu o peito e descarrilhou um “tá vendo como você é
machista, você faz isso porque considera a mulher inferior”, por alguns instantes de segundo fiquei
perplexo pela descoberta “meu Deus eu sou machista!”.

Contudo, passado o susto tive a ousadia de pensar calmamente sobre o assunto e refletir se
realmente eu era aquilo que tinha sido acusado de ser e, em caso positivo, quais as razões para eu
me comportar assim. Empenhei-me sinceramente nisso e perscrutando o mais profundo dos meus
pensamentos, sentimentos e intenções percebi que eu apenas tinha sido arrebatado de surpresa por
uma narrativa que parecia descrever a realidade, mas era falsa. Percebi que, apesar da minha
resposta espontânea, colocar-me à frente de uma mulher em uma situação de perigo não era uma
opção consciente que eu fazia, mas uma espécie de instinto ou obrigação moral que me arrastava a
fazer aquilo por ser homem. À medida que fui pensando sobre o assunto lembrei-me de situações
em que mesmo quando criança e sendo fisicamente mais frágil que algumas mulheres adultas
coloquei-me, apesar do medo, a frente de algum perigo.

Recordo que certa vez estávamos em alguma chácara e um cachorro avançou na direção em que
estava eu e minha mãe, não tenho dúvidas de que naquela época meu corpo era mais frágil que o
dela, porém, tinha a sensação de que cabia a mim o dever de protegê-la, e embora fosse uma
criatura medrosa e covarde, coloquei-me a frente obrigado por esse sentimento. Rememorei também
as histórias que minha mãe contava de uma época em que haviam índios na região entre Tocantins e
Goiás que paravam os ônibus nas estradas e roubavam os passageiros, contava ela que eu era muito
pequeno, os índios pararam o ônibus e entraram aterrorizando todos e tomando seus pertences, além
desse, nenhum mal nos fizeram, mas após sua saída minha mãe chorou copiosamente e eu lhe disse
“não precisa chorar mãe, quando eu crescer eu vou bater neles”.
Existem dezenas de outras situações com outras figuras femininas em que agi movido por esse
empuxo que creio ser um instituto natural do homem, isso porque conhecendo-me sei que aquelas
reações de proteção não faziam parte da minha personalidade, mas da natureza masculina,
sobretudo, por ter lembranças de ser uma criança bastante medrosa, além disso, hoje mesmo posso
observar outras crianças e percebo que os meninos, em geral, parecem ficar mais motivados a
enfrentar perigos diante de uma presença feminina o que me leva a crer que isso é algo natural ao
homem. Por todas essas digressões cheguei a conclusão de que meu interlocutor estava equivocado,
havia em mim mais uma reação instintiva do que uma consideração de inferioridade feminina e
ainda que houvesse dito que a razão era a fragilidade desta, não encarava isso como um demérito.

Em relação a abrir a porta do carro para uma mulher ou puxar-lhe a cadeira para sentar não se
tratava de achar que ela era incapaz de fazê-lo, mas sim resultado de uma construção típica do ser
humano, que transforma gestos em simbologias, sinais e manifestações de sentimentos, assim como
certas sociedades transformaram o gesto de mostrar o dedo do meio da mão numa ofensa, puxar a
cadeira ou abrir a porta tornou-se um símbolo de gentileza e cortesia devido a uma mulher, coisa
que havia apreendido também instintivamente no anseio de manifestar esses modos que chamamos
de “cavalheirismo”. Ao analisar cada uma das atitudes julguei a mim mesmo e me absolvi, mas
restava a dúvida: Por que meu semelhante me condenara? Por que via tanta maldade naquilo que eu
cria ser bom?

Compreendi que meu interlocutor não era uma pessoa comum, pelo menos, as pessoas comuns que
conheço não problematizam coisas triviais crendo que por trás delas sempre existe alguma crença
ou preconceito maligno que devem ser extirpados, as pessoas comuns que conheço parecem menos
paranoicas e costumam estar dispostas a interpretar as intenções de cada pessoa com maior
benevolência mesmo quando elas são expressas de maneira grosseira.

Mas isso não ocorre com uma pessoa ideologizada, a exaustiva repetição da narrativa feminista de
que a mulher foi por séculos subjugada por uma sociedade patriarcal que criou uma estrutura
machista que oprime e silencia as mulheres havia destruído a capacidade daquele rapaz de enxergar
a realidade como de fato ela é, condenando-o a viver alienado no mundo da ilusão. A luta de classes
entre homem e mulher, opressor e oprimido, havia se tornado o filtro pelo qual ele entendia a
realidade e condicionou os seus pensamentos e julgamentos de tal modo que se os fatos não se
encaixassem na sua teoria, os fatos estariam errados e não a teoria, logo ele não poderia estar
equivocado, eu era machista.

Antes que tudo isso acontecesse o que pavimentou o caminho para essa desconexão com a realidade
foi o sequestro da linguagem pela ideologia. Primeiro ela desfigurou o sentido original da palavra,
de modo que na nova concepção do termo, a referida rejeição de igualdade de condições e direitos
entre homens e mulheres, não depende da realidade concreta, mas das impressões pessoais de cada
um, de modo que os mesmos gestos que para mim representavam gentileza e proteção para o rapaz
feminista expressava o mais abjeto machismo.

Como é curiosa essa definição! O que seria rejeitar condições de igualdade? Considera-se igualdade
a ausência de diferenças, porém, homens e mulheres são distintos por natureza, razão pela qual são
tratados de forma diferenciada. Essa, na verdade, é a primeira e principal tese do movimento
feminista: existem muitas desigualdades entre homens e mulheres, disso não discordo. A mentira
está contida na segunda principal tese, a de que essa desigualdade é sempre desfavorável à mulher o
que torna sua vida um suplício, não é bem assim.

O historiador militar israelense Martin Van Creveld no livro “Sexo Privilegiado: o fim do mito da
fragilidade feminina” realizou uma sólida pesquisa em que percorreu períodos históricos que vão
dos gregos aos nazistas tendo concluído que, embora os homens em diversas épocas tenham tido
direitos que eram negados às mulheres, foram as mulheres, e não os homens, a gozar privilégios ao
longo da história. Obras mais acessíveis como “Feminismo: Perversão e Subversão” da catarinense
Ana Caroline Campagnolo desmontam a narrativa de que a vida mulher é terrível, a vida de homens
e mulheres sempre foram difíceis e ambos lutaram juntos pela sobrevivência ao longo da história da
humanidade, entretanto, o que corresponde a realidade, e, portanto, é o mais correto a se dizer é que
homens e mulheres sofreram e sofrem, foram e são privilegiados, contudo, de formas distintas, em
áreas diferentes.

No Brasil as mulheres possuem direito a votar sem a obrigatoriedade de prestar serviço militar ao
mesmo tempo que gozam de aposentadoria antecipada. É possível que surja algum movimento
defendendo serviço militar feminino obrigatório, bem como que as mulheres trabalhem a mesma
quantidade de anos que os homens para se aposentarem. De certo modo, isso seria exigir condições
iguais de direitos e deveres. Imagine que um movimento de homens não concordem com as novas
mudanças e defendam a manutenção dos benefícios dados as mulheres. Estariam eles rejeitando
condições iguais de direito e deveres? De certa maneira sim. Seriam classificados como machistas?
Pela lógica do conceito ideológico sim, mas esta conclusão seria absurda, pois isso seria buscar
benefícios às mulheres o que é exatamente o oposto ao que o “machismo” deveria fazer. É
justamente isso que ocorre quando a linguagem passa a prestar serviço à ideologia: absurdidades.

A igualdade é um conceito relativo, Aristóteles preconizou que igualdade é “tratar igualmente os


iguais e desigualmente os desiguais, na medida das suas desigualdades”, o que exigiria a análise
caso a caso e um juízo comparativo de acordo com as circunstâncias. Vincular o conceito de
machismo à rejeição das condições de igualdade é, portanto, uma definição subjetiva, vaga,
nebulosa e que dependerá do julgador, de modo que para cada cabeça haverá uma sentença
diferente, não há consenso, nem parâmetros seguros.

Certa vez, na Subseção Judiciária de Araguaína, numa ação de aposentadoria rural o magistrado
julgou a ação improcedente e na fundamentação da sentença mencionou que não era crível que a
autora da ação, obviamente idosa, exercesse o labor rural sozinha sem ajuda de terceiros. A
requerente recorreu da sentença, e no julgamento do recurso a turma recursal acusou o juiz a quo de
machismo. No processo, não havia início de prova material suficiente para comprovar o exercício
de atividade rurícula, mas o termo ideologizado “machismo” deu ensejo a reforma da decisão. Até
que ponto um termo extremamente vago e impreciso pode ser utilizado para julgar uma ação
procedente ou improcedente ou para condenar ou absolver alguém? A recepção do vocabulário
ideológico pelo direito o contamina e o coloca sob perigo de servir a um projeto de poder político
com o qual os jurisdicionados não corroboram, além da ameaça de se produzir injustiça.

Em verdade, já existe palavra para descrever o que a ideologia quer classificar como machismo,
chama-se sexismo a atitude de “discriminação fundamentada no sexo”. Contudo, ao que parece há
interesse em demonizar as características de virilidade e masculinidade razão pela qual a ideologia
opta pela distorção do termo machismo, vinculado ao radical “macho” a fim controlar a percepção
social do termo impingindo-lhe uma conotação negativa. A importância dos símbolos na linguagem
é tão significativa que a medida que o discurso vincula a macheza ao machismo nota-se cada vez
mais um decréscimo social das características tipicamente masculinas, ou seja, menos homens
desejando parecer-se com um “macho”, assim, uma vez que ser “macho” é ruim, assiste-se uma
feminilização exacerbada dos homens, as consequências disso ainda estão sendo documentadas e só
saberemos seus resultados no futuro, porém, sou tendente a pensar que serão danosas.

Ao assim agir a ideologia domina a coletividade enquadrando e ensinando seus adeptos a enquadrar
a quem melhor lhe servir aos propósitos nas terminologias que intencionalmente deturpou como
instrumento de intimidação e domínio, com a finalidade de controlar as percepções dos indivíduos,
isto é, manipulam a língua para gerar a percepção negativa ou positiva do que quiserem. Mas, a
verdade é que estas palavras nada mais significam e em vez de servirem a linguagem através da
descrição da realidade passam apenas a trabalhar em prol de um projeto de poder político que se
favorece da corrupção do discurso.

Como a corrupção do discurso pela ideologia conduz à alienação, os seus adeptos não são
emancipados, mas escravizados por uma visão única e impedidos de compreender a realidade
completa das coisas. Isso ocorre porque todos os processos cognitivos começam pela linguagem e
produzem o convencer da verdade. De acordo com São Tomas de Aquino a verdade é a
“adequação do intelecto às realidades observadas e apreendidas”, mas se tudo aquilo que um
indivíduo ouve, lê e vê é influenciado por um único olhar sobre a realidade ele jamais conhecerá a
verdade, sendo que apenas a verdade é capaz de nos libertar. Não é demais destacar que o controle
sobre a percepção dos indivíduos é algo que só interessa a ideologias totalitárias e são
invariavelmente uma ameaça a liberdade.

Quem controla a linguagem controla a mente, isso é perigoso. Por isso, precisamos entender a
linguagem e dominá-la. No Evangelho de João diz-se que “no princípio era o verbo e o verbo se
fez carne” a palavra verbo originalmente era “logos” vinculado as ideias de palavra, razão e
linguagem. Deus era a razão e se fez carne na humanidade de Jesus Cristo, filosoficamente, a
racionalidade, portanto, era indissociável da linguagem.

A professora de língua portuguesa Lara Brenner aponta que o grande problema do nosso tempo é
que incute-se na cabeça do aluno que ele é um ser crítico. Porém, a ordem natural das coisas é que
primeiro se conheça a realidade: o mundo, as ciências humanas, a linguagem, a biologia e etc para
só depois criticá-la. Só pode criticar a gramática quem antes a compreendeu. Quando se entrega
esse protagonismo nas mãos de um jovem ele começa a acreditar que deve ser um ser ativo, porém,
ele não tem repertório para tecer uma crítica porque ainda não percorreu o caminho do
conhecimento. Como não tem essa capacidade crítica desenvolvida o jovem facilmente encontrará
alguém para lhe dizer o que ele deve criticar, daí vê-se muitos serem induzidos a criticar o
patriarcado, o capitalismo, a família tradicional ou a religião.

Ensina-se, por exemplo, que o jovem deve se voltar contra o termo “denegrir”, pois seria uma
expressão racista relativa a tornar-se negro no sentido da cor da pele como algo ruim. Mas, nem
etimologicamente, tampouco construtivamente, jamais na história da humanidade utilizou-se esta
palavra nesse sentido. Daí o sentimento começa a se sobrepor a racionalidade na cabeça do jovem,
pois o sentimento de ser uma pessoa crítica é maravilhoso, o jovem sente-se um defensor duma
causa nobre, e isso também é fabuloso, some-se a isso que o indivíduo começa a receber validação
da comunidade por repetir esses jargões intelectuais, o que reforçará a emoção de recompensa e
pertencimento.

Uma polêmica etimológica dessa natureza ocorreu durante um programa da Jovem Pan, uma das
mais tradicionais rádios brasileiras, na ocasião discutia-se o uso da palavra “mulato”, para um dos
integrantes da bancada o termo deveria ser abolido, pois derivaria de “mula” o que ofenderia a
comunidade negra. O comentarista Caio Coppolla, por outro lado, contrapôs utilizando-se da
origem histórica da palavra que vem de “mulus” que significa híbrido, logo quando se fala de
mestiçagem entre o branco europeu e o negro já de longa data escritores utilizam a palavra mulato,
sendo a palavra muito anterior ao híbrido entre o cavalo e o jumento que se batizou como mula,
razão pela qual não existiriam motivos objetivos para ofensa.

O comentador arguiu o seguinte “as palavras ofendem quando elas carregam um significado, se
você ressignifica a palavra para uma pessoa ela pode começar a se sentir ofendida” e completou
“por exemplo, se repetimos a exaustão que denegrir vem em referência a pele negra, o que é uma
imprecisão, e que mulato vem de mula, que é outra imprecisão, se você fica martelando isso na
cabeça das pessoas você cria uma nova cultura a partir da qual a pessoa de sente ofendido, mas
isso é impreciso”.

Essa realidade é claramente percebida nesse processo de sequestro da linguagem, a intenção desse
ardil é precisamente a ressignificação de palavras para atingir um propósito ideológico, in casu a
fomentação do vitimismo estrutural que é precondicionar os indivíduos a enxergar preconceito em
toda parte e, não raras vezes, onde não tem. Não há nenhum problema em denunciar o preconceito
real, problema há quando, como se não bastasse os existentes, começa-se a considerar tudo como
agressão preconceituosa e tentar ditar o que pode ou não ser dito. É absurdo considerar que o mero
uso de uma palavra totalmente descolada de seu contexto original seja considerada racismo, esse
higienismo sobre a linguagem só pode conduzir a um estado de tirania e psicose.

O sentimento de ofensa por conta do uso de uma expressão ⁸que é manifestamente isenta de
conteúdo ofensivo é o que Coppolla nomeou de “sentir-se ofendido por procuração”, os indivíduos
não estão espontaneamente ofendendo-se, mas sim sendo instados a sentirem-se ofendidos em
virtude de um interesse de se estabelecer relações de opressões para que as pessoas se sintam
vitimizadas e, em seguida, o mesmo movimento que as convenceu de que são agredidas se
proponha a representá-las. Não estamos negando que essas pessoas sejam vítimas ou afirmando que
não são agredidas, mas denunciando que isso é irrelevante para o movimento ideológico, seu
interesse não é em solucionar a dor e o sofrimento, mas em utilizá-los como narrativa para
implementar um projeto de poder e quando os problemas reais não são suficientes é necessário
inflá-los artificialmente, insistindo, por exemplo, que determinados termos são racismo, quando a
etimologia diz que não são.

É preciso compreender que dizer que “mulato” não é uma expressão racista não é afirmar que não
há racismo. Todavia, É possível que ainda que o termo não seja objetivamente ofensivo as pessoas
se sintam ofendidas? Sim. Nesse ponto surge a grande questão, “se a realidade dos fatos (que
mulato não deriva de mula) ofende, a gente muda a realidade?”. A resposta é não, embora seja
precisamente o que a ideologia quer. Se um sujeito não possui o dolo de ofender e não há nada
objetivamente ofensivo no uso de uma expressão ele não deve se sujeitar ao capricho de outro que
infundadamente se ofendeu, pois abrir mão das palavras e seus significados reais é abrir mão da
descrição da realidade, quando fazemos essa concessão deixamos a realidade à mercê de
sentimentos irracionais.

Nos dizer que determinadas palavras são ofensivas, que machucam ou que não demonstram empatia
é um artifício apelativo às consciências que a maioria das pessoas cedem, pois que pessoa de bem
gostaria de ferir gratuitamente os sentimentos de outra? Realmente existem expressões que
machucam, mas aquelas que não possuem o dolo de ofender, por uma questão de bom convívio se
alguém sente-se especialmente ofendido por ela é lícito não a utilizarmos por gentileza, não por
obrigação, pois ninguém tem o direito de se ofender com o que não é ofensivo, muito menos com a
realidade. Porém, se existem interesses ideológicos em sequestrar a linguagem, estamos diante da
tentativa de sequestro da realidade, se você cede a tentação do outro ditar o que você pode ou não
dizer, isso significa que você já começou a perder a sua liberdade.

Luiz Felipe Pondé chama isso de “a ditadura dos ofendidos”, segundo o filósofo: “Logo criarão
uma lei que proibirá as mulheres de serem bonitas em nome da autoestima das feias e proibirão os
homens bem-sucedidos de terem carrões em defesa da dignidade de quem pega ônibus ou metrô.
Duvida? Basta um mentiroso inventar que isso é necessário para um convívio democrático”. Li
certa tirinha que brincava com isso, nela um adulto perguntava a uma criança: qual o segredo para
se ter tudo que quer? Ela respondia: sentir-me ofendido.
O escritor ateu Philip Pullman numa entrevista foi interpelado por um homem no auditório acerca
do título de seu livro O Bom Homem Jesus e o Cristo Canalha: “o título do seu livro me parece,
para um cristão, ofensivo, você chama o filho de Deus de canalha. É uma coisa horrível de se
dizer”. Em resposta Pullman afirmou: “Sim, foi uma coisa chocante de dizer, e eu sabia que era
algo chocante de dizer. Mas ninguém tem o direito de viver sem se chocar. Ninguém tem o direito
de passar a vida sem ser ofendido. Ninguém tem que ler esse livro. Ninguém tem que pegá-lo,
ninguém tem que abri-lo. E se você abre e lê, você não tem que gostar dele. E se você e não gosta,
você não precisa ficar em silêncio. Você pode escrever para mim, pode reclamar dele, pode
escrever para a editora, pode escrever para os jornais, pode escrever o seu próprio livro. Você
pode fazer todas essas coisas, mas aí o seu direito termina. Ninguém tem o direito de me impedir
de escrever esse livro. Ninguém tem o direito de impedir que seja publicado, ou comprado, ou
vendido, ou lido. Isso é tudo que eu tenho a dizer sobre o assunto”.

Você concorda ou discorda de Philip Pullman? Se concorda, deve aceitar que se a respeito daquilo
que é mais sagrado para um indivíduo, que é a fé e a religião, pode-se dizer coisas chocantes e
ofensivas, não se poderia exigir que fosse diferente com os demais assuntos. Acontece que tocar em
determinados assuntos que possam ser ofensivos aos movimentos ideológicos tornou-se um perigo
muito maior que profanar a santa imagem do filho de Deus, demonstrando que a ideologia tornou-se
a nova religião secular, mais digna de proteção e reverência que o Cristianismo, esta é a sociedade
em que vivemos.

Por último, cito talvez o termo mais deturpado pela ideologia, qual seja o conceito de “homofobia”.
Qual a significação precisa da palavra? A homofobia pode ser definida como uma aversão
irreprimível, repugnância, medo, ódio, preconceito que algumas pessoas nutrem contra os
homossexuais, lésbicas, bissexuais e transexuais (também conhecidos como grupos LGBT+),
embora existam alguns termos mais específicos como transfobia. É preciso destacar que as palavras
carregam um sentido em si mesmas, portanto, não podemos a nosso bel prazer querer que elas
signifiquem coisas diversas da realidade que elas descrevem. Entretanto, isso é precisamente o que
assistimos na atualidade no Brasil, embora o fenômeno não seja uma exclusividade tupiniquim.

Em outubro de 2021 o jogador de vôlei Maurício Souza usou suas redes sociais para criticar o fato
de que nova versão do super-homem seria bissexual. Na publicação via-se a notícia “Surperman
atual, filho de Clark Kent, assume ser bissexual”. Na legenda, Maurício ironizou a modificação
dizendo “A é só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar…” . O
comentário despertou o furor de parte da internet que o linchou virtualmente com uma enxurrada de
críticas, por outro lado, também suscitou muitas declarações de apoio.

A mudança na representação do personagem Super Man causou choque, isso porque por diversas
gerações Clark Kent simbolizou a força, virilidade e o heroísmo esperados do indivíduo masculino
e agora esse arquétipo de masculinidade desmoronava. Não é de hoje que personagens gays,
bissexuais ou não héteros marcam presença no universo dos quadrinhos e gozando, em geral, de boa
simpatia do público, cite-se Extraño, Estrela Polar, Wiccano, Hulking, o Homem de Gelo e
Arlequina.

Porém, o que mudou? Por que a ênfase nessas sexualidades que já encontravam representação nos
quadrinhos agora causariam desconfiança e desconforto? Ao que parece, a questão gira em torno da
politização da sexualidade como instrumento de implantação de um projeto político de poder. É
claro que a maior parte da população não possui reportório para articular isso através de um
discurso com dados e apontamentos, entretanto, intuitivamente, percebem que tais mudanças são
cercadas por intenções cujos motivos não são revelados abertamente.
Não há nada demais com a representação de personagens de sexualidades diversificadas, na
verdade, eles sempre existiram. Porém, houve drástica mudança na tônica em que estes são
representados e na ênfase da sexualidade do indivíduo, esse processo é encarado pela militância
LGBT+ como algo positivo e é conceituado como um avanço bem-sucedido da “desconstrução da
hétero normatividade” (termo advindo da Teoria Queer), segundo os adeptos desse conceito há uma
imposição de comportamentos heterossexuais desde a forma de se portar até aos hábitos sexuais
vista como fruto do impreciso e já mencionado termo “machismo”.

Esse posicionamento contraria o entendimento da maioria das sociedades ao longo da história da


humanidade, para esta linha de pensamento a heterossexualidade não é o padrão natural, mas sim
uma imposição opressora e má que, portanto, deve ser combatida. Um artigo da Universidade
Federal Fluminense (2015) que traz o título “Desconstruindo a Heternormatividade e a
Valorização da Diversidade em Favor da Liberdade”1 em seu resumo assume que:

Quando pensamos em desconstrução de heteronormatividade, pensamos


também na desconstrução do modelo paradigmático de uma ordem
biológica previamente estabelecida e também na desconstrução da ideia de
naturalidade da relação heterossexual e de “anormalidade” da relação
homossexual, visto que o sentido de “anormal” se encaixa no que está fora
da norma, logo, é necessário questionar essa norma. Também é necessário
ressaltar que vivemos em um modelo paradigmático heteronormativo que
conflita com uma questão natural, a diversidade humana, desse modo, o
presente artigo tem como objetivo mostrar esse conflito e uma alternativa
para superar os preconceitos legitimados por essa concepção de mundo e de
relações de gênero

Do trecho acima extrai-se algumas conclusões, a primeira é a insurreição contra a biologia humana
que estabelece a heterossexualidade uma vez que biologicamente os homens foram feitos para as
mulheres, o que pode ser notado pela complementariedade física e psicológica entre ambos os
sexos, pode-se concluir isto da passagem relativa a “desconstrução do modelo paradigmático de
uma ordem biológica previamente estabelecida”.

Segundo ativistas LGTB+ não se escolhe ser homossexual, é uma condição de nascimento. Embora,
esse ponto seja controverso e não haja notícia de qualquer pesquisa científica que pacifique essa
declaração, essa afirmação é aceita com facilidade por muitas pessoas. Supondo que fosse
verdadeira a afirmativa, seria correto dizer o mesmo acerca da heterossexualidade, logo, a maioria
hétero no mundo seria uma realidade natural. Partindo desse ponto, é difícil chegar a outra
conclusão se não a de que se insurgir contra a natureza, em última instância, é insurgir-se contra a
realidade, porém, apenas os loucos insurgem-se contra a realidade, em outras palavras, falar em
desconstrução de um modelo que é dado pela natureza é o mais alto nível de psicose racionalizada.

O próprio autor do artigo, não este que vos escreve, admite que a heterossexualidade é considerada
normal por ser entendida como natural, enquanto a homossexualidade é considerada um desvio
desse padrão, porém, em vez de apenas admitir a obviedade sem que dela decorra maiores
implicações ele pretende desconstruí-la ao declarar “é necessário questionar a norma” e prossegue:
“Também é necessário ressaltar que vivemos em um modelo paradigmático heteronormativo que
conflita com uma questão natural, a diversidade humana”. Nesse ponto, o autor passa de uma
pretensão que nega a realidade para uma contradição.

1 https://editorarealize.com.br/editora/anais/conages/2015/
TRABALHO_EV046_MD1_SA7_ID933_14042015164734.pdf
O escritor pretende desqualificar o modelo heteronormativo que é natural sob a justificativa de que
ela conflita com uma “questão natural” que é a diversidade humana. A mesma natureza que
estabelece a heterossexualidade através da biologia é, portanto, utilizada, simultaneamente, para
legitimar a homossexualidade e para repudiar a heterossexualidade. Mas, como isso é possível? Não
é. Além de contraditória, esta conclusão é ilógica e anticientífica, uma vez que o reconhecimento de
um padrão natural não enseja a desconsideração da diversidade, além do mais é a própria natureza
que também a impõe.

Do que se viu até aqui, há um claro intento de questionar a heterossexualidade como modelo social
e propor um novo modelo, o LGTQ+, sob o argumento de superar preconceitos e conferir
reconhecimento à diversidade de gêneros. Isto justificaria o fato de que em vez de criar personagens
não-héteros prefere-se transformar os personagens tradicionalmente héteros em homossexuais,
bissexuais e etc, pois a intenção não é meramente incluir personagens com sexualidades
diversificadas, pois, como já demonstrado, estes já existiam, porém, não com o protagonismo
necessário, nesse sentido, intenciona-se substituir a sexualidade dita normativa que é a
heterossexual por outras sexualidades. Desse modo, a pretensão não é de inclusão, mas exclusão
através do desgaste paulatino do modelo vigente até que o mundo seja predominantemente qualquer
coisa, menos hétero.

Se isso é possível não sei dizer, mas as pessoas que aderem as estas ideias estão certas de que isso é
bom. Pelo que já percorremos até aqui, pode-se notar que o artigo dissecado é mais ideológico que
científico. Toda esta digressão foi realizada a fim de reforçar um ponto: existe um motivo real e
concreto para essa “guinada sexual” nos quadrinhos, o que é demonstrado pela existência de teorias
como a mencionada que sugerem o exato processo de mudança que está ocorrendo. Assim como,
também não está errada a percepção das pessoas no sentido de que há interesses não explicitados ao
público em geral por trás dessas transformações.

Após esse retrospecto, arrisco dizer que, embora o jogado Maurício, não pudesse ter claro todo esse
panorama, como a maioria da população brasileira não tem, ele, certamente, estava incomodado por
este sentimento de que algo estranho acontecia, razão pela qual teria formulado a mencionada
crítica em sua rede social. Nesse contexto, a acusação principal que se fez contra ele foi a de que
seu comentário era homofóbico. Por outro lado, se fazemos o cotejo da frase “A é só um desenho,
não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar…” com o conceito de homofobia, não
é possível encontrar vestígios concretos de aversão irreprimível, repugnância, medo, ódio ou
preconceito nutrido contra a população de homossexuais, lésbicas, bissexuais e transexuais.

O questionamento do jogador tinha mais cunho de crítica ideológica que interesse pela sexualidade
dos personagens. Por detrás da publicação havia uma denúncia de quem percebia o desenrolar de
um plano de engenharia social fomentado por teorias desconhecidas do grande público. Maurício
Souza foi linchado virtualmente com o apoio do jornalismo militante, enquanto outro setor da
militância pressionava as empresas patrocinadoras do Minas Tênis Clube para que o demitissem,
apesar dos esforços do treinador e dos colegas de mantê-lo no time, e mesmo após um pedido
público de desculpas, nada foi capaz de parar o tribunal da inquisição da internet.

No caso em tela em nenhum momento qualquer veículo de informação questionou ou debateu o


significado de homofobia ou mencionou o que é ou deixar de ser homofóbico, apesar dessa
discussão ser extremamente necessária para clarear os limites e mesmo educar a sociedade. Por quê
o debate da adequação do termo ao caso concreto nunca ocorre? Porque é precisamente da
imprecisão que a linguagem ideológica se alimenta para deturpar a realidade e controlar a percepção
da sociedade conforme melhor convier aos propósitos do momento. No fim das contas, não se trata
do que se fala, pois os termos são tão imprecisos que pode uma infinidade de declarações das mais
diversas personalidades igualmente se adequar a eles, resta saber, portanto, quem falou? Se o
indivíduo é um sujeito que não se subordina ao discurso dominante ou só o questiona, como
demonstra o caso apresentado, ele será vítima do sistema de aniquilamento das ideias divergentes.

Alguns alegarão que toda forma de preconceito deve ser combatida, inclusive o velado, e que
pessoas preconceituosas devam ser execradas. Nesse ponto, é preciso fazer a distinção de
preconceito e discriminação, termos que, embora utilizados frequentemente como sinônimos, não se
confundem. Preconceito é um conceito preestabelecido, um elemento interno que pode ou não ser
expresso, enquanto que a discriminação é a exteriorização do preconceito manifesta pelo tratamento
pior ou injusto dado a alguém por causa de características pessoais, manifestando-se através de
palavras e atitudes. Fazendo um paralelo com o percurso do crime o preconceito está para cogitação
enquanto a discriminação está para a execução e como bem sabem os conhecedores do direito
penal, a mera cogitação de um crime não é punível.

Além disso, falta sinceridade para falar sobre o assunto, o preconceito é inerente ao ser humano e
todo indivíduo é em menor ou maior grau um tanto preconceituoso. Mesmo as classes
discriminadas discriminam-se entre si, parte da comunidade gay, por exemplo, tem ojeriza aos
homossexuais cheios de trejeitos, afeminados ou espalhafatosos por considerarem que suas atitudes
mancham a imagem da classe perante a sociedade. É um engano tremendo esse discurso
reducionista que imputa todo o mal do mundo a héteros, brancos e à moral tradicional. Aqueles que
agem como guerreiros da justiça social com dedos eriçados para condenar todo tipo de preconceito
esquecem-se de julgarem a si mesmos e condenam hipocritamente o preconceito dos outros
enquanto são benevolentes com o preconceito que habita neles.

Jesus Cristo há muito tempo já nos preveniu acerca do perigo do julgamento hipócrita “Não
julgueis, para que não sejais julgados, porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e
com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós. E por que reparas tu no argueiro
que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu irmão:
Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave
do teu olho e, então, cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão” (Mt 7: 1-5).

Quando Jesus fala sobre perceber o “argueiro” no olho do outro transmite-se a ideia de algo visível,
declarado, exposto. Mas, assistimos na atualidade uma sociedade que pretende julgar até o invisível,
o não manifesto e não expresso, deduzindo intenções de onde não se poderia extraí-las e quando
nem é possível deduzi-las pune-se independente de dolo ou culpa, simplesmente por não ter pago o
pedágio ideológico e se mostrado empolgado o suficiente com alguma pauta social ou mesmo por
ter utilizado uma expressão cujo consenso se é ou não preconceituosa sequer existe.

Esse foi o caso de Maurício, embora não haja nada manifestamente preconceituoso, houve a
dedução de que por trás daquilo que não foi declarado há um preconceito incubado. Pode ser que
exista? Claro. Mas, que tipo de tribunal inquisitório se instalou que até aquilo que não foi expresso
ou declarado ele é capaz de punir? Adquirimos o dom divino de conhecer e sondar os corações e
conhecer dos pensamentos antes que as palavras cheguem à boca? É de fazer inveja a qualquer
tribunal do futuro ou mesmo aos precogs do filme Minority Report a capacidade dos atuais
guerreiros da justiça social de conseguir punirem crimes antes que eles aconteçam. Qual é limite
disso? O quão autoritários movimentos ideológicos podem ser?

Esta situação arbitrária de execuções sumárias de reputações que se convencionou chamar de


“cancelamento” só foi possível porque antes disso sequestrou-se a linguagem, o domínio do
discurso. É sempre a narrativa que pavimenta o caminho, por isso o domínio na língua materna é
essencial.
Abursidades

Na nossa geração assistimos uma garota, cujo o pai é aquele tipão provedor que com muitas
dificuldades construiu algum patrimônio na esperança de ver sua prole sentada na cadeira de uma
escola boa e cara, bradando contra um sistema patriarcal cujo algoz, em última instância, é aquele
pobre coitado que a sustenta. As garotas têm sido ensinadas que matar uma criança no ventre da
mãe é um direito reprodutivo da mulher, não assassinato, e os pagadores de impostos, através do
Estado, é que devem bancar o assassínio fruto duma vida sexual frequentemente desregrada. Para
essa geração empoderada, filhos são um problema, o casamento uma escravidão e liberdade é fazer
sexo casual. Os meninos são estimulados a buscar a autossatisfação acima de qualquer coisa e as
meninas a se comportarem como objetos sexuais e a gostarem disso.

Assistimos na mesma sociedade aqueles que acreditam, sob a égide da liberdade de crença, que o
homem foi feito para mulher e vice-versa, serem alçados a condição de fanáticos preconceituosos e
homofóbicos intolerantes, ainda que nunca tenham expressado nada além da crença pessoal de que
este não deva ser o padrão, isso porque, raciocinam eles, seja pela anatomia humana e o encaixar
dos órgãos genitais masculino e feminino, seja pelas escrituras sagradas ou pelos mais de 3.000
anos de história humana que se tem registro, não se poderia chegar a outra conclusão se não a de
que quem quer que esteja no comando do universo, Deus ou o acaso, este esperava que a união dos
diferentes, e não dos iguais, fosse o padrão, pelo menos é o que denuncia a biologia dos nossos
corpos.

Porém, a geração que construiu um altar à racionalidade considera os mais óbvios dos raciocínios,
verificável por qualquer um que tenha olhos, como a mais acintosa violência aos direitos humanos,
à democracia ou quaisquer termos abstratos benquisto pela opinião pública. Mas, eles não se dão
por satisfeitos, ao mesmo tempo em que exaltam a ciência e consideram um homem qualquer que
diz ser Margareth Tatcher como afetado por algum transtorno psiquiátrico catalogado pela
medicina, se este mesmo homem disser se sentir mulher (não necessariamente a senhora Tatcher)
ele será parabenizado por ser “trans” e terá um forte lobby parlamentar tanto para que os pagadores
de impostos financiem uma cirurgia de mudança de sexo com recursos públicos como para que
estes mesmos pagadores respondam penalmente caso se recusem a ver este mesmo sujeito como ele
se sente e não como nossos olhos o veem, transformando assim, a imaginação deste de maior
importância do que o que os nossos olhos enxergam.

Perplexos, contemplamos a defesa aberta de que até mesmo crianças também devam ser submetidas
à redesignação sexual, inclusive, caso os pais que a conceberam, nutriram e a sustentaram não
entendam ser o melhor caminho. Uma criança de onze anos, na concepção desses ideólogos, não
tem condições de responder pelos eventuais crimes que cometer, mas está apta a decidir se tornar-
se-á menino ou menina mediante a mutilação irreversível de suas genitálias saudáveis. Interessante
que se esta mesma criança comparecer ao médico, pedindo que sua mão saudável seja decepada a
fim de que ela se torne o Capitão Gancho este “direito” lhe será negado, pois é unânime que a
medicina não se presta a mutilar pessoas saudáveis, mas se lhe pedir que faça a mesma coisa, dessa
vez com seus seios, ou órgãos sexuais para que ela “torne-se” o gênero com o qual na sua
imaginação ela se identifica está tudo bem.
Vivemos tempos em que teorias repetidas exaustivamente desde a tenra idade, seja nas escolas, na
mídia ou nos jornais, somos levados a, contrário à inteligência, pensar que o sujeito histórico da
trama da vida é a coletividade e a nós como indivíduos cabe apenas sermos diluídos nessa massa
informe de classes, suprimindo qualquer noção de responsabilidade pessoal e nos angariando a
pertencer a algum movimento classista como se esse fosse o nosso único modo de dar significado às
nossas existências sendo esta nossa única obrigação moral última.

“Você é pobre, não pode pensar assim, está lutando por interesses que não são os seus”, “Você é
negro, sempre foi discriminado, você não pode ficar do lado dos brancos, Capitão do mato!”,
“Como assim você é mulher e não concorda com o movimento feminista, somos mulheres,
precisamos nos unir, cadê sua sororidade?”, “Você é gay e vai pra igreja? Para quê, você não sabe
que vai para o inferno? Deixa disso!”. E assim, vão nos definindo, identificando a que classe
pertencemos e com base na justificativa de que estão lutando por nossos interesses nos ditam o que
devemos pensar e como devemos agir para sermos bons pobres, bons negros, boas mulheres, bons
gays e etc, impondo sob o argumento de nos conceder liberdade uma escravidão em que somos
obrigados a interpretar o papel que nos disseram que é o nosso.

É possível que vez ou outra muitos de nós desejemos nos eximir desse cansativo papel de lutar
contra as injustiças do mundo, queríamos apenas levar uma vida normal, trabalhar, um churrasco no
fim de semana, deitar com a pessoa amada, aproveitar os filhos e viajar. Mas, nos disseram que não
“Não basta não ser racista. É preciso ser antiracista”, “Não basta não ser machista. É preciso ser
antimachismo”, ““Não basta não ser homofóbico. É preciso ser antihomofóbico” e novamente
somos chamados para a árdua batalha da justiça social e presos pela obrigação desse chamado
moral que nos foi imposto. Acreditamos piamente nisso e saímos do nosso lugar de conforto para
militar contra familiares, amigos, desconhecidos, políticos e todo tipo de opressão estrutural em prol
de construir uma paraíso na terra chamado de “sociedade mais justa e igualitária” a qual não
sabemos se já existiu ou se algum dia existirá ou se não se tornará algo pior que a sociedade que já
conhecemos.

Apesar de acreditar desempenhar um ofício tão nobre em busca de um bem maior esta geração não
parece estar mais feliz, pelo contrário, estão mais depressivos, ansiosos, antissociais, cada vez mais
intolerantes ao convívio familiar e às opiniões contrárias e mais dispostos a preferir o contato com
animais que com pessoas, afinal cachorros e gatos não podem contrariar ideais tão sublimes.
Talvez, foi assim que surgiram os mães e pais de pets, sou apaixonado pelos bichinhos, mas esse
amor jamais apagou de mim a percepção que a vida humana é revestida de uma profundidade
infinitamente mais complexa que lhe confere importância superior a de um gato, cachorro ou
plantas (havia esquecido das mães de plantas!).

Certa vez propus um dilema a uma pessoa, suponhamos que estivessem se afogando no mar seu
cachorro e um homem desconhecido e você pudesse salvar apenas um dos dois, qual você salvaria?
A resposta foi que a minha percepção, que aos meus olhos era óbvia e universal, já não era tão
unânime e comum como eu pensava, a cidadã escolheu o cachorro.

Fiquei intrigado com isso, parecia-me que havia algo de errado com o mundo. Foi a visita na casa
de uma amiga que me confirmou esta certeza. Como já disse, amo animais, especialmente
cachorros, nessa residência os habitantes compartilhavam do mesmo sentimento, porém, os
bichinhos gozavam de algumas regalias, dentre elas a de sentar-se encima das visitas no sofá como
era meu caso, incomodei-me menos com o cãozinho encima de mim do que com a frase da anfitriã
ao colega que me acompanhava e não tinha o mesmo apreço pela bicharada, para não dizer medo.
Disse ela “não vou prender meus cachorros, eles moram aqui, as visitas são vocês”. Nunca mais
voltei naquele lugar, não pelo cachorro, que era bastante simpático e carinhoso, mas pelo fato de
saber que, se fosse o caso, não receberia ali tratamento melhor do que um cão, achei um absurdo
aquilo. Nessa era, é possível ver um cãozinho recebendo de pessoas mais cuidados que uma criança
abandonada.

Assistimos na nossa geração adolescentes com doze anos de idade sendo ensinados nas escolas
sobre os mais diversos métodos contraceptivos e meios de prevenir doenças sexualmente
transmissíveis, porém, nunca incentivados ao mais antigo e eficaz deles: abster-se das relações
sexuais, o que, para alguns, equipara-se a fundamentalismo religioso, o equilíbrio para eles é deitar-
se com a maior diversidade de parceiros possível, como fazem os animais irrefletidamente guiados
por instintos igualmente animalescos.

Em nossa geração que o trabalho seja uma virtude a ser aprendida desde cedo essa é uma certeza
que já não existe, aos doze anos de idade, salvo restritas exceções de programas de aprendizagem, o
que se tem é a proibição do trabalho formal nessa idade e de outro lado um desejo intenso de
possuir e andar bem trajado. Com a brilhante ideia dos burocratas de proibir o trabalho a fim de
incentivá-los a estudar o resultado são dois: primeiro, jovens que trabalham de toda maneira sob
pena de passar fome e à revelia da proteção do Estado que insiste em crer mais num mundo perfeito
onde a ação estatal onipresente será capaz de suprir todas as necessidades em todos os lugares, mais
do que no mundo real em que as pessoas deveriam ter o direito à liberdade na busca da subsistência;
segundo, jovens que no ápice da compleição física estão desocupados nas ruas sendo
arregimentados pelas facções criminosas no contraturno das aulas ou mesmo dentro das escolas.

Não é atoa que a criminalidade é galopante, não podendo trabalhar a juventude ociosa é cobiçada
pela criminalidade que vê no adolescente um instrumento perfeito para incorporar as ações da
facção dada a benevolência da legislação brasileira ao infante. De outro lado, querendo possuir, mas
não podendo trabalhar legalmente para fazê-lo, somado às penas brandas a que sabe que está sujeito
com o reforço de que parte considerável da mídia e dos intelectuais endossam o discurso de que o
ladrão ou traficante é uma vítima da sociedade, é quase que um cenário perfeito para um garoto se
aventurar no crime. Infelizmente, esse percurso não se reduz a uma mera aventura, já que uma vez
inserido numa facção o jovem dali não pode facilmente sair, a deserção é uma violação que o crime
não tolera.

Em nossa geração um adolescente de doze anos pode matar, roubar, estuprar, ter filho, mas não
pode ser responsabilizado com a severidade merecida pelos três primeiros, nem trabalhar para
sustentar o último. Em vez de condicionar o trabalho à frequência escolar, os burocratas proibiram o
trabalho para conseguir a frequência e alcançaram a proeza de ter uma geração que em grande parte
nem trabalha, nem tem sucesso como estudante, obviamente, não sou eu que digo isso, mas os
índices educacionais brasileiros, que demonstram saírem das escolas exércitos de analfabetos
funcionais. Nem por isso penso que deveriam parar de estudar, uma educação ruim é melhor que
educação nenhuma. Mas, até quando vamos pensar o mundo como ele deveria ser e não como de
fato ele é?

Trabalhei de carteira assinada desde os quinze anos nesses raros programas de aprendizagem, ante,
logicamente, o reconhecimento de que essa experiência foi extremamente positiva para mim, fui
elevado a condição de pessoa cruel e infame pelo fato de defender que os adolescentes
trabalhassem, acredito que isso se deu mais pelo fato de que a luta contra o trabalho infantil
consubstanciado em esforços degradantes em carvoarias, zonas rurais ou em semáforos se apregoou
ao imaginário popular. Não defendo trabalhos degradantes e exaustivos, mas algum trabalho,
supervisionado e com limitações, mas que permita o mínimo para que o jovem não veja o crime
como algo mais atrativo que a vida que a maioria do brasileiro médio entende como correta, pois é
isso que acontece. É justo que um ser humano que já pode gerar outro ser humano, não seja privado
dos meios de sustentá-lo, sob pena de institucionalizarmos a irresponsabilidade e fomentarmos o
crime como opção.
Militante Moderno

Surfando por todo esse cenário, transita uma figura comum, o “militante moderno”, com punho
cerrado, acreditando ser um apóstolo da justiça social, devotando sua vida a um projeto de “céu na
terra”. Três são as principais características daqueles que chamo de militantes modernos:
Iluminados, Canceladores e Histéricos.

Os militantes das causas sociais modernas têm a certeza de que sabem o que é melhor para o mundo
e se veem como superiores, razão pela qual estão sempre prontos a ensinar os outros. Aquela
humildade intelectual que garante a reserva mental de que sempre existe a possibilidade de estarmos
errados não habita na mente desses sujeitos. A ideia de que sua concepção do mundo sobre os
processos sociais é a correta é endossada por seus gurus cuja autoridade é assegurada não pela
plausabilidade de suas defesas, mas por seus títulos, assim como pelo discurso hegemônico
reverberado pela classe falante e moralmente decadente de artistas, jornalistas e políticos
progressistas.

O militante moderno é também um “cancelador”. Apesar de pregar a diversidade e o respeito às


diferenças o militante costuma excluir e ridicularizar os que discordam dele. Sua principal
característica é cometer intolerância sob a justificativa de combatê-la. Pensam eles que não deve
haver tolerância com os intolerantes, por este raciocínio, a conclusão lógica é de que todas suas
ações, por mais cruéis que sejam, estão de antemão justificadas, pois nunca estão praticando um
mal, mas sempre o combatendo. Não é demais dizer que não é possível dimensionar os perigos
dessa forma de pensar.

Por último, o militante moderno é histérico, no sentido de que costuma ter reações exageradas e
desconexas da realidade, partindo, com frequência, para o emocionalismo, isso ocorre porque suas
atitudes são emocionais e não racionais. O militante não raciocina de acordo com o que ele vê, mas
de acordo com o que ele sente. De fato, os movimentos captam essas pessoas justamente tendo
como isca gatilhos emocionais, primeiro convencendo-os de alguma dor ou sofrimento que na
maioria das vezes é real para depois oferecer-se como solução à sua dor e canalizar a mágoa
reprimida para a ação política. Assim, esses movimentos políticos identitários utilizam o
ressentimento e o ódio como o motor que movimenta suas ações. São, portanto, especialistas, em
utilizar dores legítimas para causas ilegítimas.

Na maioria das vezes, o militante já machucado não consegue enxergar que está sendo
instrumentalizado e distinguir que apesar de ter havido um trauma real em seu histórico, a
militância não cuidará dessa ferida aberta, apenas a explorará. Não tendo encontrado guarida em
nenhuma instituição anterior, geralmente o militante passa a ver o movimento como sua família,
onde é reconhecido e acolhido, de modo que ele aceita prontamente a supressão da sua
individualidade para tomar a forma e a pauta do movimento como suas, como se com ele tivesse
uma dívida.

Além disso, a razão para a grande adesão a esses movimentos é que a moral deles não está
relacionada ao conceito de certo e errado, bom ou justo, mas se resume ao fato de determinada
atitude ser ou não favorável às suas pautas. Tudo que resulta em saldo positivo para o avanço do
movimento é belo e moral, enquanto que qualquer ação interpretada como contrária às pautas serão
vistas como um pecado capital. A simplicidade dessa fórmula exime seus integrantes dos conflitos
morais que açoitam a nossa alma, razão pela qual movimentos atraem com facilidade grupos
marginalizados que não se amoldam à moral vigente ao mesmo tempo em que não se admite o
escrutínio moral de suas ações.
Para além da aceitação sem exigências morais, o fracasso ou a insatisfação familiar é a grande razão
da expansão vertiginosa dos movimentos identitários abarrotados de jovens. Casamentos
conturbados, lares desestruturados, falta de afeto e palavras de afirmação dos pais ou mesmo abusos
sexuais ou relacionamentos abusivos estão entre as principais causas de situações traumáticas que
fragilizam o relacionamento familiar e abrem espaço para que estes jovens sejam captados por estes
movimentos destituídos de qualquer intenção de curar estas feridas, afinal, são elas a força motriz
da militância.

A instrumentalização de pessoas por meios tão ilegítimos já demonstra o suficiente a falta de


escrúpulos dos orquestrantes desse modo de operar, de modo que não é surpresa que quando sobem
ao poder as consequências sejam a institucionalização da corrupção, a queda acentuada da
moralidade, o aumento da criminalidade, a desordem e a obstrução da democracia pelos próprios
meios democráticos.

É claro que essa introdução pesada e dramática não é um retrato total da sociedade e da política
brasileira, porém, não deixa de ser verdadeira, nem menos preocupante. Pegar os extremos como
exemplo, faz parte do processo quando se deseja fazer um alerta. Nem toda militância defende os
extremos aqui desenhados, o que não significa que intencionalmente ou não suas omissões não
acabam por reforçá-la. O fenômeno da militância moderna é expansivo, desagregador, subversivo,
intolerante e violento. Qualquer um que tenha amor por esta geração entende que é necessário
trilhar dois caminhos: conscientizar a sociedade acerca dos riscos e custos emocionais e sociais da
radicalização da militância identitária e empreender um esforço para resgatar aqueles que foram
tragados e cauterizados por ela a trilhar um caminho diferente, de modo que esses anseios sejam
conduzidos pacificamente.

Para isso é preciso fazer uma distinção entre causa e militância, as causas são legítimas, os
movimentos é que são pervertidos. Reforçar a causa sem denunciar o movimento é prestar serviço a
ele, haja vista que o monopólio dessas pautas é justamente a estratégia para que o público não
dissocie as bandeiras do movimento do próprio movimento como se fossem uma coisa só, de modo
que o movimento decadente parasita o prestígio de uma demanda. Nesse sentido, não é preciso ser
feminista para ser favorável aos direitos iguais. Do mesmo modo, posicionar-se contrário a senzala
ideológica imposta pelo movimento negro não é dar aval ao racismo. Ainda, denunciar a agenda de
sexualização, perseguição política e desconstrução dos valores tradicionais da família do
movimento gay não é negligenciar a segurança e o respeito que os homossexuais precisam.

Dois acontecimentos me despertaram de forma especial em relação a militância. Sempre convivi


com pessoas que pensavam diferente de mim, e nunca tive nenhum problema com isso. Conseguia
com êxito separar as ideias das pessoas que as defendiam. Mas, descobri que nem todos eram assim
quando um colega de trabalho com qual tinha uma ótima relação de amizade passou a tentar me
prejudicar ao descobrir que defendia pautas conservadores, chegando a inventar mentiras, fazer
provocações e me marcar em postagens ofensivas nas redes sociais atribuindo a mim coisas as quais
nunca defendi. Aquela situação me chateou a ponto dele perceber meu descontentamento e pedir
desculpas, porém, a relação havia ficado insustentável.

A segunda circunstância aconteceu de forma semelhante, porém envolveu mais pessoas. Ao


descobrirem as opiniões conservadoras nas redes sociais passaram a me hostilizar dentro do
ambiente de trabalho, com ridicularizações e comentários depreciativos, o fato de possuir simpatia
da chefia acirrava ainda mais as provocações, eu não entendia como aquelas pessoas pelas quais eu
tinha até um certo carinho de repente passaram a tentar me agravar quando eu não tinha feito
nenhum bem ou mal sequer a elas. Na minha concepção era impensável tentar prejudicar alguém
por conta da opinião que ela sustenta por mais absurda que fosse. Em ambas as situações percebi
que suas opiniões não eram meros posicionamentos, mas algo mais próximo de dogmas religiosos e
eu, aos seus olhos, era a espécie de um herege, um mal a ser combatido.

Percebi que aquele sentimento era comum às pessoas que criam nas mesmas ideias que eles criam.
Discerni que eles eram vítimas de uma mesma ideologia, a qual, por indignação, comecei a querer
entender melhor e combatê-la, tanto para que ninguém passasse pelo que eu passei, como para de
alguma forma contribuir para que esta ideologia não forme mais pessoas que acreditam que ao fazer
o mal a alguém estão prestando um serviço ao bem.

Situando o problema

Quando falo em sequestro da linguagem pela ideologia, obviamente, estou consciente de que
qualquer ideologia pode fazer isso. Entretanto, escrevo estimulado por circunstâncias reais,
concretas e atuais. Em suma, esclareço que nenhuma outra ideologia deturpou tão profundamente a
linguagem do Brasil como o marxismo. Isso porque, por décadas a hegemonia esquerdista nos
meios culturais brasileiros têm sido a regra.

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