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CAPÍTULO 2 - AERONAVES AGRÍCOLAS


Marcos Vilela de M. Monteiro

2. 1. HISTÓRICO, CARACTERÍSTICAS E DESEMPENHO

O uso do avião para fins agrícolas iniciou-se em todo o mundo de maneira


empírica, com equipamentos improvisados, nos mais variados tipos de aeronaves,
fruto das emergências provocadas por ataques inesperados de gafanhotos,
lagartas ou outros insetos. Aviões de uso militar ou de treinamento básico foram os
primeiros a serem adaptados para aplicação de inseticidas em pó.
Entre os primeiros trabalhos na década de 20 e a expansão da aviação
agrícola nos Estados Unidos na década de 40, não foram realizados quaisquer
aperfeiçoamentos nos aviões ou nos equipamentos para uso agrícola.
Neste período predominaram em toda a aviação de pequeno porte, os
biplanos com grande maneabilidade e capacidade de operação em pistas curtas e
improvisadas. Produzidos em grandes quantidades para uso militar, esses biplanos
podiam ser adquiridos a baixo custo e com farto material de reposição.
No inicio da década de 40, com a evolução das aplicações por via líquida, a
pesquisa em equipamentos e sistemas evoluiu patrocinada principalmente por
organismos governamentais encarregados de resolver problemas como o controle
de gafanhotos, o controle de pragas florestais ou de mosquitos transmissores de
epidemias.
Com a explosão da Aviação Agrícola nos Estados Unidos após a Segunda
Guerra, vários tipos de avião foram usados em trabalho agrícola, em particular os
biplanos STEARMAN inicialmente com 220 hp, passando depois para 450 hp e os
Teco-Tecos (CUBS) começando com o PIPER J-3 com 65 hp, que evoluiu para o
PA-11 com 90 hp e para o PA-18 Super Cub com 150 hp, sendo o único modelo
homologado para o uso agrícola. Também foram muito utilizados os bombardeiros
TBM-AVENGER com 2000 hp de potência e 2300 litros de capacidade e os
bimotores DC-3 (C-47) e o VEGA VENTURA, além de aviões executivos de vários
modelos como: CESSNA 170, 180, 206, PIPER AZTEC, BRITTEN NORMAN, etc.
Na década de 70 iniciaram-se as aplicações em larga escala com
quadrimotores DC-4 e DC-7, dos quais algumas dezenas se encontram em
operação. Observa-se que praticamente qualquer avião com boas características
de voo pode ser utilizado em operações aerogrícolas.
Vários tipos de aviões monomotores foram e são usados em aplicações
aéreas, com potências que variam de 150 a 2000 hp, de todas as configurações,
biplanos, monoplanos de asa alta ou asa baixa. Até o advento dos aviões
agrícolas, eles proliferaram aos milhares em todo o mundo e promoveram o uso do
avião na agricultura. O desenvolvimento do mercado exigiu um equipamento mais
sofisticado e, sobretudo, mais seguro, o quê levou ao desenvolvimento de um
avião especialmente desenhado para as aplicações aéreas.
O primeiro avião agrícola projetado foi o AG-1, desenvolvido em 1949-50
com o patrocínio da Associação Nacional dos Fazendeiros Voadores e apoiado
pela Administração de Aeronáutica Civil, pelo Departamento de Agricultura dos
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Estados Unidos e pela Faculdade de Agricultura e Mecânica da Universidade do


Texas, tendo o Professor Fred E. Weick como líder da equipe do projeto.
Os princípios básicos que nortearam o projeto do AG-1 foram tão corretos,
que mesmo após tantas décadas, continuam válidos, devendo ser seguidos
quando se pretende projetar um avião para uso específico na agricultura.

2.1.1. CARACTERÍSTICAS BÁSICAS E DE DESEMPENHO

Dentre as características básicas de desempenho especificadas para o


projeto do AG-1 havia:
a. O avião deveria ser capaz de decolar de pistas macias e não pavimentadas,
com carga total e subir atingindo 15 metros a uma distância de decolagem
de 402 metros, num dia padrão, ao nível do mar;
b. A gama de velocidades operacionais seguras durante as aplicações deve ser
de 60 a 100 milhas por hora (mph) ou mais;
c. A velocidade mínima de operação segura deve ser 45 mph, para permitir
uma manobra segura a 60 mph;
d. O campo de visão do piloto deve ser:
-para frente e para baixo - uma excelente visão para frente e para baixo é
muito importante para aplicações em baixa altitude, e para evitar colisão com
cercas, árvores, fios, etc.
-em curvas - ao fazer a curva em baixa altitude, no fim de cada passada, há
a necessidade de boa visibilidade na direção da curva. Por isso o avião monoplano
de asa baixa é a melhor configuração para obter essa visibilidade.
-visão traseira - alguns pilotos acham importante uma clara visão traseira
para poder observar a faixa de deposição produzida pelo avião.
-visão no táxi - uma visão adequada para frente é desejável quando se
desloca um avião em campos pequenos e improvisados, como são os usados em
operações aeroagrícolas.
A configuração que preenche a maioria desses requisitos é a de monoplano
de asa baixa com o piloto colocado em posição elevada no cockpit e usando hélice
tratora, com motor chato.
Por sorte a maioria das colisões em aviação agrícola ocorre em baixas
velocidades, sendo a energia de impacto proporcional ao quadrado da velocidade
no momento da desaceleração. Numa operação, ao se chocar com uma árvore,
com fiação ou perdendo o controle por estol de baixa velocidade, nem sempre o
acidente é fatal. A Unidade de Pesquisa de Acidentes por Colisão da Faculdade de
Medicina de Cornell, Estados Unidos, estabeleceu recomendações para os
projetistas de aviões, visando à sobrevivência em caso de colisão.
Essas recomendações são:
-projeto da estrutura da parte dianteira da fuselagem e da cabine para resistir
às cargas de impacto, além das cargas de voo e pouso;
-projeto das estruturas para absorver energia através de colapso
progressivo;
-projeto da estrutura tubular para entortar e romper em sentido contrário ao
do ocupante;
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-colocação do assento do piloto na posição mais traseira possível, atrás da


asa;
-colocação dos tanques de combustível nas asas, nunca entre a parede de
fogo e o painel;
-deixar espaço entre o painel de instrumentos e a parede de fogo, para
permitir o deslocamento do painel e caixas dos instrumentos na colisão;
-projeto do painel de instrumentos, sem cantos vivos, que possam ser
alcançados pela cabeça do piloto;
-construção do painel de instrumentos, de material flexível e capaz de
absorver impacto;
-montagem das caixas de instrumentos com pinos cisalháveis e o mais baixo
possível no painel;
-projeto de cintos de segurança ventral e de ombros, assentos e fixação dos
assentos suficientemente fortes para aguentar tensão de ruptura igual à da cabine;
-o tanque deve ter uma porta ampla, adequadamente localizada para permitir
o carregamento rápido e fácil dos produtos sólidos;
-a tampa deve vedar perfeitamente quando fechada;
-a conversão de aplicação por via sólida para aplicação por via líquida e
vice-versa, deve ser relativamente rápida, entre 50 e 60 minutos.

2.1.2. MANUTENÇÃO E REPAROS

É de extrema importância que a manutenção seja fácil e os reparos possam


ser efetuados com rapidez, evitando-se tempos improdutivos durante as
campanhas. O avião deve apresentar as seguintes características:
-a construção deve ser simples e robusta em todo o avião;
-as conexões dos controles e as partes críticas devem ser visíveis e
facilmente inspecionadas;
-todas as peças que requerem manutenção devem ser facilmente acessíveis
e fáceis de remover e recolocar;
-a estrutura e os equipamentos de dispersão devem ser protegidos contra a
corrosão ou resistentes a ela, principalmente a corrosão provocada por produtos
químicos agrícolas;
-todo o avião deve ser construído de uma maneira que possa ser limpo
totalmente. O interior da estrutura deve ser acessível de ambos os lados, podendo
ser lavada com mangueira;
-a capota do motor deve ser ampla para evitar altas temperaturas durante as
operações;
-o motor deve ser muito bem protegido do pó através de uma colocação
criteriosa da tomada de ar do carburador e do uso de bons filtros de ar.

2.1.3. CARACTERÍSTICAS DE PILOTAGEM E DE VOO

As forças de controle, particularmente as do aileron, devem ser leves, visto


que as operações aeroagrícolas requerem uma atuação quase contínua nos
comandos, por várias horas ao dia e com deflexões amplas nos comandos durante
as curvas. O controle do aileron deve ser rápido de modo a se ganhar tempo na
inclinação inicial do balão e na mudança de inclinação subsequente.
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A deficiência do comando do aileron pode ser fatal quando se juntam vários


fatores como: excesso de comando do piloto, vento forte de través e deslocamento
inercial da carga de líquido no tanque, inclinando demasiadamente o avião para
um lado. Ao acionar o aileron para o lado contrário, o avião continua na rolagem
provocando o efeito de comando cruzado, perdendo sustentação, altura e
fatalmente se acidentando.
Os aviões agrícolas exigem o mesmo desempenho dos caças, ou seja
requerem um valor igual ou maior que 0,12 para a equação pb/2V, em que p é a
razão de rolagem em radianos/segundos; b é a envergadura em pés e V é a
velocidade do avião em pés/segundo.
A estabilidade lateral e o controle no estol devem também ser excepcionais.
Se o avião estiver em uma curva derrapada e o manche for puxado suavemente
para trás, o avião deve continuar a virar sob o controle e não aumentar
subitamente a cabrada e entrar em parafuso ou virar para o outro lado e entrar em
parafuso, como fazem alguns aviões não usados para operações agrícolas.
Um parâmetro importante em operação aeroagrícola é a diferença entre a
velocidade de operação e a velocidade de estol com a aeronave carregada.
Quanto maior for essa diferença, maior será a segurança de voo desse avião.
Em 1950, a equipe do professor Fred Weick estabeleceu de forma
memorável as bases para o projeto do avião agrícola, que até hoje são seguidas
em todo o mundo.
O Piper Pawnee, talvez o mais autêntico dos aviões desse clone, foi
produzido num total de 4500 unidades, e ainda é utilizado em operações
aeroagrícolas no mundo inteiro. Tal é a sua eficiência e confiabilidade que os
argentinos decidiram recomeçar a sua produção em série, 38 anos após o seu
lançamento nos Estados Unidos, e por ocasião da abertura das importações no
Brasil, esse avião foi importado em quantidade dos Estados Unidos para reforçar a
frota brasileira.

O AVIÃO AGRÍCOLA PESADO

As aplicações de fertilizantes, semeadura de arroz, e aplicações em altos


volumes por via líquida, desde a década de 50 impulsionaram o desenvolvimento
dos aviões agrícolas pesados, com motores radiais de 600 hp, capacidade de 1000
kg de carga paga, os quais evoluíram na década de 70, para o uso das turbinas no
seu grupo motopropulsor.
Dois tipos se destacaram nesta categoria, o biplano GRUMMAN AG-CAT,
que foi especialmente desenhado para uso agrícola, baseado no sucesso dos
velhos STEARMAN, e cuja maneabilidade é surpreendente, e os monoplanos de
asa baixa dos quais o THRUSH e o AIR-TRACTOR, ambos desenhados por
Leyland Snow, são os modelos melhor sucedidos.
As características desses aviões são idênticas às dos aviões de menor
porte, apenas seus resultados operacionais são diferentes e apresentam grande
vantagem, para as operações em áreas grandes (superiores a 1000 hectares) ou
em aplicações de altos volumes por unidade de superfície (acima de 50kg/ha).
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O que limita o desenvolvimento dessa categoria de aeronaves é a falta de


motor com capacidade de 600 hp, em produção comercial. As turbinas são caras,
requerem manutenção e operação especializada e sua utilização, somente agora
se tornou economicamente viável na agricultura brasileira. Os motores radiais de
600 hp deixaram de ser produzidos após a segunda guerra mundial e tem
problemas de manutenção e revisão pela falta de peças e oficinas especializadas.
Esse problema só tende a se agravar.

DESENHOS ESPECIAIS DE AERONAVES AGRÍCOLAS

Merecem atenção os desenhos especiais que visaram o aumento da


eficiência e rendimento no trabalho agrícola.
O SKYFARMER T 300A, produzido na Austrália é um sesquiplano bifuselado
com tanque central, de configuração realmente exótica e se mostrou em operação
um avião seguro e eficiente.
O EAGLE II, versão biplana do avião agrícola EAGLE que incorporou mais
uma asa à versão original, passou carregar 1000 kg de carga paga com o motor de
300 hp. Tem praticamente o mesmo desempenho de aviões com 600 hp e que
consomem o dobro do combustível.
O M-15 também sesquiplano, bifuselado com dois os tanques laterais e a
jato puro tem o mesmo desenho do SKYFARMER, nunca entrou em produção
comercial.

AERONAVES MULTIMOTORES

Em Bioaeronáutica, há uma gama muito grande de serviços cuja execução


requer, o uso de aviões multimotores.
Lamentavelmente, no Brasil, o único serviço que manteve por algum tempo
aviões Bandeirantes ou Islander, equipados para aplicação, foi o de nucleação no
nordeste, realizado pelo CTA - Centro Técnico Aeroespacial do Ministério da
Aeronáutica, em São José dos Campos e FUNCEME - Fundação Cearense de
Meteorologia e Chuvas Artificiais, de Fortaleza, CE e hoje estão desativados.
A adaptação desses aviões é permitida, devendo o interessado submeter-se
a avaliação pelo CTA, no sentido de obter um Certificado de Homologação de Tipo
(CHT).
O trabalho é feito sob a responsabilidade de Engenheiro Aeronáutico.
Essas aeronaves são usadas para controle de vetores de doenças humanas
ou animais, em aplicações de larga escala, especialmente sobre áreas habitadas,
como é o caso do controle do vetor da dengue nas grandes cidades brasileiras.
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CARACTERÍSTICAS E DESEMPENHO DAS PRINCIPAIS AERONAVES


USADAS EM AVIAÇÃO AGRÍCOLA

Aviões Conversíveis
PESO CARGA VELOC. VELOC. DIST. CONS.
FABRICANTE MOTOR CLIMB.
VAZIO ÚTIL OPER. ESTOL DEC. OPER.
MODELO HP ft/min
(kg) (kg) (mph) (mph) (m) (l/h)

Maule Acft Co.


180 250 250 120 45 152 920 40
COMET - 180

Piper Acft Co.


150 450 210 115 43 150 960 35
PA-18 A - 150

Aviões Agrícolas Leves


PESO CARGA VELOC. VELOC. DIST. CONS.
FABRICANTE MOTOR CLIMB.
VAZIO ÚTIL OPER. ESTOL DEC. OPER.
MODELO HP ft/min
(kg) (kg) (mph) (mph) (m) (l/h)
Cessna Acft. Co.
300 993 650 125 58 200 800 70
AGWAGON B-300
Gippsland Aero
300 868 1000 110 66 600 490 80
GIPPSLAND GA200 C
Piper Acft. Co.
235 675 550 100 60 250 630 45
PAWNEE B
Embraer
300 1005 600 100 62 622 300 80
IPANEMA EMB-201A
Piper Acft. Co.
285 984 800 100 65 300 300 70
BRAVE

Aviões Agrícolas Pesados (Limites cima de 600 hp ou 800 Kg de Carga)


VELOC VELOC
PESO CARGA DIST. CONS.
FABRICANTE MOTOR . . CLIMB.
VAZIO ÚTIL DEC. OPER.
MODELO HP OPER. ESTOL ft/min
(kg) (kg) (m) (l/h)
(mph) (mph)

Air Tractor, Inc.


680 1860 1514 160 77 395 800 120
AT - 402

Air Tractor, Inc. 680 1949 1890 140 64 365 1000 180
AT – 502

Air Tractor, Inc. 1350 3270 3987 120 105 610 850 160
AT – 802F
Ayres Corporation 600 1825 1000 120 67 336 800 150
THRUSH SR-2

Ayres Corporation 750 2223 1930 140 57 466 1075 180


THRUSH 510P
Grumman Acft. Co. 450 1220 900 100 67 228 1000 90
GRUMMAN AG-CAT

Pezetel SA 730 1680 1820 115 70 270 1200 135


TURBO KRUK
Pezetel SA 967 2440 2500 115 -- 475 500 220
DROMADER

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