Você está na página 1de 10

Carta Régia tratando das

viagens científicas e filosóficas


Data do documento: 27 de junho de 1806
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 19 a 21v
(...)
Reverendo bispo de Coimbra`1`, conde de Arganil, reformador reitor da Universidade de
Coimbra, amigo. Eu o príncipe regente[2] vos envio muito saudar, como aquele a quem
amo. Sendo-me presente que na instauração, e nova fundação dos estudos
da Universidade de Coimbra`3`, o senhor Dom José`4`, meu avô, que santa glória haja,
mandou fundar nela os dois estabelecimentos do gabinete da História Natural[5], e
do Jardim Botânico[6] para as lições e demonstrações da mesma História Natural,
ordenando ao reitor que `..] junto com a congregação da faculdade filosófica cuidasse em
formar no primeiro do modo mais completo uma coleção de produtos dos três reinos da
natureza, e em fazer cultivar no segundo todo o gênero de plantas, particularmente as que
pudessem servir aos usos da medicina e das artes, dando as necessárias providencias
para se juntarem as plantas dos meus domínios ultramarinos[7] pelas imensas riquezas
que tem no que pertence ao reino vegetal, tudo a fim de que a mocidade acadêmica com a
vista contínua dos objetos que compreende a História Natural[8] pudesse fazer maiores
progressos nesta importante ciência, e dignamente habilitar-se para o meu real serviço, e
do Estado: que desejando eu promover a boa execução destas sábias e providentes
disposições; fora servido ordenar pela do primeiro de abril de mil oitocentos e um, que o
reformador reitor com a congregação da faculdade pudesse mandar fazer viagens e
expedições filosóficas[9] pelas diferentes províncias e distritos dos meus reinos e
senhorios, por algum dos ministros da faculdade, debaixo das regras e direções que lhes
fossem dadas, e estabelecer pelas ordens de doze de novembro de mil oitocentos e um
uma recíproca correspondência entre os dois Reais Gabinetes e Jardins da Corte e da
Universidade[10] para o efeito de comunicarem entre si os produtos e plantas que
tivessem; e suposto que por efeito desta minha última providência se tivesse
consideravelmente aumentado a coleção dos produtos e plantas do Gabinete e Jardim
acadêmico e pudesse ir recebendo maiores acessões e aumentos, não se achavam ainda
estes dois estabelecimentos em estado de poderem servir completamente aos fins da
instrução pública por serem remetidas dos meus domínios ultramarinos os produtos da
natureza pela maior parte sem as descrições necessárias para se conhecerem as
características que as distinguem e não poderem por isso ser ordenados metodicamente
segundo as suas classes, gêneros, e espécies, como dispõem os estatutos para se
facilitarem estes conhecimentos, fazendo-se portanto necessário pôr em prática o meio
das viagens filosóficas, mandando-se naturalista[11] de profissão a algumas das
províncias, ou conquistas dos meu domínios ultramarinos para verem e observarem as
produções naturais nos seus próprios lugares, recolhê-las, e remetê-las para a
Universidade com as mais exatas descrições. Tomando todo o referido em consideração:
Sou servido que sem demora se dê princípio as ditas viagens e expedições filosóficas. E
conformando-me com a proposta que me fizestes do doutor Luiz Antonio da Costa
Barradas`12`, graduado na Faculdade de Filosofia para a viagem da capitania de
Pernambuco, depois de seres ouvido o parecer da congregação, sou servido nomeá-lo
para a mesma viagem para a que partirá na primeira ocasião que se oferecer, e se
regulará pelas vossas direções e da congregação, fazendo remeter para a Universidade as
coleções que juntam dos produtos, e plantas com as descrições competentes. Terá de
ordenado quinhentos mil réis[13] cada ano, que será extraído da parte das câmaras
aumentada pelo alvará de vinte de agosto de mil setecentos e setenta e quatro, a qual
ficou reservada na distribuição dos partidos para semelhantes despesas. E mando que se
lhe haja de prestar todo o auxílio que for necessário em benefício desta comissão. O que
me pareceu participar-vos para que assim o tenhas entendido, e o faças executar com os
despachos necessários. Escrita no palácio de Mafra[14] em vinte e sete de junho de mil
oitocentos e seis. Príncipe. Para o reverendo bispo de Coimbra, conde de Arganil: cumpra-
se, registre-se.
(...)
[1] Nascido no Rio de Janeiro, em 5 de abril de 1735, estudou os preparatórios com os
jesuítas na mesma cidade. Cursou Direito Canônico na Universidade de Coimbra, e mais
tarde tornou-se lente daquela Universidade. Foi ainda frei conventual da Ordem de São
Bento de Avis, bispo de Coimbra, senhor de Coja, do conselho do rei d. João VI, membro
do Tribunal do Santo Ofício, desembargador da Casa da Suplicação, reitor do Colégio das
Ordens Militares e deputado da Mesa Censória. Reitor por duas vezes da Universidade de
Coimbra, em sua primeira gestão, iniciada em 1770, esteve à frente da reforma
universitária promovida por Pombal, sendo nomeado em carta régia de 1772 como
reformador da instituição. Consoante com o projeto de laicização do Estado, a reforma da
universidade inicia-se com o afastamento dos jesuítas, mais tarde são elaborados os
novos estatutos de orientação ilustrada, preconizando o ensino laico e priorizando
conhecimentos de aplicação prática que subsidiassem políticas de Estado. Nesse sentido,
tornou-se espaço privilegiado da formação de uma elite intelectual luso-brasileira que
ocuparia cargos centrais na administração estatal. Em seu segundo período como reitor,
de 1799 a 1821, enfrentou sérios problemas decorrentes da invasão do território português
pelas tropas francesas, tendo que suspender os trabalhos na Universidade, em 1808, por
ter sido escolhido pelo próprio general Junot como membro da deputação encarregada de
ir a Baiona cumprimentar Napoleão e pedir-lhe a indicação de um soberano à coroa lusa,
retornando ao reino somente em 1814. Embora eleito deputado às cortes gerais e
constituintes, em 1821, pelo Rio de Janeiro, não tomou posse, falecendo no ano seguinte
em Coimbra.
[2] Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, que se tornou herdeiro da Coroa com a morte
do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Assumiu a regência do Reino em 1792, no
impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Foi sob o governo do então príncipe
regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte,
sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência da invasão
francesa, a família real e a corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano,
aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em
relação ao Brasil estão: a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de
manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas
e academias, e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa,
representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816,
com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em
1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente. Deu-
se sob o seu governo, o reconhecimento da independência do Brasil no ano de 1825. D.
João VI faleceu em 1826.
[3] Fundada em 1290 por D. Dinis, foi a principal responsável pela formação acadêmica da
elite do Império Português (metropolitanos ou colonos). Desde 1565 esteve sob a direção
dos padres jesuítas, e em 1772, durante a administração do marquês de Pombal, ministro
de d. José I, sofreu sua principal e mais significativa reforma, que resultou em novos
estatutos como parte de um plano mais geral de reforma do ensino em Portugal e seus
domínios iniciada em 1759, com a expulsão dos inacianos dos territórios portugueses e do
sistema de instrução pública. Em um primeiro momento, apenas os Estudos Menores
(ensino elementar e médio) sofreram mais mudanças, deixando-se os Estudos Maiores
(superior) para um período posterior, quando a nova base da instrução estivesse
organizada. Em 1771, então, d. José formou a Junta da Providência Literária, cuja principal
missão seria a avaliação do estado da Universidade durante o período em que esteve sob
administração dos jesuítas e a proposição de mudanças, a fim de melhorar o ensino,
conforme sua orientação. A direção geral da reforma foi a de promover a secularização e
modernização do ensino superior traduzidas em um conhecimento mais técnico, crítico e
pragmático informado pelos princípios da Ilustração, para formar cidadãos "úteis" ao
Estado e à administração pública. Deste modo, foram reformuladas as Faculdades de
Filosofia e de Matemática, introduzidos os laboratórios para aulas práticas, a organização
dos cursos e das disciplinas foi alterada, de modo a seguir um novo método, e toda a
metodologia de ensino e os compêndios usados pelos jesuítas foram proibidos e
substituídos, bem como a duração das aulas e dos cursos foi encurtada. Os professores
religiosos deveriam ser paulatinamente substituídos por leigos escolhidos por seleção
pública. Para realizar a reforma foi nomeado d. Francisco de Lemos de Faria Pereira
Coutinho, intitulado bispo reformador da Universidade de Coimbra, natural do Brasil, que
ficou a frente da administração da universidade entre 1770 e 1779 (e depois entre 1799 e
1821) e que executou a reforma, nos moldes dos novos estatutos.
[4] Filho e sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750. Sob seu reinado
deu-se a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete
Povos das Missões; a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto
(1755); e a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos (1759). Considerado
um déspota esclarecido, o governo de d. José I destacou-se pela atuação do seu
secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que
liderou uma série de reformas em Portugal e seus domínios. Estas mudanças renderam a
d. José o cognome de reformador.
[5] O Gabinete de História Natural da Universidade de Coimbra foi fundado em 1772,
mesmo ano da introdução da História Natural nos estudos superiores naquela
Universidade. As duas medidas decorreram das reformas pombalinas no âmbito da
Ilustração portuguesa, cabendo ao naturalista italiano Domenico Vandelli, encarregado
pelo marquês de Pombal de lecionar a nova disciplina, a organização do gabinete. A
instituição funcionava como anfiteatro da natureza, reproduzindo o ambiente natural das
colônias ao congregar o maior número possível de espécies de animais, plantas, minerais
e artefatos das diversas partes do império. Além do caráter pedagógico e científico de
auxílio aos estudiosos do mundo natural, configurava-se como um espaço cortesão o que
se evidencia no envio regular de remessas por administradores locais que buscavam com
isso fortalecer seus laços nos círculos ilustrados da metrópole e com o próprio rei. Ao
reunir a diversidade da natureza e dos povos do império, dava conta de sua magnitude e
do poderio do soberano. A exemplo dos outros museus de história natural que se
multiplicavam pela Europa setecentista o da Universidade de Coimbra também adquiriu
coleções de particulares, dando-lhes um caráter diverso. Enquanto as coleções
particulares refletiam um gosto pessoal pelo entesouramento, os museus do século XVIII,
além de simbolizarem o poder das coroas e a extensão de seus domínios eram espaço de
investigação científica. O estudo dos espécimes seguido de sua classificação permitiria
definir sua utilidade prática ou econômica. A parte mais significativa de seu acervo veio,
entretanto, das viagens promovidas pela coroa lusa pelos seus territórios ultramarinos, em
que os ex-alunos de Vandelli enviavam amostras dos três reinos da natureza.
[6] Instalado em 1774, na Quinta de São Bento, o Jardim Botânico da Universidade de
Coimbra estava associado ao Gabinete de História Natural, ambos fundados no âmbito
das reformas pombalinas que introduziram na Universidade o curso de História Natural.
Seu diretor e lente da nova disciplina era Domenico Vandelli, célebre naturalista italiano
idealizador das Viagens Científicas e Filosóficas, e correspondente do naturalista sueco
Lineu. O Jardim seria um espaço dedicado ao estudo prático da botânica, um dos ramos
da História Natural, daí sua vinculação à Universidade. Recebia plantas das diversas
partes dos domínios ultramarinos que eram aclimatadas, observadas nas diferentes fases
de seu desenvolvimento durante as estações do ano, desenhadas e classificadas
conforme o sistema lineano. O Jardim cumpria ainda a tarefa de aclimatar espécies para
sua posterior transferência a outras possessões do Império. Com a jubilação de Vandelli
acusado de ser simpático aos ideais da Revolução Francesa, e exilado em Londres, o
botânico Félix de Avellar Brotero, autor da Flora Lusitanica, assume em 1791 a direção do
Jardim Botânico.
[7] Ultramar era o termo também utilizado para se referir aos domínios ultramarinos,
designava as possessões de além-mar, as terras conquistadas e colonizadas no período
da expansão marítima e comercial européia, ocorrida a partir do século XV. No caso
português, as possessões coloniais espalhavam-se pelos continentes africano, americano
e asiático, tendo como principais cidades Luanda e Benguela na África, Macau e Malaca
na Ásia, e Rio de Janeiro e Salvador na América.
[8] Ao longo do século XVIII, a observação e estudo da natureza adquirem crescente
importância e passam a obedecer aos critérios de racionalidade e utilitarismo
característicos da ilustração. O campo do conhecimento designado como História Natural
que compreendia a Botânica, a Zoologia e a Mineralogia, sofre no setecentos a influência
das novas teorias científicas e paradigmas filosóficos à medida que se configura como
disciplina autônoma e científica, dotada de método. Buscava-se promover um inventário da
natureza que passava pela classificação e ordenação do mundo natural a partir
essencialmente do sistema elaborado pelo naturalista sueco Carl von Lineu. Nesse sentido
foram promovidas viagens às diversas regiões do globo tendo em vista o recolhimento de
espécies dos chamados "três reinos da natureza" para envio aos museus e gabinetes de
História Natural criados na Europa. Em Portugal verifica-se um crescente interesse pela
História Natural, na segunda metade do XVIII, manifesto na criação de museus, gabinetes
e jardins botânicos e na introdução da disciplina nos estudos superiores através da
reforma pombalina da Universidade de Coimbra (1772). O conhecimento das produções
naturais dos domínios ultramarinos portugueses, tendo em vista um maior aproveitamento
das potencialidades dos territórios impulsionou as viagens científicas e
filosóficas patrocinadas pela coroa lusa. Integravam tais expedições naturalistas formados
pela Universidade reformada conhecedores da História Natural que deveria obedecer aos
princípios de experimentação e observação da ciência moderna. As diferentes espécies
vegetais e animais recolhidas nas viagens eram encaminhadas aos gabinetes de história
natural e classificadas segundo o sistema do naturalista sueco Carl Von Lineu (1707-
1778). A preocupação com as possíveis aplicações dos produtos verificava-se já na
pesquisa de campo quando os naturalistas indicavam o uso medicinal e alimentar que lhes
davam os povos indígenas. Inúmeras foram as publicações que resultaram desse intenso
período dedicado a coleta e pesquisa de exemplares dos "três reinos da natureza", entre
elas Florae Lusitanicae et Brasiliensis(1788) e o Dicionário dos termos técnicos de História
Natural(1788), de Domingos Vandelli; Flora fluminensis, de José Marianno da Conceição
Velloso; Observações sobre a História Natural de Goa, feitas no ano de 1784, de Manoel
Galvão da Silva, além de diversas memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa
dedicadas à botânica.
[9] A América portuguesa recebeu, ao longo do setecentos, diversas expedições
promovidas pela coroa lusa que até o último quartel do século tinham como objetivo a
demarcação de limites com a Espanha. Tais expedições, decorrentes dos tratados de
Madri e de Santo Idelfonso, contavam com a presença de astrônomos, geógrafos,
matemáticos e engenheiros que promoveram minuciosa descrição geográfica das regiões
de fronteira. A partir da segunda metade do século XVIII, a História Natural passa a figurar
entre as principais preocupações das expedições ao mesmo tempo em que se configurava
como disciplina na Universidade de Coimbra reformada. Concomitante com o mapeamento
do espaço impunha-se inventariar suas produções naturais, conhecer as potencialidades
do território, seus recursos naturais e possíveis aplicações na medicina, na alimentação e
na indústria, além de verificar os terrenos mais propícios a cada cultura. Idealizadas pelo
naturalista italiano Domenico Vandelli, professor da Universidade de Coimbra, as
chamadas Viagens filosóficas, foram expedições enviadas às possessões portuguesas na
América e na Ásia comandadas por seus alunos, a partir da década de 1780. No ano de
1783, os naturalistas Joaquim José da Silva, Manoel Galvão da Silva, João da Silva Feijó e
Alexandre Rodrigues Ferreira foram enviados para Angola, Índia e Moçambique, Cabo
Verde, e Brasil, respectivamente. As equipes contavam ainda com riscadores
encarregados de desenhar as espécies da flora e fauna, além dos nativos. Cabia aos
naturalistas, o recolhimento de espécies dos reinos vegetal, mineral e animal dos territórios
coloniais que seriam encaminhadas ao Museu Nacional em Portugal. Uma vez recolhidas
nas instituições científicas portuguesas as espécies seriam analisadas e classificadas
conforme o sistema de Lineu. Durante as expedições, os naturalistas deviam seguir os
procedimentos estabelecidos nas instruções para viagens, elaboradas pela Universidade
de Coimbra ou pela Academia das Ciências de Lisboa que determinavam o método a ser
empregado na coleta, acondicionamento, classificação e remessa dos produtos, além de
orientar sobre a produção do diário de viagem. No âmbito da administração lusa, a
Secretaria da Marinha e dos Negócios Ultramarinos, na figura do secretário Martinho de
Melo e Castro esteve à frente desses empreendimentos. Embora o projeto inicial de
Vandelli de produzir uma História Natural das Colônias não tenha sido levado a cabo, as
viagens filosóficas produziram farta documentação, entre correspondências, diários,
memórias e outras publicações a respeito da natureza, geografia e dos povos indígenas no
ultramar.
[10] Construído em uma quinta comprada por d. José I ao conde da Ponte, junto ao Paço
d'Ajuda, e sob direção do naturalista, botânico e químico italiano Domingos Vandelli (que
foi seu primeiro diretor entre 1791 e 1811), o Real Museu e Jardim Botânico d'Ajuda foi
oficialmente instalado em 1768 e tinha, como fim primeiro, auxiliar na educação dos jovens
príncipes, bem como servir para seu divertimento. Era composto de três anexos: o Museu
de História Natural, que recolheu espécies dos chamados "três reinos da natureza" no
Brasil e depois em outras colônias portuguesas, como Angola, Goa, Moçambique, Cabo
Verde, frutos de expedições científicas e filosóficas, tais como a de Alexandre Rodrigues
Ferreira ao Brasil; o Laboratório de Química (que mais tarde passou a ser de Física
também); e a Casa do Risco, para o ensino de desenho e artes. Recebeu plantas e
sementes de praticamente todos os continentes (aproximadamente cinco mil exemplares
no início), mas no final da gestão de Vandelli, o jardim havia decaído consideravelmente (a
coleção baixou para cerca de mil e duzentas espécies vegetais), pois se acabou
privilegiando as obras de melhoramento e estrutura em detrimento do cuidado com as
espécies. Em 1811 começou um período próspero, sob a direção de Félix de Avelar
Brotero, renomado botânico, que fez reviver o jardim, com a construção de estufas e o
cultivo de plantas exóticas, vindas, sobretudo, do Brasil e das colônias portuguesas na
África.
[11] Os naturalistas eram, em geral, bacharéis em Filosofia Natural formados pela
Universidade de Coimbra, ou ainda magistrados, matemáticos e médicos que cursavam a
cadeira de História Natural que os habilitava para o recolhimento e preparação dos
produtos naturais e às observações zoológicas, botânicas e mineralógicas. Dedicavam-se,
portanto, à investigação da natureza. Reflexo da política lusa de conhecimento dos
territórios ultramarinos e investigação dos recursos naturais, a partir de segunda metade
do XVIII foram promovidas Viagens científicas e filosóficas comandadas por naturalistas. O
perfil ideal do naturalista viajante era o de um indivíduo com uma formação ampla, que
além de história natural, conhecesse áreas como geografia, química, física, direito,
economia, matemática (em especial trigonometria plana) e desenho. Sendo difícil
congregar em uma só pessoa saberes tão diversos, as equipes às vezes contavam com
indivíduos de formação diferente. Alguns naturalistas atuavam apenas nos Gabinetes de
História Natural, em Portugal, planejando as viagens e sistematizando o material recebido.
`12] Natural de Coimbra, Portugal, Luiz Antonio da Costa Barradas doutorou-se em
Filosofia pela Universidade da mesma cidade. Em 1806 foi o naturalista designado pela
coroa portuguesa para uma viagem científica à capitania de Pernambuco, instruída por
José Bonifácio. Quatro anos mais tarde, com a morte de Francisco Xavier Caldeira
Cardoso, o "Xavier dos Pássaros" foi nomeado Inspetor da Casa de História Natural,
também conhecida como "Casa dos Pássaros", instituição criada em 1784 pelo vice-rei D.
Luiz de Vasconcellos e Sousa para a guarda, preparação e envio a Portugal de produtos
naturais - minerais, plantas, animais e adornos indígenas - recolhidos pelas expedições
científicas. Com o fechamento da Casa dos Pássaros, ainda em 1810, Barradas tornou-
capitão do Real Corpo de Engenheiros e professor de Física da Academia Real Militar,
recém-criada. Nomeado oficial da Secretária de Estado dos Negócios da Marinha, em
1816, traduziu o livro "Geometria prática do obreiro ou aplicação da régua, da esquadria e
do compasso à solução dos problemas de geometria de Mr. E. Martin", em 1834. Foi ainda
diretor da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, quando escreveu o opúsculo do livro que
leva o nome da instituição, em 1843. Em 1845, foi nomeado juiz de paz da freguesia de
São João Batista, além de assumir três anos mais tarde como subdelegado de polícia.
Condecorado com os títulos de comendador da Ordem de Cristo e cavaleiro da Imperial
Ordem da Rosa faleceu em 1862, na cidade do Rio de Janeiro.
[13] Moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI).
Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo
mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da
colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.
[14] Localizado na então vila de Mafra, em Lisboa, o Palácio Nacional de Mafra foi
construído durante o faustoso reinado de d. João V (1706-1750). Ícone da arquitetura
barroca em Portugal, o Palácio compõe um conjunto arquitetônico que inclui, ainda, uma
das maiores bibliotecas européias setecentistas, com cerca de 40.000 livros, o Convento,
a Basílica e os Carrilhões, num conjunto de 92 sinos. As obras iniciaram-se em 1717 sob a
direção de João Frederico Ludovice, ourives alemão, que estudou arquitetura na Itália. O
projeto, que previa inicialmente a construção de um convento destinado à Ordem dos
Frades Arrábidos, acabou tomando vulto e tornando-se um palácio-mosteiro, símbolo da
espetacularização do poder real. Entre os muitos materiais importados para construção do
monumento, inclui-se o ouro brasileiro cuja exploração, atingia seu apogeu nas Minas
Gerais. A consagração da Basílica ocorreu em 1730, no 41° aniversário de d. João V.
Embora não tenha funcionado como moradia habitual dos monarcas, o Palácio hospedava
a família real por ocasião de festas religiosas ou nas caçadas. Durante a invasão francesa,
em 1807, Mafra funcionou como uma base militar. Foi também do Palácio, que o último rei
português, d. Manuel II, fugiu para o exílio com a proclamação da República, em 1910.

Você também pode gostar