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PEQUENO

MANUAL PRÁTICO
DA VIDA

COTIDIANA
66 princípios para o viver junto

TOMO I
2013/A
O que segue é parte da crença de que não são precisos os limites entre vida,
pensamento e escrita. Assim, ocupar-se de um termo já é dedicar-se aos outros,
em suntuosa reciprocidade. Por essa via, ao lançarmo-nos em tais interferências,
apresentamos aqui 66 princípios para a constituição do que poderíamos chamar,
caso quiséssemos parecer sérios e respeitáveis, de Ordem Arquitetônica Ética
do Contemporâneo. Tais preceitos (valores, qualidades ou simples toques)
fabulados por entre à obra de Michel Foucault, tal como por nós foi estudada
durante o primeiro semestre de 2013, na disciplina de Pesquisa em Psicologia
III, não pretendem, entretanto, encerrar nenhuma doutrina, tampouco anseiam
por legitimações maiores. Antes, servem de testemunho aos nossos movimentos
de pensamento, ou seja, um mapa (por certo menor, parcial e incompleto) do
por onde temos andado, uma cintilação de territórios subjetivos nos quais temos
inscrito o nosso viver junto cotidiano. Aqui reunidos, indicam também um
caminho, ou melhor, o meio sobre o qual poderão partir os próximos passos,
que então não haverão de ser apenas os nossos (um pouco de ordem, mesmo
que só um pouquinho, onde já estão contidos os saltos). Compor e desarticular;
traçar e evadir; proliferar e contagiar; inventar, ocupar e uma vez mais despedir-
se. Talvez sejam esses, para sermos mais ou menos precisos, os objetivos táticos
desse pequeno manual.
PMPdVC
1. Isolar-se1;
2. Não esquecer dos detalhes em favor de nenhuma totalidade;
3. Não abraçar nenhuma noção em detrimento às sensações;
4. Jamais condenar a vida, ou apenas: jogar os dados outra vez e não virar as costas a um espetáculo
estimulante na esquina (por menor que ele possa parecer);
5. Ter em mente o valor do pequeno, assim como a utilidade do inútil: uma outra dose, aquele brinco sobre a
cômoda, o papel higiênico com a ponta delicadamente dobrada no banheiro do hotel, o obtuso do sentido, o
sentimento de não estar totalmente e o gesto que consiste em pôr o dedo indicador na têmpora e movê-lo
como quem aparafusa e desparafusa em um pequeno livro azul de Julio Cortázar, a cidade esperando, o frio e
a chuva e o vinho e as flores, ainda mais dias, outros dias, outras noites, outros meses e outros anos,
etc
etc
etc;
6. Não permitir que nenhum conceito faça esquecer o múltiplo, o primeiro dia de primavera e o último e a
primeira linha deste texto e esta que agora acaba.
7. Usar os verbos viver/amar/sentir de forma exaustiva em seu cotidiano;
8. Apostar nas suas verdades, mesmo que outros acreditem no contrário;
9. Acolher o lado sombrio da vida da forma mais leve possível;
10. Perceber o privilégio que é viver... Sonhar... Morrer.
11. Ouça mais;
12. Nenhum saber científico deve desqualificar os ensinamentos aprendidos com as pessoas que ama;
13. Não busque em manuais ou livros de autoajuda o que você pode responder com a prática ou na conversa
com alguém;
14. O futuro é agora, por isso não desvie seu olhar dos problemas atuais, porque o futuro não será concertado
pelos próximos;
15. Apreciar cada detalhe do orvalho como se amanhã ele não estivesse presente, ou não esquecer que o
amanhã virá depois de hoje;
16. Olhar para o interior de si e admirar o ser único que está presente;
17. Contemplar o verde, as cores do arco-íris, mundo sem cor pode afastar seu interior;
18. Não vá ate onde conseguir ir. Vá além;
19. Permitir-se surpreender, desacomodar;
20. Não esquecer a intensidade dos pequenos momentos que a vida oferece;
21. Manter equilíbrio entre a razão e a emoção;
22. Não esquecer o ser, a essência, possibilitando que seja mais importante do que a ilusão do apenas ter;
23. Reinvente-se: seja diferente a cada dia, permaneça com o indispensável, e o que não for, substitua por
novas criações;
24. Miscigene-se: não se relacione sempre com as mesmas pessoas da mesma forma, aproxime-se dos
diferentes, converse com outros discursos e outras vozes;
25. Resiliencie-se: ao desenvolver essa capacidade, você terá a possibilidade de encarar dias cinza da forma
mais natural;
26. Devir-vida: não aceite a vida da forma que ela se apresenta a você transforme-a todos os dias e faça com
que ela se torne vida a cada dia;
27. Mais pensamentos e mais escritas;
28. Mais músicas e mais amor;
29. Mais liberdade;
30. Voltar a precisar (por nós mesmos);
31. Dar valor ao seu corpo. Descobrir as potencialidades dele. Os limites. As sensações. A beleza de um
corpo diferente daquele “corpo modelo”;
32. Ter contato com uma criança. Se envolver com ela. Aprender com ela. Ser tocado pelas capacidades dela.
Brincar com ela!;
33. Permitir que a espontaneidade abra caminho para novos acontecimentos;

1
Trata-se de um pressuposto idiorrítmico, e não espacial. Ou seja: o isolamento é sempre o de um ritmo em relação aos outros, a
garantia de seu movimento, sua permanência, ao mesmo tempo em que, para ele próprio, funciona como um imperativo ético: não
subjugar, não sobrepor-se, garantir a insistência do outro.
34. Reserve um tempo para escutar uma música boa, todos os dias. Olhe e escute esta música de forma
fantástica;
35. Contemple a beleza do silêncio;
36. Seja artista de sua própria existência;
37. Todo o dia invente uma alegria e em cada canto veja um lado bom;
38. Deixe que sua imaginação jogue livremente;
39. Dar ouvidos ao transcendental, ao frio na barriga, ao arrepio na espinha dorsal. Muito nos dizem essas
sensações;
40. Ócio pode, sim, ser produtivo, desde que saiba tirar proveito disso;
41. Não se preocupe em preencher vazios, espaços em branco, ou até mesmo o silêncio. Escute-os.
Vislumbre-os. Use-os a seu favor;
42. Os seis sentidos (sim, seis: olfato, paladar, audição, visão, tato e intuição) existem e são bons aliados para o
bem viver e seus processos de criação;
43. Dar, sem pensar em receber. Não pensar somente nos objetos, o imaterial também transborda conforto ao
cuidado do outro, seja ele quem for;
44. Estimular a capacidade subjetiva no sentido de posicionar-se sem que a norma norteie o pensamento.
Esvaziar-se conceitualmente;
45. Tornar as atividades que realizamos menos automatizadas e mais conscientes;
46. Sonhar. Transformando-os dentro das possibilidades, eles podem se tornar concretos de fato;
47. Praticar a respeitabilidade mútua. Sobre a velha história: meu direito termina onde começa o direito do
outro;
48. Aprender a admirar algum tipo de arte (a arte ensina sem impor);
49. Permitir-se experimentar. Novas sensações são sempre bem vindas;
50. Ser leve. Não confundir com ser leviano;
51. Modificar os valores pelos quais regramos nossas vidas, pois não há apenas uma maneira de se viver;
52. Viver como eternos aprendizes, rindo das nossas certezas, pois o conhecimento nunca é absoluto;
53. Caminhar sem medo do desconhecido. Ir em busca no novo;
54. Viver a favor das diferenças, questionar a uniformidade das coisas;
55. Tire um tempo para si mesmo: cante, toque um instrumento, dance, faça yoga, terapia ou qualquer coisa
que seja de você, para você;
56. Não julgar é difícil, mas tente com todas as forças se desfazer das amarras do julgamento moral. Conte não
até dez, mas até dez mil, antes de fazer um julgamento de alguém;
57. Vá para algum lugar inóspito e desconhecido;
58. Entregue-se. Seja no sofrimento, na felicidade, na dor, na amizade, nas relações... Seja o que for, vivencie
os momentos em sua plenitude, e nunca deixe para depois seus sentimentos;
59. Ser criador de alternativas que permitam se comunicar com outras formas de vida, outros discursos, sem
prévias significações;
60. Estar sempre alerta, aberto, sentindo o “estar” em todos os lugares, como num jogo de esconde-esconde,
visível, invisível;
61. Não estar nem na arquibancada nem no palco, mas no sentido da vida, sentindo a vida como arte,
imprevisível, apaixonante;
62. Em nenhum momento separar a vida do devir, em momento algum atingir uma forma, uma identificação
ou mesmo uma imitação, estar sempre “entre”, a vida e a vida e a vida;
63. Respeitar, ser humilde, nunca subestimar alguém achando que seu saber é soberano, indiferente ao
contexto;
64. Trocar, multiplicar, ampliar conhecimentos, por mais comuns/simples que sejam eles, sempre tem algo a
ensinar;
65. Conhecer novas culturas, se abrir para o outro, para o dito estranho do seu ponto de vista;
66. Criar, se questionar, possibilitando assim transformações em si.

Lajeado, maio de 2013.


Propositores

Carla Letícia da Rosa


Cristiano Bedin da Costa
Deise Ulsenheimer
Fernanda Dias Marques
Gabriela Kunzler
Juliana Roveda
Josiani Schmidt
Júlia Andressa Portz
Karina Jachetti
Luana Casagrande Bettio
Maria Margarida do Espírito Santo
Míriam Gaede
Monique Quadros
Rosângela Schuster
Taciane Patricia Mantovani
Vivian Luíse Ahlert

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