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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E
MOVIMENTO

Literatura e criatividade: mediação pedagógica e


desenvolvimento do pensamento criativo

KÍVIA PEREIRA DE MEDEIROS FARIA

Natal/RN
2022
2

KÍVIA PEREIRA DE MEDEIROS FARIA

Literatura e criatividade: mediação pedagógica e desenvolvimento do


pensamento criativo

Tese apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação do
Centro de Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial para obtenção do grau
de Doutora em Educação.

Linha de Pesquisa: Educação,


Comunicação, Linguagens e
Movimento.

Orientadora: Profa. Dra. Marly


Amarilha

Natal/RN
2022
3

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN


Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de
Góes - CE
Faria, Kivia Pereira de Medeiros.
Literatura e criatividade: mediação pedagógica e
desenvolvimento do pensamento criativo / Kivia Pereira de
Medeiros Faria. - 2022.
298 f.: il. color.

Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do


Norte, Centro de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação.
Natal, RN, 2022.
Orientadora: Profa. Dra. Marly Amarilha.

1. Literatura - Tese. 2. Mediação pedagógica - Tese. 3.


Criatividade - Tese. 4. Ensino fundamental - Tese. I. Amarilha,
Marly. II. Título.

RN/UF/Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE CDU 82:37

Elaborado por Jailma Santos - CRB-15/745


4

KÍVIA PEREIRA DE MEDEIROS FARIA

LITERATURA E CRIATIVIDADE: MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E


DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CRIATIVO

COMISSÃO JULGADORA

_________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Marly Amarilha (Orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

_________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Daniela Maria Segabinazi (Examinadora externa)
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

_________________________________________________________
Prof. Dr. Diógenes Buenos Aires de Carvalho (Examinador externo)
Universidade Estadual do Piauí (UESPI)

_________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Alessandra Cardozo de Freitas (Examinadora interna)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

_________________________________________________________
Prof. Dr. Allyson Carvalho De Araújo (Examinador interno)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

_________________________________________________________
Profª. Drª. Diana Maria Leite Lopes Saldanha (Suplente externo)
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

_________________________________________________________
Juliana de Melo Lima (Suplente interno)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Natal/RN, 25 de fevereiro de 2022.


5

A quem me amou primeiro: meus pais.


A quem amo em continuidade: Lívia.
6

AGRADECIMENTOS

Somos constituídos de muitos que nos afetam e inspiram. Cada um tem


relevância no que somos e poderemos ser. Então, agradeço por vocês em
minha vida que, de forma tão peculiar num mosaico colorido, me fazem.

A Deus, inteligência e bondade supremas, pela saúde e certeza de que não


estou só.

À minha família, meus pais e irmãs, por todas as memórias e amor.

A Kresly, pela verdade, torcida e por me impulsionar num processo de


autoconhecimento.

À Lívia, pelo incentivo: escreveu quantos parágrafos? Terminou a sua ideia? É


melhor você ir estudar!

À professora Marly, pela formação e acolhida na vida acadêmica desde os


tempos da iniciação científica, pela inspiração e referência docente, pela força
com que defende a presença da literatura na escola. Muito obrigada!

Aos professores que avaliaram este trabalho, Daniela Segabinazi, Diógenes


Carvalho, Alessandra Freitas, Allyson Carvalho, Diana Saldanha e Juliana
Lima, pela acuidade na leitura e orientação.

Aos membros do Grupo de Pesquisa Ensino e Linguagem (UFRN) pelas trocas


de experiência, pela aprendizagem coletiva e saber compartilhado.

À Liga do Bem, Cibele, Danielle, Dominique, Milene, Rebeca e Sandro, pelo


apoio incondicional, pela leveza e brilho de nossa amizade.
7

Aos Brasilindos, Gleidson, Manoilly e Simone, pela amizade inspiradora.

À Sayonara, pela amizade, escuta atenta, pelo socorro com empréstimos de


livros quando o mundo se fechou devido à pandemia.

À Raquel, pelas palavras que me acolheram.

À equipe do Núcleo de Educação da Infância (UFRN) pelo apoio a este projeto,


pela oportunidade e acolhida da pesquisa. Em especial, à Karol e Elaine,
parceiras inestimáveis.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação e aos seus professores, pelos


momentos de formação e aprendizagem.

Às crianças que fizeram parte desta pesquisa com vivacidade e alegria.

A todos os meus alunos que me ensinam a ser professora de criança, a ouvir


com responsabilidade e a falar com respeito.
8

O primeiro fator que notamos no ato criativo é a sua


natureza de encontro.
Rollo May (1982)
9

RESUMO

Este estudo investiga, na mediação pedagógica da leitura de literatura, a


emergência do pensamento criativo em crianças dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Sua relevância consiste em reconhecer a prática educativa com
a literatura como catalisadora do pensar criativo, mediante ações que
promovam o diálogo, a formação de repertório, a abertura à divergência, a
leitura e discussão de histórias. Respalda-se nos estudos de Amarilha (2009;
2013), fundamentais na correlação literatura e prática pedagógica; Yunes
(2003), Zilberman e Silva (2008), cujos trabalhos revelam a importância da
literatura para a formação do leitor; Iser (1996, 1999) que trata da recepção do
leitor mediante a leitura, ressaltando a qualidade e os efeitos estéticos da obra
literária, sinalizando o potencial criativo do leitor em processo de leitura de
literatura, além dos estudos de Eco (2011; 2016), Culler (1999) e Eagleton
(2006) para a compreensão da literatura como arte. No que tange à ação
educativa, os estudos de Fontana (2005), Bortoni-Ricardo (2012), Bruner
(1997), Vigotski (2007; 2014) e Zabala (1998) subsidiam a compreensão sobre
mediação nas relações pedagógicas. As pesquisas de Csikszentmihalyi (1996),
De Masi (2005), Guilford (1977), Martínez (1997, 2002, 2009, 2012), Alencar
(2009; 2007; 2001) e Vigotski (2014) auxiliam no entendimento sobre
criatividade, evocando a relevância das interações sociais dos sujeitos no
desenvolvimento do pensamento criativo. O estudo é consoante às pesquisas
qualitativas e adotou a observação in loco e a intervenção pedagógica como
técnicas de constituição dos dados. Como instrumentos, utilizou-se o diário de
campo e a gravação em áudio e vídeo das sessões de leitura de literatura. A
pesquisa foi realizada em colégio de aplicação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, em uma turma do 4º ano do ensino fundamental, com 19
crianças, cuja faixa etária oscilava entre 9 e 10 anos de idade. Durante a etapa
de intervenção, dez sessões de leitura de literatura foram implementadas,
ancoradas na metodologia da andaimagem (scaffolding), orientada por Graves
e Graves (1995). Como corpus, têm-se os episódios de fala dos sujeitos da
pesquisa, cuja codificação semântica permitiu o agrupamento em categorias
centrais: repertório literário e criatividade, literatura e pensamento divergente,
criação e literatura. As análises das vozes dos sujeitos sinalizam que a
mediação pedagógica na aula de literatura favorece a emergência da
criatividade à medida que possibilita abertura para o diálogo, espaço para a
divergência, formação de repertório, expressão do pensamento de forma
coletiva, por meio da valorização das vozes do texto e dos leitores. No tocante
aos procedimentos, revelou que a metodologia da andaimagem (scaffolding) é
afim à criatividade em aspectos fundamentais, reposicionando o ensino de
literatura frente às demandas educacionais emergentes.

Palavras-chave: Literatura; Mediação pedagógica; Criatividade; Ensino


fundamental.
10

ABSTRACT

This study investigates, in the pedagogical mediation of literature reading, the


emergence of creative thinking in elementary school children. Its relevance
consists in recognizing the educational practice with literature as a catalyst for
creative thinking, through actions that promote dialogue, repertoire formation,
openness to divergence, and the reading and discussion of stories. It is
supported by the studies of Amarilha (2009; 2013), fundamental in the
correlation of literature and pedagogical practice; Yunes (2003), Zilberman and
Silva (2008), whose works reveal the importance of literature for the formation
of readers; Iser (1996, 1999) who deals with the reader's reception through
reading, highlighting the quality and aesthetic effects of the literary work,
signaling the creative potential of the reader in the process of reading literature,
in addition to the studies of Eco (2011; 2016), Culler (1999) and Eagleton
(2006) for the understanding of literature as art. Regarding educational action,
the studies of Fontana (2005), Bortoni-Ricardo (2012), Bruner (1997), Vygotski
(2007; 2014), and Zabala (1998) subsidize the understanding about mediation
in pedagogical relations. Research by Csikszentmihalyi (1996), De Masi (2005),
Guilford (1977), Martínez (1997, 2002, 2009, 2012), Alencar (2009; 2007;
2001), and Vygotski (2014) assists in the understanding of creativity, evoking
the relevance of the subjects' social interactions in the development of creative
thinking. The study is in line with qualitative research and adopted on-site
observation and pedagogical intervention as techniques for data constitution. As
instruments, we used the field diary and audio and video recording of the
literature reading sessions. The research was carried out in the school of
application of the Federal University of Rio Grande do Norte, in a 4th grade
class with 19 children, whose ages ranged between 9 and 10 years old. During
the intervention stage, ten literature reading sessions were implemented,
anchored in the methodology of scaffolding, oriented by Graves and Graves
(1995). As corpus, we have the speech episodes of the research subjects,
whose semantic coding allowed the grouping into central categories: literary
repertoire and creativity, literature and divergent thinking, creation and
literature. The analyses of the subjects' voices indicate that pedagogical
mediation in the literature class favors the emergence of creativity as it allows
an opening for dialogue, a space for divergence, the formation of a repertoire,
and the expression of collective thought by valuing the voices of the text and of
the readers. Regarding procedures, it revealed that the methodology of
scaffolding is related to creativity in fundamental aspects, repositioning the
teaching of literature in the face of emerging educational demands.

Keywords: Literature; Pedagogical mediation; Creativity; Elementary school.


11

RESUMEN

Este estudio indaga, en la mediación pedagógica de la lectura de literatura, la


manifestación del pensamiento creativo en niños que cursan los primeros años
de la Educación Básica. Su relevancia radica en legitimar la práctica educativa
con la literatura como catalizadora del pensamiento creativo, a través de
acciones que promuevan el diálogo, la formación de repertorio, la apertura a la
divergencia, la lectura y discusión de relatos. Su marco teórico se basa en
estudios de Amarilha (2009; 2013), los cuales son fundamentales en la
correlación entre literatura y práctica pedagógica; Yunes (2003), Zilberman y
Silva (2008), cuyas obras revelan la importancia de la literatura para la
formación del lector; Iser (1996, 1999) que trata sobre la recepción del lector a
través de la lectura, destacando la calidad y los efectos estéticos de la obra
literaria, señalando el potencial creativo del lector en el proceso de lectura de la
literatura, además de los estudios de Eco (2011; 2016), Culler (1999) y
Eagleton (2006) por entender la literatura como arte. Respecto a la acción
educativa, los estudios de Fontana (2005), Bortoni-Ricardo (2012), Bruner
(1997), Vigotski (2007; 2014) y Zabala (1998) fundamentan la comprensión
sobre la mediación en las relaciones pedagógicas. Las investigaciones de
Csikszentmihalyi (1996), De Masi (2005), Guilford (1977), Martínez (1997,
2002, 2009, 2012), Alencar (2009; 2007; 2001) y Vigotski (2014) contribuyen
para comprender la creatividad, evocando la relevancia de las interacciones
sociales de los sujetos en el desarrollo del pensamiento creativo. El estudio
está en la línea de la investigación cualitativa y adoptó la observación in loco y
la intervención pedagógica como técnicas de constitución de datos. Se
utilizaron como instrumentos, el diario de campo y la grabación en audio y
video de las sesiones de lectura de literatura. La investigación fue realizada en
una Escuela de Aplicación de la Universidad Federal de Rio Grande do Norte,
en una clase del 4º año de la Educación Básica, con 19 niños, cuyo rango de
edad variaba entre 9 y 10 años. Durante la etapa de intervención se
implementaron diez sesiones de lectura de literatura, justificadas en la
metodología del andamiaje, (scaffolding), guiado por Graves y Graves (1995).
Tenemos como corpus investigativo los episodios verbalizados de los sujetos
estudiados, cuya codificación semántica permitió agruparlos en categorías
centrales: repertorio literario y creatividad, literatura y pensamiento divergente,
creación y literatura. El análisis de las voces de los sujetos indica que la
mediación pedagógica en la clase de literatura favorece el surgimiento de la
creatividad, en la medida que permite apertura al diálogo, espacio para la
divergencia, formación de repertorio, expresión del pensamiento de forma
colectiva, a través de la valorización de voces del texto y los lectores. Con
relación a los procedimientos, estos revelaron que la metodología del
andamiaje se relaciona con la creatividad en aspectos fundamentales,
reposicionando la enseñanza de la literatura frente a las demandas educativas
emergentes.

Palabras llave: Literatura; Mediación pedagógica; Creatividad; Educación


básica.
12

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: Contos de Sacisas (José Roberto Torero, 2018) 158

LISTA DE QUADROS

QUADRO 01 Sistemática da implementação das sessões de leitura 71


QUADRO 02: Episódio de pré-leitura de Entre leão e unicórnio, estratégia 131
de pré-ensino, 2ª sessão
QUADRO 03: Episódio de pré-leitura de Miragens, estratégia de 132
conhecimento específico do texto, 7ª sessão
QUADRO 04: Episódio de pré-leitura de Sacinderela, estratégia de 133
conhecimento específico do texto em perspectiva
intertextual, 5ª sessão
QUADRO 05: Modalidades de leitura distribuídas nas sessões da 135
pesquisa
QUADRO 06 Episódio de pré-leitura de A pílula falante, 1ª sessão 136
QUADRO 07: Classificação das perguntas de pós-leitura, segundo 139
Marcuschi (2011)
QUADRO 08: Interlocução: Criatividade e andaimagem 142
QUADRO 09: Categorias e subcategorias da pesquisa 144
QUADRO 10: Episódio de pré-leitura de A primeira só, 4ª sessão 148
QUADRO 11: Episódio de pós-leitura de A primeira só, 4ª sessão 152
QUADRO 12: Episódio de pós-leitura de A primeira só, 4ª sessão 155
QUADRO 13: Episódio de pré-leitura de Contos de Sacisas, 5ª sessão 159
QUADRO 14: Episódio de pós-leitura de Contos de Sacisas, 5ª sessão 162
QUADRO 15: Episódio de pós-leitura de Contos de Sacisas, 5ª sessão 164
QUADRO 16: Episódio de pré-leitura de A pílula falante, 1ª sessão 169
QUADRO 17: Episódio de pós-leitura de A pílula falante, 1ª sessão 171
QUADRO 18: Episódio de pós-leitura de A pílula falante, 1ª sessão 172
13

QUADRO 19: Episódio de pós-leitura de A pílula falante, 1ª sessão 174


QUADRO 20: Episódio de pré-leitura de Um garoto chamado Rorbeto, 10ª 176
sessão
QUADRO 21: Episódio de pós-leitura de Um garoto chamado Rorbeto, 178
10ª sessão
QUADRO 22: Episódio de pós-leitura de Um garoto chamado Rorbeto, 179
10ª sessão
QUADRO 23: Episódio de pós-leitura de Um garoto chamado Rorbeto, 180
10ª sessão
QUADRO 24: Episódio de pós-leitura de A moça tecelã, 6ª sessão 183
QUADRO 25: Episódio de pós-leitura de A moça tecelã, 6ª sessão 184
QUADRO 26: Episódio de pós-leitura de A moça tecelã, 6ª sessão 185
QUADRO 27: Texto coletivo na perspectiva do marido, 6ª sessão 186
QUADRO 28: Episódio de pós-leitura de Miragens, 7ª sessão 187
QUADRO 29: Episódio de pós-leitura de Sem pé nem cabeça, 8ª sessão 189
QUADRO 30: Episódio de pós-leitura de Entre leão e unicórnio, 2ª sessão 192
QUADRO 31: Episódio de pós-leitura de Entre leão e unicórnio, 2ª sessão 193
QUADRO 32: Episódio de pós-leitura de A primeira só, 4ª sessão 195
QUADRO 33: Episódio de pré-leitura de O jogo das palavras mágicas, 9ª 197
sessão
QUADRO 34: Episódio de leitura de O jogo das palavras mágicas, 9ª 198
sessão
QUADRO 35: Episódio de pós-leitura de O jogo das palavras mágicas, 9ª 199
sessão
QUADRO 36: Episódio de pós-leitura de Miragens, 7ª sessão 201
QUADRO 37: Episódio de pós-leitura de A partida, 3ª sessão 202
QUADRO 38: Episódio de pós-leitura de A partida, 3ª sessão 203
QUADRO 39: Pergunta mobilizadora da discussão pós-leitura de A 204
partida, 3ª sessão
QUADRO 40: Episódio de pós-leitura de A partida, 3ª sessão 205
14

LISTA DE SIGLAS
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CE Centro de Educação
CEP/CONEP Comitê Central de Ética em Pesquisa/Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa
CNS Conselho Nacional de Saúde
CNPq Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONSUNI Conselho Universitário
MEC Ministério da Educação
NEI Núcleo de Educação da Infância
NEPI Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Infâncias
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

LISTA DE ABREVIATURAS E SINAIS UTILIZADOS NAS TRANSCRIÇÔES

PP Professor pesquisador
SNI Sujeito não identificado
(( )) Comentários da pesquisadora
SFMT Sujeitos falando ao mesmo tempo
[] Sobreposição de vozes
(...) Indicação de turno ou segmento de fala interrompido
... Pausa longa
((+)) Pausa breve
::: Alongamento de vogal
[...] Indicação de supressão
15

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 17
1.1 Justificativa 19
1.2 Delineamento do estudo: questões e objetivos da pesquisa 26
1.3 Referencial teórico e estado da arte 30
1.4 Guia de leitura da tese 46

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS 49
2.1 O desenho da pesquisa 54
2.1.1 Acordos éticos e institucionais 55
2.1.2 Ecologia da escola: o locus e os sujeitos 57
2.1.3 A observação 64
2.1.4 Planejamento e implementação 65
2.1.5 Análise dos dados 72

3 CRIATIVIDADE: ABORDAGENS, DEFINIÇÕES E IMPLICAÇÕES 75


EDUCACIONAIS
3.1 Abordagens e definições sobre criatividade 75
3.1.2 A criatividade na abordagem histórico-cultural 84
3.2 Memória, imaginação e realidade: a dinâmica da criação 90
3.3 A criatividade e o contexto escolar 94
3.3.1 A criatividade na educação: professor, aprendiz e escola 99

4 LITERATURA, LEITURA E LEITOR: A CRIATIVIDADE EM 108


MOVIMENTO
4.1 Sobre a literatura e seu leitor 108
4.2 A literatura educa? 116

5 MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA: ENTRE ENSINAR E APRENDER 120


CRIATIVAMENTE NO PROCESSO DE LEITURA DE LITERATURA
5.1 Mediação, literatura e criatividade 120
16

5.1.1 O professor mediador: educar a criatividade 124


5.2 Andaimagem e criatividade: a aula de literatura 127
5.2.1 Planejamento 128
5.2.2 Pré-leitura 131
5.2.3 Leitura 134
5.2.4 Pós-leitura 137

6 ENTRE LEITURAS E VOZES: A CRIAÇÃO DE SENTIDOS 144


6.1 Repertório literário e criatividade 146
6.1.1 Criação na intertextualidade 147
6.1.2 Intertextualidade e resolução de conflito 157
6.2 Literatura e pensamento divergente 168
6.2.1 Produção de ideias 169
6.2.2 Subversão de lógicas dominantes 182
6.3 Criação e literatura 190
6.3.1. Criação e os vazios do texto literário 191
6.3.2 Imaginação e literatura 200

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 207

8 REFERÊNCIAS 212

9 ANEXOS 229

10 APÊNDICES 280
17

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa Literatura e criatividade: mediação pedagógica e


desenvolvimento do pensamento criativo faz parte de uma trajetória de estudos
que investiga os meandros da formação do leitor literário. Com percurso
acadêmico ligado ao grupo de pesquisa Ensino e Linguagem, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, estudos sobre literatura e prática pedagógica
foram uma preocupação recorrente e objeto de estudo tanto na graduação
(MEDEIROS, 2004), como na pós-graduação – mestrado (FARIA, 2014) e,
agora, no doutoramento.
Na perspectiva de propor alternativas possíveis para o desenvolvimento
do pensamento criativo em crianças escolares, nasce este estudo, cuja
intenção é contribuir com pesquisas que pensam sobre a formação leitora do
sujeito, especificamente, sobre a emergência da criatividade em situação de
experiência de leitura mediada.
No que concerne a este estudo, as motivações chegam por duas linhas:
uma teórica e outra prática. A motivação teórica diz respeito à produção
acadêmica, aos estudos sobre criatividade e educação, de forma ampla, que
sinalizam a urgência de se considerar a criatividade nos processos de ensinar
e aprender, desmistificando sua essência como algo divino ou exclusivo a
alguns indivíduos e indicando que proposições criativas podem estar na sala de
aula, nos diálogos e nas perguntas dos professores.
Ainda nessa perspectiva, outro ensejo foi investigar os desdobramentos
do estudo de mestrado que investigou as contribuições da literatura para o
desenvolvimento do pensamento criativo (FARIA, 2014). As respostas dos
aprendizes daquele estudo enraizaram o desejo de conhecer mais sobre os
processos criativos sob o viés da mediação pedagógica. Surgindo, portanto,
questionamentos sobre como o fazer do professor pode contribuir para o
desenvolvimento do pensamento criativo dos alunos.
Considerando a perspectiva prática, o interesse pela investigação na
interface com a criatividade advém do exercício do magistério com crianças, do
apreciar suas falas, das opções metodológicas escolhidas para o ensino e da
aproximação da criança ao objeto do conhecimento como forma de
sistematizar saberes.
18

Experiências com a literatura como fomentadora do pensar criativamente


e como repertório que contribui para a criação; a apreciação de situações-
problemas sob diversas perspectivas de resolução e registro; a manipulação de
materiais concretos para apreensão de conceitos abstratos; o conhecimento
em rede para promover a compreensão sobre determinada temática, assim
como outras estratégias do fazer pedagógico são algumas nuances que
evidenciam que promover repertório, legados de conhecimento e diversas
formas de se chegar a determinado entendimento são caminhos que
favorecem a expressão do pensamento criativo em sala de aula e que motivam
a interface investigada.
Ainda incorpora esse campo da prática, observar a infância de forma
geral, não apenas as crianças em situação escolarizada, mas também aquelas
que estão ao meu alcance, no convívio diário, e que possibilitam o ouvir, o
apreciar e o refletir sobre suas falas e modos de pensar sobre as situações
mais diversas. Como uma criança que, certa vez, se afastou de uma festa de
aniversário da qual era convidada e observava, insistentemente, um grupo de
passarinhos, pois, segundo ela, preferia estar numa festa com pássaros, já que
sabiam fazer festas que voam. Ou ainda uma criança que se referia à beleza
da pele metalizada e brilhosa da amiga, quando, observava, na verdade, um
bronzeado de verão.
Essas formas de pensar, expressas nas vozes e ações das crianças,
indicam um modo de pensar flexível e instigante para ser investigado sob o
viés da criatividade, uma vez que estabelecem relações imprevisíveis, porém
coerentes e diversas do lugar comum. Características que são comungadas
com a literatura, advindo daí a possibilidade do estudo na interface proposta.
Atrelada a uma inclinação pessoal pela temática existe, também, a
oportunidade de contribuir para um ensino de literatura com princípios
formativos, humanos e artísticos, considerando a criatividade como uma
característica humana possível de ser potencializada e desenvolvida.
Tal possibilidade traz contemporaneidade ao estudo, posto que o Fórum
Econômico Mundial, em 2018, apresentou o documento The Future of Jobs
Report (WORLD ECONOMIC FORUM, 2018) indicando que a criatividade será
uma das três habilidades mais requeridas para o homem do futuro, ao lado da
capacidade de resolver problemas e do pensamento crítico. Sendo uma
19

habilidade humana passível de ser provocada, motivada, por que não a refiná-
la com a produção cultural mais sofisticada, diversa e criativa feita pelo homem
no uso da linguagem: a literatura?
Enlaçando esses dois vieses, criatividade e literatura, potencializa-se a
capacidade imaginativa, resolutiva e reflexiva do homem, porque é
experiencial: fornece lastro, coleção de conhecimento.
Essas informações, dados e frutos de observação dão forma a um
conjunto de motivação fomentador da necessidade de pesquisar, conhecer e
aperfeiçoar o fazer docente sob a ótica da leitura de literatura e mediação
pedagógica para o encontro do leitor com o texto, com vistas à emergência do
pensamento criativo.
Dessa forma, o intento desta investigação é um amálgama composto
pelos estudos sobre literatura, mediação pedagógica e criatividade, antevendo
a perspectiva de contribuição e arejamento sobre a presença da literatura na
escola, emergência do pensamento criativo e formação de leitores,
contribuindo, portanto, para responder às necessidades emergentes dos novos
tempos, qual seja: a formação de sujeitos pensantes e criativos, mas no caso
deste estudo, sob a via formativa da leitura de literatura.

1.1 Justificativa

Considerando o exposto e a perspectiva educacional deste estudo, sua


relevância está na possibilidade de explorar a criatividade na formação de
leitores em situação dialógica, reconhecendo a literatura e a ação do mediador
como facilitadores à emergência do pensamento criativo. Esse direcionamento
possibilita a atuação, concomitante, nos dois polos do processo educativo:

 no ensino: com a presença da leitura de literatura na escola, a


partir de estratégias planejadas pelo professor para a leitura, discussão e
mediação do texto literário; com sequências didáticas no ensino de leitura de
literatura, que são facilitadoras de experiência com a palavra e das relações
interativas em sala de aula; e
 na aprendizagem: com a interação do aluno com um qualificado
repertório de textos literários, intermediado por um leitor mais experiente; com
20

a experiência da leitura de literatura fomentadora do pensamento criativo, da


criação de sentidos e do arejamento de ideias; e com a oportunidade de
aprender, em linguagem simbólica, em uma comunidade de leitores.
Wechsler e Nakano (2011), buscando compreender os desafios para a
educação brasileira sob o enfoque da criatividade, categorizaram os estudos
feitos sob duas perspectivas: identificação e desenvolvimento da criatividade.
Na primeira categoria, tenta-se compreender como avaliar a criatividade, como
ela pode ser expressa, na identificação de ações e respostas criativas, análises
do que pode ser uma barreira para o pensamento criativo ou facilitador desse
pensamento. Já as pesquisas agrupadas no âmbito do desenvolvimento da
criatividade buscam explorar propostas de ensino, intervenções, estratégias e
experimentação. Também fazem parte desse grupo as pesquisas que visam à
formação de professores e demais profissionais da escola.
Diante disso, vê-se a dupla abrangência desta pesquisa, pois ao mesmo
tempo em que se identifica uma expressão criativa do pensamento, busca-se a
motivação, a proposição positiva para a participação dos sujeitos, servindo
também como norte para a prática educativa de outros professores com
interesse na temática.
Estão, assim, imbricados ensino e aprendizagem, professores e alunos
na ação de educar pela e para a literatura, na intenção de construir uma
comunidade leitora que partilha o gosto pelo encontro com o texto literário, por
expressar suas ideias, por dar evidência ao seu modo de pensar, na mesma
medida em que aprecia o ponto de vista da leitura do outro e suas percepções,
contribuindo e avançando, conjuntamente, para patamares mais complexos de
compreensão sobre a leitura e sobre o mundo.
Em decorrência, a pesquisa inspira processos de ensinar e aprender
criativamente no ensino fundamental, indicando caminhos para uma prática
educativa mais criativa na perspectiva das crianças e do professor.
A mediação pedagógica, por sua vez, ganha relevo como forma de
verticalizar a experiência com a palavra. O professor mediador, circunscrito à
perspectiva desta pesquisa, lançando proposições convidativas e estimulantes
pode promover a prática de leitura de literatura mobilizadora de nuanças do
21

pensamento criativo, garantindo o espaço para a fala dos leitores e a promoção


de formas divergentes de pensar.
Isso posto, outra justificativa do estudo é evidenciada, isto é, a interface
em que ele se sustenta: literatura, criatividade e educação, demonstrando que
o diálogo com diferentes campos do saber pode oportunizar reflexões e
direcionamentos significativos sobre o fazer pedagógico na escola.
Algumas pesquisas, quando em solo educativo, geralmente, deparam-se
com cenários não muito convidativos, uma vez que ambientes atribulados,
fragilidades metodológicas e teóricas específicas para o fazer docente são
comumente encontradas por pesquisadores. Tal realidade é percebida na
literatura científica investigada.
Sobre criatividade, Wechsler e Nakano (2011, p. 23) afirmam que nos
anos finais do ensino fundamental I se observa queda da criatividade, pois a
―pressão da escola pela resposta certa ou única tolhe o pensamento divergente
dos alunos‖. Ao por essa afirmativa à luz dos currículos escolares, percebe-se
que, a partir do 4º ano do ensino fundamental, o volume de conteúdos
escolares aumenta consideravelmente, então, o espaço para a divergência,
experimentação e fruição é diminuído, revelando que essas ações são pouco
valorizadas na escola.
Pesquisa de Alencar, Fleith, Borges e Boruchovitch (2018) sobre a
criatividade em sala de aula chama atenção de que fatores como formação de
professores, condições de trabalho, recursos didáticos disponíveis ao
professor, estrutura e cultura predominante na escola são elementos
influenciadores nas práticas educativas criativas.
Entretanto, as autoras revelam que encontraram um cenário adverso
para o desenvolvimento da criatividade: desconhecimento sobre práticas
pedagógicas criativas e insegurança para testar novas práticas pedagógicas.
Soma-se a isso a utilização de procedimentos convergentes de ensino
associados a programas curriculares extensos e conteudistas.
Tal assertiva é corroborada por Alencar (2007), ao sinalizar a frequência
de práticas pedagógicas inibidora à criatividade nas escolas brasileiras, como:
22

[...] o ensino voltado para o passado, enfatizando-se a


reprodução e memorização do conhecimento; uso de
exercícios que se admitem apenas uma única resposta correta,
fortalecendo-se a dicotomia certo-errado [...]; baixas
expectativas com relação a capacidade do aluno de produzir
ideias inovadoras; além da centralização da instrução no
professor (ALENCAR, 2007, p. 46).

A descrição da autora reforça que a reprodução de antigas práticas não


se afina à proposta de desenvolvimento do sujeito criativo; assim como modos
de ensinar centralizadores e alheios às possibilidades de diálogo não
favorecem a emergência do pensamento criativo em sala de aula.
Em relação à literatura e prática pedagógica, a trajetória de pesquisas de
Amarilha (2007, 2009, 2013) revela um panorama desconfortável para a
literatura na escola, apresentando professores com fragilidades teórica e
prática para o trabalho com a literatura em sala de aula, favorecendo a abertura
para práticas de leitura assistemáticas e vulneráveis.
Em contrapartida, a autora indicou interesse dos alunos para narrativas
ficcionais e poesias, instaurando-se aí um paradoxo: de um lado o despreparo
e o desconhecimento formativo da literatura por parte dos docentes e de outro
o fascínio que a leitura de literatura exerce nas crianças. Valendo, assim, a
pergunta: por que não aproveitar o interesse reconhecido das crianças pela
literatura e promover momentos significativos de experiência com a palavra?
Problematizando o fascínio da literatura sobre seu leitor, Amarilha (2013)
constatou que a leitura de literatura mobiliza alunos ouvintes-leitores, pois é
atividade que exige atenção. E no convocar da atenção, outras funções
mentais são demandadas, como ―a memória, a inteligência, o raciocínio‖
(AMARILHA, 2013, p. 41). Assim, ao ouvir uma história, o aluno ouvinte-leitor
prova ―a satisfação de experimentar-se como ser pensante‖ (AMARILHA, 2013,
p. 41) e como sujeito de sua aprendizagem.
Nesse sentido, a prática sistematizada da leitura de literatura na escola
tem dupla importância, como aponta a autora: tanto na perspectiva cognitiva do
leitor-ouvinte, como na construção de um ambiente favorável às diversas
práticas educativas na escola.
23

Ainda considerando os ganhos da presença da literatura na escola, no


artigo Os caminhos da poesia na escola: som, imagem, pensamento, Amarilha
e Freitas (2016) apresentam resultado de pesquisa sobre a leitura de poesia
com crianças do ensino fundamental, revelando que a atividade de ler poesias
despertou a atenção dos leitores para a linguagem poética e favoreceu a
manifestação da criatividade dos leitores.
Buscando dar densidade aos estudos que investigam sobre a prática
sistemática da literatura em ambiente escolar, esta pesquisa também se
justifica por contribuir, em seu cerne, na proposição de experiência simbólica,
porque mediada por linguagem em função estética; social, pois é coletiva e
atenta à valorização da cultura leitora e; por isso, educativa, já que na interação
de todos em torno do texto e das vozes da sala de aula é possível oportunizar
momentos de aprendizagem.
Sobre a relevância da leitura de literatura para a formação humana, Held
(1980) afirma que a literatura é

[...] fonte de maravilhamento e reflexão pessoal, fonte de


espírito crítico, porque toda descoberta de beleza nos torna
exigentes e, pois, mais críticos diante do mundo. E porque
quebra clichês e estereótipos, porque é essa re-criação que
desbloqueia e fertiliza o imaginário pessoal do leitor, e que é
indispensável para a construção de uma criança que, amanhã,
saiba reinventar o homem (HELD, 1980, p 234).

Reforçando a trama de que a leitura de literatura é uma atividade


necessária ao indivíduo, a autora tece a concepção da literatura como um
substrato, fonte, para a criação humana, já que fornece repertório e provoca no
leitor a busca daquilo que se desloca, do que não é obvio, ou seja, educa para
a criatividade.
Evidencia-se assim, mais uma vez, a relevância de pesquisas que
envolvam a prática da leitura de literatura em solo educativo, pois são muitas
as contribuições oriundas de uma prática leitora sistematizada e planejada, as
quais vão desde a consistente formação de leitores à emergência do
pensamento criativo – viés deste estudo.
24

Ainda sobre o diálogo na interface estabelecida, Morais (2015) e


Wechsler e Souza (2011) evidenciam, respectivamente, como a educação e a
criatividade são campos férteis para a proposição de pesquisas que dialoguem
com outras áreas do saber.
Para Morais (2015) é necessário reconhecer o homem como um sujeito
cuja aprendizagem é complexa e atrelada a várias formas de se relacionar com
o mundo, por tal razão, a educação deve privilegiar a pluralidade disciplinar,
promovendo pontes entre quem aprende e o objeto do conhecimento. Tais
pontes são possíveis com o diálogo consciente das diversas áreas do saber e,
segundo a autora, são a chave para uma educação transformadora do próprio
homem.
Já Wechsler e Souza (2011, p. 09) veem a criatividade como elemento
fecundo para as mais diversas discussões, uma vez que ela ―faz interfaces com
as mais variadas disciplinas ou conteúdos curriculares‖, abrindo espaço para
sua importância na aprendizagem tanto de crianças, quanto de professores.
A respeito de o campo educacional ter uma tendência a receber
contribuições teóricas de outras áreas, Ferreira (2004) afirma que

[...] hoje, as complementaridades parecem evidentes demais


para serem desprezadas. É inegável que a sociologia, assim
como a ciência política, a psicologia, a história, sempre
tenderam a emprestar às outras ciências seus fundamentos
filosóficos mais gerais, e a educação tem sido receptora e
receptível a esses ―empréstimos‖. Mas, distinguindo-se de
outros ramos das ciências sociais, a educação tem um caráter
de aplicabilidade técnica e de intervenção na realidade social
que lhe é característico (FERREIRA, 2004, p.18).

Essa característica revela o perfil de ciência aplicada da educação, pois


ela pode reverberar os empréstimos teóricos que recebe na intenção de melhor
entender os problemas educacionais, os processos de ensinar e aprender e de
compreender como o sujeito interage com o conhecimento.
A abertura do campo educacional para as áreas e complementaridades
que lhe são afins possibilita a compreensão global do homem, das suas formas
de se relacionar com o mundo e de produzir conhecimento.
25

Retomando as particularidades desta pesquisa, as complementaridades


científicas proporcionam interlocuções e redimensionam os estudos
educacionais, em amplitude e profundidade, sobre as questões envolvidas no
ensino de literatura em contexto escolar.
Outro argumento que justifica esta pesquisa é a concepção de leitura e
de leitor na qual ela se sustenta. Sobre a leitura, acredita-se que a
compreensão está em sua base (SMITH, 2003). Tal orientação refuta a ideia da
leitura como uma simples atividade de decodificação de signos, porque ela
exprime a capacidade de dar sentido aos sinais gráficos.
Envolto na ação de compreender um texto, há um caminho cognitivo que
o leitor percorre ao realizar uma leitura, no qual estão contempladas a previsão
(elaboração de perguntas ao texto); a obtenção das respostas às perguntas e,
consequentemente, a compreensão. Por ser um processo ativo, a leitura
depende de dois tipos de informação: a visual e a não-visual, ou seja, da
mesma maneira que a leitura depende das informações que chegam ao
cérebro (informação visual), ela também é alicerçada nas informações que o
leitor já detém em sua memória, em seu conhecimento de mundo. Da interação
dessas informações acontece o processo de leitura (SMITH, 2003).
Ressalta-se assim a concepção de leitor como um sujeito ativo do ato de
ler, já que nele estão compreendidas ações e informações processadas pelo
sujeito durante a significação. Nesse mesmo entendimento, Solé (1998)
menciona que para a leitura

[...] intervém tanto o texto, sua forma de conteúdo, como o


leitor, suas expectativas e conhecimentos prévios. Para ler, é
necessário dominar as habilidades de decodificação e aprender
as distintas estratégias que levam à compreensão. Também se
supõe que o leitor seja um processador ativo do texto, e que a
leitura seja um processo constante de emissão e verificação de
hipóteses que levam à construção da compreensão do texto e
do controle desta compreensão (SOLÉ, 1998, p. 23).

Com a clareza da função do leitor mediante um texto, acredita-se que a


leitura é poderoso instrumento de transformação da realidade de um sujeito,
uma vez que ela ―ativa a habilidade de compreensão questionadora com
respeito à trajetória passada e presente, bem como às condições de futuros
26

alternativos‖ (DEMO, 2006, p.18), isto é, a leitura propicia ao leitor a


possibilidade de ampliar horizontes de compreensão sobre o mundo e até a
capacidade de prospectá-lo, favorecendo a formação de sujeitos pensantes.
Sobre a formação de leitores, sujeitos questionadores e pensantes,
ganha relevo a leitura de literatura, já que a linguagem em estado literário
oferece ao leitor a oportunidade de conhecer destinos, vidas e, portanto,
antever, porque experimentou por meio da leitura de literatura. Assim, ―pelo
processo de ‗viver‘ temporariamente os conflitos, angústias e alegrias dos
personagens da história, o receptor multiplica as suas próprias alternativas de
experiências do mundo‖ (AMARILHA, 2009, p. 19, grifo no original).
No conjunto das considerações tecidas, pode-se compreender a rede de
justificativas para esta pesquisa que possibilita compreender não só o potencial
da mediação pedagógica para a emergência do pensamento criativo dos
sujeitos participantes do processo educativo, mas também o reconhecimento
da literatura como meio privilegiado para a promoção dessa discussão.

1.2 Delineamento do estudo: questões e objetivos da pesquisa

Na proposição da interface deste estudo, tem-se que considerar os


efeitos da recepção estética do texto no leitor (ISER, 1996, 1999), a mediação
pedagógica como ação que impulsiona os alunos-leitores a patamares mais
elevados de compreensão (VIGOTSKI, 2007; FONTANA, 2005; ZABALA,
1998) e o pensamento criativo pautado na perspectiva histórico-cultural
(VIGOTSKI, 2014) e no pensamento divergente (GUILFORD, 1977), mas
considerando as determinações subjetivas dos indivíduos (MITJÁNS
NARTÍNEZ, 2002, 2009, 2012). Para tanto, algumas questões devem ser
consideradas, tais como:

 Como a literatura contribui para promover o pensamento criativo?


 Como a mediação pedagógica fomenta a emergência do pensamento
criativo?
27

 Como a experiência de leitura por andaimes favorece a expressão da


criatividade nas ações/respostas das crianças?

A partir dos questionamentos, define-se como objeto de estudo a


emergência do pensamento criativo a partir da atividade de leitura por meio dos
procedimentos de andaimagem: pré-leitura, leitura e pós-leitura no processo de
mediação pedagógica.
Tal objeto de estudo sinaliza um caminho teórico consciente de que
mediar literatura é mediar a construção de sentido pela palavra, encorajando os
aprendizes-leitores a dialogarem com o texto e entre si, a partilharem suas
concepções e criações pela palavra e a partir dela. O mediador, nesse sentido,
atua como sujeito catalisador da ação criativa, gerenciando estratégias de uso
do texto literário e as vozes da sala de aula em clima positivo para a livre
expressão do pensamento.
O clima da sala de aula está relacionado ao quanto o ambiente respeita,
acolhe, problematiza as ações que ali acontecem, envolve valores e os sujeitos
que atuam nesse lugar. Sobre isso Thiébaud (2005) pontua:

A noção de clima escolar refere-se à qualidade de vida e


comunicação percebida dentro da escola. Podemos
considerar que o clima de uma escola corresponde ao
ambiente que reina nas relações sociais e aos valores,
atitudes e sentimentos compartilhados pelos atores no
estabelecimento escolar. [...]
O clima é uma variável subjetiva ligada à percepção que as
pessoas mantêm sobre a forma como são tratadas e sobre
seus papéis em relação aos outros. Essa percepção serve de
referência para os comportamentos adotados e o tipo de
clima percebido é, portanto, parcialmente responsável pela
eficácia da escola.
Estudos mostram que os alunos são sensíveis ao clima
escolar e a sua percepção dele pode influenciar não só o seu
comportamento e adaptação, mas também a sua
aprendizagem escolar (THIÉBAUD, 2005, p. 01, tradução
nossa) 1.

1 La notion de climat scolaire renvoie à la qualité de vie et de communication perçue au sein de


l‘école. On peut considérer que le climat d‘une école correspond à l‘atmosphère qui règne dans
les rapports sociaux et aux valeurs, attitudes et sentiments partagés par les acteurs dans
l‘établissement scolaire. [...]
Le climat est une variable subjective liée à la perception entretenue par les personnes sur la
façon dont elles sont traitées et sur leurs rôles en relation avec les autres. Cette perception sert
28

A partir desse entendimento, compreende-se que a percepção de um


clima positivo no ambiente escolar auxilia e favorece que os sujeitos partícipes
desse espaço se sintam convidados e tranquilos para expor suas formas de
pensar, pois os valores que ali circulam criam uma atmosfera de respeito e de
valorização em relação ao outro.
Sinalizar essa compreensão se faz necessário, pois ao reportá-la para o
campo da criatividade, vê-se que o clima escolar satisfatório é estímulo para a
criatividade, uma vez que ele possibilita a expressão do pensamento,
considerada imprescindível para o desenvolvimento do pensamento criativo
(FLEITH, 2016).
Quando imbuídos da oportunidade de expressar seus pensamentos em
clima escolar favorável, o temor à crítica não se configura como um elemento
castrador da geração de ideias, pois a valorização e apreciação das vozes dos
sujeitos do ato educativo demonstram que a exposição de um pensamento
pode ser recurso da própria aprendizagem, de modo individual ou coletivo
(FARIA, 2014).
Outro fator importante ao se considerar o clima da sala de aula é o
rompimento com a ideia da criatividade ―como um fenômeno, exclusivamente,
cognitivo, desconsiderando-se o papel de fatores afetivos, como motivação e
autoconceito, no processo criativo‖ (FLEITH, 2016, p. 20).
Sobre o processo criativo, ressaltam-se, ainda, as interações educativas
e formativas da relação professor/aluno, já que através dela é possível
potencializar o desenvolvimento da criatividade e a aprendizagem por meio da
literatura.
Ressalva-se, aqui, o entendimento sobre a aprendizagem por meio da
literatura. No tocante a este estudo, a aprendizagem pela literatura infere a
aprendizagem pela palavra em estado literário, simbólico, ou seja, a literatura
como arte. Dessa forma, não serão abordados tratamentos pedagógicos

de référent aux comportements adoptés et le type de climat perçu est donc responsable d‘une
partie de l‘efficacité de l‘école.
Des études montrent que les élèves sont sensibles au climat de l‘école et la perception qu‘ils en
ont peut non seulement influencer leurs comportements et leur adaptation, maiségalement leurs
apprentissages scolaires.
29

limitadores para essa expressão artística, nem tampouco uma visão


reducionista e utilitária para a literatura: usar a literatura para algo. Acredita-se,
nesta pesquisa, que a literatura tem um fim em si mesma e serve a si própria,
entretanto, assume-se que a literatura educa em aspectos formativos e
humanos, por isso, sua presença na escola, além de justificada, é necessária.
Com atenção ao potencial da presença da literatura na escola, à
mediação pedagógica como facilitadora de descobertas e promotora de
situações dialógicas em sala de aula e ao leitor como sujeito ativo do ato de ler,
acredita-se na tese de que a mediação pedagógica contribui para a emergência
do pensamento criativo na aula de leitura de literatura.
À luz de tais considerações, alguns balizadores são demarcados para a
compreensão do objeto de estudo e para a efetivação do percurso da pesquisa.
Como etapa inicial, têm-se estudos sobre as especificidades do texto literário,
suas qualidades literárias e formação do leitor, objetivando compreender os
pontos de diálogo entre as teorias da literatura e da leitura com o
desenvolvimento do pensamento criativo.
Ainda incorporando o aprofundamento teórico, os estudos sobre
criatividade, seu desenvolvimento e expressão se fazem necessários para o
entendimento do objeto proposto, considerando a atuação do mediador na
promoção do pensamento criativo. Dessa forma, estudos sobre mediação
pedagógica também são convocados, a fim de possibilitar melhor compreensão
sobre as tessituras deste trabalho, que traz em seu cerne uma interface entre
literatura, educação e criatividade.
Para fazer frente aos estudos teóricos, uma segunda etapa é
necessária: a intervenção pedagógica, no caso deste trabalho, em turma de 4º
ano do ensino fundamental de escola pública de Natal/RN, Brasil. A
intervenção, com 10 sessões de leitura de literatura, seguiu a proposta
metodológica da andaimagem (GRAVES; GRAVES, 2005), com mediação da
professora pesquisadora.
A intervenção se mostrou como um caminho favorável para a
experimentação de uma proposta que coloca como centro a literatura, uma vez
que intervir possibilitou ler, discutir, apreciar e expor – juntamente –, modos de
30

pensar sobre o texto e sobre a vida, sinalizando que ler e mediar leitura de
literatura são caminhos possíveis para fomentar o pensamento criativo.
Do exposto, objetiva-se de forma geral investigar, na mediação
pedagógica da atividade de leitura de literatura, a emergência do pensamento
criativo em crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
A partir do objetivo geral, desdobram-se os seguintes objetivos
específicos:

 compreender as contribuições da literatura para promoção do


pensamento criativo;
 evidenciar a emergência do pensamento criativo por meio da mediação
pedagógica;
 identificar nas respostas das crianças, indícios do pensamento criativo, a
partir da convergência entre experiência de leitura por andaimes e criatividade.

1.3 Referencial teórico e estado da arte

Verticalizando esta pesquisa, os aportes teóricos que a contornam se


ancoram nos seguintes eixos: literatura, mediação pedagógica e criatividade,
por compreender que tal circunscrição lançará luz sobre o objeto de estudo.
Em relação à literatura, é proposta a sua compreensão enquanto arte,
para tanto as reflexões teóricas de Zilberman (2012), Culler (1999), Eco (2002,
2005, 2011), Pound (2006), Eagleton (2006) e Sartre (2004) são importantes
nesse entendimento visto os conceitos, características e problematizações
apontadas por esses autores.
Em suas reflexões sobre literatura, Sartre (2004) enfatiza algumas
características da literatura e do trabalho com a palavra e a linguagem no texto
literário:

Já que as palavras são transparentes e o olhar as atravessa,


seria absurdo introduzir vidros opacos entre elas. A beleza aqui
é apenas uma força suave e insensível. Sobre uma tela, ela
explode de imediato; num livro ela se esconde, age por
31

persuasão como o charme de uma voz ou de um rosto; não


constrange, mas predispõe sem que se perceba, e acreditamos
ceder a argumentos quando na verdade estamos sendo
solicitados por um encanto que não se vê (SARTRE, 2004, p.
22).

Ressalta-se do excerto a interpelação do texto literário ao leitor, oriunda


de cuidadoso e planejado arranjo de palavras, cujo emprego agrega beleza ao
texto, convoca o engajamento do leitor e chama atenção para a sua própria
estrutura, tal como sublinha Culler (1999, p. 35) que, ao tratar das
características da literatura, orienta o leitor: ―[...] você não pode se esquecer de
que está lidando com a linguagem configurada de modos estranhos‖.
Tais modos fazem alusão ao que se pode chamar de literariedade do
texto – expressa por meio de figuras de linguagem, ritmo, recursos sonoros,
etc. –, indicando ao leitor que existe uma escrita configurada em modo
especial: o literário. Nessa configuração, o plano da significação ganha
destaque, revelando que a literatura é objeto estético, por afetar e produzir
efeitos em seu leitor.
Coelho (2000, p. 24, grifos no original), além de ressaltar o trabalho
inventivo com a palavra, destaca que a literatura ―é um autêntico e complexo
exercício de vida, que se realiza com e na linguagem‖, observando que a
literatura é, ao mesmo tempo, produto da imaginação criadora do homem e
mecanismo para problematizar a realidade. Assim, a leitura de literatura
viabiliza ao leitor reconhecer-se no mundo, questioná-lo, repensá-lo, uma vez
que a palavra em modo literário é investida de poder (Coelho, 2000).
Ainda sob o viés do caráter artístico, Eco (2011) lembra que a arte
literária apresenta seu discurso em planos de leitura com possibilidades de
significação, educa para a vida e até para a morte, afirmando que a literatura
põe o leitor ―diante das ambiguidades e da linguagem e da vida‖ (ECO, 2011,
p.12). Reforça, dessa forma, o estatuto de arte da literatura, considerando-a
como objeto artístico cujo valor imaterial deve servir a ―gratia sui‖ (ECO, 2011,
p.09), assim, como discurso que serve a si, a literatura guarda os anseios,
medos, angústias e memórias da humanidade, assumindo, pois, importância
individual e social.
32

É importante destacar, nesse contexto, a contribuição de estudos que


tratam da recepção do leitor mediante a leitura, ressaltando a qualidade e os
efeitos estéticos da obra literária, sinalizando o potencial criativo do leitor em
processo de leitura de literatura. Amparando-se em Jouve (2002) e Iser (1996,
1999), compreende-se que o texto literário provoca efeitos em seu leitor, os
quais determinam os modos de recepção e a interação do leitor com a obra
literária.
Considerando que a pesquisa acontece em solo educativo, é
imprescindível o diálogo entre literatura e prática pedagógica, assim, os
estudos de Amarilha (2009, 2013, 2016), Carvalho e Baroukh (2018),
Eichenberg (2016), Yunes (2003) e Zilberman e Silva (2008) são aportes para a
compreensão da presença da literatura na escola, como ela é partilhada com
as crianças, as práticas de leitura exercidas e as possibilidades de formação
leitora.
Sobre a aprendizagem por meio da literatura, Amarilha (2009) destaca o
caráter educativo em aspectos fundamentais: o acesso à língua de forma
diferenciada da linguagem oral, a exploração de jogos lúdicos, o exercício de
abstração e a aprendizagem em linguagem simbólica são alguns modos que a
literatura tem de educar o seu leitor, justificando sua importância pedagógica e
presença na escola.
Na mesma direção, Zilberman e Silva (2008, p.12) identificam que a
desarticulação entre literatura e pedagogia é um dos ―desatinos da educação
nacional‖ e ratificam que a literatura educa em sentido individual e social. No
indivíduo, os autores destacam a alteridade e a expansão das fronteiras do
conhecido; já socialmente, as discussões, o diálogo, a troca de experiências e
o confronto de ideias são alguns dos aspectos postos em relevo, considerando
a formação humana, literária e educativa na perspectiva da presença da
literatura na escola.
A literatura na infância alarga as possibilidades de conhecimento sobre o
mundo e sobre si próprio na perspectiva da arte e da vida, como aponta
Eichenberg (2016), já que por meio da arte literária, o leitor pode viver
experiências inéditas e diversas da vida real, tornando-a mais rica de vivências.
Entretanto, apesar da relevância da literatura na escola, o cunho instrucional
33

imposto a partir de práticas equivocadas contribui para corromper sua natureza


artística e fruitiva, revelando, por conseguinte, a urgência de uma formação
leitora que perpassa as estratégias de acercamento ao texto literário no
contexto educacional.
Derivado desse raciocínio, os estudos sobre mediação pedagógica são
convocados para uma melhor compreensão sobre os processos de ensinar e
aprender e, especificamente, sobre as práticas pedagógicas para a leitura de
literatura na escola. Assim, Bruner (1997), Cazden (1991), Fontana (2005),
Freire (1996), Vigotski (2007) e Zabala (1998) apresentam estudos necessários
para a compreensão das ações empreendidas em sala de aula, considerando
as relações estabelecidas entre os sujeitos, a intencionalidade do ato educativo
e a interação com o objeto do conhecimento por meio da linguagem.
A mediação pedagógica, amparada nos estudos de Vigotski (2007),
implica um processo de intermediar elos em uma relação na intenção de se
criar uma nova relação. Ressalta-se que esses elos, esses pontos de apoio,
agem sobre o sujeito, uma vez que as transformações são um processo
interno, pessoal, criativo e mediado pela linguagem.
Sobre isso, Cazden (1991) põe em relevo a importância do diálogo nas
relações estabelecidas em sala de aula e ressalta que as situações de fala se
realizam entre os sujeitos, mas se concretizam de forma intraindividual. Assim,
o professor, como sujeito organizador das ações pedagógicas, deve considerar

[...] o modo como as palavras ditas em classe afeta os


resultados dessa educação, ou seja, como a fala observável na
sala afeta o processo mental não observável de cada um dos
participantes e, portanto, a natureza de tudo o que eles
aprendem (CAZDEN, 1991, p. 111, tradução nossa) 2.

Vê-se, portanto, que o diálogo estabelecido entre os sujeitos do


processo educativo influi, decididamente, nos processos de aprendizagem,
dado que a fala de um sujeito pode ser determinante para a aprendizagem de

2
[...] el modo en que lãs palavras dichas em classe afectam a los resultados de esa
educación, es decir, cómo el discurso observable en el aula afecta al inobservable
processo mental de cada uno de los participantes, y por ello, a la naturaleza de lo que
todos aprenden.
34

outrem. Assim, o diálogo constitui e é constituinte dos sujeitos, na medida em


que viabiliza um processo interno e pessoal de compreensão e conhecimento.
Em Zabala (1998), tem-se o reforço das relações interativas como
estratégia de mediação pedagógica com foco na valorização dos saberes que
os aprendizes já possuem, através da escuta de suas vozes, da criação de
pontes entre os conteúdos e de ambiente de respeito e confiança mútua.
Assim, o reconhecer a importância de aspectos além dos previstos no
conteúdo escolar – respeito, diálogo, autonomia, acolhimento – é determinante
para o estabelecimento de boas práticas pedagógicas, as quais fortalecem o
processo de ensino/aprendizagem e as relações entre os sujeitos no ambiente
escolar.
Ainda sobre mediação pedagógica, mas dentro do contexto da aula de
leitura, os estudos de Graves e Graves (1995) evidenciam a importância do
planejamento e de estratégias específicas para o acercamento ao texto, no
caso deste estudo, o literário. Os autores afirmam que a criação de estruturas
instrucionais auxilia a aprendizagem, uma vez que tais estruturas se
configuram como andaimes que levam o aprendiz a níveis mais elevados de
conhecimento. Sublinha-se, portanto, a figura do mediador como criador de
andaimes para o acercamento ao texto literário e para o alcance de
compreensões sobre o próprio texto, que poderiam ficar fora do alcance dos
aprendizes, caso fossem desassistidos no processo de leitura do texto literário.
A respeito de práticas pedagógicas coerentes à leitura, Bortoni-Ricardo e
colaboradores (2012) percebem a influência da heterogeneidade cultural e do
conhecimento de mundo presentes na sala de aula como fatores a serem
considerados pelo mediador. Dentro desse entendimento, constrói-se a
percepção de uma pedagogia para a leitura voltada para a relevância das
estratégias de mediação, para o encorajamento à leitura de textos literários e
para o diálogo entre os partícipes do processo de ensino e aprendizagem da
leitura.
Mediar leitura de literatura é valorizar as vozes que o texto suscita,
compreendendo que, na coletividade da sala de aula, a expressão do
pensamento é fator importante para a aproximação ao texto e para a ampliação
35

de processos interpretativos sobre a leitura, o que requer habilidade do


mediador (BRUNER, 1997).
No tocante à criatividade, as pesquisas de Alencar (2009, 2007, 2001),
Csikszentmihalyi (1996), De Masi (2005, 1999), Fleith (2016), Guilford (1977),
Mitjáns Martínez (1997, 2002, 2006, 2008, 2009, 2012), Ostrower (2014), Torre
(2008) e Vigotski (2014) amparam a importância e/ou o impacto das interações
sociais na criatividade dos sujeitos. Os autores esclarecem a ideia de que a
atividade criativa tem relação com a qualidade das interações estabelecidas,
com o acesso a informações e, sobretudo, com o conhecimento sobre os
códigos culturais.
Ostrower (2014), ao analisar que a natureza criativa do homem se
elabora no contexto cultural, considera a interferência da realidade social, das
necessidades e valores culturais para a criação na medida em que esses
condicionantes ―moldam os próprios valores de vida dos sujeitos‖
(OSTROWER, 2014, p. 05). Assim, a criatividade também se relaciona a uma
rede de valores que interfere nos processos criativos dos sujeitos. Como
exemplo, a autora comenta sobre a perspectiva na arte, demonstrando como
esse elemento da linguagem não-verbal é apresentado na arte medieval e na
renascentista. A diferença sobre o uso da perspectiva, segundo Ostrower
(2014), reside numa teia cultural e de valores de cada sociedade e de cada
tempo.

Pode-se dizer, de modo geral, que dos valores existentes em


um contexto cultural não só decorrem certas possibilidades de
indagação como também desses valores decorre a forma das
perguntas. Consequentemente, a resposta que o indivíduo
dará, apoia-se nas mesmas possibilidades. Ao aprofundar
certos conteúdos valorativos ou ao afirmar certas necessidades
de vida que são negadas dentro do contexto cultural, as
soluções criativas que o homem encontra, concretizam sempre
uma expressão do real. Ainda que formulem caminhos
utópicos, partem do real (OSTROWER, 2014, p 125).

Dessa forma, infere-se que o ato de criar se relaciona à forma humana


de responder aos seus termos e tempo, reafirmando a importância da cultura e
do diálogo com seus elementos como um caminho para a criação. Daí, também
a importância dos legados geracionais no processo criativo, reiterando a
36

concepção de que a criatividade parte daquilo que constitui o indivíduo (DE


MASI, 2005).
Vigotski (2014), em pesquisas sobre criatividade e imaginação, descreve
a atividade criativa e os tipos de imaginação humana. E, relacionando
criatividade à imaginação, analisa as atividades cerebrais como reprodutivas e
criadoras, tendo importância nesse processo a memória, as interações sociais,
as atividades simbólicas e lúdicas. Dessa maneira, é possível inferir o valor da
literatura como atividade importante para o desenvolvimento da criatividade,
pois ela suscita a ampliação da experiência humana de forma simbólica, lúdica
e organizada.
De forma mais diretiva, as pesquisas de Alencar (2009, 2007, 2001),
Torre (2008) e Fleith (2016) abordam a criatividade no contexto educativo,
tratando a respeito das barreiras à criatividade, das estratégias para promoção
do pensamento criativo na sala de aula e também reverberam sobre a
importância de uma educação para a criatividade na vida dos indivíduos,
considerando, nesse processo, ―os momentos de criação como resultantes de
complexas circunstâncias sociais‖ (ALENCAR; FLEITH, 2009, p. 98), dentre as
quais, as práticas escolares que podem atuar como promotoras de uma
educação e aprendizagem criativa.
Nessa direção, as pesquisas de Mitjáns Martínez (1997, 2002, 2006,
2008, 2009, 2012), que dialogam com o campo educacional, evidenciam a
relevância de uma atmosfera estimulante, valorizadora do pensamento
divergente e autônomo, da oposição lógica e da crítica fundada, destacando-
se, portanto, a função do mediador no desenvolvimento das crianças, visto que
por meio de sua ação, poderá propor que os alunos explorem, elaborem,
testem hipóteses e façam uso de estratégias viabilizadoras do pensamento
criativo.
A autora aborda a criatividade como uma produção de ordem subjetiva,
na qual os valores, motivações, desejos, interesses são tão necessários à
criação como os aspectos cognitivos. Ressalta também o valor do contexto
social para a emergência da criatividade dos indivíduos.
A interlocução com os estudos de Guilford (1977) propicia a
compreensão das particularidades da produção divergente para a criatividade,
37

apontando que a realização criativa tem estreita relação com as habilidades


caracterizadoras do pensamento divergente: fluência, flexibilidade, elaboração
e originalidade. O pensamento divergente, por sua vez, é acionado a partir da
qualidade da informação recebida, que interfere, diretamente, no processo do
pensamento a ser desenvolvido, o que demonstra a importância da mediação
para a emergência da criatividade.
Discussões evolvendo educação, literatura e criatividade encontram
terreno fértil para os debates em cenário educacional, mas a relação desses
três campos, em sentido unitário, ainda é encontrada de modo incipiente.
Apesar disso, existem diversos estudos sobre as frentes levantadas em outras
perspectivas, revelando que há a preocupação de pensar a educação sob
diversos enfoques e que o discurso plural encontra eco no âmbito escolar.
Então, considerando a construção do conhecimento em torno do objeto
de estudo, uma consulta por dissertações, teses e artigos no portal da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e em
bancos de dados acadêmicos revelou que é recorrente a preocupação com
pesquisas envolvendo criatividade. Por meio da combinação dos termos
―literatura‖, ―literatura infantil‖, ―criatividade‖, ―pensamento criativo‖, ―ensino‖ e
―mediação pedagógica‖, perfazendo rastreio nos últimos cinco anos, obteve-se
resposta interessante de volume de trabalhos.
Interessante ressaltar, na devolutiva da busca, a articulação da
criatividade com diversas áreas, facetas do processo educativo e com a
educação nas suas modalidades e etapas. Pesquisas em interface com a
educação física, matemática, ciências, educação de jovens e adultos, pré-
escola, ensino fundamental, médio e superior evidenciam que estudos
fronteiriços tentam explicar a complexidade da sala de aula, das relações que
ali se estabelecem e buscam respostas para o estabelecimento de uma prática
educativa coerente aos novos tempos e aos anseios de professores e
aprendizes.
Notadamente, na relação com esta tese, 20 trabalhos – entre
dissertações, teses e artigos – ecoaram algumas perspectivas que dialogam
com o presente estudo, seja no tocante à mediação pedagógica, às práticas
educativas no ensino fundamental e/ou à expressão criativa em sala de aula.
38

Importante ressaltar que no cenário nacional não encontramos, no momento de


elaboração da tese, um trabalho que trouxesse em sentido unitário a interface
aqui elaborada (criatividade, educação, literatura); entretanto, não se pode
deixar de frisar que a construção do conhecimento é constante, o que
possibilita uma atualização no estado da arte no momento em que a tese é
construída.
Mas, tomando como norte o recorte feito, o diálogo com tais trabalhos
acontece no sentido de compreender as questões feitas e como elas foram
respondidas no intuito de perceber os avanços e pontos de encontros com este
estudo. Nesse sentido, os trabalhos selecionados foram agrupados nas
seguintes temáticas: prática docente e criatividade; ensino e criatividade; arte,
leitura e criatividade. Essa junção tem fins didáticos para uma melhor
compreensão e organização dos dados encontrados, não significa,
necessariamente, afinidade teórica ou metodológica entre os estudos.
Em relação à prática docente e criatividade, os estudos apontam tanto
para a formação, quanto para a prática docente em decorrência da formação
inicial. Dentre esses, destaca-se pesquisa doutoral de Braga (2019) que
investigou o processo criativo nas práticas docentes de professores do ensino
superior. Mesmo tendo como sujeitos profissionais da educação superior, a
pesquisa evidenciou a necessidade de incorporar conteúdos relacionados à
criatividade na formação dos professores, além de indicar que essa prática
acontece de forma assistemática nos cursos de graduação, de onde se infere
que a dificuldade de alguns docentes em incorporar práticas mais criativas no
processo de ensino e aprendizagem acontece, também, em função da
formação inicial recebida, que ainda não atentou para a criatividade como
elemento catalisador da aprendizagem.
Na interlocução com este trabalho, salienta-se a relevância de um
ensino voltado para a criatividade, pois mesmo que o estudo em questão foque
o ensino superior, os professores do ensino fundamental também recebem
formação nesse nível e vão atuar nas escolas com lacunas formativas no que
tange a importância da criatividade para a prática educativa. Daí a necessidade
de pesquisas que se debrucem sobre essa temática, na intenção de trazer para
a luz discussões fecundas sobre a prática docente.
39

Exemplo do exposto é a tese de Vieira (2019) sobre a percepção de


docentes da educação básica sobre sua criatividade. O estudo evidenciou que,
apesar da ausência da temática da criatividade na formação inicial, a
criatividade docente pode ser potencializada/sensibilizada na formação
continuada, a partir de práticas coletivas de escuta, de partilha de vivências e
de experiências. Repercutindo essa formação para o ensino, a pesquisa
demonstrou que a criatividade docente tem relação direta com a aprendizagem
e a autoria de pensamento dos alunos.
Na interface com esta tese, a pesquisa de Vieira (2019) chama a
atenção para como o fazer pedagógico do professor ecoa na formação dos
aprendizes. Fato que ao se pensar na criatividade do professor, em
decorrência, toca-se na criatividade do aluno. Por isso, é necessário
reconhecer a importância desses estudos e trazê-los para o seio desta tese,
pois indicam o organismo sistêmico que existe na sala de aula, onde as ações
se influenciam mutuamente. Outro fator a ser sublinhado – agora de forma
restrita a esta tese – é que: pensar estratégias para o uso da literatura em sala
de aula é reconhecer a amplitude dessas práticas para a formação das
crianças, seja na perspectiva da formação leitora e literária ou no
desenvolvimento do pensamento criativo.
Ainda sobre o fazer do professor, a dissertação de Peixoto (2017), ao
realizar pesquisa bibliográfica em torno do que as produções teóricas abordam
sobre a criatividade do professor, concluiu que a qualidade das interações e o
acesso à produção de conhecimentos são fatores determinantes para o
desenvolvimento de habilidades criativas, porque a criatividade se relaciona às
experiências sociais e culturais de um sujeito.
A referida dissertação, mesmo abordando a criatividade do professor,
toca em aspectos significativos para este estudo, pois indica que a emergência
da criatividade é possibilitada através das experiências e vivências. Tal
assertiva implica, para o âmbito escolar, a relevância da mediação pedagógica
para o desenvolvimento da criatividade, uma vez que, por meio de ação
intencional e qualificada do professor, é possível promover práticas educativas
que ampliem as habilidades criativas dos aprendizes.
40

As pesquisas aglutinadas na categoria prática docente e criatividade


expressam a necessidade de uma formação inicial atenta para a promoção de
habilidades criativas, pois a ausência ou presença incipiente de discussões que
envolvam a importância da criatividade acarretam na inibição do processo
criativo dos futuros professores, que por sua vez, terão dificuldades em avaliar
ou lançar mão de estratégias favorecedoras do pensamento criativo de seus
alunos. Os estudos ainda revelam que a formação continuada é um caminho
possível para retomar temáticas que surgem ou são evidenciadas na própria
prática educativa, unificando-se a isso, o perfil de pesquisador do professor
como um investigador do seu fazer.
Na perspectiva do ensino e criatividade, retratando a mediação
pedagógica, destaca-se a pesquisa de Giannetti (2016) que verificou a
ocorrência da criatividade em crianças de uma turma de 1º ano do ensino
fundamental, de escola pública do estado de São Paulo. Os dados
evidenciaram grande valorização às atividades de cópia, prejudicando a
expressão da criatividade dos educandos. Associado às cópias, a pesquisa
aponta também para a condução rápida das atividades, o pouco
aprofundamento nos conteúdos, as respostas dadas pelo professor sem a
participação dos alunos na construção das soluções e a presença de conflitos
em sala de aula como fatores inibidores para a presença da criatividade.
Vê-se, portanto, que as práticas copistas não implicam as crianças no
próprio processo de ensinar e aprender, não valorizam seus saberes e
produções, subestimando-as como seres pensantes e capazes de criar. É
decorrente, então, assumir que a clareza didática e teórica sobre o fazer
pedagógico tem impactos sobre a expressão criativa dos alunos, daí a
abordagem desta pesquisa em trazer para o seu cerne a mediação pedagógica
como uma ação intencional capaz de promover a criatividade no espaço da
sala de aula e, do diálogo com o estudo de Giannetti (2016), compreender a
importância de conhecer, profundamente, estratégias de acercamento ao texto
literário, para que não se perca a sua essência de objeto artístico, estético e
favorecedor da pluralidade de pensamentos, sentimentos e ideias.
Observação relevante sobre a pesquisa de Giannetti (2016) foi a
constatação de barreiras ao pensamento criativo, já que o contexto educativo
41

da realidade encontrada se mostrou inibidor à promoção do pensamento


criativo, evidenciado nas práticas relatadas.
Tese de Carvalho (2019) investigou como as relações instituídas em
sala de aula permitem a emersão da criatividade compartilhada em
matemática. Para o autor, a criatividade compartilhada

[...] ocorre em coletivos nos quais as pessoas reúnem-se para


realizar algum tipo de atividade, trazendo suas marcas
individuais e contribuindo com o compartilhamento cognitivo e
afetivo de suas experiências de vida (CARVALHO, 2019, p 94).

Nesse sentido, a pesquisa verificou maior incidência de criatividade


quando os sujeitos (alunos do 5º ano do ensino fundamental) trabalhavam
coletivamente, pois, nesse modelo, há amplitude de recursos cognitivos
disponíveis para a produção de ideias. Interessante observar os pontos de
convergência do estudo de Carvalho (2019) com esta tese, pois ambas
acreditam e investem em práticas dialógicas e coletivas na sala de aula para o
desenvolvimento do pensamento criativo; aqui, na proposição de rodas
coletivas de leitura de literatura e de discussão do texto lido, no exercício do
trabalho em equipe para refletir sobre o próprio texto e apresentar propostas ao
solicitado.
Então, mesmo sob o prisma da matemática, Carvalho (2019) apresenta
elementos importantes para a reflexão tanto sobre práticas criativas para a sala
de aula, quanto sobre os aspectos constituintes do pensar criativo: abertura à
divergência, ao diálogo, valorização da coletividade e das experiências
individuais.
Na perspectiva da educação de jovens e adultos, dissertação de
Azambuja (2019) apresenta considerações para o desenvolvimento do
pensamento criativo que são relevantes no contexto deste estudo em
específico, quais sejam: a criação de uma comunidade de aprendizagem, a
importância do diálogo, a reelaboração a partir do confronto com informações e
a produção de ideias próprias. Na interface com o estudo de Azambuja (2019),
é ressaltada a possibilidade de criação de uma comunidade de leitores, que
partilha não só o gosto pela leitura de literatura, mas as impressões sobre o
42

texto lido, ideias e provocações que a leitura suscita; e, nessa construção


coletiva avançar no processo de pensar criativamente.
Dessa forma, é possível compreender a teia de conhecimentos que se
forma em volta do estudo da criatividade, pois os trabalhos, ainda que
enveredem por caminhos distintos ao desta pesquisa, apresentam pontes e
conexões que favorecem a reflexão sobre a criatividade e o ensino,
assinalando que a sua presença na escola, além de bem-vinda, é necessária,
ao passo que possibilita uma aprendizagem mais significativa, provocativa e
mobilizadora dos partícipes do ato educativo.
Na categoria arte, leitura e criatividade estão os estudos mais afins à
tese. Entre as pesquisas encontradas, tem-se a tese de Ferreira (2015) que
investigou a leitura em sala de aula como fomento para a aprendizagem.
Realizada em turma de 9º ano de escola pública municipal de Ribeirão
Preto/SP, o estudo contou com a implementação de rodas de leituras e
discussão de textos literários e de outras produções artísticas, como letras de
música; e, a partir da prática sistemática e planejada da leitura, os alunos
aprofundaram a própria formação enquanto leitores, estabeleceram relações
com os textos lidos e evoluíram qualitativamente nas discussões propostas.
Então, ratifica-se que a presença da leitura na escola potencializa os processos
de aprendizagem, além de ser repertório que os leitores lançam mão para
debater ideias e pontos de vista, alargando, portanto, o repertório de saberes
com os quais interagem, para fazerem leituras, interpretações e
argumentações mais profícuas.
De forma clara, percebe-se a contribuição desse estudo no tocante à
aprendizagem por meio da linguagem artística. E, na circunscrição desta
pesquisa, sobressalta o diálogo com o texto literário como um meio para o
desenvolvimento do pensamento criativo, pois ambas as naturezas – a da
literatura e a da criatividade – lidam com o divergente, com o plurissignificativo,
com a memória, abraçam o novo e a inventividade.
Já tese de Silva (2018) investigou como a mediação pedagógica na aula
de Arte implica no desenvolvimento da criatividade dos alunos. A pesquisa
também considerou as concepções de criatividade de professores e gestores e
como elas se traduzem na prática educativa. Realizada em turma dos anos
43

finais do ensino fundamental, 6º e 7º anos, contou com a participação de duas


escolas públicas de Goiás (uma estadual e outra municipal). A referida
pesquisa evidenciou a dificuldade dos gestores e professores na compreensão
da criatividade com viés histórico, cultural e social, o que converge para
produção de práticas equivocadas no que tange ao desenvolvimento do
pensamento criativo.

Ao observar os processos de mediação pedagógica no


contexto escolar e nas aulas de Arte, vimos que as noções
fragmentadas em torno do conceito de criatividade terminam
por se reproduzir no trabalho pedagógico, dando-se pouca
importância à imaginação e associando-se a criatividade
predominantemente à arte. Nesse aspecto, as limitações
impostas à imaginação e à motivação, subjetivas nos
processos de mediação pedagógica, trazem prejuízos à
atividade de criação dos alunos, gerando formas
estereotipadas de expressão, que acabam se mantendo no
nível reprodutor, sem avançar para configurações estéticas
mais elaboradas e originais do ponto de vista da ampliação e
transformação das experiências (SILVA, 2018, p. 197).

Tal estudo revela, por conseguinte, a importância da criatividade na


educação como forma de romper com práticas burocráticas e de buscar modos
mais sensíveis, flexíveis e problematizadores de ensinar e aprender. Este
estudo, em relação à pesquisa de Silva (2018), apresenta práticas pedagógicas
sistematizadas e planejadas com a arte literária em turma dos anos iniciais do
ensino fundamental – 4º ano – e evidencia como a mediação pedagógica é
valor imprescindível no desenvolvimento do pensamento criativo, incluindo as
práticas de leitura e de acercamento ao texto literário, a valorização das vozes
e do diálogo, da divergência e da imaginação como formas de cultivar
estratégias valorizadoras da criatividade na escola.
Já em cenário internacional também é revelado interesse em estudos
sobre a criatividade no contexto escolar, como forma de tornar o ensino
significativo e dinâmico. Estudo de Harris e Bruin (2018) investigou em quatro
países (Estados Unidos da América, Canadá, Cingapura e Austrália) como os
professores sustentam o pensamento criativo em suas aulas e identificou que
andaimes dialógicos fazem parte do processo de pensar criativamente. A
pesquisa, com professores do ensino médio, identificou que os andaimes
44

mantêm o engajamento, através de diálogo que contempla pergunta, reflexão,


interpretação e expressão de opiniões.
Apesar das divergências em nível de ensino e estratégias
metodológicas, já que Harris e Bruin (2018) investem em pesquisa
internacional com entrevistas e grupos focais com professores, nota-se,
também, a intersecção do referido estudo com esta pesquisa na percepção dos
andaimes como estruturas mentais que favorecem o desenvolvimento criativo,
uma vez que além de engajar, ativam a curiosidade e propiciam a troca e a
elaboração de conhecimentos. A utilização da leitura por andaimes (Graves;
Graves, 1995) foi selecionada pela sua convergência com práticas de ensino
dialógicas, flexíveis e interacionais, revelando-se, portanto, afim ao
pensamento criativo.
Dissertação de Crimmins-Crocker (2018), por meio de pesquisa
qualitativa com nove sujeitos atuantes no ensino fundamental de três escolas
neozelandesas e utilizando entrevistas semiestruturadas, investigou a
percepção de professores sobre o desenvolvimento da criatividade dos alunos
e como as lideranças escolares viabilizam a prática dos professores para o
desenvolvimento da criatividade. Os resultados evidenciaram que os
professores e gestores demonstram clareza a respeito do que a literatura
postula sobre criatividade e que esses atores do processo educativo utilizam
um currículo nacional antigo (New Zealand Curriculum de 2007) para embasar
práticas pedagógicas que valorizem o desenvolvimento do pensamento criativo
nos alunos.
Ainda como resultado, a dissertação evidencia a necessidade do
conhecimento sobre criatividade na educação através de teorias, pesquisas e
práticas assertivas como forma de garantir a sua presença no fazer pedagógico
e que a inclusão de abordagem pedagógica para a emergência da criatividade
possibilita a catalisação da aprendizagem, uma vez que proporciona aos
educandos a aprendizagem de estratégias de acercamento ao objeto do
conhecimento (fazer perguntas, estimular o enfrentamento de dúvidas e
incertezas, lidar com o divergente, elaborar formulações e problematizações,
por exemplo). Na proposição de estratégias pedagógicas para o
desenvolvimento do pensamento criativo e na importância de conhecer e
45

planejar para propor tais estratégias reside a convergência da dissertação de


Crimmins-Crocker (2018) com esta tese, considerando que aqui houve
investimentos em estudos sobre criatividade e na metodologia da andaimagem
como uma prática afim à leitura de literatura e ao desenvolvimento do
pensamento criativo.
Na Colômbia, Ruíz e Rojas (2017) desenvolveram pesquisa com 30
crianças entre 5 e 6 anos de idade, de turmas de educação infantil de escola
pública de Bucaramanga/Colômbia, a fim de propor estratégias pedagógicas
favorecedoras para a emergência da criatividade. Para tanto, as autoras
utilizaram linguagens artísticas variadas (artes plásticas, música, literatura,
leitura de imagens, jogos corporais) em uma proposta educativa como forma de
fomentar a curiosidade, o pensamento divergente, a expressão de sentimentos
e ideias enquanto habilidades cognitivas promotoras da criatividade. Entre os
resultados, as autoras destacam que a participação das crianças em atividades
pedagógicas orientadas pelo trabalho com as linguagens artísticas promoveu o
pensamento divergente, a imaginação e a curiosidade.
O estudo acima citado guarda grandes aproximações com esta tese,
distanciando-se no entendimento do que seja literatura, uma vez que as
autoras utilizam o conceito abrangendo outras manifestações artísticas que não
utilizam a palavra como fonte primeira e exclusiva para definir literatura. O nível
de ensino pesquisado e a utilização de testes psicológicos também são pontos
de hiato com esta pesquisa. Mas, a valorização da linguagem artística, em uma
proposta de ensino planejada e contextualizada, se traduziu em convergência
significativa no contexto deste estudo.
Pesquisa de Cremin e Barnes (2014), a respeito da criatividade no
currículo da escola inglesa de ensino fundamental, abordou a importância de
um ensino que oportunize às crianças a possibilidade de pensar com
possibilidades. Segundo os autores, tal pensamento insere os aprendizes
numa atividade comprometida com o jogo de ideias e possibilidades, gerando
perguntas, exploração e criação.
Sobre a aprendizagem criativa, os pesquisadores destacam:
46

A aprendizagem criativa envolve fazer perguntas, explorar


opções e gerar e avaliar ideias à medida que o aluno assume
riscos e pensa com imaginação seu caminho a seguir, fazendo
conexões novas ou inovadoras no processo. Um novo
pensamento acontece nos pontos de encontro de diferentes
ideias e abordagens e também quando ocorrem novos vínculos
entre as pessoas (CREMIN; BARNES, 2014, p. 372, tradução
nossa) 3.

Do excerto, é possível observar afinidade com a metodologia de leitura


empregada nesta tese (leitura por andaimes), posto que são priorizados o
espaço para o diálogo, exposição e discussão de ideias, apreciação e análise
de pontos de vista em atitude coletiva, na qual o encontro com o outro favorece
a aprendizagem pela partilha de experiências, ampliando as possibilidades de
aprender e criar.
À luz das proposições, teorias e pesquisas até aqui apresentadas, uma
silhueta teórica para este estudo é constituída, mapeando, para seu leitor,
pontos de ancoragem que sustentam seus argumentos. Acrescendo às
formulações teóricas, o panorama de pesquisas, em cenários nacional e
internacional, sinaliza a importância desta tese junto a discussões realizadas
em torno do objeto de estudo, o que contribui, por conseguinte, para o avanço
da ciência por meio da pesquisa.

1.4 Guia de leitura da tese

Esta sessão orienta o leitor deste estudo a respeito de como foi pensado
e organizado. Professores e pesquisadores interessados na temática são os
leitores intencionados por esta tese, já que espera-se observar a criatividade
nas escolas longe dos modelos estereotipados e relacionados a dons divinos,
mas sim, como algo que pode estar na prática de qualquer professor que busca
engajamento, reflexão, argumentação e divergência na sala de aula como
oportunidades para aprender e ensinar.

3
Creative learning involves asking questions, exploring options and generating and
appraising ideas as the learner take risks and imaginatively thinks their way forwards,
making new or innovative connections in the process. New thinking happens at the
meeting places of different ideas and approaches and it also takes place when new
links occur between people.
47

Assim, a tese está estruturada da seguinte forma: a introdução


apresenta ao seu leitor as motivações e justificativas para este estudo,
evidenciando a sua relevância. Os objetivos, objeto estudo e questões de
pesquisa também fazem parte desta seção, além disso, a pesquisa é situada
num panorama nacional e internacional que possibilita a sua compreensão no
âmbito dos estudos já realizados.
No segundo capítulo, têm-se os aspectos metodológicos da pesquisa, as
escolhas e procedimentos. O leitor encontra o desenho da pesquisa, as etapas
de sua realização, a seleção dos livros de literatura, informações relevantes
sobre o locus e os sujeitos. Também são descritos nesse tópico a forma como
os dados serão analisados.
No terceiro capítulo, os estudos sobre criatividade são apresentados e
aprofundados. Fazem parte dessa seção a compreensão de criatividade
assumida nesta tese e a importância da presença da criatividade no contexto
educativo e a defesa de uma aprendizagem criativa nas escolas. Evidencia-se
o entendimento da criatividade como constituinte do desenvolvimento humano,
apresenta, também, como a criatividade é apresentada em alguns documentos
educacionais brasileiros para o ensino fundamental.
Já o quarto capítulo aponta reflexões sobre a literatura e sua relevância
na escola. À luz da estética da recepção, busca-se compreender como o texto
literário favorece o pensamento criativo dos seus leitores, considerando, na
convergência do texto com o leitor, os efeitos provocados pela obra que
favorecem à criação.
Em seguida, o próximo capítulo trata da mediação pedagógica, uma das
interfaces desta tese. Aqui, se apresentam considerações sobre práticas afins
à emergência da criatividade, por isso, a experiência de leitura por andaimes é
analisada como um procedimento metodológico coerente aos estudos sobre
criatividade em ambiente escolar.
No sexto capítulo, tem-se a análise da pesquisa. Nesse espaço, a
discussão é apresentada sob três categorias que organizam a compreensão
sobre a emergência do pensamento criativo no processo de mediação
pedagógica na aula de leitura de literatura, quais sejam: repertório literário e
criatividade, que destaca a leitura em intertexto e a coleção de histórias de
cada sujeito (repertório) como facilitadores da criação; literatura e pensamento
48

divergente, quando os sujeitos podem, coletivamente, pensar sobre pontos de


vista incomuns, debater e elaborar ideias novas a partir da leitura de literatura;
criação e literatura na qual se expressa, fortemente, características do texto
literário que favorecem a emergência da criatividade. Essas categorias formam
um conjunto organizado que comunica, através das análises, os indícios do
pensamento criativo demonstrados pelas crianças, além de evidenciar o
processo de mediação instaurado na sala de aula.
Em seguida estão as considerações finais com as conclusões e
apontamentos sobre o caminho percorrido na condução deste estudo.
49

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS

As pesquisas que envolvem a prática escolar buscam alternativas para


redimensionar o saber e o fazer docente, constituindo-se também como fonte
de produção e de socialização de conhecimentos acerca dos saberes que
circulam no sistema escolar. Especificamente, este estudo vislumbra refletir
sobre como as ações pedagógicas com a literatura em sala de aula favorecem
a emergência da criatividade, contribuindo, por decorrência, com o arejamento
sobre a presença da literatura na escola.
Cabe ressaltar que a investigação proposta não pretende dar uso
pragmático e utilitário à literatura, mas sim evidenciar o seu estatuto enquanto
arte e a sua importância para a formação humana, considerando um contexto
real de intervenção pedagógica.
Sobre a consideração de um contexto real, Santos (2006) sinaliza que
esse é o grande ganho das pesquisas em ciências sociais, qual seja: a
compreensão do mundo associada à relação homem/objeto; reiterando,
portanto, a relevância do contexto educacional para o entendimento dos
processos educativos e formativos que ali ocorrem.
Assim, compreender um objeto de estudo que contempla em seu cerne
mediação pedagógica, literatura e criatividade evidencia o enredamento
metodológico com as pesquisas de cunho qualitativo.
Na concepção qualitativa de pesquisa, assume-se uma postura holística
mediante os fenômenos pesquisados, evitando-se a descrição reducionista de
ações ou fenômenos, trazendo para a luz a ação interpretada pelo pesquisador
e sujeitos da pesquisa (DESLAURIERS, 2012).
A pesquisa qualitativa pode ser assim conceituada:

[...] como um termo genérico que agrupa diversas estratégias


de investigação que partilham determinadas características. Os
dados recolhidos são designados por qualitativos, o que
50

significa ricos em pormenores descritivos relativamente a


pessoas, locais e conversas, e de complexo tratamento
estatístico. As questões a investigar não se estabelecem
mediante a operacionalização de variáveis, sendo, outrossim,
formuladas com o objectivo de investigar os fenômenos em
toda a sua complexidade e em contexto natural (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 16).

Da assertiva, percebem-se as particularidades que são consoantes a


esse tipo de pesquisa, como o caráter plural, a atenção para as especificidades
da realidade, dos sujeitos que interagem nesse espaço e a relevância do
tratamento contextual aos dados recolhidos. Isto, porque a abordagem
qualitativa ―leva em conta todos os componentes de uma situação em suas
interações e influências recíprocas‖ (ANDRÉ, 1995, p. 17).
De forma geral, Pires (2012, p. 90) elenca algumas características da
pesquisa qualitativa:

a) por sua flexibilidade de adaptação durante seu


desenvolvimento, inclusive no que se refere à construção
progressiva do próprio objeto da investigação; b)por sua
capacidade de se ocupar de objetos complexos, como as
instituições sociais, os grupos estáveis, ou ainda, de objetos
ocultos, furtivos, difíceis de apreender ou perdidos no passado;
c) por sua capacidade de englobar dados heterogêneos, ou,
[...] de combinar diferentes técnicas de coletas de dados; d) por
sua capacidade de descrever em profundidade vários aspectos
importantes da vida social concernentemente à cultura e à
experiência vivida [...]; e) por sua abertura para o mundo
empírico, a qual se expressa geralmente, por uma valorização
da exploração indutiva do campo de observação [...].

No empreendimento desse estudo, vê-se a interseção com a pesquisa


qualitativa na busca pela compreensão do processo de mediação pedagógica
na promoção do pensamento criativo, em situação de leitura e discussão de
histórias com crianças do ensino fundamental. De onde se infere a valorização
de criação de estratégias, questionamentos e diálogo para o acercamento ao
texto literário, ao mesmo tempo em que nuanças do pensamento criativo são
acionadas e reveladas pelos leitores.
Nessa direção, caminhos flexíveis de se aproximar do texto e de dialogar
sobre ele são considerados e evidenciam a necessidade de investigação no
51

campo empírico com a proposta de aulas sistematizadas com o ensino de


literatura, fomentando a prática do ensino-pesquisa na ação do mediador, ou,
nas palavras de Freire (1996, p. 31): ―a dodiscência – docência-discência‖ e a
pesquisa são inseparáveis e pertencentes ao ciclo gnosiológico.
No contexto de refletir sobre a ação empreendida, o estudo procura
viabilizar o conhecimento sobre as potencialidades do trabalho com a literatura
em sala de aula, na medida em que também reflete sobre o próprio fazer,
apontando caminhos possíveis para o trabalho com a literatura na escola,
considerando o desenvolvimento da criatividade, respeitando o fazer artístico e
inventivo que lhe são peculiares.
A discussão novamente se circunscreve em seu objeto (a emergência do
pensamento criativo a partir da atividade de leitura por meio dos procedimentos
de andaimagem: pré-leitura, leitura e pós-leitura no processo de mediação
pedagógica), no qual se lança luz sobre uma situação de ensino: o ensino de
literatura. No raciocínio traçado até aqui, é importante salientar que ao se falar
em ensino, associa-se, a esse verbete, a ideia de mediação, aprendizagem e
pesquisa, ações que são compreendidas como um todo entrelaçado.
Ao se referir sobre o ensino de literatura, Amarilha (2007) sinaliza as
particularidades inerentes a uma pesquisa que se debruça sobre tal objeto e
indica a preocupação dos pesquisadores com os desdobramentos da leitura de
literatura na escola.

A produção do conhecimento sobre o ―ensino de literatura‖


traz uma dificuldade inerente. Não se trata de uma criatura,
não é um objeto, mas sim uma situação. Daí que é possível
estabelecer focos, por necessidade operacional, entretanto,
não se pode perder de vista que, sendo o objeto múltiplo e
dinâmico, o pluralismo metodológico é uma necessidade
(metodológica) (AMARILHA, 2007, p. 341, grifo no original).

Do pluralismo metodológico, retoma-se o discurso de Santos (2006) ao


evidenciar que a produção do conhecimento científico, para ampliar a
compreensão do campo epistêmico, deve prever transgressão e pluralidade
metodológica no trato com o objeto de estudo, na tentativa de compreendê-lo e
de validar o conhecimento produzido a partir da sua investigação.
52

Nessa direção, assume-se nesta tese o posicionamento de que a


trajetória metodológica percorrida não foi engessada, inflexível, mas reflexiva,
atenta e sensível às nuances da realidade investigada, empreendendo um
caminho metodológico que se revelou adequado e válido no próprio exercício
de pesquisar.
A ação de pesquisar no contexto escolar e na sala de aula evidenciou a
necessidade de considerar o caráter subjetivo das relações que ali se
estabeleceram e a singularidade dos fenômenos observados.
Bauer, Gaskell e Allum (2002) reiteram essa concepção ao afirmarem
que na pesquisa social há o interesse no modo como as pessoas se
expressam, falam e pensam sobre si, suas ações e sobre os outros num
complexo enredamento.
Na tentativa de compreender os meandros de uma ação pedagógica
capaz de fomentar o pensamento criativo, as vozes dos sujeitos e as
interações estabelecidas em grupo e com o texto literário foram consideradas
importantes na construção dos dados e do corpus de análise.
Inseridos no paradigma da pesquisa qualitativa, pode-se abrir uma
janela, a fim de melhor localizar este estudo no vasto campo que compreende
as pesquisas dessa vertente. Nessa perspectiva, almejando constituir
elementos que possibilitem um entendimento acerca das práticas literárias na
escola e contribuir com o aprimoramento do saber/fazer educacional, tendo em
vista a emergência do pensamento criativo dos sujeitos, recorreu-se ao
procedimento da intervenção pedagógica, utilizado na pesquisa-ação.
Essa escolha procedimental se deu a partir da necessidade de intervir,
em contexto real, repensar a prática educativa e fomentar a formação de
leitores sob a perspectiva da criatividade. Ou seja, uma intervenção orientada
em função de uma problemática percebida (ANDRÉ, 1995), no caso, as
possibilidades do desenvolvimento criativo pelo aprendiz por meio da mediação
da leitura de literatura.
A pesquisa-ação abrange pesquisador e sujeitos numa mesma ação
sistemática e orientada, ―envolve sempre um plano de ação‖ com objetivos,
acompanhamento e controle da ação planejada (ANDRÉ, 1995, p. 33).
53

Acerca da implicação dos atores nesse procedimento metodológico,


Barbier (1985, p. 114) chama atenção sobre o engajamento humano no
―processo de transformação do mundo‖. Assim, ao se vislumbrar uma prática
pedagógica assertiva e coerente à formação de leitores e condizente ao
estatuto de arte da literatura, é importante reiterar a importância do
engajamento de todos os sujeitos nessa ação.

O exercício dessa atividade prática dá uma experiência que lhe


abre as portas do conhecimento empírico e, em seguida, do
conhecimento abstrato que, por sua vez, guiará a sua vida
futura. [...]. É desenvolvendo o vetor conhecimento
empírico/conhecimento abstrato/aplicação prática, que conheço
o mundo e vou ―me conhecendo‖ (BARBIER, 1985, p. 114, grifo
no original).

Da afirmação, vê-se que a intervenção se constitui numa atividade em


que se supõe o engajamento, a ação e reflexão sobre o fazer em sala de aula e
como tal movimento é propício para pensar, com criticidade e autoridade, a
formação de leitores e a mediação pedagógica para a prática de leitura na
escola.
Thiollent (2007), ao escrever sobre as pesquisas sociais, destaca alguns
princípios da pesquisa-ação e aqui recebem ênfase aqueles que são afins a
esta tese:

a) há uma ampla e explícita interação entre pesquisadores e


pessoas implicadas na situação investigada; [...]
c) o objeto de investigação não é constituído pelas pessoas e
sim pela situação social e pelos problemas de diferentes
naturezas encontrados na situação; [...]
f) a pesquisa não se limita a uma forma de ação (risco de
ativismo): pretende-se aumentar o conhecimento dos
pesquisadores e o conhecimento ou ―o nível de consciência‖
das pessoas e grupos considerados (THIOLLENT, 2007, p. 18-
19, grifo no original).

Ao contrapor os critérios elencados por Thiollent (2007) e o estudo


desenvolvido, percebe-se a reorientação na própria ação de pesquisar,
contribuindo, portanto, para a construção de novos horizontes sobre a
54

formação leitora, especificamente, sobre as nuanças do pensamento criativo


em situação mediada de leitura de literatura.
Outra interseção desses aspectos é vista quando consideramos que a
pesquisadora e os sujeitos pertencem ao mesmo contexto educacional, de
onde se infere que os desdobramentos dessa pesquisa terão impacto sobre o
locus pesquisado, uma vez que eles se constituirão em reflexão sobre o
trabalho com a literatura em sala de aula, promovendo uma tomada de
consciência sobre os processos que envolvem a prática da leitura de literatura
na escola que favorecem a criatividade, além de constituir material de pesquisa
possível de orientar práticas educativas de outros contextos.
Salienta-se que apesar das aproximações, assume-se, no contexto
deste estudo, a postura da autonomia metodológica, considerando a
complexidade do objeto de estudo, as relações entre sujeito, pesquisador e
locus. Nesse sentido, Mills (1965) fundamenta essa concepção, quando – ao
utilizar a metáfora do artesão que planeja, cria, executa – assegura que o
pesquisador deve ter clareza sobre os métodos empregados na busca de
responder seus propósitos de pesquisa.

Sejamos um bom artesão: evitemos qualquer norma de


procedimento rígida. [...]. Evitemos o fetichismo do método e da
técnica. É imperiosa a reabilitação do artesão intelectual
despretensioso, e devemos tentar ser, nós mesmos, esse
artesão. Que cada homem seja seu próprio metodologista; que
cada homem seja seu próprio técnico; que a teoria e o método
se tornem novamente parte da prática do artesanato.
Defendemos o primado do intelectual individual; sejamos a
mente que enfrenta, por si mesma, os problemas do homem e
da sociedade (MILLS, 1965, p. 240).

Reforça-se, assim, o fazer consciente sobre o método enveredado e a


clareza de que as decisões metodológicas estabelecidas levaram em conta as
nuances oferecidas e avaliadas no próprio exercício de pesquisar. E tal qual o
artesão, aqui, nesta tese, planejaram-se, criaram-se e executaram-se os
caminhos percorridos.

2.1 O desenho da pesquisa


55

A pesquisa realizada contou com a elaboração e a execução de seis


etapas, quais sejam: acordos éticos e institucionais; ecologia da escola (locus e
sujeitos); observação; planejamento e implementação das sessões de leitura e
a análise dos dados. O anúncio dessas etapas visa situar o leitor no contexto
deste estudo e na forma como foram concebidos os procedimentos traçados.

2.1.1 Acordos éticos e institucionais

Em atendimento à Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS)


número 466, de 12 de dezembro de 2012, e à Resolução número 510, de 07 de
abril de 2016, todas as pesquisas que envolvem seres humanos – de forma
direta ou indireta – devem ser submetidas à apreciação do Comitê Central de
Ética em Pesquisa/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CEP/CONEP).
Estão inclusas nessas resoluções pesquisas em nível de Doutorado, Mestrado,
Residência, Especialização, Trabalhos de Conclusão de Curso de graduação e
pesquisas na área da iniciação científica.
Para cumprir com os protocolos éticos, foram submetidos termos de
consentimento e assentimento para os pais/responsáveis e as crianças.
Nesses documentos, e em outros4 exigidos pelo CEP/CONEP, constam
informações objetivas e claras sobre a pesquisa, além das garantias
salvaguardadas para os sujeitos. Relevante informar que a escola cenário da
pesquisa e o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte também devem dar ciência por meio de
documentos sobre a execução da pesquisa.
Concomitante aos procedimentos do Comitê Central de Ética em
Pesquisa, as professoras da turma selecionada iam sendo consultadas sobre a
solicitação do grupo para a pesquisa e garantindo, futuramente, espaço para a
realização da mesma. Interessante ressaltar que, em reuniões de pais, houve a

4
Carta de anuência, declaração de não início, folha de rosto, planejamento financeiro,
formulário CEP, autorização para gravação de voz, autorização para uso de imagem, folha de
identificação do pesquisador, termo de consentimento livre e esclarecido, termo de
assentimento livre e esclarecido, termo de confidencialidade, além de projeto e cadastro na
Plataforma Brasil.
56

apresentação da pesquisa a ser desenvolvida, com breve explanação sobre


seus objetivos e procedimentos metodológicos.
A pesquisa foi autorizada conforme o parecer de aprovação de número
3.301.339, em maio de 2019. E, em seguida, retomou-se o contato com a
escola e as professoras para o encaminhamento dos termos aos pais e
crianças, assim como iniciar o procedimento de observação.
Sobre a seleção do locus, alguns critérios foram estabelecidos:
inicialmente, elegeu-se o caráter público da escola, pois, desse modo, pode-se
atingir uma população de referência no quadro de desafios educacionais.
Outro critério posto era que a escola deveria ter biblioteca com acervo
literário expressivo e utilizado pelas crianças. Esse fator foi elencado, uma vez
que havia o desejo de atuar em um ambiente no qual acontecesse o acesso a
textos literários por parte dos alunos. Mais um fator de seleção era de que, no
locus eleito, houvesse trabalho sistemático com a leitura de literatura.
A metodologia do tema de pesquisa empregada na escola também
concorreu como critério de seleção, uma vez que essa abordagem concebe o
ensino como uma prática articulada com as experiências das crianças,
considerando seus saberes consolidados à medida que se almejam novos
conhecimentos. Por suas escolhas metodológicas para o ensino, a escola
cenário da pesquisa foi reconhecida, pelo Ministério da Educação (MEC), como
uma instituição de referência na inovação e criatividade na educação básica, o
que sublinha a sua seleção, além de apresentar afinidade ao objetivo desta
tese.
Sobre a turma selecionada, priorizaram-se as crianças do 4º ano, do
turno vespertino. A escolha se deu em virtude de pesquisas apontarem que as
crianças maiores, ao pensarem criativamente, ativam um pensamento ―pós-
convencionalidade‖ (DAVIES; HOWE, 2010), ou seja, suas atividades criativas
são mais conscientes e elaboradas em comparação com crianças menores,
porque já dominando algumas convenções sociais, elas têm de superá-las,
alargá-las, para expressar uma ideia diferente ou não convencional.
Além desse fator que apontam Davies e Howe (2010), esperava-se que
os sujeitos já possuíssem conhecimentos consolidados sobre a leitura e
escrita, além de bom repertório literário constituído na escola, posto que não se
57

pode confirmar como é a formação de repertório dessas crianças em casa ou


em outros locais que frequentam.
As crianças, quando consultadas e informadas da pesquisa, de pronto
aderiram e anunciaram que a pesquisa ia mostrar que ler literatura ajuda a ser
criativo, mas anunciaram uma preocupação: não sabiam fazer rubricas para
assinar o termo de assentimento livre e esclarecido (DIÁRIO DE CAMPO,
2019).
Consolidados os trâmites éticos e institucionais, definiu-se um
calendário de observação in loco e de implantação das sessões de leitura,
segundo as possibilidades da rotina escolar e da dinâmica da sala de aula.

2.1.2 Ecologia da escola: o locus e os sujeitos

Uma pesquisa de cunho qualitativo, ao enveredar em seu campo


empírico, deve cercar-se de cuidados para não promover uma descrição
estanque e descontextualizada de seus atores e de como esses interagem no
meio educacional, como é o caso particular deste estudo.
Assim, tenta-se desenvolver uma compreensão mais global de como os
processos educativos e formativos ocorrem, a forma como influenciam os
sujeitos que, por sua vez, também impactam os mesmos processos formativos
e educativos, num ciclo incessante e reflexivo.
Nessa perspectiva, assume-se o entendimento ecológico preconizado
por Gómez (1998, p. 75), ao considerar a ―interação e intercâmbio‖ entre
pessoas, grupos e instituições na tessitura da compreensão dos fenômenos
que acontecem no ambiente educativo.
Ao considerar todos os condicionantes circunscritos no âmbito escolar,
assume-se uma concepção sistêmica na qual se tenta perceber as ―redes
significativas de influências que configuram a vida real da sala de aula‖
(GÓMEZ, 1998, p. 76) como um conjunto articulado a tudo o que diz respeito a
uma comunidade escolar específica.
Ao se buscar compreender as redes significativas que envolvem o
contexto pesquisado, houve um olhar investigativo para a escola e os sujeitos,
58

a fim de compreender como se organizam e pensam, de forma global, a


formação do leitor de literatura naquele espaço.
Importante salientar que apesar do locus ser o ambiente profissional da
pesquisadora, a condição de pensar as práticas de leitura de literatura daquela
instituição educativa causou um deslocamento sobre a percepção da escola.
Assim, na condição de pesquisadora, houve uma busca intencional nos
documentos oficiais da escola e nas ações desenvolvidas na intenção de
reconhecer, de forma ampla, como se pensa e contempla a formação do leitor.
Sobre a escola, o locus selecionado foi o Núcleo de Educação da
Infância (NEI), colégio de aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Os critérios de escolha já mencionados associaram-se à necessidade de
se apropriar melhor da formação de leitores da comunidade da qual a
pesquisadora faz parte e assim caracterizar e redimensionar esse trabalho na
perspectiva de formar proposições adequadas à ecologia escolar.
A escola cenário da pesquisa foi criada como Unidade Suplementar da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), através da resolução
55/79, do Conselho Universitário (CONSUNI), de 17 de maio de 1979. Com
acesso exclusivo à comunidade universitária, atendia crianças com idade entre
1 ano e 8 meses a 5 anos e 11 meses. Em, 2008 o acesso deixou de ser
exclusivo para filhos de funcionários, professores e alunos da UFRN e passou
a ser aberto para a comunidade em geral, por meio de sorteio público, via
edital.
Em 2010, o NEI teve a oferta de ensino expandida com a inserção de
novas turmas no ensino fundamental. Em 2013, por meio da Resolução
13/2013, de 18 de outubro de 2013, são acolhidas na instituição as crianças e
os servidores da Unidade Educacional Infantil-UEI/UFRN, ampliando assim o
seu atendimento para as turmas de berçários 1 e 2. Entretanto, a estrutura
inadequada para o atendimento a bebês, fez com que a escola, a partir de
2016, assumisse apenas o atendimento a partir do berçário 2.
Atualmente, é um Colégio de Aplicação, vinculado à Universidade
Federal do Rio Grande do Norte/UFRN e ao Centro de Educação (CE),
dedicando-se à Educação Infantil (creche e pré-escola: berçário 2 à turma 4) e
ao Ensino Fundamental (1º ao 5º ano).
59

Durante a pesquisa, a escola contava com 355 crianças distribuídas


entre as turmas citadas, nos turnos matutino e vespertino. Já a equipe de
profissionais apresentava quarenta professores efetivos, sete professores
substitutos, nove auxiliares de creches, dezesseis bolsistas de diversos cursos
de graduação da UFRN, dezoito funcionários (psicólogo, nutricionista,
cozinheiro, almoxarife, administrador, pedagogo, bibliotecários, técnicos
administrativos e administrador) e treze funcionários terceirizados.
A respeito da estrutura física, existem dez salas de aula, laboratórios
(linguagens, música e movimento; multimídia e ciências), sala de professores,
biblioteca setorial com amplo acervo literário, cozinha, refeitório, duas quadras,
quatro áreas destinadas ao parque, cozinha experimental, solário e
brinquedoteca.
O prédio também apresenta a estrutura administrativa, com salas de
direção, coordenação, secretaria e recepção. Em 2008, a escola foi ampliada
com a construção de uma edificação anexa, na qual se encontram um
auditório, sala de professores, salas de reuniões, coordenação de inclusão e
espaço destinado à atividade de pesquisa e extensão.
A equipe gestora é eleita mediante votação e toda a comunidade
escolar participa do processo eleitoral. Na escola, têm-se ainda as
coordenações de ensino, estágio, inclusão, pesquisa e extensão que são
coordenadas por professores efetivos, indicados entre os docentes.
Além do ensino básico, os professores da instituição promovem e
coordenam cursos de extensão, de aperfeiçoamento, além de atividades de
pesquisa. Em 2014, a escola ofereceu curso de especialização. Recentemente,
em 2019, a escola recebeu certificação do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo seu grupo de pesquisa
―Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Infâncias‖ (NEPI). O grupo se dedica
a investigar a infância sob diversos prismas: mídias, narrativas infantis,
corporeidade, cognição, artes, etc.
60

A escola, bianualmente, promove o Encontro Nacional de Educação


Infantil, que está em sua 19ª edição5, favorecendo interlocução entre os
saberes e fazeres relativos à educação da infância em escala nacional.
Ao analisar a trajetória em que essa escola se constituiu e as
ramificações em que atua (ensino, pesquisa e extensão) é possível notar sua
importância no contexto educativo local, pois se configura como uma escola
formativa para outros educadores que atuarão como multiplicadores de ação
pedagógica cujo centro do processo de ensinar e aprender é a criança. Indo
além, é provável que a instituição também seja referência em contexto
educativo nacional por meio do congresso que promove e das publicações dos
seus professores em livros e revistas.
A proposta pedagógica da escola (em edição para publicação),
organizada em campos de experiência e áreas de conhecimento, valoriza o
encontro da criança com o conhecimento historicamente construído, por meio
de um ensino fundado na curiosidade, interesse, respeito e possibilidade dos
aprendizes.
A metodologia utilizada é o tema de pesquisa, proposto por Rêgo
(1999), que contempla três dimensões básicas nos processos de ensinar e
aprender: o contexto sociocultural das crianças, a estrutura dos conhecimentos
de área e os processos de construção de conhecimento pelas crianças. Tais
dimensões permitem, tanto na educação infantil, como no ensino fundamental,
a organização do conhecimento na perspectiva do que se quer conhecer,
partindo dos saberes que as crianças já possuem.
O engajamento, a curiosidade e a implicação dos aprendizes no próprio
processo de ensinar e aprender são postos em relevo. Nesse sentido, a
efetivação da abordagem metodológica parte de questionamentos, discussões,
diálogos e pesquisas que favorecem a construção do conhecimento e a
autonomia intelectual.
O espaço e o tempo escolares são organizados numa rotina que visa à
orientação, segurança e autonomia das crianças. A estruturação do tempo é
organizada em uma sequência de atividades cotidianas assim constituídas:

5
Em 2021, a escola introduziu a 1ª edição do Encontro Nacional dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental (ENEF).
61

roda inicial, hora do trabalho, arrumação, lanche, parque, hora do repouso,


hora da história, hora do trabalho, arrumação e roda final. Ainda fazem parte da
organização do tempo e do espaço, a utilização pedagógica de espaços
coletivos (biblioteca, laboratórios, brinquedoteca e cozinha experimental),
assim como aulas com professores de música e educação física. Ressalta-se
que, durante o período observado, os alunos puderam usufruir de todos esses
ambientes com atividades planejadas e mediadas pelas professoras titulares.
Ainda sobre o espaço, há uma unidade organizacional em todas as
salas de aula da instituição, que consiste na utilização de ―cantinhos‖ –
espaços reservados para atividades específicas: canto da roda, do faz-de-
conta, leitura, jogos e artes. Também é reservado o local para o tema de
pesquisa, onde ficam os questionamentos das crianças, os direcionamentos e
sínteses já organizadas.
Outro dado que diz muito a respeito da escola, de como ela conduz a
aprendizagem das crianças e as formas como elas se relacionam no espaço
escolar é a promoção de assembleias, espaço no qual as crianças, mediadas
pelos professores, debatem, expõem e opinam sobre algum problema ou
acordo coletivo. Esses momentos podem acontecer com apenas uma turma ou
envolver várias turmas de um turno.
A partir da proposição metodológica assumida na escola e da
organização do espaço e tempo escolares na rotina, vê-se o compromisso com
a educação da infância e a tradução de como são concebidas a criança e a
aprendizagem na instituição, uma vez que o caráter formativo e intencional,
mas lúdico e dialógico, perpassa todo o processo de aprender e ensinar ali
instaurado.
Retomando a leitura de literatura, nota-se que há espaço privilegiado
para a leitura/contação de histórias na rotina diária da escola. Nas salas de
aula existem livros de literatura e gibis à disposição das crianças. Assim, é
possível inferir que, com o espaço na rotina para leitura, a presença de livros
de literatura, o amplo acervo literário da biblioteca6, a prática de empréstimos

6
Sobre o acervo, a escola recebia, até o momento da pesquisa, exemplares do Programa
Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), além de aquisições feitas pela própria UFRN por meio
de editais e doações individuais. Deve-se ressaltar que além de livros de literatura, a biblioteca
dispõe de materiais destinados à formação de professores, com uma biblioteca específica.
62

de livros e os momentos semanais de ida à biblioteca, as crianças possuam


repertório literário considerável.
Do exposto, percebe-se que é uma escola que em sua ação valoriza a
autonomia e expressão do pensamento em diversas formas, de onde se infere
que o educar para a criatividade está presente, já que privilegia a pluralidade,
pesquisa, diálogo, questionamento, discussão, exploração, manipulação,
experimentação e comparação como formas de pensar e conduzir os temas de
pesquisa nas suas turmas.
O National Advisory Committee on Creative and Cultural Education
(1999), comitê britânico, elaborou o relatório All Our Futures: Creativity, Culture
and Education ressaltando a importância do desenvolvimento da criatividade na
aprendizagem e no ensino de crianças. Nesse documento, é feita relação entre
duas formas de compreender a criatividade na escola, quais sejam: o ensinar
para a criatividade (focado no desenvolvimento da criança) e o ensinar
criativamente (focado no professor).
Assim, ao se pensar nas ações desenvolvidas pelo NEI cujo centro é a
criança, percebe-se que há uma consonância com o ensinar para a criatividade
posto pelo comitê quando se considera o estudo do tema de pesquisa em sua
dimensão integrada, holística, sob a perspectiva de várias áreas do
conhecimento e a promoção de uma educação fundada no questionamento,
curiosidade, problematização e diálogo. E o ensinar criativamente é percebido
na busca por estratégias e métodos que traduzam o protagonismo infantil nas
proposições pedagógicas.
No tocante aos sujeitos, espera-se que a caracterização possibilite a
percepção de como interagem no espaço e entre si, contribuindo para a
constituição de um olhar ecológico. O grupo investigado, a turma do 4º ano
vespertino, conta com 19 crianças, sendo 12 meninos e 7 meninas, na faixa
etária entre 9 e 10 anos de idade e estão sob a regência e orientação de duas
professoras efetivas da instituição.
As crianças da pesquisa, desde o início, foram receptivas à presença
da pesquisadora na sala de aula, talvez pelo fato de já terem sido alunos da
pesquisadora e, sempre que possível, buscavam a sua atenção, tanto para
63

conversar, como para mostrar o tema de pesquisa que investigavam:


Tecnologias.
No tema de pesquisa Tecnologias, notou-se que as crianças fizeram,
junto com as professoras, linha do tempo das invenções humanas e que elas
têm questionamentos que vão desde a história da humanidade a questões
voltadas às tecnologias mais modernas (trabalhos feitos por tecnologia
computacional). Importante destacar que nas turmas do ensino fundamental, os
temas de pesquisa costumam ter uma duração anual, considerando a dialética
da produção do conhecimento e, à medida que fazem descobertas, novas
perguntas são feitas. Então, a construção do saber em torno do tema de
pesquisa entra num espiral contínuo, por isso sua duração é maior ao se
considerar os temas de pesquisa na Educação Infantil.
Sobre o perfil leitor do grupo, durante o ano de 2017, o projeto de
extensão universitária ―Leitura, literatura e educação da infância: do ensino à
formação de mediadores de leitura‖ (FARIA; MEDEIROS, 2017), aplicou, junto
às crianças do Ensino Fundamental, um questionário com questões abertas,
em que as coordenadoras do projeto se propuseram a ouvir as crianças sobre
suas preferências leitoras e as práticas de leitura desenvolvidas pela escola.
Das questões lançadas, esse grupo em específico apontou alguns
nortes sobre os quais serão feitos algumas considerações. Das respostas
dadas, a maioria das crianças afirmou gostar de ler, apenas uma disse que não
gostava e outra que dependia do livro; sobre o que gostava nos enredos, a
maioria afirmou gostar de histórias de aventura; sobre os critérios que
utilizavam para escolher histórias, algumas crianças citaram autores, humor e
emoção.
A respeito de como preferiam o momento da leitura, a turma ficou
dividida: parte prefere ler sozinho, justificando tranquilidade e concentração,
enquanto a outra prefere que leiam em voz alta (diversão, mais aprendizagem,
rapidez). Na avaliação da biblioteca, metade da turma destacou o acervo e a
outra metade destacou o espaço físico para leitura. Sobre o que as
desagradavam, citaram livros rasgados e a organização das prateleiras da
biblioteca.
64

Essas considerações das crianças permitiram um maior conhecimento


sobre a relação delas com a leitura, revelando aspectos de maturidade leitora
com evidência a aspectos relevantes, como: critérios de seleção, avaliação
sobre estratégias e espaços de leitura. Além de sustentar a ideia de que a
escola e sua forma de conceber o ensino e a aprendizagem formam crianças
críticas, autônomas e propositivas em seus posicionamentos, reforçando a
concepção do conjunto sistêmico entre teoria e prática educativa fundada na
criança.

2.1.3 A observação

A observação, além de compor uma etapa para conhecimento dos


sujeitos e da escola, é também necessária para a instauração da metodologia
de leitura empregada na pesquisa: a andaimagem (GRAVES; GRAVES, 1995).
Sobre ser uma estratégia da abordagem qualitativa, é compreendida
como um procedimento realizado no ambiente investigado, sem manipulá-lo,
modificá-lo ou limitar o comportamento dos participantes. Observa-se e
registra-se o que de fato ocorre (VIANNA, 2003).
Entretanto, apesar de se registrar o que de fato ocorre, sabe-se que a
presença do pesquisador no ambiente da pesquisa influencia o comportamento
dos sujeitos e o modo como se relacionam, assim, é importante considerar
esse dado na análise do que se encontra em campo. Para aperfeiçoar esse
procedimento, Jaccoud e Mayer (2012, p. 276) descrevem cinco 5 eixos para a
observação: ―Onde estamos? Quem são os participantes? Por que os
participantes estão aí? O que se passa? O que se repete e desde quando?‖
Com essa clareza sobre o que fazer/observar no locus, buscou-se
compreender as situações educativas que favorecessem o desenvolvimento do
pensamento criativo; a experiência leitora dos alunos e o trabalho pedagógico
com a literatura. Desse modo, direcionou-se a observação, considerando os
objetivos deste estudo e, ao se estabelecerem focos de interesse, pôde-se
acompanhar com mais rigor a realidade até então pesquisada.
Sobre a observação como procedimento relevante para a metodologia
da andaimagem, reitera-se a importância do estudo da audiência (GRAVES;
65

GRAVES, 1995) como forma de selecionar e planejar os materiais de leitura de


literatura a serem utilizados na pesquisa. Esse procedimento é, portanto,
valioso para o atendimento da proposta da leitura por andaimes.
A observação, compreendida nos meses de junho e julho de 2019,
trouxe elementos importantes para a compreensão sobre os tos e para a
implementação da pesquisa. Em relação à leitura de literatura, no período
observado, puderam-se observar as seguintes práticas: leitura silenciosa,
leitura em voz alta pela professora, dia do contador, leitura compartilhada no
livro comum, ciranda de leitura e idas à biblioteca, momento em que as
bibliotecárias preparam leituras para as crianças.
Das práticas levantas, é necessário tecer algumas explicações, já que
são específicas ao fazer do locus observado. O dia do contador é um momento
semanal da rotina, em que as crianças elegem um livro, do acervo pessoal,
para contar ou ler na escola. A escolha do contador segue a ordem alfabética e
as crianças recebem orientações específicas para essa atividade: selecionar a
história e ensaiar a contação ou leitura previamente, para isso um bilhete é
enviado para casa, antecipadamente, para que as famílias possam auxiliar
nessa atividade, caso seja necessário.
Outra prática de leitura assumida pela escola é a escolha de um livro
literário comum para todas as crianças da turma. Essa prática acontece do 1º
ao 5º ano do ensino fundamental. Os pais ou responsáveis, no início do ano,
recebem bilhete com a indicação para aquisição do livro comum para aquela
turma. Essa sistemática é adotada pela escola, considerando pesquisas que
apontam a formação da comunidade de leitores como uma estratégia de
formação leitora e de promoção do gosto pela leitura (AMARILHA, 2007). O
livro literário comum da turma investigada era Reinações de Narizinho, de
Monteiro Lobato (2014d).
Já a ciranda de leitura constitui-se de um acervo particular das
crianças, que elas trazem para a escola e fica disponível para empréstimo
entre elas. Para a seleção desse livro, os pais recebem orientação mínima
sobre como identificar algumas pistas que revelam um livro de qualidade
(autores e ilustradores consagrados, esclarecimento mínimo sobre qualidades
66

literárias e imagéticas, premiações, ficha catalográfica, etc.). Ao término do


ano, os livros da ciranda e o livro comum são devolvidos para as crianças.

2.1.4 Planejamento e implementação

O planejamento das sessões de leitura considerou todos os aspectos


coletados e percebidos nas etapas anteriores. Essa etapa da pesquisa prevê o
planejamento da intervenção pedagógica com vistas ao objetivo do estudo, a
seleção do material e também o pensar sobre as estratégias a serem
utilizadas.
Com cuidado para não dar destino pragmático ao texto literário, as
sessões foram pensadas na intenção de valorizar a experiência com a palavra,
o diálogo e a troca de ideias, assumindo sempre o texto como centro das
proposições em sala de aula.
Sobre as sessões de leitura, ponderou-se a execução de dez aulas de
leitura de literatura, dando relevo a aspectos do pensamento criativo (valorizar
a produção de ideias, criar nos vazios do texto literário, promover o
pensamento flexível, fluente e divergente, fomentar a imaginação, repensar
realidades, resolver conflitos, subverter a lógica de ideias dominantes, criar
relação entre palavras). Acredita-se que com esse número de encontros foi
possível experimentar e perceber as estratégias utilizadas pela professora-
pesquisadora que são favoráveis e consoantes ao desenvolvimento do pensar
criativamente e promover, também, uma reflexão em torno do ensino de
literatura.
Os planos de aula assumem a conotação do norte a ser seguido, como
um ponto de apoio para verticalizar as leituras e as experiências leitoras, de
forma alguma são rígidos e inflexíveis, mas se reorganizam no contínuo da
aula e nas falas que surgem em torno do texto e da discussão.
Nesse momento do planejamento, considera-se também o espaço em
que ocorrerão as sessões de leitura, a paisagem sonora da sala, a disposição
da mobília. Nos planos e na execução, considerou-se a arrumação das
carteiras em círculo no espaço da sala de aula, que por ser climatizada tinha
uma paisagem sonora de alta fidelidade (AMARILHA, 2013). Os ruídos ficaram
67

por conta das crianças que, por vezes, conversavam bastante, acarretando
barulho desagradável.
Como parte fundamental da etapa do planejamento, houve a seleção
dos livros a serem usados na pesquisa. Um critério de grande relevo para
escolha dos livros era a textualidade. A partir dessa característica, podem-se
desdobrar qualidades definidoras de um bom texto literário: a linguagem em
primeiro plano (conotação; plurissignificação); aspecto ficcional;
desautomatização (criação de novas relações entre as palavras, estabelecendo
relações inesperadas); a relevância do plano de expressão (quando a
organização do texto, atrelada ao conteúdo, viabiliza o plano de significado, isto
é, a compreensão de que o que se diz no texto literário é tão importante quanto
como se diz); a intangibilidade (aspecto intocável do texto literário, no qual
nada pode ser suprimido); e, sobretudo, um texto literário cuja tessitura
apresente a linguagem em função estética (CULLER, 1999; FIORIN; SAVIOLLI,
2011).
Outro critério também estabelecido faz referência aos estudos de De
Masi (2005), principalmente, quando o autor exemplifica que as histórias do
mundo podem ser explicadas de duas formas:

[...] creio que possa tentar uma simplificação e reduzir todas as


histórias a duas, ambas infinitas: aquela que segue um
retilíneo, peremptório, previsível e planificado e aquela que
segue um itinerário curvilíneo, livre, caprichoso e imprevisível
(DE MASI, 2005, p. 20).

Reportando a assertiva de De Masi (2005) para o âmbito da seleção


de materiais de leitura de literatura, pode-se inferir o interesse por histórias
cujos enredos não sejam previsíveis, mas que contemplem o movimento do
pensamento do leitor. Na seleção, pode-se revelar a preferência por um
material de leitura que segue uma trajetória de sentidos curvilínea,
surpreendente, que valoriza e motiva o sujeito pensante na busca pela
construção de sentidos, mediante a ativação de processos cognitivos
complexos e de uma postura de descoberta perante o texto.
À luz desses critérios, dez textos literários foram selecionados para
compor o corpus literário do estudo, quais sejam: A moça tecelã (COLASANTI,
68

2004); A partida em Reinações de Narizinho (LOBATO, 2014a); A pílula falante


em Reinações de Narizinho (LOBATO, 2014b); A primeira só (COLASANTI,
2003); Entre leão e unicórnio (COLASANTI, 2006); Miragens em Reinações de
Narizinho (LOBATO, 2014c); O jogo das palavras mágicas (JOSÉ, 2012);
Sacinderela em Contos de Sacisas (TORERO, 2018); Sem pé nem cabeça
(BANDEIRA, 1989) e Um garoto chamado Rorbeto (O PENSADOR, 2005).
A moça tecelã (COLASANTI, 2004) narra a história de uma mulher com
seu tear mágico. Dando vida às tessituras, decide criar um marido no seu
bastidor. Entretanto, a convivência com o marido e uma saudade da sua antiga
vida marcam o conflito do enredo. O que ela decidirá fazer com seu tear?
Imagine vários personagens ficcionais de contos da tradição em uma
mesa de jantar. Essa é o capítulo A partida, presente no livro Reinações de
Narizinho (LOBATO, 2014a). Um jantar animado que é interrompido por Barba
azul. Em uma rápida saída, para não encontrarem tão assustadora figura, os
personagens esquecem aqui, no mundo real, objetos pessoais e fantásticos. O
que será que Narizinho, Emília e Pedrinho farão quando se derem conta do
que foi esquecido na sala de jantar do sítio?
Outro capítulo do livro Reinações de Narizinho é A pílula falante
(LOBATO, 2014b). Esse enredo que marca a inauguração da voz de Emília traz
dicas importantes: ideias novas empolgam e fala recolhida tem que ser
colocada pra fora.
A primeira só (COLASANTI, 2003) narra a história de uma menina que
queria amigos para brincar. Revelou seu desejo ao seu pai, o rei, que
apresentou uma solução. Será que essa ideia deu certo? Haveria outras
formas de resolver esse problema?
Outro conto de Marina Colasanti (2006), Entre leão e unicórnio,
apresenta a história de uma rainha, cujos sonhos têm um guardião. O guardião,
que não deixa nenhum sonho sair ou entrar, angustia a rainha que,
desesperada, conta seu problema ao rei. Com os sonhos livres e criando vida
durante a noite, o rei passa a observá-los bem de perto. O encantamento do rei
com as criações oníricas da rainha cria um desfecho inesperado para o conto.
Em Miragens (LOBATO, 2014c), o leitor é levado a pensar sobre ver
bem com os olhos fechados. Segundo o pau vivente da história, as criaturas
69

humanas podem mudar de estado e enxergar o mundo de outra forma. Assim,


o que acontecerá com Narizinho quando ela mudar de estado? O que será que
quer dizer mudar de estado?
O jogo das palavras mágicas (JOSÉ, 2012) areja as ideias do leitor
sobre palavras do cotidiano infantil. Será que existem palavras com rugas,
coloridas, suadas, trêmulas, manhosas, redondas? Nos poemas de Elias José
(2012) elas são assim.
Torero (2018) presenteia seu leitor com dúvida: existem sacisas? O
feminino de saci. Segundo o autor, sim, e ainda mais: elas são as verdadeiras
princesas das histórias contadas através dos tempos. Em Sacinderela, uma
sacisa esperta é apanhada e a transformam numa gata borralheira. Um grande
baile é anunciado, o dia da festa chega e ela é impedida de ir. Será que a
história vai se repetir como já se conhece tão bem?
Sem pé nem cabeça é uma história de Pedro Bandeira (1989). Um
garoto desenha um círculo e um quadrado numa folha, até que eles criam vida
e têm opiniões contrárias: um quer ficar parado e o outro quer sair andando por
aí. Quem será que quer parar e quem será que quer sair andando?
Um garoto chamado Rorbeto (O PENSADOR, 2005) apresenta no
enredo um menino diferente dos outros. Desconfiado com sua diferença, quer
escondê-la a todo custo, o que chama a atenção de seus amigos. O que se
pensava ser um problema teve uma grande solução.
Definidos os livros, o planejamento das sessões de leitura assumiu a
sequência didática de pré-leitura, leitura e pós-leitura. Essa metodologia é
pautada na metodologia de andaimagem (scaffolding), proposta por Graves e
Graves (1995), cujo embasamento teórico é proveniente dos estudos de Bruner
(1997). É amplamente utilizada em situações de pesquisa, nas quais é
envolvido o ensino de literatura em diversas interfaces. Seu uso justifica-se
pela possibilidade de combinar estratégias para auxiliar na compreensão, na
apreciação do texto literário e na construção de uma comunidade de leitores
que compartilham o prazer de ler. Nessa proposta, há a mediação de um leitor
mais experiente – no caso, a professora pesquisadora – em torno da relação
texto-leitor e da relação texto-comunidade, com o objetivo de desenvolver uma
mediação competente, pautada na concepção de leitura como experiência.
70

Lançar mão da metodologia da andaimagem para o ensino de leitura


mostra-se pertinente, tendo em vista que nela é proposta

[...] uma série de atividades especificamente desenhadas para


assistir um grupo particular de estudantes a ler com sucesso,
entender, apreender e apreciar uma seleção particular de
textos (GRAVES; GRAVES, 1995, p. 01).

Essas atividades, a que os autores se referem, são os andaimes,


estruturas instrucionais que ancoram os alunos para que sigam adiante na
compreensão do texto. Essas estruturas auxiliam os aprendizes a enfrentar os
desafios do texto, a progredir na leitura e a se desenvolver enquanto leitores
profícuos.
Quanto à sistematização da experiência da leitura por andaimes,
Graves e Graves (1995) descrevem duas fases essenciais: o planejamento e a
implementação. Na primeira etapa, são considerados: os aprendizes que
estarão envolvidos na situação de leitura, suas necessidades, interesses,
pontos fracos, conhecimentos prévios; o material de leitura e os propósitos da
situação de leitura. Já o segundo momento, a implementação das sessões de
leitura, é organizado, basicamente, em pré-leitura, com ações de motivação,
exploração dos conhecimentos prévios dos alunos, pré-ensino e relação texto-
vida; leitura, com a exploração do texto; e pós-leitura, com discussões do texto
por meio de perguntas que avaliem a sensação, interação e compreensão do
texto por parte de alunos e ofereçam indícios ao mediador para que ele
também possa avaliar sua intervenção.
Em cada um desses momentos, utilizam-se andaimes especiais para
que os alunos tenham experiência de leitura bem-sucedida, além de possibilitar
ao aprendiz situações significativas de construção de sentido do texto.
Considerando os princípios da metodologia da andaimagem, a sistemática das
sessões de leitura da pesquisa se organizou com a seguinte sistemática:
71

QUADRO 01: Sistemática da implementação das sessões de leitura

1ª sessão de leitura “A pílula falante” (sexta-feira, 02/08/2019): pré-leitura,


leitura e pós-leitura.
Leitura compartilhada e em voz alta pela professora pesquisadora. Crianças com o
livro em mãos.

2ª sessão de leitura “Entre leão e unicórnio” (segunda-feira, 05/08/2019): pré-


leitura, leitura e pós-leitura.
Leitura em voz alta da professora pesquisadora.

3ª sessão de leitura “A partida” (terça-feira, 06/08/2019): pré-leitura, leitura e


pós-leitura com discussão.
Leitura compartilhada e em voz alta pela professora pesquisadora. Alunos com o
livro em mãos.

4ª sessão de leitura “A primeira só” (quinta-feira, 08/08/2019): pré-leitura,


leitura e pós-leitura.
Leitura em voz alta da professora pesquisadora.

5ª sessão de leitura “Sacinderela” (segunda-feira, 26/08/2019): pré-leitura,


leitura e pós-leitura.
Leitura compartilhada e em voz alta pela professora pesquisadora, livro em
projetor de imagens.

6ª sessão de leitura “A moça tecelã” (sexta-feira, 30/08/2019): pré-leitura,


leitura e pós-leitura.
Leitura compartilhada e em voz alta pela professora pesquisadora. Crianças com o
livro em mãos.

7ª sessão de leitura “Miragens” (quarta-feira, 04/09/2019): pré-leitura, leitura e


pós-leitura.
Leitura compartilhada e em voz alta pela professora pesquisadora

8ª sessão de leitura “Sem pé nem cabeça” (sexta-feira, 13/09/2019): pré-


leitura, leitura e pós-leitura.
Leitura compartilhada e em voz alta pela professora pesquisadora. Crianças em
duplas com cópias do livro.

9ª sessão de leitura “O jogo das palavras mágicas” (sexta-feira, 20/09/2019):


72

seleção de poemas do livro. Pré-leitura, leitura compartilhada e pós-leitura.


Leitura compartilhada e em voz alta pelas crianças. Crianças com poemas em
mãos.

10ª sessão de leitura “Um garoto chamado Rorbeto” (sexta-feira, 04/10/2019):


pré-leitura, leitura e pós-leitura.
Leitura compartilhada e em voz alta pela professora pesquisadora. Crianças com o
livro em mãos.

O corpus composto pelas vozes das crianças da pesquisa, gravado em


áudio e vídeo, formou um conjunto de dados para análise e interpretação.
Assim, ao término do trabalho de campo, volta-se para o exercício de ouvir,
transcrever e maturar as falas das crianças e pesquisadora, lançá-las à luz de
teorias para compreender os meandros da emergência da criatividade na aula
de literatura considerando a mediação pedagógica e tecer considerações que
possam, ou não, corroborar a tese e apontar possibilidades para o trabalho
com a criatividade e a literatura na escola.

2.1.5 Análise dos dados

A análise dos dados constitui-se de etapa importante para a pesquisa,


uma vez que nela está a comunicação da tese enquanto trabalho científico e
validado. Os dados devem formar uma rede que agrupe conhecimentos e
saberes em torno da formação literária e do desenvolvimento da criatividade.
Bogdan e Biklen (1994) alertam que a análise dos dados é o momento
em que o pesquisador organiza, sistematicamente, os dados recolhidos no
campo na intenção de ampliar e apresentar a compreensão sobre o corpus
constituído. Para os autores,

[...] a análise envolve o trabalho com os dados, a sua


organização, divisão em unidade manipuláveis, síntese,
procura de padrões, descoberta dos aspectos importantes e do
que se deve ser aprendido e a decisão sobre o que vai ser
transmitido aos outros (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 205).
73

Por isso, envolve imersão no tratamento do corpus, na leitura,


interpretação e elaboração de categorias que sejam representativas do
coletado e que possam responder ao objetivo proposto pela tese. A
complexidade imbuída na análise dos dados expressa que ―os materiais a
organizar não são tão facilmente separáveis em unidades, [...], nem o sistema
de categorização se mostra tão auto-evidente ou delimitado [...]‖ (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 221), revelando, portanto, um esforço qualitativo na
elaboração de categorias de codificação.
No intuito de dar contorno aos dados recolhidos, a análise é
fundamentada em princípios da análise de conteúdo de Bardin (1977) e Franco
(2005), uma vez que esse procedimento atende situações dinâmicas de
linguagem, como a instaurada nas sessões de leitura implementadas na
pesquisa. Então, busca-se o sentido, explícito ou latente, empregado às
palavras ditas pelos sujeitos. Nas palavras de Franco (2005)

[...] o sentido implica a atribuição de um significado pessoal e


objetivado, que se concretiza na prática social e que se
manifesta a partir das Representações Sociais, cognitivas,
valorativas e emocionais, necessariamente contextualizadas
(FRANCO, 2005, p. 15).

Do excerto, ressalta-se que as vozes são compreendidas no contexto de


sua enunciação e circunscritas à situação real da sala de aula, onde houve o
encontro da pesquisadora com as crianças para ler e discutir literatura, em que
se infere o envolvimento emocional e cognitivo no ato da leitura e nos
questionamentos propostos.
A respeito de um conceito para análise de conteúdo, Bardin (1977) a
define como:

Um conjunto de técnicas de análises das comunicações


visando obter, por procedimentos sistemáticos e objectivos de
descrição do conteúdo das mensagens, indicadores
(quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção
(variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 1977, 42).
74

Importante realçar que a produção de inferência sobre as mensagens


analisadas devem refletir os objetivos da pesquisa, a partir de evidências
percebidas nas falas emitidas (FRANCO, 2005). Em face dessa observação,
Bardin (1977) prevê etapas de organização das análises, quais sejam: pré-
análise (fase de organização que contempla e sistematiza as ideias iniciais);
exploração do material (consiste na codificação e criação de categorias) e
tratamento dos resultados, inferência e interpretação (validação dos dados por
meio do tratamento e da interpretação).
Nessa direção, o material coletado no campo da pesquisa foi codificado,
ou seja, sofreu transformação, a fim de expressar características que possam
traduzir a pesquisa empreendida, sugerindo indícios de que a emergência do
pensamento criativo pode ser viabilizada no processo de mediação pedagógica
em aulas de leitura de literatura. As categorias elencadas a partir de detalhada
investigação dos dados recolhidos sinalizam a incidência das falas dos sujeitos,
o objetivo dessa tese e foram assim elaboradas: repertório literário e
criatividade, pensamento divergente e literatura e criação e literatura.
75

3 CRIATIVIDADE: ABORDAGENS, DEFINIÇÕES E IMPLICAÇÕES


EDUCACIONAIS

Nesta seção serão abordados alguns conceitos assumidos para a


criatividade da Antiguidade à contemporaneidade, de compreensões que vão
de uma visão mística até àquelas que consideram as elaborações dos
indivíduos em seus contextos sociais, culturais e históricos. Sobre o ato de
criar, será abordado como a dinâmica entre realidade e imaginação se articula
em níveis sofisticados, constituindo o mecanismo da criação humana.
A criatividade no contexto escolar será abordada sob a perspectiva de
professores, aprendizes e escola, a fim de compreender como a emergência do
pensamento criativo pode ser fomentada ou inibida em âmbito educacional;
além de indicar que, para o processo criativo, condicionantes sociais, culturais,
cognitivos e emocionais criam uma unidade subjetiva com a qual o sujeito irá
interagir e criar.

3.1 Abordagens e definições sobre criatividade

Pensar sobre criatividade implica o debruçar sobre sua conceituação e a


forma como ela é concebida nas diversas áreas e tempos. Segundo Shaheen
(2010) o interesse pela criatividade é registrado desde as antigas tradições
grega, judaica, cristã e muçulmana, mas associado à ideia de inspiração
concedida por um ser superior. Platão, conforme Shaheen (2010) e Kneller
(1978), é um grande expoente dessa vertente de pensamento. Para o filósofo,
o artista seria um instrumento divino durante a criação, assim, não tendo plena
consciência de seu ato criativo, expressava o que era comunicado por
divindades.
76

Coexistia com a concepção da inspiração divina, o entendimento de


criatividade relacionada à loucura. Nessa perspectiva, a transgressão ou o
rompimento com uma velha ordem era encarado como um toque de
perturbação mental. Seguindo esse raciocínio, uma criação original possuiria
marcas de irracionalidade. Ao contrapor tal ideia, Kneller (1978, p. 34) alerta
que na apreciação das obras de um grande artista, é possível a observação da
―consciência de uma sanidade triunfante, ou da superioridade do espírito
humano sobre tudo quanto pode pô-lo à prova‖, não fazendo sentido, portanto,
a relação entre dons divinos/loucura e criatividade, uma vez que a capacidade
para romper com estruturas já conhecidas e inaugurar novas formas de se
expressar está vinculada com as habilidades perceptiva, elaborativa e
imaginativa do homem, o que revela uma sofisticação do pensamento e não
uma disfunção de ordem mental.
Ainda no campo filosófico sobre a criatividade, têm-se concepções
relacionadas ao intuitivo, à força vital e cósmica. Na corrente da intuição, o
sujeito criativo é alguém diferenciado dos demais e incomum, pois possui um
gênio intuitivo, capaz de criar rapidamente produtos ou ideias que pessoas
comuns só conseguem com grande tempo de investimento em contemplação,
pesquisa e divagação. De acordo com tal concepção, existe a impossibilidade
do ensinar para a criatividade, já que esta seria imprevisível, irracional e
exclusiva de algumas pessoas, não sendo, portanto, possível organizar didática
e intencionalmente modos de promovê-la. Kant (1892), na defesa desse
entendimento, esclarecia que a análise de uma criação, a aplicação das
mesmas técnicas ou a inspiração em algo já existente implicaria numa cópia do
original, daí, não ser possível ensinar para a criatividade.
No entanto, deve-se considerar que, para a criação, referências são
importantes, pois elas compõem o campo de repertório a partir do qual é
possível conhecer, interagir, transgredir e mudar.
Já a teoria da força vital, inspirada nas pesquisas de Darwin (1859),
assinala que a criatividade humana é marca do sistema evolutivo do qual o
homem faz parte. De forma natural, a criatividade é uma manifestação do que
organiza a vida: assim como na natureza existem as mutações e
transformações de espécies, marcando a evolução; a criatividade é o
77

mecanismo que impulsiona o homem adiante, com a criação do novo, em


horizonte de avanço e evolução.
Já numa perspectiva universal, a teoria da força cósmica acredita que a
criatividade mantém o que já existe e proporciona a criação do novo. Desse
modo, a criatividade representa a vida: gera, mantém e modifica. Como num
ciclo, a criatividade faz parte do equilíbrio universal e o homem, por meio da
imaginação e senso de descoberta, pode avançar em direção ao novo.
Inspiração divina, loucura, espontaneidade, irracionalidade, qualidade
rara, processo organizador da vida. De forma geral, as concepções filosóficas
sobre criatividade a tratam como atributo ora relacionado à natureza humana,
ora ao universo e ao místico ou divino. Dentre esses entendimentos,
encontram-se concepções que, apesar de já ultrapassadas, reverberam até os
dias de hoje, por isso é importante ressaltar que as teorias filosóficas
apresentavam suas crenças sobre a criatividade baseadas em uma perspectiva
natural e/ou universal, não explicando, portanto, o funcionamento do processo
criativo do ponto de vista homem concreto, real, que age sobre o mundo. Mas,
a inquietação sobre os processos de criação e a criatividade humana continuou
a constituir fonte de interesse de estudiosos e pesquisadores.
De tal modo, o crescente interesse em torno do estudo da criatividade
recebeu grande contribuição da psicologia, especialmente, na segunda metade
do século XIX. Getzels e Csikszentmihalyi (2009) consideram que a mudança
de concepção sobre ser humano e a sua inteligência afetaram a compreensão
sobre o que seria criatividade. Alencar (2001) também destaca que o
movimento humanista da psicologia e o movimento do potencial humano
também acrescentaram elementos à discussão sobre o potencial criativo das
pessoas.
A respeito das concepções sobre ser humano e sua inteligência, retoma-
se a ideia de que o ser humano reagia a estímulos na tentativa de retornar ao
equilíbrio inicial. Entretanto, Getzels e Csikszentmihalyi (2009) sinalizam que
mesmo após a manutenção do estado de ordem, de equilíbrio, o homem ainda
busca formas de satisfação, através da exploração de novas situações que
possam aumentar seus níveis de estímulo e de desequilíbrio que, por sua vez,
concorrem para o uso e desenvolvimento da imaginação e da curiosidade.
78

Em suma, do ponto de vista do paradigma alterado, o ser


humano não é apenas um organismo redutor de estímulos ou
solucionador de problemas, mas também um organismo que
busca estímulos ou encontra problemas (GETZELS;
CSIKSZENTMIHALYI, 2009, p. 92, tradução nossa) 7.

Com a mudança de perspectiva a respeito de que o homem não apenas


reage a estímulos para sobreviver, mas que também os busca como forma de
incrementar a vida, a concepção sobre criatividade é alterada: de resposta para
problemas e manutenção da ordem e equilíbrio inicial, para uma forma de
melhorar a vida, de transcender o cotidiano através da imaginação e
curiosidade.
Os movimentos da psicologia humanista e do potencial humano, como
uma resposta ao comportamentalismo, engendraram também incremento nas
discussões sobre o pensamento criativo. O entendimento sobre o ilimitado
potencial humano e o reconhecimento das diferenças entre as habilidades que
as pessoas podem ter, sendo que cada sujeito tem o direito de desenvolver
suas potencialidades como uma forma de autorrealização, ecoaram, inclusive,
na educação sob a forma de crítica, como ressalta Alencar (2001) ao destacar
as práticas massificadas e estereotipadas na escola, desfavorecedoras da
expressão da subjetividade e da autorrealização como formas de expressão da
criatividade.
A constatação de que o ser humano se apraz com a autorrealização e a
busca por situações diferentes e provocativas ocasiona uma revisão nas
concepções de inteligência humana. Os valorizados testes de quociente
intelectual passam a ser questionados, ao passo em que a criatividade se
avulta como um foco autônomo de estudo. Joy Paul Guilford (1977), presidente
da Associação norte-americana de Psicologia em 1950, alerta para a
ineficiência dos testes de quociente intelectual e chama atenção para o quanto
a criatividade estava sendo pouco estudada. A crítica ao comportamentalismo
sobre a não observância das diversas habilidades da inteligência humana

7 In short, from the point of view of the altered paradigm the human being is not only a stimulus-
reducing or problem-solving organism but also a stimulus seeking or probleming-finding
organism.
79

proporcionou um alargamento na compreensão do que seria criatividade e


inteligência.
Em seus estudos sobre a natureza da inteligência, Guilford (1977)
destacou a existência de habilidades mentais que os testes de inteligência não
abrangiam, dentre as quais, as capacidades produtivas do pensamento. A
respeito dessas operações intelectuais, Guilford (1977) define as produções
convergentes e divergentes do pensamento.
A produção convergente está no campo das deduções lógicas. É a
função predominante quando uma informação de entrada, uma pergunta, por
exemplo, é suficiente para determinar uma única resposta. O pensamento
convergente é orientado pela objetividade e eficácia, na tentativa de responder
corretamente à determinada situação.
Já a produção divergente relaciona-se com a pluralidade de respostas
cabíveis a partir de determinada entrada.

A produção divergente é um conceito definido de acordo com


um conjunto de fatores de capacidade intelectual que
correspondem principalmente à reintegração da informação e
seus testes, que requerem um número de respostas variadas
para cada item (GUILFORD, 1977, p. 171, tradução nossa) 8.

Os fatores que definem esse pensamento são a fluência, flexibilidade,


elaboração e originalidade. A fluência é a velocidade e a quantidade de
produção de ideias e respostas para uma situação, problema, pergunta, dúvida.
Refere-se a um item quantitativo que tem no fluxo da geração de ideias a
possibilidade de avaliação das respostas mais pertinentes. A partir da análise
das ideias criadas, tem-se a outra característica do pensamento divergente: a
flexibilidade.
A flexibilidade é a mudança na direção do pensamento que acarreta uma
revisão nas informações acionadas, favorecendo um novo olhar sob as
perspectivas. É uma característica qualitativa da produção do pensamento, já

8 La producción divergente es um concepto definido de acuerdo con un conjunto de factores de


la capacidad intelectual que corresponden principalmente a la reintegración de la información y
a sus tests, que requieren una cantidad de respuestas variadas para cada ítem.
80

que viabiliza a criação de categorias para as respostas obtidas, a partir da


análise das mesmas. Essa particularidade da produção divergente permite que
o foco para examinar uma situação seja alterado, a fim de se obter uma melhor
apreciação do contexto.
A partir do pensamento flexível existe a oportunidade de acréscimos de
detalhes às ideias primeiras, ou seja, há uma elaboração do pensamento que,
visando o aperfeiçoamento, chega à originalidade, ao arremate de uma ideia
nova.
Importante ressaltar que ambas as produções do pensamento
(convergente e divergente) concorrem para o desenvolvimento da criatividade,
para isso é importante entender como elas funcionam conjuntamente: enquanto
uma proporciona a análise sob enfoques diversos e a sensibilização para
problemas, a outra favorece a busca do desenvolvimento da melhor forma para
a execução da ideia.
Entretanto, autores assinalam haver, na sociedade em geral, maior
preocupação com o pensamento convergente, sobretudo, quando há o reforço
na busca pela resposta única, em detrimento da pluralidade de ideias que
podem surgir para a resolução de dada situação (GUILFORD, 1977;
ANTUNES, 2014; PLIGHER, 2016).
Os estudos sobre criatividade ganham novo fôlego a partir das
pesquisas de Joy Paul Guilford (1977), entretanto, o desenvolvimento dessas
pesquisas passa a indicar aspectos importantíssimos para a compreensão da
criatividade. Um desses estudos é o apontado por Csikszentmihalyi (1996) que
identifica a interferência de variáveis do contexto social no ato criativo dos
sujeitos. ―Portanto, a criatividade não acontece dentro da cabeça das pessoas,
mas na interação entre o pensamento de uma pessoa e um contexto
sociocultural. Ela é um fenômeno mais sistêmico do que individual‖
(CSIKSZENTMIHALYI, 1996, p. 23, tradução nossa) 9. Na formação desse
sistema, consideram-se para além dos aspectos cognitivos, os sociais com os
quais os indivíduos se relacionam e interagem.

9
Therefore, creativity does not happen inside people´s heads, but in the interaction between a
person´s thoughts and a sociocultural context. It is a systemic rather than an individual
phenomenon.
81

Dentre os modelos sistêmicos de criatividade, destacam-se as


proposições de Csikszentmihalyi (1996). Segundo a perspectiva sistêmica, os
processos criativos são tecidos na relação individual e coletiva, ou seja, se
inter-relacionam os aspectos cognitivos e personológicos aos socioculturais.
Assim, para a expressão criativa fatores intrapsíquicos, ambientais, históricos e
sociais estão em constante diálogo, determinando a produção criativa.
Csikszentmihalyi (1996) é um expoente da perspectiva sistêmica. Para o
autor, é essencial identificar quando uma ideia ou produto avaliado como
criativo é incorporado à cultura, sendo, portanto, relevante saber onde está a
criatividade, que, por sua vez, só pode ser reconhecida no engendramento de
um sistema composto por três partes: o domínio, o campo e o indivíduo.
O domínio é manifestado, por exemplo, por meio das áreas do
conhecimento, sendo compartilhado pela sociedade ao longo dos tempos. Nas
palavras do autor,

[...] consiste num conjunto de regras e procedimentos


simbólicos [...]. Os domínios, por sua vez, estão aninhados no
que costumamos chamar de cultura, ou o conhecimento
simbólico compartilhado por uma determinada sociedade ou
pela humanidade como um todo (CSIKSZENTMIHALYI,1996,
p. 27, tradução nossa) 10.

Assim, espera-se que, segundo a abordagem sistêmica, para haver


manifestação criativa, o sujeito deve conhecer bem o domínio, a fim de propor
mudanças em sua estrutura e organização.
Outro aspecto da abordagem sistêmica é o campo que, constituído por
especialistas, valida as alterações em determinado domínio. O campo
representa a estrutura social de um domínio (ALENCAR; FLEITH, 2009), é o
conjunto de indivíduos que detém o reconhecimento em determinada área.
Já o indivíduo compreende aquele sujeito criativo que, ao manipular os
símbolos de determinado domínio, consegue estabelecer um novo padrão e o
mesmo é avaliado como pertinente pelo campo, para que seja alterado o

10
[…] consists of a set of symbolic rules and procedures. […]. Domains are in turn nested in
what we usually call culture, or the symbolic knowledge shared by a particular society, or by
humanity as a whole.
82

domínio. Nesse sistema proposto por Csikszentmihalyi (1996), a articulação


entre suas partes constituintes é intensa: a criação só pode haver com a
exposição do indivíduo a determinado domínio e validação pelo campo como
um produto criativo.

Portanto, a definição que segue dessa perspectiva é:


criatividade é qualquer ato, ideia ou produto que muda um
domínio existente, ou que transforma um domínio existente em
um novo. E a definição de pessoa criativa é: alguém cujos
pensamentos ou ações mudam um domínio ou estabelecem
um novo domínio. É importante lembrar, entretanto, que um
domínio não pode ser alterado sem o consentimento explícito
ou implícito de um campo responsável por ele
(CSIKSZENTMIHALYI,1996, p. 28, tradução nossa) 11.

Notam-se, claramente, os elos entre os pontos desse sistema para a


criatividade. Gardner (1996) estuda a criatividade ancorando-se em
personalidades cujos legados transformaram um domínio e os códigos
culturais. Inspirado nos estudos de Mihaly Csikszentmihalyi (1996), desenvolve
a perspectiva interativa de criatividade, fundamentada na dialética entre o
talento individual, o domínio/disciplina e o campo. Assim,

[...] a criatividade não está na cabeça (ou na mão) do artista,


nem no domínio de práticas, nem no grupo de juízes; em vez
disso, o fenômeno da criatividade somente pode ser
compreendido – ou, de qualquer maneira, compreendido mais
inteiramente – como uma função de interações entre esses três
nós (GARDNER, 1996, p. 34).

Para a compreensão desses nós, a análise de Gardner (1996) sobre


sete figuras emblemáticas em seus campos de atuação (Sigmund Freud, Albert
Einstein, Pablo Picasso, Igor Stravinsky, Thomas Stearns Eliot, Martha
Graham, Mahatma Gandhi), reitera a sua teoria sistêmica de que a notabilidade
desses sujeitos, em determinado domínio, promoveu mudança em um sistema
simbólico, a partir do julgamento e exame dos especialistas de seus

11
So the definition that follows from this perspective is: creativity is any act, idea, or product that
changes an existing domain, or that transforms an existing domain into a new one. And the
definition of a creative person is: someone whose thoughts or actions change a domain, or
establish a new domain. It is important to remember, however, that a domain cannot be
changed without the explicit or implicit consent of a field responsible for it.
83

respectivos campos. O autor afirma inclusive que, na ausência de uma


avaliação da estrutura social do domínio, não é possível declarar se um
indivíduo é criativo.
Apesar do avanço da compreensão sobre a influência dos fatores de
ordem social e individual na expressão da criatividade, a abordagem sistêmica
não se debruça sobre as formas de criatividade mais simples, as quais não
interferem na estrutura de um domínio, mas que estão presentes no dia a dia e
que, a despeito de não terem notório alcance social, representam a
inventividade e o desenvolvimento do pensamento criativo no cotidiano.
É importante salientar que as compreensões até aqui apresentadas
contornam a trajetória de estudos desenvolvidos a respeito da criatividade.
Chama a atenção nesse percurso o amadurecimento do entendimento sobre os
fatores sociais e culturais na expressão da criatividade, para que se possa
alcançar uma visão mais ampla da criatividade. Como alerta Wechsler (1998)
de que a expressão criativa deve ser considerada de forma global, a partir da
interação de aspectos afetivos, cognitivos e ambientais.
Na linha de raciocínio de reconhecimento mais profundo dos contextos
históricos, sociais e culturais, têm-se os estudos de Vigotski (2014) afirmando
que a criatividade tem origem social, é historicamente determinada e faz parte
de um conjunto de sistemas de significados que se modificam a partir do
desenvolvimento humano, no qual estão implicadas as interações vividas pelos
sujeitos ao longo da vida.
É nessa perspectiva de compreensão da criatividade que este estudo é
alinhado, ao considerar que as produções humanas – dentre elas a expressão
da criatividade – são oriundas de todo o arcabouço histórico, social e cultural
que os sujeitos põem em movimento ao interagir e agir sobre o mundo.
Mitjáns Martínez (2009) enfatiza que, nessa perspectiva, a criatividade
não guarda o seu valor no produto, mas no processo de produzir/construir o
que é novo. O processo, na teoria histórico-cultural, desvela o funcionamento
da subjetividade humana, ou seja, evidencia as motivações, valores,
capacidades e sentidos que os sujeitos incutem na ação criativa. Esse modo de
compreender a pessoa e os condicionantes sociais e psicológicos confere à
criatividade, na abordagem histórico-social, caráter complexo e multifacetado,
84

arejando a discussão sobre a potencialidade humana para a criação associada


aos contextos culturais e históricos dos sujeitos.

3.1.2 A criatividade na abordagem histórico-cultural

A compreensão da criatividade na abordagem histórico-cultural avança,


qualitativamente, na consideração de alguns eixos estruturantes:

 Concepção de sujeito vinculada não apenas à dimensão biológica, mas


aos contextos social, histórico e cultural;

 relevância da ação humana sobre o mundo, numa relação dialética,


dinâmica e de interferência mútua; e o

 desenvolvimento humano atrelado à interação com o meio físico e


social.
À luz desses apontamentos, Vigotski (2007, 2014) discute sobre a
criatividade em suas obras. Já em 1925, em Psicologia da arte (VIGOTSKI,
1999), existem capilarizações sobre o entendimento da ação criativa do
homem, como no excerto:

A arte está para a vida como o vinho para a uva – disse um


pensador, e estava coberto de razão, ao indicar que a arte
recolhe da vida o seu material mas produz acima desse
material algo que ainda não está nas propriedades desse
material (VIGOTSKI, 1999, p. 307-308).

De onde se apreende que o sujeito pode transpor, criar e inaugurar a


partir de sua ação no mundo, assegurando que nas elaborações humanas há
um toque de criação. A aparente generalização sobre o potencial criador
humano põe em relevo a importância do aspecto cultural da criatividade,
elucidando que o ato de criar não é um dado apenas biológico, cognitivo, mas
atividade que põe em movimento apropriação cultural e o processo histórico e
social dos indivíduos. É, sobretudo, desses determinantes que a criação
emerge.
Em Vigotski (2014), observa-se que há um reconhecimento sobre as
distintas produções humanas que originam produtos novos. Na análise sobre a
85

extensão da criatividade, o autor alerta que existe uma tendência no


reconhecimento das mentes por trás dos grandes feitos criativos da
humanidade, como se a criatividade fosse privilégio dos gênios. Contudo, o
autor ao trazer para a reflexão o exemplo da eletricidade que se manifesta de
forma intensa num relâmpago, mas também está presente numa lanterna,
afirma:

[...] assim também existe de fato criatividade não só quando se


criam grandiosas obras históricas, mas, também, sempre que o
homem imagina, combina, altera e cria algo novo, mesmo que
possa parecer insignificante às realizações dos grandes gênios
(VIGOTSKI, 2014, p. 05).

Então, para Vigotski (2014, p. 01), criatividade seria a ―atividade humana


criadora de algo novo, seja ela uma representação de um objeto do mundo
exterior, seja uma construção da mente ou do sentimento característicos do ser
humano‖. Nessa assertiva, a ideia da novidade define criatividade, incluindo aí
até os processos de mudança que se passam no íntimo das pessoas, nos
processos de reelaboração do pensamento, por exemplo.
De pronto, nota-se um distanciamento com a concepção sistêmica de
criatividade, cuja validação da novidade produzida se dá em decorrência de
transformações em determinado campo, a partir do juízo de um grupo de
especialistas. Encarando ―a criatividade como uma regra mais do que uma
exceção‖ (VIGOTSKI, 2014, p. 05), é possível pensá-la como uma marca
humana de ser e estar no mundo.
Ao considerar a presença e a diferença entre os tipos de manifestação
da criatividade, Vigotski (2014) já sinalizava o que alguns estudiosos viriam a
denominar de criatividade Big-C, criatividade little-c e criatividade mini-c
(KAUFMAN; BEGHETTO, 2009) e capital C (CSIKSZENTMIHALYI, 1996), para
se referirem à distinta produção criativa dos sujeitos, em relação aos impactos
sociais de seus produtos criativos.
A partir dessa constatação, Mitjáns Martínez (2012) enfatiza,
nominalmente, o aspecto plural da criatividade, definindo como criatividades,
posto que a intensidade, a mobilização de recurso de personalidade, de
86

pensamento e envolvimento para a criação é variável, tanto de uma pessoa


para outra, como em relação ao indivíduo e si próprio.
Ainda na perspectiva histórico-cultural, a referida pesquisadora associa
o entendimento sobre o processo de produção de algo novo, ao valor do
produto e aos aspectos personológicos do produtor. Entretanto, o atributo
―valor‖ também é relativo, podendo ser de grande vulto social ou valioso
apenas ―para um grupo mais reduzido‖ (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1997, p. 56),
sublinhando que transformar o individual é modificar o social, mesmo que em
pequenas proporções. Sobre os aspectos personológicos, a autora enfatiza a
indissociabilidade entre os elementos cognitivos e afetivos, nos quais estão
implicados valores, normas, atitudes e motivação dos indivíduos.
Outro dado notório na perspectiva histórico-cultural é a reflexão em torno
do trabalho humano, do uso de instrumentos e a relação com a criatividade. O
trabalho – como um movimento de ação/reflexão do homem que, ao
transformar a natureza, também modifica a si mesmo – estaria na origem da
criação, já que representa a intencionalidade humana em transformar, criar, por
meio do uso de instrumentos, sinalizando a habilidade intelectual de intervir no
ambiente, com uma ação orientada de forma interna e externa.
Da interação homem, trabalho e criação, Ostrower (2014, p. 31) afirma
que ―[...] a criação se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a
necessidade que gera as possíveis soluções criativas‖, que viabilizam a
existência humana, isto é, a partir do trabalho o homem pode sofisticar seu
potencial criador, ao passo que o trabalho proporciona mudança nas formas de
interagir no mundo social e natural.
De Masi (2005) lembra, ao traçar uma linha evolutiva da humanidade à
luz da criatividade, que a atuação do homem sobre o meio (e sobre si mesmo)
e a vida em sociedade rendeu o aperfeiçoamento de sua criatividade: se antes
sobreviver exigia o domínio da caça, da pesca e fabricação de instrumentos
rudimentares que garantissem proteção e o trabalho; contemporaneamente, a
sobrevivência, além das necessidades do corpo, perpassa a importância do
simbólico, do autoconhecimento e da valorização do saber acumulado.
Numa linha evolutiva e criativa, a atual sociedade tecnológica, científica
e estética foi constituída, na gestação de ações como planejar, antever e
87

imaginar. Da fantasia à concretude (DE MASI, 2005), o ser humano inaugura


novos modos de ser, estar e agir, corroborando que sua marca criativa
redimensionou sua passagem e permanência no mundo.
Sobre a presença e permanência do homem no mundo, De Masi (2005)
atribui demasiada importância aos agrupamentos coletivos e a sociedade, ao
ressaltar o homem como sujeito histórico. O autor também cita que fatores
ambientais, culturais e genéticos foram fundamentais na formação do sujeito
contemporâneo. Dentre os fatores genéticos, o pesquisador dá relevo à
gradativa complexidade morfológica e funcional que o cérebro assumiu no
itinerário evolutivo humano, estando sempre associado às possibilidades de
progresso do homem em interação histórica e cultural.
Sobre o cérebro e a criatividade, Vigotski (2014) destaca duas atividades
básicas que esse órgão exerce: a reprodução e a criação. Essas capacidades
cerebrais regulam e ampliam a ação dos indivíduos. De forma didática, Vigotski
(2014) esclarece que a primeira é ligada à memória e é acionada quando se
reproduz acontecimentos, relembra experiências, sem acrescentar novidades
aos fatos ou ao vivido. A atividade reprodutora fornece aos sujeitos a
capacidade de adaptação e conservação das impressões, ampliando o
repertório de experiência com o qual o homem vai interagir ao longo da vida,
permitindo, por exemplo, uma previsão de possibilidades de acontecimentos
mediante uma dada situação.
A conservação e a adaptação, por sua vez, estão implicadas na
plasticidade cerebral, que seria a capacidade neurológica de reagir à mudança
de padrão, ao que escapa do que é comum e previsível. Tal particularidade
relaciona-se com a segunda atividade do cérebro humano – a combinatória e
criativa.
Vale ressaltar, aqui, o ponto tangencial de ambas as atividades
cerebrais, qual seria a capacidade humana de adaptar-se às circunstâncias, o
que não significa adequação ou encaixe. Adaptação humana sugere, quase
sempre, o desafio de lidar com o desconforto, uma das motivações para a
criação.
88

Se a vida que o rodeia não lhe colocasse os desafios, se suas


reações naturais e herdadas o mantivessem em equilíbrio com
o mundo que o rodeia, então não existiria nenhum fundamento
para o surgimento da ação criadora. Um ser totalmente
adaptado ao mundo que o rodeia nada poderia desejar, não
buscaria nada de novo e, certamente, não poderia criar. Por
isso na base de toda ação criadora está sempre subjacente a
inadaptação a partir da qual surgem as necessidades,
aspirações e desejos (VIGOTSKI, 2014, p. 30).

Dessa forma, o homem não é apenas um sujeito reprodutor das


experiências passadas, é também alguém que utiliza o repertório vivido,
combina e cria novas realidades e perspectivas. Assim projetar, antever,
planejar e reelaborar são ações que expressam a manifestação da imaginação,
uma vez que toda criação já foi, anteriormente, um produto do pensamento.
É importante notar que conservação e criação fazem parte da dialética
do processo criativo, uma vez que a transgressão/transformação é oriunda da
internalização do que já foi propriamente conservado na memória. E o homem
como ser social e, por isso, histórico, conserva o legado da produção cultural, a
fim de realizar-se pela criação, acrescentando sua marca e trabalho na história
coletiva.
Saccomani (2016) ressalta o teor de passividade empregado à ideia de
reprodução, todavia ao problematizar a dinâmica da criação, observa-se a
retroalimentação desse processo, uma vez que a internalização do
conhecimento e da atividade acumulada constituem o substrato a partir do qual
o sujeito vai fazer novas proposições. Leontiev (2004) já assinalava que no
desenvolver de novos modos de pensar e atuar no mundo é utilizado todo o
arcabouço de saberes já acumulados por gerações passadas, apreendendo-se
que na gênese do que é considerado novo está incutido todo o material outrora
conservado (reproduzido) pelo homem.
Reportando para o potencial criador a dinâmica de
conservar/combinar/criar, claramente Ostrower (2014) estabelece a tensão
gerada na ordenação e ruptura do processo de criação, acenando que em toda
definição ou consolidação estão implicadas as aberturas e potencialidades.

Da definição que ocorreu, nascem as possibilidades de


diversificação. Cada decisão que se toma representa assim um
89

ponto de partida, num processo de transformação que está


sempre recriando o impulso que o criou (OSTROWER, 2014, p.
26-27).

Do diálogo entre reproduzir e criar se nota como uma ação é o mote


para a outra. Como pontos de um mesmo trançado, esses elos se formam ao
mesmo tempo em que sugerem o desenvolvimento de outras formas, num
consolidar, combinar e inaugurar contínuo.
Diante do exposto é possível visualizar como a abordagem histórico-
cultural rompe com ideias inatistas, místicas e de que a criatividade é restrita
aos grandes gênios e suas invenções, apontando que por meio do viés social,
o homem é capaz de criar, a partir das interações estabelecidas com o
conhecimento, com os pares, com a linguagem e a cultura em um mundo em
constante transformação. Isso é reconhecer a dimensão social da criatividade,
na qual se observa a criação como uma intersecção entre as relações sociais,
culturais e históricas do homem, as quais são expressas em sua subjetividade.
Imbuído no propósito de uma definição para criatividade, será admitido
um conceito operacional para esta pesquisa, a fim de melhor expressar a
intenção de um objeto de estudo cuja natureza perpassa pela leitura de
literatura. Ressalta-se que o conceito operacional tem a função de melhor
sistematizar a situação para a qual foi elaborado, em função de escolhas
metodológicas e teóricas, sendo, portanto, oriundo das reflexões aqui já
sinalizadas, especificamente, na área da criatividade.
Assim, a criatividade é compreendida como uma potencialidade humana,
cujo desenvolvimento é vinculado aos contextos sociais e culturais dos
indivíduos e às interações aí estabelecidas. Envolve repertório experiencial dos
sujeitos, busca e solução de problemas, produção do novo (mesmo que
internamente), transformação, postura aberta e flexível para a divergência;
tendo a imaginação valor capital para o ato criativo, já que é atividade orientada
para o futuro.
Logo se vê a aproximação com a teoria histórico-cultural, mas também a
valorização de características personológicas e subjetivas, considerando
sempre a interlocução do individual com o social, de onde se considera originar
a estrutura que alicerça os processos criativos.
90

3.2 Memória, imaginação e realidade: a dinâmica da criação

A abordagem histórico-cultural, por sua sustentação teórica no


materialismo histórico-dialético, percebe a natureza da ação do homem de
forma orientada internamente, isto é, a intervenção humana pressupõe
intenção e planejamento, atividades que sugerem o evocar, mentalmente, algo
que ainda não existe – ou que não está presente – materialmente. De posse
desse entendimento, são lançadas problematizações sobre como a imaginação
se relaciona com a realidade.
A memória tem papel relevante no processo da ação humana sobre o
ambiente, pois proporciona armazenamento, recuperação, organização e
interação do conhecimento e experiência acumulados, que constituirão a base
das intenções de atuação do homem sobre o mundo.

Evocando um ontem e projetando-se sobre o amanhã, o


homem dispõe em sua memória de um instrumental para, a
tempos vários, integrar experiências já feitas com novas
experiências que pretende fazer (OSTROWER, 2014, p. 18),

Ou seja, a memória possibilita a ampliação das experiências do homem


com a realidade, pois seu caráter dinâmico permite o diálogo constante entre o
vivido e o por vir, sendo, ao mesmo tempo, território do passado e anunciadora
do futuro. A memória também está implicada no desenvolvimento de outras
funções psicológicas como a atenção, o pensamento, a linguagem e a
imaginação. E é sobre esta última que a discussão se deterá, para entender
como a realidade influencia e é influenciada pela capacidade de imaginar e
como ambas estão na raiz da criatividade.
De pronto, é posto em problematização os termos realidade e
imaginação, ao passo que remetem a universos contrastantes: a percepção do
real e a elaboração etérea do pensamento. Apesar da aparente dicotomia,
Vigotski (2014) propõe o diálogo entre as esferas da realidade e da imaginação
na criação, afirmando que a atividade criadora se desenvolve numa crescente
91

de complexidade, a partir de quatro leis que dominam a inter-relação entre o


real e o imaginário.
Como enunciado básico, Vigotski (2014) situa que todo ato imaginativo é
constituído de dados da realidade e da experiência anterior. Inferindo-se que
qualquer criação tem fundamento na realidade percebida e vivida, ou seja, não
se cria do nada, como um sinal místico ou inato, mas a partir do já conhecido.
Na base desse pensamento, tem-se a importância do acúmulo de experiências
para o ato criativo, pois desse acervo o homem ―pode reter certas passagens e
pode guardá-las, numa ampla disponibilidade, para algum futuro ignorado ou
imprevisível‖ (OSTROWER, 2014, p. 18), tomando, com intencionalidade, o
vivido, a fim de combinar e criar.
Retomando a relação entre a realidade e a imaginação, a primeira lei
aborda a relevância da qualidade e variedade de experiências vividas pelos
homens para a criação, assim, ―quanto mais rica for a experiência humana,
mais abundante será o material disponível para a imaginação‖ (VIGOTSKI,
2014, p. 12), pois o experienciado se transforma em recurso para a atividade
de criar. Reforçando a necessidade da oferta de experiências significativas e
propositivas, geradoras de um arsenal qualitativo de memórias, as quais
podem ser acessadas, ressignificadas e transformadas em algo novo.
Da primeira forma de associação entre realidade e fantasia, pode-se
reter a compreensão de que, após a experiência tem início o período da
incubação de ideias, que é variável, mas está nos sujeitos, como um dado que
pode ser acionado, segundo suas intenções, vivências e motivações futuras.
De onde se origina a segunda lei da relação entre realidade e
imaginação. Quando a primeira declara que a experiência é substância para a
imaginação, a segunda se situa nos elementos finais do constructo imaginativo
e suas relações com a realidade. É subordinada à primeira lei, em razão da
necessidade de haver ―grandes reservas de experiências acumuladas para [...]
construir com esses elementos as imagens de que falamos‖ (VIGOTSKI, 2014,
p. 14); entretanto é mais sofisticada, pois permite que os sujeitos possam
imaginar, criar mentalmente, passagens, paisagens e situações ainda não
vividas.
92

É uma imaginação orientada pela socialização de experiências


anteriores de outros sujeitos, as quais são agregadas a outros indivíduos, que
podem recuperá-las em momento oportuno. Sendo assim, é possível, para
quem nunca viu pessoalmente ou viveu, imaginar uma savana africana,
castelos medievais ou a grandeza do rio Negro com base na experiência
partilhada de outrem.
Dessa forma, o conjunto de memórias dos sujeitos é alargado para além
do vivido diretamente e é acrescido com aquelas que foram experimentadas
por alguém, assim:

A consciência se amplia para as mais complexas formas de


inteligência associativa, empreendendo seus voos através de
espaços em crescente desdobramento, pelos múltiplos e
concomitantes passados-presentes-futuros que se mobilizam
em cada uma de nossas vivências (OSTROWER, 2014, p. 19).

Do pronunciamento, vê-se que na interação com a memória e história de


outros sujeitos, o indivíduo amplia seu próprio repertório acumulado, num
desdobramento maior de possibilidades de materiais para a criação;
instaurando-se, assim, o entendimento de que não só a experiência serve a
imaginação, mas a imaginação também serve a experiência.
A terceira lei sobre a relação entre realidade e a imaginação é
denominada de conjunção emocional. Apresenta-se sob duas formas e revela a
via de mão dupla em que a emoção, a realidade e a imaginação se influenciam.
O primeiro modo diz respeito a como os sentimentos experimentados na
realidade afetam a expressão interior dos sujeitos, isto é, um sentimento evoca
necessariamente pensamentos e imagens mentais que lhes são afins. Um
sentimento subordina não apenas uma expressão exterior no corpo de quem o
prova, manifestado numa condição fisiológica, mas também as impressões
oriundas dessa experimentação.
Já a outra forma esclarece que a imaginação influencia as emoções
sentidas na realidade, condicionando os sentimentos às elaborações da
imaginação.
93

Imaginemos uma situação de simples ilusão: ao entrar em um


quarto escuro, a criança imagina que um vestido pendurado é
uma pessoa estranha ou um ladrão que entrou em casa. A
imagem do ladrão criada pela fantasia da criança não é real,
mas o medo que a criança sente, o seu susto são, de fato,
impressões reais para ela (VIGOTSKI, 2014, p. 18).

O viés emocional empregado à realidade e à imaginação revela o


caráter subjetivo da criação, pois o que afeta um determinado sujeito, pode não
afetar outro na mesma medida, expressando a marca da condição social,
cultural e histórica nos processos criativos. Mitjáns Martínez (2009) ressalta
que essa lei é uma das grandes contribuições de Vigotski para a compreensão
da criatividade, pois ao dar ênfase ao aspecto emocional, rompeu com a ideia
exclusivamente cognitiva da criatividade, ressaltando seu valor no
desenvolvimento integral dos sujeitos.
Com o desenrolar da terceira lei, em que a imaginação possibilita a
exteriorização de um sentimento, tem-se a quarta máxima numa perspectiva
mais arrojada. Segundo essa lei, uma construção imaginada pode se tornar
algo realmente novo, ainda não existente na realidade, ou seja, a imaginação
assume forma real, torna-se ―imagem cristalizada‖ e passa a fazer parte da
experiência objetivada dos homens (VIGOTSKI, 2014).
Na última lei, tem-se o princípio da originalidade e da dialética na relação
realidade e imaginação. Do existir apenas mentalmente à integração de uma
realidade objetiva, onde afetará a experiência humana, provocando mudanças
no modo do homem se relacionar com o ambiente e sendo por ele, modificado.
Fecha-se, portanto, o ciclo da criação em seu mecanismo de
dissociação das partes, transformação, associação e organização, no qual ―o
sentimento e o pensamento movem a criatividade humana‖ (VIGOTSKI, 2014,
p. 20), evidenciando que a motivação, a aspiração e a necessidade unidas ao
pensamento movimentam esse processo.
Em vista do exposto, confirma-se a importância das experiências na vida
dos sujeitos, do acesso ao conhecimento já produzido pelo homem e do
ambiente que cerca o indivíduo, pois é a partir dessa tríade que urgência pela
criação é sentida. Revelando ainda mais a natureza social da criatividade, já
94

que seus produtos são oriundos das relações sociais, constituídas do acúmulo
histórico e cultural da sociedade.

3.3 A criatividade e o contexto escolar

No descortinar da importância do acesso ao conhecimento, das


interações socais e do ambiente para a emergência da criatividade, faz-se
necessário um olhar sobre o contexto educacional, a fim de compreender como
a criatividade se constitui num valor para esse espaço, além de perceber
modos de promovê-la ou inibi-la na escola.
Como proposta de diálogo, Torre (2008) sugere analisar conceitos
fundantes de um ideário educativo, como universalidade, obrigatoriedade,
formação integral e ênfase no social sob a luz da criatividade. Assim, pensar
em criatividade com tais princípios chama a atenção para as possibilidades de
um ensino e aprendizagem criativos.
Sobre a universalidade é possível apreender que a criatividade é uma
característica que se estende a todos os homens, mas seu desenvolvimento
não é natural, deve ser provocado no meio social, através de interações e
experiências. De onde se pressupõe a obrigatoriedade de sua presença na
escola, por meio de métodos de ensino, do diálogo e do acesso ao
conhecimento acumulado; visando a formação integral dos sujeitos, em que a
criatividade é constituinte do pleno desenvolvimento das pessoas. A ênfase no
social se vincula no próprio indivíduo, mas também na forma como a força
criativa de cada um afeta a sociedade, na busca por aperfeiçoamento científico
e tecnológico, por exemplo.
Dessa forma, Torre (2008) esclarece como a criatividade é afim à
educação e que pode ser pensada em termos fundamentais nas propostas
educacionais com vistas ao desenvolvimento dos educandos.
Reportando a discussão para o contexto brasileiro de educação, alguns
documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1997), as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica
(BRASIL, 2013) e a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) citam a
criatividade em suas pautas educativas.
95

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), a criatividade


aparece nos objetivos gerais do ensino fundamental como forma de se
relacionar com o mundo, uma vez que por meio do pensamento criativo é
possível questionar a realidade, solucionar problemas, selecionar
procedimentos e adequá-los às necessidades. Ainda nesse documento, a
criatividade está presente nos princípios e fundamentos do processo de ensino
e aprendizagem.
De forma semelhante, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica (BRASIL, 2013) apontam a criatividade em seus princípios
básicos e norteadores, mas, especificamente, nos aspectos estéticos, em que
se trata do cultivo da sensibilidade e da racionalidade, por meio das diferentes
produções artísticas e culturais.
Já a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) traz, nas
competências gerais para a educação básica, a criatividade como forma de
atuar sobre os modos de aprender, como uma postura frente à investigação,
formulação de problemas e soluções.
Dos documentos citados são percebidos alguns avanços e recuos no
entendimento sobre a criatividade e o contexto escolar. Reconhecer a
relevância da criatividade no ensino e aprendizagem de forma ampla é um
avanço, considerando que o desenvolvimento do pensamento criativo propicia
acercamento aos objetos do conhecimento de vários modos, pois permite
análise sob diversos pontos de vista do que se deseja conhecer. Outro aspecto
positivo é o entendimento da criatividade como uma postura assumida diante
de problemáticas e de investigações sobre o saber acumulado, favorecendo a
compreensão de que a criatividade é um valor para a escola e que seu
desenvolvimento deve ser promovido.
Todavia, a acuidade no olhar sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais para a Educação Básica (BRASIL, 2013) revela que a criatividade está
vinculada apenas aos princípios estéticos, no qual é proposto o exercício da
criatividade, retratando uma ideia de que a criatividade é algo inato, que se
deve por em prática. Outro encolhimento é a relação exclusiva entre a
criatividade e o princípio estético, reduzindo a noção de desenvolvimento do
pensamento criativo ao campo das manifestações e expressões artísticas.
96

Sabendo que esse documento é composto por mais dois princípios, o


ético e o político, além do estético, vale a ressalva de que é possível pensar
sobre criatividade e ética, criatividade e política. Ao considerar o cunho social
da atividade criadora, é oportuna a reflexão: teria o produto criativo valores que
expressem autonomia, zelo pelo outro, respeito, responsabilidade? Pensar
sobre esse questionamento infere o cunho ético e político da criatividade, seja
na proposição de uma prática pedagógica ou numa atitude responsiva frente às
demandas educacionais cotidianas.
Assim, a criatividade não se restringe às artes, mas está em toda ação
humana desenvolvida, produzida no ato de combinar e criar. Sobre a
necessidade de abranger a percepção de que a criatividade não está apenas
nas expressões artísticas, Torre (2008) diz que:

É necessário superar essa concepção, sabendo apreciar o


comportamento criativo em todas as demais áreas. As
perguntas incitantes e indagadoras são criativas; os hábitos de
busca e experimentação são criativos; há criatividade na leitura
e na escrita, na forma de enfocar a Ciências e a História, no
tipo de problemas sugeridos em Matemática (TORRE, 2008, p.
24).

Percebe-se do exposto que, no alargamento da compreensão sobre as


possibilidades para o trabalho com a criatividade na escola, aumenta-se o
espaço para trabalhar com a divergência, com as motivações e interesses
pessoais, tendo em vista que a variedade de oportunidades para ação e
interação também expressa a pluralidade de chances para criar.
Já a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018), apesar de
expressar avanço nas competências gerais para a educação básica ao implicar
a criatividade de forma ampla e associada à curiosidade intelectual, imaginação
e análise crítica, apresenta um grande hiato quando se refere à criatividade no
ensino fundamental. Tem-se menção aos direitos de aprendizagem na
educação infantil, retomando a importância do brincar para a emergência do
pensamento criativo na infância e um salto para o ensino médio, onde existem
variadas passagens sobre criatividade com alusão ao empreendedorismo,
repertório, pesquisa, inovação, dentre outros.
97

A ausência de ocorrências sobre a criatividade, no que tange ao ensino


fundamental, chama a atenção para a fragilidade de sua presença na escola e
na educação das crianças que estão nesta etapa de ensino. Fleith (2011) e
Mitjáns Martínez (2002) levantam como hipótese a pouca compreensão sobre o
desenvolvimento da criatividade na perspectiva da interação social, na
produção de algo novo e valioso, em aspecto relativo para quem cria,
favorecendo, portanto, a sua tenra participação na realidade escolar e na
prática educativa.
Somam-se a essa proposição, segundo as autoras, a reprodução de um
sistema de ensino vivido pelos professores, a falta de estudo sobre essa
temática na formação inicial dos docentes e uma concepção de escola
arraigada à transmissão de conhecimentos e ao ajustamento de condutas. A
junção desses fatores concorre para que a criatividade fique à margem da
escola e consolida um ciclo no qual o pensamento criativo, cada vez mais, é
visto como atributo de pessoas iluminadas.
Paradoxal à fragilidade de sua presença na escola, atualmente, a
criatividade recebe grande estima social, pois figura entre as exigências
contemporâneas que sinalizam o desenvolvimento de uma sociedade em
diversas esferas: tecnológica, científica, econômica, etc. Por isso, diversos
autores e pesquisadores (ALENCAR, 2009; FLEITH, 2016; VIGOTSKI, 2014,
2007; MITJÁNS MARTÍNEZ, 1997, 2002) partilham a ideia de que a escola é
locus privilegiado para o desenvolvimento do pensamento criativo, uma vez
que é espaço de socialização de saberes, de interação, de pensar sobre a
realidade, de transformar e criar.
No entendimento da criatividade como um capital valioso para um
mundo em que as mudanças ocorrem rapidamente, sua presença é um ponto
comum no currículo escolar de diversos países. Shaheen (2010), em seu
estudo internacional, mostra como ―a criatividade está no foco do currículo e a
pedagogia‖ (SHAHEEN, 2010, p. 166), evidenciando que as mudanças
requeridas pela sociedade devem passar pela escola, pela educação.
Países da Europa, América do Norte, Oceania e leste asiático incluíram,
em seus documentos e relatórios oficiais, a criatividade vinculada à
aprendizagem como aspecto fundamental para o desenvolvimento humano
98

(SHAHEEN, 2010), sugerindo que modos mais sofisticados de pensar,


relacionar, imaginar e inovar podem ser proporcionados no cenário escolar e
na vida.
Mais do que uma palavra em uma agenda educacional, a criatividade
deve fazer parte de um plano de desenvolvimento integral dos sujeitos, na
perspectiva da totalidade humana, considerando que, além dos conteúdos
escolares, o ambiente, as interações e as estratégias de ensino facilitadoras do
diálogo, da imaginação, da divergência e da autonomia também fazem parte
desse constructo.
Há algumas décadas, Alencar (2009, 2007), Fleith (2011), Wechsler e
Nakano (2011) já vêm sinalizando que propostas de ensino com ênfase em
memorização, reprodução e conteudismo se afastam da ideia do
desenvolvimento criativo que requer o questionamento, a experimentação, a
imaginação e a valorização das diversas formas em que o aprender é
objetivado. De forma semelhante, Freire (1996, p. 27) afirmou que o ensino
classificado como bancário, aquele no qual ensinar é depositar e transmitir
conhecimentos aos educandos, em postura passiva de receptor, ―[...] deforma a
necessária criatividade do educando [...]‖, inferindo, portanto, que o ensino tem
impacto no desenvolvimento da criatividade.
Kaufman, Beghetto e Pourjalali (2011) partem da concepção de que a
ampliação sobre o entendimento da criatividade favorece a sua emergência no
contexto educacional, especialmente, no que diz respeito às formas como ela é
manifestada. Sabendo que costumeiramente se reconhece as expressões
criativas no Big-C, típica dos criadores notáveis e seus grandes feitos, os
autores elucidam que considerar a manifestação em mini-c é um caminho
plausível para o fortalecimento da presença da criatividade na escola, posto
que sinaliza o ―continuum do desenvolvimento criativo‖ (KAUFMAN;
BEGHETTO; POURJALALI, 2011, p. 64), ou seja, enaltece o processo criativo
que cada sujeito percorre, considerando as atividades interpretativas, os
esforços para compreender uma solicitação, o rearranjo de ideias e o avanço
na aprendizagem.
99

O mini-c pode ser definido como interpretação original e


pessoalmente significativa das experiências, ações e eventos.
O principal dessa definição da criatividade mini-c é ser
dinâmica, um processo interpretativo de construção de algo
novo, [...] e dos entendimentos pessoalmente significativos
(KAUFMAN; BEGHETTO; POURJALALI, 2011, p. 63).

Esse mote para entender a criatividade junto à compreensão das


características subjetivas dos indivíduos, que se transformam e operam em
contextos sociais de interação, desvela a importância do âmbito educacional
para a formação dos sujeitos. Ao enfocar o contexto educativo, uma tríade é
sublinhada, ao passo que as ações e relações dos professores, aprendizes e
escola são o ponto central para a emergência do pensamento criativo, pois
possibilitam uma luz sobre os mecanismos que engendram o desenvolvimento
da criatividade no âmbito educacional, ampliando, sobremaneira, os modos de
entendê-la.

3.3.1 A criatividade na educação: professor, aprendiz e escola

Por em movimento uma educação que evoque princípios criativos requer


o conhecimento sobre como implicar professores, aprendizes e instituição
escolar nesse processo.
Ao considerar o professor num projeto de educação para a criatividade,
tem-se em mente que, para além do domínio das áreas curriculares, estão
implicados outros saberes, como a promoção ―de um clima social participativo,
reflexivo, produtivo‖ (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2008, p. 122), com foco na
aprendizagem ativa e transformadora para os educandos, ou seja, uma
educação que possibilite a construção de algo novo, que reorganize o já
conhecido com novas relações. O papel do mentor é muito mencionado nas
teorias sobre criatividade; transpondo essa figura para a educação, o professor
seria o organizador do fazer pedagógico promotor do pensar criativo, logo, é
necessário considerar o protagonismo dos educandos, viabilizar maneiras para
que eles se expressem e relacionem o conhecimento historicamente
acumulado com outros saberes e com a vida.
100

Segundo Mitjáns Martínez (2002), como a criatividade também se


alicerça em aspectos subjetivos, o professor envolve recursos personológicos
para o trabalho com o pensamento criativo em sala de aula, ou seja, mobiliza
motivação, autovalorização, envolvimento e curiosidade em consonância com
seus saberes e com técnicas pedagógicas.
Dentre as habilidades enredadas em um ensinar para a criatividade,
destaca-se a abertura para o diálogo, como postura de interesse, apreço e
respeito pelos educandos e pela docência como uma prática que agrega as
diversas vozes/pensamentos dos discentes, na intenção de promover reflexões
que movam todos para outros patamares de aprendizagem.

A ação criativa do professor em sala de aula demanda não só


sua capacidade de elaborar atividades inovadoras que
permitam atingir os objetivos educativos de forma mais
eficiente, mas também demanda habilidades comunicativas
que lhe permitam criar um espaço comunicativo que se
constitua no espaço onde as atividades podem fazer sentido
para o desenvolvimento da criatividade (MITJÁNS MARTÍNEZ,
2002, p. 196).

Na atmosfera das ―habilidades comunicativas‖, espera-se a criação de


espaço para o diálogo, em que é possível a abertura para a expressão do
pensamento, ideia e sugestão do outro. Freire (1996, p. 153) também trata do
valor do posicionamento de abertura do docente, como sujeito que, ao se abrir
para o outro, aprende e testemunha o valor do diálogo no ato de ensinar e
aprender. Assim, o autor elenca a ―abertura aos outros‖ e a ―disponibilidade
curiosa à vida‖ como ―saberes necessários à prática educativa‖, revelando,
pois, que essas são maneiras de relacionar com o mundo, com o objeto do
conhecimento e com os outros.
No exercício de falar, ouvir e pensar, juntamente, são amplificadas as
possibilidades do pensamento e, assim, as perspectivas de criação, porque se
forma um clima criativo na sala.

[...] sob esta denominação, cabe toda uma gama de atitudes e


disposições, tanto por parte do professor quanto das relações
entre ele e os alunos. Respeitar o pensamento divergente das
crianças, não julgar suas ideias prematuramente (adiar o
101

julgamento), utilizar procedimentos flexíveis na sala de aula e


liberdade para expor as ideias, etc., são o caminho para
conseguir um ambiente de segurança psicológica (TORRE,
2008, p. 40-41, grifo no original).

Do pronunciamento, compreende-se que a divergência, a flexibilidade e


o diálogo são procedimentos integradores de um ambiente propício para a
emergência da criatividade, pois formam espaço oportuno para a
experimentação, para a experiência que está na base da criação.
Estão, desse modo, minimamente expostas as condições, habilidades e
atributos personológicos envolvidos no fazer docente viabilizador do
pensamento criativo em sala de aula, mas ainda há de se considerar outros
componentes desse cenário: os educandos e a escola, a fim entender a
completude da criatividade em contexto educacional.
Sobre os aprendizes é interessante sublinhar que, ao se tratar da
criatividade em âmbito educacional, faz-se um recorte sobre o processo de
aquisição do conhecimento e o que está implícito numa aprendizagem criativa.

A criatividade no processo de aprendizagem escolar implica


operações e estratégias que se caracterizam pela
transformação personalizada dos conteúdos a serem
aprendidos, processo no qual emergem sentidos subjetivos
que, de forma recursiva, alimentam o processo de aprender
criativamente (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2006, p. 90).

Compreende-se, portanto, que no aprender à luz da criatividade, o


educando deve personalizar (subjetivar) a informação recebida e confrontá-la
com o que já se sabe, com outros dados, e, nesses aspectos criar ideias
próprias ou outras que possam ir além das noções oferecidas em um primeiro
momento. Para a autora, nesse movimento está a chave da diferença entre
memorizar e criar, porque ao personalizar os saberes, os educandos põem em
movimento os fatores histórico-culturais que os constituem enquanto sujeitos.
Ao estruturar e reestruturar o conhecimento, entre o novo e o já
conhecido, tem-se o ato de criar, de aprender criativamente, no qual está
implicada a unidade entre os fatores cognitivos e afetivos dos indivíduos, como
já alertou Vigotski (2014). A clareza sobre essa unidade desvela que
102

estereotipar perfis, a partir de características concebidas como mais ou menos


criativas, é desconsiderar a complexa rede de sentimentos, valores,
preferências pessoais, experiências, contextos social, cultural e histórico,
saberes e desejos inerentes ao sujeito e, por conseguinte, à criação.
Ancorando-se em Vigotski (2014), afirma-se que o desenvolvimento
humano também é constituído pela criatividade e viabilizado a partir das
possibilidades de interação e de aquisição de saberes em contextos
significativos de aprendizagem; dessa feita, ao considerar a perspectiva da
emergência da criatividade dos aprendizes em cenário escolar, é possível
estabelecer duas organizações capazes de fomentar a criatividade dos
estudantes na escola, quais sejam: o sistema de atividade e o sistema de
comunicação.
Tais sistemas, desenvolvidos por Mitjáns Martínez (1997), proporcionam
a articulação de dimensões procedimentais, atitudinais e conceituais na
aprendizagem. Assim, o sistema de atividade engloba estratégias de ensino
que mobilizam os aprendizes na busca pelo conhecimento de forma autônoma
e produtiva (não reprodutiva), respeitando o caráter multifacetado e
individualizado do aprender e o desafio constante e progressivo. Já no sistema
de comunicação são inseridos o clima criativo em sala de aula, a valorização
do processo de aprender, não apenas do resultado da aprendizagem, o
incentivo da autoavaliação discente e o envolvimento do próprio educando
como sujeito ativo de sua aprendizagem.
Diante do exposto, percebe-se a relevância de considerar aspectos
fundamentais da aprendizagem que são consoantes ao pensar criativo, logo,
considerar a forma com que os estudantes se relacionam com os conteúdos e
com os pares, incentivar a atitude de investigação e de questionamento como
formas de aprender é fomentar, também, o desenvolvimento da criatividade.
Acrescentam-se a isso, a curiosidade, a autoavaliação sobre a interação com o
conhecimento, a capacidade de relacionar e de por em movimento os saberes
acumulados.
Dessa forma, é possível contemplar possibilidades para a aprendizagem
criativa dos estudantes, mas, considerando o cenário educacional, é
interessante perceber a escola como locus promotor e viabilizador da
103

criatividade, sendo, portanto, o outro ponto de interseção necessário para a


compreensão dos caminhos da criatividade na educação.
Sobre essa instituição social, a escola, é inegável a sua contribuição
para o desenvolvimento da criatividade, uma vez que ela é espaço onde se
partilha cultura e saberes construídos socialmente. Por ser também um recorte
da sociedade, reflete os objetivos e expectativas de um ideário humano que é
objetivado por meio da educação. Também é nesse espaço que muitas
vivências e experiências são oportunizadas, então, cabe pensar a respeito
daquelas que provocam o desenvolvimento do pensamento criativo.
Pondo em destaque a relevância da escola na formação dos sujeitos,
Torre (2008) escreveu:

A importância do meio escolar é inferida de sua influência em


nossas capacidades, atitudes, personalidade [...]. Nele, temos
as múltiplas vivências no tocante a experiências pessoais e
sociais. Disporemos de ajudas materiais, formais, pessoais,
que nos colocarão em contato com os valores adquiridos pela
humanidade (TORRE, 2008, p. 67).

Vê-se, do enunciado, que a escola é veículo de acesso a bens materiais


e imateriais que irão constituir o repertório experiencial de cada indivíduo, a
partir do qual irá intervir no mundo e criar. Nesse sentido, é urgente que se
pense a respeito da escola para além de um espaço físico, mas como espaço
privilegiado para a formação humana integral, da qual a criatividade é parte
constituinte.
Assume-se, portanto, para essa formação integral, a concepção de que
o desenvolvimento da criatividade é um processo orientado interna e
externamente. O primeiro diz respeito à memória e imaginação; o segundo, ao
ambiente. Nesse raciocínio, a instituição escolar é envolvida, decisivamente, no
percurso formativo do homem, em relação a aspectos sofisticados do
desenvolvimento, pois nela é possível acessar e conhecer a memória coletiva
da humanidade em contexto real de vivências e experiências.
Diante do exposto, à escola não cabe (ou não deveria caber) a função
de transmitir conhecimentos, de fomentar postura passiva de educadores e
educandos diante do processo de ensinar e aprender, mas antes promover
104

atitude ativa dos atores do ato educativo, fomentar a imaginação como


manifestação genuína do desenvolvimento humano e assegurar espaço de
diálogo como caminho para aprender junto.
Freire (1996) ao tratar sobre a escola também criou intersecção com
aspectos relativos à criatividade. Para o autor,

[...] é imprescindível portanto que a escola instigue


constantemente a curiosidade do educando em vez de
―amaciá-la‖ ou ―domesticá-la‖. É preciso mostrar ao educando
que o uso ingênuo da curiosidade altera a sua capacidade de
achar e obstaculiza a exatidão do achado. É preciso por outro
lado e, sobretudo, que o educando vá assumindo o papel de
sujeito da produção de sua inteligência do mundo e não
apenas o de recebedor da que lhe seja transferido pelo
professor (FREIRE, 1996, p. 140, grifos no original).

Nota-se, portanto, que o cultivo da curiosidade diante do saber é


característica a ser valorada pela escola, pois ela incute nos indivíduos a busca
pelas causas, consequências e relações entre os saberes socializados na
escola, transformando-se em atitude perante a vida e a cultura.
Em decorrência, ratifica-se como a educação é necessária para a
criatividade, posto que ela alavanca o lastro sobre o qual será possível criar.
Uma educação que convoque para o seu cerne a imaginação, a
experimentação, o acesso ao conhecimento e a cultura, a divergência como
possibilidade de pensamento, a flexibilidade e a valorização de condicionantes
emocionais como elementos fundantes do pensar criativo e da ação de
professores e aprendizes em contexto educacional.
Sobre essa importância, Saccomani (2016) de forma contundente
expressa que:

[...] quando se afirma que determinado indivíduo não é criativo,


ou então que não possui rica imaginação, não se trata de um
déficit específico da função psicológica imaginação. Em
realidade, o problema da pouca criatividade não deve ser
tratado como característica pessoal e exclusiva, mas como
manifestação direta de um déficit no próprio desenvolvimento
do psiquismo dos sujeitos, ou melhor, um déficit no ensino. O
foco não deve ser colocado no indivíduo, mas na sociedade e
105

na qualidade dos processos de ensino e aprendizagem


(SACCOMANI, 2026, p. 72).

Então, mais que revelar uma característica pessoal, a tímida expressão


criativa dos sujeitos desnuda um sistema de ensino com pouco
comprometimento para com o desenvolvimento da criatividade de seus
educandos, revelando que as barreiras para a emergência do pensamento
criativo são mais culturais e históricas do que biológicas.
Faz-se necessário, frente a esse dado, conhecer os aspectos que
podem se constituir em barreiras ou em promotores da criatividade. Assim,
Fleith (2016, p. 20) elenca concepções que podem atuar de um ou de outro
modo. Como barreira, explicita:

 Associação da promoção da imaginação à perda de tempo:


desconsiderando que a imaginação é resultado de uma
expressão sadia do cérebro que congrega experiência e
transformação;
 rejeição à mudanças: como forma de preferir manter a tradição
em relação ao que já é consolidado, retratando dificuldade em
acrescentar detalhes à ideias já estabelecidas e a ter
comportamento flexível perante o que está posto;
 valorização do erro e do produto, não do processo:
desconsiderando que a riqueza do aprendizado está na trajetória
percorrida, pois é fruto de rearranjos mentais que organizam os
saberes e os põem em constante movimento nos sujeitos,
considerando aspectos culturais, históricos e sociais;
 autoavaliação negativa: incutindo a percepção de incapacidade
para a criação, como se criar fosse algo mítico e destinado à
pessoas especiais e não compartilhasse relação com as
possibilidades do desenvolvimento humano;
 relação erro e fracasso: dissociando do erro a ideia de
possibilidade de aprendizagem, distanciando-o da constituição do
caminho da construção do conhecimento; e
106

 desvalorização dos sentimentos, motivação, desejo, valores:


destituindo de valor os atributos subjetivos tão necessários para a
criação como os cognitivos.
Já como estratégias de promoção para a criatividade, elegem-se:

 Proteção do trabalho criativo da crítica destrutiva: o julgamento


prévio e a crítica pela crítica podem interferir no processo criativo,
pois são capazes de intimidar o sujeito que está criando, mas a
crítica fundada é fonte de reorientação e de contribuição ao
próprio ato criativo;
 promoção do pensamento de possibilidades: como estratégia
para discutir e avaliar potencialidades de determinado evento,
tecendo conjecturas sobre acontecimentos futuros,
consequências, desdobramentos;
 escuta dos aprendizes sobre os destinos do que querem
aprender: abrindo espaço para que os educandos possam
expressar o que gostariam de conhecer, o que ainda não sabem,
sobre o que têm curiosidade e interesse. Tomando como ponto
de partida da aprendizagem o interesse dos estudantes;
 busca por soluções de problemas reais: sejam da escola ou da
comunidade do entorno, ser sensível aos problemas e buscar
estratégias para resolvê-los é por em movimentos as
possibilidades reais de pensar e agir criativamente;
 promoção de espaço para que os estudantes partilhem suas
ideias e produtos originais: ressaltando que o atributo novo e
original pode ser, inclusive, uma elaboração mental inédita
apenas para o sujeito que a criou, pois reflete algo que foi
desvelado, naquele momento, para o criador.

Ressalta-se que, mesmo havendo a exposição de fatores que podem


bloquear ou favorecer o pensar criativo, esses elementos não se constituem
em roteiro que garantem a sua presença na escola e na prática pedagógica,
mas, se mostram como possibilidades para a reflexão de uma prática
educativa. Desse modo, o que é inibidor ou fomentador para os indivíduos é
107

tão subjetivo quanto a própria criatividade, entretanto, ainda assim, o respeito


pela divergência e a abertura para o novo são valores apreciados para a
criação.
Diante do exposto, é evidente que compreender a criatividade na
educação é um desafio que se mostra para os educadores, educandos e
instituição escolar, pois envolve a atualização de formas pré-concebidas sobre
como os sujeitos aprendem e criam, mas em contrapartida, evidencia que é
possível a presença e permanência da criatividade na escola, como forma de
garantir o pleno desenvolvimento dos sujeitos, já que a criatividade é
constituinte do homem e sua emergência demonstra a completude do
indivíduo.
108

4. LITERATURA, LEITURA E LEITOR: A CRIATIVIDADE EM MOVIMENTO

Neste capítulo, observações inerentes à literatura e seus


desdobramentos sobre a criatividade do leitor no processo de leitura são o
ponto de partida para a discussão e reflexão sobre a formação de leitores e a
presença da literatura na escola.
Então, também tecer ideias sobre concepções de leitura e leitor é
nuance vinculada ao conceito de literatura assumido, dado que destacar essas
especificidades verticalizam o estudo e possibilitam uma compreensão ampla
sobre a emergência da criatividade no processo de leitura de literatura.

4.1 Sobre a literatura e seu leitor

Quando se aborda a origem da literatura, tem-se na Grécia antiga o seu


berço. Chamada de poesia ―existia para divertir a nobreza, nos intervalos entre
uma guerra e outra‖ (ZILBERMAN, SILVA, 2008, p. 17). A diversidade de
gêneros e modos de uso, em um significativo salto temporal, impactaram a sua
terminologia, mas, apesar do transcorrer do tempo, há uma interseção no modo
de concebê-la: ―a de que o texto poético favorece a formação do indivíduo,
cabendo, pois, expô-lo à matéria-prima literária requisito indispensável a seu
aprimoramento intelectual‖ (ZILBERMAN, SILVA, 2008, p. 18).
É importante destacar que a compreensão da formação do indivíduo é
um constructo variável conforme o tempo, sociedade, cultura, ideologia; desse
modo, a literatura assumiu diversos modos de afetar seus leitores segundo
concepções de sujeito, educação e percepção de seu leitor através dos
tempos. Mas, quando se fala em literatura na contemporaneidade, como ela é
definida?
Vários estudiosos se debruçam sobre essa questão (ZILBERMAN, 2012;
POUND, 2006; EAGLETON, 2006; CULLER 1999) e de modo semelhante,
destacam a particularidade no uso da linguagem. Sendo a palavra literatura,
originada do termo littera, que em latim significa letra, infere-se que a literatura
se ocupa da escrita. Ou seja, quando os autores chamam atenção para a
109

linguagem, estão se reportando à linguagem escrita. Mas como se dá o uso da


linguagem nos textos ditos literários? A que modos se referem os autores
quando tecem essa particularização?
O emprego da linguagem nos textos de literatura se apresenta ―de forma
peculiar [...]. A literatura transforma e intensifica a linguagem comum,
afastando-se sistematicamente da fala cotidiana‖ (EAGLETON, 2006, p. 03),
nesses termos, se apresenta de modo diferenciado daquele usado para
informar por exemplo, pois, na literatura o uso da linguagem está intimamente
relacionado à forma de comunicar, isto é, o ―interesse em como o que é dito se
relaciona com a maneira como é dito‖ (CULLER, 1999, p. 32).
Na escrita, o pensamento sobre como afetar o leitor, a acuidade na
seleção das palavras, as relações que elas estabelecem umas com as outras
dentro do texto (e até com outros textos) são alguns fatores que podem indicar
a presença de um texto literário. Sobre a escritura desses textos, Sartre (2004,
p. 13, grifo no original) descreve os poetas como sujeitos que ―se recusam a
utilizar a linguagem‖, para fazer alusão ao emprego da linguagem de modo
inaugural, desautomatizado.
Como ilustração a respeito do emprego diferenciado da linguagem,
pode-se ler o início da história A moça tecelã: ―Acordava ainda no escuro,
como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se
ao tear‖ (COLASANTI, 2004, p. 02). Na breve passagem é visível o modo
sofisticado com que a linguagem é arranjada no texto, expressões que
sugerem ouvir o sol ou que a noite tem um corpo palpável revelam a maneira
pela qual as palavras são dispostas na literatura. Tal forma produz um efeito
estético no leitor que, diante desse tipo de texto, comporta-se de forma
diferenciada.

Os leitores presumem que, na literatura, as complicações da


linguagem têm, em última análise, um propósito comunicativo
e, ao invés de imaginar que o falante ou escritor não está
sendo colaborativo, como poderiam ser em outros contextos de
fala, eles lutam para interpretar elementos que zombam dos
princípios de comunicação eficiente no interesse de alguma
outra meta comunicativa (CULLER,1999, p. 33).
110

Ou seja, frente ao texto literário, o leitor aciona atenção específica, uma


vez que a literatura interpela os sentidos e a subjetividade para a percepção de
possíveis elaborações linguísticas, enriquecedoras do escrito. Em tais
organizações linguísticas, encontram-se a metáfora, a metonímia, o ritmo,
aliteração e a conotação, que conduzem à integração da linguagem em um
plano de expressão.
Entretanto, não apenas a valorização nos usos da linguagem define
literatura, é preciso ainda observar outras características que se somam a essa
e que complementam, timidamente, uma compreensão sobre o termo. Nesse
sentido, acrescenta-se que a literatura é ficção e apresenta-se como um
constructo imaginário do autor, mas com correspondências no mundo factual,
real. Nesse tipo de texto, personagens, cenários, impressões, descrições têm
uma construção intencional, tornando-se símbolos, que na conjuntura do texto
ganham significados velados à espera do leitor.
Os empréstimos à realidade impregna o texto literário de
verossimilhança, que possibilita o reconhecimento do leitor sobre o universo
representado na ficção. O espelhamento no mundo factual, entretanto, nunca é
completo, nem a leitura deve ser feita na busca referencial do que é
apresentado, pois ―em uma ficção, os enunciados não devem ser lidos em
comparação com a realidade, mas como elementos do sistema que eles
constituem‖ (JOUVE, 2012, p. 33), então, mesmo servindo-se da realidade, a
ficção, a literatura tem códigos próprios, ou seja, tem natureza simbólica e
inventiva.
Por ser ficção, a obra literária tem a característica do inacabamento, da
incompletude. Eco (2002, p. 09) afirma que ―qualquer narrativa de ficção é
fatalmente rápida porque, ao construir um mundo que inclui uma multiplicidade
de acontecimentos e de personagens, não pode dizer tudo sobre esse mundo‖,
mas na referência a esse universo, solicita ao leitor o preenchimento desses
espaços não abertamente descritos e apresentados.

Só esperou o anoitecer. Levantou-se enquanto o marido


dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não
fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
111

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a


lançadeira ao contrário, e, jogando-a veloz de um lado para o
outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as
carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os
criados e o palácio e todas as maravilhas que ele continha. E
novamente se viu na sua casa e sorriu para o jardim além da
janela (COLASANTI, 2004, p. 09 – 11).

Na narrativa de Colasanti (2004), percebe-se o entendimento de Eco


(2002) sobre o texto ficcional ser rápido e solicitar ao leitor parte do trabalho na
significação. Ao ler esse fragmento, são organizados mentalmente a urgência
da mulher em realizar o que estava pensando e uma identidade visual para
essa personagem; sobre a composição do cenário, o leitor aciona seu
repertório experiencial e também estrutura a aparência da escadaria, do
palácio, dos jardins, etc. Quando é narrada a quantidade de itens do castelo:
estrebarias, cavalos, carruagens, jardins, infere-se o trabalho exaustivo que a
moça havia realizado junto ao tear, para atender os pedidos do marido.
Pelo envolvimento com o enredo, o leitor tem sua atenção e leitura
orientadas pela narrativa e, em esforço interpretativo e criativo, completa os
sentidos e os vazios propositais da linguagem. Nesse exercício, o leitor toma
parte da experiência dos personagens, vivendo, assim, uma experiência
vicária.
De seu caráter ficcional, modos de uso da linguagem, incompletude e
solicitação ao leitor, apreende-se outra característica da literatura: seu viés
estético. O exposto até o momento tem, de modo mais ou menos explícito, a
participação do leitor na leitura de literatura; dessa feita, da interação entre o
texto e o leitor é originado o efeito estético, que envolve o leitor na tessitura do
texto, requerendo capacidade imaginativa, perceptiva e interpretativa ao entrar
em contato com o universo esquematizado pela literatura.
A partir da interação do plano artístico – o texto produzido pelo autor –
com o plano estético – o texto produzido pelo leitor na leitura – tem-se a
realização da obra literária. Então, em seu caráter estético interessa o que
acontece com o leitor frente à literatura, sua interação com a leitura, modos de
senti-la e significá-la, isto é, uma resposta subjetiva do receptor da obra.
Ainda sobre as características que indicam o que é literatura, ressalta-se
a interação consigo própria, em atitude autorreferencial. Sendo a literatura um
112

produto cultural, ela é influenciada por outros tipos de produções culturais,


inclusive, por outros textos literários. E considerando ainda que a literatura tem
planos artístico e estético, infere-se uma dupla possibilidade de autorreflexão:
no polo da produção e no polo da leitura. É certo que para a realização da
autorreflexão, é necessário que o leitor possua um repertório de outras leituras,
a fim de que possa reconstruir o mosaico intertextual idealizado pelo autor.

A intertextualidade aparece na intimidade do texto, fazendo


parte da função poética. É enquanto discurso literário que cada
obra se posiciona perante a tradição e debate seu lugar na
história, contradizendo ou refazendo o passado (ZILBERMAN,
2012, p. 102).

Na construção intertextual, a literatura torna denso seu sistema de


referência e reconhecer uma produção intertextual implica o conhecimento das
escolhas do autor e da própria literatura. Como alerta Pound (2006, p. 34): ―se
alguém quiser saber alguma sobre poesia, deverá [...] olhar muito para ela ou
escutá-la. E, quem sabe, até mesmo pensar sobre ela‖, sublinhando que para
conhecer linguagem literária é preciso lê-la, sempre. Assim, em um discurso
intertextual, a literatura arroja mais uma vez o uso da linguagem, exigindo de
seu leitor consistente conhecimento sobre produção literária.
Apesar de ser possível observar algumas características que desenhem
um entendimento sobre o que seria literatura, Culler (1999) adverte para o fato
de que não seja possível reduzir e emoldurar a linguagem em uma ou outra
qualidade, dada a sua dinamicidade contextual, histórica e ideológica, mas que
são nortes para o leitor perceber com que tipo de linguagem está lidando;
sobre isso, o autor ainda alerta que outros tipos de uso da linguagem também
podem lançar mão de algumas das características citadas, como a
propaganda, os ditados populares e os slogans.
Mas, ainda sobre literatura, pode-se compreender que ela trata da
universalidade. Nos textos literários veem-se não os dramas particulares
apenas de um personagem, mas situações que podem ser (ou já foram)
experimentadas por outras pessoas. De modo propositivo, a ficção exemplifica
os tipos humanos, seus medos, aspirações, incertezas, daí, nas estruturas das
obras literárias ―é mais fácil considerar que elas nos contam sobre a ‗condição
113

humana‘ em geral do que especificar que categorias mais restritas elas nos
iluminam‖ (CULLER, 1999, p. 43, grifo no original). Entendendo-se, então, a
relevância dos modos particulares pelos quais a literatura comunica e, por
consequência, educa para a vida.
Por meio de suas especificidades, a comunicação pela literatura,
respeitando o estatuto de arte que lhe é próprio, distancia-se da
referencialidade, do utilitarismo e da urgência da comunicação cotidiana. Na
literatura, a comunicação envolve texto e leitor e situa-se historicamente.
Isso posto, Iser (1999, p. 11) aponta que a obra literária é comunicativa a
partir de sua estrutura, ―pois, por um lado, o texto é apenas uma partitura e, por
outro lado, são as capacidades dos leitores, individualmente diferenciados, que
instrumentalizam a obra‖, sublinhando que no texto há esquemas, propostos
pelo autor, que ganham continuidade e outras referências a partir do leitor que,
com sua subjetividade, realiza a leitura. O que o texto informa diz respeito aos
―aspectos esquematizados‖, os quais sugerem a condição de sua retomada
pelo leitor, e, nesse processo, cada leitor, com sua experiência, repertório,
individualidade representa e constitui uma leitura.
Logo, infere-se que a comunicação promovida pela literatura é sujeita a
perspectivas incontáveis de recriação, já que pressupõe a diversidade de
leitores e suas expectativas e vivências particulares. Assim, ―prevendo a
multiplicidade do mundo de cada leitor, o texto interage oferecendo e
recebendo diferentes informações e significados. Nesse fluxo, modificam-se
texto e leitor – o que é a marca do processo de comunicação‖ (AMARILHA,
2013, p. 79). Decorre, então, entender que a comunicação instaurada no jogo
simbólico via literatura, não é pragmática, com fins convergentes e utilitaristas,
mas divergente, ressignificada, criativa, plural e única para cada leitor.
Na convergência entre literatura, comunicação e criatividade surge a
figura do leitor, como partícipe ao qual a literatura se destina e interpela em
esforço criativo de significação. Nesse peculiar processo comunicativo, Jouve
(2002, p. 63) assinala que o leitor é convocado em quatro níveis, a fim de
completar os sentidos do texto: ―verossimilhança‖, ―sequência das ações‖,
―lógica simbólica‖ e ―significação geral da obra‖. Na apreensão de cada um
114

desses momentos, notam-se a comunicação com o texto literário, prococando


a criatividade do leitor.
Sabendo que a literatura tem um caráter de incompletude, seus
esquemas fazem alusão a dados que o leitor deve fornecer em colaboração
interpretativa. Na leitura de um excerto de A moça tecelã (COLASANTI, 2004),
lê-se a seguinte descrição sobre o marido:

[...] chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado,


sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear
o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o
chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida (COLASANTI,
2004, p. 04).

Da breve e sucinta descrição do personagem, os leitores recorrem aos


seus repertórios e criam, mentalmente, uma imagem para esse homem, de
quem só é descrito parte de suas vestes e o uso de barba.
Usando a verossimilhança, os leitores fundamentam uma criação
imaginativa para o personagem com base em dados da realidade. Assim, cada
leitor, em sua expectativa sobre a beleza e elegância, tece versões para o
rapaz, que irão constituir o processo significativo e comunicativo, apelando
para a imaginação do leitor em ―recompor o objeto belo para além dos traços
deixados pelo artista‖ (SARTRE, 2004, p. 40).
A outra interação comunicativa do leitor com a obra advém da
possibilidade de promover a sequência das ações. Como diz Sartre, (2004) há
poesia nos silêncios da prosa; portanto, reconhecer no não dito, a abertura
para o leitor entrar na obra, revela também a possibilidade do leitor perceber e
preencher, em ação contínua, passagens omissas. Retornando à leitura do
fragmento de A moça tecelã (COLASANTI, 2004), é possível, enquanto leitor,
sentir, imaginar, a intensidade do toque na maçaneta, a troca de olhares de
quando se viram a primeira vez. A criação dessas passagens/leituras é
legítima, posto que é despertada pelo silêncio das palavras e provocada pelo
texto apesar de não mencioná-la.
―A narrativa pode também solicitar a cooperação do leitor para
sequências de eventos mais complexos e de duração mais importante‖
115

(JOUVE, 2002, p. 64), como a indicação de que a moça tecelã e seu marido
ficariam juntos por um tempo significativo, já que o emprego da frase ―e foi
entrando na sua vida‖ ao invés de ―entrou em sua casa‖ indica a possibilidade
de um longo relacionamento a ser vivido pelos personagens do texto.
O decorrer de um tempo simbólico é criado pelo leitor com base em
pistas do texto, ampliando a interação e a comunicação entre texto literário e
leitor, facilitando, inclusive a ampliação de entendimento sobre a narrativa. Em
outro nível de interação leitor x texto, citado de por Jouve (2002), está a lógica
simbólica. Em uma crescente de complexidade, o leitor aperfeiçoa a leitura do
texto, propõe novas perspectivas de compreensão, questiona o narrado, inverte
a lógica da voz narrante, criando novas perspectivas para a narrativa.
Ainda no conto A moça tecelã (COLASANTI, 2004, p. 02 e 07) há de
forma repetida a seguinte passagem: ―Tecer era tudo o que fazia. Tecer era
tudo o que queria fazer.‖ Entretanto, na leitura do enredo, é possível questionar
o narrador sobre esse desejo da moça e criar a possibilidade – a leitura – de
que tecer talvez não fosse o maior desejo da personagem, especialmente em
algumas passagens do conto.
Todo o percurso comunicativo do leitor com a obra revela uma
significação geral do material lido, já que ―o texto, em geral, contenta-se em dar
indícios; é ao leitor que cabe construir o sentido global da obra‖ (JOUVE, 2002,
p. 65), ou seja, na efetivação da comunicação, o leitor atua com sua
criatividade e colaboração interpretativa, oriundas da sua subjetividade.
Compreendendo a literatura como arte, como uma invenção pela
linguagem, pela palavra, é possível entender o que está envolvido na leitura de
textos literários, pode-se dimensionar a função do leitor no ato da leitura e
perceber a complexidade da interação entre a literatura e seu leitor. O
envolvimento do leitor nas tessituras da literatura, tal qual a moca tecelã, cria
um horizonte de perspectiva, no qual a significação do lido perpassa os desejos
e saberes do leitor que, em interação com o livro-tear, constrói outros universos
para experimentar e durante o tecer desse mundo ficcional cria realidades e as
habita.
116

4.2 A literatura educa?

Em seu modo específico de comunicar, a literatura é educativa. Educa


para a ficção e para a vida. Mas, em que termo é possível compreender essa
assertiva?
Inicialmente, é importante destacar que o aprendizado ao qual este
estudo se refere, não é o vinculado às habilidades de alfabetização, mas
aquele que prevê uma experiência com a literatura. Mas, sabendo que tal
experiência acontece pela leitura, é relevante dar enlevo ao modo como a
leitura é compreendida nesse contexto.
Para Smith (2003, p. 17, grifo no original), a leitura é uma ―atividade
construtiva e criativa, tendo quatro características fundamentais – é objetiva,
seletiva, antecipatória, e baseada na compreensão [...]‖. Tomando como base
esse conceito, nota-se que na leitura, o leitor está implicado de forma subjetiva,
já que a construção de um conhecimento, com base na criatividade do
indivíduo, pressupõe reconhecer que a apropriação da realidade pelo sujeito
acontece de forma singular.
Ainda sobre o conceito proposto, seus desdobramentos denotam que a
leitura é uma ação que apresenta um objetivo, revelando as motivações do
leitor, logo, é seletiva, já que se debruça sobre a seleção de informações que
atendem aos objetivos e previsões que o leitor lança durante a leitura e,
fundamentalmente, é uma atividade de compreensão, porque envolve o
estabelecimento de relações.
Circunscreve-se novamente a perspectiva da criação de relações entre o
que se lê e o leitor, uma vez que ―a recordação do sentido que tiramos de
experiências passadas é a fundação de toda nova compreensão da linguagem
e do mundo‖ (SMITH, 2003, p. 22), isto é, no ato da leitura todo o
conhecimento de mundo do leitor é convocado na apreensão de um novo texto,
apoiando a progressão na leitura, o que também expressa a relevância do
acúmulo de experiências.
Assim, na definição do que é leitura é notável uma nuance do viés
educativo vinculado à leitura de literatura, pois, sendo uma atividade que
envolve experiência e experimentação vicária, possibilidade do leitor de viver
117

as situações em que se envolvem os personagens e provar as sensações


desse ensaio ficcional de vida, a literatura promove experiências constituintes
do conhecimento de mundo dos leitores, que é acionado no ato da leitura.
Jouve (2002), ao conceituar leitura, destaca o aspecto multifacetado
dessa atividade, sendo, portanto, um processo neurofisiológico, cognitivo,
afetivo, argumentativo e simbólico. Frente a isso, reconhece-se a complexa
atividade que leitor empreende ao ler, visto que há um envolvimento integral do
sujeito em perspectiva física, emocional, cognitiva, cultural, histórica. Dos
aspectos ressaltados por Jouve (2002), todos são consoantes à literatura, já
que ler literatura posiciona o sujeito em vertentes neurofisiológica, cognitiva,
afetiva, argumentativa e simbólica, revelando que ler é atividade que provoca
efeitos em seu leitor, assim como a literatura.
A definição sobre leitura, com efeito, sofistica a compreensão sobre
literatura, na intenção de refletir sobre os modos de se relacionar com os textos
literários; porém, retornando à discussão sobre o potencial educativo da
literatura e o porquê dela ser um ponto relevante neste estudo sobre
criatividade representa o foco da discussão a seguir.
Para Eco (2011, p. 20), a função educativa da literatura não reside nas
fórmulas já conhecidas de ―transmissão de ideias morais, boas ou más que
sejam, ou à transformação do sentido do belo‖, mas na educação do gosto e da
experimentação da multiplicidade de vidas; assim educa ―para a liberdade e
para a criatividade‖, ao promover vivências diversas daquelas do mundo
factual, nutrindo o leitor do universo da ficção para perceber a realidade. Assim,
o leitor se vê enriquecido pelas experiências literárias e com significativo
repertório para criação e renovação de perspectivas sobre o mundo.
Na leitura de literatura, o leitor é levado a conhecer problemáticas
humanas, modos de vida, sociedades e culturas diferentes e, no exercício da
leitura, ensaia possibilidades de vidas, arejando seu olhar para sua própria
existência, o que exige um posicionamento intelectual, uma vez que a leitura de
literatura reclama reflexão sobre a vida do leitor e suscita a incorporação de
experiências (ZILBERMAN; SILVA, 2008).
Amarilha (2009), em seus estudos sobre literatura e prática pedagógica,
posiciona-se de modo semelhante a Eco (2011) e elenca as possibilidades
118

educativas provenientes da leitura de literatura, as quais detêm cunho


formativo.
Salientando as nuances educativas da literatura, a autora destaca ―o
acesso à língua em articulações próprias da linguagem escrita‖ (AMARILHA,
2009, p. 49), ou seja, o leitor pode interagir com a linguagem em seu formato
mais sofisticado, com ritmo, ludicidade, literariedade. Sobre isso, Eco (2011)
também reforça o acesso à língua como um patrimônio coletivo, desse modo, a
literatura promove uma identidade cultural aos seus leitores, sensibilizando
para o entendimento de comunidade que partilha elementos em comum.
Ainda como possibilidade educativa, destaca-se o amadurecimento do
pensamento abstrato, facilitado pelo distanciamento do real e aproximação do
universo ficcional. A expansão das fronteiras do conhecido pela literatura
favorece as atividades de concentração, imaginação, criação, antecipação e
planejamento; assim, ler literatura envolve o desenvolvimento de arrojadas
funções mentais (AMARILHA, 2009; ZILBERMAN; SILVA, 2008).
Por fim, a leitura de literatura educa sobre o simbólico, pela habilidade
de pensar sobre os objetos em sua ausência ou de inferir a sua presença nas
narrativas por meio de índices organizados pela linguagem.
Tais aspectos reforçam o valor pedagógico, emancipatório e humano da
literatura, revelando que sua presença na rotina das escolas e salas de aula é
formativa em aspectos que ultrapassam a aferição de notas ou conceitos e
revelam sofisticado grau de possibilidade educativa sobre si, sobro o outro e
sobre o mundo pela linguagem.
No que concerne à criatividade, a literatura corrobora a abertura para as
subjetividades, para a promoção da experiência, da imaginação, da divergência
e do diálogo, elementos necessários à emergência do pensamento criativo,
dado que põem em movimento o ser pensante, levando o sujeito à reflexão e à
renovação de perspectiva sobre o já posto e conhecido. Sendo espaço da
pluralidade de sentidos, de personagens, de enredos e de cenários, a literatura
é sempre campo fecundo para a criatividade e para o arejamento de ideias
sobre o incomum.
Assim, a literatura, por meio da linguagem, anuncia o imaginável e,
também, o improvável, indicando que seus atos comunicativos salvam o
119

homem de uma única existência, fornecendo-lhe possibilidades de


experimentação sobre a vida, de ser vários, sempre e a cada leitura.
120

5 MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA: ENTRE ENSINAR E APRENDER


CRIATIVAMENTE NO PROCESSO DE LEITURA DE LITERATURA

Em uma pesquisa que trata sobre criatividade, ensino e leitura de


literatura, a mediação pedagógica ganha relevo considerando a
intencionalidade do ato de ensinar e aprender, no caso específico deste
estudo, por meio da leitura de literatura em situação escolar. Nessa direção,
estão contemplados a mediação pedagógica na promoção da emergência do
pensamento criativo por meio da experiência com a linguagem, a experiência
da leitura por andaimes como metodologia afim à criatividade e a relevância da
figura do professor como um organizador de situações pedagógicas voltadas
para a leitura e discussão de literatura.

5.1 Mediação, literatura e criatividade

Nota-se que a mediação pedagógica é ponto comum em pesquisas com


situações de ensino e aprendizagem, mas quando a pesquisa apresenta
interface com estudos sobre criatividade, uma luz é lançada para o enfoque da
mediação, que ganha novo fôlego e possibilidades, suscitando que
compreender esse processo à luz da criatividade é considerar a interação e a
ação humana, as experiências e a imaginação como provocadoras do pensar
criativo.
Nessa direção, a discussão da criatividade na abordagem histórico-
cultural se agrega aos estudos sobre mediação pedagógica, sendo é possível
inferir que as ações intencionais do mediador, facilitadoras da ampliação de
experiências, por meio da interação dos sujeitos com o objeto do conhecimento
e com os seus pares, são um notório caminho para o desenvolvimento do
pensamento criativo, uma vez que expandem o repertório de conhecimento e
de ação para os aprendizes.
Antes, porém, de enveredar na relação criatividade e mediação
pedagógica, faz-se necessário apresentar como a mediação é concebida no
contexto deste estudo. Primeiro, retoma-se a adoção da perspectiva histórico-
cultural, na qual Vigotski (2001, 2007) lança as bases para a compreensão da
121

atividade humana, esclarecendo seu caráter mediado, a partir do entendimento


da natureza social do homem.
Dessa forma, a relação do homem com o meio circundante acontece por
meio da ―mediação entre o universo objetivo e o subjetivo‖ (ZANOLLA, 2012, p.
06), sendo sempre uma relação indireta, mediada pelos produtos culturais
humanos – signos e instrumentos – e pelo outro. De modo diretivo, a mediação
sugere a interposição de elementos (simbólicos ou objetivos) entre o sujeito e o
objeto do conhecimento, os quais viabilizam a compreensão e a aprendizagem.
Em sentido amplo, Freitas (2005, p. 28) assinala que a mediação
―implica o processo de intervenção de um elo intermediário numa dada relação,
cumprindo uma função específica: suscitar uma nova relação‖. A interposição
desses elos atua sempre no indivíduo, a quem é solicitado atenção voluntária
para a concretude da ação, que, por sua vez, tem orientação interna e pessoal.
A nova relação instituída por meio da mediação é de ordem superior, pois
implica o aprimoramento de funções psicológicas e o avanço do
desenvolvimento do sujeito.
Ressalta-se, porém, que a presença dos elos não é permanente, pois
intenciona que o sujeito ultrapasse esse ponto do desenvolvimento, atingindo
níveis mais sofisticados na relação com o objeto do conhecimento. Reportando
essa compreensão para o âmbito deste estudo, a mediação pressupõe que os
sujeitos, em situação de leitura de literatura, desenvolvam aspectos referentes
ao pensamento criativo e transformem seus modos de se relacionar com textos
literários.
Uma mediação nesses termos provocaria uma transformação na
maneira de ler literatura, de fazer perguntas ao texto, interagindo com a
linguagem de modo consciente e propositivo. Assim, pela mediação, os sujeitos
conseguem integrar uma nova postura frente à leitura de literatura e aos seus
processos já consolidados de acercamento ao texto.
O exposto até o momento fundamenta-se no conceito de zona de
desenvolvimento proximal, apresentado por Vigotski (2007) que é

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se


costuma determinar através da solução independente de
122

problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,


determinado através da solução de problemas sob a orientação
de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes (VIGOTSKI, 2007, p. 97).

Tal conceito sublinha aspectos importantes para o entendimento da


mediação: demanda conhecer o que o indivíduo já sabe, mas também as suas
potencialidades, orientação, a presença de um par experiente e a instauração
de uma problemática para a interposição dos elos.
Significa também reconhecer que a aprendizagem e, por decorrência, o
desenvolvimento, percorrem níveis crescentes de elaborações, pois
subentendem mediação e autonomia em um constante ciclo evolutivo,
ratificando, inclusive o caráter temporário da interposição dos referidos elos.
Compreender esse conceito se constitui em importante recurso para o
mediador, pois indica um percurso assertivo para os processos de ensinar e
aprender, já que permite conhecer ―o curso interno do desenvolvimento‖
humano (VIGOTSKI, 2007, p. 98), além de dimensionar a complexidade e a
intencionalidade das ações pedagógicas envoltas no processo de mediação.
Deslocando essa percepção para o contexto deste estudo é ressaltado o
trabalho com a literatura como meio oportuno para provocações que inspirem a
emergência do pensamento criativo. Então, pela sensibilidade incutida no
conceito de Vigotski (2007), desvela-se que a ação de mediar envolve o
acionamento de experiências, de outras leituras, do conhecimento prévio na
intenção de impulsionar outros modos de interagir com a linguagem, os pares
e, especialmente, outros modos de pensar, considerando a divergência e o
diálogo; realizando a integração dessas novas formas ao rol das atividades
consolidadas dos sujeitos.
Nesses termos, a mediação possibilita que a emergência do
pensamento criativo, via literatura, esteja em uma zona de desenvolvimento
real para os aprendizes; considerando, para tanto, as singularidades envolvidas
em uma ação pedagógica que contempla uma situação específica de ensino de
literatura, em sala de aula.
Nessa direção, mediar o ensino de literatura com vistas ao
desenvolvimento do pensamento criativo requer o envolvimento pela linguagem
123

simbólica, o espaço para a exposição de pontos de vista, a acolhida à


divergência, a escuta atenta às vozes dos sujeitos sobre o lido e a provocação
pelo diálogo no sentido de perspectivar o lido, na intenção de que a expressão
do pensamento nas vozes dos sujeitos se configure, também, como elo
intermediário a suscitar novas aprendizagens e relação com o texto literário.
Legitimar a mediação como um processo relevante à emergência da
criatividade tange reconhecê-la como constructo social, cujo desenvolvimento
se dá por meio da interação com o outro, considerando, no curso do processo
e da interposição dos elos, fatores culturais e históricos que subjetivam os
sujeitos e que interferem em seus atos criativos.
A mediação pedagógica do ensino de literatura em sala de aula
descortina olhares sobre a presença da literatura na escola e seu potencial na
formação humana, como na perspectiva da criatividade, por exemplo.
Entretanto, algumas pesquisas (AMARILHA, 2009, 2013; ZILBERMAN, SILVA,
2008) apresentam informações que remetem à reflexão sobre a literatura na
escola e seu uso. Tais estudos desvelam práticas equivocadas com a leitura de
literatura na escola, ausência de planejamento, o desconhecimento do
potencial formativo e educativo particular à literatura, assim como a relação da
literatura a práticas exclusivamente alfabetizadoras.
Em contrapartida, as pesquisas também sinalizam a possibilidade de
formação pela literatura o que pressupõe o conhecimento de uma
aprendizagem pela palavra, pela força do simbólico. Uma aprendizagem que
abre aos aprendizes a possibilidade de pensar, dialogar, refletir e confrontar
ideias, ou seja, de mobilizar o ser pensante.

A literatura pode ser tudo (ou pelo menos muito) ou pode ser
nada, dependendo da forma como for colocada e trabalhada
em sala de aula. Tudo, se conseguir unir sensibilidade e
conhecimento. Nada, se todas as suas promessas forem
frustradas por pedagogias desencontradas (SILVA, 2008a, p.
46).

Do pronunciamento, compreende-se a importância do como ensinar


literatura para o vislumbre de um ensino emancipatório pela linguagem
simbólica, colocando-a como o centro da aula e da discussão. Nesse sentido,
124

infere-se a necessidade de propor esse ensino como a oportunidade de


experimentar ―a imersão em linguagem [simbólica] logicamente organizada,
criativamente potencializada‖ (AMARILHA, 2013, p. 38).

5.1.1 O professor mediador: educar a criatividade

O cerne deste estudo destaca a mediação pedagógica como um


processo relevante ao desenvolvimento do pensamento criativo. Circunscreve-
se aí, a figura do professor como um ator relevante da ação educativa, pois a
ele cabe a proposição das ações desenvolvidas em sala de aula,
especificando-se, aqui, aquelas voltadas ao ensino de literatura.
De fato, o professor articula a dinâmica da sala de aula e na mediação
pedagógica recorre ao uso do discurso, da palavra, de recursos, de atitudes e
procedimentos de ensino, recrutando um significativo sistema de símbolos,
signos, saberes e meios para promover o ensino e aprendizagem.
Tardif (2014) ao esclarecer sobre os saberes docentes destaca que o
fazer do professor é uma atividade baseada, fundamentalmente, na interação
humana e que ensinar consiste na mobilização de saberes de diversas ordens,
adequando-os aos fins pretendidos, conforme seja a situação de ensino-
aprendizagem. Aludindo o exposto ao ensino de literatura é possível inferir a
sofisticação desse fazer, o qual agrega a interação entre sujeitos e a interação
com a linguagem literária em uma mesma situação.
É necessário assinalar que no processo de mediação pedagógica estão
implicados professores e educandos. O docente como par experiente e
consciente da situação educativa que está instaurando e o aprendiz com
engajamento na própria situação, a fim de criar novas relações com o objeto de
conhecimento. Sobre isso Fontana (2005, p. 19) afirma que ―a mediação do
outro desperta na mente da criança um sistema de processos complexos de
compreensão ativa e responsiva, sujeitos às experiências e habilidades que ela
já domina‖, ou seja, o par menos experiente está comprometido na ação, tanto
quanto o par mais experiente.
À luz dos estudos sobre criatividade, mediar ações que propiciem o
desenvolvimento do pensamento criativo demanda a utilização de ―estratégias
125

criativas em comunicação e criação de ideias, abrindo espaço para o encontro


de novos caminhos em um processo reflexivo‖ (PLIGHER, 2009, p. 62), logo,
discutir ideias, propor a apreciação de perspectivas incomuns, buscar uma
compreensão global de situações, elaborar perguntas são algumas
possibilidades para mediar a emergência da criatividade e o mediador, nesse
sentido, ―inventa a sua prática‖ (PLIGHER, 2009, p. 66), no entendimento de
que inventar não é usar caminhos aleatórios, inflexíveis e fortuitos, mas que
são planejados previamente e que se moldam segundo as vozes e
posicionamento dos sujeitos, ou na visão da mediação pedagógica, o mediador
adequa a interposição de elos à proporção que os aprendizes avançam na
aprendizagem e no desenvolvimento.
Como viabilidade de educar a criatividade, imprimindo na atividade as
marcas do contexto educacional, Torre (2008) sublinha a coletividade, o grupo,
na força da expressão da emergência da criatividade. Conforme o autor,

[...] o grupo merece uma atenção especial como recurso


escolar e como método didático. A convivência de várias
pessoas, com diferentes cargas de experiências, com
finalidades formativas ou produtivas em comum, vem sendo
considerada uma fonte de energia criadora (TORRE, 2008, p.
72).

Demonstrando que nos agrupamentos, o caldo de experiências, culturas


e saberes constituem elementos determinantes para o desenvolvimento do
pensamento criativo, uma vez que inspira a troca desse repertório e a
ampliação das possibilidades de conhecimento, com o qual é possível interagir
e criar. Todavia, o mesmo autor assinala que nem todo agrupamento é criativo,
o que pressupõe a presença de um mediador atento a essa necessidade e de
um grupo responsivo e engajado nos processos mediados, evidenciando,
portanto que a criatividade é uma construção coletiva e orientada.
No tocante ao professor e à educação da criatividade é relevante o
fomento à ―comunicação, ao intercâmbio e ajuda‖, no entendimento de que são
ações que promovem o diálogo, a divergência e o compartilhar de sabres e
experiências; a ―criação de clima adequado na sala de aula‖, a fim de que os
diferentes posicionamentos sejam acolhidos, respeitosamente, e que todos se
126

sintam encorajados em contribuir e refletir sobre o exposto e o ―planejamento‖,


pois como toda ação pedagógica, a perspectiva de promoção da criatividade
perpassa a antecipação e a intencionalidade (TORRE, 2008, p. 82 – 83).
Silva (2008), ao escrever, poeticamente, um desejo sobre professores
que ensinem e leiam literatura, menciona:

Ele sabia que as crianças, como todo homem, são seres de


vontade, com a consciência voltada para aos fenômenos do
mundo, da vida. Não teria que motivar, mas apenas imaginar
formas de causar a aproximação das crianças e as obras
literárias. Dispor e expor, deixando que as obras, ao sabor das
diferentes leituras das crianças, desabrochassem
conhecimento e beleza. Ele sabia que a ficção, pela sua
natureza, instigaria diferenciadamente a sensibilidade dos
leitores. Ele sabia que o livro de ficção, ao ser vivido
imaginariamente no ato de ler, recuperaria ―por nós, em nós,
aquilo que de belo temos e não sabemos, ou somente
intuímos, e aquilo que perdemos‖. Ele sabia que a fruição da
literatura, em contínua convivência, se colocava como uma
possibilidade muito concreta de ver, sentir a realidade de outra
maneira – inusitada, talvez ou certamente –, dependendo do
clima instaurado nas rodas de leitura. Ele sabia que a sua
experiência como leitor [...] é a trilha mais curta e/ou a costela
mais perfeita para fazer um outro leitor à imagem. Expor, dispor
e deixar que a fruição corra livremente [...]. Ele sabia, como
educador/leitor, da necessária humildade diante dos
significados construídos a partir da leitura de textos ficcionais.
Ele sabia. Quantos sabiam? (SILVA, 2008b, p. 57 – 58, grifos
no original).

Em seu alerta poético, que mobiliza a reflexão sobre o fazer docente no


que concerne ao ensino de literatura, Silva (2008b) discorre sobre o valor da
atuação docente na formação de seus aprendizes. Ao preconizar uma
educação pelo literário, o autor também estabelece os caminhos para a
educação da criatividade via leitura de literatura; assim, em seu ―sonho
delirado‖, acorda os professores para a emergência de práticas que também
despertem seus educandos para leitura, para a criatividade, para a literatura.
127

5.2 Andaimagem e criatividade: a aula de literatura

Mediar a prática de leitura de literatura na escola envolve saberes


específicos sobre leitura, literatura e leitor, mas também compreender que seu
ensino educa em aspectos particulares e que a experiência com a linguagem
deve ser o norte das ações empreendidas. Todavia, promover a experiência
com a linguagem não significa experimentação casual, sem propósitos ou
planejamento. Ler literatura na escola é reconhecê-la com objeto estético, que
afeta seus leitores e convida à reflexão, ao diálogo, ao apreciar modos diversos
nos quais a vida humana pode se apresentar.
Com esse propósito, o uso de uma metodologia específica para
atividades envolvendo leitura se fez fundamental no processo de mediar
literatura e de pesquisar sobre seu ensino. Tal metodologia se sustenta nos
estudos de Bruner (1997) que, inspirado em postulados sociointeracionistas,
aprofunda os estudos sobre andaimes e tutoramento, como estratégia em que
―a consciência ou a reflexão é uma forma de impedir a mente de atirar a esmo‖
(BRUNER, 1997, p. 78), isto é, constituem procedimentos pelos quais é
possível mediar a aprendizagem de outro indivíduo de forma orientada e nas
intenções planejadas, evitando que os esforços dos sujeitos se percam em
decorrência da ausência de mediação.
Outro dado importante diz respeito à linguagem e seus produtos, dentre
os quais o autor destaca a literatura, como meios imprescindíveis para as
ações de andaimagem e tutoramento, uma vez que na linguagem é possível,
temporariamente, um mediador ―emprestar a sua consciência‖ a outro sujeito, a
fim de promover outros modos de pensar, conduzindo a novas aprendizagens.
Sobre isso, Bruner (1997, p. 79) destaca haver uma ―fusão criativa entre ação e
consciência‖, ou seja, no processo de mediar (ação) há a intenção de suscitar
aprendizados e, por decorrência, nova consciência sobre si, o outro, ou a
própria linguagem, situação na qual se apreende a criatividade, por ser
orientada para o novo.
Em seus estudos, Bruner (1997) ainda assinala a importância de o par
experiente atuar sempre no limiar crescente do desenvolvimento do outro
sujeito, a fim de favorecer a tomada de consciência sobre o processo e que o
128

indivíduo alcance autonomia nas ações que, anteriormente, necessitava de


ajuda.
Com base no pensamento teórico de Bruner (1997), Graves e Graves
(1995) propõem a metodologia da andaimagem (scaffolding) como
procedimento para que ―os professores efetivamente [ajudem] todos os
estudantes a lerem, entenderem e aplicarem as ideias e informações da
variedade de textos que eles leem‖ (GRAVES; GRAVES, 1995), inferindo um
processo de mediação específico, voltado para a experiência com a linguagem,
com a leitura.
Andaimagem (scaffolding) é uma metáfora para uma estratégia de
ensino, na qual o par mais experiente assiste e apoia o par menos experiente
na condução de uma atividade ou no acercamento a um novo conhecimento.
Nessa intervenção, a interação por meio da linguagem opera o centro das
relações estabelecidas entre os pares. Ainda no percurso da metáfora, os
andaimes são retirados à medida que os aprendizes atingem o conhecimento
intencionado.
Sobre tal assertiva no contexto do ensino de leitura, Graves e Graves
(1995, p. 03) afirmam que para ―se desenvolverem como leitores, as crianças
precisam ter alguns desafios, mas eles também precisam ter o necessário
apoio ou andaimagem para enfrentarem esses desafios‖. E, como assistência à
formação de leitores que se sentem motivados a enfrentar diversos textos, os
autores estabelecem momentos para a implementação da metodologia da
andaimagem (scaffolding), quais sejam: planejamento e intervenção. E, em
cada etapa de sua estrutura, objetivos e desdobramentos específicos são
delineados.

5.2.1 Planejamento

Como previsto pela própria metodologia da andaimagem (scaffolding), o


planejamento deve considerar os educandos, os textos a serem lidos e os
objetivos com que serão lidos. Inserir esses elementos em um contexto de
pesquisa científica que caminha na interface literatura – criatividade –
mediação pedagógica, revela a acuidade dessa etapa para o desenvolvimento
129

das ações pretendidas. Ampliando, por conseguinte, o entendimento sobre o


planejamento como uma compreensão que vai além da prospecção do que irá
acontecer em sala de aula.
Conhecer os educandos, seus interesses literários e relacionamentos
com a leitura são fatores relevantes para uma ação pedagógica que pretende,
pela leitura de literatura, mobilizar os aprendizes, especificamente, para a
emergência do pensamento criativo, uma vez que se torna necessário
identificar, nas particularidades e subjetividades, os gostos, e, possivelmente,
os desafios a serem propostos a partir da leitura de literatura.
Conhecer a audiência (GRAVES; GRAVES, 1995) é também
determinante aos modelos de implementação dos momentos de leitura, pois
apontam dados sobre os modos como os sujeitos se relacionam entre si, como
costumam dialogar, como gostam de ler e, sobretudo, que leituras já
realizaram, pois, sabendo que a criação é fundada na experiência de cada
indivíduo, o conhecimento sobre o reportório literário dos aprendizes se
constitui em fator propiciador da criatividade.
Conhecer o educando ainda significa compreender que

[...] a pessoa, no processo de aproximação aos objetos da


cultura, utiliza sua experiência e os instrumentos que lhe
permitem construir uma interpretação pessoal e subjetiva do
que é tratado. Não é necessário insistir no fato de que em cada
pessoa o resultado deste processo será diferente, trará coisas
diferentes, e a interpretação que irá fazendo da realidade
também será diferente; apesar de possuir elementos
compartilhados com os outros, terá determinadas
características únicas e pessoais (ZABALA, 1998, p. 90).

Então, no aprofundamento de conhecimentos sobre a audiência é


importante destacar a heterogeneidade de sujeitos que compõe o universo de
uma sala de aula e que a possibilidade de readequar o planejamento, durante a
sua execução, é uma perspectiva possível, quando se atua na coletividade.
Ainda no planejamento, um fator estabelecido na metodologia da
andaimagem (scaffolding) (GRAVES; GRAVES, 1995) é a seleção do material
de leitura, que no caso deste estudo se configura como material de leitura de
literatura. A seleção, além de considerar os educandos, deve, notadamente,
130

atender aos critérios singulares que definem esse tipo de texto, como
explicitado no capítulo anterior deste trabalho. A literatura selecionada deve ser
aquela que

[...] muda o leitor, [...] aquela que afugenta a ―linguagem do tipo


tu-já-sabes-o-que-quero-dizer‖ e, ao afugentá-la, des-realiza
também o mundo do tipo todos-já-sabemos-como-são-as-
coisas. Desse ponto de vista, e na medida em que está contra
todo esse ―realismo‖ explícito tão caro aos ―realidófilos‖, nem
por isso renuncia a entrar em relação com a realidade e com a
autenticidade e, portanto, com a verdade de pensamento. Mas
com uma verdade que não existe a não ser enquanto vontade
de verdade e com um pensamento que não é outra coisa
senão resistência aos conceitos que nos dão as coisas já
pensadas e, portanto, impensadas (LAROSSA, 2016, p. 127,
grifos no original).

Do pronunciamento, o material de leitura deve ter qualidades que


fomentem, no leitor, a percepção sobre o uso da linguagem, a problematização
sobre a realidade e a experimentação da condição humana pelo viés do
simbólico, elogiar, intelectualmente, seu leitor pela abertura à participação e
pela apresentação de mundos possíveis, mas diversos do factual.
Considerar os educandos e o material de leitura envolve, no
planejamento, analisar os objetivos da leitura de literatura. Faz-se valoroso
destacar que a leitura de literatura não deve atender a finalidade de aferição de
notas e demais registros escolares de aferição para classificação, ou, como
Larossa (2016, p. 130) denomina: ―discurso pedagógico dogmático‖. Os fins da
presença da leitura de literatura na escola devem buscar a interação com a
linguagem simbólica, a oportunidade do leitor, por meio da ficção, sentir que
―experimenta e se transforma enquanto transforma o texto‖ (YUNES, 2003, p.
14).
O ensino de literatura que traga, em seu seio, a emergência do
pensamento criativo deve estar atento aos fatores preconizados por Graves e
Graves (1995) no planejamento de sua intervenção, visto que aproxima o texto
literário, os leitores e um propósito formativo em uma ação intencional,
reveladora da potência do ato educativo. Após a fase do planejamento tem
início sua implementação, que conta com as etapas de pré-leitura, leitura e
131

pós-leitura, nas quais o professor verticaliza a experiência com a palavra e


medeia o acercamento dos leitores ao texto.

5.2.2 Pré-leitura

A pré-leitura, como sua nomenclatura informa, antecede a leitura e, por


esse motivo, é o momento destinado para uma convocação. Nessa direção,
essa etapa prevê o início do engajamento dos leitores por meio da catalisação
da atenção e do interesse. Para tanto, algumas atividades são sugeridas, quais
sejam: ―motivação, ativação do conhecimento prévio, construção do
conhecimento específico do texto, relação da leitura com a vida dos estudantes
e pré-ensino do vocabulário‖ (GRAVES; GRAVES, 1995, p.05).
Entretanto, os autores reforçam que são sugestões, pontos de partida, e
que, no desenvolvimento da formação leitora, outras possibilidades de
acercamento podem ser acrescidas, sublinhando que os andaimes cumprem
sua função instrumental quando conduzem os leitores a outros patamares de
conhecimento. Então, os andaimes de pré-leitura objetivam criar um clima
propício à leitura e permitir que os leitores consigam realizar previsões sobre o
texto a ser lido.
Como Smith (2003) assinala, a antecipação é uma ação inerente à
leitura, assim o exercício de pré-leitura corrobora com as especificidades do ato
de ler, uma vez que dissipa ou minimiza as incertezas durante a leitura,
favorecendo a compreensão.
No exercício de pesquisar, algumas das sugestões como dinâmica de
pré-leitura foram implementadas. Abaixo, seguem alguns recortes de pré-leitura
das sessões de leitura de literatura desta pesquisa:

QUADRO 02: Episódio de pré-leitura de Entre leão e unicórnio, estratégia de


pré-ensino, 2ª sessão

PP: Pessoal, vamos aqui. ((Professora aponta para cartaz no quadro da sala
de aula.)) Na história, vai aparecer algumas palavras que não costumamos
usar e pode ser que a gente desconheça o significado delas. A primeira é
132

fulvo, que significa amarelo escuro. Outra palavra que aparece é montada:
cavalo ou animal que se monta. Ginete, que é o cavaleiro. E por último,
errante. Já ouviram essa palavra? Errante é uma pessoa que vagueia e fica
andando, andando.
Pedro: Agora eu já sei o que é errante!

O pré-ensino constitui estratégia relevante, pois antecipa ao leitor o


significado de alguns vocábulos, que por serem incomuns, podem causar
ruídos na comunicação, dificultando a compreensão e a fruição da narrativa.
Desse modo, o leitor pode se ocupar da leitura sem interromper a construção
de sentidos pelo enfrentamento a uma palavra desconhecida.
Outra estratégia recorrente foi a construção do conhecimento específico
do texto. Na pesquisa, a obra Reinações de Narizinho (LOBATO, 2014d)
esteve presente em algumas sessões e como o livro se organiza em capítulos,
algumas narrativas selecionadas para compor o repertório da pesquisa
dependiam de informações presentes em capítulos anteriores. Destarte,
contextualizar a história a ser lida foi fundamental para a recuperação de
informações relevantes, conforme se demonstra abaixo:

QUADRO 03: Episódio de pré-leitura de Miragens, estratégia de conhecimento


específico do texto, 7ª sessão

PP: A história que vamos ler hoje é Miragens, de Monteiro Lobato. Essa
história faz parte do livro comum da turma: Reinações de Narizinho. Na
sequência do livro, essa história acontece depois que Pedrinho descobre o
plano de Emília sobre o pau vivente. Vocês lembram como tudo aconteceu até
agora?
Lia: Ele descobre que o pau vivente é de mentira!
PP: Isso.
Lia: Ele tá armando um plano pra pegar Emília.
PP: Isso. Mais alguém lembra?
Lion: Não!
133

PP: Deixe falar mais: Pedrinho fica com raiva e joga o João Faz de Conta em
cima do armário e vai embora. Nesse momento, Narizinho vai dar um passeio
e pega o boneco pra passear com ela. É daí que começa a nossa história,
estão lembrados?
Ricardo: Aí, ela, aí, ela.
Tomás: Sim, lembro, lembro, lembro.
Ricardo: Aí, ela encontra tipo a Chapeuzinho Vermelho, a Capinha Vermelha.
PP: Essa mesma! Ótimo! Vocês sabem o que é miragem?

Retomar o contexto da história foi preponderante para o início das


previsões da narrativa, pois a história tinha como ponto de partida o desfecho
do capítulo anterior, assim reconstituir mentalmente e coletivamente essas
passagens engajou a atenção das crianças, para em seguida, possibilitar a
previsão sobre a narrativa a ser lida: Vocês sabem o que é miragem?
Vê-se, portanto, o cuidado enredado no planejamento de uma aula de
leitura de literatura que tem no texto literário o foco das ações. Em outro
momento da pesquisa, na quinta sessão de leitura de literatura também houve
a construção do conhecimento específico do texto, mas em perspectiva
intertextual; assim, a leitura do sumário do livro Contos de Sacisas (TORERO,
2018) demonstrou ser estratégia relevante, considerando que a proposta da
produção em intertextualidade causou estranhamento nos leitores.

QUADRO 04: Episódio de pré-leitura de Sacinderela, estratégia de


conhecimento específico do texto em perspectiva intertextual, 5ª sessão

[...]
PP: Mais alguém quer falar? ... Dentro desse livro aqui tem várias histórias. Eu
vou ler para vocês o sumário dele. Tem a história A bela sacisa adormecida,
Branca de algodão e os sete sacis.
Sofia: Ah, é conto de fadas com Saci!
PP: Pererenzel e Sacinderela. A que vamos ler hoje é Sacinderela. Isso, Sofia,
conto de fada com saci.
134

Ricardo: É sério? É Cinderela com saci?

Conhecer tópicos do sumário do livro constituiu relevante procedimento


para que os leitores se aproximassem do conto, além disso, despertou a
curiosidade das crianças para a leitura. A curiosidade desperta a atenção para
a leitura, posto que envolve os leitores no descortinar da leitura para que,
enfim, conheçam a história em sua completude.
Somam-se a essas estratégias, a possibilidade de conhecer e pensar
sobre a autoria dos textos literários lidos e como essa informação pode ser
importante para se aproximar dos textos, refletir sobre o que acontecerá na
história e problematizar os títulos das histórias são alternativas de acercamento
ao texto e que foram conduzidas no íntimo da pesquisa. Torre (2008) anuncia
que as perguntas são o anzol da criatividade, então, nessa direção, as
perguntas e proposições da pré-leitura devem provocar o pensamento criativo
para a leitura, trazendo às mentes das crianças a dinâmica do encontro da
literatura com seu leitor.

5.2.3 Leitura

Durante a leitura, o leitor e o texto se encontram em uma composição


criativa, da qual desencadeiam processos interpretativos na consciência do
leitor suscitados pelo texto (ISER, 1999; BRUNER, 1997). É na particular
natureza desse encontro que o leitor conhece o texto e as perspectivas que ele
sugere. Na pesquisa, a promoção desse encontro buscou mediar processos de
emergência do pensamento criativo, via literatura, e contou com a voz da
professora pesquisadora e das crianças na animação dos textos literários.
Sobre a leitura, Larossa (2016) faz uma poética descrição do ato de ler:

Por isso, o começo da lição é abrir o livro, num abrir que é, ao


mesmo tempo, um convocar. E o que se pede aos que, no
abrir-se o livro, são chamados à leitura não é senão a
disposição de entrar no que foi aberto. O texto, já aberto,
recebe àqueles que ele convoca, oferece hospitalidade. Os
leitores, agora dispostos à leitura, acolhem o livro na medida
em que esperam e ficam atentos. Hospitalidade do livro e
135

disponibilidade dos leitores. Mútua entrega: condição de um


duplo devir (LAROSSA, 2016, p. 139).

Na simbologia do abrir-se à leitura, Larossa (2016) tangencia aspectos


relevantes do processo de leitura: engajamento, disponibilidade, acesso a
material de leitura, atividade intelectual e agregadora. Todos esses aspectos
estão imbuídos na leitura de literatura e, quando em situação escolarizada, a
leitura em voz alta se constitui em importante recurso acolhedor, pois envolve
todos na mesma ação, na mesma voz e no mesmo tempo.

A leitura oral de literatura apresenta um potencial fecundo para


a abertura de um canal cognitivo, linguístico, social e afetivo ao
desenvolver a capacidade do leitor de participar pela palavra
da experiência inventiva e comunicativa e sair dela em
condições de refletir sobre ela, sobre si próprio e sua
contingência. Esse é o prazer decorrente do texto – promover o
conhecimento pela participação intelectual, sensível, social e
afetiva. E isso o mediador de leitura pode fazer (AMARILHA,
2009, p. 11).

A leitura em voz alta proporciona a sensibilização sobre o lido, pois


desenha os acontecimentos da história pelo uso do ritmo, da entonação, da
aceleração, da pausa, criando na consciência do leitor-ouvinte uma consciência
sobre a narrativa. Nas sessões de leitura de literatura da pesquisa, a
modalidade de leitura aconteceu conforme o quadro abaixo:

QUADRO 05: Modalidades de leitura distribuídas nas sessões da pesquisa

SESSÃO DE LEITURA MODALIDADE DE LEITURA

1ª sessão de leitura Leitura compartilhada e em voz alta pela professora


(crianças com livros em mãos)

2ª sessão de leitura Leitura em voz alta pela professora

3ª sessão de leitura Leitura compartilhada e em voz alta pela professora


(crianças com livros em mãos)

4ª sessão de leitura Leitura em voz alta pela professora

5ª sessão de leitura Leitura compartilhada e em voz alta pela professora


136

(crianças acompanham a leitura com projeção)

6ª sessão de leitura Leitura compartilhada e em voz alta pela professora


(crianças com livros em mãos)

7ª sessão de leitura Leitura compartilhada e em voz alta pela professora


(crianças com livros em mãos)

8ª sessão de leitura Leitura compartilhada e em voz alta pela professora


(crianças em duplas com cópias do livro)

9ª sessão de leitura Leitura compartilhada e em voz alta pelas crianças


(crianças com os poemas em mãos)

10ª sessão de leitura Leitura compartilhada e em voz alta pela professora


(crianças com livros em mãos)

Como se observa, a leitura em voz alta esteve presente em todas as


sessões, realizada pela professora pesquisadora com exceção da leitura de O
jogo das palavras (JOSÉ, 2012), na nona sessão, que foi realizada pelos
sujeitos. Retomando a recepção das crianças à leitura em voz alta, em
algumas sessões, logo após a leitura havia a presença de aplausos, como
forma de expressarem aprovação ao texto que acabara de ser lido/ouvido.
Essa prática começou logo depois do término da primeira sessão da pesquisa.

QUADRO 06: Episódio de pré-leitura de A pílula falante, 1ª sessão

Tomás: Acabou, acabou! Happy birthday to you!


((Aplausos))
Guido: Melhor história do mundo! ((Criança fala pausadamente.))
PP: É o quê? Você gosta dessa história?
Guido: Sério, quando você falou a maior boca do mundo, eu pensei tipo.
((Criança fica em pé e faz movimento da boca até o chão, indicando tamanho
da boca.))
PP: Você pensou na maior boca do mundo.
Tomás: Nossa, seria a boca que engoliu o mundo. Uma boca maior que o
corpo humano.
137

Esse episódio desvela como a leitura em voz encadeia processos


imaginativos nos ouvintes-leitores. A constatação da força da oralidade é
marcada na voz da criança que diz: ―Sério, quando você falou a maior boca do
mundo, eu pensei tipo‖, ou seja, ela não cita o fato dela ter o livro e ter lido, por
si própria, o trecho a que ela se refere, mas destacou que sua imaginação foi
orientada pela oralidade da professora.
Diante do exposto, nota-se que na relação texto/leitor em sala de aula,
muitas outras vozes estão imbricadas no processo de acercamento ao texto,
valendo destacar que, para uma leitura em voz alta que possibilite o
envolvimento do leitor no texto oralizado, é necessário planejamento da leitura,
atenção às marcas textuais, aos sentidos que as frases sugerem e ensaio da
leitura, repetidas vezes.

5.2.4 Pós-leitura

Segundo apontam Graves e Graves (1995), esse momento da aula de


leitura tem objetivos variados, podendo ser utilizado como oportunidade para a
realização de sínteses, como forma de visualizar, em perspectiva geral, o lido
ou, em outras palavras, como um otimizador para a organização dos sentidos
fomentados na leitura.
Nesse intento, desenham estratégias de acercamento ao texto e de
promoção de diálogo sobre a leitura, como questionamento, discussões,
escrita, dramatização, atividades artísticas, etc. (GRAVES; GRAVES, 1995),
mas é interessante destacar que, na aula de leitura de literatura, as ações
giram em torno da experiência literária; então, os objetivos do ensino (no caso
desta pesquisa, investigar, na mediação pedagógica da atividade de leitura de
literatura, a emergência do pensamento criativo em crianças dos anos iniciais
do ensino fundamental.) devem ter como eixo central a experiência com a
palavra; portanto, as orientações propostas devem aludir ao texto e aos modos
em que ele foi experimentado por cada leitor.
No contexto deste estudo, as situações de trocas verbais, de diálogos,
foram recorrentemente utilizadas, pois como destaca Cazden (1991), práticas
138

educativas se estabelecem por meio da comunicação entre professor/aluno,


aluno/aluno, uma vez que revelam modos de ensinar e aprender na dinâmica
escolar. Como modo privilegiado de conhecer o que pensam os educandos,
várias situações de promoção de diálogos foram suscitas, na intenção de ouvir
e comungar as vozes, na perspectiva de que as vozes dos sujeitos, professora
pesquisadora e crianças, se constituíssem em andaimes para a emergência do
pensamento criativo.
Privilegiar as práticas de diálogo requer atenção aos questionamentos
feitos. ―As perguntas que o professor faz (ou, em outras aulas, que as crianças
fazem) estimulam os participantes a serem claros e precisos, transformando
cada vez mais informações em palavras [...]‖ (CAZDEN, 2001, p. 25, tradução
nossa)12; despontando, nessa construção, o diálogo e as trocas entre os
sujeitos como forma de promover aprendizagem, através de andaimes
compartilhados nas aulas, que favorecem a organização e expressão do
pensamento.
Nesse sentido, no momento da pós-leitura, atenção especial é conferida
às perguntas feitas, pois se sabe que elas orientam o percurso da discussão e
a aprendizagem, devendo, portanto, atuar na zona de desenvolvimento
potencial (VIGOTSKI, 2007). Marcuschi (2001), em seus estudos sobre
compreensão textual, estabelece uma relação entre compreensão e
criatividade, sendo possível estabelecer pontos de encontro em ambas as
teorias, como: o destaque de que são atividades colaborativas, vinculadas à
convivência sociocultural de cada sujeito, tendo caráter cognitivo e subjetivo.
Do esforço do leitor no texto apreende-se a compreensão sobre a leitura,
sugerindo que esse ato tem também caráter criativo, pois são constituídos do
mesmo âmago. Então, como forma de proporcionar uma experiência
compreensiva e, logo, criativa, Marcuschi (2011) propõe um estudo sobre
perguntas, classificando-as da seguinte forma: ―cor do cavalo branco de
Napoleão, cópias, objetivas, inferenciais, globais, subjetivas, vale-tudo,
impossíveis e metalinguísticas‖ (MARCUSCHI, 2011, p. 101). Com efeito,
observa-se ser possível propor caminhos convergentes, direcionados e óbvios

12
Las preguntas que hace la maestra (o, en otras clases, que hacen los niños) estimulan a los
participantes a ser claros y precisos, convirtiendo cada vez más información en palavras.
139

ou trajetórias mobilizadoras do pensamento, fundadas na inferência e


subjetividade em uma forma mais enredada, validando o entendimento de que
as perguntas podem interferir nos modos de ler, compreender e criar, visto que
fazer perguntas constitui exercício de promoção da compreensão sobre o lido.
Nessa classificação estão as perguntas de caráter óbvio, aquelas que
retiram do texto frases, as de rápida identificação, aquelas em que toda
resposta é válida, as que estudam sobre a estrutura linguística e as
impossíveis que não fazem referência ao lido. Entretanto, entre essas se
destacam as inferenciais, as subjetivas e as globais, como sendo aquelas que
nortearam a elaboração das provocações das sessões de leitura. Como forma
de estruturar a discussão, o quadro abaixo apresenta algumas perguntas feitas
a classificação para os questionamentos propostos:

QUADRO 07: Classificação das perguntas de pós-leitura, segundo Marcuschi


(2011)

TIPO DE PERGUNTA EXPLICITAÇÃO DO TIPO

 Imaginem que a boneca Emília


soube dessa história. O que ela diria
para a princesa? E para o rei?
 Vocês consideram importante
conhecer a história original para
compreender a leitura de hoje, por
quê?
 Essa forma de escrever sobre
Inferenciais coisas comuns, mas usando uma
forma diferente de falar sobre elas é o
trabalho do escritor de literatura, que
cuida das palavras, escrevendo de
uma forma não óbvia sobre elas, mas
que provocam quem lê, provoca o
pensamento. Assim, quero convidar
vocês para um exercício de magia de
140

palavras, vamos pensar na palavra


INFÂNCIA. O que é infância? Mas,
como podemos falar sobre ela de uma
forma diferente?
 Agora, vocês receberão
palavras e, em grupo, deverão
encantá-las. Pensar numa forma de
falar sobre elas, mas tentando
provocar o pensamento do seu leitor
(FUTEBOL – BRINCADEIRA –
CACHORRO – PRAIA – LIVRO).
 Imaginem que vocês
encontraram: o espelho mágico, a
bota de sete léguas ou a lâmpada
mágica. Como vocês o utilizariam?
Quais usos fariam com ele? E se
esse objeto do mundo maravilhoso
pudesse ser combinado com o Tema
de Pesquisa da turma -
TECNOLOGIAS, o que poderia ser
feito ou criado? Lembrem-se, vocês
estão com algo poderoso que pode
fazer muita coisa no mundo real!
 Imaginem que um dia, lá pelas
matas e florestas, Sacinderela e
Cinderela se encontraram. Como
seria esse encontro e o que uma
falaria para a outra?

 Narizinho diz que as ideias de


Emília hão de serem sempre
novidades, porque ela pensa de um
modo especial. Que modo seria
Globais
esse?
141

 Vocês concordam com esse


título, por quê?
 Que outro título poderia ter
essa história?

 Como são as ideias de vocês:


como as de D. Benta e Tia Nastácia
ou como as de Emília?
 No texto, Narizinho é advertida
para ter cuidado com a vespa-fada
que quer o alfinete mágico. João Faz
de Conta fala assim: ―_ Não caia
Subjetivas nessa! Não conte! Você lá sabe se
ela merece? Com fadas é preciso
muita cautela, porque se algumas são
anjos de bondade, outras são más
como bruxas‖ (LOBATO, 2014c, p.
267).
- E sendo uma fada boa como
anjo, o que poderia acontecer de
ruim, se a vespa-fada pegasse o
alfinete mágico?
- E sendo ruim como bruxa, o que
poderia acontecer de bom se a
vespa-fada pegasse o alfinete?

Fonte: Produção da autora da pesquisa, 2021.

Esse quadro mostra uma pequena seleção de perguntas feitas durante


algumas sessões de leitura de literatura da pesquisa, que buscou manter a
experiência com a palavra literária no cerne da discussão pós-leitura. Tais
perguntas evidenciam ser possível mobilizar indícios da emergência do
pensamento criativo, por meio da mediação pedagógica de literatura, além de
assinalar modos de como propor diálogos que convoquem a participação dos
142

sujeitos, acrescentando, no processo, a necessidade de acolhida, de escuta e


de incentivo à participação.
Do exposto sobre a metodologia da andaimagem (scaffolding), observa-
se a sua convergência aos estudos sobre criatividade, pois quando a
criatividade propõe a abertura para a divergência, como maneira de valorizar e
compreender que é possível interagir e criar a partir da análise de perspectivas
diversas; a metodologia da andaimagem (scaffolding) insiste no levantamento
de hipóteses diversas, na pluralidade de vozes, na acolhida da experiência com
a literatura que suscita compreensões diversas, no exercício de perspectivar
sobre o que será lido como forma de se aproximar da leitura de textos. Quando
a criatividade favorece a curiosidade e motivação na liberdade de se expressar
livremente; a andaimagem tem, na organização dos conhecimentos prévios, a
manutenção da curiosidade e motivação para a leitura. Abertura para o diálogo
com fluência, flexibilidade, elaboração e originilidade na criatividade e,
questionamentos fundados nos mesmos termos, na metodologia da
andaimagem (scaffolding). Aprendizagem em comunidade e uso de andaimes
sob a forma de legados culturais ou intervenção propriamente dita no
desenvolvimento da criatividade e na metodologia da andaimagem (scaffolding)
e, por fim, a criatividade que usa o repertório para ruptura e criação e a
metodologia da andaimagem (scaffolding) com a formação e promoção de
repertório.
Esses pontos tangenciais entre a criatividade e a metodologia da
andaimagem (scaffolding) podem ser expressos sob a forma de quadro da
seguinte forma:

QUADRO 08: Interlocução: Criatividade e andaimagem

CRIATIVIDADE METODOLOGIA DA ANDAIMAGEM

Abertura para a divergência Acionamento de hipóteses, acolhida


de leituras e compreensão

Curiosidade e motivação: liberdade Curiosidade e motivação: organização


mental de conhecimento prévio

Abertura para o diálogo Questionamentos (argumentação,


143

(argumentação, fluência, flexibilidade, fluência, flexibilidade, elaboração e


elaboração e originalidade) originalidade)

Aprendizagem em comunidade A fala de um sujeito é estrutura


mental para que outro sujeito atinja
novos patamares de compreensão e
criação

Repertório para ruptura e criação Formação de repertório

Fonte: Produção da autora da pesquisa, 2021.

Relacionar metodologia da andaimagem (scaffolding) e criatividade é


perceber a consonância dos estudos apresentados por uma e outra teoria.
Significa compreender a possibilidade de uma formação criativa para as
crianças por meio da leitura e de situações intencionais de ensino, o que requer
clareza sobre métodos para a prática de leitura em sala de aula, a formação de
professores que se percebam como responsáveis por essa formação e que,
vejam na literatura o potencial educativo em aspectos humanos e formativos.
144

6 ENTRE LEITURAS E VOZES: A CRIAÇÃO DE SENTIDOS

Esta seção se origina do debruçar investigativo sobre as transcrições


das dez sessões de leitura de literatura, trazendo à luz as vozes do texto e dos
leitores, por meio do exercício de significação e de categorização semântica, a
fim de atender às pretensões desta tese, que traduz a intenção de investigar,
na mediação pedagógica da atividade de leitura de literatura, a emergência do
pensamento criativo em crianças dos anos iniciais do ensino fundamental.
Esse momento da atividade de pesquisa é importante, pois veste de
sentido teórico as falas e as ações dos sujeitos, validando como científico o
conhecimento aqui construído, pois sob as teorias da criatividade, da literatura
e da mediação pedagógica são problematizadas as vozes e as interações dos
leitores em torno da leitura de literatura empreendida.
Para tanto, a sistematização dos dados acontece segundo
categorizações, que são organizações significativas, ou seja, operações de
―classificação de elementos constitutivos de um conjunto, [...], com critérios
previamente definidos‖ (BARDIN, 1977, p. 117). A busca pela determinação
dos balizadores, no contexto deste estudo, perpassa as questões norteadoras,
o objeto e o objetivo desta pesquisa. Como pontos de convergência semântica,
após o tratamento dos dados, observa-se incidência sobre os seguintes eixos:
repertório literário e criatividade; literatura e pensamento divergente; criação e
literatura.
Na análise da categorização inicial, construindo um todo maior, porém
articulado, vê-se uma capilarização em subcategorias que aprofundam os eixos
estruturantes e ampliam o entendimento da ação realizada na pesquisa. Tais
subcategorias podem ser demonstradas no quadro abaixo.

QUADRO 09: Categorias e subcategorias da pesquisa

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS

Repertório literário e Criação na Intertextualidade e


criatividade intertextualidade resolução de conflito
145

Literatura e pensamento Produção de ideias Subversão de lógicas


divergente dominantes

Criação e literatura Criação e os vazios do Imaginação e literatura


texto literário

Fonte: Produção da autora da pesquisa, 2021.

Importante ressaltar que essa classificação é resultado de intensa


investigação e análise do corpus, constituído das falas dos sujeitos e da
pesquisadora em interação a partir da leitura de literatura em sala de aula, o
que ―implica constantes idas e vindas da teoria ao material de análise, do
material de análise à teoria‖ (FRANCO, 2005, p. 58), fortalecendo e
evidenciando, portanto, as construções teóricas apontadas e sinalizadas nas
vozes dos sujeitos.
Desse modo, os episódios de fala retratados nesta seção buscam
revelar os meandros de um ensino de literatura consoante à emergência do
desenvolvimento do pensamento criativo em suas diversas nuances. Assim,
em Repertório literário e criatividade, o foco está na criação fundamentada na
experiência literária dos leitores; no modo como o acionamento do repertório
leitor influencia a interação com a leitura e amplia as possibilidades de
compreensão, significação e criação de algo novo.
Já na categoria Literatura e pensamento divergente existe a busca pela
valorização da produção de ideias, a consideração de pontos de vista diversos,
a subversão de ideias dominantes e a discussão sobre possibilidades em uma
perspectiva de fomento do diálogo como expressão do pensamento e andaime
para construção coletiva de novas formas de pensar.
A categoria Criação e literatura evidencia as possibilidades de
significação e criação, a partir da literatura. Em seus vazios propositais, o texto
literário abre espaço para que o leitor crie compreensões possíveis para sua
leitura, imprimindo, nessa atividade, uma marca criativa. Outro dado revelado
por essa categoria é como a leitura de literatura fecunda a capacidade humana
de imaginar, renovando a percepção dos leitores sobre a realidade.
146

A partir do contorno fornecido pelo exercício de pesquisar e de


categorizar, retoma-se a construção teórica tecida neste estudo, a fim de
compor as análises e as inferências, fundamentais para a condução dos
resultados apresentados a seguir.

6.1 Repertório literário e criatividade

Teorias sobre criatividade que fundamentam este estudo afirmam que a


atividade criativa do sujeito é decorrente de suas experiências e construções
estabelecidas nos contextos social, cultural e histórico (MITJÁNS MARTÍNEZ,
1997, 2009, 2012; VIGOTSKI, 2014); nessa direção, é coerente pensar que o
leitor de literatura, no exercício de ler, aciona também seu repertório literário já
constituído e com ele estabelece diálogos, acresce reflexões e ideias à nova
leitura, criando, assim, possibilidades arejadas e novas ao que lê.
Seguindo esse raciocínio, observa-se nas sessões de leitura realizadas
nesta pesquisa, a busca dos leitores pelo próprio repertório literário, a fim de
comporem compreensões inéditas às leituras propostas pela pesquisadora. Em
paralelo à mobilização do acervo pessoal de histórias já lidas e conhecidas
pelos leitores, destaca-se a mediação pedagógica da prática de leitura de
literatura, estabelecendo proposições, questionamentos e diálogo na intenção
de verticalizar a experiência de leitura, favorecendo a emergência do
pensamento criativo.
Demonstrando o exposto, as crianças da pesquisa e a professora
pesquisadora elaboraram estratégias para o acercamento ao texto, revelando,
por meio da mediação, indícios de desenvolvimento do pensamento criativo, a
partir do repertório de leitura individual e coletivo. As subcategorias Criação na
intertextualidade e Intertextualidade e resolução de conflito exemplificam, a
seguir, os desdobramentos das análises da categoria em questão.
147

6.1.1 Criação na intertextualidade

A literatura, como produto cultural, insere-se em um contexto de


relacionamento com outras expressões e produções artísticas; inclusive, com si
mesma, em um diálogo que remonta à memória da própria literatura. Culler
(1999, p. 40) afirma que ―uma obra existe em meio a outros textos, através de
suas relações com eles. Ler algo como literatura é considerá-lo como um
evento linguístico que tem significado em relação a outros discursos [...]‖;
ressaltando, portanto, a rede de diálogo, na qual o texto literário estabelece
uma relação de intertextualidade com outras obras.
Em uma analogia, Samoyault (2008, p. 09) compreende a
intertextualidade na literatura como ―uma árvore com galhos numerosos, com
um rizoma mais do que com uma raiz única, onde as filiações se dispersam e
cujas evoluções são tanto horizontais quanto verticais‖, revelando que as
ramificações – as produções literárias – interagem, misturam-se, tornando-se
densas em diálogos e retomadas; possibilitando, dessa feita, a continuidade e
a renovação da própria literatura.
Na constituição de um texto literário que dialoga com outro, observa-se a
presença do leitor como um partícipe relevante na realização do diálogo
intertextual presente nas obras literárias, uma vez que a quem lê é solicitada a
tarefa de deslindar a memória e a retomada da literatura, tornando explícito o,
por vezes, implícito nos textos literários. No exercício de perceber e revelar a
construção em intertextualidade, o leitor aciona seu conhecimento de mundo,
seu repertório de leitura já constituído, qualificando a experiência literária, por
meio da criação de relações que permitem uma leitura renovada e arejada.
Dialogando com a análise da subcategoria, criação na intertextualidade,
a expressão da criatividade dos sujeitos da pesquisa pode ser percebida em
diversos momentos das sessões de leitura implementadas. Entretanto, para
fins didáticos, recortam-se, especialmente, episódios da quarta sessão, nos
quais é evidenciada, fortemente, a emergência do pensamento criativo em
decorrência do repertório literário dos leitores.
Na quarta sessão de leitura, a história apreciada foi A primeira só
(COLASANTI, 2003). A leitura foi feita em voz alta pela professora
148

pesquisadora; as crianças em roda, sentadas em suas carteiras escolares,


ouviam a leitura, cuja prosódia foi planejada e ensaiada, cuidadosamente, com
vistas à compreensão do texto.
Já na pré-leitura, momento em que também se levantam hipóteses sobre
o texto a ser lido, os ouvintes-leitores iniciaram o acionamento dos
conhecimentos prévios, na intenção de aproximarem-se do conto a ser lido. No
decurso, o episódio abaixo revela indícios de como o repertório pessoal de
leitura agregou informações relevantes para a interação com a história.

QUADRO 10: Episódio de pré-leitura de A primeira só, 4ª sessão

PP: Olá, pessoal! A história de hoje se chama A primeira só. A primeira só foi escrita por
Marina Colasanti. Ela mesma fez as ilustrações e essa história está nesse livro: Uma
ideia toda azul.
Ricardo: É, eu acho que eu já ouvi.
Pedro: É a mesma autora daquele outro livro que a gente leu antes também? ((Criança
se referindo à leitura de Entre leão e unicórnio.))
PP: É sim. Esse livro estava na nossa ciranda do ano passado. Não sei quem chegou a
ler... Acho que era de Maria Augusta.
Tomás: Eu queria ler...
Ricardo: Era de Isabela!
PP: A primeira só. O que vocês pensam que acontece numa história que tem esse
título?
Pedro: A primeira pessoa solitária do mundo.
Cristiano: Não, eu acho que é uma pessoa, é meio que o exemplo do que pessoa
solitária sofre.
Tomás: Peraí.
José: Como é o nome da história?
PP: A primeira só.
Ricardo: Eu posso falar?
PP: Sim!
Ricardo: Eu acho que é tipo uma princesa, aconteceu algum contratempo, o rei foi
149

embora e ela ficou só.


Marcel: Eu acho que ela fugiu.
PP: Então, você acha que tem princesa e rei, por quê?
Ricardo: É. ((+)) Não! É rainha e rei, por causa da escritora.
Tomás: É a história da primeira pessoa do mundo. Tem bastante gente no mundo, mas
ela foi a primeira no mundo.
PP: Entendi. Certo.
José: Eu tenho duas coisas: ou seria tipo a história da bíblia que tinha só Adão, aí
depois Deus criou tã, nã, nã... ou também pode ser que tava tendo alguma doença e
essa doença matou quase todo mundo, menos essa mulher.
PP: Então, vocês acham que tem uma mulher na história?
SFMT: Acho.
PP: Ok, vamos lá.
((A professora pesquisadora realiza a leitura em voz alta, com atenção à modulação da
voz.))

No fragmento acima, observa-se à primeira vista, que a maioria das


previsões elaboradas pelas crianças traz informações referenciais com base no
título que relaciona as palavras ―primeira‖ e ―só‖. Então, as ideias de solidão e
sofrimento são comumente apontadas pelos leitores, assim como as noções
religiosas que tratam da criação da humanidade, para a compreensão do
aspecto inaugural que a palavra ―primeira‖ enseja.
Tais falas recuperam o campo semântico que o título sugere,
favorecendo com que as crianças teçam suas percepções iniciais: uma pessoa
está só, em sofrimento, porque fugiu ou porque é uma sobrevivente solitária.
Assim, vê-se que as criações primeiras para o acercamento ao texto
decorreram do levantamento de isotopias, que consiste na identificação de
―continuidades semânticas que tornam o texto lido um conjunto coerente‖
(JOUVE, 2002, p. 73), ou seja, alguns leitores afinaram suas elaborações a
partir de um dado fornecido pelo próprio texto: o título.
Do ponto de vista da criatividade, as crianças lançaram mão da fluência
para a leitura isotópica, levantando várias possibilidades de compreensão para
150

atender à pergunta: ―O que vocês pensam que acontece numa história que tem
esse título?‖. Apesar das respostas caminharem em direção a um ponto,
aparentemente, convergente (sofrimento, solidão), a cada turno de fala
informações foram acrescidas. Pedro inaugura as respostas com cunho lógico:
―A primeira pessoa solitária do mundo‖; entretanto, Cristiano refuta e
aperfeiçoa, afirmando que a história se refere ao sofrimento experimentado por
uma pessoa solitária.
Das vozes de Pedro e Cristiano já é possível observar um salto
qualitativo na forma de se aproximar do texto a ser conhecido. A flexibilidade
passa a abrir um espaço em meio à fluência de ideias e, nesse ritmo,
explicações para a solidão anunciada começam a receber contorno; assim, os
leitores passam a justificar suas compreensões, como por exemplo: ―Ela fugiu‖,
no esclarecimento feito por Marcel, ou ainda a retomada de Tomás com a
hipótese de que o texto traz a história da primeira pessoa do mundo. E nesse
jogo de hipóteses, José, usando seu repertório de vida, recupera e potencializa
a ideia de Tomás, inferindo que o texto se assemelhará à narrativa bíblica.
As perspectivas imaginadas pelos leitores revelam o caráter subjetivo da
criatividade, caracterizada como ―processo de configuração e reconfiguração
da subjetividade que se expressa nas formas singulares e autônomas da ação
do sujeito nos contextos sociorrelacionais nos quais está inserido‖ (MITJÁNS,
MARTÍNEZ, 2009, p. 35), isto é, ao ler (e para ler), o leitor acessa tudo o que o
compõe: leituras, experiências, crenças, valores, contextos cultural, social,
educativo, etc.; ratificando que a leitura é atividade afim à criatividade, pois
também é campo da subjetividade.
Do exposto até o momento desse curto episódio de pré-leitura, é
possível observar o movimento do pensamento criativo sendo construído no
jogo de vozes do texto e dos leitores, no contínuo recuperar de falas e saberes
disponíveis, a fim de transformar um conjunto de informações em
conhecimento sobre o texto, até então, desconhecido.
Do diálogo destacado nas vozes das crianças, no qual há concordância,
discordância e acréscimos às falas, é possível ainda apontar a participação de
Pedro e Ricardo. Em atitude responsiva ativa, Pedro reage ao conhecimento
sobre a autoria do conto, revelando que já há um repertório sendo formado no
151

próprio curso da pesquisa, com o qual é possível interagir. Entretanto, Ricardo,


de forma verticalizada, desvela que o conhecimento sobre a autora da história
proporciona maior acuidade na elaboração de hipóteses. Dessa feita,
distanciando-se da lógica empreendida pela maior parte dos outros leitores,
Ricardo sugere que a história tratará sobre personagens de realeza. E, de
modo reativo ao seu próprio pensamento, que transita da flexibilidade para a
elaboração, arremata que a história não é de princesa e rei, mas de rainha e
rei, em decorrência da autoria da obra.
O repertório de leitura das obras de Marina Colasanti foi substancial à
criação de compreensões possíveis para a leitura, uma vez que permitiu a
recuperação, na memória, de informações relevantes à invenção de
possibilidades. Sublinha-se, nessa direção, que a aproximação do texto é um
exercício de criatividade, pois envolve as atividades de combinar e criar que,
como assevera Vigotski (2014), alicerçam o pensar criativamente.
Apesar de a subcategoria aludir à intertextualidade e criação, as
evidências sobre como o repertório é necessário para a atividade criativa foram
importantes, pois também reforçam o valor e importância do diálogo com o
conhecimento que cada sujeito carrega para o alcance de patamares mais
complexos de compreensão.
No prosseguimento dessa subcategoria, dando ênfase à criação por
meio da intertextualidade, o momento de pós-leitura do conto A primeira só
(COLASANTI, 2003) revelou riqueza de leituras intertextuais. Após a leitura da
história e no adiantado da discussão, a professora pesquisadora chama a
atenção das crianças para um detalhe da narrativa. A passagem a que a
mediadora faz alusão é destacada no excerto a seguir:

O rei, encantado com tanta alegria, mandou fazer brinquedos


novos, que entregou à filha numa cesta. Bichos, bonecas,
casinhas, e uma bola de ouro. A bola no fundo da cesta. Porém
tão brilhante, que foi o primeiro brinquedo que escolheram
(COLASANTI, 2003, p 48).

Assim, a partir do conteúdo da cesta de brinquedos que a filha do rei


ganhou, o seguinte diálogo é desenvolvido entre os leitores:
152

QUADRO 11: Episódio de pós-leitura de A primeira só, 4ª sessão

PP: Na cesta da menina, tinha bonecas e uma bola de:::


SFMT: De ouro.
PP: Vocês já ouviram alguma história que aparece essa bola?
Tomás: Não.
Zoe: Eu já!
Sâmia: A princesa e o sapo.
Zoe: A menina tá brincando com a bola de ouro e a bola cai no poço. Aí, o
sapo vai lá e pega.
José: Tem a história do bichobol.
PP: Como? Bichobol? É isso?
José: É bichobol. Na história do bichobol tem um animal que era dourado e
ele virava uma bola, acho que era um tatu.
PP: Não conheço, vou anotar.
PP: Zoe sabe de uma história que tem uma bola de ouro como essa história. É
a história do Rei sapo. Nessa história, tem uma princesa brincando com uma
bola de ouro perto de uma fonte de água, jogando a bola pra cima, até que
essa bola cai onde?
SFMT: No lago.
Tomás: Aí, aparece o sapo.
PP: Dizendo que pega a bola pra ela, se ela...
Tomás: Beijasse ele.
Renato: Só que ela não sabia que ele era um príncipe.
PP: Isso, ela não sabia.
Renato: Então, ela ficou com nojo.
Ricardo: Mas, sapo é feio. Eu vi uma versão que a princesa prometeu que ia
beijar o sapo, se ele pegasse a bola. Aí, quando ele trouxe a bola, ela foi pro
reino. No outro dia, o sapo bateu na porta do reino e quem atendeu foi o rei,
aí, disse, o sapo disse: sua filha prometeu tã, nã, nã. Aí, o rei chamou a filha e
153

disse: isso é verdade? Aí, o sapo passou um dia inteiro, jantou com a família
real, ficou deitado no quarto da filha, até que eles ficaram amigos, o sapo e a
princesa. E ela beijou ele.
PP: Isso, Ricardo, existe essa versão também. Será que a princesa desse
conto aí, que vocês estão falando, tem a ver com a princesa da história que
lemos hoje?

Nas falas acima, nota-se a professora pesquisadora levantando a


possibilidade da leitura intertextual, a partir de um índice presente na narrativa:
a bola de ouro. A provocação favoreceu a retomada do repertório que alguns
leitores demonstraram possuir e com o qual iniciaram o processo de interação
com a memória da literatura.
É importante destacar que, mesmo os leitores detendo o conhecimento
sobre uma história com a presença de uma bola dourada, o andaime para a
recuperação dessa informação foi instalado pela mediadora, ao perceber que,
sozinhas, as crianças não retomariam tal dado, considerando o tempo em que
a discussão estava em curso. Nesse momento, a mediação ganha relevo, uma
vez que a atenção para essa passagem da narrativa possibilitou novo ânimo à
discussão, convocando outro olhar sobre a leitura, em perspectiva intertextual.
Dessa forma, os leitores conseguiram visitar o repertório pessoal sobre
―bolas douradas‖, revelando seus acessos a produções culturais diversas –
filmes, livros –, com as quais passaram a trabalhar. Harris e Bruin (2018), ao
tratarem sobre a presença da andaimagem para o desenvolvimento da
criatividade em sala de aula, destacam os andaimes dialógicos, que
compreendem perguntas, comentários, assertivas ou realces capazes de
mobilizar o pensamento a ponto de evidenciar, para o professor, o nível de
conhecimento de seus alunos. E, observando o episódio em destaque, no qual
a mediadora retoma e acentua um excerto do conto, percebe-se, claramente, a
implantação de um andaime facilitador da aproximação entre a narrativa de
Colasanti (2003) e outras histórias, alargando as possibilidades de criação dos
leitores.
Interessante notar que, além da professora pesquisadora, as próprias
crianças se constituíram mediadoras da construção da leitura intertextual;
154

exemplo é o início da fala de Zoe, quando afirma conhecer outra história com
uma bola dourada, descrevendo passagem do conto O rei sapo, dos Irmãos
Grimm (GRIMM; GRIMM, 2006). O esclarecimento de Zoe foi preponderante
para a retomada das leituras prévias de algumas crianças, como Tomás que, a
princípio assegura não conhecer outra história com a presença de uma bola
dourada, mas após os enunciados de Zoe, participa, ativamente, da
rememoração coletiva do conto dos Irmãos Grimm, evidenciando conhecer a
narrativa.
A disposição desses andaimes, estruturas mentais que sustentam a
progressão no conhecimento, foi de suma importância para o alcance da
intertextualidade, uma vez que apoiou a estruturação dos saberes dos leitores
sobre a narrativa. Na perspectiva sinalizada, o fragmento destacado finaliza
com uma provocação da professora pesquisadora, sugerindo a reflexão acerca
de possíveis similaridades entre as princesas dos dois contos, por meio do
seguinte andaime dialógico: ―Será que a princesa desse conto aí, que vocês
estão falando, tem a ver com a princesa da história que lemos hoje?‖.

Andaimes dialógicos para a criatividade podem se estender em


perguntar aos alunos suas opiniões e interpretações – um
envolvimento pedagógico cognitivamente mais avançado que
informa o professor formativamente sobre o nível e o estado
das informações conhecidas, e como o professor pode desafiar
a "borda" do conhecimento e da compreensão (HARRIS;
BRUIN, 2018, p. 05, tradução nossa) 13.

A proposta de diálogo iniciada pela professora pesquisadora favorece


uma ação no limiar do conhecimento dos leitores, propondo a elaboração
criativa de um pensamento sobre personagens de narrativas distintas. Com
efeito, as respostas dos aprendizes revelaram adesão à provocação e a
construção de um exercício criativo de compreensão.

13
Dialogic scaffolding for creativity can extend to asking students their opinions and
interpretations – a cognitively more advanced pedagogical engagement that informs the teacher
formatively of level and state of known information, and how the teacher might go about
challenging the ―edge‖ of knowledge and understanding.
155

QUADRO 12: Episódio de pós-leitura de A primeira só, 4ª sessão

PP: Isso, Ricardo, existe essa versão também. Será que a princesa desse
conto aí, que vocês estão falando, tem a ver com a princesa da história que
lemos hoje?
Eli: Acho que não.
Ricardo: Eu acho que pode ser.
Eli: Não, porque no Rei sapo só fala da princesa, do rei e do sapo. Não fala
tipo: a rainha. Não fala: o príncipe.
Ricardo: Mas aí, mas aí, naquele livro da princesa e do sapo, no final, o sapo
vira príncipe. E a princesa e o príncipe sapo vão embora, aí, poderia ser a
mesma pessoa, porque ela estaria com marido, então poderia ser a mesma
bola e o mesmo rei.
[...]
Eli: Na história do Rei sapo não diz que a princesa tá jogando com os amigos,
não diz nada. Diz só que a princesa tá jogando e nessa história agora, ela não
tem amigo.
PP: Então, mas você acha que não tem a ver.
Eli: Tem tudo a ver: a princesa, o rei e a bola!
[...]
Zoe: Eu acho que tem a ver uma história com a outra, porque tem coisas em
comum. Eles já falaram.
José: A minha hipótese seria que: quando a princesa casou com o sapo, eles
não tiveram outro filho, só tiveram ela. E no reino, como não tinha criança, ela
não podia brincar. E aquela bola de ouro, ele deu pra filha, por causa que a
mãe ia jogar bola no lago. Aí, não tinha o lago? Era o mesmo lago das duas
histórias, só que aí seria um tempo depois.

No convocar de uma leitura intertextual, as crianças mobilizaram o


pensamento, em um primeiro momento, para refletir sobre as aproximações e
distanciamentos entre as histórias. E, em processo contínuo, os próprios
aprendizes passam a inserir andaimes, a fim de sustentar a progressão do
raciocínio; dessa maneira, entre o ―Acho que não‖ ao ―Tem tudo a ver [...]‖
156

expressados por Eli, percebe-se o desenho de seu pensamento que, mesmo


tornando à justificativa de negativa de aproximações, é capaz de revisar os
argumentos compartilhados na discussão pós-leitura e legitimar a
compreensão de uma leitura em intertextualidade.
Na relação entre intertextualidade e criatividade, tem-se a renovação das
ideias dos leitores, que podem perceber compreensões diversas do lugar
comum, avançando em percepções inéditas sobre o que lê, exercendo o
pensamento criativo na travessia do conhecido para desdobramentos não
convencionais.
Nessa direção, a perspectiva em intertexto verticalizou a leitura dos
aprendizes e possibilitou o pensamento em outras direções, exemplo disso é a
fala de José que, ao término do episódio, impregnada da construção de
sentidos tecida durante a sessão de leitura, aponta uma possibilidade
personalizada, baseada em conhecimentos prévios e que avança em
profundidade na interação com a literatura.

O leitor é solicitado pelo intertexto em quatro planos: sua


memória, sua cultura, sua inventividade interpretativa e seu
espírito lúdico são frequentemente convocados juntos para que
ele possa satisfazer à leitura dispersa, recomendada pelos
escritos que superpõem vários estratos de textos, e, portanto,
vários níveis de leitura (SAMOYAULT, 2008, p. 91).

Logo, ler literatura se configura como atividade complexa, a qual requer


de seus leitores a reativação de sentidos com a atribuição de carga semântica
a índices (a bola de ouro, no caso desse episódio) que remontam a memória
da literatura, possibilitando o aprofundamento na leitura e a criação de nova
compreensão sobre o narrado.
A partir do exposto, destaca-se a mediação pedagógica na andaimagem
da leitura de literatura para a mobilização da criatividade, a partir do texto
literário; pois sabendo que a literatura é linguagem carregada de simbologias, o
professor deve mediar a relação dos alunos com a literatura, na intenção de
promover um ensino de literatura fomentador do pensamento criativo, por meio
de práticas de leitura que valorizem o repertório leitor e enriqueçam, na
discussão coletiva, a leitura realizada.
157

Retomando os episódios destacados nos quadros dessa seção, vê-se


como a literatura é terreno fecundo para a emergência da criatividade, dado
que o trabalho com a palavra, com a linguagem em função estética, contribui
para a desautomatização do olhar, quando o leitor ultrapassa o aparente das
palavras e experimenta significados e relações aprofundadas que elas podem
estabelecer dentro do texto e com outros textos; todavia, nesse processo de
interação com a literatura, como observado nos episódios citados, é oportuna a
figura do mediador para construir modos de acercamento ao texto, para
favorecer a articulação das vozes e para garantir que os ouvintes-leitores
sejam autores das construções feitas na aula de literatura, redimensionando a
forma de interagir com a palavra e possibilitando o desenvolvimento do
pensamento criativo. Nesse sentido, o andaime dialógico é procedimento
bastante fecundo.

6.1.2 Intertextualidade e resolução de conflito

Essa subcategoria evidencia como o repertório literário dos leitores foi


preponderante para o pensamento de possibilidades na resolução de conflito
proposto pela professora pesquisadora. Os estudos afirmam que a criatividade
pode ser provocada na sensibilização a problemas, tanto em resolvê-los, como
em provocá-los (FLEITH, 2016; GETZELS, CSIKSZENTMIHALYI, 2009;
TORRE, 2008), no intuito de por em movimento aspectos do pensamento
criativo, como a fluência, a flexibilidade e a elaboração, por exemplo.
Para tanto, alguns recortes da quinta sessão de leitura de literatura
foram selecionados, por conterem, mais consistentemente, elaboração de
resolução de conflitos atravessada pelo viés do repertório leitor dos sujeitos da
pesquisa. Na quinta sessão houve a leitura de Sacinderela (TORERO, 2018),
história presente no livro Contos de Sacisas, de José Roberto Torero (2018),
com ilustrações de Psonha. As crianças estavam dispostas em círculo,
sentadas em suas carteiras escolares. A leitura foi realizada em voz alta pela
professora pesquisadora e o livro foi disponibilizado por meio de projetor de
imagens. Durante a pré-leitura, a imagem da capa não foi partilhada
158

imediatamente, já que a visualização da ilustração revelaria o diálogo com


outras histórias, dado que não seria conveniente para as perguntas planejadas.

FIGURA 1: Contos de Sacisas (José Roberto Torero, 2018)

Sacinderela é um conto que estabelece uma paródia com Cinderela, dos


Irmãos Grimm (GRIMM; GRIMM, 2006). A paródia, segundo Sant‘anna (2003,
p. 28), ―é o discurso em progresso. [...] É um efeito em deslocamento.‖ Ou seja,
é a quebra da norma, das expectativas. O caráter contextual da recepção é
atravessado pela semelhança, mas também pelo divergente, solicitando
memória e repertório ao leitor.
No deslocar da leitura proposta pela paródia, existe a oportunidade para
a transgressão, para o rompimento com o conhecido e a apreciação de outros
modos de perceber a narrativa; então, o leitor é constantemente requerido na
atividade de ressignificar a leitura, a partir de outro ponto de vista. Nesse
exercício, a criatividade se implica, pois envolve considerar o novo, com
atenção ao já conhecido.
Ao evocar a biblioteca particular de cada leitor, ―‗a receptividade
paródica‘ [...] depende tanto de signos liberados pelo texto (inversões,
referências precisas, marcas tipográficas) quanto da memória ou da cultura do
159

leitor‖ (SAMOYAULT, 2008, p. 94, grifo no original); aplicando-se, portanto, um


jogo, no qual o leitor é convidado a participar ativamente.
Para a interação texto x leitor, a quinta sessão de leitura de literatura, já
na pré-leitura, convoca para a sensibilização necessária a uma leitura em
intertexto, evocando os saberes construídos e introduzindo um pensamento de
possibilidades para a narrativa, como se observa no quadro abaixo:

QUADRO 13: Episódio de pré-leitura de Contos de Sacisas, 5ª sessão

PP: Olha só, a história de hoje se chama assim: Contos de Sacisas!


Marcel: O que é Sacisa?
PP: O que é Sacisa?
Marcel: Tem um sal e um cisa.
PP: E o que forma isso?
José: Não sei... Saci Pererê?
SNI: risos.
PP: Por que você acha que tem relação com Saci Pererê?
Stela: por causa do nome? É parecido.
PP: Deixe mostrar a capa pra vocês.
((Nesse momento, a capa do livro é apresentada no projetor de imagens.))
José: A::::h. Várias sacis meninas!
PP: Isso, saci menina: sacisa!
Ricardo: Quem é o autor?
PP: José Torero.
Ricardo: Ai, ai, eu conheço esse menino. Eu sei as histórias que ele faz. É
tipo: se você quer saber tã, nã, nã, tã, nã, nã, vá pra página tal. ((Criança faz
gesto com as mãos indicando passagem das folhas do livro.))
Marcel: Essa daqui é daquele... Rapunzel! Tem a Rapunzel!
[...]
PP: Marcel disse assim: que essa daqui parece a Rapunzel. ((Professora
pesquisadora aponta na projeção.))
160

Marcel: Tem os cabelos do tamanho do mundo!


PP: Por causa dos cabelos grandes... Vocês fazem relação com outras
histórias? Vocês conhecem algum conto de fada?
Pedro: Conheço!
Tomás: Não... na verdade, eu conheço.
SNI: Eu conheço.
PP: Será que os contos de fadas têm a ver com essa história: Contos de
Sacisas?
Tomás: Não. É sobre o folclore!
PP: Por que você acha que é sobre o folclore?
Tomás: Ou algo parecido com isso, porque tem saci.
PP: Mais alguém quer falar? ... Dentro desse livro aqui tem várias histórias. Eu
vou ler para vocês o sumário dele. Tem a história A bela sacisa adormecida,
Branca de algodão e os sete sacis.
Sofia: Ah, é conto de fada com saci!
PP: Pererenzel e Sacinderela. A que vamos ler hoje é Sacinderela. Isso, Sofia,
contos de fadas com saci.
Ricardo: É sério? É Cinderela com saci?
PP: E como será uma Cinderela com saci?
Ricardo: Eu não sei como é que ela vai varrer a casa!
PP: Por quê?
Ricardo: Como ela vai varrer com uma perna só? ((Criança fica num pé só.))
PP: Será que ela também vai varrer a casa nessa história? E se comportar
como a Cinderela?
Stela: Acho que vai.
Ricardo: Vai, mas vai ter mais dificuldade por causa da perna.
PP: Mais alguém quer falar alguma coisa?... Então, vou iniciar a leitura.
Sacinderela, de José Torero, com ilustrações de Psonha.
161

A trajetória pensada para essa sessão de pré-leitura intencionou


construir uma rede de sentidos com base no título do livro, com vistas à
sensibilização para o trabalho intertextual apresentado na obra. Os leitores ao
acionarem seu repertório de leitura, teceram aproximações, como demonstrado
nas falas de José e Stela que, por já terem conhecimento sobre o personagem
Saci, estabeleceram as primeiras previsões para a leitura. A ilustração da capa
do livro reforçou a compreensão dessas crianças e permitiu a elaboração de
hipóteses mais enriquecidas, propondo, de fato, o jogo da leitura intertextual.
Como a palavra ―sacisa‖ é um neologismo criado pelo autor para
estabelecer, já no título de sua obra, uma interlocução com as personagens
femininas dos contos de fadas, há o estranhamento dos leitores perante o
termo; entretanto, a leitura de imagens intermedia a construção do sentido para
o vocábulo, pois fornece índices, nos quais os leitores podem se ancorar. O
apontamento de Marcel sobre uma personagem conhecida de cabelos
compridos é exemplo de como a ilustração favoreceu a aproximação das
crianças à intenção do texto.
Na aula de leitura de literatura é necessário compreender a importância
da ação do mediador que, em atitude deliberada, estima o trajeto que seus
leitores percorrem, em outras palavras, no caso dessa sessão de leitura, houve
a necessidade de verificar os conhecimentos prévios dos alunos sobre contos
de fadas, estabelecer relações com a imagem da capa do livro e, em seguida,
partir para a leitura do sumário do livro. Procedimentos que revelam a
interposição de andaimes, facilitadores da percepção sobre a intertextualidade
e o entendimento, para os leitores, de que eles estão diante de um texto que
requer atenção, memória e repertório em sua leitura.
Esse acercamento ao texto é decorrente da ideia apresentada por Torre
(2008) sobre educar a inventividade, envolvendo os educandos em
problematizações capazes de instigar o pensamento de modo
desautomatizado. A experiência da problematização inclui desvelar os sentidos
que o texto literário, de forma latente, provoca em seu leitor e que são
suscitados pelo mediador. No movimento de responder e de pensar sobre as
problematizações está o exercício do pensamento criativo, por meio do
162

estabelecimento de relações incomuns, pela sensibilização a problemas e


educação da inventividade.
É nessa direção que a pré-leitura continua, mediando elos, acrescendo
perguntas na intenção de mobilizar o pensamento para a leitura e pós-leitura,
respectivamente, uma vez que para as questões: ―Será que os contos de fadas
têm a ver com essa história: Contos de Sacisas?‖, ―E como será uma Cinderela
com Saci?‖ ―Será que ela também vai varrer a casa nessa história?‖, ―E se
comportar como a Cinderela?‖, as respostas dos aprendizes permaneceram no
nível mais aparente e imediato da palavra e do repertório deles sobre saci.
Indicando que, apesar de os leitores conhecerem personagens femininas de
contos de fadas e o personagem saci do folclore, o estabelecimento de relação
aprofundada entre esses dois universos demonstrou ser incipiente.
Nesse sentido, a pós-leitura se tornou momento oportuno para
sistematizar e observar a relação entre essas duas personagens com
acuidade; para tanto, questionamentos sobre o vínculo entre as narrativas
foram pontos importantes para o norteamento da discussão. O quadro seguinte
evidencia essa passagem:

QUADRO 14: Episódio de pós-leitura de Contos de Sacisas, 5ª sessão

PP: Será que alguém que não conhece a história da Cinderela vai entender
essa história de hoje?
SFMT: Nã:::o
PP: Por que não?
Melissa: Eu acho que ia tentar fazer ligação, mas não ia entender.
Ricardo: Eu acho que sim, porque é [ ].
Melissa: Mas Ricardo, antes dela contar a história, só de ouvir falar
Sacinderela, você sabia que era a história da Cinderela?
Ricardo: Sabia!
Cristiano: Sabia, porque tem Cinderela!
Branca: Eu acho que não, porque você falou o nome e eu não entendi muito,
mas depois eu me toquei que era a história de Cinderela.
163

Ricardo: Sério?
Branca: Se eu não conhecesse a história de Cinderela, eu não ia saber, tipo
assim, eu ia achar que ela ia ser uma empregada, ia perder o gorro.
Sofia: Eu não ia entender o contexto dessa história, se não conhecesse a
Cinderela, não ia fazer ligações.
PP: Ia perder algumas ligações? Quais ligações?
Sofia: Eu não ia relacionar com nada.
Pedro: Se eu não conhecesse e aparecesse uma fada madrinha, eu ia ficar
sem entender. Que história é essa de fada madrinha? Mas, como eu conheço,
tudo bem.

Segundo Smith (2003), e como bem expressaram as crianças no


episódio acima, ler é estabelecer relações, é organizar vínculos com o
conhecimento de mundo e convocá-lo no ato de ler. Tal fato é evidente nas
vozes dos leitores que potenciam a importância do conhecimento prévio para
interagir com a história de Sacinderela, como Sofia que cita o contexto para o
estabelecimento de relações significativas e Pedro assegurando que sentiria
perplexidade na leitura, caso não conhecesse a história da Cinderela.

O que está em jogo, acima de tudo, é o que se chama ―teoria


do mundo‖ que todos temos em nossas cabeças [...]. Quando
lemos, agitamos esta teoria e a mudamos, na medida em que
inserimos a habilidade de compreender e reconstruir (DEMO,
2006, p. 68).

A dinâmica da interação com os saberes constituídos permite a


progressão na leitura e o acréscimo de informações e conhecimentos com os
quais é possível criar. A ação de pensar sobre uma obra em relação à outra
fornece aos leitores pistas sobre que tipo de atenção está envolvida na leitura
de literatura e isso significa subjetividade, percepção, sensibilidade, cultura e
conhecimento envolvidos no ato de ler e, por conseguinte, de criar: sentidos,
possibilidades, estratégias, etc.
Mediar a construção de sentidos para a criatividade é investir, junto aos
leitores, na força da inventividade e da novidade, abrindo espaço para o
164

protagonismo dos educandos, a partir da possibilidade de experimentar o novo,


o divergente e o surpreendente oferecidos pela literatura. Com esse intuito,
investir na compreensão sobre as personagens Cinderela e Sacinderela, foi
fator determinante para, em seguida, propor uma situação em que as duas
personagens se encontrassem. As falas abaixo explicitam o exposto nas
criações e vozes das crianças:

QUADRO 15: Episódio de pós-leitura de Contos de Sacisas, 5ª sessão

PP: E sobre o jeito de ser de Sacinderela, em que ela e Cinderela são


diferentes?
Lion: A diferença é que Sacinderela queria se divertir e a Cinderela quer o
príncipe, din-din pra todo lado. ((Criança faz gesto com os dedos que
simboliza dinheiro.))
Guido: Cinderela é modo ostentação.
Ricardo: Eu também acho que a Sacinderela só aceitou trabalhar para pegar
a carapuça, mas a Cinderela, ela não teve escolha, porque era a madrasta, ela
não tinha pra onde ir.
Branca: Eu me identifiquei com a Sacinderela, porque eu sou independente e
sei fazer as coisas.
PP: E a Cinderela, é como?
Tomás: Doce e macia. Eu sou como a Cinderela, eu sou um cara Nutella:
doce e macio.
PP: Por que a Cinderela é assim pra você?
Tomás: Porque ela é meiga e boa.
PP: Agora, que já pensamos um pouco sobre Cinderela, Sacinderela, o jeito
de ser delas, pensamos sobre as histórias, que precisamos conhecer uma
para entender melhor a outra... Eu queria propor a vocês a seguinte situação:
Imaginem que um dia, lá pelas matas e florestas, Sacinderela e Cinderela se
encontraram. Como seria esse encontro e o que uma falaria pra outra? Mas
antes, vamos dividir a turma ao meio e cada grupo vai fazer o seu encontro
inusitado e apresentar a proposta aqui, tá bom?
165

((Nesse momento, muito barulho, pois as crianças estão se aproximando


umas das outras e movendo as carteiras.))
[...]
PP: Terminaram? Vamos lá... Quem vai ler agora? Pode ser Sofia, Melissa,
José, Stella, Pedro, Marcel, Ricardo, Lion e Cristiano? Quem vai ler?
Cristiano: Eu e Melissa. Eu vou ler a Cinderela e ela vai ler a Sacinderela.
PP: Ok, podem ler.
Cristiano: Oi.
Melissa: Oi.
Cristiano: Qual o seu nome?
Melissa: Sacinderela.
Cristiano: Que coincidência, o meu nome é parecido.
Melissa: E qual o seu nome?
Cristiano: Cinderela. Você é uma copiona, sem o Saci, o nome é o meu.
Aliás, minha filha, na sua história, você tá me copiando.
Melissa: É mentira, minha história é muito diferente. Você gosta de dinheiro e
eu de me divertir.
Cristiano: Eu vou chamar a polícia!
Melissa: E eu vou embora num tornado. Tchau, bebê!
Cristiano: Pronto!
PP: A-do-rei! Adorei mesmo. Gostei! Vocês gostaram?
((Barulho incompreensível, as crianças ficaram agitadas após a leitura.))
PP: Vamos lá, vamos lá, agora é a vez de: Zoe, Guido, Sâmia, Otto, Tomás,
Ane, Branca, Lia, Eli e Renato. Quem vai ler?
Sâmia: Prof., a gente não vai ler.
PP: Ai, não? Mas então, me diga como vai ser. ((Crianças do grupo se
levantam e se encaminham para o meio da roda, a fim de encenar o diálogo
proposto.))
Zoe: Eu vou ser a Cinderela, Sâmia vai ser a Sacinderela, Guido é um
passarinho e Otto também.
166

Zoe: Oi, quem é você?


Sâmia: Oi, eu sou a Sacinderela. E você, quem é?
Zoe: Eu sou a Cinderela. Como vai?
Samire: Eu vou bem. E você?
Zoe: Estou ótima.
Sâmia: Te chamavam mesmo de gata borralheira?
Zoe: Sim, mas eu não gostava, era muito chato. Não gostava desse apelido,
mas aguentei.
Sâmia: O que você gosta de fazer?
Zoe: Eu gosto de dançar em bailes da realeza.
Sâmia: E eu gosto de pular igual a uma doida.
Zoe: Que engraçado. ((Risos.)) Vamos ser amigas?
Sâmia: Vamos! Eu tive uma ideia: vamos dar uma festa?
Zoe: Um baile.
Sâmia: No palácio.
Zoe: Vamos organizar!
Sâmia: Bora!
((Crianças saem de cena.))

O episódio acima repercute todo o trabalho com a mediação pedagógica


de literatura na quinta sessão de leitura, demonstrando como a andaimagem é
procedimento assertivo para a interação com o texto literário em profundidade.
Pensar sobre a personalidade das personagens foi importante à criação de um
lastro, no qual os leitores se alicerçaram para, em seguida, atentar sobre uma
situação-problema, na perspectiva da intertextualidade.
A fala de Sofia, ainda no quadro 14, sobre a necessidade de conhecer o
contexto para a compreensão ressoa nas produções das crianças, posto que a
resposta dos aprendizes à solicitação de um possível encontro entre Cinderela
e Sacinderela está permeada dos modos como os leitores entendem essas
personagens; considerando também que a paródia é ―uma disputa aberta do
sentido, uma luta, um choque de interpretação‖ (SANT‘ANNA, 2003, p. 30), os
167

diálogos propostos pelas crianças apresentam semelhante direção, sobretudo,


quando a irreverência e o inesperado ganham destaque nas criações.
A primeira situação apresentada pelos sujeitos traz uma Cinderela
chateada com a proximidade entre as narrativas e uma Sacinderela que usa
seus poderes para escapar da polícia. Conhecer as obras de referência
forneceu subsídios para a criação dos leitores, que, atravessados pela
linguagem, orientaram seus saberes e imaginação criando um produto novo,
como resposta à problematização dada pela professora pesquisadora;
elucidando, sobretudo, o valor da mediação pedagógica na proposição de
práticas de leituras de literatura consoantes à criatividade.
Já no segundo grupo, além do exposto, observa-se o ultrapassar do
planejado para o momento. A decisão de representar o diálogo entre Cinderela
e Sacinderela revela o potencial da literatura em convocar o corpo, o
pensamento e a ação. A mediação pedagógica durante a sessão de leitura
propiciou que os leitores colocassem todos os sentidos para expressar sua
ideia a respeito de um encontro entre as personagens, pondo em movimento o
exercício da imaginação criativa e da materialização dessa imaginação como
elementos importantes ao desenvolvimento do pensamento criativo
(VIGOTSKI, 2014).
A nota a seguir, extraída do diário de campo, revela o vivenciado no dia
em que essa atividade aconteceu:

O grupo de Zoe, Guido, Sâmia, Otto, Tomás, Ane, Branca, Lia,


Eli e Renato, por livre desejo, levantou-se e encenou um
encontro entre Sacinderela e Cinderela. Enquanto Sâmia e Zoe
pronunciavam em voz alta, no meio da roda, suas respectivas
falas para Sacinderela e Cinderela, Otto e Guido assobiavam
imitando passarinhos, já que na proposta, o comando da
professora pesquisadora informava que o encontro das
personagens acontecia numa floresta (Nota do diário de campo
da pesquisadora, 26/08/2019).

Diante da trajetória de sentido e de criação percorrida pelos leitores, a


proposição que nomeia essa subcategoria ganha relevo, pois o alcance da
compreensão da leitura em intertexto, a partir da mediação, foi indispensável
para a atividade criativa dos sujeitos. A mediação pedagógica como ação
168

orientada e intencional, por meio da utilização de andaimes, se destacou


sobremaneira, uma vez que oportunizou caminhos para a construção de uma
educação inventiva e criativa, que aposta na abertura ao novo, na significação
e na partilha de vozes para a criação de novas realidades.

6.2 Literatura e pensamento divergente

A literatura, como compreendida no contexto deste estudo, é concebida


como arte, com especificidades que a identificam e que permitem a atuação do
leitor durante o ato de ler. Eco (2011), Culler (1999), Sartre (2004) salientam
que na literatura a palavra é utilizada em modos diferenciados, os quais
chamam atenção para a estrutura da linguagem, para a presença de recursos
linguísticos e expressivos que a tornam diferente da palavra cotidiana, utilitária.
Nessa lógica, a palavra, na literatura, requer do seu leitor tratamento
diferenciado e consciência de que está diante de um texto construído de forma
particular, ou seja, ―a linguagem literária, apropriadora e transformadora das
situações sociais, fala ao sentimento e reclama reflexão‖ (ZILBERMAN; SILVA,
2008, p. 32) do leitor, pois é um texto onde o que se diz é tão importante
quanto o como se diz.
No emprego das palavras de forma não usual, a literatura inaugura
maneiras de percepção sobre a realidade por meio da palavra; nesse ato
inaugural, os leitores se implicam com sua criatividade para interagir com esses
textos. Em ato criativo, os leitores significam, compreendem, divergem e
arejam, sobretudo, o olhar sobre o mundo, já que são afetados pela leitura, na
medida em que também afetam o texto com sua subjetividade.
Em face do exposto, a categoria Literatura e pensamento divergente
parte do princípio de que a literatura é espaço de valorização do plural e do
divergente, sendo, por decorrência, campo para a criatividade, já que provoca,
interpela, agrega e impulsiona a experimentação. Nessa perspectiva, os
sujeitos da pesquisa empreenderam o movimento de pensar criativamente,
assistidos pela mediação pedagógica, sinalizando, em suas falas, aspectos
relevantes do pensamento divergente na produção e inversão de ideias
dominantes. Assim, as subcategorias Produção de ideias e Subversão de
169

lógicas dominantes desdobram, nas análises a seguir, como os leitores


acionam o pensamento divergente na leitura de literatura.

6.2.1 Produção de ideias

O pensamento divergente, em linhas gerais, relaciona-se à produção de


ideias ou alternativas mediante uma informação (GUILFORD, 1977). De um
ponto de partida é possível elencar possibilidades diversas para atender uma
solicitação. Tal produção do pensamento é propícia ―à compreensão global da
realidade, possibilitando que, nessa compreensão, estejam presentes a
intuição e a emoção‖ (PLIGHER, 2016, p. 65), reforçando que a subjetividade
está implicada no processo de criação de ideias.
A partir desse raciocínio, a subcategoria Produção de ideias desvela
como a fluência, a flexibilidade, a elaboração e a originalidade estão presentes
na emergência da criatividade em aula de leitura de literatura, a partir da
apreciação e interação das vozes dos sujeitos e da professora pesquisadora.
Nesse intento, a sessão de leitura de literatura que introduziu a pesquisa
abordou a valorização e produção de ideias entre os leitores; para tanto, a
história selecionada foi A pílula falante, de Monteiro Lobato (2014b), presente
no livro Reinações de Narizinho. Durante a aula, as crianças estavam sentadas
em roda, em suas carteiras escolares e todas tinham o livro em mãos,
acompanhando a leitura em voz alta realizada pela professora pesquisadora.
É importante salientar que as crianças já conheciam essa história, pois
sendo a pesquisadora uma antiga professora titular dessa turma, essa leitura já
havia sido realizada, assim como um consistente repertório de histórias de
Monteiro Lobato havia sido construído junto ao grupo em ano anterior.
De posse dessas informações, segue o episódio abaixo:

QUADRO 16: Episódio de pré-leitura de A pílula falante, 1ª sessão

[...]
PP: A nossa primeira história, viu Cristiano, de dez que nós vamos ler é A
pílula falante. Essa história foi escrita por Monteiro Lobato e está no livro
170

Reinações de Narizinho.
Guido: Qual é a página desse livro?
Tomás: 25!
PP: Aí, olha só a pergunta que eu vou fazer: o título dessa história já diz uma
coisa que vai acontecer nela, não é?
Marcel: A pílula falante! Eu sei que ela come a pílula pra falar.
Cristiano: A Emília toma a pílula e fica falando.
PP: Esse acontecimento, Cristiano e Tomás, de Emília ter tomado essa pílula
ajuda ou não nos acontecimentos das outras histórias do sítio que vocês já
conhecem?
SFMT: Sim!
PP: Por que ajuda?
Pedro: Porque a Emília fazia parte da história, ela começou a ter...
Tomás: Ela ajuda na história, porque ela fala quem pegou ela: a Carocha.
Cristiano: É... e também ajuda, é... deu humor a história, porque imagina a
Emília só falando hum hum hum. ((Criança fazendo gemido com a boca
fechada, como se o órgão não fosse articulado.))
Guido: Tem alguns episódios de Sítio do Picapau Amarelo que Pedrinho fala:
se eu pudesse, eu não daria a pílula falante para essa boneca.
PP: Sim. Então, Cristiano disse que trouxe humor, Tomás falou que ajudou a
descobrir sobre a Dona Carocha e Guido falou que deu até arrependimento.
Pedro: E eu disse que ela ia começar a participar mais.
PP: Participar mais. Tudo isso porque ela começou a falar, certo? Agora eu
vou ler a história pra vocês e depois a gente conversa mais pouquinho, certo?
Vamos lá.

Consoante aos estudos sobre andaimagem (GRAVES; GRAVES, 1995;


BORTONI-RICARDO; SOUSA, 2014), esse episódio de pré-leitura busca o
engajamento dos leitores para a apreciação do fato da Emília começar a falar e
como esse dado, possivelmente, incrementou as aventuras vividas no sítio do
Picapau Amarelo. Como a história já era de conhecimento do grupo, a
171

professora pesquisadora, usando o seguinte andaime: ―O título dessa história


já diz uma coisa que vai acontecer nela, não é?‖, convoca à rememoração
breve da narrativa, para em seguida, afilar a discussão para o ponto no qual
enseja construir os diálogos seguintes: ―[...] Emília ter tomado essa pílula ajuda
ou não nos acontecimentos das outras histórias do sítio que vocês já
conhecem?‖.
Com o posicionamento positivo dos leitores, a partir de justificativas de
que falar ajudou a descobrir acontecimentos, a participar e dar humor ao
enredo, a professora pesquisadora tencionava fomentar a ideia de que se
expressar é importante, para comunicar ideias, pensamentos, opiniões. E
sendo essa, a primeira sessão de leitura, o entendimento de que as vozes são
bem-vindas era necessário à pesquisa e ao pensamento criativo, por
decorrência. Diante disso, após a leitura, na discussão pós-leitura, vê-se o
seguinte diálogo:

QUADRO 17: Episódio de pós-leitura de A pílula falante, 1ª sessão

[...]
PP: E o que é que a gente, olha a pergunta, o que a gente perde quando tem
a fala recolhida?
José: O direito de falar!
PP: E por que falar é um direito, é importante?
José: Pra você poder dar uma opinião, falar tipo... Fulano quebrou tal coisa e
disse que foi você. Aí, você não pode falar a verdade, porque a fala tá
recolhida.
PP: Então, não ter fala recolhida é importante pra gente poder dar as nossas
opiniões.
José: Dar a nossa opinião e poder se defender.
PP: Se justificar!

A passagem acima marca uma transição na discussão pós-leitura, na


qual a professora pesquisadora institui andaimes para que os leitores pensem
sobre o valor de poder se expressar, seja para dar opinião ou se defender,
172

como apontou José, o ato de falar traduz uma ação que é orientada de forma
externa e interna, pois ao mesmo tempo em que exerce influência sobre o
meio, a fala também é orientada intrapessoalmente, pois estabelece uma
relação com o pensamento. Nesse sentido, falar, comunicar o que se pensa é
relevante, pois conforme destacado pelas crianças, após a Emília ganhar a
fala, a história passa a ter humor e a personagem, participação. Sobre as
ideias de Emília, as crianças consideram o seguinte:

QUADRO 18: Episódio de pós-leitura de A pílula falante, 1ª sessão

PP: Narizinho disse que as ideias de Emília vão ser sempre novas, porque ela
pensa de um jeito especial. Que jeito será esse?
Cristiano: Eu sei.
Marcel: É porque é pensamento de boneco.
PP: Pensamento de boneco. E como é esse pensamento?
Marcel: Pensando no vazio! Ela não tem vida.
Cristiano: O pensamento de uma boneca é: tô nem aí pra nada, minha vida é
de boneca, eu sou boneca que fala, vou falar o que eu quiser.
PP: Vocês acham que o que Emília fala tem sentido?
SFMT: Sim!
Melissa: O jeito especial de Emília falar é porque ela mistura coisa da vida
real com coisas da imaginação dela.
PP: Você acha importante misturar as coisas da vida real com a imaginação?
Melissa: Acho que essa fala junto da vida real com a imaginação é legal,
porque acaba dando mais humor à história.
PP: Vou falar com Otto, porque ele não falou comigo hoje. Otto, as ideias que
Emília tem nas histórias que Monteiro Lobato escreve... Você acha que essas
ideias acrescentam na história, fazem ela ficar mais divertida ou pra você não
faz diferença as ideias de Emília?
Otto: É divertida, porque as ideias são maravilhosas.
PP: Maravilhosa como?
Otto: São ideias malucas.
173

PP: Por que você acha que é maluca?


Otto: É assim, o jeito dela, esperto.

Na avaliação dos leitores, as ideias de Emília são carregadas de sentido


e possuem liberdade, bom-humor e esperteza. Tais características elencadas
pelas crianças ressoam o que alguns autores apontam como características
personológicas que, em interação com os condicionantes externos, viabilizam a
expressão da subjetividade na criação (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1977). Outro
raciocínio instigante nesse episódio é a fala de Melissa sobre o trânsito das
ideias de Emília entre a imaginação e a realidade; nesse ponto, ganha
destaque o trabalho da literatura com o plano ficcional, já que fornece à boneca
Emília uma dupla naturalidade: uma na fantasia e outra na realidade, ainda que
imaginária. E, sendo beneficiada pela travessia em dois espaços, suas ideias
são especiais, como sinaliza Melissa.
Sublinha-se, ainda sobre a valorização de ideias, o pensamento de
Cristiano sobre a personagem, pois ao aprofundar a fala de Marcel que aponta
o vazio das ideias de Emília, pelo fato dela ser uma boneca, Cristiano
consegue flexibilizar essa informação, qualificando positivamente, o mesmo
fator: em razão de ser boneca, Emília possui mais liberdade para expressar
seus pensamentos e ideias, uma vez que não se enquadra nos protocolos e
censuras sociais, estando livre para a irreverência e a livre expressão.
A flexibilidade do pensamento de Cristiano manifesta como ―uma pessoa
criativa muda facilmente, sem tensão mental, de uma estrutura para outra, de
uma direção de pensamento para outra, de uma linha para outra, de uma
percepção para outra‖ (TORRE, 2008, p. 29), exprimindo a análise de uma
situação em diversos enfoques, ou seja, de forma divergente.
Na continuação da discussão, as crianças foram levadas a pensar
sobre a importância das ideias, a se perceberem como sujeitos produtores e a
analisarem a forma como suas ideias foram acolhidas onde foram aplicadas.
Os diálogos surgiram logo após a avaliação dos leitores sobre o valor das
ideias de Emília para as narrativas que eles conheciam.
174

QUADRO 19: Episódio de pós-leitura de A pílula falante, 1ª sessão

PP: É importante, na vida, a gente ter ideias?


SFMT: Sim!
PP: Por quê?
Tomás: Pra gente ficar sabendo de uma coisa.
Branca: Porque é como a gente dá a nossa opinião sobre as coisas, tipo, a
gente... Uma pessoa, por exemplo, Lia fez um bolo e a gente não gostou e
pode dar ideia pra ela fazer outro sabor de bolo.
Pedro: É importante ter ideia, porque a vida seria chata se não tivesse ideia,
por exemplo, a pessoa ganhou na loteria. Ela vai deixar o dinheiro guardado?
Guido: Exemplo: é... Tem vários filmes que as pessoas têm ideias boas no
filme, Jurrasic World, essas coisas, só que tem algumas vezes que as pessoas
têm uma má ideia.
PP: Ane quer dizer?
Ane: É importante, porque se ninguém tivesse ideia, todo mundo ia ser burro.
PP: Assim como a Emília, alguém aqui já teve uma ideia que ninguém pensou
antes? Ou aconteceu uma coisa, e vocês: eu sei como resolver isso! Acabei
de ter uma ideia?
Guido: Eu, eu tive uma das melhores ideias! Eu criei um clube e Lion foi quem
primeiro entrou. Lion me deu a ideia. Eu ficava fazendo umas cartas de
dinossauro como se fosse de Pokémon, aí Lion veio: o que é isso, o que é
isso? Posso usar também? Aí, eu tive a ideia, meu Deus, vou fazer um clube!
Aí, até agora quem tá envolvido nisso é Lion, Tomás, Pedro.
Pedro: Eu tive uma ideia, por exemplo, muito legal, foi de chamar um monte
de amigo meu pra ir na casa de algum deles e jogar minecraft junto.
Eli: Eu tive duas ideias muito boas: levar meu videogame pra sala, onde tem o
sofá.
PP: Sim, resolveu um problema.
Eli: É, resolveu o problema todo! A outra, a outra, a outra... ah, sim, sim, sim,
ensinar meus amigos a jogar bola. Eu fui o primeiro a jogar bola. Lá na
educação infantil, eu ficava sozinho jogando bola, aí, eu fui, ensinei um pouco,
175

disse uma escolinha pra eles irem. Então, eles foram e agora todo mundo joga
bola.

Examinando as respostas dos aprendizes sobre o valor de produzir


ideias, observa-se a recorrência às noções de conhecimento, expressão de
opiniões, lazer, partilha de saberes, fuga do tédio e movimento. Essas
concepções presentes nas vozes das crianças remetem ao exposto por De
Masi (2005) quando relaciona criatividade ao modo de repensar o mundo e à
evolução do homem, por meio da mudança e sofisticação nas formas de agir,
produzir e interagir no meio circundante e com os outros. Avaliando as
respostas à luz da leitura de literatura, verifica-se convergência com o espaço
para a criação do leitor, como conhecimento de si e do outro, como movimento
por meio da palavra que convoca a comunicar ideias e saberes e a conhecer
novas realidades; dessa forma, ratifica-se a interseção entre literatura e
produção de ideias.
Outro dado proveniente das vozes das crianças consiste na
aproximação entre os leitores e a boneca Emília através da criação de ideias. A
percepção dos leitores reintegra concepções de criatividade voltadas para o
social, uma vez que as respostas marcam o indivíduo e sua subjetividade, ou
seja, as ideias dos sujeitos evidenciam ―a constituição da configuração dos
recursos subjetivos que a fazem possível‖ (MITJÁNS MARÍNEZ, 2009, p. 25),
logo, as marcas pessoais das crianças se imprimem em suas ideias, assim o
gosto por brincar, conforto, resolução de problemas, inserção social e cultural
são marcas apreciadas nas vozes das crianças e que orientaram a atividade de
produzir ideias.
Como A pílula falante, de Lobato (2014b), foi a primeira leitura realizada
na pesquisa, considerou-se oportuno o caminho traçado, para que os sujeitos
da pesquisa ponderassem sobre sua capacidade de produzir ideias como algo
valoroso para a vida e para a interação nas aulas de literatura que se
seguiriam.
Dando continuidade à análise, na perspectiva da produção de ideias à
luz do pensamento divergente, a décima e última sessão da pesquisa,
apresentou a leitura da história Um garoto chamado Rorbeto, de O Pensador
176

(2005). As crianças estavam com os livros em mãos e formavam um círculo,


sentadas em suas carteiras escolares. A leitura foi realizada pela professora
pesquisadora, em voz alta, com atenção ao ritmo presente no texto, que se
assemelha a um rap. A respeito do refinamento do pensamento, na etapa de
pré-leitura dessa sessão, houve o seguinte diálogo:

QUADRO 20: Episódio de pré-leitura de Um garoto chamado Rorbeto, 10ª


sessão

PP: Hoje, leremos juntos Um garoto chamado Rorbeto, de Gabriel o Pensador.


Alguém conhece essa história?
Otto: Não.
Tomás: Hum... Não lembro.
Lia: Eu não.
PP: Algo chama a sua atenção na capa? No título?
Marcel: Esse nome tá errado.
Ricardo: Tá mesmo, viu!
PP: Qual o erro?
Sofia: Não é pra ser Roberto? Tem letra sobrando.
Lion: Sobrando não, trocada.
Sofia: Cadê?
Lion: Aqui, essa tem que tá aqui. ((Criança vira a capa para a colega e mostra
a letra ―r‖.))
Sofia: A:::h.
PP: Mas além desse possível erro, o que vocês imaginam que vai acontecer
nessa história?
Ricardo: Eu acho que esse garoto chamado Ror, Rorbeto vai ter muita raiva
desse nome.
Sâmia: Ele vai sofrer bullying e ((+)) sei lá.
Branca: Vai ter depressão por causa do nome.
PP: Então, vocês acreditam que a história vai girar em torno do nome do
177

garoto e que ele vai sofrer bullying e ter outros problemas por causa do nome?
SFMT: Si:::m.
PP: Mas será que ele não gosta do nome?
Eli: Não, professora, não dá, tá errado.
PP: E se for o caso do problema ser o nome, como isso será resolvido na
história?
[...]
Cristiano: Ele tem que olhar se tá errado no papel dele.
PP: Qual papel?
Cristiano: Aquele... Aquele que diz o nome todo, uma folha assim. ((Criança
faz o gesto mostrando o tamanho da folha.))
PP: O registro de nascimento!
Cristiano: É!
José: Se o nome dele tiver errado, pode pedir pra ajeitar.
Renato: Eu vi na TV gente que tem nome e trocou por outro.
PP: Certo, então, se for o nome, vocês estão dizendo que existe jeito de
consertar, mas e se for outro o problema da história?
Eli: É não, de jeito nenhum.
PP: Vocês concordam?
SFMT: Si:::m.
Guido: Não dá pra ser outra coisa, já tá na capa, até.

Consideradas as vozes, nota-se que a criação de hipóteses das crianças


orbita em torno do título da narrativa, que afeta os leitores pela escrita do nome
Rorbeto. A identificação da palavra, que para os leitores está escrita de modo
equivocado, passa a ser informação relevante para a criação de ideias sobre a
leitura. Nesse sentido, as crianças convergem para a compreensão de que o
garoto Rorbeto sofrerá bullying, desenvolverá depressão e raiva por causa de
seu nome.
Conforme a convergência de respostas se apresenta na sessão de
leitura de literatura, a professora pesquisadora institui oportunidades para que
178

a flexibilização seja acionada, entendendo a flexibilidade como uma habilidade


de mudar a direção do pensamento, oferecendo um viés qualitativo para as
ideias criadas. Os andaimes para a flexibilização do pensamento estão nos
seguintes turnos de fala:

 Mas além desse possível erro, o que vocês imaginam que vai acontecer
nessa história?
 Mas será que ele não gosta do nome?
 Certo, então, se for o nome, vocês estão dizendo que existe jeito de
consertar, mas e se for outro o problema da história?

Apesar das tentativas da professora pesquisadora em redirecionar a


produção de ideias em uma perspectiva do pensamento divergente, os leitores
não abriram mão das hipóteses sobre o nome ser a causa principal do
desenvolvimento do texto, justificando as escolhas com base no título que
apresenta a escrita do nome do garoto. Entretanto, após a leitura, o processo
de confirmar ou não as hipóteses foi instaurado e está descrito abaixo:

QUADRO 21: Episódio de pós-leitura de Um garoto chamado Rorbeto, 10ª


sessão

PP: Logo no início da história, vocês pensaram que Rorbeto ia ter um


problema, né?
Lia: Foi... O nome dele.
PP: Mas, afinal, qual foi o problema que ele encontrou?
Pedro: Foram os dedos. Ele tinha muito dedo. Olha, se a gente tivesse olhado
bem a capa ia ver que era com a mão dele. ((Criança aponta a capa do livro
onde tem um desenho de uma parte de uma mão.))
PP: É mesmo, Pedro, mas o título foi muito forte e levou às hipóteses.
Ricardo: E eu não conhecia esse autor.
PP: Conhecer faz diferença quando vamos ler, porque nos ajuda a fazer
previsões e a pensar sobre o que pode acontecer.
179

O conhecimento de toda a história provocou reflexões em alguns leitores


sobre o motivo que, possivelmente, ocasionou a dificuldade em rever seus
pontos de vista. Não analisar mais atentamente a ilustração da capa e o fato de
não conhecer o autor foram possibilidades citadas para exemplificar o
distanciamento das previsões; essas vozes sinalizam um avanço no
relacionamento com a leitura de literatura, dado que as crianças já demonstram
perceber que o livro de literatura é objeto complexo em suas linguagens e que
o repertório literário é um inventário importante a ser constituído e consultado
no ato de ler.
No decorrer da sessão, o trabalho com o pensamento divergente é
aperfeiçoado à medida que os leitores dialogam com o texto, com seus pares e
com a professora pesquisadora. O apreciar das vozes aponta uma sensível
construção desse pensamento, viabilizada pela mediação pedagógica à luz da
leitura de literatura. Nesse sentido, os leitores ponderaram suas observações,
alcançando níveis mais elevados de sistematização de produção divergente,
como se vê no episódio seguinte:

QUADRO 22: Episódio de pós-leitura de Um garoto chamado Rorbeto, 10ª


sessão

PP: De que outras formas, Rorbeto poderia ter resolvido essa situação?
José: Ele podia usar uma luva e colocar dois dedos dentro do mesmo lugar.
Aí, todo mundo ia pensar que ele tinha cinco.
Cristiano: Ele podia usar luva de goleiro todo o tempo que ninguém ia saber,
mas se fosse de boxe ia ser perfeito, porque não tem nem dedo.
PP: Mas como ia ser o dia a dia com a mão dentro de uma luva o dia inteiro?
Tomás: Não ia dar certo, era só ele ter deixado a mão dentro do saco, mas
bem folgado que dava até pra escrever.
Melissa: Se ele segurasse a capa do caderno com a outra mão formando uma
barreira, dava certo e nem precisava de saco, nem luva, nem nada!
PP: Então, vocês tão dizendo que esconder é uma forma de resolver?
180

Ricardo: Não resolve, não. Ele tinha que fazer uma cirurgia!

Vê-se, nos turnos de fala, a fluência de pensamento, com base no


aumento do fluxo de ideias sobre possíveis maneiras de resolver o problema
de Rorbeto; para isso, os leitores usam como andaime a estratégia
apresentada pelo texto de esconder a mão, mas a aperfeiçoam com outras
opções. Nesse ponto, nota-se a presença da flexibilidade, quando os sujeitos
justificam suas sugestões, apresentando as vantagens de suas ideias.
Contudo, nesse processo, acentua-se a intervenção da professora
pesquisadora com questionamentos sobre como seria o dia a dia de Rorbeto
com a mão dentro da luva e se, de fato, esconder seria uma forma apropriada
de resolver o problema; pois refletir perante tais perspectivas introduz a
qualificação dos pensamentos dos leitores, mediando a desenvoltura dos
sujeitos em alterar a direção do pensamento (GUILFORD, 1977),
acrescentando outras possibilidades na produção de ideias e no acercamento
ao texto.
O exercício de levantar hipóteses, ler o texto, discuti-lo, com atenção às
intervenções dos leitores, reveladoras de suas formas de pensar, permite
acompanhá-los em níveis sofisticados de compreensão da história e de
elaboração do pensamento, sobretudo, no que diz respeito ao desenvolvimento
da criatividade, já que comporta a promoção de ideias, a análise sobre tal
produção com vistas ao aperfeiçoamento até a constituição de perspectivas
arrojadas sobre a leitura e o próprio pensamento. A continuação do episódio
presente no quadro 22, culmina com as seguintes observações das crianças e
ilustram o exposto até o momento:

QUADRO 23: Episódio de pós-leitura de Um garoto chamado Rorbeto, 10ª


sessão

[...]
Ricardo: Sabia que na página dez fala que a mãe dele nem prestou atenção
nisso, que ela tava feliz, porque ele tinha saúde. Então, acho que isso não era
um problema. Só na hora que ele descobriu, porque nem pros amigos era um
181

problema. Quando ele aceitou, deixou de ser um problema.


PP: Vocês concordam com o pensamento de Ricardo? Que a mãe dele já
sabia e que só Rorbeto se incomodou quando descobriu?
Tomás: Eu acho que pode ser, porque se ele já conhecia esses amigos, eles
já tinham visto o dedo dele e não ligavam pra isso.
PP: Verdade, pessoal. Bem pensado, viu. Agora, nesse ponto de vista, de que
quando ele repensou, deixou de ser um problema, o que Rorbeto fez pra se
divertir do jeito que é?
Eli: Furou um dedo na luva de goleiro. Ele vai ter vantagem, porque tem mais
apoio pra agarrar a bola, se um dedo der problema ainda fica com cinco. Na
história, ele tem a letra bonita e ainda pode ter chance de tocar um
instrumento, tipo violão, fazer sombras iradas com os dedos.

O trecho ao qual Ricardo faz referência é descrito abaixo:

A mãe tava tão feliz


Que nem prestou atenção.
Esperou por nove meses,
Com o bebê no coração.
E ele nasceu com saúde,
Trazendo orgulho e amor,
―Bem-vindo seja Rorbeto!
Obrigada, tchau, Doutor!”
(O PENSADOR, 2005, p. 100, grifos no original)

Ricardo já aponta, desde o quadro 22, indícios de refinamento sobre a


possibilidade de solucionar o problema de Rorbeto, avaliando as ideias dos
seus pares ao mesmo tempo em que expressa a sua. Entretanto, Ricardo
retorna ao texto e ampara uma nova maneira de perceber a situação do
personagem. O retorno ao livro arejou e elaborou, inclusive, a noção de
problema apontada na discussão, fazendo com que os seus colegas também
revisassem os posicionamentos apresentados, como destacado nas vozes de
Tomás e Eli.
182

Ler é ir de um ―nível de uso da linguagem para o próximo, de um nível


de significado para outro. É assim que os leitores experientes leem; é assim
que devemos ajudar as crianças a ler‖ (CHAMBERS, 2007, p. 113, tradução
nossa)14, ouvindo-as, problematizando suas falas, relacionando leituras,
retornando ao texto e ampliando as oportunidades de compreensão e criação,
tendo clareza de que, por meio da mediação pedagógica, pode-se fomentar a
emergência do pensamento divergente na valorização da produção de ideias
expressas pelos leitores durante a aula de leitura de literatura.

6.2.2 Subversão de lógicas dominantes

Demo (2006), ao escrever sobre a importância da leitura na formação de


cidadãos em geral, sinaliza aspectos relevantes sobre o ato de ler, dentre os
quais se destaca a concepção de que ler é divergir. No desenvolvimento do
seu raciocínio, o autor explicita que ler é ser provocado por perguntas, é
construir e descontruir o que já se sabe para a percepção de novos
entendimentos.
Expandindo a reflexão, a literatura subverte a linguagem na
desautomatização do uso de palavras, nas construções que chamam a atenção
para sua própria estrutura e que incita, por decorrência, a subversão do seu
leitor. Assim, pode-se afirmar que ler literatura é divergir, sendo a divergência
uma resposta pensante da interação com a leitura.
Segundo Barthes (1987),

[...] o texto tem necessidade de sua sombra: essa sombra é um


pouco de ideologia, um pouco de representação, um pouco de
sujeito: fantasmas, bolsos, rastos, nuvens necessárias; a
subversão deve produzir seu próprio claro-escuro (BARTHES,
1987, p. 44, grifos no original).

No jogo de sombras do texto literário, onde há espaço para a atuação de


quem o lê, há interpretação, subversão, ampliação e refazimento da leitura.

14
Nivel de uso del lenguage al seguiente, de un nivel de sentido a otro. Así es como leen los
lectores expertos; así es como debemos ayudar a los niños a leer.
183

Dessa compreensão, depreende-se essa subcategoria, quando os sujeitos da


pesquisa, pela mediação pedagógica, experimentaram apreciar e discutir as
histórias lidas perante pontos de vista diversos, criando oportunidades para
redimensionar a interação dos leitores com o texto.
Assim, trechos de três sessões de leituras compõem esta seção,
ilustrando como a literatura é propícia ao desenvolvimento do pensamento
criativo, pois é espaço da pluralidade de compreensões, da divergência.
Iniciando a análise, tem-se a sexta sessão de leitura de literatura com a história
A moça tecelã, de Colasanti (2004), com bordados de Ângela Dumont, Martha
Dumont, Marilu Dumont, Sávia Dumont e Antônia Dumont sobre os desenhos
de Demóstenes Vargas. A leitura foi realizada em voz alta, as crianças tinham
os livros em mãos e estavam em roda, sentadas em suas carteiras escolares.
Logo após a leitura, os sujeitos iniciam um diálogo com o texto
reposicionando as informações que a narrativa apresenta sobre a moça. No
texto, repetidas vezes, encontra-se a seguinte passagem: ―Tecer era tudo o
que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer‖ (COLASANTI, 2004, p. 04), a qual
um leitor, Tomás, responsivamente, se posiciona:

QUADRO 24: Episódio de pós-leitura de A moça tecelã, 6ª sessão

Tomás: Será que tecer não era tudo o que ela não queria fazer?
PP: Será, Tomás? Por que você pensa assim?
Tomás: Porque ela não tem uma vida normal, ela é presa, tem que viver
tecendo com ou sem marido, porque senão, nada acontece.

Considerando a ato comunicativo que a literatura produz, sua leitura


implica o leitor em

[...] uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda


(total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para
executar, etc., [...]. A compreensão de uma fala viva, de um
enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude
responsiva ativa [...]; toda compreensão é prenhe de resposta
(BAKHTIN, 1997, p. 291).
184

Mobilizado pelo discurso do texto literário, Tomás questiona a voz


narrante do texto, expondo sua opinião divergente sobre os desejos da moça
tecelã, ampliando as possibilidades de compreender a narrativa. Ao ampliar os
horizontes de interpretação é possibilitado olhar para a narrativa de outras
formas e compreender que, antes da presença do marido, a personagem já
não possuía vultosa liberdade.
Então, na perspectiva de sensibilizar a percepção para outras
realidades, a professora pesquisadora interpela os leitores sobre uma análise
do ponto de vista do marido, provocando, de fato, uma leitura com apoio no
pensamento divergente, por meio da subversão da lógica dominante narrada
na história.

QUADRO 25: Episódio de pós-leitura de A moça tecelã, 6ª sessão

PP: Olha a pergunta que eu vou fazer: se vocês pudessem encontrar um livro
que tivesse a versão do marido. A história contada por ele. O que teria nessa
história?
Branca: Uma história totalmente ao contrário.
Melissa: Seria uma história ao contrário, que a mulher obrigava ele a fazer
tudo.
Sâmia: O título ia ser: O homem de porcelana.
PP: Essa versão seria a que ele contaria. A história no ponto de vista dele.
Será que ele daria esse título? Será que ele ia usar o tear?

A partir desses andaimes, as crianças são solicitadas na atividade de


refletir sobre o personagem marido, exigindo a fuga ―do costumeiro, pensar o
impensável‖ (ANTUNES, 2014, p. 26), o que requer uma lógica diferente da
apresentada na narrativa. Seguindo o fluxo das ideias, outras se somaram na
perspectiva de aperfeiçoamento e de revisar o já dito, buscando a elaboração,
os detalhes do pensamento:
185

QUADRO 26: Episódio de pós-leitura de A moça tecelã, 6ª sessão

Cristiano: Eu acho que ele estaria falando do jeito dele: é porque, a moça
gostava de tecer, daí, eu ia pedir pra ela fazer uma coisa melhor pra nós dois,
mais ou menos isso que ele ia dizer.
Lion: Ele contaria que ela fazia com prazer, porque tecer era tudo o que ela
fazia e queria fazer.
[...]
PP: E antes de ser desfeito por completo, o que ele diria a ela?
Pedro: Nós podemos ser felizes.
Ricardo: Tive o que mereci!
PP: Ricardo, ele ia escrever isso na própria história?
Ricardo: Ai, como é difícil!

Para a criação de uma versão do marido, os leitores exercem o


pensamento divergente, vê-se a elaboração dessa produção do pensamento,
quando de maneira oposta à proposta de apenas inverter a história e o homem
usar o tear, Cristiano incrementa a ideia de que a moça usaria o instrumento,
mas porque gosta e que seus pedidos têm a intenção de beneficiar o casal,
não sendo, portanto, fruto de egoísmo. Na sequência, Lion encontra, na própria
narrativa, fundamento para a ideia de Cristiano, legitimando-a, ―porque tecer
era tudo o que ela fazia e queria fazer‖. Também se destaca a fala de Ricardo
que expõe sua dificuldade em pensar a história em tal prisma, evidenciando
que o aprendizado da produção divergente, não convencional, deve ser
proporcionado na escola, na aula de literatura, porque amplia as oportunidades
de interlocução com o texto, além de indicar que a criatividade pode ser
ensinada.
Com esse intuito, essa sessão de leitura culminou com a elaboração de
um texto coletivo, no qual as crianças pensaram a respeito de um enredo para
o marido. A professora pesquisadora assumiu o papel de escriba e as crianças
expressavam seus pensamentos, aos quais era fornecida coerência, pensando
na estrutura de um texto breve e no costurar das vozes. Para orientar a criação
de ideias, algumas proposições foram lançadas:
186

 Onde ele estava antes de aparecer na história?


 O que ele sentiu quando foi criado?
 Por que ele tinha as vontades que expressou no texto?
 Se ele percebesse que estava desagradando, será que mudaria de
atitude?
 Será que ele poderia viver longe dela?
 O que ele sentiu quando se desfez?
 O que ele diria à moça?
 Aonde ele foi quando desapareceu?
 O que ele diria de sua vida ao lado da moça?

Como respostas às perguntas e da construção coletiva, o seguinte texto


foi criado junto às crianças:

QUADRO 27: Texto coletivo na perspectiva do marido, 6ª sessão

O homem de lã
Era uma vez uma ovelha que tinha uma lã mágica. Um dia, uma mulher
pegou a lã e criou um homem no tear com várias linhas de lã mágica. Esse
homem, porém, tinha desejos de ter castelos, porque ele cresceu num reino,
mas não era um reino qualquer, era um reino de um mundo mágico, bem
diferente do nosso mundo.
Só que a mulher não entendia que o marido, além de pedir castelos,
porque vinha de um reino mágico, ele também queria agradá-la, pois percebeu
que ela gostava de tecer. Tecer era tudo o que queria fazer!
Mas, quando percebeu que desagradou à mulher com seus pedidos, ele
resolveu pedir desculpas. Mas já era tarde! Ela estava desfazendo o homem,
desmanchando tudo. Ele sentiu muito medo e disse que eles poderiam ser
felizes. Nada adiantou, porque ela não gostava mais dele. Ele, voltando ao
estado de lã, sentiu que esse mundo era cruel.
187

Esse curto texto criado pelos sujeitos e mediado pela professora


pesquisadora evidencia o valor do trabalho didático com a literatura na escola.
Ao mencionar o termo didático está se fazendo alusão ao planejamento e
intencionalidade nas ações que envolvem a presença da literatura na escola,
posto que é linguagem carregada de sentidos, que afeta, pondo os saberes dos
leitores em movimento na criação de outras realidades e compreensão.
Já em outra sessão de leitura, as crianças ainda puderam pensar a
respeito da fala de um personagem, sob uma ótica diferente proposta pela
professora pesquisadora. A sétima sessão de leitura de literatura trouxe a
leitura em voz alta de Miragens, história presente no livro Reinações de
Narizinho (LOBATO, 2014c). Todas as crianças possuíam o livro durante esse
encontro. Na discussão pós-leitura, a professora pesquisadora e os sujeitos
desenvolvem o seguinte diálogo com base numa passagem do texto:

QUADRO 28: Episódio de pós-leitura de Miragens, 7ª sessão

[...]
PP: Na história, João Faz de Conta diz pra Narizinho ter cuidado com a
vespa-fada, porque tem umas que são boas como anjos e outras que são
ruins como bruxa.
Guido: Foi mesmo.
PP: Foi. E sendo uma fada boa como anjo, o que poderia acontecer de
ruim, se a vespa-fada pegasse o alfinete mágico?
Guido: Ela poderia transformar outras bonecas de pano em gente e Emília
ficaria chateada, porque não seria a única.
Ricardo: Ia ser ruim, porque Emília ia perder a chance de ser uma fada de
pano.
Melissa: Ela poderia fazer a Narizinho perder a memória e nunca mais
saber onde está o alfinete, nem lembrar as aventuras que viveu.
PP: E sendo ruim como bruxa, o que poderia acontecer de bom, se a
vespa-fada pegasse o alfinete?
Sofia: O que poderia acontecer de bom era que como Emília é a dona do
alfinete, na hora em que a bruxa encantasse ele, a mágica fosse pra Emília
188

que era a dona.


Tomás: Podia tirar o Barba azul da história, ele é assustador. Já pensou
se ele pega a Narizinho ou se pega a vespa-fada, ela é mulher?

Problematizar categorias como mau e bom propicia que leitores


percebam a história em outras perspectivas. Na história lida, a vespa-fada não
tem acesso ao alfinete, apenas revela que esse é um item mágico, mas a
oportunidade de pensar essa alternativa, construindo possibilidades inusitadas,
a partir do raciocínio de algo bom para uma bruxa e algo ruim para uma fada,
abre espaço para que os sujeitos promovam o pensamento divergente,
subvertendo as lógicas óbvias. Nessa direção, Tomás relacionou algo bom na
ação de expulsar um personagem da narrativa, Sofia apostou numa reviravolta
da magia e Guido alertou para a perda da exclusividade da boneca Emília,
caso outras bonecas tenham a mesma chance de transformação.
Importante destacar que a proposição do trabalho com o pensamento
divergente tem como mote a literatura, ou seja, os leitores estão considerando
alternativas, a partir da leitura que realizaram e usando o repertório que
possuem para a criação, legitimando o entendimento de que a mediação
pedagógica na aula de literatura favorece a emergência do pensamento
criativo.
Reiterando o exposto até o momento nesta subcategoria, na oitava
sessão de leitura de literatura também ocorreram diálogos nos quais os leitores
evidenciaram uma ruptura com uma lógica convencional. A leitura realizada foi
Sem pé nem cabeça, de Pedro Bandeira (1989), com ilustrações de Walter
Ono. Os leitores estavam em duplas com cópias do livro, já que não há mais
edições para venda.
Um assunto recorrente na narrativa são as invenções do personagem,
um quadrado e um círculo, e a possibilidade de suas ideias levarem alegria às
pessoas; após diálogo sobre os inventos do personagem e sobre o que os
sujeitos gostariam de criar, surgiu uma provocação em torno da ideia de
desinventar.
189

QUADRO 29: Episódio de pós-leitura de Sem pé nem cabeça, 8ª sessão

PP: E se vocês pudessem desinventar uma invenção, qual seria?


Branca: A Monalisa!
PP: Por que, Branca?
Branca: Porque ela é muito parada.
Ane: Ela é chata!
PP: E o que você sugere pra ela deixar de ser parada ou chata?
Branca: Mudar as cores ou rir de uma vez.
Guido: Eu ia desinventar os livros!
PP: Ai, meu Deus... E os seus dinossauros que você tanto gosta, onde você ia
ver ou aprender?
Guido: Eu ia olhar no Google.
PP: Mas os livros vieram antes do Google, da internet. Se a gente não tivesse
livros, será que teríamos chegado ao Google?
Guido: Hum... Acho que não. Deixa o livro!
((Crianças muito agitadas.))
Pedro: As guerras.
Guido: Eu ia desinventar o machismo, porque é ridículo e feio demais.
Stella: Eu ia desinventar o comércio. Os problemas do Brasil são por causa do
comércio.
PP: E como seria sem comércio?
Stella: Seria muito bom, todos iam ter as coisas, ninguém com muito ou
pouco.
Ricardo: Eu ia desinventar o preconceito, porque é ruim, machuca as
pessoas, entristece... Principalmente o entre os negros.
PP: Vou perguntar uma coisa a vocês, machismo, preconceito: isso é
invenção?
Ricardo: É! Porque isso não existia, alguém criou... Porque a pessoa
machista, racista, preconceituosa, ela inventou isso e isso é ruim, porque só
porque as pessoas, as pessoas, nascem de um jeito na pele ou no gênero, ela
190

não é menor que o outro.


José: Eu ia desinventar o inferno.

Examinando as respostas das crianças acerca da desinvenção, observa-


se que elas percorrem um caminho de apontar, primeiramente, objetos
materiais (obra de arte, livros, internet) com um cunho pessoal, baseando-se
em gostos particulares (é chato, preferência por cores), até que, em postura de
ampliação de visão, Guido aponta ideias simbólicas, mas que se fazem
presentes na sociedade e influenciam as ações das pessoas e os modos de
ser e estar no mundo, tal como uma invenção. A partir de seu enunciado, as
crianças reorientam seus posicionamentos e incluíram outras informações à
lista da desinvenção, como forma de aperfeiçoar o mundo; evidenciando que
refletir sobre as invenções humanas demonstra o processo flexível inerente à
criatividade.
A proposição de uma lógica improvável, em aula de leitura de literatura,
requer do mediador abertura para respostas também improváveis e postura de
acolhimento, problematização e ampliação das vozes, oferecendo a
possibilidade de ordenar o pensamento, revê-lo, reforçá-lo. A aula de literatura
é janela aberta para os pensamentos, para vislumbrar outras paragens
inspiradas pela leitura, que inquietam e instigam novas criações e percepções
sobre o mundo e a própria leitura.

6.3 Criação e literatura

Compreender a literatura como espaço para a criação reafirma seu


estatuto de arte, de obra aberta (ECO, 2016), na qual os leitores atuam,
atualizando-a por meio da leitura, criando novos horizontes de compreensão e
de interação com a obra.
Sobre isso, Eco (2016) afirma que dois aspectos são relevantes na
compreensão da obra de arte, quais sejam:
191

a) O autor realiza um objeto completo e definido, segundo uma


intenção bem precisa, aspirando uma fruição que o reinterprete
assim como o autor pensou e quis b) o objeto, no entanto, é
desfrutado por uma pluralidade de fruidores e cada um deles
levará ao ato de fruição as próprias características psicológicas
e fisiológicas, a própria formação ambiental e cultural e as
especificações da sensibilidade que as contingências imediatas
e a situação histórica comportam [...] (ECO, 2016, p. 153 –
154).

Dessa forma, vê-se que o ato de ler envolve o leitor com sua
subjetividade, interesses, condicionantes culturais, psicológicos, que
influenciam a leitura e fazem desse ato uma experiência singular para cada
sujeito. A obra de arte, na leitura de cada indivíduo, renova-se, pois sua
estrutura oferece ao leitor os espaços para ação, concorrendo para que a obra
reviva ―dentro de uma perspectiva original‖ (ECO, 2005, p. 50).
Configura-se, portanto, a leitura como um esforço criativo, uma vez que
o leitor cria sentidos, compreensões, novas perspectivas, mediante o ato de ler.
Nessa direção, a categoria Criação e Literatura se debruça sobre os meandros
da relação entre criatividade e literatura, observando, na interação com a leitura
de literatura, ações do leitor que são indícios de criatividade. As subcategorias
Criação e os vazios do texto literário e Imaginação e literatura organizam a
compreensão do estudo e apresentam vozes dos sujeitos da pesquisa que
foram determinantes na categorização dessa secção.

6.3.1. Criação e os vazios do texto literário

Sendo a literatura um texto que convoca seu leitor à interação, infere-se


a leitura como um ato criativo por excelência, visto que na comunicação
estabelecida entre texto e leitor, as palavras, seus símbolos, invocam a
participação do leitor, provocando atos de significação, pelos quais o texto ―se
traduz para a consciência do leitor‖ (ISER, 1999, p. 10). Esses atos sugeridos
pelo texto, mas não totalmente controlados por ele, originam a criatividade da
recepção da leitura (ISER, 1999).
Compreender a leitura nesses termos é entendê-la como um
acontecimento, que se realiza mediante a interação da estrutura da obra com o
192

leitor; ou seja, a configuração do texto, a seleção de palavras é tão importante


quanto os modos de apreendê-la pelo leitor. Partindo desse princípio, a
mediação pedagógica nas sessões de leitura buscou evidenciar momentos em
que os leitores constroem sentidos particulares, renovados, mediante os vazios
propositais presentes na literatura. Esses espaços de indeterminação do texto,
nos quais o implícito convoca a criação leitora, são a abertura à participação do
leitor.
A segunda sessão de leitura de literatura da pesquisa trouxe o conto
Entre leão e unicórnio, de Colasanti (2006), e apresentou momentos em que os
sujeitos criam, a partir das lacunas do próprio texto. No momento da sessão, as
crianças estavam em roda, em suas carteiras escolares e a leitura foi realizada
em voz alta pela mediadora. O episódio abaixo ilustra a criação dos leitores
mediante os vazios do texto.

QUADRO 30: Episódio de pós-leitura de Entre leão e unicórnio, 2ª sessão

[...]
PP: O que acontece com o rei depois que ele foi embora?
José: Não sei.
Lion: Ele mudou!
PP: Mudou como?
Lion: Ele foi pro sonho, ele fica vagando por aí, mas só no sonho.
José: Por aí não, só nos sonhos da esposa.
PP: Então, ele não pode vagar por onde quiser?
José: Não, só no sonho dela. O animal da história é dela.
PP: Entendi... Mas, Lion, você disse que ele mudou. Ele mudou de lugar, tipo
da realidade para o sonho, ou de forma?
Lion: De lugar e de jeito, ele não é mais real, ele agora é de sonho... Não sei,
é ((+)), não é de verdade mais.
Pedro: Ele morreu, ele é uma maldição! Vive preso no sonho.
PP: Vixe, ele gostava tanto da liberdade do sonho e agora, você diz que ele tá
preso. Vocês concordam com o pensamento de Pedro?
193

Lia: Tá mesmo.
Renato: Antes, ele vivia de noite e de dia, agora, ele só vive à noite, quando
ela dorme.
Melissa: Tá limitado.

A leitura das crianças sobre o destino do rei produz significados não


revelados no texto, mas orientados por ele; dessa forma, os sujeitos
incrementam informações sobre o personagem no tocante a sua forma física, a
limitação dos espaços que passaria a habitar, a possibilidade duvidosa de sua
sobrevivência no mundo onírico e, usando vocábulos comuns em contos de
fadas, ainda sugerem que o rei passou a ser amaldiçoado.
Outro dado relevante no episódio é a construção coletiva engendrada
pelas crianças no que concerne aos indícios do pensamento criativo, uma vez
que à pergunta sobre o rei, elas levantam possibilidades, exercendo fluência:
mudou, foi para o sonho, morreu; ao passo que demonstram flexibilidade:
apenas no sonho da rainha, mudou de lugar e de forma. E continuam,
evidenciando elaboração: foi amaldiçoado e, por fim, originalidade: tem
sobrevivência limitada ao tempo de sono da rainha.
Do breve diálogo é revelado como a literatura é propicia à mediação da
emergência da criatividade, dado que, em virtude de sua estrutura enquanto
obra aberta, que suscita e acolhe inferências, reclama a participação dos
leitores para lhe completar os sentidos, favorecendo a criação. Outro recorte
dessa sessão de leitura mostra como as crianças conceberam o mundo dos
sonhos, onde o rei passou a viver.

QUADRO 31: Episódio de pós-leitura de Entre leão e unicórnio, 2ª sessão

[...]
Melissa: Tem Bigmac com três hambúrgueres e cheddar que derrete na boca!
Renato: Ei, isso é do mundo real!
Melissa: Mas o Bigmac não é desse jeito!
PP: Vamos ouvir? O que mais tem lá?
194

Melissa: Unicórnios e leões, tudo o que você imaginar, você tem. Tem gênios
com pedidos ilimitados, a pessoa pode dirigir com qualquer idade, pode voar,
comer biscoitos gigantes e cinema todo dia!
Stella: Tem fadas, gnomos.

No texto, a ausência intencional de detalhes sobre o mundo dos sonhos


se constituiu em foco de interesse dos sujeitos, que o descreveram com base
em objetos e representações que lhes são familiares e apreciados. Os espaços
vazios do texto literário,

[...] designam menos a lacuna da determinação do objeto


intencional, ou seja, dos aspectos esquematizados, do que a
possibilidade de a representação do leitor ocupar um
determinado vazio no sistema do texto. Os lugares vazios
indicam que não há necessidade de complemento, mas sim a
necessidade de combinação (ISER, 1999, p. 26).

Na direção do expresso, os leitores combinaram elementos do texto


próprio texto, do mundo factual, do repertório literário e criaram uma
representação particular para o mundo dos sonhos expressos na obra. Logo,
observa-se que na apreensão do texto, a criação de sentido abrange uma
complexa rede de relações que o leitor põe em movimento para interagir com a
obra. No caso específico da leitura de literatura em sala de aula, é necessário
destacar a mediação pedagógica no fomento do acesso a tais redes, por meio
de perguntas, da escuta e da promoção das falas dos ouvintes-leitores.
Em outro momento, porém na quarta sessão de leitura de literatura da
pesquisa, as crianças demonstraram estranhamento perante o final de A
primeira só, de Colasanti (2003). O desconforto foi causado pela ausência de
informações sobre a princesa que se lança no lago, buscando, em seu reflexo,
a amiga. A referida passagem está assim escrita:

Então a linda filha do rei atirou-se na água de braços abertos,


estilhaçando o espelho em tantos cacos, tantas amigas que
foram afundando com ela, sumindo nas pequenas ondas com
que o lago arrumava sua superfície (COLASANTI, 2003, p. 50).
195

O envolvimento dos sujeitos com a narrativa culminou com o silêncio


seguido de aplausos ao término da leitura em voz alta, entretanto, a
provocação que os espaços de indeterminação suscitaram, fizeram o grupo
interrogar sobre o desfecho da princesa.

QUADRO 32: Episódio de pós-leitura de A primeira só, 4ª sessão

Ricardo: Acabou?
PP: Sim.
((Aplausos.))
Cristiano: Então, o que houve com ela?
Renato: Ela morreu? Um caco de vidro entrou no olho dela?
PP: Ela tava com os cacos de vidro agora?
Tomás: Não, ela só tinha o pozinho lá.
PP: Ela tá onde agora?
Marcel: No rio, ela morreu afogada.
PP: No lago.
Eli: Ela morreu.
PP: Será?
Cristiano: Sim.
((Crianças começam a reproduzir o mergulho da personagem de braços
abertos.))
PP: O que vocês sentiram quando entraram na água?
Renato: Normal.
Ricardo: Normal.
Eli: O que aconteceu com ela? Conta, professora?
PP: Gente, o texto literário, às vezes, é assim, ele não tem um final, que é pra
gente ficar imaginando esse final, certo? Aí, vocês ficam com ele, pensando,
pensando...
Eli: A:::h ((Criança bate a mão na mesa, demonstrando chateação.))
Ricardo: Não queria saber dos brinquedos, só fazia chorar: depressão, minha
196

filha!

No texto literário, as lacunas permitem o trabalho do leitor e fornecem a


abertura para a renovação do próprio texto a cada leitura. A possibilidade de
depressão elencada por Ricardo apoia-se no próprio texto, como bem expressa
a criança, ao mesmo tempo em que sugere a subjetividade de Ricardo em
conhecer especificidades desse tipo de doença.
―Aqui, onde a voz do narrador se cala, o autor quer que passemos o
resto da vida imaginando o que aconteceu‖ (ECO, 2002, p.13), no que se
percebe o incômodo dos leitores com o final em aberto, no qual a princesa
pode, de fato, estar morta ou vida; impelindo, portanto, os sujeitos a refletirem
sobre essa passagem, a revisar as próprias expectativas para a personagem,
evidenciando a força da literatura em descontinuar costumes rotineiros, em
transgredir para promover novos modos de relação com o leitor. Desse modo,
destaca-se que ler literatura significa aprender sobre literatura: sobre os modos
de se acercar ao texto, de interagir com a leitura e consigo próprio. E, sendo
aprendizagem, envolve todo o sujeito, em sua completude, como o aceite para
um mergulho com a personagem, revelador do convite para uma experiência
estética com todo o corpo.
Como convite à criação, tem-se ainda, alguns episódios da nona sessão
de leitura. Nessa sessão, houve a seleção de 13 poemas do livro O jogo das
palavras mágicas, de Elias José (2012), com ilustrações de Nelson Cruz. Os
poemas selecionados foram: Sol, Circo, Palhaço, Medo, Manhã, Viagem,
Carnaval, Desprezo, Velho, Gato, Domingo, Amigo e Outras caras das palavras
– 2. Eles foram distribuídos entre as crianças que realizaram a leitura em voz
alta, quando chamado o título do poema.
Como estratégia, a fim de que as crianças percebessem de que se
tratava da leitura de palavras que estavam dispostas em modo diferenciado –
modo literário, a pré-leitura foi o momento para avaliar e arejar a concepção
das crianças sobre o que seriam palavras mágicas.
197

QUADRO 33: Episódio de pré-leitura de O jogo das palavras mágicas, 9ª


sessão

PP: Hoje, vamos ler poemas! Esses poemas são do livro O jogo das palavras
mágicas, de Elias José. As ilustrações são de Nelson Cruz. [...]. Vocês
conhecem alguma palavra mágica?
Eli: Por favor.
Tomás: Abracadabra.
Stella: Obrigada.
Renato: Com licença.
Lia: Plift, plaft, pluft.
PP: Será que existem outras palavras mágicas, além das que vocês falaram?
Como será que uma palavra pega magia?
Ricardo: Uma palavra pega magia, quando ela te dá direitos. Um exemplo: se
uma pessoa tá comendo um doce e você pede um pedaço, por favor. A
pessoa te dá.
PP: Certo. O que leremos hoje?
SFMT: Poesia!
PP: Ótimo, então, vou dizer a vocês que existem outras palavras mágicas, fora
por favor, obrigada, com licença. E que existe uma forma dela pegar magia...
Nos livros, quando ela tá em forma de:::
Zoe: poesia!
PP: Isso!

Como estratégia de andaimagem, a professora pesquisadora buscou


sensibilizar as crianças para uma leitura, na qual as palavras estariam
organizadas de modo diferenciado, como alerta Culler (1999). O
reconhecimento de que se está acessando linguagem literária alerta o leitor
para modos também diferenciados de ler. Então, no decorrer da sessão, as
crianças eram convidadas para ler os poemas que tinham em mãos, todavia,
antes de algumas leituras, a professora pesquisadora perguntava às crianças,
198

como ou o que elas falariam sobre aquela palavra. O episódio abaixo


exemplifica o exposto:

QUADRO 34: Episódio de leitura de O jogo das palavras mágicas, 9ª sessão

PP: Lion, como você falaria sobre a palavra palhaço?


Lion: Ah, é um homem que bota maquiagem e faz graça.
PP: E como será que o poeta falou sobre essa palavra? Lê pra gente, Lion, o
poema.
Lion: Palhaço é uma palavra colorida, que dança, rebola, sacode a pança,
salta e tomba, bate e esfola toda a poupança.
((Risos.))
PP: Lion, quando você falou sobre o palhaço, você pensou sobre ele fazer
gracinhas e sobre pintar o rosto. O poeta também, mas vocês perceberam que
no poema tem mais detalhes?
Tomás: Si:::m.
Lion: É.
PP: Ele escolheu bem as palavras que faz a gente lembrar um palhaço.

O exercício de ler e pensar sobre a seleção de palavras nos curtos


poemas do livro constituiu precioso procedimento para observar como a
linguagem literária se articula para sugerir o movimento do leitor ao lê-la, no
estabelecimento de relações, na percepção dos vazios, no espaço de atuação
do leitor e no exercício de criação. Pensar sobre as palavras mágicas,
―encantadas‖ pelo autor, significa exercício de desautomatização sobre termos
que cotidianamente são usados e reflexão sobre como a linguagem, em função
estética, se apresenta de maneira inaugural, requerendo postura de
descoberta, de criação e inventividade ao ler.
Assim, após, a leitura dos poemas selecionados e de questionamentos
sobre como seriam abordadas determinadas palavras, os leitores foram
chamados para encantar palavras do cotidiano, quais sejam: infância, praia e
futebol.
199

QUADRO 35: Episódio de pós-leitura de O jogo das palavras mágicas, 9ª


sessão

PP: Como ficamos ouvindo sobre encantamento de palavras, queria saber


como vocês poderiam falar sobre infância, ma:::s pensando nas palavras
mágicas.
Renato: Infância é um tempo legal, que se diverte e que se aprende.
Eli: A infância é o começo da nossa vida.
Renato: Vou ajudar Eli: que se aprende e se brinca. ((Criança faz gesto de
continuidade.))
Sâmia: A criança se diverte.
Cristiano: Infância, lembranças, lambanças.
Marcel: Infância, lembrança, lambança, bagunça e amizade.
PP: Parabéns! Gostei. E pra palavra praia?
Tomás: Eu!
Melissa: Diversão, amigos e família.
Tomás: Praia é lugar de areia e mar, calor e sol.
Sâmia: Na praia a gente se diverte e se machuca.
PP: Ok, ótimo. E pra palavra futebol?
Eli: Futebol é o melhor esporte e eu sou bom nisso, vou jogar sexta contra
outro time e vamos ganhar.
PP: Legal, Eli, boa sorte lá.
Renato: Futebol é divertido, futebol é brincalhão. Jogo com os amigos e me
divirto pra caramba.
Tomás: O futebol é um bom esporte pra se praticar, o pé chuta a bola para o
gol marcar.

Nota-se que algumas crianças ensaiaram uma produção mais arejada e


não usual, provocando o pensamento criativo, combinando palavras para
formar um conjunto coerente. Encantar palavras permitiu a experimentação da
incompletude, do exercício embrionário de fomentar lacunas na produção e
comunicação de ideias, como as expressadas por Cristiano, Tomás, Melissa e
200

Marcel, além da vivência do lugar da produção, que significa criar relações


veladas, não ditas, entre as palavras, mas que inspiram o trabalho criativo do
leitor.
O aprendizado oportunizado pela interação dos sujeitos com a literatura
proporciona renovação na percepção sobre a própria linguagem, sobre os
modos de ler e de notar o uso das palavras, sugerindo que ler literatura é
processo criativo, viabilizado pelas sensações e sentidos experimentados e
apreendidos pelo leitor.

6.3.2 Imaginação e literatura

Segundo Vigotski (2014), a imaginação desenvolve-se em duas


direções: uma reprodutiva, relacionada à memória e outra criativa que supera a
memória. Embora o termo direção inspirem caminhos opostos, o
desenvolvimento da imaginação nos dois caminhos é dialético, uma vez que o
que hoje constitui memória, ontem foi projeção criativa. Baseando-se nessa
compreensão, Vigotski (2014) chama atenção para a urgência em proporcionar
ricas experiências aos sujeitos, pois elas constituirão materiais para a memória
e, por conseguinte, à criação.

[...] a atividade criadora da imaginação está relacionada


diretamente com a riqueza e a variedade da experiência
acumulada pelo homem, uma vez que essa experiência é a
matéria-prima a partir da qual se elaboram as construções da
fantasia (VIGOTSKI, 2014, p. 12).

Diante do exposto, lança-se um olhar sobre a literatura que proporciona


experiência, sendo ensaio de e para a vida (AMARILHA, 2009; ZILBERMAN;
SILVA, 2008; YUNES, 2003). Ler literatura possibilita ao indivíduo o
conhecimento sobre outras vidas, pois a perspectiva da alteridade permite a
experimentação de outros modos de sentir e compreender a realidade, o que
formará repertório para a imaginação e criação.
201

De modo recorrente, Vigotski (2014) assinala o viés social e cultural da


criatividade, veiculado por meio de trocas simbólicas entre os sujeitos, através
do jogo, da literatura, do teatro, da pintura, uma vez que orientam,
internamente, a construção de aprendizados complexos. No caso específico da
literatura, a ficção, a imaginação e a realidade desenham espaços nos quais o
leitor transita, interage, ficcionaliza, cria e retorna ao mundo factual imerso em
conhecimento (AMARILHA, 2013).
Na sétima sessão da pesquisa que propôs a leitura da história Miragens,
de Lobato (2014c), as crianças assinalam a importância da imaginação, como
atividade simbólica, porque remete a objetos em sua ausência, e criativa, pois
cria o que não existe.

QUADRO 36: Episódio de pós-leitura de Miragens, 7ª sessão

PP: Por que será que na história, Narizinho dizia que o mundo fica três vezes
mais bonito quando ela fechava os olhos?
Ricardo: Porque ela ficava imaginando.
PP: Será que imaginar é uma atividade importante?
Renato: É sim, porque ela podia imaginar coisas que não tinha.
Eli: Era como um sonho, tipo coisas que ela não pode imaginar de olhos
abertos.
Ricardo: Ela imaginou coisas bonitas.
Melissa: Eu ia dizer isso, Ricardo.
Sofia: Eu imaginava as coisas, sabia? O que eu não tinha ou queria.

Esse curto recorte da sessão evidencia que os leitores usufruem da


atividade imaginativa como forma de extravasar a própria existência,
elaborando mentalmente objetos em sua ausência, em se projetarem como
detentores de algo que não possuem e ainda como expressão da necessidade
do belo. Tal ação manifesta a ―emancipação da criança em relação às
restrições situacionais‖ (Vigotski, 2007, p. 117), ampliando as possibilidades de
criação, porque fecunda a experiência.
202

A terceira sessão de leitura de literatura da pesquisa trouxe a história A


partida, de Lobato (2014a), presente no livro Reinações de Narizinho. Para
este encontro, as crianças tinham o livro em mãos e, como de costume,
estavam em roda, em suas carteiras escolares. A leitura foi feita em voz alta,
pela professora pesquisadora.
No enredo apresentado, alguns personagens de contos clássicos
deixam objetos mágicos no sítio do Picapau Amarelo, fato que em certo
momento estruturou o diálogo com os sujeitos da pesquisa.

QUADRO 37: Episódio de pós-leitura de A partida, 3ª sessão

PP: Vocês viram que no texto tem uma parte que as crianças, quando
descobriram essas coisas, elas ficaram imaginando aventuras mais
extraordinárias que aquelas que os livros contam. Vocês lembram?
SFMT: Sim!
PP: O que será que Pedrinho ia fazer com a lâmpada mágica?
Eli: Ele ia desejar o jacaré que engoliu o capitão e ia pedir várias coisas de
histórias.
Ricardo: Não, mas ele pediu isso ao Peter Pan.
Zoe: Ele podia fazer pedidos ao gênio.
PP: E o que ele pediria de tão extraordinário?
José: Eu acho que ele ia pedir um bodoque mágico.
PP: E o que ele faria com esse bodoque mágico?
José: Não sei ((+)), quando ele tacasse o bodoque, aí, aquela coisa que foi
ticada pelo bodoque ia se transformar em outra coisa.
Branca: Eu acho que eles podiam usar esses objetos, mas a lâmpada quando
ele fizesse os três desejos, ele podia devolver.

O fragmento apresenta que as crianças, com domínio de conhecimento


sobre os contos clássicos, conseguem imaginar usos para emblemática
lâmpada mágica, mas considerando na criação, a realidade do personagem
Pedrinho do sítio do Picapau Amarelo. Nesse sentido, observa-se que a
203

memória leitora influencia a imaginação das crianças, que usam saberes


referentes a duas narrativas para criar outras realidades, ficcionalizadas, porém
legitimadas pelo enredo de ambas: o gênio da lâmpada concede desejos e
Pedrinho aprecia aventuras e tem um bodoque.
Na mesma direção segue o episódio abaixo, no qual as crianças e a
pesquisadora continuam o exercício de imaginar realidades para os
personagens:

QUADRO 38: Episódio de pós-leitura de A partida, 3ª sessão

PP: O que será que Narizinho ia fazer com a bota de sete léguas?
Ricardo: Eu sei! Ela ia brincar com Emília e Pedrinho de tica-tica, esconde-
esconde e tal, ia calçar as botas e correr bem rápido, fazer várias corridas e
tal, porque ela falou, disse que agora ninguém me pega. ((Criança recorre ao
texto para indicar a passagem da história.))
PP: Isso. Alguém mais tem alguma ideia do que Narizinho pode fazer com a
bota de sete léguas? Alguém queria essa bota?
SFMT: Sim!
Guido: Eu queria a lâmpada de Aladim!
Eli: Eu, pra usar num campeonato de futebol, calçava a bota, saía correndo e
fazia gol.

Com estratégia semelhante a do episódio anterior, as respostas dos


aprendizes sinalizam conhecimento sobre literatura e o emprego desse saber,
demonstrando coerência ao articular informações de duas narrativas,
produzindo novas relações de forma legitimada, pois esses elementos do
mundo clássico deixados no sítio do Picapau Amarelo representam,
simbolicamente, suas respectivas narrativas e as crianças, ao colocarem esses
elementos em interação com uma nova perspectiva, consideram as
singularidades do enredo de origem.
Esse exercício é proporcionado pelo aprendizado da leitura de ficção,
visto que ―no ato de ler, o indivíduo projeta sobre o texto seu conhecimento de
mundo e sua capacidade de recombiná-lo, mental e imaginativamente. O
204

resultado é uma elaboração tão ficcional quanto o texto de onde partimos [...]‖
(AMARILHA, 2013, p. 81).
Seguindo o exercício de imaginar, Eli percorre uma trajetória diferente.
Encorajado pela professora pesquisadora, imagina a posse da bota de sete
léguas em seu cotidiano, então, cria uma realidade onde seria um jogador de
futebol melhor, devido à velocidade que alcançaria com as botas. A leitura de
literatura proporcionou a criação de uma realidade inexistente ao leitor,
corroborando, portanto, o posicionamento de que a literatura, como experiência
nutre a memória e a imaginação, possibilitando a criação de algo, de fato, não
existente no mundo factual.
Nessa perspectiva, os sujeitos da pesquisa foram solicitados a pensar
em usos para os objetos deixados no sítio: bota de sete léguas, espelho
mágico e lâmpada mágica, mas em uma perspectiva diferenciada, combinando
esses elementos com o que a turma do 4º ano estudava naquele momento:
Tecnologias. A pergunta feita às crianças propunha o seguinte:

QUADRO 39: Pergunta mobilizadora da discussão pós-leitura de A partida, 3ª


sessão

Imaginem que vocês encontraram a bota de sete léguas, o espelho mágico ou


a lâmpada mágica. Como vocês os utilizariam? Quais usos fariam? E se esse
objeto do mundo maravilhoso pudesse ser combinado com o Tema de
Pesquisa da turma, TECNOLOGIAS, o que poderia ser feito ou criado?
Lembrem-se, vocês estão com algo poderoso que pode fazer muita coisa no
mundo real!

A partir da proposição, houve a distribuição das crianças em três grupos


e cada um deles recebeu o comando, com especificação sobre o objeto do
mundo maravilhoso. As criações das crianças são descritas nos episódios de
fala abaixo:
205

QUADRO 40: Episódio de pós-leitura de A partida, 3ª sessão

PP: Ok, grupo de Renato, Eli, Marcel, Lion e José pode dizer as ideias que
tiveram. Que objeto vocês encontraram?
Eli: A bota.
PP: A bota. E o que vocês criariam? Vamos ouvir!
Renato: Um: bota que sai raio; dois: um foguete; três: bota multiuso, você quer
jogar futebol, você bota as travas, aí, tira as travas, bota uma roda atrás.
PP: O que mais?
Renato: Bota com asas pra voar, uma bota que carrega o celular, bota
elétrica, aí você pode carregar o celular e bota dançante pra quem não sabe.
PP: Massa, valeu! Agora, Branca, Lia e Ane vão dizer pra gente o que
conseguiram fazer com o espelho mágico.
Branca: O espelho pode ser utilizado como Google, porque tudo o que se
pergunta, ele responde. Realizar alguns desejos, como: conhecer os nossos
ídolos, comida e brinquedos. A branca de Neve usa o espelho para conversar
e ser amigo. Então, ele não é um espelho qualquer, ele tem vida e tem rosto.
PP: Ótimo! Agora, Zoe, Sâmia, Ricardo, Pedro, Otto, Melissa e Guido são as
crianças da lâmpada.
Melissa: A gente transformaria a lâmpada em um fazedor de tecnologias.
PP: Um fazedor de tecnologias? Como assim?
Melissa: Ela ia atualizar o mundo e todas as tecnologias. Por exemplo, a luz ia
acender com gesto, a TV ia mudar piscando. Ela ia mudar tudo o que já existe
pra melhor.
PP: Tipo, uma atualização?
Melissa: É!

Nas vozes das crianças se percebe como a memória/repertório


influencia suas respostas inventivas, mas também como a imaginação desses
elementos mágicos combinados com tecnologia será agregada à memoria de
cada um e passarão a compor um catálogo de memórias pessoais. De forma
lúdica, porque a experiência literária é o cerne de toda a pesquisa, as crianças
206

exercitam a quarta forma de ligação entre fantasia e realidade expressa por


Vigotski (2014, p. 19), quando os produtos da imaginação, ―a construção da
fantasia pode representar algo essencialmente novo, não existente na
experiência do homem‖, sublinhando que a leitura de literatura é imprescindível
à imaginação, logo, à criatividade.
O acesso à arte, a arte literária, areja o pensamento sobre a realidade,
permite transgressões simbólicas que embelezam o estar no mundo,
ressignificam o conhecido, o usual, fomenta a imaginação e a experimentação
de si, do outro e do mundo em linguagem simbólica.
207

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito de investigar, na mediação pedagógica da atividade de


leitura de literatura, a emergência do pensamento criativo em crianças dos
anos iniciais do ensino fundamental deu forma à motivação para o estudo. De
posse desse intuito, um caminho significativo e que tocasse nos meandros
envoltos nessa problemática foi percorrido, considerando a interface
estabelecida no estudo – literatura, educação e criatividade – e a complexidade
de implementação de sua proposta: congregar, em uma situação de ensino, a
literatura, sujeitos e a mediação de vozes e saberes.
As reflexões contidas ao longo do trabalho autorizam o entendimento
sobre o desenvolvimento do pensamento criativo no processo de mediação
pedagógica da leitura de literatura. Olhar para os episódios destacados
verticaliza a compreensão da literatura como obra de arte que se abre para a
criatividade de seu leitor por meio de esforços mediados. Em tal processo, o
professor desponta como mediador de leitura, de vozes, de saberes,
recorrendo a perguntas que fomentem o diálogo, a divergência e evidenciem,
aos leitores, os vazios da linguagem estética que os convoca à criação.
No processo de mediação pedagógica, destaca-se a valorização da
experiência com a linguagem simbólica, com a literatura, ao promover uma
forma propositiva para os leitores se relacionarem com esse tipo de texto, pelo
convite à leitura, pela possibilidade de falarem sobre suas impressões, de
opinarem e refletirem, coletivamente, sobre as histórias lidas e também, sobre
as vozes de seus pares. Ouvir as respostas do aprendiz revela a essência do
movimento de seu pensamento, ora convergente, ora divergente, mas em
trânsito dinâmico de apreciação do estético e, por isso, arejado e aberto às
possibilidades oferecidas pela ficção.
Tal percepção traduz a complexidade da ação educativa e formativa na
leitura de literatura, exigindo do professor clareza sobre o que envolve a
presença da literatura na escola: formação de repertório, de experiência,
capacidade de exercer a imaginação, o simbólico, de ter acesso à língua em
arranjos especiais, de experimentação da ficção e de expressar o lido de
formas diversas, mas, especialmente, por meio do diálogo, por compreender
208

que a linguagem estrutura o pensamento e é espaço de interação com o outro


e com o mundo.
Reconhecer os aspectos formativos da literatura perpassa também
entender como a literatura é afim à criatividade. Sendo atividade de experiência
e provocativa em seus vazios e em sua estrutura, convida o leitor à criação,
pelo arejamento das ideias, pela criação de novas relações com e entre as
palavras, pelo exercício de coautoria e de experimentação sugerido pela
linguagem simbólica. Assentir o aspecto formativo da literatura permite validar
a necessidade de um trabalho sistemático com a literatura em sala de aula que
propicie a expressão das vozes dos leitores, na compreensão de que o
pensamento criativo é uma construção subjetivada, atravessada pelas
vivências, trocas compartilhadas e acesso à produção cultural.
Por meio do estudo, avultou-se a relevância da proposição de perguntas
como um caminho para facilitar a emergência do pensamento criativo no
processo de mediação da leitura de literatura. Perceber quais tipos de
perguntas são relevantes e mobilizam os sujeitos na busca de respostas não
óbvias, mas que representem a forma como cada um constrói seu caminho no
desenvolvimento do pensamento criativo foi determinante na construção dos
dados apresentados, pois implicam compreender as perguntas como forma de
promover o diálogo, o exercício da divergência, do respeito ao pensamento
contrário, da construção coletiva e, sobretudo, da provocação por outras
formas de pensar e analisar uma situação.
Tal ação promove o espaço para as vozes do texto e dos leitores, que
em fusão criativa, constroem novas leituras e perspectivas para o lido,
redirecionando o pensamento, aprofundando entendimentos, ressignificando
sentidos. Mediar as vozes suscitadas no exercício de perguntar (e de
responder) significa atuar na construção de andaimes, na zona do
desenvolvimento potencial dos aprendizes, levando-os a novos níveis de
compreensão sobre a leitura, condição leitora e processos criativos,
considerando, por meio da mediação, o refinamento na forma de interagir com
a literatura.
Outro dado relevante e que estima o sentido de comunidade e de
pertencimento, favorecendo a criatividade, diz respeito à mediação entre pares,
209

quando a pergunta (ou resposta) de uma criança se torna andaime para que
outra avance na construção da aprendizagem, da criatividade. De natureza
diferente dos andaimes implementados pelo professor, porque mais diretivos e
intencionais pedagogicamente, as crianças, a seu modo, instalaram andaimes
em suas falas, quando o que diziam se constituía em aprendizagem para outro
par. Esse dado revela indícios de aprendizagem coletiva, por meio da leitura e
discussão de histórias, o que também concorre à criatividade, revelando que
agrupamentos coletivos propiciam o desenvolvimento do pensamento criativo.
Os fundamentos teóricos do estudo também desvelam entendimento
sobre o objetivo pretendido, subsidiando a compreensão sobre criatividade,
leitura, leitor, literatura e mediação. Os apontamentos sobre criatividade
revelam a sua variedade de definições: abordagens míticas, cognitivas, sociais.
A perspectiva histórico-cultural assumida na pesquisa anuncia que a
criatividade é uma potencialidade humana e que se desenvolve, a partir da
interação do sujeito com o outro, com objetos da cultura e que nesse processo
condicionantes sociais, históricos e culturais atuam fortemente. Entende-se
também seu aspecto subjetivado, que expressa as particularidades dos
indivíduos, suas necessidades, saberes e experiência (VIGOTSKI, 2014).
A perspectiva de criatividade do estudo se alinha com o entendimento de
leitura defendido, pois subentende o viés criativo e construtivo do ato de ler.
Seguindo a acepção de que ler é estabelecer relações (SMITH, 2003), o sujeito
ao ler, aciona repertório, experiência, esforços cognitivos, físicos e emocionais
e veste de sentido o material lido. Nesse momento, leitor e texto se encontram
e definem o acontecimento da leitura, encontro virtual, no qual as
singularidades dos sujeitos e as indeterminações do texto colaboram para a
produção de sentido (ISER, 1996, 1999).
O leitor, nessa construção é sujeito ativo do ato de ler, aprofunda o texto
com sua subjetividade e repertório, ampliando o lido em caminhos criativos e
singulares, pois expressam a particularidade desse encontro.
Já os estudos sobre literatura corroboraram sua identificação como arte,
expressando sua natureza fruitiva e que não serve a fins utilitaristas. Essa
compreensão sobre a literatura potencializa a reflexão sobre a sua presença na
escola, que deve primar pela acuidade na experiência com a linguagem, com o
210

simbólico, convocando os leitores para experimentação de outros modos de


perceber a ficção e de se relacionar com textos literários.
Sobre mediação pedagógica é interessante expressar a amplitude dessa
ação, considerando as atividades desempenhadas na pesquisa. A mediação
evidenciada no estudo envolve toda ação docente que antecede a realização
de uma aula.
Nesse sentido, são saberes que agregam ao conceito de mediar:
conhecer os educandos; selecionar material de leitura de literatura, salientando
qualidades literárias e o conhecimento que se tem sobre os aprendizes;
planejar aulas de leitura de literatura, respeitando seu estatuto de arte, ou seja,
colocando no centro da aula a experiência com a palavra e os leitores; ler
antecipadamente, cuidadosamente, o material selecionado, na apreensão de
que a voz narrante é elemento primordial para a significação do texto e planejar
estratégias de acercamento ao texto.
Ter clareza sobre os procedimentos anteriores à leitura repercute nos
modos de recepção do texto literário, uma vez que permite antever,
redirecionar e aprofundar estratégias conforme o envolvimento e
responsividade do grupo leitor. Alargar a compreensão sobre os processos de
mediação pedagógica apontam a complexidade do fazer docente no que diz
respeito à presença da literatura em sala de aula.
Outro dado da pesquisa se refere à metodologia da andaimagem
(scaffolding) como um procedimento afim ao desenvolvimento do pensamento
criativo, uma vez que há interseções em ambas as compreensões: motivação,
engajamento, ativação de experiência prévia, abertura à divergência, a
questionamentos, a pluralidade de ideias, requer interação, pressupõe
repertório e criação são alguns aspectos tangenciais. Dessa forma, revelou-se
como estratégia eficaz para a aproximação dos leitores ao texto e para
favorecer a emergência do pensamento criativo, garantindo voz aos sujeitos e
escuta atenta as suas falas.
Diante do exposto, ratifica-se a tese de que a mediação pedagógica
contribui para a emergência do pensamento criativo na aula de leitura de
literatura, pois foi possível reconhecer, na trajetória percorrida, que ações
pedagógicas intencionais fomentaram a emergência da criatividade dos
211

aprendizes; respeitando, no processo, as especificidades que atravessam esse


fazer, quais sejam: concepções de leitura, leitor, literatura e criatividade.
Em suma, o estudo apontou que a mediação pedagógica, por meio de
estratégias favorecedoras de experiências com a linguagem simbólica, propicia
a emergência do pensamento criativo dos leitores; desvelou a necessidade de
conhecimento específico sobre leitura, leitor, literatura e criatividade como
saberes necessários à prática pedagógica com o ensino de literatura. De modo
paralelo, a pesquisa revela também a importância de conhecimento docente
nas áreas fronteiriças à educação, como psicologia e literatura, por exemplo.
Evidenciou a relevância do planejamento para as aulas de literatura,
que, na condição de arte, requer tratamento diferenciado, chamando atenção
para sua estrutura, para a constituição das narrativas e as possibilidades que
ela abre para o diálogo com o leitor; esclarece ainda que planejar garante
espaço produtivo para as falas dos sujeitos, pois prevê as perguntas e
provocações a serem feitas.
O exercício de pesquisar também revelou que literatura é repertório para
a criação; assim, quanto mais se lê, mais se poderá criar, transgredir, inventar,
pois a leitura se agrega ao repertório com o qual o sujeito cria ao longo da vida.
Ler é possibilidade criativa.
E, por fim, as vozes dos sujeitos sinalizaram que a mediação
pedagógica na aula de literatura favoreceu a emergência da criatividade à
medida que possibilitou abertura para o diálogo, expressão do pensamento de
forma coletiva, por meio da valorização das vozes do texto e dos leitores e a
formação de repertório em ambiente escolar, reposicionando o ensino de
literatura frente às demandas educacionais emergentes.
212

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229

9 ANEXOS
Anexo A
A PÍLULA FALANTE (Monteiro Lobato)
No outro dia, a menina levantou-se muito cedo para levar a boneca ao
consultório do doutor Caramujo. Encontrou-o com cara de quem havia comido
um urutu recheado de escorpiões.
— Que há, doutor?
— Há que encontrei o meu depósito de pílulas saqueado. Furtaram-me
todas...
— Que maçada! - exclamou a menina aborrecidíssima. — Mas não pode
fabricar outras? Se quiser, ajudo a enrolar.
— Impossível. Já morreu o besouro boticário que fazia as pílulas, sem
haver revelado o segredo a ninguém. A mim só me restava um cento, das mil
que comprei dos herdeiros. O miserável ladrão só deixou uma — e imprópria
para o caso porque não é pílula falante.
— E agora?
— Agora, só fazendo uma certa operação. Abro a garganta da boneca
muda e ponho dentro uma falinha, respondeu o doutor, pegando na sua faca
de ponta para amolar. Já providenciei tudo.
Nesse momento ouviu-se grande barulheira no corredor.
— Que será? - indagou a menina surpresa. — É o papagaio que vem
vindo — declarou o doutor.
— Que papagaio, homem de Deus? Que vem fazer aqui esse papagaio?
Mestre Caramujo explicou que como não houvesse encontrado suas
pílulas mandara pegar um papagaio muito falador que havia no reino. Tinha de
matá-lo para extrair a falinha que ia pôr dentro da boneca.
Narizinho, que não admitia que se matasse nem formiga, revoltou-se
contra a barbaridade.
— Então não quero! Prefiro que Emília fique muda toda a vida a
sacrificar uma pobre ave que não tem culpa de coisa nenhuma.
230

Nem bem acabou de falar, e os ajudantes do doutor, uns caranguejos


muito antipáticos, surgiram à porta, arrastando um pobre papagaio de bico
amarrado. Bem que resistia ele, mas os caranguejos podiam mais e eram
murros e mais murros.
Furiosa com a estupidez, Narizinho avançou de sopapos e pontapés
contra os brutos.
— Não quero! Não admito que judiem dele! — berrou vermelhinha de
cólera, desamarrando o bico do papagaio e jogando as cordas no nariz dos
caranguejos.
O doutor Caramujo desapontou, porque sem pílulas nem papagaios era
impossível consertar a boneca. E deu ordem para que trouxessem o segundo
paciente.
Apareceu então o sapo num carrinho. Teve de vir sobre rodas por causa
do estufamento da barriga; parece que as pedras haviam crescido de volume
dentro. Como ainda estivesse vestido com a saia e a touca da Emília, Narizinho
viu-se obrigada a tapar a boca para não rir-se em momento tão impróprio.
O grande cirurgião abriu com a faca a barriga do sapo e tirou com a
pinça de caranguejo a primeira pedra. Ao vê-la à luz do sol sua cara abriu-se
num sorriso caramujal.
— Não é pedra, não! — exclamou contentíssimo. — É uma das minhas
queridas pílulas! Mas como teria ela ido parar na barriga deste sapo?... Enfiou
de novo a pinça e tirou nova pedra. Era outra pílula! E assim foi indo até tirar lá
de dentro noventa e nove pílulas.
A alegria do doutor foi imensa. Como não soubesse curar sem aquelas
pílulas, andava com medo de ser demitido de médico da corte.
— Podemos agora curar a senhora Emília — declarou ele depois de
costurar a barriga do sapo.
Veio a boneca. O doutor escolheu uma pílula falante e pôs-lhe na boca.
— Engula duma vez! — disse Narizinho, ensinando à Emília como se
engole pílula. — E não faça tanta careta que arrebenta o outro olho.
Emília engoliu a pílula, muito bem engolida, e começou a falar no mesmo
instante. A primeira coisa que disse foi: ―Estou com um horrível gosto de sapo
231

na boca!‖ E falou, falou, falou mais de uma hora sem parar. Falou tanto que
Narizinho, atordoada, disse ao doutor que era melhor fazê-la vomitar aquela
pílula e engolir outra mais fraca.
— Não é preciso — explicou o grande médico. — Ela que fale até
cansar. Depois de algumas horas de falação, sossega e fica como toda gente.
Isto é ―fala recolhida‖, que tem de ser botada para fora. E assim foi. Emília falou
três horas sem tomar fôlego. Por fim calou-se.
— Ora graças! - exclamou a menina. — Podemos agora conversar como
gente e saber quem foi o bandido que assaltou você na gruta. Conte o caso
direitinho. Emília empertigou-se toda e começou a dizer na sua falinha fina de
boneca de pano:
— Pois foi aquela diaba da dona Carocha. A coroca apareceu na gruta
das cascas...
— Que cascas, Emília? Você parece que ainda não está regulando...
— Cascas, sim - repetiu a boneca teimosamente. — Dessas cascas de
bichos moles que você tanto admira e chama conchas. A coroca apareceu e
começou a procurar aquele boneco...
— Que boneco, Emília?
— O tal Polegada que furava bolos e você escondeu numa casca bem lá
no fundo. Começou a procurar e foi sacudindo as cascas uma por uma para ver
qual tinha boneco dentro. E tanto procurou que achou. E agarrou na casca e foi
saindo com ela debaixo do cobertor...
— Da mantilha, Emília!
— Do COBERTOR.
— Mantilha, boba!
— COBERTOR. Foi saindo com ela debaixo do COBERTOR e eu vi e
pulei para cima dela. Mas a coroca me unhou a cara e me bateu com a casca
na cabeça, com tanta força que dormi. Só acordei quando o doutor Cara de
Coruja...
— Doutor Caramujo, Emília!
— Doutor CARA DE CORUJA. Só acordei quando o doutor CARA DE
CORUJÍSSIMA me pregou um liscabão.
232

— Beliscão — emendou Narizinho pela última vez, enfiando a boneca no


bolso. Viu que a fala da Emília ainda não estava bem ajustada, coisa que só o
tempo poderia conseguir. Viu também que era de génio teimoso e asneirenta
por natureza, pensando a respeito de tudo de um modo especial todo seu. -
Melhor que seja assim, — filosofou Narizinho. - As ideias de vovó e tia Nastácia
a respeito de tudo são tão sabidas que a gente já as adivinha antes que elas
abram a boca. As ideias de Emília hão de ser sempre novidades.
E voltou para o palácio, onde a corte estava reunida para outra festa que
o príncipe havia organizado. Mas assim que entrou na sala de baile, rompeu
um grande estrondo lá fora — o estrondo duma voz que dizia:
— Narizinho, vovó está chamando...
Tamanho susto causou aquele trovão entre os personagens do reino
marinho, que todos se sumiram, como por encanto. Sobreveio então uma
ventania muito forte, que envolveu a menina e a boneca, arrastando-as do
fundo do oceano para a beira do ribeirãozinho do pomar.
Estavam no sítio de dona Benta outra vez.
Narizinho correu para casa. Assim que a viu entrar, dona Benta foi
dizendo:
— Uma grande novidade, Lúcia. Você vai ter agora um bom
companheiro aqui no sítio para brincar. Adivinhe quem é?
A menina lembrou-se logo do Major Agarra, que prometera vir morar
com ela.
— Já sei vovó! É o Major Agarra-e-não-larga-mais. Ele bem me falou
que vinha. Dona Benta fez cara de espanto. — Você está sonhando, menina.
Não se trata de major nenhum.
— Se não é o sapo, então é o papagaio! - continuou Narizinho,
recordando-se de que também o papagaio prometera vir visitá-la.
— Qual sapo, nem papagaio, nem elefante, nem jacaré. Quem vem
passar uns tempos conosco é o Pedrinho, filho da minha filha Antonica.
Lúcia deu três pinotes de alegria.
— E quando chega o meu primo? - indagou.
233

— Deve chegar amanhã de manhã. Apronte-se. Arrume o quarto de


hóspedes e endireite essa boneca. Onde se viu uma menina do seu tamanho
andar com uma boneca em fraldas de camisa e de um olho só?
— Culpa dela, dona Benta! Narizinho tirou minha saia para vestir o
sapão rajado — disse Emília falando pela primeira vez depois que chegara ao
sítio. Tamanho susto levou dona Benta, que por um triz não caiu de sua
cadeirinha de pernas serradas. De olhos arregaladíssimos, gritou para a
cozinha:
— Corra, Nastácia! Venha ver este fenómeno... A negra apareceu na
sala, enxugando as mãos no avental.
— Que é, sinhá? - perguntou.
— A boneca de Narizinho está falando!... A boa negra deu uma risada
gostosa, com a beiçaria inteira.
— Impossível, sinhá! Isso é coisa que nunca se viu. Narizinho está
mangando com mecê.
— Mangando o seu nariz! — gritou Emília furiosa — Falo, sim, e hei de
falar. Eu não falava porque era muda, mas o doutor Cara de Coruja me deu
uma bolinha de barriga de sapo e eu engoli e fiquei falando e hei de falar a vida
inteira, sabe?
A negra abriu a maior boca do mundo.
— E fala mesmo, sinhá!... — exclamou no auge do assombro.
— Fala que nem uma gente! Credo! O mundo está perdido...
E encostou-se à parede para não cair.
234

Anexo B
ENTRE LEÃO E O UNICÓRNIO (Marina Colasanti)
No meio da noite de núpcias, o rei acordou tocado pela sede. Já ia se
levantar, quando junto à cama, do lado da sua recém-esposa, viu deitado um
leão.
— Na certa — pensou o rei mais surpreso do que assustado — estou
tendo um pesadelo.
E mudando de posição para interromper o sonho mau, deitou a real
cabeça sobre o real travesseiro. Em seguida, adormeceu.
De fato, na manhã seguinte, o leão havia desaparecido sem deixar
cheiro ou rastro. E o rei logo esqueceu de tê-lo visto.
Esquecido ficaria, se dali a algum tempo, acordando à noite entre um
suspiro e um ronco, não deparasse com ele no mesmo lugar, fulvo e vigilante.
Dessa vez, custou mais a adormecer.
Quando a rainha despertou, o rei contou-lhe do estranho visitante
noturno que já por duas vezes se apresentava em seu quarto.
— Oh! Senhor meu marido — disse-lhe esta constrangida —, não ousei
revelar antes do casamento, mas desde sempre esse leão me acompanha.
Mora na porta do meu sono, e não deixa ninguém entrar ou sair. Por isso não
tenho sonhos, e minhas noites são escuras e ocas como poço.
Penalizado, o rei perguntou o que poderia fazer para livrá-la de tão cruel
carcereiro.
Quando o leão aparecer – respondeu ela –, pegue a espada e corte-lhe
as patas.
Naquela mesma noite, antes de deitar, o rei botou ao lado da cama
sua espada mais afiada. E assim que abriu os olhos na semi-escuridão, zac!
Decepou as patas da fera de um só golpe. Depois, mais sossegado, retomou o
sono.
Durante algum tempo dormiu todas as noites até de manhã, sem
sobressaltos. Mas numa madrugada quente em que os edredons de pluma
pareciam pesar sobre seu corpo, acordando todo suado viu que o quarto real
estava invadido por dezenas de beija-flores e que um enxame de abelhas se
235

agrupava na cabeceira. Depressa cobriu a cabeça com o lençol, e debaixo


daquela espécie de mortalha atravessou as horas que ainda o separavam do
nascer do dia. Só ao perceber o primeiro espreguiçar-se da rainha, emergiu de
dentro da cama, contando-lhe da bicharada.
— É que dormindo ao seu lado, meu caro esposo, cada vez mais doces
e mais floridos se fazem meus sonhos — explicou ela, sorrindo com ternura.
E ele, desvanecido com tanto amor, pousou-lhe um beijo na testa.
Muitos meses se foram, tranquilos.
Porém uma noite, tendo jantado mais do que devia à mesa do banquete,
o rei acordou em meio ao silêncio. Levantou-se disposto a tomar um pouco de
ar no balcão, quando, caracoleando sobre o mármore real do aposento, viu
aproximar-se um unicórnio azul.
Não ousou tocar animal tão inexistente. Não ousou voltar para cama.
Perplexo, saiu para o terraço, fechou rapidamente as portas envidraçadas, e
encolhido num canto esperou que a manhã lhe permitisse interpelar a rainha.
— É a montada da minha imaginação — escusou-se ela. — Leva meus
sonho lá onde eu não tenho acesso. Galopa a noite inteira sem que eu tenha
controle.
Tão bonito pareceu aquilo ao rei, que na noite seguinte, quer por desejo,
quer por acaso, no momento em que a mulher adormeceu, ele acordou. Lá
estava o unicórnio com seu chifre de cristal, batendo de leve os cascos, pronto
para a partida. Desta vez o rei não temeu. Levou-lhe a mão ao pescoço, alisou
o suave azul do pelo, e de um salto montou.
Unicórnios de sonho não relincham. Aquele levantou a cabeça, sacudiu
a crina, e como se pisasse nos caminhos do vento, partiu a galope.
Galoparam a noite toda. Mas antes que o sol nascesse, quando a
escuridão apenas começava a derreter-se no horizonte, os cascos mais uma
vez pousaram no mármore. E a real cabeça deitou-se no travesseiro.
— Sonhei que vossa majestade fugia com a montada de minha
imaginação — disse a rainha ao esposo, de manhã. — Mas estou bem
contente em vê-lo agora aqui ao meu lado – acrescentou numa reverência.
236

O rei, porém, mal conseguia esperar pelo fim do dia. Tão rica e vasta
havia sido a viagem, que só desejava montar novamente naquele dorso, e, azul
no ar azul, descobrir novos rumos. Pela primeira vez as tarefas da coroa lhe
pareceram pesadas, e tediosa a corte. Da rainha, só desejava que, rápido,
adormecesse.
Dessa forma, noite após noite, partiu o rei nas costas do unicórnio, para
só retornar ao amanhecer.
E a cada noite, mais diferente ficou.
Já não queria guerrear, nem dançar nos salões. Já não se interessava
por caçadas ou tesouros. Trancado sozinho na sala do trono durante horas,
pensava e pensava, galopando na lembrança, livre como o unicórnio.
Ressentia-se porém a rainha com aquela ausência. Doente, quase, de
tanta desatenção, mandou por fim chamar a mais fiel das suas damas de
companhia. E em grande segredo deu-lhes as ordens: deveria esconder-se
debaixo da cama real, cuidando para não ser vista. E ali esperar pelo sono da
rainha. Tão logo esta adormecesse, veria surgir um leão sem patas. Que não
temesse. Pegasse as patas que jaziam decepadas à sua frente, e, com um fio
de seda, as costurasse no lugar.
Tendo obtido da moça a promessa de que tudo faria conforme o
explicado, deitou-se a rainha logo ao escurecer, pretextando grande cansaço.
No que foi imediatamente acompanhada pelo rei.
Custava porém o sono chegar. Virava-se e revirava-se o casal real sobre
o colchão, enquanto embaixo a dama de companhia esperava. E de tanto
esperar, o sono acabou chegando primeiro para ela que, sem perceber,
adormeceu.
Acordou noite alta, quando há muito o unicórnio vindo buscar o seu
ginete. Assustada, não querendo faltar com a promessa e ouvindo o ressonar
da rainha, rastejou para fora da cama. Lá estava o leão, deitado e imóvel. Lá
estavam as patas à sua frente. Rapidamente pegou a agulha enfiada com
longo fio de seda, e em pontos bem firmes costurou uma pata. Depois a outra.
Leões de sonho não rugem. Aquele levantou a cabeça, sacudiu a juba e
firme sobre as patas retomou a sua tarefa de guardião. Nenhum sonho mais
sairia das noites da rainha. Nenhum entraria. Nem mesmo aquele em que um
237

unicórnio azul galopava e galopava, levando no dorso um rei para sempre


errante.
238

Anexo C
A PARTIDA (Monteiro Lobato)
O relógio bateu seis horas.
— Como é tarde! — exclamou Branca de Neve. — Tenho de estar no
castelo às sete para receber dois príncipes que vêm jantar conosco.
— E nós também — disseram Rosa Vermelha e Rosa Branca. — Temos
à noite a visita do Pássaro Azul.
Cinderela também tinha de retirar-se, de modo que foi um rodopio de
abraços e beijos e palavras de despedidas — tudo num grande atropelo.
— Adeus! Adeus! — dizia Narizinho, passando dos braços de uma
princesa para os de outra. — Voltem outra vez, agora que sabem o caminho…
Pedrinho, que havia cochichado muita coisa para Peter Pan, despediu-
se dele dizendo:
— Quando voltar, veja se traz o crocodilo que comeu o capitão Gancho.
Tenho muita vontade de ver um crocodilo dessa espécie.
A Aladim lembrou o desafio:
— Venha com a sua lâmpada — e areie bem ela, ouviu?...
Emília andava de mãos em mãos. Nunca foi tão beijada e mimada.
Quando chegou o momento de despedir-se do Pequeno Polegar, cochichou-lhe
ao ouvido uma porção de coisas sobre dona Carocha e aconselhou-o a fugir
novamente e vir morar com eles ali no sítio.
Depois que todos partiram, a casa ficou mais vazia do que nunca. Na
sala, só os dois meninos e a boneca. No terreiro, só a mocha mascando as
suas palhas e Rabicó acabando de comer a sua raiz de mandioca.
Os dois meninos trocavam impressões.
— De quem mais gostei foi de Branca de Neve – disse Narizinho. —
Como é boa e linda! Contei-lhe que estive com a aranha que lhe fez o vestido
de casamento e Branca ficou muito admirada. Pensou que dona Aranha tivesse
morrido daquele desastre na perna. Como Branca é branca! Nunca imaginei
que pudesse haver uma criatura alva assim. Parece feita de coco ralado…
239

— E eu gostei muito do Gato de Botas — disse Pedrinho. – Já Aladim


me pareceu um tanto prosa. Pensa que aquela lâmpada é a maior coisa do
mundo.
Nisto Emília, que havia rolado para debaixo da mesa deu um grito de
espanto.
— Olhem o que está aqui! A lâmpada de Aladim! Com a pressa, ele
esqueceu-se de levá-la...
— É verdade! — exclamou Pedrinho no auge da alegria.
— Esqueceu-se e agora a lâmpada é minha!…
— E está aqui também a varinha de condão de Cinderela! — berrou de
novo Emília mostrando o precioso talismã. Com a pressa, ela esqueceu-se da
vara e a vara é minha. Vou brincar de virar o dia inteiro.
— E olhem o que está aqui atrás do armário! — gritou por sua vez
Narizinho. — As botas de sete léguas do Gato de Botas. São minhas — e
quero ver quem me pega!…
Ficaram todos três no maior contentamento, a mirar e remirar aquelas
maravilhas e a fazer projetos de aventuras ainda mais extraordinárias que as
que os livros contam. No melhor do enlevo, porém, ouviram uma batidinha
trêmula na porta — tuc, tuc, tuc…
Emília foi abrir. Era uma baratinha de mantilha — a célebre dona
Carocha…
— Que é que a senhora deseja? — indagou Emília.
— Boa tarde! — disse a velha, fingindo não reconhecer a boneca e
sentando-se para descansar. — Sou dona Carocha, a que toma conta de todos
esses personagens do mundo maravilhoso.
— Já sei — observou a menina, de mãos na cintura e prevendo
complicações. — Mas que é que a senhora quer?
— Vim buscar a lâmpada de Aladim, a vara de condão de Cinderela e as
botas do Gato de Botas. Esses maluquinhos, com a pressa de voltar,
esqueceram-se desses objetos.
Foi um desapontamento geral. Emília quis mentir, dizendo que não havia
ali nem bota, nem vara, nem lâmpada nenhuma. Narizinho teve ímpetos de
240

morder a velha. Pedrinho chegou a olhar para o bodoque. Mas dona Benta
estava na salinha próxima; e dona Benta fazia muita questão de que seus
netos respeitassem os mais velhos. Por isso resignaram-se a entregar aquelas
preciosidades.
— Pois leve — disse Narizinho, contendo-se a custo. — Mas fique
sabendo que o que lhe vale é vovó estar ali na salinha. Ah, se não fosse isso…
Dona Carochinha nada disse. Foi tratando de pegar a vara, a lâmpada,
as botas e até o espelho mágico que Branca de Neve dera à boneca. Em
seguida raspou-se, ressabiadamente.
Mas antes que ela chegasse à porteira Emília explodiu:
— Cara de coruja seca! Cara de jacarepaguá cozinhada com morcego e
misturada com farinha de bicho cabeludo, ahn!… e botou lhe uma língua tão
comprida que dona Carochinha foi arregaçando a saia e apressando o passo…
241

Anexo D
A PRIMEIRA SÓ (Marina Colasanti)
Era linda, era filha, era única. Filha de rei. Mas de que adiantava ser
princesa se não tinha com quem brincar?
Sozinha, no palácio, chorava e chorava. Não queria saber de bonecas,
não queria saber de brinquedos. Queria uma amiga para gostar.
De noite o rei ouvia os soluços da filha. De que adiantava a coroa se a
filha da gente chora à noite? Decidiu acabar com tanta tristeza. Chamou o
vidraceiro, chamou o moldureiro. E em segredo mandou fazer o maior espelho
do reino. E em silêncio mandou colocar o espelho ao pé da cama da filha que
dormia.
Quando a princesa acordou, já não estava sozinha. Uma menina linda e
única olhava para ela, os cabelos ainda desfeitos do sono. Rápido saltaram as
duas da cama. Rapidamente chegaram perto e ficaram se encontrando. Uma
sorriu e deu bom dia. A outra deu bom dia sorrindo.
— Engraçado — pensou uma —, a outra é canhota.
E riram as duas.
Riram muito depois. Felizes juntas, felizes iguais. A brincadeira de uma
era a graça da outra. O salto de uma era o pulo da outra. E quando uma estava
cansada, a outra dormia.
O rei, encantado com tanta alegria, mandou fazer brinquedos novos, que
entregou à filha numa cesta. Bichos, bonecas, casinhas e uma bola de ouro. A
bola no fundo da cesta. Porém tão brilhante, que foi o primeiro presente que
escolheram.
Rolaram com ela no tapete, lançaram na cama atiraram para o alto. Mas
quando a princesa resolveu jogá-la nas mãos da amiga, a bola estilhaçou jogo
e amizade.
Uma moldura vazia, cacos de espelho no chão.
A tristeza pesou nos olhos da única filha do rei. Abaixou a cabeça para
chorar. A lágrima inchou, já ia cair, quando a princesa viu o rosto que tanto
amava. Não um só rosto de amiga, mas tantos rostos de tantas amigas. Não na
lágrima que logo caiu, mas nos cacos que cobriam o chão.
242

— Engraçado, são canhotas — pensou.


E riram.
Riram por algum tempo depois. Era diferente brincar com tantas amigas.
Agora podia escolher. Um dia escolheu uma e logo se cansou. No dia seguinte
preferiu outra, e esqueceu-se dela logo em seguida. Depois outra e outra, até
achar que todas eram poucas. Então pegou uma, jogou contra a parede e fez
duas. Cansou das duas, pisou com o sapato e fez quatro. Não achou mais
graça nas quatro, quebrou com o martelo e fez oito. Irritou-se com as oito,
partiu com uma pedra e fez doze.
Mas duas eram menores do que uma, quatro menores do que duas, oito
menores do que quatro, doze menores do que oito.
Menores, cada vez menores.
Tão menores que não cabiam em si, pedaços de amigas com as quais
não se podia brincar. Um olho, um sorriso, um pedaço de si. Depois, nem isso,
pó brilhante de amigas espalhado pelo chão.
Sozinha outra vez a filha do rei.
Chorava? Nem sei.
Não queria saber das bonecas, não queria saber dos brinquedos.
Saiu do palácio e foi correr no jardim para cansar a tristeza.
Correu, correu, e a tristeza continuava com ela. Correu pelo bosque,
correu pelo prado. Parou à beira do lago.
No reflexo da água a amiga esperava por ela.
Mas a princesa não queria mais uma única amiga, queria tantas, queria
todas, aquelas que tinha tido e as novas que encontraria. Soprou na água. A
amiga encrespou-se, mas continuou sendo uma.
Então a linda filha do rei atirou-se na água de braços abertos,
estilhaçando o espelho em tantos cacos, tantas amigas que foram afundando
com ela, sumindo nas pequenas ondas com que o lago arrumava sua
superfície.
243

Anexo E
SACINDERELA (José Roberto Torero)
Certa vez, uma sacisa chamada Sacinderela foi presa por uma viúva e
suas duas filhas gêmeas. Elas jogaram uma peneira sobre o redemoinho onde
estava a sacisa, tiraram sua carapuça vermelha (toda enfeitada com flores do
campo) e ela ficou sem poderes.
Era a mais linda das sacisas. Seus lábios pareciam lábios de
propagandas de batom, seus dentes pareciam dentes de comercial de pasta de
dentes, e seus olhos pareciam olhos de anúncio de colírio. Só não digo que
sua perna era de comercial de meias porque as fábricas de meias são muito
preconceituosas e jamais fariam propaganda com uma mulher de uma perna
só.
A mãe e suas duas filhas prometeram que devolveriam o gorro se
Sacinderela trabalhasse sete anos para elas.
Sem ter outra saída, ela começou a fazer todos os serviços de casa.
Varria, lavava, passava, cortava o mato, pintava paredes e ainda fazia
trabalhos de carpintaria, consertando as mesas e cadeiras da fazenda.
É claro que Sacinderela queria recuperar a sua carapuça e a procurava
por toda parte. Mas a viúva tinha achado um esconderijo perfeito, porque não
importava o quanto a sacisa fuçasse, não encontrava nem sinal de seu gorro
mágico.
Um dia, o jovem e rico Sá Cardoso Pereira (que já nem era tão jovem mas
estava ainda mais rico) decidiu fazer uma grande festa em sua fazenda. É que,
depois de três grandes decepções amorosas, ele queria encontrar uma esposa,
mesmo que não fosse uma sacisa.
A velha viúva, logo que soube da notícia, pensou: ―Ele tem que escolher
uma das minhas filhas!‖. E mandou Sacinderela costurar três vestidos.
No dia marcado, as três deixaram Sacinderela em casa e foram para o
baile. Sabiam que ela não fugiria sem a sua carapuça. Infelizmente nenhuma
fada madrinha apareceu com uma varinha mágica para salvar a situação.
Mas Sacinderela não precisava de uma fada madrinha. Ela tinha um
plano.
244

É que, logo que soube do baile, a sacisa cismou que tinha que ir até lá
para se divertir um pouco. Mas não podia ser reconhecida. Então, enquanto
consertava madeiras, pegou uma estaca de cerca e fez uma bela perna para
ela. Depois, enquanto costurava as roupas de festa das três megeras, foi
guardando retalhos e fez para si mesma um vestido bem alegre.
No dia da festa, assim que o perverso trio sumiu de vista, ela colocou
sua perna de madeira, seu vestido colorido, montou num cavalo e foi para lá.
Como Sá Cardoso Pereira era um grande papagaiólogo, o salão de festa
da fazenda estava todo decorado com quadros e estátuas de papagaios, e
papagaios de papel balançavam pendurados no teto.
Nem é preciso dizer que Sacinderela foi a estrela do baile.
Quando Sá a viu, apaixonou-se na hora.
E, a bem da verdade, ela também gostou dele.
Os dois dançaram todas as músicas juntos. Sacinderela mancava um
pouco por causa da sua perna de pau, mas as pessoas pensavam que era um
novo passo e a imitaram. Tanto que, na hora da grande valsa, todos dançaram
mancando. Inclusive as três pestes.
Aliás, a viúva e suas filhas acharam aquela moça um tanto parecida com
Sacinderela, mas, como ela tinha duas pernas, pensaram:
―É claro que não pode ser a nossa sacisa‖.
Quase no final da festa, as três malvadas perceberam que não teriam
chance com o rico fazendeiro e decidiram ir embora do baile.
Quando Sacinderela as viu saindo, pensou: ―Se elas chegarem em casa
e não me virem lá, ficarão com tanta raiva que podem até rasgar minha
carapuça‖.
Então ela saiu correndo. E Sá foi atrás dela. Porém, no meio da escada
da fazenda, a perna de madeira caiu. Sacinderela nem ligou. Pegou seu cavalo
e disparou pelo meio da mata para chegar antes da viúva.
E o Sá, coitado, ficou com a perna na mão.
Os três trastes chegaram poucos segundos depois da sacisa.
— Por que você está ofegante? — a viúva perguntou.
245

— De tanto limpar a casa — respondeu Sacinderela com a maior cara


de pau.
Na manhã seguinte, Sá começou a procurar por uma moça de uma
perna só por toda a região. Ia de porta em porta, de fazenda em fazenda.
Assim que a viúva soube disso, tratou de trancar a sacisa no barracão de
marcenaria.
Quando o sol estava se pondo, o rico fazendeiro chegou à casa das três
mocreias e perguntou:
— Há aqui uma bela senhorita de uma perna só?
— Não — respondeu a viúva.
— Mas se você quiser eu posso cortar uma das minhas — disse uma
das gêmeas.
— Eu corto as duas! — falou a outra
Sá baixou a cabeça decepcionado, e já ia dando meia-volta quando
ouviu uma barulheira. Era a sacisa. Ela tinha escutado a voz de Sá e gritava:
— Estou aqui, estou aqui!
— Há alguém naquele barracão? — Ele perguntou.
— É só um papagaio — mentiu a viúva
— Puxa, quero muito vê-lo. Adoro papagaios! — disse Sá, indo em
direção ao barracão e sendo seguido pelo trio cruel.
Quando ele abriu a porta, viu algo melhor que papagaios:
SACINDERELA!
— É você!? — ele perguntou arregalando os olhos.
— Sim! — respondeu Sacinderela.
No mesmo instante ele se ajoelhou aos pés, digo, ao pé de Sacinderela,
e disse:
— Eu quero me casar contigo. Se aceitar ser minha esposa, vou enchê-
la de colares de ouro, anéis de diamantes e brincos de esmeraldas. Você terá
os mais belos vestidos e, mesmo com um pé só, usará os mais belos sapatos!
246

Quando ouviu aquilo, a viúva ficou com tanta raiva que puxou os
próprios cabelos. E aí aconteceu uma coisa que ninguém esperava: toda a
cabeleira dela saiu. É que a viúva usava peruca!
Mas essa não foi a única surpresa. Houve outra maior ainda: embaixo da
peruca estava a carapuça vermelha. Esse era o esconderijo perfeito da viúva!
Ao ver seu gorro, Sacinderela deu um salto, pegou sua carapuça e a
colocou de volta.
As três perversas ficaram paradas, sem saber o que fazer. E Sá
Cardoso Pereira, ainda de joelhos, perguntou e exclamou:
— Você é uma sacisa?!
— Sou — respondeu Sacinderela orgulhosa. — Algum problema?
— Nenhum — disse o fazendeiro. — Meu pedido continua de pé.
Sacinderela respirou fundo e respondeu:
— Olha, eu gostei muito de você, mas não posso aceitar sua proposta.
Gosto de viver na mata e de fazer trampolinagens. Sem falar que detesto
sapatos.
Depois ela se aproximou de Sá, deu-lhe um beijo e disse:
— Adeus.
— Espere, espere! — ele gritou antes que Sacinderela desaparecesse
num redemoinho. — Eu sei que vocês, sacisas, são muito independentes.
Esqueça o meu pedido. Vou fazer outra proposta: se você se casar comigo,
deixarei para trás todo o meu ouro, meus diamantes, minhas esmeraldas e
viverei na floresta, fazendo trampolinagens com você.
A sacisa pensou, pensou e por fim respondeu:
— Não quero casar. Prefiro namorar para sempre.
— Para mim está ótimo! — disse Sá.
Então um redemoinho surgiu em torno dos dois, que desapareceram
pela mata.
247

Anexo F
A MOÇA TECELÃ (Marina Colasanti)
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das
beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia
passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã
desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo
tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça
colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em
breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em
pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à
janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e
espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados,
para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os
grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de
escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede
vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de
lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu
sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa
nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe
dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu
emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava
justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando
bateram à porta.
248

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu


de pluma, e foi entrando em sua vida.
Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos
que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em
filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada
mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia
justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de
tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente. — Para que ter casa,
se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente
ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas,
e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo
para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o
dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o
ritmo da lançadeira.
Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu
para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a
porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos
cavalos!
Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o
palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o
que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu
maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou
em como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando
com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa
escada da torre, sentou-se ao tear.
249

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira


ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer
seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins.
Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E
novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura acordou, e,
espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o
desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as
pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o
emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha
clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a
manhã repetiu na linha do horizonte.
250

Anexo G
MIRAGENS (Monteiro Lobato)
Enquanto lá na floresta Pedrinho pensava no melhor meio de vingar-se
da boneca, Narizinho resolvia dar um passeio pelo pomar. Costumava fazer
isso nas tardes agradáveis, sempre em companhia da sua companheira.
Naquele dia, porém, Emília fez luxo.
— Não posso hoje — disse mostrando o cavalinho. — Estou ensinando
o ABC a este analfabeto, que anda com vontade de ler a história do Pégaso, do
Bucéfalo, do cavalo de Tróia e outras ―cavalências‖ célebres.
Narizinho não gostava de passear só, por isso correu os olhos pela sala
em procura de algum outro companheiro. Só viu o triste irmão de Pinóquio, que
Pedrinho havia jogado para cima do armário.
— Coitado! — exclamou. — Porque é feio como o Diogo e morto como
um defunto, ninguém faz conta dele. Vou levá-lo comigo.
Talvez que os ares do ribeirão lhe façam bem.
Pescou-o de cima do armário com o cabo da vassoura e lá se foi com
ele ao pomar, rumo do ribeirão, onde havia aquele velho pé de ingá de
enormes raízes de fora. Sentou-se na ―sua raiz‖ (havia outra de Pedrinho e
outra do Visconde), recostou a cabeça no tronco e cerrou os olhos, porque o
mundo ficava três vezes mais bonito quando cerrava os olhos. De todos os
lugares que ela conhecia era aquele o mais gostado. Fora ali que vira pela
primeira vez o príncipe das Águas Claras, e era ali que costumava pensar na
vida, resolver seus problemazinhos e sonhar castelos.
O sol ia descambando no horizonte (―horizonte‖ era o nome do morro
atrás do qual o sol costumava esconder-se) e seus últimos raios vinham brincar
de acende-e-apaga brilhinhos na correnteza. Volta e meia um lambari prateava
o ar com um pulo.
De repente Narizinho ouviu um bocejo — ahhh! — Olhou… Era Faz de
conta que se espreguiçava, como quem sai de um longo sono.
Achando aquilo a coisa mais natural do mundo, a menina apenas disse:
— Ora graças! Eu tinha certeza de que os ares do ribeirão fariam você
mudar.
251

— Eu sou sempre o mesmo — respondeu o boneco. — Não mudei. Não


mudo nunca. Quem muda são vocês, criaturas humanas. Você mudou,
Narizinho.
— Como isso? — exclamou a menina franzindo a testa. – Estou no que
sempre fui…
— Parece. Tanto mudou que está entendendo a minha linguagem e vai
ver coisa que sempre existiu neste sítio e no entanto você nunca viu. Olhe lá!
A menina olhou para onde ele apontava e realmente viu um bando de
lindas criaturas, envoltas em véus de finíssima tule, dançando por entre as
árvores do pomar. No meio delas estava um ente estranho, de orelhas bicudas
como as de Mefistófeles, dois chifrinhos na testa e cauda de bode. Soprava
músicas numa flauta de Pã, isto é, numa flauta feita de canudos incões, tal qual
a casa de barro que umas vespas chamadas ―Nhá Inacinhas‖ haviam feito na
parede do fundo da casa de dona Benta.
— Oh! — exclamou a menina recordando-se. — Ainda ontem vi num dos
livros de vovó uma gravura com uma cena igualzinha a esta. São as ninfas do
bosque e o homem é um fauno.
Apesar de ter falado baixo, as dançarinas ouviram aquelas palavras e,
não se sabe por que, fugiram numa corrida louca em todas as direções. O
fauno até deixou cair a sua flauta.
— É minha agora! — gritou Narizinho correndo a apanhá-la.
— Ganhei uma flauta de Pã!…
Mas, ai! Agarrou a flauta com tanta força que a moeu, porque era de
barro e estava cheia de vespas, que voaram numa grande aflição atrás das
ninfas. Só ficou uma, presa entre o polegar e o fura bolos da menina.
— Que vespa esquisita! — exclamou ela, examinando atentamente a
prisioneira. — Parece uma velhinha coroca.
— Hein? — murmurou Faz-de-conta chegando e olhando. — Estou
reconhecendo esta vespa. Quando o tronco de pau de que fiz parte era árvore
viva, cheia de flores cada mês de setembro, muitas vezes a vi lá em nossos
galhos. Desconfio que é uma fadazinha disfarçada em vespa.
252

— Se é fada — disse a menina duvidando — por que não fugiu com as


outras e deixou que eu a pegasse?
— Porque queria conversar com você — respondeu a vespa.
A menina arregalou os olhos tomada de grande alegria.
— É fada mesmo, Faz-de-conta! E das que falam, porque há umas que
só fazem tlim, tlim, tlim, como aquela fada Sininho que gostava de Peter Pan.
Que pena Pedrinho e Emília não estarem aqui. Vão ficar danados de eu ter
visto fadas antes deles.
A vespa-fada contou-lhe sua vida desde que nasceu e disse que já de
muitos anos andava a correr mundo atrás de um alfinete mágico sem o qual
não poderia ser, bem, bem, bem, fada das que podem tudo e viram uma coisa
noutra. Esse alfinete era uma varinha de condão das mais poderosas, que
andava perdida entre os mortais. Ao ouvir aquilo o coração da menina pulou
dentro do peito. Lembrou-se logo do alfinete que tia Nastácia havia dado à
boneca e imaginou que talvez fosse o tal alfinete mágico. Para certificar-se
indagou…
— Não era um alfinete de pombinha carijó?
— Isso mesmo! Como sabe? — exclamou a fada, admiradíssima.
Narizinho viu que havia feito asneira dizendo aquilo, pois a vespa
poderia tomar o alfinete da boneca, impedindo-a de vir a ser uma famosa fada
de pano — coisa que nunca existiu. Quis remendar a imprudência e disse:
— Sonhei. Sonhei a noite passada com um alfinete assim, isto é, mais
ou menos assim. Não era de pombinha, não, agora me lembro. Era de galo ou
bicho parecido. Como a senhora sabe, os sonhos são sempre atrapalhados.
— Mais atrapalhadas são as mentiras de nariz arrebitado! — disse a
vespa, fugindo da mão da menina e indo pousar num galho de árvore. — Estou
vendo que você sabe onde está o alfinete e não quer me contar.
Faz-de-conta chegou-se ao ouvido da menina e cochichou:
— Não caia nessa! Não conte! Você lá sabe se ela merece? Com fadas
é preciso muita cautela, porque se algumas são anjos de bondade, outras são
más como bruxas.
253

— Estou ouvindo tudo! — disse a vespa lá do galho. — E para castigo


vou dar uma ferroada bem venenosa na ponta do nariz dessa menina má.
Esperem aí!…
E começou a inchar, a inchar, até ficar do tamanho duma enorme aranha
caranguejeira. E arreganhou os terríveis ferrões e lançou-se contra a menina.
— Acuda, Faz-de-conta! — berrou Narizinho fechando os olhos.
Ela sabia que o melhor meio de escapar dos grandes perigos era fechar
os olhos, bem fechados, como a gente faz nos sonhos quando sonha que está
caindo num precipício.
De um pulo Faz-de-conta colocou-se entre a vespa e a menina, pronto
para sacrificar a vida em sua defesa. O boneco era feio, mas tinha a alma
heróica. E como estivesse desarmado, puxou do prego que prendia sua cabeça
ao corpo, como quem puxa duma espada e investiu contra a vespa. Ao fazer
isso, porém, sua cabeça caiu por terra, rolou morro abaixo e foi mergulhar —
tchibum! — no ribeirão. A vespa assustou-se ao ver tão estranha criatura
avançar para ela de prego em punho e sem cabeça. Assustou-se e — zunn! –
desapareceu no ar…
— Pronto? — perguntou a menina sempre de olhos fechados.
Ninguém respondeu.
— Ela ainda está aí? — perguntou de novo.
Ninguém respondeu.
Narizinho foi então entreabrindo os olhos, com muito medo, e afinal
abriu-os de todo. Mas deu um grito de horror, ao ver o boneco na sua frente, de
prego na mão e sem cabeça.
— Que é isso, Faz-de-conta? Que fim levou sua cabeça?
O boneco está claro que nada respondeu. Só tinha boca e ouvidos na
cabeça e como a cabeça rolara morro abaixo não podia ouvi-la nem responder.
— E agora? — disse consigo a menina. — Este lugar me parece muito
perigoso, e sem auxílio de Faz-de-conta podem me acontecer grandes
desgraças. Se ao menos houvesse aqui por perto alguma casinha…
254

Olhou em redor e viu não muito longe uma fumaça. ―Deve ser casa‖,
pensou, e correu para lá. Era casa, sim, a mais linda casa que ela viu em toda
a sua vida, com trepadeiras na frente e duas janelas de venezianas verdinhas.
A menina bateu — toc, toc, toc…
— Entre quem é! — gritou de lá dentro uma voz.
Narizinho abriu e entrou e deu um grito de alegria.
— Capinha! Que felicidade encontrar-te aqui!
— E a minha felicidade de receber tua visita ainda é maior, Narizinho!
Há quanto tempo te espero!…
Abraçaram-se e beijaram-se e ficaram de mãos presas e os olhos postos
uma na outra. Era ali a casa da Menina da Capinha Vermelha, cuja avó havia
sido devorada pelo lobo. Capinha já tinha estado no sítio de dona Benta no dia
da recepção dos príncipes encantados e ficara gostando muito de Narizinho e
Emília, tendo-as convidado para virem passar uns dias com ela.
— Mas por que não me avisaste da tua visita, Narizinho?
— É que cheguei aqui por acaso. Vi-me só na floresta, depois que meu
guia perdeu a cabeça, e não sei o que seria de mim se não fosse a fumacinha
de tua casa, que vi de longe. E vim correndo, mas sem saber quem morava
aqui.
Narizinho contou então tudo o que lhe havia acontecido e a terrível
desgraça que sucedera a Faz-de-conta.
— Que coincidência! — exclamou Capinha. — Não faz minutos eu
estava tomando banho no ribeirão e um objeto, feito castanha de caju veio
rolando pela água abaixo até esbarrar em mim. Peguei-o, olhei e vi que era
uma cabeça, com boca, nariz e tudo. Quem sabe se não é a cabeça de Faz-de-
conta? Está guardada no bolso do meu avental.
Foi lá dentro e trouxe a cabeça.
— É essa mesma! — exclamou Narizinho satisfeitíssima daquele
inesperado e feliz desenlace. — Vou consertar o meu João, já, já.
Foi um instante. Em meio minuto a cabeça do boneco estava outra vez
no lugar e ele em condições de falar e contar tudo o que acontecera enquanto
255

a menina estivera de olhos fechados. Quando Faz-de-conta concluiu a


narrativa, Capinha suspirou e disse:
— Quem me dera ter um companheiro leal e valente como este! Vivo tão
sozinha nestas solidões…
Narizinho prometeu que viria visitá-la sempre que pudesse.
— E não deixe de trazer a Emília. Gostei muito dela.
Narizinho contou-lhe, então, em grande segredo para que alguma vespa
escondida por ali não pudesse ouvir, que a boneca estava na posse do alfinete
de pombinha, que era uma vara de condão e poderia, portanto, de um
momento para outro, virar uma poderosa fada — e uma fada que nunca existiu
no mundo: a Fada de Pano.
— Pois ela que se transforme e apareça por aqui para brincarmos de
virar.
Nisto surgiu João Faz-de-conta, que tinha saído para o terreiro a fim de
refrescar a cabeça. Vinha muito alegre, dizendo:
— Adivinhem quem passou por aqui! Peter Pan. Conversou comigo meio
minuto e lá se foi, voando, para a Terra do Nunca, onde mora. Disse que
qualquer dia aparece no sítio de dona Benta para brincar com Pedrinho.
— Que pena não ter portado um minuto para tomar café conosco! —
exclamou Capinha. — Ele sempre me visita e gosto muito dele.
Narizinho, que já conhecia Peter Pan, fez várias perguntas a respeito
desse extraordinário ―menino que jamais quis ser gente grande‖ e de sua
inseparável companheira, a fada Sininho. E ainda estava a ouvir histórias dele,
quando Faz-de-conta deu um berro de desespero, apontando para a estranha
figura que acabava de pular a cerca do quintal com uma enorme faca de matar
mulher na mão.
— Feche os olhos, Narizinho! — gritou ele. — Barba Azul vem vindo!…
A menina, para salvar-se fechou os olhos com quanta força teve…
256

Anexo H
SEM PÉ NEM CABEÇA (Pedro Bandeira)
Eu sempre quis desenhar, desenhar como se pudesse tirar retrato do
que eu sinto por dentro.
Do que penso e não digo.
Do que eu sonho e não consigo.
Isso para que alguém pudesse ver e dizer:
―Que bonito!‖
Ou ―Que tristeza!‖
Ou ―A orelha não ficou grande demais?‖
Não precisava nem gostar do meu desenho. Na verdade eu queria que a
pessoa que visse meu desenho pudesse entender o que eu tenho cá dentro.
Sentir igualzinho tudo que eu sinto, só com algumas mudançazinhas por
ter misturado o que eu sinto com tudo o que a pessoa estivesse sentindo.
E me explicar o que falta.
E completar o que falta.
Mas desenhar é difícil.
Não é só querer. Nem é só sentir.
E eu achei que podia fazer pelo menos um pequeno desenho.
Um desenhinho, só pra ver o que acontecia.
Foi aí que eu peguei um lápis e desenhei um Quadrado bem
quadradinho, bem quietinho, bem no meio do papel.
Um quadrado sem régua.
Não era uma casa ainda sem teto.
Nem era uma caixa ainda sem tampa.
Era um Quadrado só.
Sem pé nem cabeça.
Depois eu desenhei um Redondo bem redondinho, muito certinho, bem
do lado do Quadrado.
Um Redondo sem compasso.
257

Não era pra ser bola, ainda sem couro.


Nem para ser sol, ainda sem luz.
Nem para ser cara, ainda sem rosto.
Era só um Redondo.
Sem pé nem cabeça.
Fiquei olhando para os dois, imaginando o que poderiam ser.
Casa...
Caixa...
Bola...
Sol...
Poderia ser lua de namorar e dado de jogar.
Poderiam ser caixa de guardar e roda de transportar.
Poderiam ser tudo.
Dependeria de quem olhasse.
Aí, eu olhei e imaginei.
Imaginei com toda força, imaginei bem forte.
Foi então que o Redondo começou a girar.
Girou, girou por todo canto do papel e acabou dizendo:
— Uf, uf, uf, como estou cansado!
Falava e não parava.
Girava e deslizava até às bordas do papel, sempre sem parar.
O Quadrado ficou olhando para o Redondo, quase tonto com tanta volta
que ele via.
Suspirou e respondeu:
— Ai, ai, ai, e eu, como estou descansado! Estou cansado desta vida
descansada.
— Uf! — bufou o Redondo. — Alô, amigo, vou chegando e já vou indo...
Alô e Adeus! Adeus e alô! Cá estou eu de volta. Alô e adeus...
— Pare um pouco! — pediu o Quadrado.
258

— Bem que eu queria, mas não posso. Tenho de circular. Sem parar,
sem parar... Adeus...
— Você é feliz — comentou o Quadrado. — Pode rodar por aí, conhecer
o mundo...
— Alô! Feliz, nada! Estou morto de cansaço. Como eu gostaria de dar
uma paradinha! Adeus...
— E eu, como gostaria de circular! Vivo aqui, parado no mesmo lugar,
vendo sempre as mesmas coisas... Que vida triste a minha!
— Outra vez, alô! Eu é que gostaria de estar no seu lugar. Dar uma
paradinha, tirar uma soneca, ver o tempo passar, bem descansado... Outra
vez, adeus!
O quadrado começou a choramingar:
— Eu é que gostaria de trocar com você. Não aguento mais ficar
parado...
— Alô, amigo! Pois tente circular. É facílimo! Adeus, amigo...
— Está bem. Vou tentar.
O quadrado tentou com todo empenho.
Tentou rolar para um lado.
Depois para o outro.
Mas acabou desistindo.
— Não consigo circular. Não adianta. Não sou redondinho como você...
— Alô... E eu não consigo parar. Adeus... Não sou quadradinho como
você. Alô...
— Pois é muito fácil parar. Eu consigo ficar parado o tempo todo...
— É fácil para você. Pra mim, que sou redondinho, não é.
Às vezes fico de cabeça para cima.
Às vezes fico de cabeça para baixo.
Às vezes fico de um lado.
Às vezes fico do outro.
Só não consigo parar... Adeus...
259

Eu é que fiquei meio chateado. Nem tinha ainda descoberto o que eram
aquelas duas pestes e os dois só faziam reclamar.
Eles eram apenas produto da minha imaginação. Mesmo assim, eles
estavam me preocupando com aquelas reclamações. E eu descobrir que tinha
criado dois seres infelizes, justamente pela forma com que eu os desenhei.
Ainda que fossem invenções, eles estavam infelizes e a culpa era minha.
Eu precisava fazer alguma coisa, desenhar alguma outra coisa. Mas o
quê? Eu nem sei desenhar direito...
Se eu transformasse o Quadrado em casa com telhadinho e flores na
janela, na certa ele ia ficar ainda mais aborrecido, porque casa, sim, é que
nunca sai do lugar.
E o redondo, então? De que adiantaria se eu o transformasse numa roda
de bicicleta ou num disco de vitrola? Aí, então, é que ele ficaria furioso! E cada
vez mais cansado.
E eu resolvi desenhar uma pedrinha no papel. Pedra é fácil. É só
desenhar uma manchinha meio borrada e dizer que é pedra.
— Ei! — gritou o Quadrado. Cuidado com a pedra!
— Oooooops! — fez o Redondo.
Mas era tarde demais.
O Redondo tropeçou na pedra e... Plaft!
... foi cair bem dentro do Quadrado!
Surpreso, o Redondo falou:
— Veja! Que coisa maravilhosa! Encaixei direitinho! Aqui dentro eu
consigo ficar parado!
— Contente pelo amigo, mas ainda descontente consigo mesmo, o
Quadrado cumprimentou:
— Que bom! Agora você pode descansar!
— É mesmo! É só pular fora quando eu quiser circular, e pular dentro
quando eu quiser tirar uma soneca!
— Pode descansar quanto quiser e pode passear quanto quiser, amigo
Redondo. Eu estarei sempre aqui. Nunca saio mesmo daqui... Pobre de mim!
260

O Redondo ficou com pena. Pensou um pouco, pensou outro pouco e


acabou tendo uma idéia:
— Como é que não pensei nisso? Você pode passear, amigo Quadrado!
— Posso? Como?
— É muito fácil. Eu carrego você, vou circulando por baixo e você vai
paradinho por cima, olhando tudo o que quiser!
O Quadrado ficou muito feliz:
— Boa idéia! Quando você quiser para é só me por no chão e embarcar
em mim! Que boa idéia!, boa mesmo!
— Vamos, suba! — convidou o Redondo.
O Redondo ajudou e o quadrado subiu. Logo, os dois circulavam pelo
papel.
— Viva! Vamos pra onde queremos e paramos quando bem
entendemos!
Circularam, rolaram, rodaram e acabaram pulando para fora do papel.
Voltearam pela sala e desapareceram por debaixo da porta.
Nunca mais vi os dois. Nem o redondo, nem o quadrado. Na verdade, eu
jamais descobri o que aconteceu com eles.
Acho que é isso: a gente faz uma coisa e depois ver o que acontece. Só
que, depois, a coisa vai acontecendo e a gente nem fica sabendo o que
aconteceu.
E eu vivo me perguntando: onde foram parar aqueles dois?
Talvez alguém os tenha encontrado.
Talvez eles tenham sido úteis para esse alguém.
Vai ver, esse alguém talvez tenha desenhado um telhadinho no meu
Quadrado e o tenha transformado numa linda casa. Talvez seja a casa dos
Sete Anõezinhos, ou vai ver terá servido de abrigo para uma família sem lar.
Ou alguém pode ter usado o Quadrado para fazer uma caixa e agora
deve estar pensando: o que será que tem dentro da caixa?
261

Ou até, quem sabe, alguém tenha apanhado o meu redondo e feito dele
uma maça e, neste momento, alguma criança poderá estar dando uma gostosa
mordida na maça,
Ou botou alguns continentes e oceanos e construiu um mundo.
Ou vai que alguém tenha desenhado uma boca vermelha, dois olhos e
um nariz de tomate e feito uma cara de palhaço!
Talvez, aí, eu possa ter ajudado alguém a sorrir...
Daí, as minhas duas invenções talvez tenham servido para alguma
coisa. Se alguém tiver sorrido com elas, se você tiver sorrido pelo menos um
pouquinho com as minhas invenções, eu vou ficar satisfeito.
Talvez, então, nada tenha sido útil.
Talvez tudo tenha valido a pena.
Mesmo que eu não saiba desenhar direito.
Mesmo que eu nem saiba onde fica o pé, nem onde fica a cabeça.
262

Anexo J
O JOGO DAS PALAVRAS MÁGICAS (Elias José)

SOL
é uma palavra redonda
que aquece e brilha,
dá vida ao verde,
e mais vida à vida.

CIRCO
não é só uma palavra,
é fina festa
que enche de risos,
de cores, de graça,
de movimento e ritmo
a nossa vida.

MEDO
MEDO é uma palavra que arrepia o corpo,
arregala os olhos,
ergue os fios de cabelo,
bate queixo e dentes,
bambeia a pernas
e molha as calças.

MEDO é uma palavra


Que tem a cara fria da morte,
olhos de mula sem cabeça,
263

transparência de fantasmas
e corpo de alma
do outro mundo.

MANHÃ
A palavra MANHÃ
quer sempre acabar com sono,
o sonho e a preguiça.
Na palavra MANHÃ,
há sonoros cantos de galo
e irritantes gritos de despertadores.
A palavra MANHÃ inaugura o dia,
Com nova luz e novas esperanças.

VIAGEM
A palavra VIAGEM
vai levando a gente
longe, longe, longe...
Pelos países mais distantes,
Pelas ilhas e praias selvagens,
Por terras, mares e ares.

A palavra VIAGEM
viaja em garupa de cavalos alados
ou na carona dos sonhos.

CARNAVAL
CARNAVAL é uma palavra
meio louca, cheia de brilhos,
264

cheia de cores e vozes


cheia de ritmo e suores.

DESPREZO
DESPREZO é uma palavra dura,
feita de ferro e aço,
de fogo e gelo.
É lâmina afiada
Que corta por dentro
e nem deixa sangrar.

VELHO
VELHO é uma palavra cansada,
Com rugas, tonturas
e cabelos brancos.
Com um resto de visão,
enxerga até o invisível.

A palavra VELHO domina,


sem saber ou exibir,
quase todos os segredos
da vida.

GATO
A palavra GATO
é manhosa
e se contorce
em balé
manso ou feroz.
265

A palavra GATO
é cheia de pelos,
unhas, trejeitos
e diferentes miados,
que ajudam o gato a enfrentar
as sete vidas que tem.

DOMINGO
DOMINGO é uma palavra
cheia de festa, missa,
charme e preguiça.
Levanta tarde, lê jornal,
bate papo com amigos,
visita parentes,
nada, caminha,
exagera no almoço
e dorme de novo.

A palavra DOMINGO
renega a escravidão
dos outros seis dias.
Mas custa um século para chegar.

AMIGO
A palavra AMIGO
abre-se com a gente
e sabe escutar e guardar
queixas e segredos.
Chora a dor que é nossa,
266

faz festa na nossa alegria.


O mundo seria mínimo
e sem a menor graça,
se não existisse a luz
da palavra AMIGO.

OUTRAS CARAS DAS PALAVRAS


Aí as palavras sólidas:
emprego, verdade, razão,
certeza, realidade, amizade...

Aí as palavras líquidas:
água, fingimento, político,
lembranças, momento, mentira...

Aí as palavras frias:
viuvez, desprezo, rancor,
jamais, medo, esquecimento...

Aí as palavras quentes:
carnaval, paixão, torcida,
esperança, guerra, criança...

Aí as palavras ferinas:
ódio, indireta, cinismo,
gato, unhas, vampiro...

Aí as palavras amáveis:
bom-dia, mãos, olhar,
267

conselho, oração, afago...

Aí as palavras doidas:
etecétera, inflação, umbigo,
fúria, pedrada, grilado...

Aí as palavras miseráveis:
esmola, fome, violência,
mentira, inveja, delação...

Aí as palavras esnobes:
soçaite, arminho, marajá,
iate, rainha, acadêmico...

Aí as palavras religiosas:
céu, mito, procissão,
mãe, Bíblia, amor...

Aí as palavras coletivas:
igreja, praça, estrela,
greve, graça, carnaval...

Aí as palavras pessoais:
segredo, diário, medo,
cueca, gaveta, agenda...

Há palavras baratas e caras,


com tantas e tantas caras.
268

Há palavras mortas ou esquecidas


e outras plenas de vida.

Há palavras feitas para luta e ação,


e outras para descansar.

Há palavras velhas e novas,


e outras esperando o parto.

Palavras, palavras, palavras demais,


sempre com um sentido aparente
e mil simbólicos por trás.
269

Anexo X

UM GAROTO CHAMADO RORBETO (Gabriel, O Pensador)

O tempo passou feito o rio, correndo, fazendo o Rorbeto crescer.


E um dia ele quis ensinar o seu pai, já velhinho, a ler e a escrever.
O pai, que nunca teve escola, gostou da ideia e pegou uma caneta;
Rorbeto lembrou-se, sorrindo, do dia em que fez sua primeira letra.
Vez uma era...
Quer dizer:
Uma era vez...
Ou melhor:
Vez era uma...
Desculpem:
Era uma vez...
(Agora sim!)
Era uma vez um menino que era muito atrapalhado.
O nome dele era esquisito, porque foi escrito errado.
É que o pai também se atrapalhava sempre, sem parar,
E lhe deu um nome com uma letra
Fora do lugar.
Quando o menino nasceu,
O doutor viu que era homem
E falou para os pais dele:
– Já escolheram o nome?
Mas seu pai não tinha tido escola.
Era analfabeto.
Não sabia nem falar direito,
270

E falou Rorbeto.
O doutor tava com pressa
E anotou assim correndo.
O seu pai ficou olhando
Como se estivesse lendo,
Mas não entendia as letras,
Porque não sabia ler.
O doutor mostrou pro pai:
– O nome é esse?
– Pode ser.
A mãe tava tão feliz
Que nem prestou atenção
Esperou por nove meses,
Com o bebê no coração,
E ele nasceu com saúde,
Trazendo orgulho e amor.
―Bem-vindo seja Rorbeto!

Obrigada, tchau, Doutor!‖


A família do Rorbeto
Morava bem escondida,
Num lugar quase deserto,
Com chão de terra batida.
Lá não tinha nenhum carro,
Muito menos avião,
E todos os moradores
Se tratavam como irmãos.
A vila era bem pequena, na beira de um velho rio.
Os homens pescavam nele, o pai de Rorbeto e os tios.
271

Viviam todos como se fossem irmãos dos pais do Rorbeto.


Para todos ele era um novo sobrinho, pra alguns, um neto.
Não tinha nem luz nem gás nas casas do povoado.
O banho era de água fria e ninguém ficava esquentado.
De dia se abria a janela, pra acender a luz do Sol.
De noite acendiam-se as velas, e acabava o futebol.
Às vezes, além das velas,
Também se acendiam fogueiras.
Não dava pra jogar bola,
Mas tinha mil brincadeiras.
No céu tinha um monte de estrelas,
Formando estranhas figuras;
Nas árvores, jabuticabas,
Brilhando de tão maduras.
Na casa do bebê Rorbeto,
Morava um cão vira-lata
Que parecia até gente,
Criança de quatro patas:
Filé era inteligente,
Sabia andar sem coleira.
Pescava sozinho no rio!
Subia em jabuticabeira!
Os homens e as mulheres,
Os jovens e os velhos da vila,
Viviam, com os bichos e plantas,
Uma vida simples, tranquila.
E, principalmente as crianças,
Dormiam em paz e felizes,
Amavam e cuidavam da terra,
272

Como se tivessem raízes.

Sempre acordavam cantando,


Ouvindo o canto do galo,
E já levantavam dançando,
Curtindo o maior embalo.
Pediam um leite pra vaca,
Comiam um bolo macio.
Depois escovavam os dentes
Na água corrente do rio.
O rio ia sempre passando,
Sem nunca parar um segundo,
E o tempo, imitando o rio,
Passou também, pra todo mundo.
E assim foi crescendo Rorbeto,
Ao lado dos seus bons amigos:
O tempo, o cachorro, as pessoas,
As árvores e o rio antigo.
Rorbeto ainda era pequeno,
Mas já caminhava e corria.
Também já sabia falar.
E, além de falar, ele ouvia.
Crianças aprendem a pensar,
E ele aprendeu desde cedo.
Também aprendeu a contar,
Usando a ajuda dos dedos.
Pensou nos amigos que tinha:
O pai e a mãe eram dois;
Filé, o terceiro da lista.
273

Não lembro que veio depois.


Contou, só na sua mão direita,
Os pais, o cachorro e mais três.
Contou do dedão ao dedinho:
Um, dois, três, quatro, cinco, SEIS!
Rorbeto contou outra vez,
Prestando bastante atenção:
Contou do dedinho ao dedão,
Seis dedos em uma só mão?
Será que na outra são quatro?
Olhou para os dedos dos pés,
Mas antes tirou os sapatos.
Rorbeto estava tão nervoso
Que nem percebeu o chulé,
Contando de um até dez,
Contou cinco dedos por pé.
Olhou para a mão novamente,

Sentindo um grande embaraço.


Chorou um pouquinho, coitado,
Pensando na mão do outro braço.
Queria contar também nela,
Mas parou um pouco, com medo:
E se nessa mão, a esquerda,
Tivesse ainda muito mais dedos?
Podia ter sete, até oito,
Quem sabe até nove, talvez!
Ninguém tinha visto, até hoje,
Que na mão direita eram seis.
274

Então não seria impossível


Agora a esquerda ter mil!
Rorbeto nem queria ver,
Mas abriu os olhos e viu.
Contou cinco dedos na esquerda,
Usando um dos seis da direita,
E vendo que só tinha cinco, gritou:
Tenho uma mão perfeita!
A turma escutou o seu grito e correu pra janela.
Queriam saber do Rorbeto que gritaria era aquela.
Rorbeto escutou as perguntas,
Mas não quis dizer a resposta.
Ficou com vergonha da mão,
A direita, e botou-a nas costas.
A turma ficou curiosa,
E contou para toda a galera:
Que o Rorbeto tinha um segredo
E ninguém sabia o que era.
Ficou todo mundo de olho quando ele chegou na escola,
Andando com cara de triste, com a mão dentro de uma sacola.
Olhando a tristeza do amigo, até esqueceram o mistério,
E todos falaram para ele: ―Por que você está tão sério?‖.
Mas ele não teve coragem de mostrar a mão com defeito,
E disse: ―Me deixem sozinho, que eu quero ficar desse jeito‖.
Sentou no canto da sala, e a mão não tirou da sacola,
Até que chegou o recreio, e ele nem foi jogar bola.
Depois disse a professora:
―Hoje é um dia especial!
Eu vou ensinar uma coisa
275

Gostosa e fundamental:
Preparem o papel e o lápis,

Que vai começar o dever.


Vocês, neste grande momento,
Irão aprender a escrever!‖
E todos ficaram animados.
Até o Rorbeto ficou,
Tentando copiar a letra
Que a professora mandou.
Ninguém fez a letra certinho,
Que a primeira vez sai errada.
Pior foi na vez do Rorbeto,
Que não conseguiu fazer nada.
É que ele tentou com a esquerda,
Que não era a mão que ele usava,
Nem quando tirava meleca,
E nem quando desenhava.
A mão boa dele, a direita,
Era a sua mão dos seis dedos
Que agora ele pôs na sacola,
Tentando guardar o segredo.
Mas a professora, encucada,
Falou: ―O que é isso, garoto?
Tentando escrever com a esquerda?
Eu sei que você não é canhoto!
Então tira a mão desse saco
E faz logo a letra na folha‖.
Rorbeto obedeceu no ato,
276

Pois viu que não tinha outra escolha.


Pensou que se fosse ligeiro
ninguém ficaria contando
Os dedos da sua mãozinha,
pra ver que ela tinha um sobrando.
Rasgou a sacola correndo.
Escreveu mais rápido ainda.
E, mesmo nervoso e com pressa,
Ele fez a letra mais linda.
Olhou para a professora,
Que estava com cara de espanto,
Falando pros alunos todos
Chegarem mais pro canto.
Rorbeto ficou preocupado:
―Será que ela viu que são seis?‖
Ouvindo-a dizer para a turma:

Vem ver o que o Rorbeto fez!


E, mais uma vez, com vergonha,
Botou suas mãos para trás,
Enquanto a galera dizia:
―Chocante! Maneiro! Demais!‖
E aí percebeu que o assunto
Não era a tal mão esquisita,
E sim o que a mão tinha feito:
A letra certinha e bonita.
Rorbeto sorriu de alegria,
Voltando a sentir-se bem.
Alguém foi com o braço esticado,
277

Querendo lhe dar os parabéns.


E ele, que era distraído,
Na hora desse cumprimento,
Tirou a mão de trás das costas,
De um jeito bem calmo e bem lento.
Na hora do aperto de mão,
A outra criança sorria.
E, olhando pra mão de Rorbeto,
Sentiu que ela estava fria.
Tremia, essa mão, de nervoso,
Com medo de ser descoberta,
Enquanto a galera dizia:
A mão do Rorbeto é esperta.
No dia seguinte, na aula,
ficou engraçada a escola.
Com a turma chegando na sala
com as mãos dentro de umas sacolas.
Rorbeto ficou com vergonha,
pensou que era uma gozação,
Que estavam fazendo piada
com os seis dedos da sua mão.
Mas a professora, espantada,
viu tanta sacola junta
Que perguntou logo o motivo,
e todos ouviram a pergunta.
―É pra escrever mais bonito‖
– a turma respondeu em coro –
―Queremos ser como o Rorbeto,
Rorbeto da mão de ouro!‖
278

Rorbeto gostou do elogio,

Ficando até bem comovido,


Mas quis explicar aos amigos
Que aquilo era um mal-entendido:
―Botar a sacola na mão
Não ajuda a fazer letra boa
Fizeram a maior confusão
Com as mãos nas sacolas à toa‖.
A turma ficou curiosa,
e alguém perguntou lá na frente:
―Por que está com a mão na sacola,
Rorbeto, então conta pra gente!?‖
Rorbeto venceu a vergonha
e mostrou a mão bem aberta.
Disseram:
―Tem dedo sobrando!
Assim, qualquer um acerta!‖
Mas a professora explicou
que aquilo era só um detalhe,
E que, para escrever como ele, certinho,
o capricho é o que vale.
Não faz diferença ter cinco,
Seis dedos, duas mãos ou dois pés:
Cada um é de um jeito e são todos perfeitos.
– ―Rorbeto, eu te dou nota dez!‖
E a turma correu pro Rorbeto,
querendo apertar sua mão novamente,
Querendo lhe dar parabéns pelo dez,
279

nem ligando pra mão diferente.


Rorbeto juntou as sacolas
E as jogou no lixo com seus companheiros
Depois ele foi jogar boa, e gritou:
– ―Furem a luva, que eu vou ser goleiro!‖
O tempo passou feito o rio, correndo, fazendo o Rorbeto crescer.
Um dia ele quis ensinar o seu pai, já velhinho, a ler e a escrever.
O pai, que nunca teve escola, gostou da idéia e pegou uma caneta;
Rorbeto lembrou-se, sorrindo, do dia em que fez sua primeira letra.
O pai do Rorbeto, que era era analfabeto, agora deixava de ser.
E lembrou-se, sorrindo, do dia em que sua mulher deu à luz um bebê.
E sorrindo, falou para o filho: ―Eu errei o seu nome! Seria Roberto‖.
Mas o filho falou: ―Não errou, não senhor! O amor sempre faz tudo certo‖.
280

10 APÊNDICES

Apêndice A
1ª sessão de leitura - A pílula falante
Dia: sexta-feira, 02/08/2019.
Objetivos:

 Valorizar a produção de ideias;


 reconhecer-se como produtor de ideias.
Pré-leitura:
1. Hoje, iremos ler (ou reler para muitos) a história ―A pílula falante‖ que
está no livro Reinações de Narizinho de Monteiro Lobato.
2. Nessa história tem um acontecimento interessante e o título já nos dá
uma grande pista. Qual será?
3. Esse acontecimento foi importante para o desenvolvimento das outras
histórias que vocês já conhecem sobre o Sítio do Picapau Amarelo? Por
quê?
Leitura:
1. Crianças, com livros em mãos, acompanham a leitura em voz alta da
professora.
Pós-leitura:
1. Vocês já tiveram a fala recolhida por algum motivo ou alguém? Como foi
essa experiência?
2. Como será viver com a fala recolhida? O que perderíamos se isso
acontecesse?
3. Narizinho diz que as ideias de Emília hão de ser sempre novidades,
porque ela pensa de um modo especial. Que modo seria esse?
4. Como são as ideias de vocês: como as de D. Benta e Tia Nastácia ou
como as de Emília? Como vocês gostariam que elas (as ideias) fossem?
5. O que as ideias de Emília acrescentam às aventuras vividas por
Pedrinho e Narizinho? As ideias dela são importantes para as histórias,
por quê?
6. É importante, na nossa vida, ter ideias novas, por quê?
281

7. Vocês já tiveram uma ideia nova ou que foi importante em determinado


momento? Qual foi?
8. O que podemos fazer para ter ideias ou o que é importante fazer para
ter ideias?

Referência:
LOBATO, Monteiro. A pílula falante. In: LOBATO, Monteiro. Reinações de
Narizinho. Il. Jean Gabriel Villin e J. U. Campos. 1. ed. São Paulo: Globo,
2014.
282

Apêndice B
2ª sessão de leitura - Entre leão e unicórnio
Dia: segunda-feira, 05/08/2019.
Objetivos:

 Criar nos vazios do texto literário;


 evidenciar a flexibilidade do pensamento com base no refinamento de
ideias e argumentos.
Pré-leitura:
1. Hoje, ouviremos a história ―Entre leão e unicórnio‖ que foi escrita e
ilustrada por Marina Colasanti. Essa história faz parte do livro Doze reis
e a moça no labirinto do vento.
2. Alguém conhece essa história?
3. O que o título dessa história nos sugere?
4. O que vocês pensam que pode acontecer nessa história?
Leitura:
1. Leitura em voz alta pela professora.
Pós-leitura:
1. Gostaram da história? O que sentiram durante a leitura?
2. Agora que vocês ouviram a história, o que o título sugere para vocês?
3. Com a volta do guardião dos sonhos, o rei tornou-se errante. O que
acontece com o rei daquele dia em diante?
4. Escolher, junto às crianças, um rei e dividir a turma em dois grupos.
5. Um grupo vai elencar argumentos para seduzir o rei a voltar para o
mundo real.
6. O outro grupo vai elencar argumentos para a permanência do rei no
mundo dos sonhos.
7. Escolha real por um dos mundos, justificando sua seleção.

Referência:
COLASANTI, Marina. Entre leão e unicórnio. In: COLASANTI, Marina. Doze
reis e a moça no labirinto do vento. 12. ed. São Paulo: Global, 2006.
283

Atividade em grupo da sessão de leitura Entre leão e unicórnio


GRUPO 1:

Seu grupo deve convencer o rei a permanecer errante no mundo dos sonhos.
Pense em argumentos que sejam favoráveis a essa escolha: o que pode haver
nesse mundo que faça com que o rei não queira mais voltar? O que ele pode
viver por lá? Por que ele não deve voltar? O que existe de ruim no mundo real
e de bom no mundo dos sonhos? Imagine, liste argumentos e convençam o rei!

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GRUPO 2:

Seu grupo deve convencer o rei a voltar para o mundo real. Pense em
argumentos que sejam favoráveis a essa escolha: o que ele pode perder se
não voltar? Será que há situações ou experiências que ele só poder ter no
mundo real? O que pode haver de ruim no mundo dos sonhos e de bom no
mundo real? Imagine, liste argumentos e convençam o rei!

_______________________________________________________________
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284

Apêndice C
3ª sessão de leitura - A partida
Dia: terça-feira, 06/08/2019.
Objetivos:

 Fomentar a imaginação e criação a partir do texto literário;


 reelaborar, criativamente, novas realidades a partir de objetos presentes
na narrativa.
Pré-leitura:
1. Hoje, iremos ler a história ―A partida‖ que está no livro Reinações de
Narizinho, de Monteiro Lobato.
2. Vamos retomar um pouco o que acontece até aqui. Alguém lembra?
Contexto: Pedrinho está aprendendo a cortar as unhas da mão direita
quando Emília avisa, em linguagem do pisco, que Narizinho o chama
para combinarem uma festa.
3. Quem serão os convidados dessa festa?
4. Vocês se lembram de algum acontecimento dessa festa?
5. A história que leremos, acontece logo após o término da festa, quando
as crianças fazem descobertas inusitadas. Vamos ler a história juntos?
Leitura:
1. Crianças, com livros em mãos, acompanham a leitura em voz alta da
professora.
Pós-leitura:
1. Que objetos as crianças encontram ao final da festa?
2. Por que D. Carocha veio buscá-los? Por que eles não podiam ficar no
sítio?
3. O que vocês imaginam que Pedrinho faria com a lâmpada mágica?
4. O que Emília viraria com a vara de condão?
5. O que Narizinho poderia fazer com a bota de sete léguas?
6. Quais desses objetos vocês gostariam de encontrar e o que fariam com
eles?
7. Formar três grupos e, para cada, um fornecer um objeto do país das
maravilhas, perguntando como utilizariam se encontrassem: NOME DO
285

OBJETO MÁGICO (Espelho mágico - Bota de sete léguas - Lâmpada


mágica). E se esse objeto do mundo maravilhoso pudesse ser
combinado com o Tema de Pesquisa da turma, Tecnologias, o que
poderia ser feito ou criado? Lembrem-se, vocês estão com algo
poderoso que pode fazer muita coisa no mundo real!

Referência:
LOBATO, Monteiro. A partida. In: LOBATO, Monteiro. Reinações de
Narizinho. Il. Jean Gabriel Villin e J. U. Campos. 1. ed. São Paulo: Globo,
2014.
Atividade em grupo da sessão de leitura A partida
GRUPO 1:

Imaginem que vocês encontraram o espelho mágico. Como vocês o


utilizariam? Quais usos fariam com ele? E se esse objeto do mundo
maravilhoso pudesse ser combinado com o Tema de Pesquisa da turma -
TECNOLOGIAS, o que poderia ser feito ou criado? Lembrem-se, vocês estão
com algo poderoso que pode fazer muita coisa no mundo real!

GRUPO 2:

Imaginem que vocês encontraram a bota de sete léguas. Como vocês a


utilizariam? Quais usos fariam com ela? E se esse objeto do mundo
maravilhoso pudesse ser combinado com o Tema de Pesquisa da turma -
TECNOLOGIAS, o que poderia ser feito ou criado? Lembrem-se, vocês estão
com algo poderoso que pode fazer muita coisa no mundo real!

GRUPO 3:

Imaginem que vocês encontraram a lâmpada mágica. Como vocês a


utilizariam? Quais usos fariam com ela? E se esse objeto do mundo
maravilhoso pudesse ser combinado com o Tema de Pesquisa da turma -
TECNOLOGIAS, o que poderia ser feito ou criado? Lembrem-se, vocês estão
com algo poderoso que pode fazer muita coisa no mundo real!
286

Apêndice D
4ª sessão de leitura - A primeira só
Dia: quinta-feira, 08/08/2019.
Objetivo:

 Elaborar estratégias para determinada situação conflituosa.


Pré-leitura:
1. A história de hoje se chama ―A primeira só‖, de Marina Colasanti. Está
no livro Uma ideia toda azul que foi ilustrado pela própria autora.
2. Pelo título da história, o que podemos prever?
3. Quem ou o que está só?
Leitura:
1. Leitura em voz alta pela professora.
Pós-leitura:
1. Gostaram da leitura? O que sentiram durante a leitura?
2. Quem estava só? Ela continua só? Ela resolveu seu problema?
3. Se ela é a primeira só, haverá outras que ficarão sozinhas?
4. Que estratégia o rei utilizou para que sua filha não ficasse só?
5. O que a princesa fez para não se sentir sozinha?
6. Se você fosse o rei, o que teria feito para rever a situação de sua filha?
7. Se você fosse a menina, o que teria feito para não ser sozinha?
8. Como você percebe a solução que o rei e a menina encontraram para o
conflito que viviam? Quais conselhos poderíamos dar aos dois?
9. Imaginem que a boneca Emília soube dessa história. O que ela diria
para a princesa? E para o rei?

Referência:
COLASANTI, Marina. A primeira só. In: COLASANTI, Marina. Uma ideia toda
azul. 22. ed. São Paulo: Global, 2003.
287

Apêndice E
5ª sessão de leitura - Sacinderela
Dia: segunda-feira, 26/08/2019
Objetivos:

 Perceber a criação no intertexto;


 emitir opiniões sobre a personagem, considerando a perspectiva da
intertextualidade.
Pré-leitura:
1. Vocês conhecem contos de fadas? Quais?
2. O que eles têm em comum?
3. Que personagens de contos de fadas vocês conhecem? Como se
comportam?
4. O livro de hoje se chama Contos de Sacisas. Vocês já ouviram falar em
sacisas?
5. Observem a capa e pensem no título.
6. O que será que acontece nas histórias que estão aqui?
7. Apresentar o livro e ler o sumário. Informar que conheceremos a história
de Sacinderela e perguntar que relação eles fazem a partir do título e o
que esse título já nos sugere.
8. Relembrar a história da Cinderela e como ela age durante o enredo,
como é o comportamento dessa princesa.
9. Retomar com as crianças que informações elas têm sobre saci e como
seria uma sacisa, como seria o comportamento dela?
10. Situar autor e ilustrador e convidá-las para a leitura.
Leitura:
1. Leitura em voz alta pela professora.
2. Crianças acompanham a leitura com projeção.
Pós-leitura:
1. Quais características de Sacinderela a faz diferente de Cinderela?
2. Como o jeito de ser de Sacinderela fez com que ela mudasse o seu
destino?
288

3. Vocês têm algumas dessas características e elas são importantes no


seu dia a dia, como?
4. Vocês consideram importante conhecer a história original para
compreender a leitura de hoje, por quê?
5. Faria alguma diferença se não conhecêssemos? O que vocês apontam?
6. Separar a turma em dois grupos e fazer a seguinte proposta: Imaginem
que um dia, lá pelas matas e florestas, Sacinderela e Cinderela se
encontraram. Como seria esse encontro e o que uma falaria para a
outra?
7. Apresentação, em roda, da produção dos grupos.

Referência:
TORERO, José Roberto. Sacinderela. In: Contos de Sacisas. Il. Psonha. São
Paulo: Companhia das letrinhas, 2018.
289

Apêndice F
6ª sessão de leitura - A moça tecelã
Dia: sexta-feira, 30/08/2019.
Objetivo:

 Considerar pontos de vista diversos entre si, a partir de um enredo em


comum.
Pré-leitura:
1. A história de hoje se chama ―A moça tecelã‖, de Marina Colasanti.
Vejam as ilustrações desse livro: são bordados feitos sobre de
Demóstenes Vargas. Os bordados são de Ângela, Antônia, Marilu,
Martha e Sávia Dumont. Gostam dessa forma de ilustrar livros?
2. O título da história nos dá uma pista sobre a moça. Qual é?
3. O que vocês acreditam que essa moça tece?
Leitura:
1. Leitura em voz alta pela professora e crianças com o livro em mãos.
Pós-leitura:
1. Gostaram da leitura? O que sentiram durante a leitura?
2. Na história existe conflito. Alguém identifica? Qual é?
3. Vamos criar, coletivamente, uma narrativa do ponto de vista do marido?
a. Questões para orientação do novo enredo (professora como
escriba do texto coletivo oral):
 O que ele sentiu quando foi criado?
 Onde ele estava antes de aparecer na história?
 Por que ele tinha as vontades que expressou no texto?
 Se ele percebesse que estava desagradando, será que mudaria
de atitude?
 Será que ele poderia viver longe dela?
 O que ele sentiu quando se desfez?
 O que ele diria à moça?
 Aonde ele foi quando desapareceu?
 O que ele diria sua de vida ao lado da moça?
290

4. ―Ouvir a chegada do sol‖, ―O nada subindo-lhe pelo corpo‖. O que vocês


pensam quando ouvem essas expressões?

Referência:
COLASANTI, Marina. A moça tecelã. Bordados de Ângela Dumont, Martha
Dumont, Marilu Dumont, Sávia Dumont e Antônia Dumont sobre os desenhos
de Demóstenes Vargas. São Paulo: Global, 2004. (Coleção Marina Colasanti)
291

Apêndice G
7ª sessão de leitura - Miragens
Dia: quarta-feira, 04/09/2019.
Objetivos:

 Apreciar a linguagem literária e sua forma de comunicar;


 subverter a lógica de ideias dominantes, considerando uma lógica não
provável.
Pré-leitura:
1. Leremos hoje a história ―Miragens‖ do livro Reinações de Narizinho
escrito por Monteiro Lobato.
2. Na sequência do livro, esta história acontece depois que Pedrinho
descobre o plano de Emília sobre o pau vivente. Vocês lembram como
tudo aconteceu até aqui?
3. O que será que vai acontecer nessa história? Quem terá as miragens e
o que elas serão?
Leitura:
1. Crianças acompanham a leitura em voz alta da professora com o livro
em mãos.
Pós-leitura:
2. Por que para Narizinho o mundo ficava três vezes mais bonito quando
ela fechava os olhos?
3. O que João Faz de Conta quis dizer sobre mudança de estado das
criaturas humanas? O que seria essa mudança e o que ela provoca?
4. Alguém aqui já viveu uma mudança assim? O que aconteceu depois que
você mudou?
5. No texto, Narizinho é advertida para ter cuidado com a vespa-fada que
quer o alfinete mágico. João Faz de Conta fala assim: ―_ Não caia
nessa! Não conte! Você lá sabe se ela merece? Com fadas é preciso
muita cautela, porque se algumas são anjos de bondade, outras são
más como bruxas‖ (p. 267).
a. E sendo uma fada boa como anjo, o que poderia acontecer de
ruim, se a vespa-fada pegasse o alfinete mágico?
292

b. E sendo ruim como bruxa, o que poderia acontecer de bom se a


vespa-fada pegasse o alfinete?
6. Convite para apreciar passagens do texto.

Referências:

LOBATO, Monteiro. Miragens. In: LOBATO, Monteiro. Reinações de


Narizinho. Il. Jean Gabriel Villin e J. U. Campos. 1. ed. São Paulo: Globo,
2014, p. 263-271.
293

Apêndice H
8ª sessão de leitura - Sem pé nem cabeça
Dia: sexta-feira, 13/09/2019.
Objetivos:

 Propiciar clima livre expressão do pensamento;


 discutir sobre as possibilidades dos desenhos feitos pelo personagem da
história;
 considerar a desinvenção de algo.
Pré-leitura:
1. A história de hoje se chama ―Sem pé nem cabeça‖ de Pedro Bandeira.
Ela foi ilustrada por Walter Ono.
2. Pelo título da história, o que vocês acreditam que vai acontecer?
3. O que será uma coisa sem pé nem cabeça?
4. Vocês já usaram essa expressão ―sem pé nem cabeça‖? Em que
situação?
5. Olhando a capa do livro, podemos fazer alguma previsão do que vai
acontecer na história?
Leitura:
1. A leitura em voz alta feita pela professora (atenção à prosódia).
Crianças, em duplas, acompanham a leitura com cópias do livro.
2. Fazer pausas em alguns momentos para questionar sobre a narrativa,
garantindo a adesão e a curiosidade sobre a história.
Pós-leitura:
1. Vocês concordam com esse título, por quê?
2. Que outro título poderia ter essa história?
3. O personagem da história fala muito em transformar o quadrado numa
casa. Em que vocês transformariam o quadrado?
4. Em que poderíamos transformar o círculo?
5. Nessa história, o personagem fala sobre as invenções dele. E diz que se
elas fizeram alguém sorrir, ele já está feliz. Você já inventou alguma
coisa? O que foi? E se pudesse inventar algo, o que seria e por quê?
6. E se você pudesse desfazer uma invenção, qual seria e por quê?
294

Referência:
BANDEIRA, Pedro. Sem pé nem cabeça. Il. Walter Ono. 7. ed. São Paulo:
Moderna, 1989.
295

Apêndice I
9ª sessão de leitura - O jogo das palavras mágicas
Dia: sexta-feira, 20/09/2019.
Objetivos:

 Criar relações entre as palavras;


 fomentar o pensamento fluente e flexível.
Pré-leitura:
2. Hoje, apreciaremos alguns poemas de Elias José que estão nesse livro:
O jogo das palavras mágicas.
3. Na capa, ele diz que há palavras mágicas. Que palavras serão essas?
4. Vocês conhecem alguma palavra mágica?
5. Como uma palavra pode pegar magia, encantamento?
6. O que podemos fazer para uma palavra pegar magia?
7. Retornar ao livro, contextualizando autor e ilustrador. Em seguida,
proceder à leitura.
Leitura:
1. A leitura em voz alta feita pelas crianças (solicitar atenção à prosódia).
2. Seleção dos poemas: Sol – Circo – Palhaço – Medo – Manhã – Viagem
– Carnaval – Desprezo – Velho – Gato – Domingo – Amigo – Outras caras
das palavras (2).
3. Escolher os poemas destacados e, antes de proceder a sua leitura,
perguntar às crianças como elas definem a palavra do titulo do poema.
Pós-leitura:
1. E agora, eu pergunto: como o autor fez para as palavras pegarem
magia?
2. Vocês imaginaram que ele faria esse tipo de magia com as palavras, por
quê?
3. A forma que Elias José encontrou para falar sobre essas palavras
chamou a sua atenção? Qual chamou mais a sua atenção, por quê?
4. Essa forma de escrever sobre coisas comuns, mas usando uma forma
diferente de falar sobre elas é o trabalho do escritor de literatura, que
cuida das palavras, escrevendo de uma forma não óbvia sobre elas,
296

mas que provocam quem lê, provoca o pensamento. Assim, quero


convidar vocês para um exercício de magia com palavras, vamos pensar
na palavra INFÂNCIA. O que é infância? Mas, como podemos falar
sobre ela de uma forma diferente?
5. Agora, vamos encantar as palavras vocês FUTEBOL e PRAIA, mas
vamos tentar pensar como um poeta e provocar o pensamento do leitor.

Referência:
JOSÉ, Elias. O jogo das palavras mágicas. Il. Nelson Cruz. 8. ed. São Paulo:
Paulinas, 2012.
297

Apêndice J
10ª sessão de leitura - Um garoto chamado Rorbeto
Dia: sexta-feira, 04/10/2019.
Objetivo:

 Elencar e/ou criar solução para problemas ou dificuldades do dia a dia.


Pré-leitura:
1. Hoje, leremos juntos ―Um garoto chamado Rorbeto‖.
2. Alguém conhece essa história?
3. Algo chama a sua atenção na capa ou título do livro? O quê?
4. O que vocês imaginam que vai acontecer nessa história e por que esse
garoto se chama assim?
5. Será que é esse o nome dele? Será que ele gosta desse nome?
6. Será que ele enfrenta algum problema nessa história, o que vocês
imaginam?
7. Situar autor e ilustrador.
Leitura:
1. Crianças com os livros em mãos, a leitura será feita pela professora,
com atenção a melodia presente no texto escrito.
Pós-leitura:
1. Gostaram da história? O que sentiram durante a leitura?
2. Conhecem alguém como o Rorbeto, que gosta de brincar, tem amigos,
vai à escola?
3. Logo no começo da história, o leitor pode pensar que Rorbeto teria um
problema. Qual seria?
4. Mas qual foi o problema que Rorbeto encontrou?
5. O que ele fez quando percebeu seu problema? Essas atitudes o
ajudaram a superar sua situação?
6. Como ele resolveu esse problema? De que forma ele manifesta que está
bem consigo mesmo?
7. Vocês já viveram alguma situação que consideraram incômoda e
tiveram que criar uma solução? Qual foi?
298

8. No texto tem uma passagem que diz que ―crianças aprendem a pensar‖.
Assim, vamos incentivar o nosso pensamento com a seguinte atividade:
Em duplas, as crianças receberão uma folha e pensarão numa situação-
problema. Depois, as duplas vão trocar essa folha entre si e listar o
máximo de soluções possíveis para o problema criado por outro grupo.
9. Socialização das soluções encontradas e apreciação em grupo.

Referência:
O PENSADOR, Gabriel. Um garoto chamado Rorbeto. Il. Daniel Bueno. São
Paulo: Cosac Naif, 2006.

Atividade em grupo da sessão de leitura Um garoto chamado Rorbeto

No texto tem uma passagem que diz que ―crianças aprendem a pensar‖. E aqui
vamos aumentar e dizer que elas aprendem a criar. Pense em uma situação-
problema e a escreva aqui:
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Problema criado. Dê esse problema para o outro grupo.

1. Vocês agora receberam um problemão! Crie o máximo de soluções


possíveis para esse problema e liste-as abaixo. Ao final, vamos
socializar em roda.
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