Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E
MOVIMENTO
Natal/RN
2022
2
Natal/RN
2022
3
COMISSÃO JULGADORA
_________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Marly Amarilha (Orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
_________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Daniela Maria Segabinazi (Examinadora externa)
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
_________________________________________________________
Prof. Dr. Diógenes Buenos Aires de Carvalho (Examinador externo)
Universidade Estadual do Piauí (UESPI)
_________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Alessandra Cardozo de Freitas (Examinadora interna)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
_________________________________________________________
Prof. Dr. Allyson Carvalho De Araújo (Examinador interno)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
_________________________________________________________
Profª. Drª. Diana Maria Leite Lopes Saldanha (Suplente externo)
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
_________________________________________________________
Juliana de Melo Lima (Suplente interno)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
RESUMEN
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE SIGLAS
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CE Centro de Educação
CEP/CONEP Comitê Central de Ética em Pesquisa/Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa
CNS Conselho Nacional de Saúde
CNPq Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONSUNI Conselho Universitário
MEC Ministério da Educação
NEI Núcleo de Educação da Infância
NEPI Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Infâncias
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
PP Professor pesquisador
SNI Sujeito não identificado
(( )) Comentários da pesquisadora
SFMT Sujeitos falando ao mesmo tempo
[] Sobreposição de vozes
(...) Indicação de turno ou segmento de fala interrompido
... Pausa longa
((+)) Pausa breve
::: Alongamento de vogal
[...] Indicação de supressão
15
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 17
1.1 Justificativa 19
1.2 Delineamento do estudo: questões e objetivos da pesquisa 26
1.3 Referencial teórico e estado da arte 30
1.4 Guia de leitura da tese 46
2 ASPECTOS METODOLÓGICOS 49
2.1 O desenho da pesquisa 54
2.1.1 Acordos éticos e institucionais 55
2.1.2 Ecologia da escola: o locus e os sujeitos 57
2.1.3 A observação 64
2.1.4 Planejamento e implementação 65
2.1.5 Análise dos dados 72
8 REFERÊNCIAS 212
9 ANEXOS 229
10 APÊNDICES 280
17
1 INTRODUÇÃO
habilidade humana passível de ser provocada, motivada, por que não a refiná-
la com a produção cultural mais sofisticada, diversa e criativa feita pelo homem
no uso da linguagem: a literatura?
Enlaçando esses dois vieses, criatividade e literatura, potencializa-se a
capacidade imaginativa, resolutiva e reflexiva do homem, porque é
experiencial: fornece lastro, coleção de conhecimento.
Essas informações, dados e frutos de observação dão forma a um
conjunto de motivação fomentador da necessidade de pesquisar, conhecer e
aperfeiçoar o fazer docente sob a ótica da leitura de literatura e mediação
pedagógica para o encontro do leitor com o texto, com vistas à emergência do
pensamento criativo.
Dessa forma, o intento desta investigação é um amálgama composto
pelos estudos sobre literatura, mediação pedagógica e criatividade, antevendo
a perspectiva de contribuição e arejamento sobre a presença da literatura na
escola, emergência do pensamento criativo e formação de leitores,
contribuindo, portanto, para responder às necessidades emergentes dos novos
tempos, qual seja: a formação de sujeitos pensantes e criativos, mas no caso
deste estudo, sob a via formativa da leitura de literatura.
1.1 Justificativa
de référent aux comportements adoptés et le type de climat perçu est donc responsable d‘une
partie de l‘efficacité de l‘école.
Des études montrent que les élèves sont sensibles au climat de l‘école et la perception qu‘ils en
ont peut non seulement influencer leurs comportements et leur adaptation, maiségalement leurs
apprentissages scolaires.
29
pensar sobre o texto e sobre a vida, sinalizando que ler e mediar leitura de
literatura são caminhos possíveis para fomentar o pensamento criativo.
Do exposto, objetiva-se de forma geral investigar, na mediação
pedagógica da atividade de leitura de literatura, a emergência do pensamento
criativo em crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
A partir do objetivo geral, desdobram-se os seguintes objetivos
específicos:
2
[...] el modo en que lãs palavras dichas em classe afectam a los resultados de esa
educación, es decir, cómo el discurso observable en el aula afecta al inobservable
processo mental de cada uno de los participantes, y por ello, a la naturaleza de lo que
todos aprenden.
34
Esta sessão orienta o leitor deste estudo a respeito de como foi pensado
e organizado. Professores e pesquisadores interessados na temática são os
leitores intencionados por esta tese, já que espera-se observar a criatividade
nas escolas longe dos modelos estereotipados e relacionados a dons divinos,
mas sim, como algo que pode estar na prática de qualquer professor que busca
engajamento, reflexão, argumentação e divergência na sala de aula como
oportunidades para aprender e ensinar.
3
Creative learning involves asking questions, exploring options and generating and
appraising ideas as the learner take risks and imaginatively thinks their way forwards,
making new or innovative connections in the process. New thinking happens at the
meeting places of different ideas and approaches and it also takes place when new
links occur between people.
47
2 ASPECTOS METODOLÓGICOS
4
Carta de anuência, declaração de não início, folha de rosto, planejamento financeiro,
formulário CEP, autorização para gravação de voz, autorização para uso de imagem, folha de
identificação do pesquisador, termo de consentimento livre e esclarecido, termo de
assentimento livre e esclarecido, termo de confidencialidade, além de projeto e cadastro na
Plataforma Brasil.
56
5
Em 2021, a escola introduziu a 1ª edição do Encontro Nacional dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental (ENEF).
61
6
Sobre o acervo, a escola recebia, até o momento da pesquisa, exemplares do Programa
Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), além de aquisições feitas pela própria UFRN por meio
de editais e doações individuais. Deve-se ressaltar que além de livros de literatura, a biblioteca
dispõe de materiais destinados à formação de professores, com uma biblioteca específica.
62
2.1.3 A observação
por conta das crianças que, por vezes, conversavam bastante, acarretando
barulho desagradável.
Como parte fundamental da etapa do planejamento, houve a seleção
dos livros a serem usados na pesquisa. Um critério de grande relevo para
escolha dos livros era a textualidade. A partir dessa característica, podem-se
desdobrar qualidades definidoras de um bom texto literário: a linguagem em
primeiro plano (conotação; plurissignificação); aspecto ficcional;
desautomatização (criação de novas relações entre as palavras, estabelecendo
relações inesperadas); a relevância do plano de expressão (quando a
organização do texto, atrelada ao conteúdo, viabiliza o plano de significado, isto
é, a compreensão de que o que se diz no texto literário é tão importante quanto
como se diz); a intangibilidade (aspecto intocável do texto literário, no qual
nada pode ser suprimido); e, sobretudo, um texto literário cuja tessitura
apresente a linguagem em função estética (CULLER, 1999; FIORIN; SAVIOLLI,
2011).
Outro critério também estabelecido faz referência aos estudos de De
Masi (2005), principalmente, quando o autor exemplifica que as histórias do
mundo podem ser explicadas de duas formas:
7 In short, from the point of view of the altered paradigm the human being is not only a stimulus-
reducing or problem-solving organism but also a stimulus seeking or probleming-finding
organism.
79
9
Therefore, creativity does not happen inside people´s heads, but in the interaction between a
person´s thoughts and a sociocultural context. It is a systemic rather than an individual
phenomenon.
81
10
[…] consists of a set of symbolic rules and procedures. […]. Domains are in turn nested in
what we usually call culture, or the symbolic knowledge shared by a particular society, or by
humanity as a whole.
82
11
So the definition that follows from this perspective is: creativity is any act, idea, or product that
changes an existing domain, or that transforms an existing domain into a new one. And the
definition of a creative person is: someone whose thoughts or actions change a domain, or
establish a new domain. It is important to remember, however, that a domain cannot be
changed without the explicit or implicit consent of a field responsible for it.
83
que seus produtos são oriundos das relações sociais, constituídas do acúmulo
histórico e cultural da sociedade.
humana‘ em geral do que especificar que categorias mais restritas elas nos
iluminam‖ (CULLER, 1999, p. 43, grifo no original). Entendendo-se, então, a
relevância dos modos particulares pelos quais a literatura comunica e, por
consequência, educa para a vida.
Por meio de suas especificidades, a comunicação pela literatura,
respeitando o estatuto de arte que lhe é próprio, distancia-se da
referencialidade, do utilitarismo e da urgência da comunicação cotidiana. Na
literatura, a comunicação envolve texto e leitor e situa-se historicamente.
Isso posto, Iser (1999, p. 11) aponta que a obra literária é comunicativa a
partir de sua estrutura, ―pois, por um lado, o texto é apenas uma partitura e, por
outro lado, são as capacidades dos leitores, individualmente diferenciados, que
instrumentalizam a obra‖, sublinhando que no texto há esquemas, propostos
pelo autor, que ganham continuidade e outras referências a partir do leitor que,
com sua subjetividade, realiza a leitura. O que o texto informa diz respeito aos
―aspectos esquematizados‖, os quais sugerem a condição de sua retomada
pelo leitor, e, nesse processo, cada leitor, com sua experiência, repertório,
individualidade representa e constitui uma leitura.
Logo, infere-se que a comunicação promovida pela literatura é sujeita a
perspectivas incontáveis de recriação, já que pressupõe a diversidade de
leitores e suas expectativas e vivências particulares. Assim, ―prevendo a
multiplicidade do mundo de cada leitor, o texto interage oferecendo e
recebendo diferentes informações e significados. Nesse fluxo, modificam-se
texto e leitor – o que é a marca do processo de comunicação‖ (AMARILHA,
2013, p. 79). Decorre, então, entender que a comunicação instaurada no jogo
simbólico via literatura, não é pragmática, com fins convergentes e utilitaristas,
mas divergente, ressignificada, criativa, plural e única para cada leitor.
Na convergência entre literatura, comunicação e criatividade surge a
figura do leitor, como partícipe ao qual a literatura se destina e interpela em
esforço criativo de significação. Nesse peculiar processo comunicativo, Jouve
(2002, p. 63) assinala que o leitor é convocado em quatro níveis, a fim de
completar os sentidos do texto: ―verossimilhança‖, ―sequência das ações‖,
―lógica simbólica‖ e ―significação geral da obra‖. Na apreensão de cada um
114
(JOUVE, 2002, p. 64), como a indicação de que a moça tecelã e seu marido
ficariam juntos por um tempo significativo, já que o emprego da frase ―e foi
entrando na sua vida‖ ao invés de ―entrou em sua casa‖ indica a possibilidade
de um longo relacionamento a ser vivido pelos personagens do texto.
O decorrer de um tempo simbólico é criado pelo leitor com base em
pistas do texto, ampliando a interação e a comunicação entre texto literário e
leitor, facilitando, inclusive a ampliação de entendimento sobre a narrativa. Em
outro nível de interação leitor x texto, citado de por Jouve (2002), está a lógica
simbólica. Em uma crescente de complexidade, o leitor aperfeiçoa a leitura do
texto, propõe novas perspectivas de compreensão, questiona o narrado, inverte
a lógica da voz narrante, criando novas perspectivas para a narrativa.
Ainda no conto A moça tecelã (COLASANTI, 2004, p. 02 e 07) há de
forma repetida a seguinte passagem: ―Tecer era tudo o que fazia. Tecer era
tudo o que queria fazer.‖ Entretanto, na leitura do enredo, é possível questionar
o narrador sobre esse desejo da moça e criar a possibilidade – a leitura – de
que tecer talvez não fosse o maior desejo da personagem, especialmente em
algumas passagens do conto.
Todo o percurso comunicativo do leitor com a obra revela uma
significação geral do material lido, já que ―o texto, em geral, contenta-se em dar
indícios; é ao leitor que cabe construir o sentido global da obra‖ (JOUVE, 2002,
p. 65), ou seja, na efetivação da comunicação, o leitor atua com sua
criatividade e colaboração interpretativa, oriundas da sua subjetividade.
Compreendendo a literatura como arte, como uma invenção pela
linguagem, pela palavra, é possível entender o que está envolvido na leitura de
textos literários, pode-se dimensionar a função do leitor no ato da leitura e
perceber a complexidade da interação entre a literatura e seu leitor. O
envolvimento do leitor nas tessituras da literatura, tal qual a moca tecelã, cria
um horizonte de perspectiva, no qual a significação do lido perpassa os desejos
e saberes do leitor que, em interação com o livro-tear, constrói outros universos
para experimentar e durante o tecer desse mundo ficcional cria realidades e as
habita.
116
A literatura pode ser tudo (ou pelo menos muito) ou pode ser
nada, dependendo da forma como for colocada e trabalhada
em sala de aula. Tudo, se conseguir unir sensibilidade e
conhecimento. Nada, se todas as suas promessas forem
frustradas por pedagogias desencontradas (SILVA, 2008a, p.
46).
5.2.1 Planejamento
atender aos critérios singulares que definem esse tipo de texto, como
explicitado no capítulo anterior deste trabalho. A literatura selecionada deve ser
aquela que
5.2.2 Pré-leitura
PP: Pessoal, vamos aqui. ((Professora aponta para cartaz no quadro da sala
de aula.)) Na história, vai aparecer algumas palavras que não costumamos
usar e pode ser que a gente desconheça o significado delas. A primeira é
132
fulvo, que significa amarelo escuro. Outra palavra que aparece é montada:
cavalo ou animal que se monta. Ginete, que é o cavaleiro. E por último,
errante. Já ouviram essa palavra? Errante é uma pessoa que vagueia e fica
andando, andando.
Pedro: Agora eu já sei o que é errante!
PP: A história que vamos ler hoje é Miragens, de Monteiro Lobato. Essa
história faz parte do livro comum da turma: Reinações de Narizinho. Na
sequência do livro, essa história acontece depois que Pedrinho descobre o
plano de Emília sobre o pau vivente. Vocês lembram como tudo aconteceu até
agora?
Lia: Ele descobre que o pau vivente é de mentira!
PP: Isso.
Lia: Ele tá armando um plano pra pegar Emília.
PP: Isso. Mais alguém lembra?
Lion: Não!
133
PP: Deixe falar mais: Pedrinho fica com raiva e joga o João Faz de Conta em
cima do armário e vai embora. Nesse momento, Narizinho vai dar um passeio
e pega o boneco pra passear com ela. É daí que começa a nossa história,
estão lembrados?
Ricardo: Aí, ela, aí, ela.
Tomás: Sim, lembro, lembro, lembro.
Ricardo: Aí, ela encontra tipo a Chapeuzinho Vermelho, a Capinha Vermelha.
PP: Essa mesma! Ótimo! Vocês sabem o que é miragem?
[...]
PP: Mais alguém quer falar? ... Dentro desse livro aqui tem várias histórias. Eu
vou ler para vocês o sumário dele. Tem a história A bela sacisa adormecida,
Branca de algodão e os sete sacis.
Sofia: Ah, é conto de fadas com Saci!
PP: Pererenzel e Sacinderela. A que vamos ler hoje é Sacinderela. Isso, Sofia,
conto de fada com saci.
134
5.2.3 Leitura
5.2.4 Pós-leitura
12
Las preguntas que hace la maestra (o, en otras clases, que hacen los niños) estimulan a los
participantes a ser claros y precisos, convirtiendo cada vez más información en palavras.
139
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
PP: Olá, pessoal! A história de hoje se chama A primeira só. A primeira só foi escrita por
Marina Colasanti. Ela mesma fez as ilustrações e essa história está nesse livro: Uma
ideia toda azul.
Ricardo: É, eu acho que eu já ouvi.
Pedro: É a mesma autora daquele outro livro que a gente leu antes também? ((Criança
se referindo à leitura de Entre leão e unicórnio.))
PP: É sim. Esse livro estava na nossa ciranda do ano passado. Não sei quem chegou a
ler... Acho que era de Maria Augusta.
Tomás: Eu queria ler...
Ricardo: Era de Isabela!
PP: A primeira só. O que vocês pensam que acontece numa história que tem esse
título?
Pedro: A primeira pessoa solitária do mundo.
Cristiano: Não, eu acho que é uma pessoa, é meio que o exemplo do que pessoa
solitária sofre.
Tomás: Peraí.
José: Como é o nome da história?
PP: A primeira só.
Ricardo: Eu posso falar?
PP: Sim!
Ricardo: Eu acho que é tipo uma princesa, aconteceu algum contratempo, o rei foi
149
atender à pergunta: ―O que vocês pensam que acontece numa história que tem
esse título?‖. Apesar das respostas caminharem em direção a um ponto,
aparentemente, convergente (sofrimento, solidão), a cada turno de fala
informações foram acrescidas. Pedro inaugura as respostas com cunho lógico:
―A primeira pessoa solitária do mundo‖; entretanto, Cristiano refuta e
aperfeiçoa, afirmando que a história se refere ao sofrimento experimentado por
uma pessoa solitária.
Das vozes de Pedro e Cristiano já é possível observar um salto
qualitativo na forma de se aproximar do texto a ser conhecido. A flexibilidade
passa a abrir um espaço em meio à fluência de ideias e, nesse ritmo,
explicações para a solidão anunciada começam a receber contorno; assim, os
leitores passam a justificar suas compreensões, como por exemplo: ―Ela fugiu‖,
no esclarecimento feito por Marcel, ou ainda a retomada de Tomás com a
hipótese de que o texto traz a história da primeira pessoa do mundo. E nesse
jogo de hipóteses, José, usando seu repertório de vida, recupera e potencializa
a ideia de Tomás, inferindo que o texto se assemelhará à narrativa bíblica.
As perspectivas imaginadas pelos leitores revelam o caráter subjetivo da
criatividade, caracterizada como ―processo de configuração e reconfiguração
da subjetividade que se expressa nas formas singulares e autônomas da ação
do sujeito nos contextos sociorrelacionais nos quais está inserido‖ (MITJÁNS,
MARTÍNEZ, 2009, p. 35), isto é, ao ler (e para ler), o leitor acessa tudo o que o
compõe: leituras, experiências, crenças, valores, contextos cultural, social,
educativo, etc.; ratificando que a leitura é atividade afim à criatividade, pois
também é campo da subjetividade.
Do exposto até o momento desse curto episódio de pré-leitura, é
possível observar o movimento do pensamento criativo sendo construído no
jogo de vozes do texto e dos leitores, no contínuo recuperar de falas e saberes
disponíveis, a fim de transformar um conjunto de informações em
conhecimento sobre o texto, até então, desconhecido.
Do diálogo destacado nas vozes das crianças, no qual há concordância,
discordância e acréscimos às falas, é possível ainda apontar a participação de
Pedro e Ricardo. Em atitude responsiva ativa, Pedro reage ao conhecimento
sobre a autoria do conto, revelando que já há um repertório sendo formado no
151
disse: isso é verdade? Aí, o sapo passou um dia inteiro, jantou com a família
real, ficou deitado no quarto da filha, até que eles ficaram amigos, o sapo e a
princesa. E ela beijou ele.
PP: Isso, Ricardo, existe essa versão também. Será que a princesa desse
conto aí, que vocês estão falando, tem a ver com a princesa da história que
lemos hoje?
exemplo é o início da fala de Zoe, quando afirma conhecer outra história com
uma bola dourada, descrevendo passagem do conto O rei sapo, dos Irmãos
Grimm (GRIMM; GRIMM, 2006). O esclarecimento de Zoe foi preponderante
para a retomada das leituras prévias de algumas crianças, como Tomás que, a
princípio assegura não conhecer outra história com a presença de uma bola
dourada, mas após os enunciados de Zoe, participa, ativamente, da
rememoração coletiva do conto dos Irmãos Grimm, evidenciando conhecer a
narrativa.
A disposição desses andaimes, estruturas mentais que sustentam a
progressão no conhecimento, foi de suma importância para o alcance da
intertextualidade, uma vez que apoiou a estruturação dos saberes dos leitores
sobre a narrativa. Na perspectiva sinalizada, o fragmento destacado finaliza
com uma provocação da professora pesquisadora, sugerindo a reflexão acerca
de possíveis similaridades entre as princesas dos dois contos, por meio do
seguinte andaime dialógico: ―Será que a princesa desse conto aí, que vocês
estão falando, tem a ver com a princesa da história que lemos hoje?‖.
13
Dialogic scaffolding for creativity can extend to asking students their opinions and
interpretations – a cognitively more advanced pedagogical engagement that informs the teacher
formatively of level and state of known information, and how the teacher might go about
challenging the ―edge‖ of knowledge and understanding.
155
PP: Isso, Ricardo, existe essa versão também. Será que a princesa desse
conto aí, que vocês estão falando, tem a ver com a princesa da história que
lemos hoje?
Eli: Acho que não.
Ricardo: Eu acho que pode ser.
Eli: Não, porque no Rei sapo só fala da princesa, do rei e do sapo. Não fala
tipo: a rainha. Não fala: o príncipe.
Ricardo: Mas aí, mas aí, naquele livro da princesa e do sapo, no final, o sapo
vira príncipe. E a princesa e o príncipe sapo vão embora, aí, poderia ser a
mesma pessoa, porque ela estaria com marido, então poderia ser a mesma
bola e o mesmo rei.
[...]
Eli: Na história do Rei sapo não diz que a princesa tá jogando com os amigos,
não diz nada. Diz só que a princesa tá jogando e nessa história agora, ela não
tem amigo.
PP: Então, mas você acha que não tem a ver.
Eli: Tem tudo a ver: a princesa, o rei e a bola!
[...]
Zoe: Eu acho que tem a ver uma história com a outra, porque tem coisas em
comum. Eles já falaram.
José: A minha hipótese seria que: quando a princesa casou com o sapo, eles
não tiveram outro filho, só tiveram ela. E no reino, como não tinha criança, ela
não podia brincar. E aquela bola de ouro, ele deu pra filha, por causa que a
mãe ia jogar bola no lago. Aí, não tinha o lago? Era o mesmo lago das duas
histórias, só que aí seria um tempo depois.
PP: Será que alguém que não conhece a história da Cinderela vai entender
essa história de hoje?
SFMT: Nã:::o
PP: Por que não?
Melissa: Eu acho que ia tentar fazer ligação, mas não ia entender.
Ricardo: Eu acho que sim, porque é [ ].
Melissa: Mas Ricardo, antes dela contar a história, só de ouvir falar
Sacinderela, você sabia que era a história da Cinderela?
Ricardo: Sabia!
Cristiano: Sabia, porque tem Cinderela!
Branca: Eu acho que não, porque você falou o nome e eu não entendi muito,
mas depois eu me toquei que era a história de Cinderela.
163
Ricardo: Sério?
Branca: Se eu não conhecesse a história de Cinderela, eu não ia saber, tipo
assim, eu ia achar que ela ia ser uma empregada, ia perder o gorro.
Sofia: Eu não ia entender o contexto dessa história, se não conhecesse a
Cinderela, não ia fazer ligações.
PP: Ia perder algumas ligações? Quais ligações?
Sofia: Eu não ia relacionar com nada.
Pedro: Se eu não conhecesse e aparecesse uma fada madrinha, eu ia ficar
sem entender. Que história é essa de fada madrinha? Mas, como eu conheço,
tudo bem.
[...]
PP: A nossa primeira história, viu Cristiano, de dez que nós vamos ler é A
pílula falante. Essa história foi escrita por Monteiro Lobato e está no livro
170
Reinações de Narizinho.
Guido: Qual é a página desse livro?
Tomás: 25!
PP: Aí, olha só a pergunta que eu vou fazer: o título dessa história já diz uma
coisa que vai acontecer nela, não é?
Marcel: A pílula falante! Eu sei que ela come a pílula pra falar.
Cristiano: A Emília toma a pílula e fica falando.
PP: Esse acontecimento, Cristiano e Tomás, de Emília ter tomado essa pílula
ajuda ou não nos acontecimentos das outras histórias do sítio que vocês já
conhecem?
SFMT: Sim!
PP: Por que ajuda?
Pedro: Porque a Emília fazia parte da história, ela começou a ter...
Tomás: Ela ajuda na história, porque ela fala quem pegou ela: a Carocha.
Cristiano: É... e também ajuda, é... deu humor a história, porque imagina a
Emília só falando hum hum hum. ((Criança fazendo gemido com a boca
fechada, como se o órgão não fosse articulado.))
Guido: Tem alguns episódios de Sítio do Picapau Amarelo que Pedrinho fala:
se eu pudesse, eu não daria a pílula falante para essa boneca.
PP: Sim. Então, Cristiano disse que trouxe humor, Tomás falou que ajudou a
descobrir sobre a Dona Carocha e Guido falou que deu até arrependimento.
Pedro: E eu disse que ela ia começar a participar mais.
PP: Participar mais. Tudo isso porque ela começou a falar, certo? Agora eu
vou ler a história pra vocês e depois a gente conversa mais pouquinho, certo?
Vamos lá.
[...]
PP: E o que é que a gente, olha a pergunta, o que a gente perde quando tem
a fala recolhida?
José: O direito de falar!
PP: E por que falar é um direito, é importante?
José: Pra você poder dar uma opinião, falar tipo... Fulano quebrou tal coisa e
disse que foi você. Aí, você não pode falar a verdade, porque a fala tá
recolhida.
PP: Então, não ter fala recolhida é importante pra gente poder dar as nossas
opiniões.
José: Dar a nossa opinião e poder se defender.
PP: Se justificar!
como apontou José, o ato de falar traduz uma ação que é orientada de forma
externa e interna, pois ao mesmo tempo em que exerce influência sobre o
meio, a fala também é orientada intrapessoalmente, pois estabelece uma
relação com o pensamento. Nesse sentido, falar, comunicar o que se pensa é
relevante, pois conforme destacado pelas crianças, após a Emília ganhar a
fala, a história passa a ter humor e a personagem, participação. Sobre as
ideias de Emília, as crianças consideram o seguinte:
PP: Narizinho disse que as ideias de Emília vão ser sempre novas, porque ela
pensa de um jeito especial. Que jeito será esse?
Cristiano: Eu sei.
Marcel: É porque é pensamento de boneco.
PP: Pensamento de boneco. E como é esse pensamento?
Marcel: Pensando no vazio! Ela não tem vida.
Cristiano: O pensamento de uma boneca é: tô nem aí pra nada, minha vida é
de boneca, eu sou boneca que fala, vou falar o que eu quiser.
PP: Vocês acham que o que Emília fala tem sentido?
SFMT: Sim!
Melissa: O jeito especial de Emília falar é porque ela mistura coisa da vida
real com coisas da imaginação dela.
PP: Você acha importante misturar as coisas da vida real com a imaginação?
Melissa: Acho que essa fala junto da vida real com a imaginação é legal,
porque acaba dando mais humor à história.
PP: Vou falar com Otto, porque ele não falou comigo hoje. Otto, as ideias que
Emília tem nas histórias que Monteiro Lobato escreve... Você acha que essas
ideias acrescentam na história, fazem ela ficar mais divertida ou pra você não
faz diferença as ideias de Emília?
Otto: É divertida, porque as ideias são maravilhosas.
PP: Maravilhosa como?
Otto: São ideias malucas.
173
disse uma escolinha pra eles irem. Então, eles foram e agora todo mundo joga
bola.
garoto e que ele vai sofrer bullying e ter outros problemas por causa do nome?
SFMT: Si:::m.
PP: Mas será que ele não gosta do nome?
Eli: Não, professora, não dá, tá errado.
PP: E se for o caso do problema ser o nome, como isso será resolvido na
história?
[...]
Cristiano: Ele tem que olhar se tá errado no papel dele.
PP: Qual papel?
Cristiano: Aquele... Aquele que diz o nome todo, uma folha assim. ((Criança
faz o gesto mostrando o tamanho da folha.))
PP: O registro de nascimento!
Cristiano: É!
José: Se o nome dele tiver errado, pode pedir pra ajeitar.
Renato: Eu vi na TV gente que tem nome e trocou por outro.
PP: Certo, então, se for o nome, vocês estão dizendo que existe jeito de
consertar, mas e se for outro o problema da história?
Eli: É não, de jeito nenhum.
PP: Vocês concordam?
SFMT: Si:::m.
Guido: Não dá pra ser outra coisa, já tá na capa, até.
Mas além desse possível erro, o que vocês imaginam que vai acontecer
nessa história?
Mas será que ele não gosta do nome?
Certo, então, se for o nome, vocês estão dizendo que existe jeito de
consertar, mas e se for outro o problema da história?
PP: De que outras formas, Rorbeto poderia ter resolvido essa situação?
José: Ele podia usar uma luva e colocar dois dedos dentro do mesmo lugar.
Aí, todo mundo ia pensar que ele tinha cinco.
Cristiano: Ele podia usar luva de goleiro todo o tempo que ninguém ia saber,
mas se fosse de boxe ia ser perfeito, porque não tem nem dedo.
PP: Mas como ia ser o dia a dia com a mão dentro de uma luva o dia inteiro?
Tomás: Não ia dar certo, era só ele ter deixado a mão dentro do saco, mas
bem folgado que dava até pra escrever.
Melissa: Se ele segurasse a capa do caderno com a outra mão formando uma
barreira, dava certo e nem precisava de saco, nem luva, nem nada!
PP: Então, vocês tão dizendo que esconder é uma forma de resolver?
180
Ricardo: Não resolve, não. Ele tinha que fazer uma cirurgia!
[...]
Ricardo: Sabia que na página dez fala que a mãe dele nem prestou atenção
nisso, que ela tava feliz, porque ele tinha saúde. Então, acho que isso não era
um problema. Só na hora que ele descobriu, porque nem pros amigos era um
181
14
Nivel de uso del lenguage al seguiente, de un nivel de sentido a otro. Así es como leen los
lectores expertos; así es como debemos ayudar a los niños a leer.
183
Tomás: Será que tecer não era tudo o que ela não queria fazer?
PP: Será, Tomás? Por que você pensa assim?
Tomás: Porque ela não tem uma vida normal, ela é presa, tem que viver
tecendo com ou sem marido, porque senão, nada acontece.
PP: Olha a pergunta que eu vou fazer: se vocês pudessem encontrar um livro
que tivesse a versão do marido. A história contada por ele. O que teria nessa
história?
Branca: Uma história totalmente ao contrário.
Melissa: Seria uma história ao contrário, que a mulher obrigava ele a fazer
tudo.
Sâmia: O título ia ser: O homem de porcelana.
PP: Essa versão seria a que ele contaria. A história no ponto de vista dele.
Será que ele daria esse título? Será que ele ia usar o tear?
Cristiano: Eu acho que ele estaria falando do jeito dele: é porque, a moça
gostava de tecer, daí, eu ia pedir pra ela fazer uma coisa melhor pra nós dois,
mais ou menos isso que ele ia dizer.
Lion: Ele contaria que ela fazia com prazer, porque tecer era tudo o que ela
fazia e queria fazer.
[...]
PP: E antes de ser desfeito por completo, o que ele diria a ela?
Pedro: Nós podemos ser felizes.
Ricardo: Tive o que mereci!
PP: Ricardo, ele ia escrever isso na própria história?
Ricardo: Ai, como é difícil!
O homem de lã
Era uma vez uma ovelha que tinha uma lã mágica. Um dia, uma mulher
pegou a lã e criou um homem no tear com várias linhas de lã mágica. Esse
homem, porém, tinha desejos de ter castelos, porque ele cresceu num reino,
mas não era um reino qualquer, era um reino de um mundo mágico, bem
diferente do nosso mundo.
Só que a mulher não entendia que o marido, além de pedir castelos,
porque vinha de um reino mágico, ele também queria agradá-la, pois percebeu
que ela gostava de tecer. Tecer era tudo o que queria fazer!
Mas, quando percebeu que desagradou à mulher com seus pedidos, ele
resolveu pedir desculpas. Mas já era tarde! Ela estava desfazendo o homem,
desmanchando tudo. Ele sentiu muito medo e disse que eles poderiam ser
felizes. Nada adiantou, porque ela não gostava mais dele. Ele, voltando ao
estado de lã, sentiu que esse mundo era cruel.
187
[...]
PP: Na história, João Faz de Conta diz pra Narizinho ter cuidado com a
vespa-fada, porque tem umas que são boas como anjos e outras que são
ruins como bruxa.
Guido: Foi mesmo.
PP: Foi. E sendo uma fada boa como anjo, o que poderia acontecer de
ruim, se a vespa-fada pegasse o alfinete mágico?
Guido: Ela poderia transformar outras bonecas de pano em gente e Emília
ficaria chateada, porque não seria a única.
Ricardo: Ia ser ruim, porque Emília ia perder a chance de ser uma fada de
pano.
Melissa: Ela poderia fazer a Narizinho perder a memória e nunca mais
saber onde está o alfinete, nem lembrar as aventuras que viveu.
PP: E sendo ruim como bruxa, o que poderia acontecer de bom, se a
vespa-fada pegasse o alfinete?
Sofia: O que poderia acontecer de bom era que como Emília é a dona do
alfinete, na hora em que a bruxa encantasse ele, a mágica fosse pra Emília
188
Dessa forma, vê-se que o ato de ler envolve o leitor com sua
subjetividade, interesses, condicionantes culturais, psicológicos, que
influenciam a leitura e fazem desse ato uma experiência singular para cada
sujeito. A obra de arte, na leitura de cada indivíduo, renova-se, pois sua
estrutura oferece ao leitor os espaços para ação, concorrendo para que a obra
reviva ―dentro de uma perspectiva original‖ (ECO, 2005, p. 50).
Configura-se, portanto, a leitura como um esforço criativo, uma vez que
o leitor cria sentidos, compreensões, novas perspectivas, mediante o ato de ler.
Nessa direção, a categoria Criação e Literatura se debruça sobre os meandros
da relação entre criatividade e literatura, observando, na interação com a leitura
de literatura, ações do leitor que são indícios de criatividade. As subcategorias
Criação e os vazios do texto literário e Imaginação e literatura organizam a
compreensão do estudo e apresentam vozes dos sujeitos da pesquisa que
foram determinantes na categorização dessa secção.
[...]
PP: O que acontece com o rei depois que ele foi embora?
José: Não sei.
Lion: Ele mudou!
PP: Mudou como?
Lion: Ele foi pro sonho, ele fica vagando por aí, mas só no sonho.
José: Por aí não, só nos sonhos da esposa.
PP: Então, ele não pode vagar por onde quiser?
José: Não, só no sonho dela. O animal da história é dela.
PP: Entendi... Mas, Lion, você disse que ele mudou. Ele mudou de lugar, tipo
da realidade para o sonho, ou de forma?
Lion: De lugar e de jeito, ele não é mais real, ele agora é de sonho... Não sei,
é ((+)), não é de verdade mais.
Pedro: Ele morreu, ele é uma maldição! Vive preso no sonho.
PP: Vixe, ele gostava tanto da liberdade do sonho e agora, você diz que ele tá
preso. Vocês concordam com o pensamento de Pedro?
193
Lia: Tá mesmo.
Renato: Antes, ele vivia de noite e de dia, agora, ele só vive à noite, quando
ela dorme.
Melissa: Tá limitado.
[...]
Melissa: Tem Bigmac com três hambúrgueres e cheddar que derrete na boca!
Renato: Ei, isso é do mundo real!
Melissa: Mas o Bigmac não é desse jeito!
PP: Vamos ouvir? O que mais tem lá?
194
Melissa: Unicórnios e leões, tudo o que você imaginar, você tem. Tem gênios
com pedidos ilimitados, a pessoa pode dirigir com qualquer idade, pode voar,
comer biscoitos gigantes e cinema todo dia!
Stella: Tem fadas, gnomos.
Ricardo: Acabou?
PP: Sim.
((Aplausos.))
Cristiano: Então, o que houve com ela?
Renato: Ela morreu? Um caco de vidro entrou no olho dela?
PP: Ela tava com os cacos de vidro agora?
Tomás: Não, ela só tinha o pozinho lá.
PP: Ela tá onde agora?
Marcel: No rio, ela morreu afogada.
PP: No lago.
Eli: Ela morreu.
PP: Será?
Cristiano: Sim.
((Crianças começam a reproduzir o mergulho da personagem de braços
abertos.))
PP: O que vocês sentiram quando entraram na água?
Renato: Normal.
Ricardo: Normal.
Eli: O que aconteceu com ela? Conta, professora?
PP: Gente, o texto literário, às vezes, é assim, ele não tem um final, que é pra
gente ficar imaginando esse final, certo? Aí, vocês ficam com ele, pensando,
pensando...
Eli: A:::h ((Criança bate a mão na mesa, demonstrando chateação.))
Ricardo: Não queria saber dos brinquedos, só fazia chorar: depressão, minha
196
filha!
PP: Hoje, vamos ler poemas! Esses poemas são do livro O jogo das palavras
mágicas, de Elias José. As ilustrações são de Nelson Cruz. [...]. Vocês
conhecem alguma palavra mágica?
Eli: Por favor.
Tomás: Abracadabra.
Stella: Obrigada.
Renato: Com licença.
Lia: Plift, plaft, pluft.
PP: Será que existem outras palavras mágicas, além das que vocês falaram?
Como será que uma palavra pega magia?
Ricardo: Uma palavra pega magia, quando ela te dá direitos. Um exemplo: se
uma pessoa tá comendo um doce e você pede um pedaço, por favor. A
pessoa te dá.
PP: Certo. O que leremos hoje?
SFMT: Poesia!
PP: Ótimo, então, vou dizer a vocês que existem outras palavras mágicas, fora
por favor, obrigada, com licença. E que existe uma forma dela pegar magia...
Nos livros, quando ela tá em forma de:::
Zoe: poesia!
PP: Isso!
PP: Por que será que na história, Narizinho dizia que o mundo fica três vezes
mais bonito quando ela fechava os olhos?
Ricardo: Porque ela ficava imaginando.
PP: Será que imaginar é uma atividade importante?
Renato: É sim, porque ela podia imaginar coisas que não tinha.
Eli: Era como um sonho, tipo coisas que ela não pode imaginar de olhos
abertos.
Ricardo: Ela imaginou coisas bonitas.
Melissa: Eu ia dizer isso, Ricardo.
Sofia: Eu imaginava as coisas, sabia? O que eu não tinha ou queria.
PP: Vocês viram que no texto tem uma parte que as crianças, quando
descobriram essas coisas, elas ficaram imaginando aventuras mais
extraordinárias que aquelas que os livros contam. Vocês lembram?
SFMT: Sim!
PP: O que será que Pedrinho ia fazer com a lâmpada mágica?
Eli: Ele ia desejar o jacaré que engoliu o capitão e ia pedir várias coisas de
histórias.
Ricardo: Não, mas ele pediu isso ao Peter Pan.
Zoe: Ele podia fazer pedidos ao gênio.
PP: E o que ele pediria de tão extraordinário?
José: Eu acho que ele ia pedir um bodoque mágico.
PP: E o que ele faria com esse bodoque mágico?
José: Não sei ((+)), quando ele tacasse o bodoque, aí, aquela coisa que foi
ticada pelo bodoque ia se transformar em outra coisa.
Branca: Eu acho que eles podiam usar esses objetos, mas a lâmpada quando
ele fizesse os três desejos, ele podia devolver.
PP: O que será que Narizinho ia fazer com a bota de sete léguas?
Ricardo: Eu sei! Ela ia brincar com Emília e Pedrinho de tica-tica, esconde-
esconde e tal, ia calçar as botas e correr bem rápido, fazer várias corridas e
tal, porque ela falou, disse que agora ninguém me pega. ((Criança recorre ao
texto para indicar a passagem da história.))
PP: Isso. Alguém mais tem alguma ideia do que Narizinho pode fazer com a
bota de sete léguas? Alguém queria essa bota?
SFMT: Sim!
Guido: Eu queria a lâmpada de Aladim!
Eli: Eu, pra usar num campeonato de futebol, calçava a bota, saía correndo e
fazia gol.
resultado é uma elaboração tão ficcional quanto o texto de onde partimos [...]‖
(AMARILHA, 2013, p. 81).
Seguindo o exercício de imaginar, Eli percorre uma trajetória diferente.
Encorajado pela professora pesquisadora, imagina a posse da bota de sete
léguas em seu cotidiano, então, cria uma realidade onde seria um jogador de
futebol melhor, devido à velocidade que alcançaria com as botas. A leitura de
literatura proporcionou a criação de uma realidade inexistente ao leitor,
corroborando, portanto, o posicionamento de que a literatura, como experiência
nutre a memória e a imaginação, possibilitando a criação de algo, de fato, não
existente no mundo factual.
Nessa perspectiva, os sujeitos da pesquisa foram solicitados a pensar
em usos para os objetos deixados no sítio: bota de sete léguas, espelho
mágico e lâmpada mágica, mas em uma perspectiva diferenciada, combinando
esses elementos com o que a turma do 4º ano estudava naquele momento:
Tecnologias. A pergunta feita às crianças propunha o seguinte:
PP: Ok, grupo de Renato, Eli, Marcel, Lion e José pode dizer as ideias que
tiveram. Que objeto vocês encontraram?
Eli: A bota.
PP: A bota. E o que vocês criariam? Vamos ouvir!
Renato: Um: bota que sai raio; dois: um foguete; três: bota multiuso, você quer
jogar futebol, você bota as travas, aí, tira as travas, bota uma roda atrás.
PP: O que mais?
Renato: Bota com asas pra voar, uma bota que carrega o celular, bota
elétrica, aí você pode carregar o celular e bota dançante pra quem não sabe.
PP: Massa, valeu! Agora, Branca, Lia e Ane vão dizer pra gente o que
conseguiram fazer com o espelho mágico.
Branca: O espelho pode ser utilizado como Google, porque tudo o que se
pergunta, ele responde. Realizar alguns desejos, como: conhecer os nossos
ídolos, comida e brinquedos. A branca de Neve usa o espelho para conversar
e ser amigo. Então, ele não é um espelho qualquer, ele tem vida e tem rosto.
PP: Ótimo! Agora, Zoe, Sâmia, Ricardo, Pedro, Otto, Melissa e Guido são as
crianças da lâmpada.
Melissa: A gente transformaria a lâmpada em um fazedor de tecnologias.
PP: Um fazedor de tecnologias? Como assim?
Melissa: Ela ia atualizar o mundo e todas as tecnologias. Por exemplo, a luz ia
acender com gesto, a TV ia mudar piscando. Ela ia mudar tudo o que já existe
pra melhor.
PP: Tipo, uma atualização?
Melissa: É!
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
quando a pergunta (ou resposta) de uma criança se torna andaime para que
outra avance na construção da aprendizagem, da criatividade. De natureza
diferente dos andaimes implementados pelo professor, porque mais diretivos e
intencionais pedagogicamente, as crianças, a seu modo, instalaram andaimes
em suas falas, quando o que diziam se constituía em aprendizagem para outro
par. Esse dado revela indícios de aprendizagem coletiva, por meio da leitura e
discussão de histórias, o que também concorre à criatividade, revelando que
agrupamentos coletivos propiciam o desenvolvimento do pensamento criativo.
Os fundamentos teóricos do estudo também desvelam entendimento
sobre o objetivo pretendido, subsidiando a compreensão sobre criatividade,
leitura, leitor, literatura e mediação. Os apontamentos sobre criatividade
revelam a sua variedade de definições: abordagens míticas, cognitivas, sociais.
A perspectiva histórico-cultural assumida na pesquisa anuncia que a
criatividade é uma potencialidade humana e que se desenvolve, a partir da
interação do sujeito com o outro, com objetos da cultura e que nesse processo
condicionantes sociais, históricos e culturais atuam fortemente. Entende-se
também seu aspecto subjetivado, que expressa as particularidades dos
indivíduos, suas necessidades, saberes e experiência (VIGOTSKI, 2014).
A perspectiva de criatividade do estudo se alinha com o entendimento de
leitura defendido, pois subentende o viés criativo e construtivo do ato de ler.
Seguindo a acepção de que ler é estabelecer relações (SMITH, 2003), o sujeito
ao ler, aciona repertório, experiência, esforços cognitivos, físicos e emocionais
e veste de sentido o material lido. Nesse momento, leitor e texto se encontram
e definem o acontecimento da leitura, encontro virtual, no qual as
singularidades dos sujeitos e as indeterminações do texto colaboram para a
produção de sentido (ISER, 1996, 1999).
O leitor, nessa construção é sujeito ativo do ato de ler, aprofunda o texto
com sua subjetividade e repertório, ampliando o lido em caminhos criativos e
singulares, pois expressam a particularidade desse encontro.
Já os estudos sobre literatura corroboraram sua identificação como arte,
expressando sua natureza fruitiva e que não serve a fins utilitaristas. Essa
compreensão sobre a literatura potencializa a reflexão sobre a sua presença na
escola, que deve primar pela acuidade na experiência com a linguagem, com o
210
8 REFERÊNCIAS:
AMARILHA, Marly. Alice que não foi ao país das maravilhas: educar para ler
ficção na escola. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2013.
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. 13.
ed. Campinas/SP: Papirus, 1995.
BANDEIRA, Pedro. Sem pé nem cabeça. Il. Walter Ono. 7. ed. São Paulo:
Moderna, 1989.
CARVALHO, Ana Carolina; BAROUKH, Josca Ailine. Ler antes de saber ler:
oito mitos escolares sobre a leitura literária. São Paulo: Panda Books, 2018.
COLASANTI, Marina. A primeira só. In: COLASANTI, Marina. Uma ideia toda
azul. Il. Marina Colasanti. 22. ed. São Paulo: Global, 2003.
DAVIES, Dan; HOWE, Alan. O que significa ser criativo? In: MOYLES, Janet.
Fundamentos da educação infantil: enfrentando o desafio. Tradução de
Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artmed, 2010.
217
DEMO, Pedro. Leitores para sempre. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2006.
JOSÉ, Elias. O jogo das palavras mágicas. Il. Nelson Cruz. 8. ed. São Paulo:
Paulinas, 2012.
KAUFMAN, James C.; BEGHETTO, Ronald A. Beyond big and little: the four C
model of creativity. Review of General Psychology. California, USA, v. 13. n.
1, p. 1-12, 2009.
SANT‘ANNA. Affonso Romano de. Paródia, paráfrase & Cia. 7. ed. São Paulo:
Ática, 2003 (Série Princípios).
STIERLE, Karlheinz. Que significa a recepção dos textos ficcionais? In: JAUSS,
Hans Robert (et al.). A literatura e o leitor: textos de estética da recepção.
2.ed. Tradução Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
TORERO, José Roberto. Sacinderela. In: Contos de Sacisas. Il. Psonha. São
Paulo: Companhia das letrinhas, 2018.
9 ANEXOS
Anexo A
A PÍLULA FALANTE (Monteiro Lobato)
No outro dia, a menina levantou-se muito cedo para levar a boneca ao
consultório do doutor Caramujo. Encontrou-o com cara de quem havia comido
um urutu recheado de escorpiões.
— Que há, doutor?
— Há que encontrei o meu depósito de pílulas saqueado. Furtaram-me
todas...
— Que maçada! - exclamou a menina aborrecidíssima. — Mas não pode
fabricar outras? Se quiser, ajudo a enrolar.
— Impossível. Já morreu o besouro boticário que fazia as pílulas, sem
haver revelado o segredo a ninguém. A mim só me restava um cento, das mil
que comprei dos herdeiros. O miserável ladrão só deixou uma — e imprópria
para o caso porque não é pílula falante.
— E agora?
— Agora, só fazendo uma certa operação. Abro a garganta da boneca
muda e ponho dentro uma falinha, respondeu o doutor, pegando na sua faca
de ponta para amolar. Já providenciei tudo.
Nesse momento ouviu-se grande barulheira no corredor.
— Que será? - indagou a menina surpresa. — É o papagaio que vem
vindo — declarou o doutor.
— Que papagaio, homem de Deus? Que vem fazer aqui esse papagaio?
Mestre Caramujo explicou que como não houvesse encontrado suas
pílulas mandara pegar um papagaio muito falador que havia no reino. Tinha de
matá-lo para extrair a falinha que ia pôr dentro da boneca.
Narizinho, que não admitia que se matasse nem formiga, revoltou-se
contra a barbaridade.
— Então não quero! Prefiro que Emília fique muda toda a vida a
sacrificar uma pobre ave que não tem culpa de coisa nenhuma.
230
na boca!‖ E falou, falou, falou mais de uma hora sem parar. Falou tanto que
Narizinho, atordoada, disse ao doutor que era melhor fazê-la vomitar aquela
pílula e engolir outra mais fraca.
— Não é preciso — explicou o grande médico. — Ela que fale até
cansar. Depois de algumas horas de falação, sossega e fica como toda gente.
Isto é ―fala recolhida‖, que tem de ser botada para fora. E assim foi. Emília falou
três horas sem tomar fôlego. Por fim calou-se.
— Ora graças! - exclamou a menina. — Podemos agora conversar como
gente e saber quem foi o bandido que assaltou você na gruta. Conte o caso
direitinho. Emília empertigou-se toda e começou a dizer na sua falinha fina de
boneca de pano:
— Pois foi aquela diaba da dona Carocha. A coroca apareceu na gruta
das cascas...
— Que cascas, Emília? Você parece que ainda não está regulando...
— Cascas, sim - repetiu a boneca teimosamente. — Dessas cascas de
bichos moles que você tanto admira e chama conchas. A coroca apareceu e
começou a procurar aquele boneco...
— Que boneco, Emília?
— O tal Polegada que furava bolos e você escondeu numa casca bem lá
no fundo. Começou a procurar e foi sacudindo as cascas uma por uma para ver
qual tinha boneco dentro. E tanto procurou que achou. E agarrou na casca e foi
saindo com ela debaixo do cobertor...
— Da mantilha, Emília!
— Do COBERTOR.
— Mantilha, boba!
— COBERTOR. Foi saindo com ela debaixo do COBERTOR e eu vi e
pulei para cima dela. Mas a coroca me unhou a cara e me bateu com a casca
na cabeça, com tanta força que dormi. Só acordei quando o doutor Cara de
Coruja...
— Doutor Caramujo, Emília!
— Doutor CARA DE CORUJA. Só acordei quando o doutor CARA DE
CORUJÍSSIMA me pregou um liscabão.
232
Anexo B
ENTRE LEÃO E O UNICÓRNIO (Marina Colasanti)
No meio da noite de núpcias, o rei acordou tocado pela sede. Já ia se
levantar, quando junto à cama, do lado da sua recém-esposa, viu deitado um
leão.
— Na certa — pensou o rei mais surpreso do que assustado — estou
tendo um pesadelo.
E mudando de posição para interromper o sonho mau, deitou a real
cabeça sobre o real travesseiro. Em seguida, adormeceu.
De fato, na manhã seguinte, o leão havia desaparecido sem deixar
cheiro ou rastro. E o rei logo esqueceu de tê-lo visto.
Esquecido ficaria, se dali a algum tempo, acordando à noite entre um
suspiro e um ronco, não deparasse com ele no mesmo lugar, fulvo e vigilante.
Dessa vez, custou mais a adormecer.
Quando a rainha despertou, o rei contou-lhe do estranho visitante
noturno que já por duas vezes se apresentava em seu quarto.
— Oh! Senhor meu marido — disse-lhe esta constrangida —, não ousei
revelar antes do casamento, mas desde sempre esse leão me acompanha.
Mora na porta do meu sono, e não deixa ninguém entrar ou sair. Por isso não
tenho sonhos, e minhas noites são escuras e ocas como poço.
Penalizado, o rei perguntou o que poderia fazer para livrá-la de tão cruel
carcereiro.
Quando o leão aparecer – respondeu ela –, pegue a espada e corte-lhe
as patas.
Naquela mesma noite, antes de deitar, o rei botou ao lado da cama
sua espada mais afiada. E assim que abriu os olhos na semi-escuridão, zac!
Decepou as patas da fera de um só golpe. Depois, mais sossegado, retomou o
sono.
Durante algum tempo dormiu todas as noites até de manhã, sem
sobressaltos. Mas numa madrugada quente em que os edredons de pluma
pareciam pesar sobre seu corpo, acordando todo suado viu que o quarto real
estava invadido por dezenas de beija-flores e que um enxame de abelhas se
235
O rei, porém, mal conseguia esperar pelo fim do dia. Tão rica e vasta
havia sido a viagem, que só desejava montar novamente naquele dorso, e, azul
no ar azul, descobrir novos rumos. Pela primeira vez as tarefas da coroa lhe
pareceram pesadas, e tediosa a corte. Da rainha, só desejava que, rápido,
adormecesse.
Dessa forma, noite após noite, partiu o rei nas costas do unicórnio, para
só retornar ao amanhecer.
E a cada noite, mais diferente ficou.
Já não queria guerrear, nem dançar nos salões. Já não se interessava
por caçadas ou tesouros. Trancado sozinho na sala do trono durante horas,
pensava e pensava, galopando na lembrança, livre como o unicórnio.
Ressentia-se porém a rainha com aquela ausência. Doente, quase, de
tanta desatenção, mandou por fim chamar a mais fiel das suas damas de
companhia. E em grande segredo deu-lhes as ordens: deveria esconder-se
debaixo da cama real, cuidando para não ser vista. E ali esperar pelo sono da
rainha. Tão logo esta adormecesse, veria surgir um leão sem patas. Que não
temesse. Pegasse as patas que jaziam decepadas à sua frente, e, com um fio
de seda, as costurasse no lugar.
Tendo obtido da moça a promessa de que tudo faria conforme o
explicado, deitou-se a rainha logo ao escurecer, pretextando grande cansaço.
No que foi imediatamente acompanhada pelo rei.
Custava porém o sono chegar. Virava-se e revirava-se o casal real sobre
o colchão, enquanto embaixo a dama de companhia esperava. E de tanto
esperar, o sono acabou chegando primeiro para ela que, sem perceber,
adormeceu.
Acordou noite alta, quando há muito o unicórnio vindo buscar o seu
ginete. Assustada, não querendo faltar com a promessa e ouvindo o ressonar
da rainha, rastejou para fora da cama. Lá estava o leão, deitado e imóvel. Lá
estavam as patas à sua frente. Rapidamente pegou a agulha enfiada com
longo fio de seda, e em pontos bem firmes costurou uma pata. Depois a outra.
Leões de sonho não rugem. Aquele levantou a cabeça, sacudiu a juba e
firme sobre as patas retomou a sua tarefa de guardião. Nenhum sonho mais
sairia das noites da rainha. Nenhum entraria. Nem mesmo aquele em que um
237
Anexo C
A PARTIDA (Monteiro Lobato)
O relógio bateu seis horas.
— Como é tarde! — exclamou Branca de Neve. — Tenho de estar no
castelo às sete para receber dois príncipes que vêm jantar conosco.
— E nós também — disseram Rosa Vermelha e Rosa Branca. — Temos
à noite a visita do Pássaro Azul.
Cinderela também tinha de retirar-se, de modo que foi um rodopio de
abraços e beijos e palavras de despedidas — tudo num grande atropelo.
— Adeus! Adeus! — dizia Narizinho, passando dos braços de uma
princesa para os de outra. — Voltem outra vez, agora que sabem o caminho…
Pedrinho, que havia cochichado muita coisa para Peter Pan, despediu-
se dele dizendo:
— Quando voltar, veja se traz o crocodilo que comeu o capitão Gancho.
Tenho muita vontade de ver um crocodilo dessa espécie.
A Aladim lembrou o desafio:
— Venha com a sua lâmpada — e areie bem ela, ouviu?...
Emília andava de mãos em mãos. Nunca foi tão beijada e mimada.
Quando chegou o momento de despedir-se do Pequeno Polegar, cochichou-lhe
ao ouvido uma porção de coisas sobre dona Carocha e aconselhou-o a fugir
novamente e vir morar com eles ali no sítio.
Depois que todos partiram, a casa ficou mais vazia do que nunca. Na
sala, só os dois meninos e a boneca. No terreiro, só a mocha mascando as
suas palhas e Rabicó acabando de comer a sua raiz de mandioca.
Os dois meninos trocavam impressões.
— De quem mais gostei foi de Branca de Neve – disse Narizinho. —
Como é boa e linda! Contei-lhe que estive com a aranha que lhe fez o vestido
de casamento e Branca ficou muito admirada. Pensou que dona Aranha tivesse
morrido daquele desastre na perna. Como Branca é branca! Nunca imaginei
que pudesse haver uma criatura alva assim. Parece feita de coco ralado…
239
morder a velha. Pedrinho chegou a olhar para o bodoque. Mas dona Benta
estava na salinha próxima; e dona Benta fazia muita questão de que seus
netos respeitassem os mais velhos. Por isso resignaram-se a entregar aquelas
preciosidades.
— Pois leve — disse Narizinho, contendo-se a custo. — Mas fique
sabendo que o que lhe vale é vovó estar ali na salinha. Ah, se não fosse isso…
Dona Carochinha nada disse. Foi tratando de pegar a vara, a lâmpada,
as botas e até o espelho mágico que Branca de Neve dera à boneca. Em
seguida raspou-se, ressabiadamente.
Mas antes que ela chegasse à porteira Emília explodiu:
— Cara de coruja seca! Cara de jacarepaguá cozinhada com morcego e
misturada com farinha de bicho cabeludo, ahn!… e botou lhe uma língua tão
comprida que dona Carochinha foi arregaçando a saia e apressando o passo…
241
Anexo D
A PRIMEIRA SÓ (Marina Colasanti)
Era linda, era filha, era única. Filha de rei. Mas de que adiantava ser
princesa se não tinha com quem brincar?
Sozinha, no palácio, chorava e chorava. Não queria saber de bonecas,
não queria saber de brinquedos. Queria uma amiga para gostar.
De noite o rei ouvia os soluços da filha. De que adiantava a coroa se a
filha da gente chora à noite? Decidiu acabar com tanta tristeza. Chamou o
vidraceiro, chamou o moldureiro. E em segredo mandou fazer o maior espelho
do reino. E em silêncio mandou colocar o espelho ao pé da cama da filha que
dormia.
Quando a princesa acordou, já não estava sozinha. Uma menina linda e
única olhava para ela, os cabelos ainda desfeitos do sono. Rápido saltaram as
duas da cama. Rapidamente chegaram perto e ficaram se encontrando. Uma
sorriu e deu bom dia. A outra deu bom dia sorrindo.
— Engraçado — pensou uma —, a outra é canhota.
E riram as duas.
Riram muito depois. Felizes juntas, felizes iguais. A brincadeira de uma
era a graça da outra. O salto de uma era o pulo da outra. E quando uma estava
cansada, a outra dormia.
O rei, encantado com tanta alegria, mandou fazer brinquedos novos, que
entregou à filha numa cesta. Bichos, bonecas, casinhas e uma bola de ouro. A
bola no fundo da cesta. Porém tão brilhante, que foi o primeiro presente que
escolheram.
Rolaram com ela no tapete, lançaram na cama atiraram para o alto. Mas
quando a princesa resolveu jogá-la nas mãos da amiga, a bola estilhaçou jogo
e amizade.
Uma moldura vazia, cacos de espelho no chão.
A tristeza pesou nos olhos da única filha do rei. Abaixou a cabeça para
chorar. A lágrima inchou, já ia cair, quando a princesa viu o rosto que tanto
amava. Não um só rosto de amiga, mas tantos rostos de tantas amigas. Não na
lágrima que logo caiu, mas nos cacos que cobriam o chão.
242
Anexo E
SACINDERELA (José Roberto Torero)
Certa vez, uma sacisa chamada Sacinderela foi presa por uma viúva e
suas duas filhas gêmeas. Elas jogaram uma peneira sobre o redemoinho onde
estava a sacisa, tiraram sua carapuça vermelha (toda enfeitada com flores do
campo) e ela ficou sem poderes.
Era a mais linda das sacisas. Seus lábios pareciam lábios de
propagandas de batom, seus dentes pareciam dentes de comercial de pasta de
dentes, e seus olhos pareciam olhos de anúncio de colírio. Só não digo que
sua perna era de comercial de meias porque as fábricas de meias são muito
preconceituosas e jamais fariam propaganda com uma mulher de uma perna
só.
A mãe e suas duas filhas prometeram que devolveriam o gorro se
Sacinderela trabalhasse sete anos para elas.
Sem ter outra saída, ela começou a fazer todos os serviços de casa.
Varria, lavava, passava, cortava o mato, pintava paredes e ainda fazia
trabalhos de carpintaria, consertando as mesas e cadeiras da fazenda.
É claro que Sacinderela queria recuperar a sua carapuça e a procurava
por toda parte. Mas a viúva tinha achado um esconderijo perfeito, porque não
importava o quanto a sacisa fuçasse, não encontrava nem sinal de seu gorro
mágico.
Um dia, o jovem e rico Sá Cardoso Pereira (que já nem era tão jovem mas
estava ainda mais rico) decidiu fazer uma grande festa em sua fazenda. É que,
depois de três grandes decepções amorosas, ele queria encontrar uma esposa,
mesmo que não fosse uma sacisa.
A velha viúva, logo que soube da notícia, pensou: ―Ele tem que escolher
uma das minhas filhas!‖. E mandou Sacinderela costurar três vestidos.
No dia marcado, as três deixaram Sacinderela em casa e foram para o
baile. Sabiam que ela não fugiria sem a sua carapuça. Infelizmente nenhuma
fada madrinha apareceu com uma varinha mágica para salvar a situação.
Mas Sacinderela não precisava de uma fada madrinha. Ela tinha um
plano.
244
É que, logo que soube do baile, a sacisa cismou que tinha que ir até lá
para se divertir um pouco. Mas não podia ser reconhecida. Então, enquanto
consertava madeiras, pegou uma estaca de cerca e fez uma bela perna para
ela. Depois, enquanto costurava as roupas de festa das três megeras, foi
guardando retalhos e fez para si mesma um vestido bem alegre.
No dia da festa, assim que o perverso trio sumiu de vista, ela colocou
sua perna de madeira, seu vestido colorido, montou num cavalo e foi para lá.
Como Sá Cardoso Pereira era um grande papagaiólogo, o salão de festa
da fazenda estava todo decorado com quadros e estátuas de papagaios, e
papagaios de papel balançavam pendurados no teto.
Nem é preciso dizer que Sacinderela foi a estrela do baile.
Quando Sá a viu, apaixonou-se na hora.
E, a bem da verdade, ela também gostou dele.
Os dois dançaram todas as músicas juntos. Sacinderela mancava um
pouco por causa da sua perna de pau, mas as pessoas pensavam que era um
novo passo e a imitaram. Tanto que, na hora da grande valsa, todos dançaram
mancando. Inclusive as três pestes.
Aliás, a viúva e suas filhas acharam aquela moça um tanto parecida com
Sacinderela, mas, como ela tinha duas pernas, pensaram:
―É claro que não pode ser a nossa sacisa‖.
Quase no final da festa, as três malvadas perceberam que não teriam
chance com o rico fazendeiro e decidiram ir embora do baile.
Quando Sacinderela as viu saindo, pensou: ―Se elas chegarem em casa
e não me virem lá, ficarão com tanta raiva que podem até rasgar minha
carapuça‖.
Então ela saiu correndo. E Sá foi atrás dela. Porém, no meio da escada
da fazenda, a perna de madeira caiu. Sacinderela nem ligou. Pegou seu cavalo
e disparou pelo meio da mata para chegar antes da viúva.
E o Sá, coitado, ficou com a perna na mão.
Os três trastes chegaram poucos segundos depois da sacisa.
— Por que você está ofegante? — a viúva perguntou.
245
Quando ouviu aquilo, a viúva ficou com tanta raiva que puxou os
próprios cabelos. E aí aconteceu uma coisa que ninguém esperava: toda a
cabeleira dela saiu. É que a viúva usava peruca!
Mas essa não foi a única surpresa. Houve outra maior ainda: embaixo da
peruca estava a carapuça vermelha. Esse era o esconderijo perfeito da viúva!
Ao ver seu gorro, Sacinderela deu um salto, pegou sua carapuça e a
colocou de volta.
As três perversas ficaram paradas, sem saber o que fazer. E Sá
Cardoso Pereira, ainda de joelhos, perguntou e exclamou:
— Você é uma sacisa?!
— Sou — respondeu Sacinderela orgulhosa. — Algum problema?
— Nenhum — disse o fazendeiro. — Meu pedido continua de pé.
Sacinderela respirou fundo e respondeu:
— Olha, eu gostei muito de você, mas não posso aceitar sua proposta.
Gosto de viver na mata e de fazer trampolinagens. Sem falar que detesto
sapatos.
Depois ela se aproximou de Sá, deu-lhe um beijo e disse:
— Adeus.
— Espere, espere! — ele gritou antes que Sacinderela desaparecesse
num redemoinho. — Eu sei que vocês, sacisas, são muito independentes.
Esqueça o meu pedido. Vou fazer outra proposta: se você se casar comigo,
deixarei para trás todo o meu ouro, meus diamantes, minhas esmeraldas e
viverei na floresta, fazendo trampolinagens com você.
A sacisa pensou, pensou e por fim respondeu:
— Não quero casar. Prefiro namorar para sempre.
— Para mim está ótimo! — disse Sá.
Então um redemoinho surgiu em torno dos dois, que desapareceram
pela mata.
247
Anexo F
A MOÇA TECELÃ (Marina Colasanti)
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das
beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia
passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã
desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo
tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça
colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em
breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em
pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à
janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e
espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados,
para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os
grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de
escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede
vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de
lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu
sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa
nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe
dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu
emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava
justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando
bateram à porta.
248
Anexo G
MIRAGENS (Monteiro Lobato)
Enquanto lá na floresta Pedrinho pensava no melhor meio de vingar-se
da boneca, Narizinho resolvia dar um passeio pelo pomar. Costumava fazer
isso nas tardes agradáveis, sempre em companhia da sua companheira.
Naquele dia, porém, Emília fez luxo.
— Não posso hoje — disse mostrando o cavalinho. — Estou ensinando
o ABC a este analfabeto, que anda com vontade de ler a história do Pégaso, do
Bucéfalo, do cavalo de Tróia e outras ―cavalências‖ célebres.
Narizinho não gostava de passear só, por isso correu os olhos pela sala
em procura de algum outro companheiro. Só viu o triste irmão de Pinóquio, que
Pedrinho havia jogado para cima do armário.
— Coitado! — exclamou. — Porque é feio como o Diogo e morto como
um defunto, ninguém faz conta dele. Vou levá-lo comigo.
Talvez que os ares do ribeirão lhe façam bem.
Pescou-o de cima do armário com o cabo da vassoura e lá se foi com
ele ao pomar, rumo do ribeirão, onde havia aquele velho pé de ingá de
enormes raízes de fora. Sentou-se na ―sua raiz‖ (havia outra de Pedrinho e
outra do Visconde), recostou a cabeça no tronco e cerrou os olhos, porque o
mundo ficava três vezes mais bonito quando cerrava os olhos. De todos os
lugares que ela conhecia era aquele o mais gostado. Fora ali que vira pela
primeira vez o príncipe das Águas Claras, e era ali que costumava pensar na
vida, resolver seus problemazinhos e sonhar castelos.
O sol ia descambando no horizonte (―horizonte‖ era o nome do morro
atrás do qual o sol costumava esconder-se) e seus últimos raios vinham brincar
de acende-e-apaga brilhinhos na correnteza. Volta e meia um lambari prateava
o ar com um pulo.
De repente Narizinho ouviu um bocejo — ahhh! — Olhou… Era Faz de
conta que se espreguiçava, como quem sai de um longo sono.
Achando aquilo a coisa mais natural do mundo, a menina apenas disse:
— Ora graças! Eu tinha certeza de que os ares do ribeirão fariam você
mudar.
251
Olhou em redor e viu não muito longe uma fumaça. ―Deve ser casa‖,
pensou, e correu para lá. Era casa, sim, a mais linda casa que ela viu em toda
a sua vida, com trepadeiras na frente e duas janelas de venezianas verdinhas.
A menina bateu — toc, toc, toc…
— Entre quem é! — gritou de lá dentro uma voz.
Narizinho abriu e entrou e deu um grito de alegria.
— Capinha! Que felicidade encontrar-te aqui!
— E a minha felicidade de receber tua visita ainda é maior, Narizinho!
Há quanto tempo te espero!…
Abraçaram-se e beijaram-se e ficaram de mãos presas e os olhos postos
uma na outra. Era ali a casa da Menina da Capinha Vermelha, cuja avó havia
sido devorada pelo lobo. Capinha já tinha estado no sítio de dona Benta no dia
da recepção dos príncipes encantados e ficara gostando muito de Narizinho e
Emília, tendo-as convidado para virem passar uns dias com ela.
— Mas por que não me avisaste da tua visita, Narizinho?
— É que cheguei aqui por acaso. Vi-me só na floresta, depois que meu
guia perdeu a cabeça, e não sei o que seria de mim se não fosse a fumacinha
de tua casa, que vi de longe. E vim correndo, mas sem saber quem morava
aqui.
Narizinho contou então tudo o que lhe havia acontecido e a terrível
desgraça que sucedera a Faz-de-conta.
— Que coincidência! — exclamou Capinha. — Não faz minutos eu
estava tomando banho no ribeirão e um objeto, feito castanha de caju veio
rolando pela água abaixo até esbarrar em mim. Peguei-o, olhei e vi que era
uma cabeça, com boca, nariz e tudo. Quem sabe se não é a cabeça de Faz-de-
conta? Está guardada no bolso do meu avental.
Foi lá dentro e trouxe a cabeça.
— É essa mesma! — exclamou Narizinho satisfeitíssima daquele
inesperado e feliz desenlace. — Vou consertar o meu João, já, já.
Foi um instante. Em meio minuto a cabeça do boneco estava outra vez
no lugar e ele em condições de falar e contar tudo o que acontecera enquanto
255
Anexo H
SEM PÉ NEM CABEÇA (Pedro Bandeira)
Eu sempre quis desenhar, desenhar como se pudesse tirar retrato do
que eu sinto por dentro.
Do que penso e não digo.
Do que eu sonho e não consigo.
Isso para que alguém pudesse ver e dizer:
―Que bonito!‖
Ou ―Que tristeza!‖
Ou ―A orelha não ficou grande demais?‖
Não precisava nem gostar do meu desenho. Na verdade eu queria que a
pessoa que visse meu desenho pudesse entender o que eu tenho cá dentro.
Sentir igualzinho tudo que eu sinto, só com algumas mudançazinhas por
ter misturado o que eu sinto com tudo o que a pessoa estivesse sentindo.
E me explicar o que falta.
E completar o que falta.
Mas desenhar é difícil.
Não é só querer. Nem é só sentir.
E eu achei que podia fazer pelo menos um pequeno desenho.
Um desenhinho, só pra ver o que acontecia.
Foi aí que eu peguei um lápis e desenhei um Quadrado bem
quadradinho, bem quietinho, bem no meio do papel.
Um quadrado sem régua.
Não era uma casa ainda sem teto.
Nem era uma caixa ainda sem tampa.
Era um Quadrado só.
Sem pé nem cabeça.
Depois eu desenhei um Redondo bem redondinho, muito certinho, bem
do lado do Quadrado.
Um Redondo sem compasso.
257
— Bem que eu queria, mas não posso. Tenho de circular. Sem parar,
sem parar... Adeus...
— Você é feliz — comentou o Quadrado. — Pode rodar por aí, conhecer
o mundo...
— Alô! Feliz, nada! Estou morto de cansaço. Como eu gostaria de dar
uma paradinha! Adeus...
— E eu, como gostaria de circular! Vivo aqui, parado no mesmo lugar,
vendo sempre as mesmas coisas... Que vida triste a minha!
— Outra vez, alô! Eu é que gostaria de estar no seu lugar. Dar uma
paradinha, tirar uma soneca, ver o tempo passar, bem descansado... Outra
vez, adeus!
O quadrado começou a choramingar:
— Eu é que gostaria de trocar com você. Não aguento mais ficar
parado...
— Alô, amigo! Pois tente circular. É facílimo! Adeus, amigo...
— Está bem. Vou tentar.
O quadrado tentou com todo empenho.
Tentou rolar para um lado.
Depois para o outro.
Mas acabou desistindo.
— Não consigo circular. Não adianta. Não sou redondinho como você...
— Alô... E eu não consigo parar. Adeus... Não sou quadradinho como
você. Alô...
— Pois é muito fácil parar. Eu consigo ficar parado o tempo todo...
— É fácil para você. Pra mim, que sou redondinho, não é.
Às vezes fico de cabeça para cima.
Às vezes fico de cabeça para baixo.
Às vezes fico de um lado.
Às vezes fico do outro.
Só não consigo parar... Adeus...
259
Eu é que fiquei meio chateado. Nem tinha ainda descoberto o que eram
aquelas duas pestes e os dois só faziam reclamar.
Eles eram apenas produto da minha imaginação. Mesmo assim, eles
estavam me preocupando com aquelas reclamações. E eu descobrir que tinha
criado dois seres infelizes, justamente pela forma com que eu os desenhei.
Ainda que fossem invenções, eles estavam infelizes e a culpa era minha.
Eu precisava fazer alguma coisa, desenhar alguma outra coisa. Mas o
quê? Eu nem sei desenhar direito...
Se eu transformasse o Quadrado em casa com telhadinho e flores na
janela, na certa ele ia ficar ainda mais aborrecido, porque casa, sim, é que
nunca sai do lugar.
E o redondo, então? De que adiantaria se eu o transformasse numa roda
de bicicleta ou num disco de vitrola? Aí, então, é que ele ficaria furioso! E cada
vez mais cansado.
E eu resolvi desenhar uma pedrinha no papel. Pedra é fácil. É só
desenhar uma manchinha meio borrada e dizer que é pedra.
— Ei! — gritou o Quadrado. Cuidado com a pedra!
— Oooooops! — fez o Redondo.
Mas era tarde demais.
O Redondo tropeçou na pedra e... Plaft!
... foi cair bem dentro do Quadrado!
Surpreso, o Redondo falou:
— Veja! Que coisa maravilhosa! Encaixei direitinho! Aqui dentro eu
consigo ficar parado!
— Contente pelo amigo, mas ainda descontente consigo mesmo, o
Quadrado cumprimentou:
— Que bom! Agora você pode descansar!
— É mesmo! É só pular fora quando eu quiser circular, e pular dentro
quando eu quiser tirar uma soneca!
— Pode descansar quanto quiser e pode passear quanto quiser, amigo
Redondo. Eu estarei sempre aqui. Nunca saio mesmo daqui... Pobre de mim!
260
Ou até, quem sabe, alguém tenha apanhado o meu redondo e feito dele
uma maça e, neste momento, alguma criança poderá estar dando uma gostosa
mordida na maça,
Ou botou alguns continentes e oceanos e construiu um mundo.
Ou vai que alguém tenha desenhado uma boca vermelha, dois olhos e
um nariz de tomate e feito uma cara de palhaço!
Talvez, aí, eu possa ter ajudado alguém a sorrir...
Daí, as minhas duas invenções talvez tenham servido para alguma
coisa. Se alguém tiver sorrido com elas, se você tiver sorrido pelo menos um
pouquinho com as minhas invenções, eu vou ficar satisfeito.
Talvez, então, nada tenha sido útil.
Talvez tudo tenha valido a pena.
Mesmo que eu não saiba desenhar direito.
Mesmo que eu nem saiba onde fica o pé, nem onde fica a cabeça.
262
Anexo J
O JOGO DAS PALAVRAS MÁGICAS (Elias José)
SOL
é uma palavra redonda
que aquece e brilha,
dá vida ao verde,
e mais vida à vida.
CIRCO
não é só uma palavra,
é fina festa
que enche de risos,
de cores, de graça,
de movimento e ritmo
a nossa vida.
MEDO
MEDO é uma palavra que arrepia o corpo,
arregala os olhos,
ergue os fios de cabelo,
bate queixo e dentes,
bambeia a pernas
e molha as calças.
transparência de fantasmas
e corpo de alma
do outro mundo.
MANHÃ
A palavra MANHÃ
quer sempre acabar com sono,
o sonho e a preguiça.
Na palavra MANHÃ,
há sonoros cantos de galo
e irritantes gritos de despertadores.
A palavra MANHÃ inaugura o dia,
Com nova luz e novas esperanças.
VIAGEM
A palavra VIAGEM
vai levando a gente
longe, longe, longe...
Pelos países mais distantes,
Pelas ilhas e praias selvagens,
Por terras, mares e ares.
A palavra VIAGEM
viaja em garupa de cavalos alados
ou na carona dos sonhos.
CARNAVAL
CARNAVAL é uma palavra
meio louca, cheia de brilhos,
264
DESPREZO
DESPREZO é uma palavra dura,
feita de ferro e aço,
de fogo e gelo.
É lâmina afiada
Que corta por dentro
e nem deixa sangrar.
VELHO
VELHO é uma palavra cansada,
Com rugas, tonturas
e cabelos brancos.
Com um resto de visão,
enxerga até o invisível.
GATO
A palavra GATO
é manhosa
e se contorce
em balé
manso ou feroz.
265
A palavra GATO
é cheia de pelos,
unhas, trejeitos
e diferentes miados,
que ajudam o gato a enfrentar
as sete vidas que tem.
DOMINGO
DOMINGO é uma palavra
cheia de festa, missa,
charme e preguiça.
Levanta tarde, lê jornal,
bate papo com amigos,
visita parentes,
nada, caminha,
exagera no almoço
e dorme de novo.
A palavra DOMINGO
renega a escravidão
dos outros seis dias.
Mas custa um século para chegar.
AMIGO
A palavra AMIGO
abre-se com a gente
e sabe escutar e guardar
queixas e segredos.
Chora a dor que é nossa,
266
Aí as palavras líquidas:
água, fingimento, político,
lembranças, momento, mentira...
Aí as palavras frias:
viuvez, desprezo, rancor,
jamais, medo, esquecimento...
Aí as palavras quentes:
carnaval, paixão, torcida,
esperança, guerra, criança...
Aí as palavras ferinas:
ódio, indireta, cinismo,
gato, unhas, vampiro...
Aí as palavras amáveis:
bom-dia, mãos, olhar,
267
Aí as palavras doidas:
etecétera, inflação, umbigo,
fúria, pedrada, grilado...
Aí as palavras miseráveis:
esmola, fome, violência,
mentira, inveja, delação...
Aí as palavras esnobes:
soçaite, arminho, marajá,
iate, rainha, acadêmico...
Aí as palavras religiosas:
céu, mito, procissão,
mãe, Bíblia, amor...
Aí as palavras coletivas:
igreja, praça, estrela,
greve, graça, carnaval...
Aí as palavras pessoais:
segredo, diário, medo,
cueca, gaveta, agenda...
Anexo X
E falou Rorbeto.
O doutor tava com pressa
E anotou assim correndo.
O seu pai ficou olhando
Como se estivesse lendo,
Mas não entendia as letras,
Porque não sabia ler.
O doutor mostrou pro pai:
– O nome é esse?
– Pode ser.
A mãe tava tão feliz
Que nem prestou atenção
Esperou por nove meses,
Com o bebê no coração,
E ele nasceu com saúde,
Trazendo orgulho e amor.
―Bem-vindo seja Rorbeto!
Gostosa e fundamental:
Preparem o papel e o lápis,
10 APÊNDICES
Apêndice A
1ª sessão de leitura - A pílula falante
Dia: sexta-feira, 02/08/2019.
Objetivos:
Referência:
LOBATO, Monteiro. A pílula falante. In: LOBATO, Monteiro. Reinações de
Narizinho. Il. Jean Gabriel Villin e J. U. Campos. 1. ed. São Paulo: Globo,
2014.
282
Apêndice B
2ª sessão de leitura - Entre leão e unicórnio
Dia: segunda-feira, 05/08/2019.
Objetivos:
Referência:
COLASANTI, Marina. Entre leão e unicórnio. In: COLASANTI, Marina. Doze
reis e a moça no labirinto do vento. 12. ed. São Paulo: Global, 2006.
283
Seu grupo deve convencer o rei a permanecer errante no mundo dos sonhos.
Pense em argumentos que sejam favoráveis a essa escolha: o que pode haver
nesse mundo que faça com que o rei não queira mais voltar? O que ele pode
viver por lá? Por que ele não deve voltar? O que existe de ruim no mundo real
e de bom no mundo dos sonhos? Imagine, liste argumentos e convençam o rei!
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
GRUPO 2:
Seu grupo deve convencer o rei a voltar para o mundo real. Pense em
argumentos que sejam favoráveis a essa escolha: o que ele pode perder se
não voltar? Será que há situações ou experiências que ele só poder ter no
mundo real? O que pode haver de ruim no mundo dos sonhos e de bom no
mundo real? Imagine, liste argumentos e convençam o rei!
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
284
Apêndice C
3ª sessão de leitura - A partida
Dia: terça-feira, 06/08/2019.
Objetivos:
Referência:
LOBATO, Monteiro. A partida. In: LOBATO, Monteiro. Reinações de
Narizinho. Il. Jean Gabriel Villin e J. U. Campos. 1. ed. São Paulo: Globo,
2014.
Atividade em grupo da sessão de leitura A partida
GRUPO 1:
GRUPO 2:
GRUPO 3:
Apêndice D
4ª sessão de leitura - A primeira só
Dia: quinta-feira, 08/08/2019.
Objetivo:
Referência:
COLASANTI, Marina. A primeira só. In: COLASANTI, Marina. Uma ideia toda
azul. 22. ed. São Paulo: Global, 2003.
287
Apêndice E
5ª sessão de leitura - Sacinderela
Dia: segunda-feira, 26/08/2019
Objetivos:
Referência:
TORERO, José Roberto. Sacinderela. In: Contos de Sacisas. Il. Psonha. São
Paulo: Companhia das letrinhas, 2018.
289
Apêndice F
6ª sessão de leitura - A moça tecelã
Dia: sexta-feira, 30/08/2019.
Objetivo:
Referência:
COLASANTI, Marina. A moça tecelã. Bordados de Ângela Dumont, Martha
Dumont, Marilu Dumont, Sávia Dumont e Antônia Dumont sobre os desenhos
de Demóstenes Vargas. São Paulo: Global, 2004. (Coleção Marina Colasanti)
291
Apêndice G
7ª sessão de leitura - Miragens
Dia: quarta-feira, 04/09/2019.
Objetivos:
Referências:
Apêndice H
8ª sessão de leitura - Sem pé nem cabeça
Dia: sexta-feira, 13/09/2019.
Objetivos:
Referência:
BANDEIRA, Pedro. Sem pé nem cabeça. Il. Walter Ono. 7. ed. São Paulo:
Moderna, 1989.
295
Apêndice I
9ª sessão de leitura - O jogo das palavras mágicas
Dia: sexta-feira, 20/09/2019.
Objetivos:
Referência:
JOSÉ, Elias. O jogo das palavras mágicas. Il. Nelson Cruz. 8. ed. São Paulo:
Paulinas, 2012.
297
Apêndice J
10ª sessão de leitura - Um garoto chamado Rorbeto
Dia: sexta-feira, 04/10/2019.
Objetivo:
8. No texto tem uma passagem que diz que ―crianças aprendem a pensar‖.
Assim, vamos incentivar o nosso pensamento com a seguinte atividade:
Em duplas, as crianças receberão uma folha e pensarão numa situação-
problema. Depois, as duplas vão trocar essa folha entre si e listar o
máximo de soluções possíveis para o problema criado por outro grupo.
9. Socialização das soluções encontradas e apreciação em grupo.
Referência:
O PENSADOR, Gabriel. Um garoto chamado Rorbeto. Il. Daniel Bueno. São
Paulo: Cosac Naif, 2006.
No texto tem uma passagem que diz que ―crianças aprendem a pensar‖. E aqui
vamos aumentar e dizer que elas aprendem a criar. Pense em uma situação-
problema e a escreva aqui:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Problema criado. Dê esse problema para o outro grupo.