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PAULO MARTÍNEZ

Formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo


Professor da Faculdade de Administração de

Empresas de Marília-SP

REFORMA AGRÁRIA

QUESTÃO DE TERRA OU DE GENTE?

Coleção Polêmica
editora morderna
Coordenação editorial: José Carlos de Castro Preparação de texto: Didier
D.C. Dias de Moraes Capa: foto de Nalr Bencdicto/F4

Composição: Linotipadora Expressa

LWRFSSÀO E ACABAMENTO

Centrais Impressoras Brasileiras Lida

Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional (Câmara


Brasileira do Livro, SP, Brasil)

índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Igreja e problemas agrários : Teologia social 261.80981

2. Brasil : Questão agrária 333.3181

3. Brasil : Reforma agrária 333.3181

ISBN 85-16-00156-3

Todos os direitos reservados

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Impresso no Brasil
SUMÁRIO

Introdução ........................................................................................... 5

1. Origens históricas do problema agrário no Brasil……...11

2. A terra na sociedade capitalista moderna brasileira ....................... 17

3. Evolução aos tempos atuais ........................................................ 23

4. Os intelectuais e a reforma agrária ............................................. 27

5. O projeto do governo .................................................................. 29

6. A Igreja e a reforma agrária ........................................................ 34

7. Os partidos políticos e a reforma agrária .................................... 36

8. O trabalhador rural e a reforma agrária ...................................... 43

9. A síntese do pensamento reformista ........................................... 49

10. Os argumentos contra a reforma agrária ...................................... 52

11. A Constituição e a reforma agrária .............................................. 56

12. A questão das pequenas e grandes propriedades ........................ 61

Considerações finais ............................................................................ 66

Sugestões de leitura ............................................................................. 73

INTRODUÇÃO

Luta-se muito, no Brasil, pela posse da terra; pelas roças plantadas em


terras de donos ausentes ou desconhecidos pela remuneração do trabalho
nas colheitas da
laranja, da cana, do café etc.; pela sobrevivência em muitos trabalhos
penosos da agricultura.

Também morre muita gente, de forma violenta, no campo. Mui- tos morrem
por doenças e desnutrição no abandono das secas nordestinas; outros são
mortos nas disputas com grileiros e jagunços; outros perecem nos acidentes
com o transporte precário em caminhões de

boias-frias.

A escassa legislação aplicada às relações de trabalho no campo e os acordos


coletivos, conseguidos a duras penas, são frequentemente burlados,
desrespeitados, sempre em prejuízo da parte mais fraca — os trabalhadores.

A organização econômica e social vigente no Brasil e que começou a ser


delineada há pouco mais de meio século, vem impondo a milhões de
brasileiros uma trajetória de sofrimentos, marcada pelo binômio “lutar e
morrer”. O viver, isto é, a faculdade de dispor de condições dignas de vida,
tem sido apenas uma esperança, uma pro- messa que se repete sempre e
nunca se concretiza.

Há cinquenta ou sessenta anos, algumas convulsões sociais provocaram


certas acomodações e reordenamentos na cúpula da estrutura de classes da
sociedade brasileira. O poder de mando dos senhores da terra — donos de
engenho, pecuaristas e fazendeiros do café, constituintes da chamada
aristocracia rural — teve que ser dividido com os capitalistas do comércio e
principalmente da indústria, que se instalava como nova forma de
organização econômica.

A divisão da classe detentora do poder econômico em vários segmentos foi


desaparecendo ou diminuindo de intensidade à medida que as composições
entre eles iam solidificando uma certa identidade de interesses no controle
da economia, da política e da sociedade. Uma nova classe dominante, mais
ampla, mais diversificada nos seus campos de atuação, mais agressiva e
ambiciosa, mais impiedosa e também mais sofisticada nos métodos de
exploração, constituiu-se no país e está ditando as regras até hoje.
Os recursos tecnológicos introduzidos pela indústria, como a mecanização,
o uso de produtos químicos, a melhoria dos transportes, a energia elétrica e
outros, representaram grandes promessas de que o trabalho agrícola iria
tornar-se mais produtivo e mais suave. Um número menor de pessoas
precisaria viver e trabalhar no campo, e mais gente poderia viver com maior
conforto nas cidades.
As transformações na agricultura brasileira
Ao longo desses últimos cinquenta ou sessenta anos, a indústria foi
dominando as cidades e invadindo o campo. Diminuiu o número de pessoas
morando e trabalhando na lavoura, mas aumentou o número dos
desempregados nas cidades, e a produção per capita da agricultura é hoje
menor do que há trinta anos.

Desapareceu a fazenda tradicional, aquele pequeno mundo quase


autossuficiente em tudo — moradia, trabalho, alimentação, lazer, igreja e
escola —, onde a exploração do trabalhador era disfarçada pelo
compadrismo, e o clientelismo político obrigava os trabalhadores a votarem
em seus patrões ou em candidatos por eles indicados.

O predomínio de uma cultura — o café, por exemplo — não excluía a


produção de gêneros alimentícios como cereais, carne, leite, ovos, frutas e
outros, mas as coisas mudaram e o que era ruim ficou pior.

Por interesse do sistema econômico, por conveniência de grande parte dos


proprietários e por iniciativa de muitos trabalhadores, as terras se
despovoaram. As multidões de trabalhadores que hoje nelas se
movimentam o fazem apenas durante a jornada de trabalho e não têm
qualquer outro vínculo que não seja a pequena remuneração percebida.

A consequência maior das transformações ocorridas é que o sistema


agrícola brasileiro já não satisfaz aos objetivos de lucro da maioria dos
proprietários, não corresponde às expectativas do país e do conjunto da
população e não atende às necessidades mais ele- mentares da massa
trabalhadora do campo.

Desde alguns anos nomeou-se um culpado por todos esses males: o


latifúndio, as grandes propriedades agrícolas individuais ou familiares,
geralmente de baixa produtividade ou mal exploradas. Não foi difícil a
escolha do vilão, do bode expiatório. Primeiro, porque já
havia uma tradição, desde o século XVIII, de os defensores da metrópole
portuguesa responsabilizarem os sesmeiros (donos de latifúndios doados
pela Coroa) pela escassez da produção agrícola. Segundo, porque o
latifúndio tem feito por merecer muitas acusações, ao manter um sistema
agrícola atrasado, prejudicial ao país, à população em geral e
principalmente à classe trabalhadora.

Não é possível inocentar totalmente o latifúndio, mas é preciso levantar


algumas questões: não existem outras causas, além do latifúndio, para
problemas imputados unicamente a ele? Até que ponto o tamanho das
propriedades determina o comportamento político e econômico dos
homens? Como se explica o apoio dados aos latifundiários por pessoas que
nem ao menos são proprietárias de terras? Até que ponto é correto atribuir a
todo e qualquer latifúndio, indistintamente, a origem dos problemas acima
mencionados? A ser verdade a necessidade de extinguir a grande
propriedade da terra, que outra forma seria adequada, justa e eficiente?

A palavra-de-ordem que corre no Brasil em todo os quadrantes é " reforma


agrária". Não se trata da abertura dos debates em torno da questão nem da
procura das melhores soluções. Tampouco se discute a organização de um
sistema agrícola diferenciado conforme a região, os tipos de cultura, a
especificidade dos problemas etc.

O que essa palavra-de-ordem expressa como objetivo maior é a intenção de


desapropriar-se grandes propriedades, incluindo no conceito de grande a
somatória de várias glebas do mesmo proprietário, ainda que em regiões
distintas. A fúria desapropriadora não distingue padrões de utilização do
solo, nem a qualidade das relações entre empregador e empregado, mas
apenas conhece o tamanho das propriedades.

O que fazer com as terras desapropriadas também é uma questão mal-


esclarecida. A ideia predominante é distribuí-las entre os trabalhadores,
formando um misto de muitas pequenas propriedades privadas e algumas
formas coletivas —

cooperativas, por exemplo — de propriedade e de exploração.


A ideia da desapropriação massiva das terras e a sua repartição entre
milhões de famílias sem terra, ou com pouca terra, encontra muitos
opositores, não só entre os proprietários diretamente ameaçados por essas
desapropriações, mas também entre os que reconhecem a de serem
corrigidas muitas das distorções hoje existentes na estrutura agrária. As
insuficiências no rendimento agrícola e a necessidade de melhorar as
condições de trabalho e de vida da massa trabalhadora são amplamente
reconhecidas por pessoas de todos os níveis sociais e tendências políticas.

Mesmo entre os que reconhecem a necessidade de desapropriar uns, para


constituir outras camadas de proprietários, há os que consideram suficientes
os projetos do governo, nos quais as dimensões da reforma se reduzem a
limites compatíveis com os objetivos do próprio sistema socioeconômico
vigente no país O sistema socioeconômico capitalista brasileiro caracteriza-
se pela grande concentração, em poder de poucos, tanto da propriedade
fundiária como também dos capitais industriais e dos financeiros da renda
em geral e do poder político.
Os envolvidos na reforma agrária
Na questão da reforma agrária estão empenhados, de maneira mais intensa e
direta, o governo federal, a Igreja Católica, ou parte dela, alguns partidos
políticos, o sindicalismo em geral e, em particular, o Movimento Sindical
dos Trabalhadores Rurais.

O governo tem diante de si duas linhas de problemas: por um lado, tem de


fazer cumprir, ao menos parcialmente, o Estatuto da Terra, promulgado em
1964 na esteira das promessas com que o regime militar acenou para a
redenção nacional; por outro lado, enquanto governo da “Aliança
Democrática”, tem o compromisso de resgatar a dívida social acumulada
para com a nação em geral e os trabalhadores em particular.

A Igreja Católica está comprometida com uma opção pelos pobres, adotada
na 3.a Conferência Episcopal Latino-Americana (Ceiam), realizada em
Puebla, no México, em 1979. Mas sua condição de grande proprietária e a
falta de hábito de lutar pelos pobres não lhe têm permitido defender um
projeto estruturado com a profundidade e com a extensão que os problemas
agrários requerem.

Os partidos políticos de esquerda, tanto os tradicionais comunistas como o


novato Partido dos Trabalhadores, em conjunto com o sindicalismo urbano
e rural, pregam a desapropriação de todas as grandes propriedades rurais
(cerca de 400

milhões de hectares), por acreditarem mesmo no sucesso de uma agricultura


dominada por pequenos camponeses, ou por uma questão de tática na luta
política, visando enfraquecer a classe dominante com a derrubada do seu
principal esteio — a propriedade fundiária. Mas ninguém esclarece direito
que sistema agrícola se seguirá ao latifúndio.

Acontece que já existe um sistema agrícola resultante da liquidação do


latifúndio individual. É a empresa rural. A empresa rural não é coisa nova;
ela só não tinha grande expressão até há poucos
anos. Agora ela representa a forma preferencial de organização do modelo
econômico, que combina a exploração agropecuária com as etapas
anteriores e posteriores de industrialização e de comércio.

Nas etapas anteriores encontra-se a produção de sementes mudas, de


matrizes e reprodutores, de rações e fertilizantes, de herbicidas e produtos
veterinários, de equipamentos etc.

Nas etapas posteriores se destacam o beneficiamento e a industrialização


dos produtos agrícolas, a industrialização e comércio da carne, do leite e
seus derivados, além do transporte interno e da exportação para os
mercados externos.

Todas essas etapas tendem a ser agrupadas em empresas associadas,


coligadas ou pertencentes aos mesmos grupos, seja dominando todas as
fases de um dado produto ou apenas algumas delas. De qualquer forma, o
capitalismo vai estendendo as suas técnicas de apropriação dos meios de
produção, utilizando-os segundo modelos diferentes dos utilizados pelo
velho latifúndio e dos pretendidos pelos reformistas da estrutura agrária.
Uma questão de gente
As origens históricas do problema agrário, do modo como ele se apresenta
hoje, coincide com as origens históricas do modelo sócio econômico do
moderno capitalismo brasileiro. Esses dois aspectos serão comentados nos
primeiros capítulos, onde importa discutir quando e como a questão da
propriedade da terra assumiu a importância que tem hoje ; quando teve
início o modelo sócio -

econômico hoje predominante no Brasil ; qual o papel desempenhado pela


massa trabalhadora no sistema social ; quais as forças sociais que se
coligaram para formar a estrutura de classes da moderna sociedade
brasileira e por que nunca se fez uma reforma agrária no Brasil.

O objetivo principal deste livro é avaliar o peso relativo da propriedade


fundiária, da mão-de-obra e dos capitais no conjunto do sistema econômico.
A ideia que procuraremos demonstrar é a de que a reforma agrária não é só
e fundamentalmente uma questão de terras, mas, acima de tudo, é uma
questão de gente. Na sociedade capitalista, a terra e a gente que nela deve
trabalhar são igualmente contabilizadas como fatores de produção. O
homem, como instrumento de produção, apesar de todo o avanço
tecnológico é ainda o capital mais valioso.

Para um sistema econômico gerenciado por elites muito eficientes na


preservação de seus interesses, permitir uma reforma agrária ampla e
definitiva que criasse alguns novos milhões de pequenos

proprietários agrícolas é renunciar a muitos milhões de trabalhadores


assalariados hoje disponíveis a baixíssimo custo na agricultura, na indústria
e em outros ramos econômicos.

Examinaremos também, um a um, os principais argumentos favoráveis e


contrários à reforma agrária e algumas das principais alternativas
apresentadas como solução para problema gerador de tantos conflitos.
Insistindo principalmente na valorização do ser humano como razão
primordial das atividades econômicas e políticas, formularemos várias
restrições aos projetos de repartição de terras entre milhões de
trabalhadores, tanto pela inviabilidade dessa ideia como pela convicção de
que essa forma de organização da propriedade e da produção não é a mais
adequada à economia nacional nem a mais correta para os interesses da
classe trabalhadora no seu todo.

1. ORIGENS HISTÓRICAS DO

PROBLEMA AGRÁRIO NO BRASIL

Desde muito tempo discute -se o problema da propriedade e da utilização


da terra no Brasil. O drama dos sem-terra também é muito antigo e
transpareceu em fatos e acontecimentos marcantes do passado nacional.

Na epopeia de Canudos, por exemplo, a narrativa de Euclides da Cunha em


Os sertões deixa claros os motivos daquela concentração de excedentes
humanos — que ate então não dispunham da opção migratória em grande
escala para o Sul — e do medo que ela infundia nos grandes proprietários
de terras da região.

Uma reforma agrária regional teria resolvido o problema de milhares de


famílias, sem terra e sem trabalho, resolvendo também muitos problemas
econômicos e sociais do Nordeste, que se empobrecia com o deslocamento
do eixo econômico para os Estados do Sul. Mas a solução preferida foi o
massacre puro e simples de toda aquela população.

As mesmas causas que deram origem ao arraial de Canudos já haviam


produzido o fanatismo religioso, o banditismo e as grandes massas humanas
vagando pelo sertão em busca de esperanças, e iriam produzir, pouco
depois, o cangaço como forma organizada de banditismo, fanatismo e
insurreição. Também este foi liquidado pela força e com excepcional
selvageria.

As grandes correntes migratórias para o Norte, para o litoral e


principalmente para o Sul não resolveram os problemas dos nordestinos
sempre tangidos pela miséria, pelo desemprego e pelas sucessivas secas. No
Sul (São Paulo, Minas Gerais e Paraná), até o fim da Segunda Guerra
Mundial, vigorava a utilização de

colonos, meeiros e arrendatários no trabalho rural. Os colonos trabalhavam


sob contrato, com parte da remuneração em dinheiro e outros benefícios; os
meeiros empregavam-se em troca da metade da produção, e os arrendatários
assumiam uma parcela de terra, pagando ao proprietário uma porcentagem
da produção obtida.

Desde o fim da Segunda guerra, esses sistemas começaram a ser


substituídos por formas de
trabalho temporário, dando origem ao boia-fria, sem emprego fixo nem
lugar para morar.

Em toda a evolução histórica da economia, marcada por fases de


prosperidade e outras de crise, com o predomínio de um ou de outro
produto, ora se destacando uma região, ora outra, um fator permaneceu
constante: a massa trabalhadora, força motriz da produção, nunca teve
acesso aos benefícios mais elementares do progresso.
O café persiste como a principal cultura agrícola. Grandes investimentos
ainda se fazem, criando novas zonas de cultivo, no Centro-Oeste, e
retomando antigas zonas cafeeiras no sul de Minas Gerais. Os cafeicultores
dizem que os preços de venda não compensam os custos de produção.
Então quem estará ganhando com os milhões de sacas de café produzidas e
exportadas anualmente?

Localização no tempo

Para não remontar a épocas mais distantes nem discutir ideias e programas
que pouco interesse despertam no público, fixamos como ponto de partida
para este estudo a década de 1920.

Essa escolha se justifica por várias razões, das quais se destacam duas. A
primeira delas é que a partir dessa época ocorrem no Brasil movimentos
sociais liderados pela nova classe emergente, a burguesia, composta pelos
capitalistas do comércio, da indústria, dos bancos e outros.

Os movimentos mais conhecidos com os quais a burguesia tentou abrir


caminho para os seus interesses nas estruturas econômicas, sociais e
políticas do Brasil foram as revoluções de 1922, 1924 e 1930.

A revolução de 1922 foi a que inaugurou o período chamado tenentismo,


dada a predominância dos tenentes nos movimentos de contestação aos
governos da época, cujo episódio principal foi a resistência de uns poucos
revoltosos no Forte de Copacabana, sob o comando do tenente Eduardo
Gomes.

A revolução de 1924 foi derrotada em três meses, mas uma força de


aproximadamente mil e quinhentos combatentes de São Paulo e do Rio
Grande do Sul, conhecida como Coluna Prestes, sob o comando do tenente
Luiz Carlos Prestes e outros, prosseguiu o movimento, percorrendo o
interior do Brasil até 1928, quando algumas centenas de seus componentes
se asilaram na Bolívia.

Finalmente, a revolução de 1930, que contou com o apoio de influentes


lideranças políticas e militares, conseguiu tomar o poder e, durante quinze
anos (1930-1945), sob o regime ditatorial encabeçado por Getúlio Vargas,
foram estabelecidas as bases do sistema econômico brasileiro que, com
ligeiras adaptações, predomina até hoje.

A segunda razão para essa retrospectiva histórica partir da década de 1920

decorre da conjugação de alguns fatos, ocorridos quase simultaneamente


nessa mesma época, dentro e fora do país. Do plano externo vinham as
repercussões da implantação da NEP (Nova Política Econômica) na União
Soviética, a partir de 1922, quando uma reforma agrária distribuiu terras a
milhões de camponeses, assegurando a consolidação da revolução
bolchevique liderada por Lênin.

Essa distribuição de terras seria anulada, alguns anos mais tarde, a partir de
1928 e na década de trinta, através de um programa de coletivização da
terra e da produção agrícola na URSS. Mas enquanto durou o modelo
baseado na repartição das terras entre milhões de

camponeses, com extraordinários aumentos nos níveis de produção, ele


serviu para inspirar reivindicações idênticas no mundo inteiro.

Igualmente repercutiram em muitos lugares as revoluções camponesas e as


várias reformas agrárias ocorridas no México. As agitações mexicanas
duraram de 1910 a 1958, mas foi por volta de 1917 que os planos de
reforma agrária alcançaram maior repercussão.

No plano interno deu-se a criação do Partido Comunista, em 1922, que


sempre teve no seu programa o objetivo da reforma agrária segundo o
modelo leninista da NEP. Essa questão foi incluída formalmente no
programa do PC por ocasião do seu III Congresso, realizado em 1928, sob a
palavra de ordem “a terra para os que nela trabalham".

Além das campanhas permanentes que manteve em torno dessa questão, o


Partido Comunista marcou sua presença nos movimentos sociais de
ascensão da burguesia pela sua participação na tentativa de tomada do
poder em 1935, quando ficou isolado das demais forças que combatiam a
ditadura e foi completamente derrotado por Vargas.
Com base nos fatos apresentados, podemos dizer que a questão agrária, nos
moldes como é discutida hoje, tornou-se um assunto de interesse nacional
na década de 1920. Outras razões poderiam ser arroladas para reforçar essa
ideia, mas o interesse maior deste trabalho não é o de reconstituir
historicamente a evolução do problema agrário e sim considerá-lo nos seus
termos atuais.
Formulação do problema
A breve análise histórica de que lançamos mão pretende subsidiar a busca
de uma resposta para uma pergunta crucial e que reduz o problema aos seus
verdadeiros termos: por que não se fez ainda, ou por que não se faz agora
uma reforma agrária ampla, com distribuição de terras a grande número de
trabalhadores rurais?

Todos se dizem favoráveis à reforma agrária, desde o presidente da


República até o mais humilde bóia-fria de São Paulo ou o nordestino
flagelado pela seca.

A Igreja Católica, que no passado combateu a ideia como sendo “coisa de


comunista” e se opôs às reformas de base prometidas pelo governo Goulart
com a tese de que a reforma agrária era uma “questão de consciência”,
agora estimula as invasões de terra em defesa de uma ampla redistribuição
da propriedade fundiária, desde que não se mexa nas suas próprias terras.

No extremo oposto, os movimentos comunistas, para quem a extinção da


propriedade privada dos meios de produção deveria ser a principal bandeira,
defendem a multiplicação da propriedade privada agrícola, em lugar da
socialização da terra.

Até os proprietários de terras, representados por associações, federações e


pela UDR (União Democrática Ruralista), criada em 1986 para defender
seus interesses fundiários, manifestaram-se a favor do programa de reforma
agrária do governo, ressalvando que só não concordavam coma forma como
ele estava sendo conduzido.

Boas intenções são apregoadas largamente, mas nem os governos militares,


com o poder absoluto de que dispunham, foram além da promulgação — ao
tempo do marechal Castelo Branco — de um Estatuto da Terra nunca
executado e da distribuição de uns poucos títulos de propriedade, para
legalizar situações de fato e de direito individual inquestionável.
Terras existem em abundância, propriedades dos governos federal, estaduais
e municipais. Um exemplo disso tivemos ao tempo do governo Figueiredo,
quando se discutiu seriamente um plano de colonização no Planalto Central,
através da concessão de grandes extensões de terras a investidores
japoneses. O plano não se concretizou, não por falta de terras nem de
facilidades em concedê-las, mas sim porque os entendimentos não foram
bem-sucedidos.

Outro exemplo da abundância de terras foi dado pelo governo de São Paulo,
quando da instalação da "Nova República", em 1985, com suas promessas
de reformas efetivas. Imediatamente o governo desse Estado, dirigido por
Franco Montoro, providenciou o tombamento de extensas faixas do litoral
"por motivos ecológicos". Medidas realmente eficazes de proteção do meio
ambiente não foram tomadas, mas as valiosas terras litorâneas ficaram
legalmente protegidas contra qualquer programa de repartição e de
ocupação.

Não faltaram leis que amparem medidas governamentais dirigidas para a


solução efetiva do problema, mas as contradições e ambiguidades dos
textos legais conduzem a interpretações que acabam sempre inibindo as
possíveis medidas. E se os latifúndios total ou parcialmente improdutivos
representam uma quantidade considerável de terras, as desapropriações
esbarram em tantos erros técnicos e entraves judiciários que ninguém
consegue comprovar o evidente caráter especulativo de muitas dessas
propriedades.

Ideias e sugestões sobre múltiplas formas de solucionar a questão agrária


têm sido difundidas, desde o inócuo processo de tributar pesadamente as
terras improdutivas até a desordenada invasão de propriedades públicas e
privadas.

Livros, artigos e discursos têm salientado as necessidades e as vantagens da


reforma agrária, em benefício do povo, do governo, da agricultura, da
indústria, do fortalecimento do regime capitalista, da justiça social e tantas
coisas mais.
Com milhões de trabalhadores sem terras, com terras facilmente
disponíveis, com tantas manifestações favoráveis à reforma agrária, por que
ela não é realizada?

Comentaremos todas essas questões com a perspectiva histórica do último


meio século, para concluir com respostas que modificam um pouco o
enfoque do problema. Não se pode negar a urgente necessidade de corrigir
distorções na estrutura agrária e na distribuição da renda nacional, mas não
se pode também dissociar a questão agrária do conjunto de causas dos
problemas nacionais, como veremos no capítulo seguinte.

2. A TERRA NA SOCIEDADE

CAPITALISTA MODERNA

BRASILEIRA

A necessidade de produzir artigos manufaturados em substituição às


importações, que se reduziram forçadamente nos anos da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918), estimulou uma certa industrialização no Brasil. A
própria aristocracia rural, formada pelos senhores de engenho do Nordeste,
pelos barões do café de São Paulo e pelos grandes fazendeiros e pecuaristas,
não teve como se opor. Embora houvesse resistências e críticas às
mudanças em processo na economia, aos poucos esses homens aderiam ao
novo modelo produtivo.

Capitais oriundos do mercado importador, poupança interna e em mãos de


Imigrantes europeus, alguns investimentos estrangeiros, recursos brasileiros
desvinculados da produção agrícola, algumas aplicações da agropecuária e
incentivos governamentais deram origem ao capitalismo industrial
brasileiro.

Em 1915 e em 1917 já se registraram greves de trabalhadores urbanos


consideradas de grandes proporções, abrangendo várias categorias, a indicar
que tanto os empresários como os trabalhadores, embora principiantes nas
respectivas posições, estavam atualizados com os métodos de ação
praticados nos países mais desenvolvidos. As relações de trabalho eram tão
(ou mais) atrasadas e negativas para os trabalhadores quanto as tecnologias
adotadas na produção, baseada na utilização de velhas máquinas
importadas.

Os impactos psicológicos da guerra, as transformações no estilo de vida das


nações europeias, principalmente as vencedoras do conflito (Inglaterra e
França), o destaque conquistado pelos Estados Unidos da América, em
franca ascensão como potência mundial, a intensificação das relações
econômicas internacionais, tudo isso repercutiu na consciência das camadas
médias da sociedade brasileira, que passaram a forçar as estruturas
dominantes da economia e da política, tentando abrir espaço ao
desenvolvimento das novas forças produtivas.

Os segmentos mais inovadores da sociedade entraram nos anos vinte com


atuações intensas, por conquistas econômicas e políticas. Os trabalhadores
urbanos reivindicavam melhores salários jornada diária de oito horas e
outras condições de trabalho e de vida

A burguesia emergente, em grande parte formada por membros ou


descendentes das classes senhoriais tradicionais, já contribuía
significativamente para a economia do país, como representante do
moderno capitalismo, e lutava pelo direito de participar da direção do
conjunto.

É significativo que num mesmo ano, 1922, ocorressem fatos aparentemente


díspares como o levante armado comandado pela jovem oficialidade das
forças armadas, na maioria tenentes; a realização da Semana de Arte
Moderna e a fundação do Partido Comunista.

Delineavam-se no sistema capitalista brasileiro um novo modelo econômico


e social, uma ideologia com formas de expressão artística e intelectual
próprias dele e, por fim, a própria negação desse modelo, acompanhando-o
desde a origem.

Nascidos todos juntos, o modelo, a ideologia e a negação cresceram,


cometeram erros, tiveram acertos e sucessos e padecem ainda de alguns
efeitos das doenças da infância.
A terra, as classes sociais e os direitos trabalhistas

Com a industrialização e a entrada de capitais estrangeiros diretamente nas


bases da produção — isto é, fábricas, minas e plantações — ocorridas após
a Primeira Guerra, a questão da terra passava a ser tratada como
componente do moderno capitalismo que se instalava no país.

Nessa altura, e mesmo um pouco depois, não se colocava ainda a questão


agrária do ponto de vista dos direitos à propriedade da terra, pelo menos
não em nível de interesse nacional e muito menos em nome dos que não
possuíam terras.

O desempenho da agropecuária, a distribuição dos favores governamentais


em benefício dela, ou da industrialização, e o exercício do poder político
eram as questões fundamentais que agitavam a sociedade.

Com exceção de uns poucos militantes do anarquismo e do comunismo,


ninguém punha em dúvida os direitos e os poderes das classes dominantes
— a antiga, formada pelos grandes proprietários

da agropecuária, que predominava e a nova, que estava nascendo com os


pequenos proprietários, industriais, oficiais militares, comerciantes e
profissionais liberais.

A massa trabalhadora do campo e das cidades, que constituía a maioria


esmagadora da população, não tinha voz ativa em coisa nenhuma e só era
livre para fazer o que lhe mandassem. Assim era no trabalho nas fábricas,
na roça, nos currais eleitorais, no recrutamento para o serviço militar etc.

Grande parte dessa massa trabalhadora era constituída pelos ex-escravos e


seus descendentes, negros e mestiços, pelos imigrantes europeus, pelos
refugiados da guerra, pelos pobres em geral sem eira nem beira e pelos
donos de pequenos lotes de terra, que frequentemente eram obrigados a
prestar serviços assalariados para garantir sua subsistência.

A essa população não se reconhecia quase nenhum direito, muito menos o


de receber gratuitamente qualquer propriedade fundiária, o que aliás nem se
cogitava.

Os imigrantes europeus tinham consciência das suas limitações sociais e


por isso, desde que começaram a chegar ao Brasil, em meados do século
XIX, formularam dois objetivos básicos para suas vidas: economizar tudo o
que pudessem para estabelecer seu próprio negócio e formar um patrimônio
independente e, por outro lado, proporcionar estudo aos filhos. A formação
acadêmica dos filhos redimia o imigrante da condição inferior de mão-de-
obra substituta do escravo e abria oportunidades de ascensão social.

As prerrogativas da principal classe dirigente, a aristocracia rural, só eram


ameaçadas pela burguesia nascente, que lhe disputava o poder político e
introduzia uma série de modificações no sistema econômico e nas relações
sociais.

O quadro se tornava mais complexo com a entrada de investimentos


estrangeiros, principalmente americanos, adquirindo propriedades,
instalando empresas e conseguindo concessões importantes para explorar
fontes de matérias-primas.

Uma das grandes vantagens que a nação oferecia aos investimentos, tanto
aos internos como aos vindos de fora, era a abundância de mão-de-obra
barata e praticamente sem direitos trabalhistas.

Um dos motivos por que a velha sociedade resistia tanto aos projetos de

“modernização” do país, com a industrialização e a diversificação das


atividades econômicas, era a certeza que tinha das perdas inevitáveis em
relação à mão-de-obra. Afinal, não tinham transcorrido ainda quarenta anos
desde que ela sacrificara a monarquia e perdera o patrimônio da escravidão.

Os membros da velha sociedade, os da nova que nascia e os investidores


estrangeiros, que vinham como parceiros ou como intrusos aproveitadores,
disputavam entre si a partilha das riquezas da nação. Fazia parte dessa
disputa o domínio, o controle e a disponibilidade da massa trabalhadora,
sem a qual todos os outros patrimônios — a terra, as fábricas, as minas —
seriam inúteis.
Estava claro para todos que o acesso à propriedade da terra só era admitido
aos que pagassem por ela, comprando-a de seus legítimos proprietários.

As contendas em torno de heranças e grilagens de terras entre os membros


das camadas dirigentes eram resolvidas pacificamente. Às vezes, quando
ocorriam disputas violentas entre essas camadas, os pobres só entravam
como jagunços, matando e morrendo pela propriedade dos ricos. A
historiografia e a literatura brasileiras são fartas em descrições dos papéis
desempenhados pela jagunçagem como exércitos particulares nas disputas
entre os donos da terra.

As ocupações de terras por trabalhadores eram consideradas crime e


reprimidas, fossem elas propriedades particulares ou estatais, incluindo
nesta última categoria as terras devolutas, isto é, que de particulares
passaram a pertencer ao Estado.

Ao longo do último meio século foram poucos os trabalhadores que se


beneficiaram com a posse da terra por direito de ocupação e exploração
continuada (usucapião). Mesmo assim, muitos títulos de propriedade só
foram concedidos à custa de litígios penosos, processos judiciais caros e
demorados, ou por conveniência político-eleitoral dos governantes, além
das ameaças e agressões de jagunços e policiais, tudo por causa de lotes de
terra muito pequenos.

Nas novas relações de produção que se iam implantando nas cidades e no


campo, nenhuma vantagem adicional era concedida à força de trabalho.
Pelo contrário, até os vínculos de compadrio e de paternalismo se
extinguiriam e o novo modelo de produção capitalista, ainda incipiente na
época, agravaria em muito a situação da massa trabalhadora.

Os primeiros beneficiados por alguns poucos e elementares direitos


trabalhistas foram os trabalhadores urbanos, mesmo assim de maneira
muito lenta e gradual, a partir do fim da década* de 1920 e nas décadas de
1930 e 1940. Para que isso começasse a acontecer na lei, mas nem sempre
na prática, foram necessários: uma forte tentativa de derrocar a velha
sociedade, através da revolução de 1924; a grande crise econômica mundial
iniciada em 1929 e que no Brasil contribuiu para acelerar algumas
mudanças na organização econômica, social e política; e, principalmente, a
revolução de 1930,

que conquistou os espaços necessários ao desenvolvimento de um novo


modelo capitalista de produção e de organização social, sem no entanto
preconizar mudanças muito profundas na sociedade.

A legislação trabalhista veio, portanto, na esteira do capitalismo industrial


e, como dissemos, só para os trabalhadores urbanos. No campo, os regimes
de colonato e de parceria permaneceram intocados por muitos anos, e
quando mudaram foi para pior.

Formação da nova sociedade

A nova sociedade brasileira, que se estruturou a partir de 1930, não foi


construída sobre as cinzas da anterior; muito pelo contrário. Vencidos
alguns ressentimentos iniciais e até algumas resistências e tentativas de
retomada do controle nacional, como na revolução de 1952, as coisas
evoluíram no caminho da conciliação dos interesses entre os principais
segmentos da alta sociedade.

O Estado ditatorial que se implantou teve a função de avalista dessa


conciliação, de modo que as transformações processadas asseguraram a
continuidade de certos privilégios, a abertura de novas perspectivas e a
contenção das reivindicações da massa trabalhadora.

À medida que se conciliavam as questões mais importantes, as divergências


menores entre os segmentos predominantes da sociedade iam servindo para
elaborar uma ideologia de liberdades democráticas, das quais a massa
trabalhadora ficava excluída, mas com a obrigação de aceitá-la e de
defendê-la.

Aos poucos foram desaparecendo as distinções que separavam agricultores,


pecuaristas, industriais, comerciantes, banqueiros e outros em menor
número.
Na cúpula da sociedade, os detentores do poder econômico diversificavam
as suas aplicações. Um grande proprietário agrícola tinha negócios na
indústria e no comércio, da mesma forma que aqueles que enriqueciam na
cidade procuravam tornar-se fazendeiros.

A fusão de capitais dos diferentes ramos econômicos fortaleceu a


solidariedade de classe entre os donos desses capitais. Os interesses e
necessidades específicos de cada ramo podiam criar disputas internas, mas
não conflitos inconciliáveis.

Principalmente num ponto os diferentes ramos capitalistas demonstravam


uma extraordinária unanimidade de opinião: o que se refere à população
trabalhadora.

O sentimento de propriedade e o direito de usar e dispor da força de


trabalho, como melhor convenha, são exatamente iguais em todos os donos
de qualquer ramo econômico.

Os homens do antigo modelo econômico e os que pretendiam um modelo


novo, diferente, sempre estiveram de acordo em duas questões
fundamentais, quais sejam, que o direito à propriedade da terra só era
reconhecido aos que pagassem por ela, comprando-a aos seus legítimos
proprietários, e que a massa trabalhadora não deveria ter acesso a nenhum
tipo de propriedade que a emancipasse da condição assalariada.

Quando se fez vitoriosa a revolução de 1930, destinada a liquidar o domínio


político dos “barões do café”, como se dizia para efeitos propagandísticos, a
primeira e principal preocupação do novo regime, liderado pelo bacharel e
estancieiro gaúcho Getúlio Vargas, foi a de continuar executando a mesma
política cafeeira do regime anterior. Essa política, estabelecida pelos
cafeicultores em 1906, no acordo de Taubaté, determinava a participação do
Estado na manutenção dos preços do produto, o que levou à queima de um
terço da produção de anos seguidos, de 1931 a 1939, paga pelos cofres
públicos.

O café representava mais de cinquenta por cento da pauta de exportações


brasileiras, e com essa política de preços o Brasil recuperou-se da crise
econômica mundial, iniciada em 1929, antes da maioria dos países, tanto os
outros produtores de café como os mais industrializados (Estados Unidos,
Inglaterra, França). Os cafeicultores mantiveram a alta lucratividade dos
seus negócios e o país ganhou recursos para investir no desenvolvimento
industrial e em outros ramos.

No cenário político e social da nação os “barões do café de São Paulo”


foram substituídos pelos “paulistas quatrocentões”, ou seja, por eles
mesmos, seus descendentes, parentes, associados e mais uns poucos
tradicionais membros da sociedade paulista, que ascenderam ao primeiro
plano.

No mundo da agropecuária, da indústria, do comércio e das finanças, no


vértice da pirâmide social e do poder político, os interesses e as pessoas se
mesclaram e as alianças econômicas se fortaleceram, por laços de
parentesco e até por casamentos de conveniência.

Embora permanecessem até anos recentes alguns quistos de poder regional


isolado, como é o caso, entre outros, de alguns coronéis no Nordeste, nas
regiões mais desenvolvidas desapareceram, há muito tempo, as chamadas
“oligarquias rurais”, isto é, grupos formados exclusivamente por
proprietários rurais, com poderes absolutos, constituindo categoria
econômica, política e social isolada de outros grupos de interesses.

3. EVOLUÇÃO AOS TEMPOS ATUAIS

A unidade de interesses entre os diversos ramos da economia — toda ela


dirigida por uma única classe e não por oligarquias isoladas, como
pretendem alguns reformistas desinformados —, apesar de erros e defeitos,
provou sua eficiência depois da Segunda Guerra Mundial, principalmente
nos surtos de industrialização da década de 1950.

Até então as relações de produção na agricultura permaneceram inalteradas,


gerando divisas com a produção e exportação de alguns produtos e,
principalmente, retendo no campo a mão-de-obra constituída por milhões
de trabalhadores que não podiam ser absorvidos em outras atividades.
À medida que se desenvolveram as indústrias, os transportes as obras
públicas, a construção civil etc., a agricultura liberou a mão-de-obra
necessária. Para induzir as mudanças nas relações de trabalho no campo,
necessárias à liberação da mão-de-obra, sem prejuízos aos empregadores,
permitiu-se a contratação de trabalhadores sem qualquer vínculo nem
direitos, através de intermediários, os “gatos”-, empreiteiros ou empresários
dos boias-frias.

A extensão de alguns benefícios trabalhistas, como o pagamento de férias


anuais aos trabalhadores com contrato e carteira assinada, o reconhecimento
do vínculo empregatício nos contratos de parceria e outras medidas tomadas
já nos primeiros anos da década de cinquenta apressaram a liquidação dos
antigos sistemas de utilização da massa trabalhadora.

Esse modelo de desenvolvimento nacional, reforçado com o ingresso de


empresas multinacionais e capitais estrangeiros em todas as áreas, dotou a
produção urbana de trabalhadores em número suficiente e com grandes
reservas. A agricultura livrou-se de muitos encargos que encareciam a mão-
de-obra (moradia, água, pastagens, direitos trabalhistas etc.) e recebeu ajuda
da indústria em disponibilidade de insumos (sementes, adubos, agrotóxicos
etc.), equipamentos, transportes, assistência técnica etc.
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Foto

A agricultura moderna, de produção em grande escala, não pode depender


da enxada nos braços desnutridos do bóia-fria. Nem o grande latifundiário,
individualmente, suporta os custos dos equipamentos, das sementes, dos
fertilizantes e outros, que incidem diretamente na base da produção.

Tais mudanças não aconteceram sem conflitos e dificuldades. Desde as


lutas de Porecatu no Paraná e de Santa Fé em São Paulo, no início dos anos
cinquenta, intensificou-se a mobilização dos trabalhadores em torno da
sindicalização e da reforma agrária; foram criadas as ligas camponesas e
aumentou o número dos processos judiciais, até chegar-se à promulgação
do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963. Depois tudo acabou em abril de
1964. Como de outras vezes na história, nesse ano fez-se uma “revolução
de cúpula” para impedir algumas “reformas de base”, inclusive e
principalmente a reforma agrária, nos moldes de uma ampla repartição de
terra.

Questões práticas a resolver

Dois aspectos precisam ser considerados, apesar de nunca constarem nas


argumentações a favor ou contra a reforma agrária. O primeiro deles é que,
no caso de uma reforma agrária baseada na repartição de terras, cada
família beneficiada com uma porção de terra atrairia para o seu convívio o
equivalente a outras duas famí-

lias de aparentados ou agregados. Sob certos aspectos este fato poeria ser
altamente positivo, mas o desfalque que iria causar na disponibilidade de
mão-de-obra é, e sempre foi, inaceitável por todos os ramos da economia.
O segundo aspecto é o de que a indústria brasileira consome excessiva mão-
de-obra. Em razão de os processos industriais utilizarem tecnologias e
instalações em grande parte superadas e até obsoletas, da alta rotatividade
da mão-de-obra praticada pelas indústrias e da seletividade usada na
contratação de operários, a indústria necessita de uma reserva de
trabalhadores muito maior do que o número efetivamente empregado.

Esses pontos não são apresentados abertamente nos debates da questão


agrária porque seriam indefensáveis por parte dos empresários. Mas o
sentimento de propriedade sobre a massa trabalhadora está tão
profundamente arraigado na ideologia capitalista brasileira que chega a
expressar-se livremente como a coisa mais natural do mundo. Exemplo
disso tivemos em 1985, por ocasião da instalação do novo governo, quando
o empresário Antônio Ermírio de Moraes, entrevistado na televisão,
declarou sua fé nos destinos do país e sua decisão de permanecer no Brasil
porque, dizia, “aqui está o nosso patrimônio, que são as nossas fábricas e os
nossos operários”.

Esse tipo de pronunciamento é rotineiro na voz dos proprietários e dos seus


prepostos. Faz parte da educação ideológica do trabalhador. Em 1986, o
jornal paulista A Gazeta Esportiva anunciava na televisão sua seção de
classificados de emprego mediante a seguinte fala de um executivo: “... eu
escolho os meus operários...”. Outro anúncio de classificados veiculado na
televisão, desta vez da Folha de S. Paulo, invertia a mensagem
aconselhando o trabalhador a “escolher o seu patrão”.

É assim que muitas ideias foram concebidas, desde a década de 1920, e


foram se concretizando até adquirirem suas atuais características. Ao longo
desse tempo houve erros e acertos, avanços e recuos, mas o modelo
concebido vingou.

A questão agrária não é, fundamentalmente, um problema de terras. Se o


fosse, poderia ser resolvido a qualquer momento sem prejuízo para os
proprietários, sejam os de hoje ou os de cinquenta anos atrás. Umas poucas
desapropriações seriam recompensadas se houvesse necessidade de realizá-
las, e todos ficariam felizes.
Na luta que travam atualmente, os reformistas investem contra um modelo
econômico já superado, o dos latifundiários, enquanto o modelo
predominante, o do capitalismo empresarial (industrial,

agropecuário, financeiro etc.) já se firmou e também apoia a liquidação do


que resta do velho sistema, o latifúndio, mas em seu próprio benefício, e
não em favor dos trabalhadores sem terra, ou com pouca terra. Os
movimentos populares e os conflitos pela posse da terra estão contribuindo
para apressar as transformações no sistema de propriedade e de utilização
da terra, talvez um pouco mais rápido do que seria desejável segundo as
conveniências dos empresários, mas de qualquer forma dirigido conforme
os interesses deles.

Portanto, a reforma agrária reclamada é muito diferente da reforma agrária


que está acontecendo de fato e que modela por inteiro um novo retrato
socioeconômico do país.

À medida que se vai consolidando e ampliando esse novo modelo agrário


capitalista e empresarial, o que fica para a nação resolver é o problema dos
resíduos do antigo sistema. O primeiro deles diz respeito à liberação de uma
certa quantidade de mão-de-obra, a mais pobre, menos qualificada, os
trabalhadores mais idosos, as mulheres casadas e com filhos. Ou seja, a
mão-de-obra que representa mais encargos sociais e trabalhistas e menor
eficiência produtiva. Outro resíduo ocorre com a liberação de algumas
parcelas de terra, as menos férteis e de pior localização.

Por essa faixa residual e periférica das terras e da população o sistema


socioeconômico não está interessado. Importa que a nata da força de
trabalho e das terras cultiváveis permaneça sob seu controle, em uso
permanente ou na reserva.

A massa trabalhadora é intensamente mobilizada para conquistar a posse de


grandes extensões de terra, que sabidamente não serão cedidas, nem pelo
governo nem pela classe proprietária, nas proporções desejadas. Enquanto
isso os trabalhadores relegam a segundo plano a luta por outros direitos, a
começar pelo de poderem negociar a prestação dos seus serviços
diretamente com os donos dos capitais, sem intermediários, com base em
compromissos recíprocos garantidos por lei.

A reforma agrária que verdadeiramente se acha em curso é a do grande


capitalismo monopolista, baseado na posse da terra e das colheitas per
poucos empresários que detêm o poder de dispor delas como for melhor
para o rendimento dos capitais. A pretensão de estabelecer sistemas
anacrônicos, isto é, historicamente superados, com milhões de pequenos
agricultores, só está contribuindo para retardar a conquista pelos
trabalhadores de direitos sociais e trabalhistas mais viáveis e necessários a
curto prazo.

4. OS INTELECTUAIS E A

REFORMA AGRÁRIA

Muitos estudiosos têm se dedicado à análise dos problemas da agricultura


em todos os seus aspectos, oferecendo explicações detalhadas sobre a
distribuição das propriedades, o rendimento da produção agrícola, as
deficiências da estrutura agrária e sobretudo as carências da população
trabalhadora do campo.

Referência especial a esse respeito deve ser feita ao trabalho de Caio Prado
Jr., que com o peso da sua incontestável autoridade intelectual e o seu poder
de divulgação muito contribuiu para a compreensão da questão agrária no
Brasil, com análises, comentários e informações de indiscutível valor,
sobretudo os seus artigos da década de 1960.

Entretanto, se no terreno da análise, da denúncia e das explicações os


estudiosos se aproximaram por inteiro da verdade, eles falharam no
essencial, que seria uma formulação definitiva do problema que
reconhecesse no homem, mais do que na terra, o ponto de partida para a
compreensão dos fatos. No terreno das soluções, suas ideias também não
indicam qualquer caminho seguro e não são melhores do que tantas outras
vagamente expressas.
Assim, as sugestões dos intelectuais se limitam a preconizar que se
desenvolvam, nas relações de produção, novas situações e
aperfeiçoamentos que proporcionem aos trabalhadores rurais condições de
vida e de trabalho condizentes com os níveis humanos de nossos dias.

Numa de suas análises (v. Sugestões de leitura, à p. 72), Caio Prado Jr.

abordou com muita propriedade a questão fundamental do problema agrário


brasileiro, que é “o seu lado humano”, indicando suas repercussões no
restante da vida econômica, política e social do país. Mas ele não
completou o raciocínio e resumiu a solução a “analisar e corrigir a
deplorável situação de miséria material e moral da população trabalhadora
do campo brasileiro”.

Criticando acertadamente os projetos de reforma agrária baseados na


simples repartição de terras, muitos intelectuais incidiram no erro oposto de
preconizar melhorias para a classe trabalhadora

através do simples aperfeiçoamento das relações de produção, ainda mais


sem dizer que aperfeiçoamento, como fazê-lo e em que tempo seria viável.

Proposições semelhantes já eram feitas pelos reformistas do século XVIII.


A diferença é que aqueles tinham por objetivo expresso melhorar a
eficiência da colônia em benefício da metrópole portuguesa. Nesse sentido
não poupavam críticas ao latifúndio improdutivo (tal como hoje) e
propunham medidas concretas quanto aos direitos de propriedade e ao
aperfeiçoamento das técnicas para o uso da terra, o aumento da produção
etc.

Foi com o advento e ascensão da burguesia nacional, filha legítima e dileta


da antiga aristocracia rural, ligada aos investimentos e interesses
estrangeiros, participando integralmente do sistema capitalista
internacional, que se plasmou uma ideologia integrativa da economia e da
sociedade brasileiras.

Essa ideologia se expressou concretamente nos planos de desenvolvimento


(integrado) dos governos do General Médici e do General Geisel. O que os
ideólogos do autoritarismo propuseram, pelo menos em parte às claras, é o
mesmo que desde os anos vinte, de maneira dissimulada, o sistema
econômico e social vem implantando.

O problema agrário brasileiro está tão ligado ao conjunto econômico,


político e social do país e dos seus vínculos internacionais que nenhuma
transformação pode ser pensada isoladamente para ele, nem por meios
pacíficos nem com a violência.

Qualquer medida ou solução de grande alcance na questão agrária terá de


ser pensada em termos globais das suas repercussões em outros campos.

Entretanto, a questão da reforma agrária está colocada, prioritariamente, nos


termos da desapropriação das grandes propriedades e da sua repartição
entre os trabalhadores rurais. Nesses termos, passaremos a comentar os
diversos projetos em discussão que, excetuando os do governo federal,
todos os demais abordam o problema fundiário abstraindo as suas inter-
relações com o conjunto da economia.

Além do projeto governamental, que vamos analisar em primeiro lugar,


veremos na sequência a atuação da Igreja Católica, através dos seus
organismos como a CNBB

(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a Pastoral da Terra e as


Comunidades Eclesiais de Base; a posição do movimento comunista,
através de um projeto publicado, pelo PC do B; a posição do movimento
sindical rural e também um projeto que é apoiado pelo Partido dos
Trabalhadores, todos eles defendendo a reforma agrária com base na divisão
das terras.

5. O PROJETO DO GOVERNO

A primeira posição favorável à reforma agrária a merecer atenção é a do


governo federal, que desde 1985 empalmou essa bandeira dentro de
determinados limites.
Para enfrentar esse problema, o governo dispõe de uma ampla estrutura, na
qual se destacam o Ministério da Reforma Agrária e do Desenvolvimento
(MIRAD) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), operando conforme as diretrizes do Plano Nacional de Reforma
Agrária (PNRA).

A ação governamental não objetiva mudanças profundas e extensas na


estrutura agrária. Pelo contrário, -no Plano de Metas divulgado em julho de
1986 e nas medidas complementares ficou claro que a nova Política
Agrícola adotaria outras prioridades.

Ganharam destaque na política governamental a criação do Fundo de


Investimento Rural, a Caderneta de Poupança Rural (Caderneta Verde),
destinada a habilitar os poupadores a comprarem terras no futuro, o projeto
de irrigação de pouco mais de um milhão de hectares de terra no Nordeste,
uma política de preços plurianuais para diversas culturas e programas de
colonização no Centro-Oeste e no Norte do país.

A reforma agrária propriamente dita tem limites bastante modestos no


programa do governo e consiste no “assentamento” de 1 400 000 famílias
ao longo de quatro anos.

É evidente que a intenção do governo se limita a uma reforma na


distribuição de propriedades agrícolas que reduza as pressões dos
excedentes humanos nas cidades e no campo, que hoje só alimentam a
marginalidade e a miséria.

Nos limites pensados pelo governo, a distribuição de um pouco de terra a


uns poucos trabalhadores pode ser feita sem afetar a ordem social e sem
prejuízos para o sistema em geral, tanto do ponto de vista das terras como
da mão-de-obra retirada do mercado.

Os avanços e recuos do governo na execução das desapropriações de terras


e na sua distribuição se aplicam, em parte ao menos, pela falta de sintonia
dos órgãos técnicos com os verdadeiros propó-
sitos do governo, o que sempre dá margem à ação protelatória ou
perturbadora dos opositores. Haja vista que em meados de 1986 já está-
vamos com o terceiro Ministro da Reforma Agrária e do Desenvolvimento,
além da rotatividade ocorrida também nos escalões secundários.

Na verdade, os maiores investimentos do governo estão direcionados para


os objetivos de aumentar a produção em cerca de 7% ao ano, melhorar a
produtividade e a rentabilidade, não só da agropecuária em si, mas de todo
o complexo do qual fazem parte também as indústrias de transformação dos
produtos agrícolas, as fornecedoras de insumos e de equipamentos, o
transporte e armazenagem, o abastecimento interno e a exportação.

Portanto, o programa governamental com relação à questão agrária está


mais voltado para a melhoria e o fortalecimento do sistema existente e tem
muito pouco a ver com a distribuição de terras aos trabalhadores rurais,
menos ainda de fazer isso em grande escala.

Para minorar as dificuldades e até a penúria de grandes contingentes da


população, o governo desenvolve outros programas sociais, de efeitos
paliativos, até que as melhorias esperadas no conjunto da economia
permitam maior oferta de empregos, elevação dos níveis salariais e
aperfeiçoamentos nas relações de produção.

Em resumo, a melhoria das condições de vida da população trabalhadora


decorrerá da sua participação numa parcela dos ganhos extras que o sistema
obtiver acima dos níveis atuais.

Nem poderia ser diferente em se tratando de um governo de conciliação,


que vai ao encontro do povo com propostas de paz, de “pactos” e em defesa
da ordem social existente. Ainda assim, de todos os projetos agrários
expostos ao público, o do governo é o mais coerente com a correlação de
forças políticas da sociedade.

Trata-se, antes de tudo, de um projeto destinado a promover a melhor


utilização possível da terra, dos capitais e da mão-de-obra, corrigindo
algumas deficiências do modelo econômico, para aperfeiçoar o sistema
global. Em benefício de todos, sem dúvida, mas não com a distribuição
equitativa dos benefícios. Os donos das terras e dos capitais levam a maior
parte, cabendo aos donos da força de trabalho a esperança de melhores
salários, de maiores oportunidades de trabalho e de custo de vida mais
suportável.

Ainda não é nesse programa que o homem conquista o lugar de prioridade


número um, embora os seus defensores tentem convencer a todos que isso
será conseguido através dos progressos do sistema capitalista.

Os proprietários agrícolas protestam com veemência, chegando a paralisar


o funcionamento dos bancos e do comércio em muitas cidades. Na opinião
deles, os juros altos e os preços baixos são os culpados pela falência da
agricultura, e exigem que o governo lhes dê apoio financeiro.

A ideologia do poder
Foi nessa linha de raciocínio que se alicerçou, em grande parte, desde a
década de vinte, a ideologia da classe dominante.

Essa ideologia tem revelado sua eficiência de forma concreta toda vez que
medidas drásticas de transferência ou de aumento de encargos para a
população assalariada e outras categorias de reduzido poder econômico são
adotadas para equilibrar ou aumentar a

rentabilidade do sistema econômico ou dos orçamentos públicos. Sempre se


estão exigindo novos e maiores sacrifícios, para sanar esta ou aquela
dificuldade, com promessas de que tudo será compensado pelos benefícios
posteriores. Esse ciclo de promessas e sacrifícios repete-se continuamente,
mas os benefícios vão ficando para depois.

Alguns exemplos recentes bastam para ilustrar esse fato. A política salarial
adotada desde 1979, mais ditatorial do que todas as anteriores, cobrou dos
salários a maior contribuição para enfrentar os problemas da dívida externa,
da inflação, do déficit público e da recessão econômica, tudo debaixo da
maior crise de desemprego que o país já conheceu. Após um curto período
de recuperação dos salários em 1985, a implantação do Plano Cruzado em
1986 novamente cobrou dos salários a maior contribuição para garantir o
congelamento dos preços. E os bancos foram compensados por algumas
perdas, através de outros ganhos autorizados e da livre demissão de
funcionários.

Quando os especuladores do comércio de automóveis passaram a cobrar


elevados ágios em suas transações, ao invés de punições e medidas efetivas
coibindo essa prática, o governo instituiu a cobrança de ágios em seu
próprio benefício. Na mesma oportunidade aumentou os preços dos
combustíveis, sob o título de empréstimo compulsório, para não caracterizar
o descongelamento de preços.

Quando começou a faltar carne para o consumo interno, porque os preços


congelados não convinham aos donos do gado, ao invés de puni-los o
governo passou a importar o produto, consumindo divisas duramente
acumuladas pelas exportações.
Mas quando os assalariados começaram a fazer greves em defesa da própria
sobrevivência, a repressão caiu sobre eles com todo o peso do
autoritarismo, acusando-os de “quinta-coluna” e de agirem
intencionalmente para desestabilizar o Plano Cruzado. Assim foi no caso
dos bóias-frias de Leme, no dos bancários e outras categorias.

São mais do que evidentes as demonstrações de que o atual sistema


econômico necessita de uma numerosa massa trabalhadora para manter ou
elevar a sua rentabilidade e a competitividade dos seus preços no mercado
internacional. Portanto, ele não está disposto a abrir mão dela, nem pagar-
lhe melhores salários ou outros benefícios, o que corresponderia a uma
ínfima participação na renda nacional já produzida. Muito menos o sistema
admitiria repartir com essa massa trabalhadora uma parte substancial do
capital, que é a terra.

Não há por que iludir-se pretendendo expropriar da classe dominante os


seus dois patrimônios mais valiosos, que são a terra e os trabalhadores,
esperando que ela não reaja, ou que aprove tal medida com seus votos no
Congresso. .

As vantagens eventualmente conquistadas por alguma categoria trabalhista


são imediatamente compensadas pela redução de ganhos em algum outro
ponto do sistema. Como diz a sabedoria popular, “do couro sai a correia”.
No segundo semestre de 1986, vésperas de eleições, os sindicatos de
trabalhadores rurais estavam as voltas com um novo problema: o governo
decidira que os empregadores rurais, pessoas físicas, não estariam
obrigados a apresentar a Caixa Econômica Federal a RAIS

(Relação Anual de Informações Sociais), que serve de base para o


pagamento do PIS

(Plano e Integração Social) aos trabalhadores. Com esse lance, milhares de


trabalhadores agrícolas estavam impedidos de receber esse mísero
benefício.

Em resumo, o projeto de reforma agrária do governo tem uma função


supletiva.
Na medida em que promete grandes soluções, ele acomoda situações de
conflito, melhora a ocupação de algumas terras e a produção de alimentos,
diminui as pressões reivindicatórias e mantém acesa a esperança de muitos
milhões de trabalhadores, favorecendo o processo de expansão do sistema
capitalista no campo. Esse sistema já está implantado e agora realiza uma
nova etapa de avanço para tornar-se hegemônico.

6.A IGREJA E A REFORMA AGRÁRIA

O argumento mais popularizado em favor de uma reforma agrária baseada


na repartição de terras entre os trabalhadores é o da “justiça social”,
expressão demasiado ampla, vaga, fácil de usar sem maiores explicações,
ou mesmo sem explicação alguma.

Esse é o argumento preferido pelos padres católicos e por outras entidades e


grupos que se utilizam da estrutura da Igreja para as suas pregações.

De parte da Igreja é compreensível que ela ajude a patrocinar essa causa, e


o faça por caminhos diferentes que o da luta de classes generalizada, em
coerência com o seu papel de defensora da paz social. Os conflitos que ela
estimula em torno de uns poucos pedaços de terra são gotas d’água no
caldeirão fervente das desigualdades sociais.

Padecendo de carência de vocações sacerdotais e vendo diminuir o seu


rebanho de fiéis, a Igreja perdeu grande parte da força moderadora com que
sempre ajudou a manter as injustiças sociais.

Para recuperar prestígio e ser útil ao sistema, a sua “opção pelos pobres”
tinha de se expressar por alguma forma concreta de atuação em favor dos
necessitados.

A reforma agrária, como bandeira arrancada das mãos dos “esquerdistas”


veio mesmo a calhar. Uma causa capaz de mobilizar milhões de pessoas e
vultosos recursos financeiros merece ser liderada.

Os conflitos gerados pela invasão de uma ou outra propriedade é um preço


pequeno que alguns proprietários devem pagar em favor da causa maior que
é a preservação do regime de propriedade e produção capitalista. Da mesma
forma, as eventuais agressões sofridas, inclusive a morte de algum
sacerdote, a qual enriquece o martirológio que sensibiliza as almas simples
e piedosas dos pobres.

O maior problema que existe com relação à atuação da Igreja na questão


agrária é que ninguém sabe em que consiste o seu projeto. Qual a extensão
pretendida na ocupação de terras? Qual o nú-

mero de famílias que se devem beneficiar? Quais os rumos e objetivos da


economia que devem nortear esse tipo de reforma?

Não parece correto falar em justiça social quando apenas uma parte dos
trabalhadores viesse a receber lotes de terra, enquanto a maioria estaria
condenada a ser sempre assalariada.

Quais seriam os critérios de justiça para decidir que um trabalhador


receberia sua terra própria e outros não?
Olhando de fora tem-se a impressão de que a Igreja busca como objetivos
principais: afirmar a si mesma no conceito público em face das
transformações que ocorrem hoje e que, inevitavelmente, ocorrerão no país,
ainda que lenta e gradualmente, nos próximos anos; preencher espaços
políticos que poderiam ser ocupados por segmentos mais radicais da
sociedade; e respaldar os programas do governo dentro das limitações
previstas, isto é, nas áreas de “conflito”.

Quaisquer que sejam os seus motivos e objetivos, quando age diretamente


através dos seus sacerdotes, ou quando abriga outros grupos, a Igreja tem
contribuído para o fortalecimento do movimento sindical, no campo e nas
cidades.

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ciden

iraN

ed o

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Pequenos acampamentos e passeatas, em nome de Deus, podem render


muitas indulgências, mas não iluminam o caminho dos desterrados nem a
alma dos que especulam com a terra, com a produção, com os preços e com
a fome de dois terços da humanidade. As campanhas de reforma agrária
promovidas pela Igreja não conduzem a qualquer tipo de solução.
Em todos os movimentos sociais de base, assim como o fez na defesa dos
perseguidos políticos, a presença da Igreja tem sido marcante.

Toda a ação social da Igreja ressalta a preocupação fundamental com o


homem, mas ou o faz no plano humanístico abstrato, ou para socorrer
indivíduos ou grupos em situação inferiorizada de miséria e de conflito,
identificando-se assim com os fundamentos da caridade cristã e não com
um modelo de organização social onde o homem seja a medida principal.

De qualquer modo, as reformas defendidas pela Igreja têm um alcance


muito pequeno, só chegando a criar ou incentivar algumas áreas de conflito
que justifiquem a intervenção do Estado.

A atuação da Igreja está contribuindo para que os excedentes populacionais


e as terras não aproveitadas sejam utilizados na produção destinada ao
consumo interno.

Com isso se evitam entraves ao pleno desenvolvimento do sistema


principal, que é a exploração empresarial da produção agrícola.

7. OS PARTIDOS POLÍTICOS E A

REFORMA AGRÁRIA

Considerando a magnitude da questão agrária, era de esperar que o


principal debate sobre ela transcorresse ao nível dos partidos políticos, a
partir de propostas alternativas disputando a preferência da população.
Assim ocorreria em uma sociedade civil amplamente organizada em
instituições políticas verdadeiramente representativas, o que não é o nosso
caso.

Em verdade, a contribuição dos partidos é muito pequena, quando não


negativa.

Na falta de partidos políticos capazes de representar com autenticidade as


aspirações e as necessidades da maioria da população, os sindicatos acabam
avançando em espaços que seriam próprios da atividade partidária,
inclusive dos chamados “partidos de esquerda”. Em parte, isso se deve ao
fato de os sindicatos terem sua existência garantida por uma estrutura
corporativa e burocrática vinculada ao Estado e, principalmente, mantida
pela contribuição financeira obrigatória dos trabalhadores.

Na sua atuação, os sindicatos revelam as mesmas deficiências dos partidos,


por não serem capazes, também eles, de oferecer modelos alternativos de
organização da economia e da sociedade, no todo ou nos seus aspectos
principais.

O resultado melancólico é que os partidos não aglutinam as vontades


populares e os sindicatos não suprem as funções dos partidos. Além de
confundirem os processos de transformações sociais, os sindicatos acabam
também por negligenciar ou deturpar suas atribuições específicas.

A inversão de papéis chega a tal ponto que, frequentemente, os partidos


políticos são arrastados pelos movimentos sindicais em lugar de
conduzirem, eles próprios, os processos sociais, nos quais os sindicatos
estariam integrados como forças consideráveis, mas nunca hegemônicas.

Na questão da reforma agrária estão empenhados alguns partidos, às vezes


com programas próprios, outras como suporte dos pla-
nos e outras organizações. Comentaremos aqui dois programas, um deles
representando uma parte do movimento comunista, o PC do B (Partido
Comunista do Brasil), e apresentado como proposta à Constituinte. O outro,
divulgado com nome da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária),
da CUT e do PT. foi publicado na forma de uma “cartilha da reforma
agrária” dirigida especialmente aos trabalhadores urbanos para obter sua
adesão.

4F/otcideneBir aN de

A reforma agrária consta do programa e dos estatutos de todos os partidos


políticos.

Foto

Cada um obedece a motivações próprias, sem, c o n t u d o , haver intenção


real de promover mudanças significativas no curso do desenvolvimento
econômico centrado na grande propriedade privada.

O comunismo e a reforma agrária


A posição do movimento comunista brasileiro com relação à questão
agrária sempre teve uma importância destacada, tanto pelo momento
histórico em que surgiu, na década de 1920, como pela intensidade da
atuação desse movimento junto à classe trabalhadora, tanto do campo como
da cidade.

Dada a existência de dois partidos comunistas legalizados e de vários outros


grupos (PCBR — Partido Comunista Brasileiro Revolucionário e MR-8 —

Movimento Revolucionário 8 de outubro) infiltrados em diversos partidos,


podem existir diferenças nas suas pro-

postas relativas ao problema agrário, mas são pouco significativas e não


importam para os objetivos e limites deste livro.

A proposta de reforma agrária do PC do B é fundamentada nos seguintes


pontos: A grande concentração da propriedade fundiária existente em mãos
de poucos proprietários, incluindo-se entre eles as empresas e capitais
estrangeiros, formando grandes latifúndios que totalizavam em 1984, 409
milhões de hectares (número citado).

A existência de mais de 12 milhões de camponeses sem terra 2 milhões de


proprietários de minifúndios de 2 a 5 hectares e cerca de 5 milhões de
camponeses que emigraram para as cidades (os números são da proposta,
sem precisar se são 14

ou 19 milhões de camponeses).

O desenvolvimento capitalista no campo voltado para os mercados


externos, gerando crises no abastecimento interno de alimentos.

O atraso político do país causado pelo “domínio das oligarquias rurais”,

“mescladas com os bancos e os monopólios nacionais e estrangeiros”.

A proposta é definida como “antilatifundiária, ampla, massiva e imediata”,


pretendendo realizar-se através de dois procedimentos básicos. O primeiro é
a desapropriação de todas as propriedades com mais de 500 hectares nos
Estados do Sul, com mais de 1 000 hectares no Centro-Oeste e Nordeste e
com mais de 1 500

hectares no Norte, e toda a terra em poder de capitais estrangeiros. O


segundo procedimento seria a utilização dessa terra, colocada à disposição
do Estado, juntamente com as terras devolutas.

Não há indicação de qual seria a extensão de terra obtida, mas pelos


critérios usados para as desapropriações ficaria bem abaixo dos 409 milhões
de hectares que hoje estariam ocupados pelos latifúndios. Somando as terras
devolutas, cuja extensão não é indicada e das quais todos falam, mas
ninguém parece saber quanto representam, fica indefinido quanta terra
estaria disponível para implementar o programa agrário proposto.

Mesmo assim, o projeto é generoso em dispor das terras. O ponto 6 da


proposta estabelece a “distribuição de lotes de 20 a 50 hectares, segundo a
região, a camponeses sem terra ou com pouca terra. Pelos números
indicados acima, os trabalhadores nessas condições somariam 14 milhões,
sem contar os 5 milhões que

“emigraram para as cidades”.

Tomando a média de 35 hectares para cada lote a ser distribuído, seriam


necessários 490 milhões de hectares só para atender a esse ponto da
proposta, com justiça, sem beneficiar apenas uma parte dos trabalhadores
agrícolas necessitados.

Mas a proposta vai além, incluindo a cessão de áreas para a implantação de


cooperativas agropecuárias, cessão de áreas aos Estados e municípios
destinadas à criação de fazendas-modelo, ocupação de espaços necessários
a construção de empreendimentos agropecuários de alto rendimento a cargo
do Estado, além da faculdade dada ao Estado de fazer arrendamentos e
estimular a criação de explorações coletivas no campo.

A proposta não esclarece de onde vai sair a terra necessária a todos esses
projetos, uma vez que as desapropriações não seriam suficientes e, ponto
fundamental, de onde vai sair a mão-de-obra exigida pelos
empreendimentos agropecuários e por todos os outros ramos de atividade
econômica.

Outros pontos da proposta mereceriam reparos, principalmente dois deles.


Um é o que se refere às indenizações pelas terras desapropriadas, que
seriam pagas em títulos da dívida agrária, resgatáveis ao fim de trinta anos,
pelo valor médio declarado para efeito de tributação nos últimos cinco anos.
É o mesmo que dizer nunca. Melhor seria reconhecê-lo logo.

O segundo ponto é a visão demasiado estreita da organização social,


destacando a existência de “oligarquias agrárias” como responsáveis pelo
atraso econômico e político do país. A confusão é maior quando a proposta
afirma que as oligarquias estão “mescladas com os bancos e os monopólios
nacionais e estrangeiros”.

A classe dominante até o fim da Primeira República, que tem o ano de 1930

como marco principal, mas não definitivo, podia ser chamada uma
“oligarquia agrária”, porque era constituída pelos senhores da agropecuária.
Na atualidade, porém, os donos da agropecuária não formam uma classe à
parte. Eles são membros da mesma classe que domina outros setores da
vida social, como a economia e a política.

A unidade e a solidariedade entre os vários segmentos da mesma classe


dominante têm conseguido superar as suas contradições internas,
permitindo muita firmeza no controle da vida nacional. Eis porque a leitura
de uma proposta vinda de um partido comunista suscita uma série de
indagações, que podem servir de temas para estudos mais aprofundados.

Onde está a relação entre a concepção socialista da propriedade

coletiva dos meios de produção e a proposta de aumentar o número dos


proprietários particulares da terra? Essa forma de propriedade da terra, em
mãos de alguns milhões de pequenos proprietários, corresponde ao modelo
definitivo de comunismo pretendido? Haverá outra etapa revolucionária
(pacífica ou não) para eliminar também esses novos privilegiados? Se os
trabalhadores agrícolas deixarem de ser explorados, para se tornarem
proprietários da terra, em caráter privado, qual será a classe considerada
explorada e revolucionária para combatê-los depois? Os novos proprietários
renunciarão espontaneamente ás suas terras para dar lugar à coletivização,
ou terão de ser persuadidos?

Na Verdade, já em 1922 foi um erro infantil do recém-instalado movimento


comunista brasileiro introduzir no seu programa a questão de reforma
agrária baseada na repartição da terra. Tanto pior foi persistir no nesse erro,
depois que a própria URSS liquidou essa forma de propriedade, que ela
adotara alguns anos antes por exclusiva conveniência do momento e em
condições muito diferentes das que existiam no Brasil.

Para resolver os problemas de hoje não bastam propostas idealizadas sem


condições efetivas de realização, esperando que a população acredite nelas
e lhes dê apoio. Esse tipo de proposta, na medida em que recebe adesões de
trabalhadores, intelectuais e políticos, desvia as forças populares da luta
contra os verdadeiros adversários, centrando-as no combate ao latifúndio
tradicional, que já não é mais a força principal do capitalismo agrícola. O
sistema empresarial de produção, que é o mesmo nas cidades e no campo, já
vem liquidando o latifúndio individual e adotando formas complexas de
organização. da propriedade e de utilização do capital e do trabalho.
Atacando o latifúndio, os trabalhadores estão ajudando o substituto dele —

a empresa agropecuária — sem negociar a sua participação na renda real e


podem acabar brigando pelas migalhas da pobreza.

O PT e a reforma agrária

O Partido dos Trabalhadores (PT), representação política de parcela do


movimento operário, preconiza uma reforma agrária muito semelhante à do
PC do B, até nas definições — “ampla, massiva e imediata” —, baseada na
desapropriação dos latifúndios e distribuição das terras aos que nelas
trabalham ou queiram trabalhar.

Dada a grande similaridade entre elas, não há por que estender-se na análise
da proposta do PT, sendo suficiente salientar algu-
mas poucas diferenças e manter, no essencial, os comentários já feitos
anteriormente.

Após relacionar os principais problemas nacionais — crise, fome,


desemprego, arrocho salarial, dívida externa e outros —, a proposta conclui
que só existe uma solução para eles: a reforma agrária, que acabaria com o
latifúndio, responsável por todos esses problemas.

As principais vantagens da reforma agrária seriam: alimento mais barato e


fácil de encontrar, mais empregos e melhores salários, mais espaço e menos
sufoco nas cidades, e mais democracia, sendo cada uma dessas vantagens
desdobrada em vários aspectos.

A proposta menciona a existência de cerca de um milhão de latifúndios,


ocupando 83% das terras, ou sejam, 370 milhões de hectares. enquanto os
minifúndios, em número de pouco mais de dois milhões, ocupariam 9% das
terras, ou seja, pouco mais de 40 milhões de hectares.

A desapropriação dos latifúndios permitiria conceder lotes de terra de 35

hectares, cada um, para 7 a 10 milhões de trabalhadores agrícolas.

Quanto ao mais, a proposta não apresenta qualquer inovação, a não ser uma
visão um pouco mais realista do cotidiano e das limitações existentes nos
planos oficiais de reforma agrária.

O trabalho que o PT tem desenvolvido na mobilização dos trabalhadores,


ora secundado ora liderado pelos organismos sindicais e supras indicais,
principalmente a CUT, tem-se mostrado muito eficiente no processo de
descrédito do latifúndio. Mas salvo uma ínfima minoria de trabalhadores
que se transformam em pequenos sitiantes, o grande beneficiário é o
capitalismo empresarial, que fica com a parte do leão do espólio do
latifúndio. A força de trabalho combate o latifúndio enquanto as relações de
produção no campo impostas pelas empresas rurais limitam-se a míseros
acordos coletivos de trabalho que não garantem o mínimo indispensável a
uma vida digna.
É por isso que também no caso do PT e de outras organizações que o
acompanham consideramos equivocada sua linha de atuação na questão
agrária e retrógrados seus objetivos no que se refere à participação da massa
trabalhadora na riqueza nacional derivada das formas de propriedade, de
produção e de organização social preconizadas.

8. O TRABALHADOR RURAL E A

REFORMA AGRÁRIA

As posições dos trabalhadores rurais sobre a questão agrária aqui


comentadas são aquelas adotadas no 4° Congresso Nacional dos
Trabalhadores Rurais, realizado em Brasília no período de 25 a 30 de maio
de 1985. Esse congresso, cujos anais serviram de base para esta análise, foi
promovido pelo Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais, reunindo 2
600 sindicatos, 22

federações e a CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na


Agricultura).

A expectativa que se poderia ter quanto a esse posicionamento tanto no que


se refere ao problema agrário como em relação à organização econômica,
social e política do país em geral, seria a de um projeto consistente, que
expressasse claramente as aspirações da nação como um todo, a partir do
ponto de vista das massas trabalhadoras.

Os resultados, no entanto, ficaram muito abaixo dessa expectativa,


limitando-se a uma série de recomendações, às vezes desconexas, às vezes
repetitivas e até contraditórias.

Quanto aos objetivos e às linhas de ação adotados, todos parecem decorrer


de uma ideia preestabelecida, a de uma reforma agrária baseada na
desapropriação das grandes propriedades.

O objetivo expresso como fundamental é conseguir que o governo faça


executar o Estatuto da Terra; isso está explícito nos primeiros
“considerando”.
A proposição n.° 1 estabelece a exigência de que o governo tome a decisão
de fazer a reforma agrária. Aí parece ter nascido a definição de reforma
agrária, já comentada anteriormente, isto é, “antilatifundiária, ampla,
massiva e imediata". Tudo o mais que se lê nos referidos anais é
decorrência ou intercorrência dessa proposição inicial.

A proposição seguinte é a de que, através dessa reforma agrária, seja


substituído o atual modelo econômico orientado para o mercado externo por
outro voltado para o mercado interno. Aí termina a proposta, sem indicar
em que grau é pretendida essa substituição,

conto realizá-la e quais as suas possíveis repercussões na vida econômica


nacional.

Desapropriação e repartição

Para a consecução do principal objetivo, que é a reforma agrária, a


proposição n.º 23

define as terras que seriam desapropriadas e repartidas entre os


trabalhadores: a) terras dos latifúndios e das empresas rurais; b) terras de
ocupação de arrendatários, parceiros, posseiros e ocupantes; c) terras
agricultáveis que são inexploradas e ociosas; d) terras da Igreja;

e) terras da União.

As terras desapropriadas seriam pagas com títulos da dívida agrária –


criados para esse fim específico e resgatáveis em vinte anos – e distribuídas
imediatamente aos trabalhadores moradores da região.

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Cleu

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mobilização em massa dos trabalhadores por um tipo de reforma agrária


muitas vezes impraticável dá mais força ao processo de transferência da
economia agrícola para as grandes empresas. Com essa tática de luta
equivocada, ou intencionalmente distorcida, a massa trabalhadora fica
marginalizada de todos os benefícios do progresso.

Não há quaisquer indicações da extensão de terra pretendida, do tamanho


dos lotes previsto e do número de famílias a serem beneficiadas. Mas
combinando-se a proposição n.º 32, que estabelece o prazo máximo de
cinco anos para a execução do plano, com a proposição n,º 26, que prevê o
assentamento de pelo menos dois milhões de famílias beneficiadas.
Quanto ao tamanho dos lotes também temos de fazer alguns exercícios de
dedução. Pelo número de famílias e pela extensão de terra presumivelmente
disponível, comparando-se com outras propostas já comentadas, ficaríamos
com lotes de aproximadamente 35 hectares (cerca de 15 alqueires).

O que nenhum projeto de reforma agrária explica, incluindo este dos


trabalhadores rurais, é como uma família sozinha conseguiria trabalhar 35

hectares de terra. Sem atrair para o seu convívio outras três ou quatro
famílias, ou contratar mão-de-obra assalariada

— não se sabe de onde nem sob quais condições —, isso não seria possível.

Surge então outro problema, não previsto, a esclarecer. O número de


famílias envolvidas no processo de assentamento proposto, somado ao de
famílias já instaladas em suas terras, admitindo-se em média quatro
membros para cada uma, totalizaria aproximadamente metade da população
brasileira vivendo e trabalhando no campo. Isso significaria uma reversão
tão grande no atual modelo de desenvolvimento que é difícil saber até que
ponto seria desejável ou exequível.

É importante a constatação, pelos próprios reformistas, da necessidade de


ocupação e exploração coletiva da terra (contrariando a própria ideia da
repartição), seja pela grande quantidade da mão-de- obra exigida, no caso
do trabalho braçal, seja pelo alto custo dos equipamentos, insumos,
eletrificação, irrigação etc., inacessíveis ao pequeno proprietário. O que os
reformistas não esclarecem é como os novos proprietários vão renunciar ao
direito da posse individual para fomentar a exploração coletiva.

Portanto, indiretamente fica reconhecido que o problema da maior ou


menor produtividade da terra não está no tamanho da propriedade, mas nos
sistemas de sua utilização.

As reivindicações formuladas pelo movimento sindical, em nome dos


trabalhadores rurais, apresentam ainda outras confusões. Ao mesmo tempo
em que falam em reforma agrária, para tirá-los da condição de assalariados,
tornando-os proprietários da terra, exigem que
a legislação trabalhista aplicada aos trabalhadores urbanos seja estendida
aos do campo. Deve-se então supor que mesmo os defensores da reforma
agrária não pretendem deixar a agricultura sem um bom contingente de
trabalhadores sem terra, assalariados.

Existem algumas outras condições inexplicáveis, que levam a pensar se o


movimento sindical sabe realmente o que quer, Por exemplo, no próprio
Estatuto da Terra o regime de parceria é considerado retrógrado, devendo
ser abolido; o plano de desapropriação de terras (proposição n.º 23) para os
trabalhadores rurais, a segunda prioridade para as terras ocupadas, falando
da desapropriação imediata das grandes propriedades ocupadas por
parceiros e arrendatários. Mas as três proposições seguintes, de 103 a 105,
regulamentam algumas condições de funcionamento do regime de parceria,
que continuaria existindo, portando, mesmo com a reforma agrária
pretendida.

Em meio a tantas desapropriações e distribuição gratuita de terras aparece a


proposição n.° 101, estabelecendo o limite máximo de 100 hectares para a
venda de terras públicas ou devolutas. Quer dizer, então, que sobraria terra
não distribuída e gente que só poderia tê-la comprando-a.

O 4.° Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais aprovou uma série


extremamente variada de proposições e recomendações, que seriam
suficientes para a elaboração de um projeto agrário bastante pretensioso,
não fosse o seu caráter exclusivista, que ignora a existência de um Brasil
mais amplo e diversificado.

Outros aspectos da proposta

Colocadas lado a lado, as principais proposições e recomendações feitas


pelo movimento sindical rural ilustram sua visão a respeito do problema
agrário.

A reforma agrária teria o poder de assegurar a democracia e a liberdade


política no país; a participação dos trabalhadores seria indispensável para o
sucesso da reforma; os programas de colonização desenvolvidos pelo
governo teriam de ser revistos e alguns extintos, por serem contrários à
reforma agrária; uma série de proibições deveria ser adotada para impedir a
formação ou expansão dos latifúndios. Outros pontos complementam a
relação: combate às monoculturas, principalmente a cana-de-açúcar e o
babaçu; estímulo à ocupação e defesa coletivas da terra; ensino obrigatório
de noções de re-

forma agrária nas escolas oficiais; mobilização dos trabalhadores do campo


e das cidades em favor da reforma; denuncia das fraudes e irregularidades
verificadas na execução da reforma; críticas severas aos projetos oficiais de
construção de barragens, de irrigação e outros, que estariam favorecendo o
latifúndio em detrimento dos trabalhadores; combate à violência no campo
etc.

Sem entrar no mérito das reivindicações, dois pontos merece^ ser


destacados.

O primeiro é a exigência feita de que tudo se realize pela ação


governamental, em cumprimento ao Estatuto da Terra e acatando as
resoluções do 4.° Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais. O segundo
ponto, presente em todas as resoluções, é o papel atribuído ao movimento
sindical o seu poder de comando e de representação, a sua função
reguladora de todos os procedimentos As contradições dessa duplicidade de
intervenção no processo ficam evidentes quando, por um lado, se exige do
governo a concessão de terras e de financiamentos para suprir todas as
necessidades das famílias até as primeiras colheitas, pois do contrário elas
não teriam como sobreviver, e, por outro lado, aconselham-se os
trabalhadores a invadir e ocupar quaisquer terras disponíveis, construindo
nelas moradias e tornando-as produtivas, para assegurar sua posse. Como os
trabalhadores vão obter recursos para sobreviver nas terras invadidas, uma
vez que os financiamentos governamentais são pedidos apenas para o caso
de terras legalmente concedidas, é uma questão que permanece sem
explicação.

Com base no exposto até aqui podem ser formuladas três conclusões sobre
o projeto de reforma agrária do movimento sindical.
A primeira conclusão é que a reforma agrária está colocada como um fim
em si mesmo, como o objetivo mais importante, ao qual devem subordinar-
se outros objetivos e interesses da nação como um todo e os dos
trabalhadores rurais em particular, como criaturas humanas. A reforma
agrária como meio para atingir outros fins mais altos só aparece vagamente
expressa, sem fundamentação, em reduzido número de proposições e
comentários. Especialmente a juventude trabalhadora, os filhos dos bóias-
frias, não foi considerada em nenhum momento.

A segunda conclusão é que o movimento sindical insiste no modelo de


sindicalismo corporativista, que se coloca como intermediário privilegiado
entre o Estado todo-poderoso, de um lado, e, de outro, a grande massa de
trabalhadores colocados sob a sua tutela.

A terceira conclusão é que o sindicalismo também encara o homem como


instrumento e procura utilizá-lo como meio para alcan-

çar determinados fins. Na formulação de seus objetivos, não é o homem,


como ser concreto, com suas necessidades, que ocupa a prioridade número
um.

Exemplo disso temos na estranha solidariedade que os trabalhadores rurais


encontram no movimento sindical das cidades. Bastante organizado e
burocratizado, ligado a entidades supra-sindicais e partidos políticos, este
movimento defende a reforma agrária, não tanto pelo bem-estar das famílias
que voltariam ao campo, mas principalmente para sobrar nas cidades “mais
empregos e melhores salários”, “mais espaço e menos sufoco”, como diz a
cartilha da reforma agrária da Abra-PT-CUT.

Segundo um dirigente sindical, o principal objetivo da reforma agrária é


social: proteger as famílias, tirando-as das cidades, onde imperam os vícios
e a marginalidade. O lazer proporcionado pela televisão graças à luz elétrica
no campo bastaria, nas suas palavras, para substituir necessidades que essas
famílias realizariam apenas nas cidades.

A faculdade que o homem tem de construir seu próprio destino é limitada


por muitos fatores, mas principalmente pela vontade de outros homens que
têm o poder de guiar uns, decidir por outros e influenciar muitos.

Os trabalhadores rurais já deram várias demonstrações de que possuem


consciência do que querem e do que podem conseguir em cada caso; têm
capacidade organizativa, solidariedade e disposição de luta pelas suas
reivindicações, podendo ser mais bem-sucedidos se não forem atrapalhados
pelas interferências de políticos, intelectuais, padres, sindicatos e outros,
que exploram suas lutas e sofrimentos com outros propósitos, que muitas
vezes nada tem a ver com seus verdadeiros interesses.

O próprio 4.° Congresso dos trabalhadores rurais veio confirmar essa ideia:
ele não foi promovido para resolver os problemas da massa trabalhadora do
campo.

Aquilo que se poderia esperar dele como projeto para o encaminhamento da


questão agrária e das suas repercussões no conjunto da economia e da
sociedade brasileira ficou para ser apresentado à Assembléia Nacional
Constituinte, em forma de proposta (recomendação n.° 56), “... a partir dos
pontos positivos do Estatuto da Terra e baseada nas resoluções do 4.°
Congresso ...”.

9. A SÍNTESE DO PENSAMENTO

REFORMISTA

Na linha de pensamento favorável à reforma agrária existem pelo menos,


três correntes que diferem quanto ao encaminhamento do problema: os
estudiosos e intelectuais, o governo e os movimentos sociais. Nesta última
se incluem certamente os trabalhadores do campo, os principais
interessados.

Os intelectuais, entre os quais se destacam escritores, professores,


advogados, sem prejuízo da presença de muitos deles em outras posições,
preconizam soluções não-estruturais. Quer dizer, o foco principal é
colocado nas relações entre empregadores e empregados, entre proprietários
e trabalhadores sem terra.
Como medida fundamental é recomendado o aperfeiçoamento dessas
relações, de modo que fique assegurada aos trabalhadores uma série de
direitos trabalhistas, melhor remuneração e condições de trabalho e de vida
mais dignas.

Neste caso são condenadas certas formas de exploração do trabalhador,


como o sistema de arrendamento, o uso de trabalhadores empreitados sem
vínculo de emprego e nenhuma garantia, o trabalho puramente sazonal, isto
é, na época de colheita, ou outras situações de trabalho temporário etc.

A falta de assistência aos trabalhadores rurais e suas condições miseráveis


de existência completam o quadro de motivos para os que repudiam a
extrema desigualdade entre os que trabalham e os que auferem os lucros da
produção.

Os estudiosos e intelectuais não comprometidos com os projetos de


repartição das terras entre milhões de trabalhadores, mas que também não
aprovam o atual estado de coisas, não apresentam qualquer outra solução
prática e definitiva; a não ser aqueles que defendem a abolição pura e
simples de toda e qualquer forma de propriedade privada dos meios de
produção, inclusive e principalmente a da terra.

A segunda corrente de pensamento, representada na política oficial do


governo, é a posição da classe social dominante, ou pelo menos da sua
parcela com maior poder decisório.

Com uma visão integral do sistema econômico em todas as suas


ramificações, da correlação de forças políticas dentro da sociedade e das
inter-relações internas e externas, mantém-se uma tradição brasileira de
quase dois séculos, em que as principais mudanças são implantadas pelas
forças conservadoras, no tempo e na medida das suas conveniências, seja
para impedir a consecução de reformas estra-nhas à sua vontade, seja para
aperfeiçoar alguma coisa em seu próprio benefício.

A intelligentsia da classe proprietária do capital (terras, fábricas etc.)


trabalha com perspectivas históricas muito previdentes. Veja-se o caso do
Estatuto da Terra, promulgado em 1964 pelo regime mais ditatorial da nossa
história. Talvez seja o modelo mais progressista já elaborado oficialmente,
mas não visava à aplicação imediata e no seu todo. O Estatuto da Terra foi
feito, previdentemente, para dotar a classe dominante dos instrumentos
legais, das diretrizes e de outros recursos teórico-ideológicos para agir com
presteza na hora e na medida das necessidades.

É por isso que o governo da “Nova República” tomou a dianteira na questão


agrária, defendendo a aplicação do Estatuto da Terra. Com essa disposição
o governo inibiu outras iniciativas, conquistou prestígio e ganhou tempo.
Em seguida anunciou um plano, bastante amplo, para ser executado em
quinze anos, com o qual iria ser operacionalizado, parcialmente, o Estatuto
da Terra. Depois de algumas delongas, por vários motivos, o plano foi
reduzido a objetivos muito mais modestos e com prazo de execução de
quatro anos.

Por necessidade de fazer estudos técnicos e levantamentos criteriosos,


decretos de utilidade e desapropriação, processos judiciais e outros recursos
protelatórios, a implantação do projeto está praticamente parada, enquanto
outras medidas vão absorvendo mão-de-obra, aumentando a produção,
minimizando as pressões sociais, e talvez se chegue ao fim dos quatro ou
dos quinze anos previstos para constatar que tudo o que mudou foi para
ficar como estava.

A terceira corrente de pensamento e de ação social reúne os reformistas de


várias tendências que, sob o argumento da justiça social e com a noção de
que a pequena e a média propriedades são mais produtivas do que a grande
propriedade, o latifúndio, pretendem uma reforma agrária baseada na
desapropriação de todas as grandes propriedades e a sua distribuição entre
os trabalhadores rurais.

Com a aplicação dessa medida, cerca de um milhão de grandes


propriedades seriam substituídas por aproximadamente dez milhões de
pequenas.

No que se refere ao argumento da justiça social, como fundamento dessa


proposta, há algumas incoerências que podem invalidá-lo. A primeira é que
não há condições de dar terras a todos os que nelas trabalham ou queiram
trabalhar, resultando esse tipo de reforma agrária no privilégio de uns em
detrimento de outros. A segunda incoerência é a de que substituir um
milhão e pouco de proprietários, cerca de 1% da população, por outros dez
milhões, cerca de 8% da população, continuaria sendo rigorosamente
injusto para com a maioria de 90%

da população, alijados do direito de acesso à propriedade da terra. Portanto,


o conceito de justiça social, nessas condições, é um argumento que falseia a
verdade, pois a única proporção realmente justa seria a de 100% da
população como donos da terra.

Quanto à noção de produtividade, não há relação direta entre esta e o


tamanho da propriedade agrícola. Ainda que na realidade brasileira a
ocorrência de grande número de casos parece confirmar essa ideia, são
outras as causas e não qualquer espécie de determinismo métrico.

Concluindo, as duas primeiras correntes de pensamento aqui analisadas, os


estudiosos e intelectuais e o governo, demonstram uma percepção muito
clara da importância e da necessidade da massa trabalhadora como força de
trabalho e instrumento de produção indispensável ao sistema capitalista de
propriedade e de produção, não só da agropecuária mas de todos os ramos
da economia. Por isso recusam a ideia de uma reforma agrária que, além de
expropriar as terras dos latifundiários, iria também expropriar a mão-de-
obra de todos os outros segmentos econômicos.

A terceira corrente, a dos movimentos sociais, que pretende fazer essas


desapropriações mas conservando o modelo capitalista de propriedade, não
explica de que modo vai gerir um sistema capitalista de produção sem uma
grande disponibilidade de mão-de-obra, uma vez que a distribuição de
terras como propriedades de muitos milhões deixaria o mercado de mão-de-
obra vazio.

Tentemos ver em seguida, nos argumentos contrários à reforma agrária, em


que medida são refutadas as pretensões reformistas.

10. OS ARGUMENTOS CONTRA A


REFORMA AGRÁRIA

Devido a um aparente erro técnico no decreto de desapropriação de duas


fazendas no Estado de São Paulo (Fazendas São Joaquim e Santa Fé), a
medida teve que ser suspensa imediatamente pelo Presidente Sarney, em
meados de 1986.

Em agosto do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu


liminar em favor dos proprietários de cinco fazendas no município de Cruz
Alta, Rio Grande do Sul, no total de 5 754 hectares, suspendendo os efeitos
dos decretos que declaravam essas propriedades de interesse social, para
fins de reforma agrária.

Devido a esse tipo de acontecimentos, acirraram-se as polêmicas, tornando


mais difíceis os entendimentos em torno de qualquer solução de consenso.

Os dirigentes de federações de trabalhadores rurais manifestaram dúvidas


quanto à disposição do governo em fazer realmente a reforma agrária. A
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) reclamou da lentidão
do governo na desapropriação das terras.

Os adversários da reforma agrária aproveitaram esses fatos para combatê-la.


Um dos seus argumentos, divulgado na imprensa diária, é o de que as
desapropriações causam de imediato a interrupção do trabalho nas
propriedades e que os longos e dispendiosos processos nos tribunais levam
ao desemprego centenas de trabalhadores e à deterioração do sistema
agrícola.

Para contornar as polêmicas e ganhar todo o tempo possível antes que


fossem tomadas decisões irreversíveis, um argumento muito usado pelos
opositores da reforma agrária, durante todo o ano de 1986, foi o da
necessidade de aguardar até que a Constituinte de 1987 definisse as
mudanças necessárias e as formas de implementá-las. Tal procedimento não
se aplicou apenas à questão agrária, mas em tudo que causasse incômodo
surgia o apelo para uma atitude de
expectativa na Constituinte. Maneira simpática de jogar os problemas para
o futuro e não resolver nada.

O custo financeiro de execução do modesto programa do governo tem sido


o motivo alegado por muitos para justificar a opinião contrária à reforma
agrária.

Uns, baseados em análises essencialmente econômicas, têm salientado a


impossibilidade de grande número de desapropriações, o que limitaria
muito o alcance do programa. Outros defendem a distribuição de terras aos
trabalhadores, mas acrescentam que é necessário conceder-lhes também os
financiamentos, a assistência técnica, transportes, obras públicas (estradas
etc.) e outros benefícios.

Nessas condições, os custos do programa de reforma agrária ficam tão


elevados que se tornam impraticáveis de imediato, mesmo porque a
população em geral, que teria que pagar esses custos sem ter recebido
nenhuma terra, não concordaria com o programa.

Propostas alternativas

Uma linha de raciocínio contrária à reforma agrária é a que mascara sua


posição por meio de propostas alternativas, evitando um confronto aberto
com as posições reformistas e atitudes que poderiam ser classificadas de
reacionárias.

Pelo menos dois fatos significativos explicam esse procedimento. Por um


lado, o quadro desolador de pobreza a que estão relegados os trabalhadores
exige medidas eficazes imediatas. Por outro, a propaganda governamental
em favor do seu programa de reforma agrária, embora lento e reduzido, não
deixa muito espaço político para manifestações contrárias.

Assim, por conveniência e evitando problemas de consciência, os


disfarçados opositores da reforma agrária se escudam em proposições
sabiamente vagas ou impraticáveis.
Uma das sugestões alternativas à reforma é a de estimular o aumento da
produtividade nas atuais propriedades. Consequência disso seria a maior
procura de mão-de-obra, a elevação dos salários, a melhoria do
abastecimento interno e das condições de vida.

Outra alternativa, que se tenta ressuscitar de um passado recente e que já


provou ser totalmente ineficaz, é a de tributar pesadamente os latifúndios
improdutivos. Tal medida, segundo seus defensores, obrigaria os
proprietários a investirem no uso total das terras, con-

tratando mais trabalhadores e aumentando a produção. Os que não


quisessem ou não pudessem atender a essa condição ver-se-iam compelidos,
pelo peso dos impostos, a vender suas terras a outros dispostos a explorá-las
melhor.

Ninguém explica de que maneira essas alternativas poderiam tornar-se


exequíveis. Também ninguém pergunta por que elas não despertam o menor
interesse.

Nesse jogo de empurra, nesse exercício democrático de falar muito e


resolver pouco vão se perpetuando as formas autoritárias de usar e abusar
do trabalho assalariado.

De qualquer forma o que interessa destacar é que também as sugestões


alternativas não levam em conta o homem como objetivo fundamental.

Quando muito tentam chegar ao bem-estar do ser hu-mano por vias


indiretas e com migalhas através da contratação de mais trabalhadores e da
elevação dos salários.

A pior de todas as hipóteses é a da tributação sobre as terras improdutivas,


na qual é reconhecido ao latifundiário que pagar impostos ao poder público
o direito de manter as suas terras improdutivas e a mão-de-obra
desempregada.

Muitos proprietários agrícolas justificam a improdutividade de suas terras


alegando que falta mão-de-obra. Serviços importantes da lavoura, como as
próprias colheitas, são prejudicados porque não conseguem contratar
trabalhadores “nem pagando mais”. Isso é verdade em grande número de
casos.

Os trabalhadores estão evitando, o quanto possível, trabalhar “na roça”.

Seus filhos, principalmente, preferem outras ocupações nas cidades, onde


vivem na periferia, em favelas, cortiços e, na melhor das hipóteses, em
conjuntos habitacionais.

O bóia-fria não pode contratar os seus serviços diretamente com os


empregadores, tendo de submeter-se à exploração do intermediário, o
“gato”, parasita da exploração humana, que funciona como empresário,
ganhando sem trabalhar, à custa do sacrifício alheio. Não tem garantia de
trabalho e de ganho continuado. Quando encontra serviço é transportado
precariamente em caminhões que frequentemente sofrem acidentes,
deixando nas estradas as cruzes de tantas desgraças. Por isso, quem pode
prefere ir para a cidade, onde o trabalho nas obras públicas, na construção
civil e outras atividades vão remediando a situação.

A opinião dos proprietários

Temos de considerar, ainda, a posição da UDR (União Democrática


Ruralista), especialmente constituída para defender os interesses dos
agricultores e pecuaristas, virtualmente ameaçados de desapropriação das
suas terras.

Já foi mencionada a manifestação de dirigentes da UDR a favor da reforma


agrária, mas contra a forma de implantação do projeto.

Em outro pronunciamento, publicado na imprensa, a UDR defendeu a


execução da reforma agrária com as terras devolutas, de propriedade do
governo. Pela primeira vez encontramos referência, embora parcial, ao
alcance do grande público, de quanto representam as terras devolutas.

O levantamento feito pela UDR em treze Estados e territórios brasileiros


indica a seguinte distribuição: Amazonas, 31 472 ha; Pará, 28 913 837 ha;
Rondônia, 17 373 416 ha; Roraima, 14 601 624 ha; Mato Grosso, 6 868 746

ha; Amapá, 5 462 560 ha; Goiás, 3 472 594 ha; Maranhão, 812 632 ha;
Mato Grosso do Sul, 215 828 ha; Paraná, 62 534 ha; Santa Catarina, 17 047
ha; Rio Grande do Sul, 10 958 ha; Acre, 2 869 883 ha.

Aqui há, em números redondos, 80 milhões de hectares, o que daria para o


assentamento de 2,3 milhões de famílias em lotes de 35 hectares cada um.

Tomando-se a totalidade das terras devolutas existentes no país, mais de três


milhões de famílias poderiam ser assentadas. Isso representa pelo menos o
dobro do que o governo pretende fazer em quatro anos.

Esses dados confirmam o fato de que o problema fundamental não é a


disponibilidade de terras; elas existem em abundância e não implicam
custos com desapropriação. Mas a reforma agrária ampla e massiva, como
desejam as lideranças populistas, não sai.

11. A CONSTITUIÇÃO E A REFORMA

AGRÁRIA

As tendências do capitalismo brasileiro na agricultura parecem estar


decididas pela empresa rural, como forma principal de organização do
capital e do trabalho. Se a empresa rural não é, ainda, a mais importante do
ponto de vista da extensão de terras ocupadas e do volume de produção
realizada, ela já é, entretanto, a mais avançada do ponto de vista tecnológico
e jurídico.

A linha mestra da economia agrícola tende a ser, cada vez mais, a empresa
rural mecanizada, eletrificada e articulada com outras empresas, em
sistemas fechados de financiamento, abastecimento, processamento e
industrialização ou comercialização da produção.

O Congresso Constituinte não poderia mudar o rumo dos acontecimentos,


mesmo porque ele foi eleito com uma esmagadora maioria de
representantes do sistema socioeconômico vigente. Na medida em que
algumas forças políticas pressionam o sistema, inclusive através de seus
representantes na Constituinte, em favor de uma reforma agrária que
acreditam popular e ampla, na verdade seus esforços contribuem para
impulsionar o carro-chefe do capitalismo, também ele interessado numa
reforma agrária que atenda aos seus próprios objetivos.

A opção pela empresa rural, de preferência ao latifúndio, evidencia-se na


estrutura jurídica proposta pelo anteprojeto de Constituição elaborado pela
Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, nomeada pelo Presidente
José Sarney, e cujo texto foi publicado em setembro de 1986.

Um dos motivos por que esse anteprojeto foi duramente criticado pelos
setores mais conservadores da sociedade é justamente por admitir a
possibilidade, embora remota, de desapropriação da empresa rural para fins
de reforma agrária.

O artigo 332 do anteprojeto de Constituição confere poderes à União para


desapropriar propriedades rurais mediante indenização
com títulos da dívida pública, resgatáveis em vinte anos em parcelas anuais.
O parágrafo terceiro desse artigo ressalva que a indenização com títulos
somente será feita quando se tratar de latifúndio.

Entretanto, grande parte das propriedades ainda chamadas de latifúndios já


têm personalidade jurídica de empresas, mesmo as que são pouco
desenvolvidas. Nessas condições, elas já estão integradas em um esquema
diferente, que corresponde ao modelo de apropriação e utilização da terra
como substituto do latifúndio.

Assim, o artigo 336 desse anteprojeto estabelece que serão definidos em lei
complementar os casos em que se permitirá a desapropriação de empresas
rurais mediante prévia indenização em dinheiro.

Portanto, ao mesmo tempo em que são propostas as facilidades para


extinguir o latifúndio são criados mecanismos de proteção à empresa rural,
que ficaria a salvo dos riscos de desapropriação e, nos casos em que isso
acontecesse, a prévia indenização em dinheiro evitaria maiores
inconvenientes para os empresários.

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O bóia-fria vive miseravelmente, recebendo por dia um sétimo do que o


fazendeiro paga ao “gato’’, o empresário da mão-de-obra. Esse problema é
antigo e nenhuma política agrícola ou legislação do trabalho parece
interessada em solucioná-lo. A empresa rural quer herdar a terra sem
passivos trabalhistas nem compromissos com os trabalhadores.

0s problemas políticos e os princípios legais

A liberalização do regime político, que se vem processando em substituição


ao autoritarismo militar e cujo ponto terminal ainda é desconhecido, teve
muitas causas, inclusive as pressões populares, mas tem só um beneficiário,
o modelo socioeconômico.

Os movimentos sociais desencadeados em 1978 no campo trabalhista e que


resultaram até na formação de partidos políticos e de organismos supra-
sindicais, como o PT, a CUT, a CGT etc.; a campanha pelas eleições diretas,
que resultou no governo de conciliação da “Nova Republica”; a legalização
generalizada de partidos políticos, que resultou na “Aliança Democrática”
de governo da minoria, apoiado pela maioria e praticamente sem oposição;
os planos econômicos, que cobram dos salários e das pequenas poupanças
populares os custos pela estabilização da economia, tudo isso obedece a um
direcionamento único, que leva ao aperfeiçoamento dos sistemas de
controle social e de domínio econômico.

As forças políticas liberadas têm sido muito úteis, inocentemente ou não,


porque desafogam algumas tensões e dão legitimidade a decisões contrárias
aos verdadeiros interesses nacionais e das massas trabalhadoras. Com uma
atuação desordenada, às vezes personalista ou grupista, às vezes
digladiando-se por questões minúsculas, incapazes de unirem esforços em
torno de projetos alternativos de desenvolvimento nacional em benefício
das camadas populares majoritárias, a presença dessas forças no cenário
político só tem servido para dar aparência de democracia a uma ditadura
amenizada. Nesse sentido elas nem merecem a designação de forças
políticas; melhor seria falar em fraquezas políticas do povo desunido e
enganado.

A liberdade que se tem agora de pertencer a qualquer partido político é


importante e necessária, mas não suficiente. A existência de dezenas de
partidos políticos, ao contrário de ser uma demonstração de vitalidade
política, talvez seja até negativo para a formação de uma sociedade civil
ampla e democrática.

Duas espécies de observações sobre a realidade brasileira induzem a essa


opinião.

A primeira observação é que, comprovadamente, essa liberdade de


militância partidária não é complementada pela verdadeira liberdade, aquela
que dá sentido real à vida, através da garantia e da certeza de contar com
um trabalho permanente, remuneração condigna, educação decente, respeito
pelos direitos fundamentais da pessoa

Humana e outras coisas, que dão ao homem a possibilidade de ser a causa


primeira e o objetivo maior de qualquer sistema político e econômico, ao
qual se possa acreditar um mínimo de legitimidade moral.

Contra o argumento de que a vivência política e partidária é o recurso e o


caminho para a conquista desses valores apresenta-se a segunda
observação, de que a multiplicidade dos agrupamentos partidários faz parte
da velha tática de dividir para governar. Motivada pela ambição do poder
pelo poder, a atual estrutura partidária, de caráter mais eleitoreiro do que
político, divide as consciências e enfraquece a vontade política da nação.
Nesse sentido, e considerando apenas esse aspecto, a liberdade partidária
funciona como chantagem político-ideológica, inibindo a formação e o
fortalecimento de partidos verdadeiramente representativos dos principais
segmentos da sociedade, que seriam talvez uns três ou quatro, e não vinte
ou trinta como agora.

As deficiências de organização política da sociedade se refletem no


estabelecimento de princípios legais que atendem só aos interesses do
sistema econômico existente de fato e que a cada dia mais se expande e
fortalece.

São ilustrativos a esse respeito os seguintes princípios constitucionais:

“harmonia entre as categorias sociais da produção”, “função social da


propriedade e da empresa”, e o mais importante deles, “todo o poder emana
do povo e em seu nome será exercido”.

O princípio constitucional da “harmonia entre as categorias sociais da


produção” realiza-se pela submissão de umas categorias, as trabalhadoras,
em relação a outras, as proprietárias.

De outra forma que não a submissão é muito difícil, se não impossível,


harmonizar categorias sociais distintas — mesmo se às vezes os seus
interesses se identificam —, pois são desiguais o poder de decidir e o
direito de se apropriar dos resultados da produção.

Essa harmonia, que sempre é conseguida, por bem ou à força, desempenha


o papel muito importante de manter a ordem social e assegurar a
consecução dos outros princípios constitucionais.

Considere-se o princípio que estabelece a “função social da propriedade e


da empresa”. Num primeiro momento ele assegura aos proprietários que
exercem o poder econômico e político o direito de disporem de todas as
outras propriedades, em nome do interesse social.

Tomando os seus próprios interesses como expressão e medida do bem


comum, os proprietários governantes, ou seus representantes

nomeados por eles ou eleitos pelo povo, procedem como donos das coisas e
das pessoas, decidindo sozinhos o que é bom para o país.

Afinal de contas as elites governantes procedem rigorosamente dentro da


lei, que lhes confere o status legal de legítimos representantes da vontade
nacional, conforme o princípio fundamental de que “todo o poder emana do
povo e em seu nome será exercido”.

Para concluir esta abordagem política do problema agrário lembremos o


que outros já disseram a respeito de um conhecido princípio legal: “todos
são iguais perante a lei, só que alguns são mais iguais”.

12. A QUESTÃO DAS PEQUENAS E


GRANDES PROPRIEDADES

Existe no Brasil uma tradição de crítica e de condenação ás pequenas e às


grandes propriedades. O minifúndio e o latifúndio são tratados como os
principais bandidos da economia agrícola. Não importa se o minifúndio é
aquela horta na periferia das grandes cidades, fornecendo verduras frescas
diariamente durante todo o ano, às vezes ao lado de flores, frutas, ovos,
mudas e sementes. Também não importa se o minifúndio é aquele sítio ou
chácara de lazer, como os que são mantidos pelos fazendeiros de fim de
semana, ou se é o ganha-pão de uma família de camponeses.

O critério de julgamento é puramente métrico. As propriedades muito


pequenas, de até cinco hectares, por exemplo aparecem nas estatísticas
como minifúndios e como tais são consideradas nocivas ou expressões da
pobreza de uns comparada à opulência de outros.

O erro de avaliação do que seja verdadeiramente a pequena propriedade é


levado às últimas consequências nas propostas de reforma agrária ampla,
que incluem os que têm pouca terra, ao lado dos que não têm nenhuma, no
rol dos beneficiados.

Nada é dito sobre as possíveis vantagens econômicas e sociais da pequena


propriedade; ela é previamente rejeitada sem mais considerações. Nem ao
menos são formuladas propostas de estimular a fusão de minifúndios
contíguos para exploração conjunta.

No extremo oposto situa-se a grande propriedade. Com mais de 300

hectares para alguns, ou mais de 500 para outros, recebe o rótulo de


latifúndio, sendo portanto considerada indesejável.

As propostas de reforma agrária se baseiam, principalmente, na


desapropriação e repartição dos latifúndios.

As razões para essa ojeriza pelas propriedades muito pequenas ou muito


grandes são bastante variadas e em geral não interessam para os propósitos
deste livro. Uma delas, no entanto, merece referência: é a noção de que a
propriedade média é mais produtiva.

.4 exploração racional da terra ou a sua produtividade não dependem do


ta- manho da propriedade e sim de muitos outros fatores. Por isso, o
abandono de um latifúndio ou sua utilização com fins especulativos
justificam a intervenção governamental, mas não necessariamente para
reparti-lo em grande número de pequenas unidades.

Sem nenhuma fundamentação, a não ser algumas comparações entre um ou


outro latifúndio inexplorado com algumas propriedades mé- dias
intensivamente cultivadas, essa noção vem bem ao gosto da con- cepção
burguesa de equilíbrio e de eficiência.

Sem querer ferir os preceitos da ordem e da virtude, que para a burguesia se


encontram sempre no meio-termo, devem-se conside- rar as possíveis
vantagens dos extremos.
A importância da pequena propriedade
A pequena propriedade, o minifúndio, pode desempenhar um papel muito
importante em determinado número de casos. Ao redor das cidades médias
e grandes, o abastecimento de produtos hortifrutigranjeiros pode representar
uma fonte de renda mais do que suficiente para cada família proprietária de
um lote de dois a cinco hectares. Além disso, um cinturão de terras
cultivadas e inalienáveis serviria para conter o crescimento exagerado das
cidades.

Ao longo das rodovias e às margens de açudes e represas seriam preferíveis


as pequenas propriedades, aproveitando a infraestrutura 61

existente e evitando a valorização especulativa das terras à custa de


dispendiosas obras públicas.

Também ao longo das fronteiras nacionais e mesmo das fronteiras agrícolas


é preferível uma grande quantidade de pequenas propriedades, para criar
uma densidade maior de povoamento, tanto por razões sociais como se
segurança.

De uma forma ou de outra, a pequena propriedade tem uma função


econômica e social muito importante, seja garantindo a subsistência de
muitas famílias, localizadas em regiões bem dotadas de infraestrutura , seja
contribuindo para o abastecimento interno dos gêneros de primeira
necessidade, seja ainda desafogando um pouco as pressões sociais da
miséria acumulada.
A importância da grande propriedade
Com relação à grande propriedade fica mais difícil formular soluções
alternativas sem incidir na ira dos reformistas apaixonados. Qualquer
propriedade

agrícola

improdutiva e

com

fins meramente

especulativos — seja ela pequena, média ou grande — contraria os


interesses do país e constitui afronta a pobreza da maioria da população.
Nesses casos justifica-se a desapropriação por interesse social,
independentemente do tamanho da propriedade e da existência ou não de
qualquer plano prévio de utilizá-la. Trata-se de um direito inquestionável da
nação imitir-se na posse do seu próprio território.

Com mais razão se exige que a grande propriedade corresponda à sua


função social mais importante, que é a de produzir os bens de consumo
necessários ao abastecimento interno e ao comércio exterior.

As relações internacionais de comércio não podem ser praticadas somente


com os excedentes eventuais e imprevisíveis do consumo interno, como se
vivêssemos no regime de trocas miúdas entre vizinhos, bem como as
mercadorias exportadas não são necessariamente apenas aquelas produzidas
em grandes propriedades. Também as produções médias e pequenas,
passando pelas mãos de vários atacadistas, se concentram em poder de uns
poucos, que decidem pela sua utilização segundo critérios de melhor
rentabilidade para eles.
Não é o caso de entrar aqui nos mecanismos de apropriação e concentração
da riqueza, que incluem tanto a propriedade do solo como a produção e a
sua comercialização interna e externa. O mais importante é que isso tem
muito pouco a ver com o tamanho das unidades de produção.

Portanto, o caminho mais acertado para cor-

rigir as desigualdades sociais não é o simples redimensionamento das


propriedades agrícolas, nem ao menos como parte de um processo mais
amplo.

A produção de alimentos em grande escala, tendo em vista a abundância de


suprimentos para uma população grande e que apresenta elevadas taxas
anuais de crescimento e sofre carências muito profundas, não pode ser
pensada em termos de milhões de pequenas unidades autônomas.

O pequeno produtor, além das limitações próprias da sua capacidade de


produzir, ainda se utiliza dos mesmos mecanismos de especulação dos
grandes produtores, aumentando ou diminuindo a oferta de mercadorias
segundo as conveniências de mercado.

Por tudo isso, a pulverização das grandes propriedades em alguns milhões


de lotes pequenos não é solução adequada para os problemas. Nem do
ponto de vista econômico, porque seria mais um retrocesso do que um
progresso no sistema de produção e de comercialização; nem do ponto de
vista social, porque beneficiaria uma parte minoritária da população à custa
de toda a sociedade; nem do ponto de vista político, porque não eliminaria
os privilégios inerentes à estrutura de classes que existe e continuaria
existindo.

O raminho mais acertado para as lutas e reivindicações da massa


trabalhadora é outro muito diferente desse em que ela está sendo conduzida
na questão da reforma agrária. Mas essa é outra questão.

Por ora basta deixar claras nossas opiniões em torno da questão da estrutura
fundiária e do sistema de produção agropecuária, que parecem mais
próximas da realidade.
Nesse sentido foram salientados aqui dois pontos da questão. No primeiro
ponto manifestamos opinião favorável à pequena propriedade, até ao nível
do minifúndio, em determinado número de casos e localizações geográficas.
No segundo ponto salientamos a preferência pela produção extensiva e
intensiva em grande escala.

Com relação à personalidade jurídica das propriedades não há dúvidas no


que concerne às pequenas, que devem ser particulares, familiares,
transmissíveis por herança, mas inalienáveis quando doadas pelo poder
público. No que se refere a unidades maiores a questão é mais complexa,
porque suscita posições apaixonadas favoráveis à desapropriação e à
repartição. Por enquanto é preferível considerar as alternativas que
favoreçam a produção planejada em larga escala, seja o latifúndio
individual, desde que plenamente utilizado, seja a empresa rural, de modelo
capitalista, que se está generalizando

No Brasil, seja a fazenda coletiva de cooperados, seja ainda um modelo


socialista de propriedade estatal.

Contrariando as opiniões de grandes segmentos da burguesia nacional e dos


seus caudatários, quem está sobrando é a propriedade média, que se bem
pensarmos é a que melhor desempenha um papel conservador e até
reacionário, tanto em termos económicos como políticos.

Não obstante, parece que as médias propriedades têm a preferência de todos


que tratam dos assuntos agrícolas, quer por serem, em geral, bastante
cultivadas, quer porque dos seus proprietários sai uma grande parte dos
quadros dirigentes da administração pública, do poder legislativo, das
organizações de classe etc. Os grandes latifundiários e empresários ficam
geralmente à sombra, porque não convém a eles e aos negócios exporem-se
diretamente ao julgamento da opinião pública. Também os pequenos
proprietários não servem para ocupar a vanguarda da classe; faltam-lhes
muitas condições, inclusive a credibilidade do próprio sistema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A burguesia nacional surgiu tardiamente no cenário do país e do mundo.


Demasiado débil para derrocar completamente as estruturas da velha
sociedade, ela teve de se contentar com as pequenas fatias que conseguiu
arrancar do sistema anterior. Por isso, jamais conseguiu completar-se como
classe hegemônica e impor um modelo próprio, se não revolucionário pelo
menos progressista o bastante para desenvolver todo o potencial da nação.

O reordenamento feito na cúpula da estrutura de classes, com base na


conciliação de interesses entre a velha sociedade e a nova classe social
emergente, travou muito cedo e muito embaixo todos os impulsos do
desenvolvimento brasileiro.

Dessa fusão conciliatória, entre o que era velho e o que deveria ser novo,
resultou um sistema socioeconômico extremamente conservador, dotado de
uma ideologia astutamente liberal, onde as teorias intelectualizadas de
liberdade, progresso, bem-estar etc. seguem caminhos paralelos com a
prática efetiva de procedimentos retrógrados, autoritários e ditatoriais em
todos os níveis de organização da vida econômica, política, social, cultural e
educacional do país.

Na formação desse sistema socioeconômico destacam-se: uma classe


dominante bastante minoritária, dona da melhor parte das terras, das
indústrias, dos bancos, do comércio e de outras fontes de renda e de poder;
o Estado representativo dessa classe dominante, dono também de terras,
indústrias, serviços públicos e de poderes discricionários para gerir o
sistema; as empresas e capitais multinacionais, que só se identificam com
os seus próprios objetivos de lucros e, quando lhes convêm, com o Estado e
a classe dirigente; a massa trabalhadora, em número até excedente às
necessidades e interesses do sistema, mas dividida em tantos
compartimentos (agricultura, pecuária, indústria, bancos, comércio etc.),
que os seus componentes vivem brigando entre si pelas migalhas da riqueza
gerada com o trabalho de todos e repartida entre poucos.

A ideologia do desenvolvimento capitalista no país hoje aceita e defendida


até pelos movimentos comunistas, sindical-trabalhistas, pela esquerda e
pela direita, só admite oposições entre eles pela partilha do poder.
De acordo com essa ideologia, a nação no seu todo e o homem como
expressão concreta da vida ainda são usados como meios e não encarados
como o fim último de toda ação política e econômica.

Compreendendo esse quadro fica mais fácil entender que não acontece a
reforma agrária “ampla e massiva” pretendida por ingênuos reformadores
sociais.
A massa trabalhadora da agricultura
A estrutura agrária, malgrado a sua grande importância e as distorções que
apresenta, é apenas uma entre outras estruturas sobre as quais assenta toda a
vida nacional, com suas virtudes e defeitos.

A massa trabalhadora do campo, apesar de numerosa e das precárias


condições de vida e de trabalho a que é submetida, constitui uma pequena
parte do total de trabalhadores e uma parte ainda menor da população
brasileira.

Os trabalhadores agrícolas, que somam vários milhões, não têm acesso à


propriedade da terra, porque as relações de produção existentes no campo
não lhes permitem acumular poupança — única maneira reconhecida como
válida

— para adquirir uma propriedade agrária. Pior do que isso, eles não têm
garantia de emprego, remuneração digna, assistência previdenciária, nem
quase nada do que necessitam para viver decentemente.

As condições de existência material e moral das famílias trabalhadoras na


agricultura são, em geral, miseráveis. Além da fome, também o
analfabetismo e as muitas formas de marginalidade como a mendicância, o
furto, a prostituição e as drogas assolam as populações indefesas.

No conceito público continua pesando sobre o trabalhador rural o velho


estigma de caipira preguiçoso e ignorante. Quando se fala das deficiências
da agricultura não falta a lembrança de que “ninguém mais quer trabalhar”.

A massa trabalhadora do campo é vítima de todas as iniquidades da


pobreza, das doenças e dos vícios e ainda leva a culpa de muitos males
existentes na economia e na sociedade.
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Da terra até a mesa do consumidor, os produtos agrícolas passam por
várias fases de transformação, ou são manipulados por especuladores que
elevam os preços muito acima daqueles pagos ao produtor e compatíveis
com o poder aquisitivo da maioria da população. Isso nada tem que ver
com o fato de se- rem produtos de grandes latifúndios ou de pequenos
sítios. O sistema em geral coloca os interesses de lucro acima da própria
sobrevivência das pessoas.

A necessidade de um projeto diversificado

Não restam dúvidas quanto à existência de erros e injustiças muito graves e


profundos na estrutura agrária e nas relações de produção no campo, devido
à excessiva concentração das propriedades agrícolas em poucas mãos e,
principalmente, devido ao uso antissocial das propriedades e dos frutos da
terra.

Também é preciso reconhecer que esse fenômeno é antigo. Ele tem a idade
do Brasil. Mas a feição do problema que interessa enfrentar e resolver é a
atual, essa que atinge concretamente, a cada dia e nas perspectivas de
existência futura, a população de hoje e as gerações vindouras.

Agora, porém, o problema agrário não pode ser encarado isoladamente,


desvinculado do conjunto dos problemas econômicos, onde a agricultura já
não é nem mesmo o segmento predominante, apesar do seu grande peso.

Até o início da década de vinte, bastariam algumas transformações mais ou


menos profundas no sistema agrário para imprimir rumos completamente
diferentes à organização económica, social e política. Até então, o Brasil era
um país eminentemente agrícola e extrativista. As estruturas sociais e
políticas não eram mais do que simples expresso e reflexo do modo como
se distribuíam

a propriedade fundiária e
a apropriação da

renda,

predominantemente originária da exploração do solo.

Já não é mais esse o caso, como querem fazer crer algumas campanhas de
reforma agrária. Hoje, o problema agrário tem o tamanho do Brasil em
extensão territorial e o tamanho de metade do mundo na complexidade das
relações capitalistas de propriedade, de produção, de trocas e
principalmente de controle e uso da força de trabalho existente em milhões
de seres humanos.

Tendo em vista que as relações capitalistas de produção não evoluíram o


bastante para absorver todo o potencial humano disponível a cada dia mais
gente vai ficando a margem do sistema central de produção e de
distribuição da riqueza.

Esse fenômeno é igual, na sua natureza, em todas as partes do mundo


variando de grau das nações mais ricas para as mais pobres.

No caso brasileiro, as relações de produção no campo são particularmente


atrasadas, muito mais do que nas cidades, onde também apresentam padrões
muito baixos.

Temos de reconhecer a necessidade de se realizarem mudanças


significativas nas relações de produção no campo. Só o fato de colocá-las
em pé de igualdade com as que existem nas cidades representaria um
progresso muito grande. Mesmo assim o Brasil continuaria sendo um país
típico do Terceiro Mundo, porque a sua economia industrial é, em grande
parte, mera subsidiária da indústria multinacional.

Coloca-se então a questão agrária como parte de um projeto mais amplo e


diversificado, de recuperação das perdas e dos atrasos acumulados ao longo
de muitos anos, de reordenamento da economia e das estruturas políticas e
sociais e, finalmente, de estabelecimento de metas e diretrizes de
desenvolvimento que melhor atendam aos interesses do país e às
necessidades de toda a população.

Num projeto nacional dessa natureza reserva-se um lugar destacado, e sob


vários aspectos prioritário, para o problema agrário; mas apenas enfrentá-lo
não garante a solução completa para lodos os problemas, uma vez que não é
causa exclusiva de todos eles.

Os projetos oficiais, patrocinados pelo governo, contemplam o setor


agrícola com várias medidas, que incluem a desapropriação de terras
improdutivas e o assentamento nelas de famílias trabalhadoras.

No entanto, os planos são bastante modestos, representando apenas alguns


ajustes necessários ao melhor funcionamento do sistema. As medidas mais
importantes são reservadas à expansão e fortalecimento do modelo
produtivo empresarial.

Portanto, a ação governamental revela-se perfeitamente coerente com o


sistema socioeconômico que lhe compete administrar.
As limitações de natureza política
A discussão dos problemas estruturais, incluindo o da estrutura agrária,
deveria ser conduzida pelos partidos políticos em primeiro lugar, mas
também com a participação de outras instituições (universidades, igrejas,
sindicatos). O

ponto de partida teria de ser a procura de soluções alternativas que


obtivessem o máximo possível de consenso. Poderia ser realizada uma
grande negociação coletiva, mais representativa ainda do que o próprio
Congresso Constituinte, como pré-condição para se elaborar uma carta
magna e os vários códigos (civil, penal, do trabalho etc.), estabelecendo os
princípios, conceitos, diretrizes e bases de todos os aspectos da vida
nacional, incluindo os conceitos de propriedade e uso da terra e tendo como
centro de interesse o homem, que deve ser o principal artífice e o maior
beneficiário de tudo.

Qualquer coisa nesse sentido poderia ter sido ao menos tentada quando o
Presidente Tancredo Neves, ao ser eleito, e depois o Presidente José Sarney,
ao ser empossado, propuseram a celebração de pactos e acordos. As
propostas foram sumariamente rejeitadas sem nem ao menos mobilizar-se e
ouvir-se o povo trabalhador.

Aconteceu que nessa altura os partidos, os grupos e as personalidades que


haviam participado com o povo na campanha de redemocratização do país
já estavam todos assentados comodamente no governo, já haviam deixado
de ser oposição e constituíam a nova situação de fato e de direito.

As massas trabalhadoras ficaram completamente órfãs de repente, sem


organizações políticas e sem lideranças autenticamente representativas e
ainda sem programas e objetivos próprios. Por isso elas

não avançaram na conquista de posições mais fortes na correlação de forças


políticas. Ao invés disso, refluíram para as posições defensivas de suas
reivindicações sindical-trabalhistas.
Uma vez perdido o momento histórico mais oportuno para a união de forças
da classe trabalhadora e a sua afirmação em posições mais vantajosas na
conjuntura política do país, ela teve de recomeçar tudo em condições muito
desfavoráveis e com poucas chances de intervir decisivamente nos
desdobramentos do processo político. Não é o caso de estender-se agora
numa análise detalhada desse problema, mas os seus pontos principais
devem ser registrados como sugestão para estudo e reflexão.

O primeiro ponto importante diz respeito à decisão de conduzir o país em


regime de transição, sem mudanças profundas e com a lenta e gradual
reformulação de leis e programas de governo.

O segundo ponto é o relativo à decisão de conceder poderes constituintes ao


Congresso eleito regularmente, conforme estava previsto no calendário
eleitoral, em lugar da Assembléia Nacional Constituinte soberana e
autônoma que a nação reclamava.

Segundo a linha ideológica previdente e cautelosa das camadas dirigentes, o


governo antecipou-se à própria eleição do Congresso e providenciou os
estudos e projetos constitucionais necessários e convenientes para a
continuidade do modelo socioeconômico vigente e para enfrentar com
vantagens os debates no Congresso Constituinte, mesmo contando com a
possibilidade de eleger a maioria dos congressistas.

Os trabalhadores, alijados de quaisquer posições influentes nos centros


decisórios do poder, desunidos e divididos em grupos e partidos
antagônicos, caminharam para as eleições em situação de total
inferioridade, tanto em organização e poder econômico como em identidade
de propósitos.

A composição do Congresso eleito reflete o predomínio da minoria. A


Constituição resultante não pode fugir muito do modelo consagrado, e a
legislação complementar, que regulamenta os textos constitucionais, não
pode diferir muito do texto original, a não ser para restringi-lo ainda mais,
como sempre acontece em inúmeros casos. Vejam-se como exemplos o
direito de greve, a equivalência entre a CLT (Consolidação das Leis do
Trabalho) e o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e outros,
sempre regulamentados ou decididos nos tribunais contra os interesses dos
trabalhadores.

Com relação ao problema agrário, alguns partidos políticos, a Igreja,


sindicatos e pensadores se empolgam e se movimentam, mas adotam em
geral duas posturas demasiado estritas e limitadas, baseadas em ideias
preconcebidas.

A primeira noção equivocada é a de supor que a estrutura agrária, devido a


seus grandes defeitos, seja a mãe de todos os males e a culpada maior por
todas as outras deficiências estruturais da sociedade brasileira.

A segunda noção equivocada, e decorrente da primeira, é a de supor que,


com a desapropriação de cerca de um milhão de latifúndios e sua repartição
entre cerca de dez milhões de famílias trabalhadoras, ficariam resolvidos
todos os problemas.

Com base numa percepção errônea da estrutura social, das causas


fundamentais dos problemas, das forças atuantes na sociedade e das
transformações que já se estão processando, os defensores da reforma
agrária estão preconizando uma solução irreal e impraticável.

SUGESTÕES DE LEITURA

MONTEIRO, Hamilton de Mattos. Nordeste insurgente; 1850-1890.

São Paulo, Brasiliense, 1981.

O Banditismo, o fanatismo religioso, a insurreição e outras formas de


conflito geradas pela exploração e pelo abandono das populações
nordestinas.

JOBIM, Leopoldo. Reforma agrária no Brasil-Colônia. São Paulo,


Brasiliense, 1983.
As idéias reformistas e as várias propostas para corrigir as deficiências do
sistema agrícola, durante o período colonial.

PRADO Jr., Caio. A questão agrária. São Paulo, Brasiliense, 1979.

Análise das relações de produção no campo. A distribuição da propriedade


fundiária e suas repercussões na vida econômica e social.

VEIGA, José Eli. O que é reforma agrária. São Paulo, Brasiliense, 1986.

Perspectivas da reforma agrária brasileira, em confronto com as reformas


processadas no México e na União Soviética.

SILVA, José Graziano. O que é questão agrária. São Paulo, Brasiliense,


1986.

O desenvolvimento da agricultura brasileira, as crises do sistema e as


reivindicações dos trabalhadores rurais.

ANAIS do 4.u Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais. Realizado


em Brasília, de 25 a 30 de maio de 1985.

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