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7.3. As consequências
A extensão no espaço
Primeira consequência do afluxo de novos habitantes: as cidades depressa se sentem
apertadas nos seus limites históricos, nas muralhas fortificadas herdadas da Idade
Médiaou do antigo regime. Depressa trataram de os dilatar, arrasando as muralhas,
expandindo-se à sua volta, absorvendo, uma após outra, as aldeias das cercanias. Assim
procedem todas as cidades nos meados do século, renunciando à protecção das muralhas
para se tornarem cidades abertas. O caso de Paris, que se entrincheira a partir de 1840
ao abrigo de uma linha contínua coberta por construções avançadas, opõe-se à evolução
geral das cidades europeias. Quanto às cidades da América, salvo algumas excepções
(cidade de Quebeque), não eram fortificadas, pelo que puderam desenvolver-se sem
terem obstáculos a transpor. As aglomerações desenvolvem-se sem plano, em círculos
concêntricos e auréolas sucessivas em terreno plano, ao longo de corredores naturais,
segundo as linhas de água, englobando as aldeias vizinhas, enchendo pouco a pouco o
espaço intersticial. Se o terreno é escasso, como em Manhattan, a cidade cresce em
altura, antes de explorar as profundezas, mergulhando no solo para aí escavar ou para
enterrar a rede de canalizações indispensáveis. O terreno não tarda a faltar, o que
provoca a subida dos preços. O primeiro crescimento urbano é contemporâneo da era
liberal: é portanto a economia de mercado que regula as transacções e determina o valor
a que se negoceiam os terrenos. A procura do lucro é a única lei, excluindo qualquer
consideração social, qualquer preocupação funcional: construção de prédios para
arrendamento, investimentos imobiliários, loteamento de terrenos.
Nestas condições, e na falta de regulamentação, as cidades crescem anarquicamente. Os
trabalhadores, que não têm meios para pagar as rendas elevadas dos melhores bairros,
são progressivamente empurrados para a periferia, na direcção dos subúrbios. As
cidades do antigo regime misturavam as classes e as actividades. A partir de agora a
diferença e a desigualdade das categorias sociais inscrevem-se também na topografia
das cidades: aos bairros finos, reservados à burguesia, opõem-se os bairros populares.
Assim, em todos os sectores, na habitação como no trabalho, aprofunda-se o divórcio
entre os ricos e os pobres, entre os empregadores e os empregados. No século XX
desenha-se uma reacção contra os malefícios do individualismo e da inexistência de
qualquer regra em matéria de construção e habitação: é um dos domínios em que a
intervenção do poder público é solicitada pela opinião pública e precipitada pelas
guerras. O Estado regulamentará a política dos arrendamentos, encorajará a construção
de imóveis de preço moderado, de rendas limitadas, favorecerá o acesso à propriedade.
Também os municípios, em particular os socialistas, terão uma política de habitação e
de construção, edificando grandes conjuntos habitacionais para arrendamento. A
iniciativa privada preocupar-se-á igualmente em alojar os seus empregados: as
companhias de caminho de ferro e as hulheiras construirão pequenas cidades.
As comunicações internas
À medida que os aglomerados se expandem, as distâncias aumentam e as relações
distendem-se. O passo do homem já não está à escala da cidade e começa a ser
substituído pela tracção animal, primeiro e pelos meios mecânicos, depois. Encurtando
as esperas, estes meios de comunicação permitem às cidades manter a conquista do
espaço circundante.
Paralelamente, torna-se necessário tornar o centro histórico herdado da Idade Média
permeável à circulação dos veículos: a obra de Haussmann, em Paris, é a este respeito
exemplar. Embora não esteja isenta de segundas intenções relativamente à manutenção
da ordem, ela obedece em primeiro lugar a preocupações de urbanização.
O abastecimento
O aguadeiro, personagem clássica, já não resolve as necessidades das grandes cidades.
Cria-se uma densa rede de canalizações e constroem-se aquedutos para ir buscar água a
grandes distâncias. O problema da água continua a ser hoje uma das ameaças que
pairam sobre o futuro das grandes cidades: ela começa a faltar com o aumento dos
consumos domésticos e industriais. Sobretudo, e aqui o problema é mais recente, a
qualidade da água é comprometida pela poluição que conspurca todos os rios.
O abastecimento alimentar das cidades também tomou proporções desmesuradas:
tornou-se necessário procurar cada vez mais longe quantidades cada vez mais
consideráveis.
Não é menos vital para as cidades desfazerem-se dos desperdícios: a recolha e
destruição do lixo tornaram-se tarefas de interesse geral que requerem serviços
numerosos e bem apetrechados. Não podemos deixar de referir o abastecimento em
força motriz, ou omitir os progressos que tornaram, sucessivamente, possíveis o gás e a
electricidade.
A ordem e a segurança
O fogo é uma ameaça permanente. O fenómeno não é específico do período
contemporâneo: as grandes cidades de outrora foram periodicamente devastadas por
incêndios. As cidades protegem-se pouco a pouco contra o fogo: construções de pedra
ou metal, alargamento das ruas, criação de serviços permanentes de bombeiros
profissionais.
As cidades, particularmente os portos, são também locais de eleição para as grandes
epidemias, mesmo no século XIX. Contudo, pouco a pouco, estas recuam e mais tarde
são evitadas pelo progresso da ciência, da higiene, da vacinação. As cidades atingirão
mesmo um grau de salubridade muitas vezes superior ao dos campos: a longevidade
aumenta. invertendo-se a relação que, anteriormente, beneficiava a população rural.
Os flagelos sociais também acompanham o crescimento das cidades. De facto, a miséria
e o pauperismo engendram a criminalidade, a delinquência, a prostituição. As cidades
em expansão são também cidades doentes. Depois, pouco a pouco, as administrações
restabelecem-se e corrigem a situação: os flagelos sociais recuam paulatinamente.
O tradicionalismo
O fenómeno nacional procede de uma segunda fonte: o «historicismo», que acentua a
singularidade dos destinos nacionais e propõe aos povos o regresso ao passado, a defesa
dos seus particularismos, a exaltação da sua especificidade.
Esta segunda corrente está ligada à redescoberta do passado, nomeadamente sob a
influência do romantismo: ao universalismo abstracto da revolução opõe as
particularidades concretas dos passados nacionais, o instinto, o sentimento e a
sensibilidade.
A história leva à redescoberta do passado. Remonta-se às tradições da Idade Média. Ao
mesmo tempo, filósofos e gramáticos empenham-se em reencontrar a língua original,
em depurá-la. Na Boémia, na Eslováquia, na região dos Eslavos do Sul, os filósofos
convencem os seus compatriotas de que podem falar sem vergonha a língua popular,
que não fica atrás da do ocupante. Obter o reconhecimento da própria língua na
administração, nos tribunais, no exército, nos meios de transporte, torna-se uma das
reivindicações de todos os partidos nacionalistas.
Quando o opressor pratica uma religião diferente, religião e nacionalismo confundem-
se. Assim se explica o que religiões universais, como o catolicismo ou o protestantismo,
se tornem o símbolo de singularidade nacional e a trincheira de resistência ao
dominador.
É assim que a revolução de 1830, que opõe a Bélgica católica aos Países Baixos
protestantes, é conduzida tanto pelos católicos contra uma monarquia Calvinista, como
pelos liberais contra uma dominação estrangeira. É também o significado da luta dos
cristãos dos Balcãs contra o Império Otomano, dos Eslavos ortodoxos contra a Áustria
ou a Hungria católicas, da Irlanda católica contra a Inglaterra protestante, da Polónia
católica contra a Rússia ortodoxa ou a Prússia luterana.
Se no Ocidente o nacionalismo pendia para a esquerda e apelava a uma sociedade
liberal ou democrática, no Leste inclina-se para a direita e tende a restaurar uma ordem
social e política de antigo regime. Este apoia-se na Igreja e os seus chefes provêm da
aristocracia fundiária, como sucede na Europa oriental, onde grandes proprietários
encabeçam o movimento nacional na Hungria, na Silésia, na Galícia, na Polónia. O seu
programa político não prevê transformações radicais, mas somente o retorno ao
passado, o restabelecimento da nacionalidade nos seus direitos históricos. O Estado
sonhado é o Estado tradicional e medieval, e não o Estado moderno dos séculos XVIII
ou XIX. Foi geralmente por aí que se iniciou, na Europa de Leste, o despertar do
sentimento nacional.
Voltamos a encontrar, uma vez mais a disparidade essencial entre duas Europas, uma
mais aberta às mudanças e voltada para o futuro, a outra mais fiel ao passado e que só
com desconfiança se empenha no presente.
A Reforma
A Reforma quebrou a unidade da cristandade e retalhou o mapa religioso da Europa
Ocidental do século XVI. Distinguem-se desde então três Europas religiosas, que
correspondem às três grandes confissões cristãs: No Leste, a Europa ortodoxa, com a
Rússia e a maior parte dos povos eslavos ou dos Balcãs: Sérvios, Búlgaros, Romenos,
Gregos. Em parte devido à ruptura religiosa, esta região da Europa viu-se separada do
resto do continente e, para vários países, o isolamento foi agravado pela conquista turca.
No Norte e Nordeste, uma Europa reformada, de que fazem parte a Escandinávia
luterana; as Ilhas Britânicas, onde a Inglaterra e a Escócia optaram por duas formas
diferentes de protestantismo; as Províncias Unidas; uma boa parte das Alemanhas, dos
cantões suíços e alguns núcleos na Polónia, na Hungria, em França. Uma Europa
católica, que cobre a Península Ibérica, a Itália, a maior parte da França, as províncias
meridionais dos antigos Países Baixos, certas regiões da Alemanha (Baviera,Renânia), a
Áustria e a Boémia, a Irlanda e a Polónia.
A Reforma teve ainda outra consequência, pois junta a diversidade das crenças à
fragmentação política e consolida-a: a escolha entre catolicismo e reforma fez-se por
iniciativa dos príncipes prevê-se que os súbditos sigam o soberano. A unidade religiosa
restabelece- se então no interior de cada unidade política e a coexistência de confissões
torna-se excepção. Visto que o fenómeno religioso é comum a todos os súbditos de um
mesmo Estado, torna-se um elemento constitutivo da consciência nacional. Nas nações
privadas de Estado, a fidelidade religiosa será o repositório da personalidade nacional, e
sabe-se o papel que a religião desempenhará, no século XIX, no despertar das
nacionalidades: na Bélgica, na Irlanda, na Polónia, nos Balcãs. O antagonismo entre as
confissões alimentará as resistências dos particularismos aos movimentos unificadores.
No entanto, a concordância entre a pertença política e a fé religiosa não é seguida em
todos os países: algumas minorias persistem em recusar o credo oficial. Os esforços dos
soberanos para a reduzir são geralmente vãos, pois a política revela-se impotente diante
da resistência da consciência individual.
10.2. A colonização
Se as relações entre a Europa e os outros continentes tomaram várias formas, as que se
teceram nos planos político, económico, intelectual e cultural tiveram como ponto
comum a desigualdade.
A desigualdade económica
As remunerações e os salários são, nas colónias, inferiores ao seu nível nas metrópoles.
Mesmo que isso não resulte de uma política deliberada, as populações das colónias
beneficiam apenas de uma parte reduzida do lucro obtido na exploração dos seus
recursos naturais. Com efeito, como estes povos não têm capitais, isso significa que eles
vêm das metrópoles e que os rendimentos são para elas encaminhados. Este movimento
de retorno pode tomar uma grande latitude: é aquilo a que, no caso da índia, se chama o
drain.
Esta desigualdade económica estende-se a territórios que não são colónias, como é o
caso da América Latina no século XIX. Depois da sua emancipação da Espanha ou de
Portugal, a maior parte dos países caem na dependência económica da Europa. Antes de
1914 foi a Europa ocidental que investiu na Argentina e no Brasil, e foi ela que obteve
os principais lucros das exploração dos seus recursos. A Rússia czarista também é,
economicamente, dependente dos capitais europeus investidos nas minas do Donetz, nas
fábricas metalúrgicas ou têxteis Sampetersburgo. São os capitalistas europeus decidem
dos investimentos e da redistribuição dos rendimentos.
Quando se trata de colónias propriamente ditas, a dependência e a desigualdade
económicas tomam um carácter mais acentuado, com o regime do pacto colonial,
segundo o qual as metrópoles dispõem do monopólio do mercado e do transporte.
Desigualdade cultural
Por fim, é necessário considerar a desigualdade cultural. É a Europa que transporta a sua
civilização, impõe os seus valores, o seu sistema de ensino. O recíproco não é válido,
pois a Europa nada toma das civilizações extra-europeias.
As iniciativas
No século XIX, a conquista colonial não se desenvolve segundo um plano. É antes
consequência de uma sucessão desordenada de iniciativas, ora individuais, ora
colectivas, que antecedem a intervenção dos Estados e os colocam perante o facto
consumado.
O balanço das missões em 1815 é comparável ao da colonização: quase completamente
negativo. Nada em África. O Japão fechou-se. A maior parte das ordens religiosas, entre
elas a Companhia de Jesus, foram dissolvidas no século XVIII. Não obstante, sob o
pontificado de Gregório XVI (1832-1846) a expansão missionária recebe um novo
impulso. Ressuscitam-se as antigas ordens e criam-se outras, pelas quais a opinião
pública católica começa a interessar-se. O protestantismo conhece uma evolução
comparável.
Mas entre missionários católicos e protestantes desencadeia-se uma verdadeira guerra
de missões na Oceânia entre 1830 e 1850. É então a ocasião para os Estados intervirem.
Assim, sejam católicos ou protestantes, os missionários, que não dissociaram ainda
claramente a evangelização da colonização, ocidentalizam e cristianizam
simultaneamente.
Os negociantes desempenham também um papel activo, mas menos importante. Para
certos países, contudo, a sua influência foi determinante: é o caso da Alemanha, pois
Bismarck não acredita na utilidade da expansão colonial e concentra a sua atenção na
Europa. Mas, no conjunto, pelo menos até 1880 ou 1890, os motivos de ordem
económica, comercial ou industrial desempenham um papel secundário: as potências
coloniais não investem nas colónias e não contam com elas para encontrarem saídas
para a sua mão-de-obra excedentária ou para os seus produtos industriais.
Os motivos
Se as considerações económicas não foram determinantes, que motivos estão na origem
das vocações coloniais individuais e no princípio da expansão das nações europeias? Os
mais decisivos são de ordem psicológica e política: considerações de amor-próprio, a
convicção de que a posse de um império é um sinal de grandeza, de que sem colónias
um país já não tem peso na balança das forças. Para um país vencido, como a França em
1871, é a ocasião de se poder vingar, de provar que a derrota não é irrecuperável.
Estas considerações de amor-próprio encontram uma justificação tangível, colhem
argumentos nos raciocínios políticos e estratégicos. Em muitos casos, os países só
ocuparam uma posição para impedirem outros de o fazerem. É o caso do protectorado
tunisino, onde a França se estabeleceu para impedir a Grã-Bretanha e a Itália de a
ultrapassarem. Há, além disso, um encadeamento das «tomadas de posse» para
assegurar a segurança dos territórios já ocupados: os Franceses estão na Argélia, pelo
que entram na Tunísia e em Marrocos para completarem o conjunto, numa lógica de
que, tal como as nações na Europa, também os impérios coloniais devem ter fronteiras
naturais. Assim, por avanços sucessivos, a colonização alastra e ligam-se as posições
umas às outras e, se são descontínuas, preenchem-se os intervalos.
Isto, por vezes, provoca colisões, pois os itinerários que devem ligar posições
descontínuas chocam-se, como sucede em África com os projectos franceses e
britânicos. Os Britânicos sonham ligar as suas possessões no Nordeste às do Sul por
caminho de ferro, sem nunca sair das possessões britânicas. Mas este projecto esbarra
no dos Franceses, que sonham, por sua vez, atravessar o continente do Atlântico ao mar
Vermelho: daí o incidente de Fachoda que, em 1898, por pouco não degenerou numa
guerra europeia.
A estas causas psicológicas, estratégicas, políticas, juntam-se causas morais, filosóficas
ou ideológicas. A Europa crê-se com uma civilização universal e que deve elevar pouco
a pouco os outros povos para o mesmo nível civilizacional.
10.5. A emigração
Ao lado da colonização e da penetração económica, a europeização exerceu-se de uma
maneira muito mais difusa, pela exportação de homens. Colónias de exploração mais do
que colónias de povoamento, a presença europeia reduz-se aos quadros, principalmente
militares, administrativos, técnicos, comerciais; no total, alguns milhões de indivíduos;
para toda a Índia, algumas centenas de milhares de britânicos.
Foi, portanto, para outros territórios que a Europa dirigiu a emigração que, no século
XIX, foi um dos grandes fenómenos demográficos da história do mundo. Este
movimento deve ser relacionado com o crescimento demográfico. Entre 1815 e 1914, a
população da Europa mais do que duplicou, em 1900 ultrapassa os 400 milhões.
A Europa está superpovoada no século XIX, pois a sua agricultura não está em
condições de alimentar mais bocas e, tendo em conta o desenvolvimento da sua
indústria, não pode oferecer mais trabalho. Deste modo, o grosso da emigração compõe-
se de camponeses sem terra, de operários sem trabalho, de burgueses arruinados. As
grandes vagas de emigração coincidem com as crises económicas que atingem a
Europa.
Contudo, alguns partiram por razões ideológicas. É uma emigração minoritária daqueles
que se expatriam devido às suas convicções religiosas, políticas e ideológicas. Se os
Irlandeses são tão numerosos é principalmente por causa da miséria e da fome
decorrentes da doença da batata, mas também porque os católicos estão sujeitos ao
domínio dos protestantes. Se os judeus são tão numerosos é para evitarem os pogroms
que põem a sua vida em perigo no império dos czares. A seguir ao malogro das
revoluções de 1848, uma vaga deixa a Alemanha, composta principalmente por pessoas
que tinham militado nos movimentos revolucionários e se recusam a aceitar a reacção
triunfante.
Mas estes motivos teriam sido insuficientes para desencadearem um tal movimento se
os factores técnicos não o tornasse possível: o século XIX abre uma brecha por onde a
circulação dos homens e as comunicações são fáceis, já que os governos não se opõem à
partida dessas massas miseráveis, que constituem um pesado encargo.
A partir de 1840 a emigração toma uma grande amplitude. É essencialmente a Europa
do Norte que nela participa, com a Grã-Bretanha e a Irlanda, depois da fome de 1846. A
partir de 1850 e até 1890, o contingente alemão não cessa de engrossar e, a partir de
1880, o centro de gravidade desloca-se para a Europa oriental e mediterrânica, a
Áustria-Hungria, a Rússia, a Itália, os Balcãs, o próprio império turco. São massas
consideráveis, cujo volume não pára de crescer até 1914. No total, cerca de 60 milhões
de europeus deixam o continente para irem estabelecer-se em territórios ultramarinos.
Estes europeus vão principalmente para as duas Américas. Nos Estados Unidos
entraram 32 milhões; o seu afluxo é, no século XIX, o factor essencial do crescimento
da população americana. Isto só deixou de ser assim quando o Congresso adoptou, em
1920, legislação restritiva. Cerca de 8 milhões de indivíduos, principalmente espanhóis,
italianos, alemães, dirigiram-se para a América do Sul. A Argentina é povoada por
italianos e espanhóis e nos estados do Sul do Brasil existem importantes colónias
alemãs.
Por toda a parte os Europeus fundaram sociedades semelhantes às do continente de
origem. Aquilo que se designa por novas Europas são outras tantas réplicas da
Inglaterra, da França, da Itália ou da Espanha. De facto, estes europeus, que deixam os
seus países sem ideia de voltarem, levam consigo o seu estilo de vida, as suas
instituições, os seus costumes, a sua religião e implantam-nos no lugar para onde vão.
Talvez por saírem da Europa para fugir ao despotismo e à desigualdade das condições,
fundam sociedades que assentam na liberdade e na igualdade. Assim, estas sociedades
assemelham-se às europeias, mas também se diferenciam delas: é este seu duplo
carácter, de semelhança e de originalidade, que torna interessante o estudo das novas
Europas.
Com o tempo, estas sociedades afrouxam os laços com as metrópoles. É o que explica a
evolução do império britânico, tendo o governo inglês a sensatez de aceitar este
afrouxamento progressivo dos laços: primeiro, com a atribuição do estatuto de domínio,
que comporta o autogoverno ou a autonomia; mais tarde, em 1931, com o estatuto de
Westminster, que reconhece a independência completa, a igualdade absoluta, a
soberania.
Nestas novas Europas captam-se os dois efeitos simultâneos e contrários. Por um lado,
o triunfo da civilização europeia, em que as sociedades imitam as suas instituições, os
seus valores, os seus princípios políticos. Mas, por outro lado, a dominação da Europa
provoca resistências, suscita invejas: é o prenúncio do recuo da Europa, já não como
civilização, mas como dominação, como potência política.
Consequências económicas
Foi a Europa que definiu a configuração do mundo, garantiu exploração dos recursos,
que ela própria tinha descoberto, assegurou a redistribuição dos produtos à escala do
Globo dos géneros alimentares, dos homens e dos capitais. São capitais e engenheiros
europeus que abrem os canais inter-oceânicos, desenham as redes ferroviárias, viárias e
telegráficas, montam os cabos submarinos. Não há, antes de 1914, relações bilaterais
independentes da Europa. As bolsas, os mercados, tudo está domiciliado na Europa
ocidental. E tudo se mantém assim até às vésperas da Primeira Guerra Mundial.
Consequências culturais
Mais difíceis de descrever, porque menos perceptíveis imediatamente, são as
consequências culturais que, levando em conta a descolonização, são as mais
duradouras. É possível resumir este aspecto numa fórmula: o mundo foi à escola da
Europa. Nem sempre de bom grado, mas não restam dúvidas de que todos os povos
tiveram a Europa como modelo, pelo menos temporariamente.
À semelhança da Europa, estes países dotam-se de constituições, muitas vezes simples
fachadas destinadas a dar à opinião pública uma impressão favorável, mas, mesmo
assim, é uma forma de europeização. Estas constituições instituem governos à ocidental
e formam-se partidos segundo o modelo inglês ou francês. O código civil francês serviu
de modelo a vários países. Outros adoptam a prática judicial anglo-saxónicas.
Um dos exemplos mais interessantes é a fundação na Índia do Partido do Congresso,
que se propõe formar uma elite indiana no respeito dos princípios do parlamentarismo
britânico. Este Partido, cuja formação foi encorajada pela administração britânica,
tornar-se-á, pouco a pouco, o porta-voz da aspiração dos Indianos à independência e é o
mesmo partido que, depois da independência, assegurará a condução da política indiana.
Nos países que não tinham língua nacional ou tinham várias, a língua do colonizador
torna-se a língua nacional. Deste modo o inglês, o francês, o espanhol, o português,
tornam-se falados no mundo inteiro. A elite anglo-indiana fez os seus estudos em
Inglaterra, obteve os seus graus universitários em Oxford ou em Cambridge, voltando
depois anglicizada à Índia. O mesmo se passa com as elites indochinesas ou norte-
africanas em relação à França. Através da evangelização, o Ocidente oferece as suas
religiões, que têm uma penetração muito desigual segundo as regiões e também segundo
a religião dominante antes da chegada dos missionários. A acção da Europa repercute-se
no plano religioso de outra forma: na distinção tradicional entre sociedade civil e
religiosa. Esta distinção implica uma progressiva secularização das sociedades, que
acabará mesmo numa laicização de uma parte das elites que se desligam das crenças
tradicionais.
Esta influência exerce-se em sentido único, quase sem contrapartida. Pouco ou nada há
a dizer sobre a asiatização ou a africanização da Europa, pois esta quase nada recebe,
salvo, a título de exotismo, mobiliário ou decoração: estampas japonesas, lacas ou
biombos da China, más-caras negras. O reconhecimento de outras civilizações, com o
seu próprio valor, é muito recente e fez-se ao mesmo tempo que a descolonização. Esta
ausência de reciprocidade alterou as relações entre a Europa e os outros continentes,
uma vez que a Europa considera a sua civilização como a única, impondo os seus
modos de vida e de pensamento, as suas estruturas de governo e de administração.