Disciplina: Teoria e metodologia da História: Modernidades e narrativas.
O POVO - JULES MICHELET
Na obra “O Povo”, lançada em 1846, o filósofo Jules Michelet coloca o camponês
como protagonista da história da França, já que em sua concepção, a terra (nesse caso, a França) pertence àqueles que persistem em seu cultivo, mesmo após a consolidação dos ideais modernos, que causaram a ruptura do amor do homem pela terra. Dessa forma, Michelet traz desde o amor do camponês pela terra, até seu “fim”, onde a falta de acesso causa a busca obsessiva dos trabalhadores pela mesma, e quando esse objetivo não é alcançado, acabam entrando em um sentimento constante de infelicidade. Inicialmente, Michelet ao mesmo tempo em que exalta o imenso amor do camponês francês pela terra, critica a sociedade inglesa, que com seus ideais capitalistas esquece o verdadeiro dono da terra, que é o camponês, para enaltecer somente o valor mercantilizado e os grandes proprietários de terras. Porém, simultaneamente que a modernidade tira do trabalhador do campo, ela também dá pequenas chances do mesmo se reerguer, como nos momentos de crise pós Revolução, em que a conjuntura social é desfeita devido à miséria causada pela recessão econômica. Assim, causando uma queda no preço das propriedades, momento oportuno para os camponeses investirem. Nesse período, onde as terras ficam sob cuidado dos trabalhadores, ocorre um impulso de fertilidade, ou seja, os camponeses sabem cultivar a terra melhor do que os donos anteriores, e é nesse momento, onde a economia é impulsionada pelo trabalho dos camponeses, que os antigos proprietários das terras aproveitam para retomar as terras dos trabalhadores rurais. Pois, do mesmo modo que a modernidade pode causar uma flexibilidade na estrutura social para os camponeses, essa flexibilidade ocorre também, e em maior proporção, para os grandes proprietários, que devido aos privilégios recebidos com a riqueza (dentre eles a influência sobre as autoridades) conseguem aquilo que querem com maior facilidade. Assim, Michelet faz uma crítica à injustiça dos grandes proprietários, que se uniram às autoridades para “falsear a história e ludibriar a justiça” (MICHELET, pg 32, 1846) ou seja, os grandes proprietários em conjunto dos homens da lei, que devido ao ciúme e ressentimento sentido dos pequenos proprietários, pelo fato de terem maior facilidade em manusear a terra, ignoravam a justiça e trabalhavam em conjunto para destruir a concorrência camponesa. A ideia principal, portanto, era fazer com que os camponeses não tivessem acesso a uma propriedade, mas sim, alcançar a modernidade no estilo da sociedade inglesa, e transformar esses trabalhadores em subordinados dos grandes proprietários em suas terras. Essa questão abre a crítica de Michelet à sociedade, que tira do povo a terra que tinha de ser dele por direito, já que o camponês é o detentor dos saberes da terra, é aquele que persistiu em seu cultivo mesmo com a modernidade avançando em ritmo acelerado, e também, é o que tornou a terra o que ela é. No entanto, a falta de direitos e dificuldade de acesso leva o camponês à uma obsessão pela terra, onde o que move sua vontade de adquiri-la não mais é seu amor e sim porque a vê como um passaporte para a liberdade, ou seja, para a liberdade e tranquilidade que só pode ser experimentada por aqueles que não precisam se preocupar com capital. Dessa forma, o trabalhador desesperado para mudar de vida, começa juntar todo dinheiro possível, com empréstimos de homens da lei abastados, trabalho exacerbado, ao mesmo tempo que carrega consigo a ideia de que tudo é possível se “correr atrás”, acaba entrando em um estado de melancolia constante, devido ao choque de realidade tido após não conseguir alcançar seu objetivo. Com isso, segundo Michelet, o camponês se isola, cria um ressentimento pela sociedade e principalmente por aqueles com grandes propriedades, e esquece de se aproximar dos únicos capazes de compreender o sentimento de ressentimento para com o mundo: os outros trabalhadores rurais. E nesse momento, onde a consciência de classe não se faz presente, o camponês já não se sente mais pertencente ao campo, e assim o abandona, deixando o caminho livre para o homem da lei, o grande proprietário, que não vê a terra como algo a ser respeitado, mas sim um recurso natural inesgotável existente para ser explorado.