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Natal: Deus quer ser amado e não temido

Ao falar de Deus, costumamos identificá-lo como o Todo Poderoso, o Onipotente, o Criador do


cosmos e o Senhor do céu e da terra. É óbvio que Deus é tudo isto e muito mais. E é exatamente
nesse Deus infinito que pode ser encontrada uma verdade tão chocante que foi muito pouco
assimilada pela fé dos cristãos. É uma verdade que ultrapassa em muito todas as nossas noções
sobre a onipotência de Deus, sobre o Deus todo-poderoso.

Na revelação do Novo Testamento, vem à tona um fato maravilhoso e ao mesmo tempo chocante:
em Jesus Cristo, Deus vai até o limite daquilo que é possível, para que as pessoas humanas, enfim
entendam que Ele, no seu ser mais íntimo, é humilde e modesto. Em Jesus Cristo Deus se revela
como muito mais interessado em ser conhecido como humilde e modesto, do que como Senhor
onisciente, Criador e Imperador onipotente do cosmos.

É essa verdade fundamental, aliás, que distingue essencialmente a nossa fé da fé professada pelas
inúmeras outras religiões existentes. Na maioria delas também se cultua um Deus que, de uma
forma ou de outra, se apresenta como poderoso e cheio de glória. Mas, é na religião cristã que esse
Deus se revela essencialmente na pequenez e na fragilidade de uma criança, no seu desamparo e na
sua necessidade de ser amado. É essa verdade fundamental sobre Deus que celebramos na festa de
Natal.

Descobrimos na festa de Natal o conteúdo mais comovente e, ao mesmo tempo, mais feliz de nossa
fé: descobrimos que diante de Deus não precisamos ter medo, porque Ele se aproxima de nós no
sorriso de uma criança; descobrimos, além disso, que Deus não se interessa em primeiro lugar pelo
poder e não faz questão alguma de ser venerado como poderoso.

O fato é que Deus, em Jesus Cristo se fez pequeno e se aniquilou (Fl 2, 5-8). Entregando-se a nós
como criança que suplica pelo nosso amor. Deus é assim e se revela assim! Torna-se criança para
compreendermos que, para ele, há apenas uma coisa que realmente conta: ser amado.

O fato de Deus ter-se revelado assim, deixando de lado todas as instâncias de prestígio, de “status”
e de poder, traz profundas consequências para o comportamento de todos aqueles que se declaram
discípulos e seguidores de Jesus. Como é que um discípulo e seguidor de Jesus poderia recorrer a
mecanismos de poder e de prestígio, seja na vida pública, seja na convivência social, seja na práxis
religiosa, se o próprio Deus não o faz? Ao assumir nossa condição humana não na figura de um
imperador poderoso, mas na forma de uma criança indefesa, Deus nos informa de uma maneira
indiscutível que ele não se interessa pelos mecanismos do poder.

Abdicando, porém, de todo poder, esse Deus assume um risco incalculável: Ele se entrega a nós, e
se põe em nossas mãos. Ele fica à nossa mercê, assim como qualquer criança pobre e sem defesa, e
a sua única proteção é a confiança de que as pessoas não abusarão dessa situação, porque o amam.
Tal confiança, porém, pode ser traída, e é também esse o risco que Deus assume. De fato essa
traição chegou ao seu cume naquele acontecimento chocante em que pessoas torturaram e mataram
o Deus encarnado no pelourinho da cruz.

Ninguém teria tido a ousadia de crucificar um Deus onipotente que se tivesse manifestado com
poder e glória. Um Deus assim seria venerado por todos, mas, ao mesmo tempo, seria temido por
todos. É exatamente esse medo que Deus não quer, porque o medo impede o amor e Deus quer ser
amado. Para que isso seja possível sem restrição alguma, ele não pode se revelar na glória de sua
onipotência, porque assim ele teria inspirado medo. Se ele realmente quer ser amado, deve abaixar-
se até um nível que possibilite esquecer o medo que todo poder inspira, e é exatamente isso o que
faz no evento de Natal.
Para que Deus possa ser amado e não temido, Deus escolhe para sua encarnação os humildes
caminhos da condição humana. Assim o acontecimento do Natal revela a todos que Deus não está
interessado em nos intimidar. Um bebê não intimida ninguém, muito menos ainda quando essa
criança não é filha de um pai poderoso, mas do carpinteiro José (seu pai adotivo) e de Maria, um
casal sem importância nenhuma aos olhos do mundo.

Deus não quer que o temamos, mas que o amemos! E é por causa desse seu desejo que ele se revela
a nós como criança indefesa que depende de nós e que implora o nosso amor. Ninguém pode ter
medo de um Deus que se apresenta na forma de uma criança, que só pode ter amparo em nossos
braços e em nossos corações e é exatamente isso que Deus deseja.

Na sua encarnação Deus se despoja de todo poder revelando-se indefeso à maneira de uma criança
e então pode também ser rejeitado: é possível jogá-lo no chão, pisá-lo e até matá-lo. A festa de
Natal também nos confronta com essa alternativa. Para além de todo romantismo e
sentimentalismo, e longe da indústria da propaganda que comercializou nossa festa, descobre-se
nessa criança na mangedoura um desafio sem igual: ou amar essa criança e abrir-lhe o coração ou se
fechar diante de suas súplicas por amor... Esse fechar-se pode chegar a ponto de jogá-la no chão,
pisá-la e finalmente matá-la.

É claro que jamais alguém que se declare cristão/ã pensaria em bater naquela criança que
veneramos na mangedoura e muito menos matá-la. Mas exatamente pelo fato de Deus ter se
revelado à humanidade na humildade de um ser indefeso, por não ter permanecido distante, oculto
no interior de seus céus e afastado de toda a miséria humana, ele se torna desafio permanente para
todos os seus seguidores, e o desafio é este: o Deus humilde não simplesmente assumiu a nossa
condição humana, mas ele se identifica com cada ser humano a ponto de chamar-nos seus
irmãos e suas irmãs: “sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim
mesmo o fizestes” (Mt 25,40).

À luz da identificação direta entre Jesus Cristo e as pessoas encontradas no dia a dia, o Natal se
torna um desafio para todos aqueles/as que o celebram: tudo aquilo que se faz às pessoas, seja o
bem , seja o mal, se faz à criança venerada no Natal. À medida em que os criatãos/ãs, assim como a
Igreja tomarem a sério esse fato, o cristianismo realmente se tornará fermento, fogo e sal da terra,
assim como aquela criança o tinha desejado.

À medida que o Natal readquirir seu sentido original, os cristãos/ãs começarão a transformar as
inúmeras situações e estruturas, nas quais seres humanos se encontram pisados, excluídos, jogados
no chão, desprezados e assassinados... Eles/elas agirão assim por estarem conscientes de que em
toda pessoa humana maltratada, a criança divina na mangedoura está sendo maltratada.

Textos para a oração:

Fl 2, 1-8: na sua encarnação esvaziou-se de todo poder... foi rejeitado e crucificado...

Mt 25,31-46: “a mim o fizestes”: verdade tantas vezes esquecida no decorrer da história.

Para contemplar: Lc 2,1-20: ausência total de poder: nem havia lugar para ele na hospedaria...
Nasce fora de lugar... Precisa de nossos cuidados e de nosso amor... Quem pode ter medo de um
bebê indefeso?

Mt 2,13-18: Os poderosos já o rejeitam... Herodes quer matá-lo...

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