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O tempo que rói – por Ricardo Coelhoi

Já na mitologia grega o tempo (Cronos) não era tão simpático assim com os seus
filhos, chegando a devorá-los logo ao nascerem, pois não queria que nenhum deles
reinasse em seu lugar. De lá para cá não mudou nada, afirmando sua força assoladora
sobre a vida curta e inquietante dos mortais.
Nas palavras de Machado de Assis, o tempo é um rato roedor das coisas. De
devorador humano na mitologia grega passa a roedor de coisas na literatura do poeta
carioca. O princípio é o mesmo: ninguém se sustenta diante dele. O sábio Salomão já
dizia: Lembra-te do teu criador nos dias da tu mocidade, antes que venham os maus
dias, e cheguem os anos dirá: não tenho neles contentamento (Eclesiastes 12.1).
O tempo é capaz de tornar o útil em inútil. Quebra os moedores da boca. Torna
a vista cansada. O corpo enfadonho. A velhice entediante. O tempo, já dizia Raul
Pompeia, é ocasião passageira dos fatos. E nele a gente passa. Passa e não volta mais. É
nele que tudo acontece. Nenhum mortal é capaz de vencê-lo, de adiantá-lo ou atrasá-
lo. Ele em quem faz as coisas acontecerem.
Nietsche dizia que a vida vai ficando mais dura perto do topo, quando o tempo
vai mostrando sua força. Tudo fica difícil. Os objetos, assim como os corpos, entram no
estado de entropia dominante – tudo com o passar dos dias, com o passar dos tempos
– do tempo. O tempo ninguém vence. Ele rói tudo. É um rato roedor. Roedor de vigor
físico, de memória boa, de sonhos e esperanças. Roedor de nós! Continua nos
devorando, assim como na mitologia.

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Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins

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