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TÓPICOS SOBRE AUDITORIA E PRIVATIZAÇÕES

1. SOCIEDADE, SISTEMA DE ECONOMIA, IDEOLOGIAS, EVOLUÇÃO, CICLOS:


PRIVATIZAÇÕES
As sociedades organizam-se, de acordo com conceções que vão evoluindo, havendo sempre
diferentes opiniões sobre como “governar” (teia) a “cidade” (polis) (polis+teia→política). Os seus
sistemas políticos definem a organização do Estado e as funções e a dimensão deste.
Tal depende do grau de evolução, da cultura, das necessidades e das ideologias dominantes em
cada época, atendendo à envolvente, nomeadamente a tecnológica. Tal evolução faz-se por
ciclos, muitas vezes acumulando tensões que provocam ruturas (revoluções). No entanto, há
sempre setor público e setor privado.
Desejavelmente conviriam evoluções com geração de largo consenso em cada
sociedade/momento histórico sobre a sua organização política e económica (de
mercado/centralizada) da sociedade, atendendo a que se trata de questões estruturais e não
meramente conjunturais.
Quando há reformulações no conceito do Estado e este detém meios/entidades que se entende
não deverem continuar nas suas mãos, surgem as privatizações.
Ou seja, estas serão a alienação, total ou parcial, definitiva ou temporária (concessões), por parte
do Estado (ou entidades do setor público) da propriedade (total ou parcial) ou da gestão de bens,
direitos ou entidades.
O seu contrário será a estatização (também dita nacionalização, ainda que no rigor dos rigores,
não seja a mesma coisa: por exemplo no Portugal de 1975, as ditas nacionalizações não
passaram de estatizações, pois o Estado não se apropriou das aplicações em Portugal do capital
estrangeiro, o que foi particularmente nítido na Banca: Crédit Lyonnais, BL&SA. Já a Bolívia
nacionalizou o negócio do petróleo, em 1937, o qual estava nas mãos da americana Standard Oil,
tal como veio a fazer o México, em 1938, o Irão, em 1953 - revertida, após revolução - e, também,
Nasser, em 1956, com o canal do Suez, Cuba, 1959, após a revolução castrista, etc.).

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2. BREVISSÍMO RECORDATÓRIO HISTÓRICO
As ideias são tão velhas como o tempo.
Encontramos casos de privatizações na Antiguidade (Grécia, Roma).
A própria Bíblia nos testemunha a prática do Império Romano de privatizar a coleta dos impostos;
fazia-se por arrematação em leilão, publicani eram os arrematadores ganhadores do leilão. Levi/S.
Mateus e Zaqueu/S. Matias eram publicanos antes de se converterem e de serem apóstolos
(enviados) de Jesus Cristo.
Também em Portugal e por largos tempos, a cobrança dos impostos foi leiloada e, entre os
arrematadores, figuraram muitos judeus. Lembre-se que o “ministro das Finanças” de D. Afonso
Henriques foi Yahia Ben Yahia, grão-rabino. Um frade queixou-se por escrito a D. Afonso V por
estar a “cristandade submetida á jurisdição judaica”. Tal ajudou a criar um clima anti-semita, o
qual culminou com o dramático episódio da Matança da Páscoa de 1506, ocorrido em Lisboa,
junto ao Convento de S. Domingos e instigado pelos seus frades.
Mas em termos ideológicos e com base no taoísmo e no seu princípio de Wu Wei (nada fazer), as
primeiras privatizações conhecidas são as da China, no tempo da dinastia Han (206 a.C. – 220
A.D.). E se mais tarde a dinastia Song (960-1279) centralizou, a dinastia Ming (1368-1644) voltou
a fazer privatizações (inspiradas por Quiu Jun: 1420-1495).
Na Inglaterra fizeram-se privatizações das terras comuns entre 1760 e 1820, coincidindo com o
início da Revolução Industrial.
Também nos finais do século XVIII, em França e em Espanha, o Estado procedeu à privatização
de bens, nomeadamente os que tinham sido da Igreja.
As privatizações, em vários setores, a que, na Alemanha, o governo nazi procedeu, em meados
dos anos 30 do Século XX, cunharam a palavra privatization, então neologismo inventado pela
revista inglesa The Economist.
Em Portugal e para além das arrematações e concessões ligadas aos descobrimentos e em
particular ao comércio das Índias, recorde-se, em tempos mais recentes a desamortização dos
bens da Igreja (preparada por Mouzinho da Silveira e promulgada em 1834 por Joaquim António
de Aguiar, o Mata-Frades), tal como tinha havido com o Marquês de Pombal a apropriação dos
bens dos Jesuítas) e consequente venda dos “Bens Nacionaes”, começada logo em 1833 por
Silva Carvalho, com a Casa das Rainhas e que se veio a estender até 1869, pois, por um lado, o
Estado não tinha dinheiro e dele muito necessitava para pagar empréstimos, comendas e outos
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encargos e, por outro, queria-se criar uma base social de apoio ao regime liberal (“não se
consolidam revoluções politicas sem serem acompanhadas de alterações profundas no estado
social … o mais importante é a divisão e a distribuição da propriedade territorial”, Silva Carvalho).
Assim cresceu a burguesia e assim se fizeram grandes fortunas.
Na República assiste-se à nacionalização dos bens de algumas dioceses.
Já nossas contemporâneas foram as privatizações começadas em 1989 por Miguel Cadilhe e
Cavaco Silva, com a 1ª fase da UNICER e continuadas em força e, depois, por ciclos, a ritmos
vários, até à EDP, REN e BPN, nos nossos dias (2012).
Voltando ao nível internacional, refira-se a privatização da British Telecom, em 1984, a dos
correios japoneses (um conglomerado!), começada em 2007 e as da Rússia, na transformação da
economia centralizada da ex-URSS em economia de mercado, começada em 1998 e ainda em
curso.
As excentricidades dos bilionários russos são conhecidas (clubes de futebol, enormes e luxuosos
iates, etc., etc.) e são de fazer inveja ao que resta das casas reais europeias ou aos bilionários
americanos.

3. FORMAS E MODELOS DE PRIVATIZAÇÃO

As formas e os modelos de privatização devem ser, logo à partida, concebidos tendo em vista os
objetivos (e neste avulta o interesse nacional) e de forma a não serem enviesados, ou seja, não
devem ser desenhados de forma a distorcer a seleção dos candidatos, favorecendo alguns
destes, quer sejam publica ou secretamente conhecidos.

Na sua própria conceção deve incluir-se as respetivas accountability e audibility, pelo que, logo aí,
deve envolver quem vai superintender à respetiva auditoria (em sentido lato): a suprema
instituição de auditoria, que é, no caso português, o Tribunal de Contas.

Assim, devem definir-se e, na maior extensão possível, quantificarem-se os objetivos. Isto muito
para além do valor. E se os objetivos forem – como normalmente o serão – múltiplos, deve definir-
se o peso de cada um, ou seja, fazer scoring, tal como em outras atividades, nomeadamente no
crédito ou em concursos públicos.

Entre as formas e modelos de privatização podem-se contar:

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- A concessão (ab initio ou renovação), a venda parcial (por exemplo, do direito de
superfície), a venda total;

- A venda em mercado organizado de ações;

- A venda de ações/quotas por blocos ou por fases;

- Concursos públicos/leilões;

- Distribuição de vouchers para serem usados em privatizações (usado sobretudo na


transição das economias centralizadas para a criação de mercado).

4. OBJETIVOS DA PRIVATIZAÇÃO

Em primeiro lugar a privatização e os seus objetivos devem ser definidos por quem
constitucionalmente tem esse poder, o qual deverá fazê-lo com toda a clareza e transparência,
quer na legislação de apoio, quer nos demais documentos do concurso, nomeadamente no
caderno de encargos.

Há que bem definir o que vai ser privatizado, descrevendo os seus limites e evitando questões
nebulosas ou contingentes (ou, se tal não for possível, assumindo-as claramente).

Deve-se estar certo do que se vai vender, desde a titularidade até potenciais litígios.

Como em qualquer compra e venda, o comprador terá direito (a priori ou à posteriori) a proceder a
uma due diligence; se encontrar algo fora do enunciado e da conformidade, poderá reclamar e, se
lhe for dada razão, as condições da venda serão alteradas. E se fossem estas as definidas
inicialmente, não poderia o comprador ser outro?

Os objetivos e o seu peso (já falámos de scoring) são importantes, pois o comprador vai ser
definido em função do seu cumprimento (imediato ou futuro).

Normalmente os objetivos são vários, muitas vezes complexos e até contraditórios. Não se
sabendo à partida o que conterão as propostas dos candidatos e sendo certo que haverá
escrutínio público (nomeadamente político e da comunicação social), as eventuais querelas serão
minimizadas se forem explicados os princípios com base nos quais se irá decidir.

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Muitas vezes há urgência na privatização por motivos políticos, financeiros ou contabilísticos
(cumprimento do deficit, por exemplo); porém, e como soe dizer-se “depressa e bem, há pouco
quem” … .

Listemos, um pouco ao acaso, objetivos possíveis, os quais podem ser cumulativos:

- Valor da venda;

- Forma de pagamento;

- Garantias de pagamento diferidos ou de cumprimento de objetivos;

- Contribuição futura para o P.I.B.;

- Contribuições futuras para as exportações ou para a diminuição das importações ou para


assegurar o abastecimento do mercado (auto-suficiência; questões estratégicas;…);

- Manutenção de postos de trabalho ou a sua criação futura;

- Contribuição para o desenvolvimento regional;

- Garantir o consumo de determinados níveis de inputs;

- Garantir a produção e escoamento de determinados níveis de outputs;

- Garantir determinados níveis mínimos de atividade;

- Financiamento da entidade a privatizar ou do país;

- Assunção de passivos ou outras responsabilidades, atuais ou contingentes (reformas do


pessoal, por exemplo);

- Investimentos futuros/complementares;

- Transferência de tecnologia (aquisição de know-how para o País) e investimentos, por


vezes vultosos, relacionados (telecomunicações, automóveis elétricos, por exemplo);

- Formação/desenvolvimento de clusters;

- Melhoria da produtividade;

- Melhoria da competitividade do País face á globalização;

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- Preservação de valores culturais (materiais ou imateriais: marcas, edifícios, processos,
matrizes ou artefactos, padrões, …);

- Obrigação de manter a propriedade (se sim, inviabilizar formas indiretas de o fazer);

- Definir requisitos especiais que o comprador deve satisfazer (transferência de Know-how,


nacionalidade, sede, centro de decisão, instalações na região ou no território nacional, …;
respeitar leis nacionais e comunitárias);

- Obrigações quanto ao corporate governance e eventual obrigação de incluir entre os


membros dos órgãos sociais de representantes do Estado, de outras entidades ou dos
trabalhadores;

- Obrigação (ou não) de manter a entidade (ou o Grupo que encabeça) tal como está ou de
a reestruturar; fusões e cisões permitidas? Limitações a eventual desmembramento;

- Garantias em como os objetivos são atingidos e as contrapartidas entregues; penalizações


por cada incumprimento (não transferência imediata de propriedade, garantias bancárias,
penhoras, seguros, …);

- Nível de impostos futuros ou benefícios fiscais (se sim, condicionados a quê?);

- Comportamentos ambientais a assegurar;

- Controlos a manter: Sobre quê? Como? Por quem? Conselho de stakeholders?

Como referimos a propósito da auditibility e sendo a auditoria, em boa parte, a confrontação entre
a prática e as normas, a quantificação dos objetivos é altamente desejável, pois torna a avaliação
imparcial e permite a construção de listagens de indicadores de cumprimento.

5. O QUE PRIVATIZAR? QUANDO?

Como em qualquer processo de venda, é necessário determinar com precisão o que se põe à
venda.

Se está em causa uma empresa, não nos devemos esquecer que estas estão em constante devir.
Assim há contínuas variações no seu património, favoráveis ou desfavoráveis.

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A partir do início do processo de privatização não deverão ser tomadas decisões estratégicas que
possam alterar o que se propõe vender.

E o que se propõe vender deverá ser definido com a maior exatidão possível. Tudo? Uma parte?
Por fases?

Se estiver em questão um Grupo, é todo o Grupo? Haverá ativos ou passivos a retirar e tratar
separadamente? E o pessoal? (Exemplo: caso BPN).

Se a entidade a privatizar for uma empresa dominante no seu setor (máxime monopolista), há que
previamente melhorar/fixar a envolvente, nomeadamente o enquadramento regulatório desse
setor. É suposto o Estado ser uma pessoa de bem que não altera as regras de jogo, nem vende
gato por lebre. Se quebrar este pressuposto essencial, afugentará os investidores –
especialmente os internacionais – por um longo tempo, levando ao fracasso a continuidade de um
plano de privatizações.

A ocasião para privatizar também deverá ser ponderada, pois o cumprimento dos objetivos
depende da disponibilidade de haver candidatos interessados e de qualidade, dispondo dos
conhecimentos, meios e demais recursos necessários. Uma avaliação prévia (consultores /
bancos de investimento, road-shows, …) será conveniente para despertar e avaliar o interesse e
até para definir as condições.

A forma e o tempo das contrapartidas deverão ser pensadas e previamente definidas. Que
contrapartidas são admissíveis? Que prazos? Como está o mercado dos potenciais interessados
em termos de recursos disponíveis?

6. OUTROS CUIDADOS PRÉVIOS


Dependendo do seu vulto e complexidade, haverá um conjunto de peritos/conselheiros a contratar
para a operação: juristas, banqueiros, avaliadores, auditores, agências de comunicação,
marketeers,…
Também aqui deve haver o cuidado da auditability da sua contratação.
Exige-se conhecimento, competência, ética, honestidade, recursos, sigilo profissional. Convirá
aqui lembrar o aforismo da mulher de César…

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A própria forma de remuneração não deve encorajar qualquer hipótese de enviesar a sua atuação
(bem certo que a ética deveria ser suficiente, mas …). Por exemplo, remunerar os avaliadores
com um complemento variável acima de um preço base pode conduzir a fixar este por baixo.
Em princípio (mas dependendo da dimensão e importância do que for para privatizar e do público
e evidente conhecimento anterior do seu valor, se acaso for o caso) convirá fazer uma avaliação
prévia da entidade/ bem/ direito a privatizar, para se estabelecerem bitolas para o valor da
privatização. Este trabalho detetará as fragilidades e dificuldades eventuais; permitirá ainda uma
perceção do que os potenciais candidatos irão fazer e os problemas que irão enfrentar e
esclarecimentos que irão pedir. Determinará para um cenário provável – ainda que possa vir a ser
alterado após a privatização – expresso num plano a médio prazo, os indicadores principais
(EBITDA, Cash-flow, CAPEX, …). O valor, porém, é sempre algo subjetivo, dependerá do
interesse dos candidatos e este estará relacionado com as respetivas estratégias (o que é muito
importante para um, pode não ter importância para outro).
A postura dos órgãos sociais e dos quadros da entidade (se for o caso) a privatizar é muito
importante e daí importante será o seu envolvimento. Há aqui princípios conflituantes. Desde já a
questão do inside trading e, estando no meio, natural é que conheçam e tenham relações com
potenciais interessados. E, naturalmente, todas as demais questões éticas e deontológicas. Têm
que conciliar a transparência, a preservação de segredos do negócio da entidade e a equidade no
tratamento dos candidatos que se disponham a apresentar propostas (por exemplo, há que
equacionar se os esclarecimentos solicitados por um, não devem ser divulgados a todos, ou até,
tornados públicos, se não houver sérias restrições a tal procedimento).
Mais difícil ainda será se a entidade a privatizar não for inteiramente pública (ou pelo menos
maioritariamente). Aí haverá que ponderar os legítimos interesses dos demais sócios, até porque
os gestores e quadros têm deveres de lealdade para com a entidade como um todo e, logo, para
com todos os seus sócios e não apenas com os do sector público.
Bom será que, à partida, a entidade vendedora ou a entidade a privatizar (dependendo da
detenção a 100% e de quem contratar os serviços dos peritos) lembrem por escrito o conjunto de
princípios éticos e deontológicos e a necessidade de transparência, por um lado, e de sigilo por
outro.
Excluídos devem estar – à partida e em absoluto – quaisquer benefícios ou vantagens, diretos ou
indiretos dos funcionários públicos, órgãos sociais ou quadros (estes e aqueles, salvo,
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naturalmente, num quadro de MBO). Idêntico compromisso devem assumir os peritos (salvo,
naturalmente, os seus honorários, de acordo com o previamente negociado).
Também devem ficar antecipadamente prevenidos outros eventuais conflitos de interesses, com a
inibição/regulamentação da intervenção futura de interventores (políticos, peritos, gestores,
quadros, etc.) do lado público, de forma direta ou indireta, no futuro privado da entidade a
privatizar, incluindo nas empresas/Grupos que vierem a dela deter partes relevantes.
Adiantar-se-á já, aqui – ainda que o comentário seja mais dirigido à fase de auditoria propriamente
dita – que num manual americano de auditoria se diz que o auditor deve saber mais do negócio
que o próprio empresário! À primeira vista parece excessivo, mas é uma pura verdade se vista por
um prisma global: o auditor (aqui extensivo aos peritos fundamentais na preparação da
privatização) tem que perceber a economia, a lógica, o modelo do negócio, em si e nos seus inter-
relacionamentos: é o conhecimento do negócio. Sem tal entender não estará com capacidade de
avaliar a situação, planear as suas operações e ajuizar os seus resultados.

E lembre-se o aforismo de que “ o diabo está nos detalhes.”.

Haverá que definir à partida quem pode concorrer e, também, que informações divulgar logo
de inicio.
Quanto ao primeiro ponto, qual é o público-alvo, em função dos objetivos? Se se requer meios e
know-how, o público será um; se o objetivo é maximizar o encaixe será outro, v.g., uma
privatização para o grande público. Há que definir os requisitos e assegurar que os candidatos os
cumprirão. Foquemos, para exemplo, as privatizações para o grande público. Qualquer um pode
concorrer? Terá que ser nacional ou residente? (Se sim, prever e evitar nacionais encapotados ou
constituídos ou utilizados expressamente para o efeito). Ser titular de conta bancária? Só 1
concorrente por conta ou todos os titulares? Os menores podem concorrer? Os trabalhadores e os
quadros da privatização terão um regime favorecido ou uma inibição de concorrer (em nome da
ética e para evitar inside trading)? Pessoas coletivas (e os Grupos e as entidades que
especialmente se formarem para o efeito)? Haverá limites gerais ou para uma das categorias?
Haverá lotes com condições (nomeadamente, preços) diferenciados por categorias? A
transmissão de títulos será inteiramente livre ou haverá restrições?
No caso de privatizações para o grande público em que se pretenda/prometa cotações em
determinado mercado regulamentado e atendendo a que este tem condições legais e

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regulamentares para a admissão à cotação, haverá que assegurar previamente que se satisfazem
as condições em tempo útil, bem como, também previamente e em tempo útil, assegurar o registo
e depósito dos títulos e as consequentes alterações de titularidade e seu eventual controlo, se
houver condicionantes.
Quanto à questão das informações a divulgar, será de organizar a privatização por fases? Numa
primeira, divulgar apenas a informação adequada e suficiente para elaborar uma short list e
apenas com estes candidatos aprofundar a negociação?
Finalmente, à entidade vendedora caberá promover um bom marketing do evento, assegurando
atingir de forma adequada os potenciais interessados (publicações oficiais, prospetos, internet,
anúncios, comunicação social, road-shows, …), com forma de comunicação adequada a cada
público-alvo.
Resumindo: dependendo do caso, mas frequentemente, uma privatização é uma operação
complexa, de grande exigência e avultado montante, pelo que a sua preparação exige um
planeamento atempado, detalhado e adequado.

7. APLICAÇÃO DOS RECURSOS OBTIDOS


Há também que decidir e à partida o destino dos fundos a encaixar, sejam imediatos ou diferidos.
Em princípio e numa venda, a contrapartida é para o vendedor.
Pode, porém, não ser o caso, nomeadamente quando a entidade a privatizar carecer de fundos,
quer para recompor o seu capital próprio, quer para diminuir os seus passivos (e frequentemente
por ambas as razões). Se assim for, a prévia avaliação tal terá em conta (pois faz variar o preço),
bem como serão planeados os aspetos jurídicos, contabilísticos e fiscais.
Se a entidade vendedora não for o Estado, ele próprio, ter-se-á de definir se ela fica com o
encaixe (e que aplicações lhe dará: novos investimentos?) ou se há que planear a entrega ao
Estado, com as subjacentes questões jurídicas, financeiras, contabilísticas e fiscais.
Encaixando o Estado o dinheiro, deverá estar o mesmo consignado? À redução da dívida? A um
determinado investimento? Para uma determinada despesa? Ou entra como receita geral do
Estado?

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8. A AUDITORIA DA PRIVATIZAÇÃO
Relembrando o já dito, a entidade que irá proceder à auditoria – normalmente a suprema
instituição de auditoria do País, sendo, em Portugal, o Tribunal de Contas – deve, no uso das
normais competências de que habitualmente dispõe, nomeadamente do direito/dever de
aconselhamento, promover, mal vislumbre a criação/alteração de legislação sobre privatizações
ou de algum caso concreto, as suas influências e o seu marketing político e institucional, no
sentido de que, logo no início, haja preocupações e se estabeleça um espírito de accountability e
de audibility, designadamente e como referido, especificando e quantificando o mais possível e
introduzindo pistas de auditoria, quer na legislação, quer nos regulamentos, concursos, prospetos,
etc.
Deve, ainda, assegurar que fique garantido o acesso a toda a documentação relevante, mesmo
finda a privatização (altura em que, eventualmente, a entidade já é inteiramente privada e pode já
não ser legitimo – no caso normal – a um estranho – como passará a ser o Estado – ter normal
acesso a tal documentação, salvo por motivos fiscais ou sob mandato judicial, o que se pretende
que não seja o caso).
Para o pré-planeamento da auditoria deverão ser levadas em conta as experiências anteriores, as
dúvidas havidas e as questões que foram levantadas pelos políticos ou pela comunicação social.
Ainda que possam ter sido apenas rumores que não tenham sido provados, são indícios de
preocupações levantadas pela sociedade.
Outra forma de fazer o prévio levantamento de questões e sendo certo que a matéria está sujeita
a supervisão pública, será comunicar – mal esteja à vista a possibilidade de uma concreta
privatização – de forma institucional mas discreta, com as partes relevantes (nomeadamente
políticos, incluindo a oposição, trabalhadores, associações do setor, …) para recolher
preocupações específicas, as quais terão de ser passadas ao crivo e, para as relevantes, construir
os programas adequados. Tal terá vantagens: mostrará independência, preocupação e atempado
planeamento e permitirá desarmar futuras acusações quer ao auditor, quer à matéria auditada.
Devem, ainda, considerar-se as normas/orientações de organizações internacionais (INTOSAI,
OCDE, …), os casos relacionados, nacionais ou estrangeiros, livros e outras publicações sobre a
matéria, estudos sobre o setor e a atividade da entidade a privatizar, etc.

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E o melhor será planear e executar a auditoria por fases, cada qual correspondendo a uma fase
da privatização e começar a sua execução tão cedo quanto possível, mesmo antes da fase estar
encerrada, tendo, porém, a preocupação de não perturbar a boa execução da privatização.
Para comparação, chama-se aqui à colação uma vulgar auditoria financeira às contas de uma
companhia. Não é feita a auditoria intercalar – o ínterim – a meio do próprio exercício e enquanto
ele decorre? E a auditoria final não corre, parcialmente, ao mesmo tempo que o encerramento de
contas da sociedade auditada, uma vez que os prazos são curtos e a opinião de auditoria tem
ainda que ser discutida e, finalmente, tornada pública, poucos dias depois do próprio Relatório e
demais documentos da prestação de contas?
E a propósito de discutir, também nas privatizações, como em qualquer auditoria, há o dever de
ouvir a outra parte, de fazer o contraditório.
A auditoria tem outras tradições, mas, no fundo, tem as mesmas obrigações e preocupações que
o sistema judicial.
Neste, o Ministério Público/polícia/autor do processo faz as suas investigações, apresenta os seus
argumentos e produz as suas provas.
A parte contrária contra-alega e o juiz ajuíza e produz a sentença.
Não tão perfeitamente, a tradição em auditoria é a de ser o auditor a fazer o exame (inspeções,
observações, perguntas, confirmações, análises, comparações, verificações) e a coligir as
evidências, tirar as suas conclusões prévias e discuti-las com as pessoas/órgãos relevantes (ou
seja, fazer o contraditório) para, finalmente, fazer o seu juízo final, consubstanciado no(s)
relatório(s) de auditoria (em Portugal, a Certificação Legal das Contas e, eventualmente, o
Relatório em forma longa).
Na auditoria ao sector público, não é por acaso que a suprema instituição de auditoria tem, em
Portugal, tal como em França, Bélgica, Espanha, Itália, … o nome de tribunal: Tribunal de Contas,
Cour des Comptes, Tribunal de Cuentas, Corte dei Conti, …
Na preparação do plano de auditoria deve ter-se como objetivo, em primeiro lugar, demonstrar
que a operação foi feita com total transparência (atendendo à envolvente política e à supervisão
pública, encabeçada pelo Parlamento), mas, também a relação custo/benefício, pois a própria
auditoria está sujeita à supervisão pública e, se a auditoria tem que assegurar que, na
privatização, foi feita a melhor afetação dos recursos públicos e o melhor aproveitamento dos

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ativos públicos em função dos objetivos a curto e a longo prazo, o melhor será ser, ela própria, um
bom exemplo.
Deve exigir que cada decisor, ao seu nível e dentro dos seus poderes, seja competente, diligente,
leal, criterioso, ordenado e ponderador de todos os interesses públicos em jogo, ajuizando em
função do tempo e das circunstâncias da sua intervenção em cada procedimento; deverá a
entidade auditora dar o exemplo, utilizando tais critérios para consigo própria.
Para cada uma das fases, deverá começar-se por uma auditoria de compliance, fazendo listagem
(check-list) de todas as obrigações constitucionais, legais ou regulamentares a cumprir, divididas
por agente cumpridor e, naturalmente, dar-lhe a devida execução.
Por cada uma das fases deverá pensar-se nos conhecimentos e competências requeridos para a
equipa que a vai auditar. Os elementos da equipa vão ter que compreender os procedimentos e
documentos e interagir com peritos de vários matérias, quiçá altamente especializados, devendo
ser capazes de com eles dialogar.
No caso de não dispor de um corpo de técnicos à altura em todas as valências necessárias, a
entidade auditora deve encarar a hipótese de contratar peritos ou, atempadamente, fazer a
formação do pessoal necessário para cumprir a missão.
Por cada uma das fases, deverá, ainda, considerar o respetivo risco inerente, ponderar os
eventuais riscos e definir a respetiva estratégia de auditoria, a qual pode ser diferente de fase
para fase.
A estratégia de auditoria será diferente conforme a realidade a privatizar. Por exemplo, se se tratar
de uma pequena empresa com fraco volume de negócios e um só estabelecimento – já aconteceu
em Portugal – muitas das considerações expendidas nem se aplicam, por falta de materialidade. A
estratégia a aplicar a uma privatização para o grande público será necessariamente diferente de
um concurso limitado e por convite.
E o que há a auditar?
Todo o processo. Desde a verificação de que cada decisão foi tomada pelo órgão certo com as
legais competências, passando pelas opções sobre o método e tempo da privatização, a escolha
dos peritos, suas ações e remuneração, a selecção dos membros do júri e suas adequabilidade e
competências, a operação de privatização propriamente dita e, em especial, as candidaturas, seu
tratamento e seleção (short-list, negociação e seleção final), até aos controlos subsequentes para
assegurar o cumprimento do que acordado foi, e, depois, a contabilização da operação e
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correspondente especialização dos exercícios (em contabilidade pública ou nacional ou
empresarial, conforme o caso) (no período e nos períodos subsequentes, incluindo eventuais
contingências).
Na elaboração do relatório(s) final(ais) de auditoria, deverá ponderar-se se o melhor não será
fazê-lo, também, por fases, sem prejuízo de um final e de síntese. Quanto mais rápido e próximo
do acontecimento for(em) o(s) relatório(s) e a sua divulgação, menos provável serão rumores
infundados que alimentam polémicas.
E a propósito de rumores. Naturalmente que os auditores envolvidos deverão estar sujeitos ao
dever de sigilo, não devendo ocorrer fugas de informação que originem rumores. Os relatórios
finais – depois de recolhida toda a evidência e feito o contraditório – esses sim, deverão ter a
divulgação que for habitual e estiver estipulada pela Lei ou pelos usos e costumes.
Finalmente e acabado o processo de auditoria, deverá fazer-se a sua própria avaliação, dela
recolhendo ensinamentos que permitam melhorar ações futuras semelhantes.

MARÇO/2013

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BIBLIOGRAFIA:

- INTOSAI – International Organization of Supreme Audit Institutions: ISSAI 5210 – Guidelines


on Best Practice for the Audit of Privatisations, 1998
- OCDE – Privatising State – Owned Enterprises, 2003
- OCDE – Privatisation in the 21st Century: Summary of Recent Experiences, 2010
- OCDE – Internal Control and Internal Audit – Ensuring Public Sector Integrity and
Accountability, 2011
- Encyclopaedia of Fraud, Joseph T. Wells, 3ª edição, 2007
- IFAC – Public Sector Conceptual Framework, ED 1, 2 e 3, Janeiro/2013
- PEFA-Public Financial Management: Performance Measurement Framework, 2011 (para
scoring)

Parte Histórica

- A venda dos bens nacionais (1834-43): uma primeira abordagem, Luís Espinha da Silveira,
Análise Social, Vol. XVI (61-62), 1980, pág. 87-110
- Jornal “EXPRESSO”, suplemento “Revista”, 2013.02.02

Webreferences:

- http://en.wikipedia.org:
• Privatization
• Nationalization
• Privatization in Russia

- http://es.wikipedia.org
 Desamortizacion española

- http://fr.wikipedia.org
 Bien national
 Desamortissement en Espagne

- http://pt.wikipedia.org:
• Nacionalização
15/16
JUNHO/2013
CARLOS FERRAZ
https://orcid.org/my-orcid?orcid=0000-0002-0721-9203

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