tituto Rio Branco e a diplomacia brasileira. Um estudo de carreira e socialização. Rio de Janeiro: Editora FGV. 136pp.
Tatiana Oliveira Siciliano
Doutoranda PPGAS/MN/UFRJ
Como o próprio título sugere, O Instituto
Rio Branco e a diplomacia brasileira. Um estudo de carreira e socialização trata, principalmente, do processo de intera- ção social e aprendizado na carreira de diplomata. Os indivíduos não se tornam diplomatas quando aprovados no concor- rido Concurso de Admissão do Instituto Rio Branco, mas aprendem a sê-lo através de um longo processo de socialização, transformação subjetiva e formação profissional, no qual a vivência com pro- fessores e colegas nos primeiros anos de Instituto Rio Branco – no Programa de Formação e Aperfeiçoamento, Primeira Fase – é capital. Este livro é o resultado, quase na ín- tegra, da dissertação de mestrado, então intitulada Jovens colegas: um estudo de carreira e socialização no Instituto Rio Branco, defendida em 1999, no Progra- ma de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ, por Cristina Patriota de Moura, hoje professora do Departamento de Antropo- logia da Universidade de Brasília (UnB). O “mundo da diplomacia” entrelaça-se à trajetória da autora, ela própria neta, filha e sobrinha de diplomatas, e o seu interesse em “observar o familiar” com um olhar antropológico acompanha-a desde sua monografia de graduação em antropologia na UnB, cujo foco eram as identidades dos filhos de diplomatas. Quando da defesa de Cristina de Moura, a carreira diplomática quase não era investigada academicamente. Há dez anos, época em que realizou seu trabalho 600 RESENHAS
de campo, o único estudo disponível, acepção de Gilberto Velho, um “campo de
com o qual inclusive a autora dialogou possibilidades” no qual os atores constan- bastante, era a dissertação de mestrado temente (re)elaboram seus “projetos” a de Zairo Borges Cheibub, Diplomacia, partir de suas experiências e da interação diplomatas e política externa: aspectos com seus “pares” e “superiores”. do processo de institucionalização no A pesquisa de campo, ampla e minu- Itamaraty, defendida em 1984, no IU- ciosa, merece destaque especialmente PERJ. Atualmente, como a própria autora por se tratar de uma dissertação de mes- assinala na “Apresentação” do livro, o trado, cujo tempo para a sua consecução quadro vem mudando: cresceu tanto o é exíguo. A fim de entender e descrever interesse pela diplomacia como profissão não só o processo de incorporação do como o número de pesquisas acadêmicas ethos profissional, mas também a “visão sobre o tema. de mundo” compartilhada pelos jovens Outra contribuição do trabalho de diplomatas, a autora recorreu a diversas Cristina Moura é o modo como ela se fontes de informação, tanto primárias beneficia da leitura dos “estudos sobre quanto secundárias. Fez um ano de carreira” de autores ligados à Escola de observação participante dentro do Insti- Chicago – como Everett Hughes, Erving tuto Rio Branco, em Brasília, assistindo Goffman e Howard Becker, as principais a várias aulas no PROFA-I junto com os referências teóricas sobre o assunto – em diplomatas recém-aprovados na casa, sua abordagem sobre a construção da conversou informalmente nos corredores carreira dos jovens diplomatas pesqui- com alunos e professores, além de assistir sados. A carreira é aqui entendida como a cerimônias oficiais e formais como a do um ciclo, um fluxo, um processo, no qual “Dia do Diplomata”. ator, instituição e acontecimentos en- A sua observação não se restringiu, contram-se inevitavelmente imbricados. todavia, ao Itamaraty, pois freqüentou Assim, tornar-se um diplomata não é uma também um curso, no Rio de Janeiro, “conformação” aos preceitos do Instituto que preparava candidatos para o con- Rio Branco (IRBr), mas uma permanente curso, visando investigar este “momento “negociação da realidade”, nos termos traumático” de que tanto os diplomatas de Schutz. Naturalmente, a diplomacia falavam. Além de conversas informais, apresenta peculiaridades, é um “campo” usou entrevistas estruturadas e aplicou formal e hierárquico com fortes caracte- 39 questionários junto aos alunos do IRBr rísticas institucionalizantes, cujo acesso com o intuito de levantar as principais à profissão e o seu controle se dão, via tendências e os perfis das turmas. Os burocracia do Estado nacional, através do arquivos e os currículos formais do IRBr, Ministério das Relações Exteriores. assim como os trabalhos acadêmicos dis- Para exercer a profissão é preciso, poníveis, constituíram as demais fontes primeiro, ser aprovado no concurso do de informações consultadas. IRBr; a partir de então, o “neófito” pas- Por perceber a carreira do diplomata sará a constar do quadro funcional do como uma trajetória, a autora mostra que Ministério das Relações Exteriores como ela se inicia antes da admissão do can- terceiro secretário, o primeiro estágio didato ao IRBr. O “projeto” de tornar-se das seis fases que estruturam a carreira diplomata começa a se configurar, para diplomática. Como observa a autora, tal alguns, ainda no Ensino Fundamental ou situação deve ser percebida não como um Médio; para outros, um pouco mais tarde, sistema predeterminado, mas como, na ou após o exercício de outra profissão. Em RESENHAS 601
todos os casos, contudo, é um processo Trata-se de uma cerimônia oficial e
longo, no qual são investidos tempo, esfor- anual, cujo ritual é marcado pelos seguin- ços físicos e mentais e recursos financei- tes momentos: chegada do Presidente da ros. Assim, existem algumas etapas bem República, execução do Hino Nacional, delimitadas no aprendizado da carreira entrega de medalhas e insígnias pelo diplomática. A primeira é contar com uma Presidente, cerimônia de formatura e boa formação prévia, ou direcionar seus encerramento com um almoço com o esforços nesse sentido, visto que, para Presidente, no qual estão presentes os ingressar nos quadros do Ministério das formandos. É uma “tradição inventada”, Relações Exteriores, é preciso ter diploma nos termos de Hobsbawn, em 1970, ano de nível superior reconhecido pelo MEC, da inauguração do Palácio do Itamaraty ser bem informado, ter bom domínio do in- na capital federal e transferência da sede glês e português “impecável”. A segunda do Ministério das Relações Exteriores do é preparar-se para as provas do concurso, Rio de Janeiro para Brasília. A escolha o que requer um estudo intenso e, por do dia 20 de abril é uma homenagem vezes, a freqüência a cursos preparatórios ao nascimento do Barão do Rio Branco, ou a aulas particulares. “patrono da diplomacia”. Depois de “enfrentar ” e vencer a Para os principiantes, o “Dia do Diplo- tensão das cinco fases do concurso, o “ca- mata” é um marco. É quando institucio- louro” inicia o Programa de Formação e nalmente são considerados diplomatas, Aperfeiçoamento, Primeira Fase (PROFA- não mais alunos do Instituto Rio Branco. I) com duração de dois anos. O primeiro Assinala o fim do treinamento e a entrada ano está voltado para o desenvolvimento no dia-a-dia da profissão. Além de ser teórico e o segundo, mais centrado nas um momento especial, de distinção, ele atividades profissionais, é o período oferece a oportunidade de, ao final das de estágios na Secretaria das Relações comemorações, os jovens diplomatas Exteriores ou em postos fora do país. compartilharem um almoço com o chefe Percorrido todo esse caminho e aprovado da nação e conversarem informalmente no PROFA-I, vem a consagração na for- com os “chefes da casa”. matura, ocorrida no “Dia do Diplomata”, A fase do treinamento, experimentada após a qual o ex-aluno muda de status, no PROFA-I, é fundamental na “metamor- transformando-se em “jovem colega” aos fose” de neófito à diplomata de carreira. olhos de seus superiores. É nesse período que o ethos diplomático O “Dia do Diplomata” consiste em é incorporado, uma vez que no seu de- um dos rituais mais representativos correr o aluno “deixa de ser quem era” e para a compreensão da “cosmologia” e passa a fazer parte da instituição. E, para do “sistema classificatório” do mundo isso, é preciso aprender os códigos que diplomático, por ser composto de várias não são ensinados nos livros, como o co- ações coletivas que visam instituciona- nhecimento das regras de etiqueta e dos lizar a diplomacia brasileira e definir o protocolos, o uso formal da linguagem, o seu papel junto à nação. Cristina Moura domínio da hexis corporal e a adequação argumenta, apoiando-se nos conceitos de do vestuário. Ao interagirem com os co- Tambiah, que as práticas rituais do “Dia legas de turma, professores e diplomatas do Diplomata”, bem como a crença na sua hierarquicamente superiores, os alunos eficácia, são fundamentais na incorpora- absorvem muito mais do que conceitos ção do ethos e no compartilhamento da teóricos, construindo um sentimento de “visão de mundo” dos diplomatas. pertencimento institucional, uma adesão 602 RESENHAS
ao status diplomático que lhes permite
ver como “naturais” os processos formais da “casa”. Cristina Moura mostra que optar pela carreira diplomática transcende à escolha de uma profissão, representando uma aderência a um estilo de vida, ao “espíri- to” de uma corporação, o que inclui novas responsabilidades, privilégios e deveres extensivos à família nuclear, existente ou a ser formada. Daí a importância do fato, para ser bem-sucedido, de que se escolha um cônjuge à altura dos requisitos profis- sionais: sociável, sofisticado e com boa es- colaridade, além de flexível, uma vez que deverá aceitar seguir o(a) companheiro(a) nas constantes transferências de posto inerentes ao ofício, exigências estas que, por vezes, propiciam o casamento “endo- gâmico” entre diplomatas ou entre diplo- mata homem e filha de diplomatas. Afinal, nas palavras da autora, “a instituição engloba a família nuclear, definindo seus membros em um sistema classificatório tríplice: diplomata, filho de diplomata e cônjuge de diplomata” (:102). A leitura do trabalho de Cristina Moura, agora publicado e acessível a um público maior, interessa não somente aos que estudam setores da burocracia do Estado brasileiro, mas a todos que desejam compreender a complexidade de certas dimensões culturais do país nas quais concepções formais e com- portamentos “aristocráticos” convivem, lado a lado, com o “moderno” conceito de “meritocracia”. Ademais, o livro certa- mente agradará a quem se sente atraído por “estudos sobre carreira”. Trata-se de uma etnografia bem escrita, que sublinha a heterogeneidade das experiências no processo de construção de uma carreira. Um livro que faz lembrar, por sua viva- cidade, o processo de “socialização” dos estudantes de medicina descritos por Howard Becker em Boys in white. Student culture in medical school.
As estratégias aplicadas pelo intérprete educacional de Libras em aulas de inglês em escolas públicas de Teresina – PI: uma análise do perfil e da competência tradutória