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Transtornos mentais comuns em

trabalhadores do campo e exposição a


agrotóxicos: uma revisão de literatura
narrativa
Common Mental Disorders in Field Workers and Pesticide Exposure: A Narrative Literature Review

Área Temática: Saúde no campo: a


integralidade entre o homem e o meio rural
Resumo: A intoxicação por agrotóxicos em humanos pode ocorrer de forma indireta ou direta. A via
ocupacional compreende os trabalhadores que manipulam esses produtos, principalmente os do meio
rural, estudos apontam que o uso prolongado de agrotóxicos pode acarretar em diversos distúrbios
psiquiátricos. Assim, esse estudo tem como finalidade revisar a literatura a respeito da associação entre
exposição à agrotóxicos e o surgimento de transtornos mentais comuns em trabalhadores do campo.
Trata-se de uma revisão de literatura, onde foram consultados materiais publicados entre os anos
2015 a 2019. Estudos demonstram que os episódios de intoxicação crônica relacionam-se a uma
maior frequência no surgimento e agravamento de distúrbios psicológicos. Apesar do avanço dos
estudos a análise da situação de saúde mental em trabalhadores do campo ainda é insatisfatória.

Palavras-chave: saúde mental; agrotóxicos; transtornos mentais.

Abstract: Pesticide poisoning in humans can occur indirectly or directly. The occupational pathway includes
workers who manipulate these products, especially those from rural areas. Studies indicate that prolonged
use of pesticides can lead to various psychiatric disorders. Thus, this study aims to review the literature on
the association between exposure to pesticides and the emergence of common mental disorders in field
workers. This is a literature review, where materials published from 2015 to 2019 were consulted. Studies
show that episodes of chronic intoxication are related to a higher frequency in the onset and aggravation of
psychological disorders. Despite the progress of studies, the analysis of the mental health situation in field
workers is still unsatisfactory.
Keywords: mental health; pesticides; mental disorders.

Introdução

Os agrotóxicos englobam diversas substâncias biológicas ou sintéticas que são empregadas na


agricultura, com o intuito de restringir pragas. Possui uma grande variação de compostos
químicos, tendo como finalidade lesar o metabolismo de organismos vivos, o que acarreta diversos
efeitos nocivos a grande parte dos seres vivos.
Nos últimos 20 anos, o Brasil expandiu em 190% o consumo dessas substâncias, tornando-se assim
o principal consumidor de agrotóxicos no mundo no ano de 2008, o que representa 19% de todo o
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consumo mundial, atualmente o país se mantém na mesma posição. No ano de 2019, o governo
federal autorizou a comercialização de quase 300 novas substâncias no país, destas, cerca de 43%
são consideradas como tóxicas ou altamente tóxicas.
A via de intoxicação ocupacional compreende os trabalhadores que manipulam esses produtos,
principalmente os trabalhadores do meio rural, sendo responsável por mais de 80% dos casos de
intoxicação por agrotóxicos.
Um estudo realizado em 2017 constatou que o uso prolongado de agrotóxicos pode acarretar em
síndromes neurocomportamentais, neuropatias e diversos distúrbios psiquiátricos. Outro estudo
pioneiro sobre saúde mental de trabalhadores do campo identificou em seus estudos um alto
índice de suicídios e uma alta prevalência de distúrbios mentais associados ao uso de agrotóxicos
nesses trabalhadores.
Os TMC’s englobam sinais clínicos de ansiedade e depressão, abrangendo fadiga, insônia, déficit de
memória, irritabilidade, dificuldades de concentração e queixas somáticas, que se caracterizam por
múltiplas queixas físicas persistentes, esse termo foi criado por Goldenberg e Huxley, tais sintomas
ainda que associados a sofrimentos e incapacidade funcional, não integram os critérios
estabelecidos formalmente para serem classificados como quadros de ansiedade e/ou depressão.
Apesar dos TMC’s não possuir uma carga expressiva de mortalidade, são responsáveis por cerca de
12% das incapacitações associadas às doenças mentais. Entretanto, esses transtornos possuem
uma baixa taxa de diagnóstico e consequentemente de tratamento, sendo em sua maioria
minimizado por profissionais de saúde, principalmente quando não há presença de sintomas
físicos relacionados.
Diante do cenário exposto, este presente estudo tem como finalidade revisar a literatura a
respeito da associação entre exposição a agrotóxicos e o surgimento de transtornos mentais
comuns em trabalhadores do campo.
Material e Métodos

As buscas de materiais fora realizadas em duas bases de dados bibliográficos - PubMed e LILACS.
Ao término das pesquisas em cada base, foram excluídas as referências duplicadas. Foram
selecionados artigos publicados entre 2015 e 2019, a exceção de referências conceituais e
materiais de domínio público. Devido as diferenças nos processos de indexação de dados
bibliográficos, optou-se pela utilização de termos livres, sem o uso de vocabulário controlado.
Resultados e Discussão

Os trabalhadores do campo estão expostos aos efeitos nocivos dos agrotóxicos em diversas
situações, seja na lavagem de equipamentos, preparo de misturas, no consumo de alimentos com
resíduos e principalmente na aplicação. Essa exposição excessiva e inadequada pode acarretar
modificações irreversíveis e resultar em patologias em longo prazo, a depender da concentração
do produto e principalmente do tempo de exposição desse trabalhador. A Organização Mundial de
Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimam que os agrotóxicos sejam

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responsáveis por cerca de 70 mil intoxicações agudas e crônicas em trabalhadores do campo com
evolução para óbito.

Diversos estudos estão sendo feitos nos últimos anos voltados para os efeitos da exposição por
agrotóxicos, no entanto, esses estudos enfrentam diversas dificuldades em estabelecer uma
ligação entre a exposição e o desenvolvimento de doenças, isso se dá principalmente pelo fato de
existir no mercado uma grande variedade de agrotóxicos com mecanismos de ação diferentes;
além da exposição a múltiplos produtos.

No entanto, sabe-se que a intoxicação crônica apresenta uma sintomatologia mais “silenciosa” e
de evolução gradativa, tornando seu reconhecimento clínico mais difícil. Seu quadro clínico inclui
episódios de alterações genéticas, imunológicas, neoplasias, malformações congênitas, efeitos
nocivos sobre os sistemas hematopoiético, nervoso, cardiovascular, respiratório, gastrointestinal,
geniturinário, reprodutivo, hepático, tegumentar, endócrino, além de reações alérgicas a esses
produtos e alterações comportamentais.

O uso indiscriminado de agrotóxicos associado à exposição prolongada é retratado na literatura


como causa de diversos sintomas físicos e emocionais, o Protocolo de Avaliação das Intoxicações
Crônicas por Agrotóxicos explana que a exposição prolongada e elevada a um quantitativo
relevante de organofosforados (um grupo químico de agrotóxicos) pode estimular o aparecimento
de manifestações neuropsiquiátricas. Diversos estudos demonstram que os episódios de
intoxicação crônica por esses produtos estão em uma maior frequência relacionados ao
surgimento e agravamento de distúrbios psicológicos, predominantemente ansiedade e
depressão, além de confusão mental e alto índice de suicídios.

Nesse contexto, evidenciam-se os significantes comprometimentos à saúde do trabalhador do


campo, com ênfase nos prejuízos à saúde mental destes, com maior prevalência de transtornos
mentais comuns. A capacidade neurotóxica dos agrotóxicos utilizados no trabalho rural associa-se
aos danos mentais, sendo evidenciada a ligação entre a exposição e o surgimento do transtorno.

Tais transtornos referem-se aos acometimentos menos rigorosos, o que os tornam imprecisos e
atípicos quando comparados a outros quadros clínicos melhor estabelecidos pelos sistemas de
classificação e diagnóstico. Por também serem menos socialmente explícitos e impactantes, as
políticas públicas e os sistemas de saúde pouco têm dado a devida importância e atenção à sua
incidência e prevalência.

A saúde do trabalhador do campo constitui um amplo espaço de conhecimento e de ações que


englobam o estudo, a análise e o entendimento da associação entre trabalho em campo,
condições de saúde e potenciais desenvolvimento de doenças. Pressupõe-se assim alguns
indicadores para o embasamento de tais conceitos, como a situação social a qual o indivíduo está
inserido, as organizações e condições de trabalho destes trabalhadores, bem como suas
particularidades.

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Baseado nesse contexto atrela-se o uso de agrotóxicos como fator prejudicial à saúde do
trabalhador do campo, levando em conta que a própria nomenclatura de tais substâncias já é
indicativa de seus efeitos deletérios, caracterizando assim como um importante fator de prejuízo à
saúde humana. Seus efeitos nocivos estão diretamente ligados a sua alta toxicidade, princípios
ativos, características individuais, manejo, tempo de exposição e tempo de trabalho no meio rural.
Nessa perspectiva com relevantes prejuízos à saúde do agricultor, destacam-se os prejuízos à
saúde mental da referida população, com destaque para o desenvolvimento dos TMC’s.

Conclusão
O direcionamento da investigação da prevalência de TMC em populações do campo é de grande
importância para o cenário rural nacional, pois permite conhecer as particularidades das situações
econômica, socioambiental e cultural desse meio, e conhecer essas particularidades torna possível
identificar os impactos desses transtornos à saúde dessa população.

Apesar do avanço dos estudos a respeito do surgimento de TMC’s em diversos grupos


ocupacionais no Brasil, a análise da situação de saúde mental em trabalhadores do campo ainda é
insatisfatória. Desenvolver estudos nessa temática englobando diversos cenários laborais pode
incentivar o desenvolvimento de novas condições de trabalho, podendo torna-se uma valiosa
ferramenta na elaboração de estratégias e ações que visem à proteção e promoção da qualidade
de vida e saúde do agricultor.

Referências bibliográficas:
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Lei 7802/89 de 11 de julho de 1989:
Lei dos Agrotóxicos. Dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e
rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a
utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a
classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá
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