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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – CAMPUS SOBRAL

CURSO DE PSICOLOGIA

ANÁLISE DO FILME “PARA SEMPRE ALICE” À LUZ DAS TEORIAS DO


DESENVOLVIMENTO HUMANO ACERCA DA VIDA ADULTA INTERMEDIÁRIA

ALUNA: Antônia Fernanda Lima de Araújo


MATRÍCULA: 485094

O longa-metragem intitulado “Para sempre Alice” retrata o drama da personagem Alice


Howland ao ser diagnosticada precocemente com alzheimer no auge de seus 50 anos de idade.
Professora de linguística em uma renomada universidade dos Estados Unidos, Alice é mãe
devotada de três filhos adultos, Lydia, Anna e Tom, todos frutos do seu relacionamento
conjugal com o também professor universitário John Howland. A história começa com a
protagonista comemorando seu aniversário ao lado do marido e de apenas dois filhos, o que se
deu pelo fato de Lydia, a caçula, ter ido para outro estado tentar fazer a carreira de atriz
decolar. Nessa cena, John a parabeniza dedicando-lhe um brinde por ser a mulher mais linda e
inteligente que ele já conheceu. Os dois demonstram manter um casamento harmonioso,
baseado em muito amor e companheirismo.

Inicialmente, a narrativa apresenta uma Alice cheia de vida, com uma carreira bem-sucedida,
um casamento feliz, filhos dedicados e muitas aspirações para uma caminhada que parecia
estar apenas começando. Como afirmam os pesquisadores Vaillant e Levinson, é comum os
indivíduos passarem por uma larga reestruturação do modelo de vida aos 40 anos e
adentrarem na faixa dos 50 com relativa estabilidade. Era esse ar de estabilidade e de
realização que Alice deixava transparecer ao referir-se à sua trajetória até aqui com o orgulho
de quem deu o seu melhor para estar onde chegou.

Entretanto, aos poucos o roteiro vai dando pistas da doença neurodegenerativa que acomete a
protagonista quando, em certo momento, Alice sofre um lapso de memória no meio de uma
palestra acadêmica ou, ao sair para uma corrida corriqueira, ela acaba se perdendo no campus
em que dava aulas há anos. Diante dos constantes episódios de esquecimentos de coisas
banais, Alice procura um neurologista para avaliar o seu quadro. Na primeira consulta, ela
comenta que sua médica, a princípio, suspeitou que suas queixas se tratassem da menopausa,
um processo biológico comum na meia-idade, caracterizado pela cessão da produção de
óvulos e consequente encerramento do ciclo menstrual. Porém, constata-se que Alice ainda
não havia iniciado essa fase.

À parte isso, numa viagem que ela faz para visitar a filha Lydia, fica claro o relacionamento
tempestuoso entre as duas em razão de discordâncias a respeito das escolhas profissionais que
a garota fez, ao optar por seguir carreira artística a despeito das expectativas da mãe, que
esperava que ela cursasse uma faculdade. Como confirmado em outros diálogos, essas
divergências representam um fator estressor para Alice, uma vez que ela se preocupa com o
futuro da filha, tendo em vista as incertezas que permeiam a carreira de atriz. Embora o
estresse experimentado nessa altura da vida seja consideravelmente maior do que em outros
momentos, os especialistas acreditam que sujeito encontra-se mais “equipado” para lidar com
ele, o que se confirma nas atitudes da protagonista, ao ser capaz de mudar o foco dessas
questões e dedicar-se a assuntos mais produtivos. Aqui também se observa o estágio de
desenvolvimento psicossocial “Generatividade versus Estagnação” postulado por Erik
Erikson. De acordo com Erikson, é por meio da generatividade que o indivíduo poderá
experimentar um processo de voltar-se para o mundo externo, preocupando-se com o legado
que ficará para as próximas gerações e buscando orientá-las, como faz Alice ao tentar
aconselhar a filha a rever as próprias escolhas para evitar frustrações futuras. Já na
estagnação, há uma perda de significação da vida, bem como uma sensação de inatividade. A
positiva superação desse movimento acarreta no alcance da virtude do cuidado, com o qual o
sujeito se dedica a zelar a quem e o que ele gosta.

Ao descobrir o diagnóstico de alzheimer, Alice se vê diante do desafio de dar prosseguimento


à vida em meio às dificuldades que recaem sobre a sua nova condição. Até na universidade
ela já enfrenta resistências à sua permanência como professora. Percebe-se, então, que os
prejuízos neurocognitivos característicos da demência já se manifestam no seu desempenho
geral e desencadeiam diversos conflitos nas suas relações consigo mesma e com os outros,
expressos no dilema de ter que conciliar os velhos papéis de esposa e professora com a sua
progressiva incapacidade intelectual. Em outros contextos, a meia-idade consiste num período
de transição da fase adulta para a velhice que não envolve grandes perdas cerebrais,
apresentando apenas declínios em áreas como a atenção seletiva e a capacidade de fazer
múltiplas tarefas simultaneamente, bem como o fenômeno das palavras “na-ponta-da-língua”,
referente a esquecimentos repentinos de vocábulos dos quais o sujeito tem pleno
conhecimento. No caso da protagonista, o seu processo de envelhecimento será conduzido
pelo avanço da doença, o que acarretará transformações cognitivas e comportamentais
atípicas.

Em uma cena emblemática, Alice esquece onde fica o banheiro de casa e urina na própria
roupa. Quando seu marido a encontra, ela se põe a chorar por tamanho constrangimento,
ilustrando o potencial de privação que a doença acarreta até mesmo em relação a traços de
personalidade importantes, como a autonomia para realizar atividades básicas. Em dado
momento, Lydia a questiona sobre a sensação de perda constante presente na sintomatologia
da doença e ela responde que é difícil lidar com uma existência em que num dia se pode agir
como uma pessoa lúcida e normal, e noutro tem que se sentir perdida por não ter clareza nem
sobre si mesma, expressando uma angústia psicológica em meio às circunstâncias adversas
em que ela se vê imersa.

Mais adiante Alice já está com sérios problemas de esquecimento e, ao discursar a respeito de
sua experiência para uma plateia de profissionais atuantes no tratamento do Alzheimer, ela
relata que lidar com a doença é aprender a “arte de perder as coisas, as memórias, a própria
história e a si mesma”, episódio que ajuda a exemplificar a teoria do modelo do estágio
normativo proposta por Carl G. Jung. Na concepção de Jung, durante a idade adulta
intermediária o indivíduo acessa seu self verdadeiro através da integração dos múltiplos traços
da própria personalidade, alcançando um equilíbrio por meio do qual ele consegue aceitar
melhor a si mesmo. Uma das características desse estágio pode ser entendida como o
movimento de voltar-se para o mundo interior, introspectivamente, buscando um significado
próprio em si mesmo e abraçando a realidade que coloca a juventude como um passado e a
morte como uma possibilidade próxima.

No âmbito da atmosfera familiar dos personagens, pode-se associar o núcleo familiar de Alice
ao conceito de comboio social, de Kahn e Antonucci, segundo o qual as pessoas estabelecem
relacionamentos íntimos umas com as outras para poderem contar com assistência, apoio e
bem-estar mútuos. Assim, nota-se que tanto os filhos quanto o marido se empenham em
promover qualidade de vida à protagonista ainda que o avanço gradativo da doença tire dela a
consciência acerca da passagem dos anos e de acontecimentos importantes, como a chegada
dos netos e as conquistas profissionais de John. Nesse sentido, o casamento de Alice com
John representou desde o início uma fonte de apoio emocional no enfrentamento do declínio
de sua saúde, configurando o capital conjugal do relacionamento construído pelos dois, o que
lhes possibilitou usufruir de união e afeto nos momentos mais infelizes. Inclusive, é válido
apontar que, como afirmam os teóricos do desenvolvimento humano, a meia idade também é
um período de ganhos e crescimentos, capaz de proporcionar ao sujeito novas experiências e
fazê-lo reavaliar aspirações, como o faz John, ao deixar o antigo emprego para assumir um
cargo novo em outro lugar, passando os cuidados da esposa para a filha Lydia.

Ao final do filme, a doença já se alastrou e Alice mal consegue verbalizar uma comunicação
minimamente compreensível. Cabe salientar, ainda, que esta análise foi feita considerando
que a passagem cronológica do filme não deixa claro se ela ocorre em meses ou anos, usando-
se como base apenas as teorias acerca da vida adulta intermediária, correspondente ao
intervalo dos 40 aos 65 anos.

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