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DOI: https://doi.org/10.34628/8efe-t111
Data de submissão / Submission date: 12/04/2022
Data de aprovação / Acceptance date: 05/09/2022
* (07JUL22) Conferência “The Challenges of Asia in the Near Future and the Cooperation with
Portugal”, organizada pela Ordem dos Economistas no Grémio Literário em Lisboa.
Abstract: China, from the very beginning of the war, refused to unreser-
vedly condemn the invasion of Ukraine. The main geoeconomic implication is
therefore the effective rapprochement between Russia and China, to the detri-
ment of the European Union and countries such as Germany and France, and
consequently the progressive structuring of a strategic axis or alliance based on
previous understandings and partnerships such as the BRICS ( Brazil, Russia,
India, China and South Africa) and the so-called Shanghai Group (China, Ka-
zakhstan, India, Pakistan, Kyrgyzstan, Russia, Tajikistan, Uzbekistan and very
recently Iran).
We will therefore witness a recomposition of the geo-economic areas cor-
responding to the two political-military blocs (Nato and the Shanghai Group)
that are now in the process of consolidation as a result of the Ukrainian War and
which correspond to two antagonistic worldviews and respective values – that of
Democracy and that of the Post-Modern Dictatorship – and therefore two politi-
cal-economic models to be presented as a Development option to the remaining
countries of the international system, mainly to Africans and Asians.
Competitiveness may become more aggressive, bordering on unarmed con-
flict with the increase in economic and technological espionage and cyberattacks,
which will correspond to the intense demand for information security solutions.
Faced with growing uncertainty, it is vital to develop a dynamic strategic analy-
sis to monitor the evolution of this highly volatile environment that requires
constant corrections to strategies and related planning.
Keywords: Growing uncertainty; Sino-russian alliance; Dynamic strategic
analysis.
A abordagem geopolítica
1
(1996) Adriano Moreira, Teoria das Relações Internacionais, Livraria Almedina.
zação, a que o britânico Niall Ferguson prefere chamar Anglobalização, tem como
causa mais afastada os descobrimentos portugueses e como causa mais próxima
o sistema político e económico e de segurança com que os ingleses estruturaram
o mundo contemporâneo desde o século XVIII, renovado com a cooperação e
liderança dos americanos no século XX após a 2ª Grande Guerra civil europeia,
mundial pelos seus efeitos e alianças.2 A multiplicação de centros de decisão após
esta guerra intensificou essa complexidade na medida em que, pela interdepen-
dência, os problemas e preocupações internacionais acontecem em tempo acele-
rado e as respostas aos desafios processam-se em tempo demorado, principal-
mente com planos de contingência desenhados pelos actores principais e pelas
organizações e directórios, como o G7 por exemplo, mas muito frequentemente
com reduzida capacidade prospectiva quanto aos efeitos das soluções aplicadas e
às incertezas que estas por suas vez desencadeiam, levando por regra à adopção
de novos planos de contingência num círculo vicioso que promove a incerteza
crescente.
A outra condição prévia à aquisição de conhecimento sobre o ambiente in-
ternacional é a noção epistemológica de Tempo Tríbio.3 Este conceito permite-nos
compreender que Passado, Presente e Futuro são um só tempo integrado, e que
indivíduos, grupos e instituições são o que são no presente em função não só das
circunstâncias, e das respostas aos desafios, mas também do que têm sido desde
o passado e do que estão a projectar ser no futuro. Portanto, uma Nação no Presente
lida com as circunstâncias e desafios em função do Passado vivido até esse momento e do
Futuro que está a projectar. É pois necessário não perder de vista a realidade deste
mundo globalizado ou anglobalizado em que os interesses nacionais ainda se
sobrepõem claramente aos interesses internacionais.
Estas já longas considerações prévias metodológicas são essenciais para se
contornar a intensa propaganda que caracteriza a Guerra da Ucrânia e assim
aproximarmo-nos do conhecimento dos riscos geopolíticos que esta está a fo-
mentar.
2
(2004) Niall Ferguson, Empire: How Britain Made the Modern World, Penguin Books.
3
(2010) Pedro Borges Graça, Mundo Secreto: História do Presente e Intelligence nas Relações
Internacionais, Instituto de Informações e Segurança de Angola.
característica da semântica para mobilizar hearts and minds. O verbo causar é antes
objectivamente o mais adequado à análise da situação, seguindo a perspectiva
enunciada por Tucídides na História da Guerra do Peloponeso, ainda actual, de
que as causas se dividem em próximas e afastadas e profundas.
As causas afastadas remontam a 2004 e ao alargamento da NATO para sete
países do leste europeu, por impulso da administração Bush, e consequente-
mente, a partir do ano seguinte, em 2005, ao movimento gerado no Congresso
Americano e liderado por Barack Obama por parte dos Democratas, antes de ser
Presidente, no sentido de se cooptar também para a NATO a Ucrânia e a Geór-
gia, objectivo frustrado na Conferência desta organização em 2008, em Bucareste,
por alemães e franceses. Este movimento induziu porém em grande medida, em
2013-2014, o golpe de estado ocorrido nas ruas de Kiev que subverteu o governo
saído de eleições democráticas reconhecidas como livres e justas pelos observa-
dores internacionais, inclusive pela delegação da Organização para a Segurança
e Cooperação na Europa liderada pelo português João Soares. Facto histórico e
simbólico da maior relevância é o Senador John McCain, ex-candidato presiden-
cial republicano, a discursar na célebre Praça Maiden em Kiev perante milhares
de ucranianos em protesto contra o governo do Presidente Yanukovych pela po-
lítica de aproximação económica à Rússia em detrimento da União Europeia,
vista como antecâmara da NATO.
Como é sabido, a Rússia aproveitou a oportunidade para levar a cabo uma
operação militar de ocupação da Crimeia – o objectivo prioritário - e de parte do
leste da Ucrânia, ao que tudo indica precedida de uma cenarização prospectiva e
correspondente planeamento estratégico meticuloso. À Ciência Histórica ficará a
tarefa de averiguar se o golpe de estado dos ucranianos não terá sido desejado e
mesmo alimentado pelos russos como pretexto para a invasão da Crimeia.
Dez anos passaram entre 2004 e 2014 e oito anos entre esta data e 2022. Nes-
tes últimos oito anos, com um governo ucraniano declaradamente anti-russo, os
americanos investiram 9 mil milhões de dólares em equipamento militar e treino
dos ucranianos, dos quais 7 mil milhões num único ano, em 2021, com a adminis-
tração Biden.4 Por seu turno, estima-se que os ingleses, menos disponíveis para
revelarem números, terão investido 3 mil milhões de libras, sobretudo a partir
de 2019, após o Brexit. Neste últimos oito anos, portanto, americanos e ingleses
investiram na estruturação de umas forças armadas ucranianas com capacidade
de interoperabilidade técnico-militar com a NATO, seguindo a estratégia de que
estas viriam a confrontar com sucesso as forças armadas russas na recuperação
das áreas ocupadas da Crimeia e do leste da Ucrânia.5 Note-se que alemães e
4
https://www.state.gov/u-s-security-cooperation-with-ukraine/
5
Veja-se também por exemplo este acção dos ingleses:” In June 2021, British destroyer HMS Defender
conducted a freedom of navigation operation in the Black Sea, close to Russian-occupied Crimea. A Russian
patrol vessel fired warning shots at HMS Defender, which was shadowed by Russian naval and air assets.
The British operation was a signal of solidarity to Ukraine which has put a spotlight on the UK’s involvement
in the Black Sea and the emerging UK–Ukraine strategic defence partnership.” (https://rusi.org/explore-
our-research/publications/commentary/uk-ukraine-security-cooperation)
O RUSI (Royal United Services Institute) é o principal think tank inglês de segurança e defesa e o
mais antigo do mundo nesta área.
6
O melhor exemplo, entre vários outros, é o ataque dos russos no início de Junho com misseis de
precisão ao túnel de Beskydy nos Montes Cárpatos, no oeste da Ucrânia, que era a principal via de
comunicação ferroviária com a Europa. (https://www.mirror.co.uk/news/world-news/russia-
strikes-ukraine-tunnel-border-27128043) Este túnel tinha sido financiado com 100 milhões de euros
dos fundos europeus e inaugurado em 2018 pelo anterior Presidente Poroshenko e representava,
também simbolicamente, o princípio da integração da Ucrânia na União Europeia.
A guerra económica
7
https://www.poder360.com.br/europa-em-guerra/fds-brics-e-a-guerra-na-ucrania-como-fica-relacao-
com-a-russia-dw; https://www.chinadaily.com.cn/a/202206/13/WS62a68d47a310fd2b29e62429.html
Wang Suoying, Professora de Língua e Cultura Chinesa, nascida em Xangai mas a viver em Portugal
8
é o Ano do Tigre, que para os chineses é o rei dos animais e símbolo de força e
coragem, e portanto este ano está a ser visto como auspicioso e poderoso.
Isto não significa contudo que a China, reforçando a aliança estratégica com
a Rússia, venha a seguir uma linha de possível confrontação armada com o cha-
mado Ocidente e particularmente com os Estados Unidos em torno de pontos de
tensão como Taiwan ou o Mar da China. Posto em termos simples, na perspecti-
va chinesa não seria bom para os negócios, para o regular funcionamento da eco-
nomia internacional, na qual está focada a sua grande estratégia de projecção de
poder nacional. No entanto é provável que, segundo a lógica estratégica de que
não existe expansão económica sem capacidade de segurança, que continuem as
“coreografias” ou exercícios militares nesses pontos, assim como a realização de
acordos de segurança na área do indo-pacífico, e em particular na Oceania, como
aconteceu recentemente com as Ilhas Salomão, ponto estratégico para defesa e
controlo marítimo e aéreo e recolha de informações, desafiando a tradicional in-
fluência e linhas de comunicação dos australianos na região e consequentemente
dos americanos.9
Com efeito, de acordo com John Keegan, uma referência dos Estudos da
Guerra, a cultura é um factor determinante do modo oriental de fazer a guerra
que se caracteriza pela “evasão, o retardamento e o combate indirecto”, distinto
do modo de guerra ocidental.10 Os chineses possuem uma teoria da estratégia
mais antiga que os ocidentais, e o famoso tratado de Sun Tzu, A Arte da Guerra,
cuja tradução mais fiel é A Arte da Estratégia, espelha isso mesmo com a ideia
central de que a maior vitória de uma guerra é a que se alcança sem fazer pro-
priamente a guerra, através da subversão e das clivagens criadas nas alianças do
inimigo. Ou seja, a melhor estratégia é a indirecta. Iniciativas como a One Belt One
Road, a do Desenvolvimento Global ou, instrumentalmente, os BRICS, parecem
corresponder a esta ideia.
A Guerra na Ucrânia causou assim a oportunidade para os chineses apro-
fundarem a estratégia indirecta que vêm pacientemente desenvolvendo no sen-
tido de consolidarem a sua influência no ambiente económico internacional, e
desde logo em África. Também neste âmbito o modo de pensar o conceito de
oportunidade é diferente dos ocidentais. Enquanto estes últimos vêem uma oca-
sião – uma janela de oportunidade – para a descontinuidade e inovação, os chi-
neses, sem rejeitarem a inovação, vêem uma ocasião para impulsionarem e me-
lhorarem projectos definidos no passado e ainda não concluídos.11
um-ano-auspicioso-14547059.html)
9
(05MAI22) Euan Graham, Assessing the Solomon Islands’ new security agreement with China (https://
www.iiss.org/blogs/analysis/2022/05/china-solomon-islands)
10
(2009) John Keegan, Uma História da Guerra, Ed. Tinta da China, p. 507.
11
(2012) Laurent Henninger e Thierry Widemann, Comprendre la Guerre. Histoire et Notions, Editions
Perrin, p. 126.
A aliança sino-russa
12
www.chinadaily.com.cn/a/202205/30/WS62941882a310fd2b29e5fadc.html
in Shanghai on 15 June 2001. The SCO currently comprises eight Member States (China, India,
Kazakhstan, Kyrgyzstan, Russia, Pakistan, Tajikistan and Uzbekistan), four Observer States
interested in acceding to full membership (Afghanistan, Belarus, Iran, and Mongolia) and six
“Dialogue Partners” (Armenia, Azerbaijan, Cambodia, Nepal, Sri Lanka and Turkey). In 2021, the
decision was made to start the accession process of Iran to the SCO as a full member, and Egypt,
Qatar as well as Saudi Arabia became dialogue partners.” (https://dppa.un.org/en/shanghai-
As geopolíticas antagónicas
cooperation-organization)
15
https://epthinktank.eu/2015/03/16/the-russian-economy-will-russia-ever-catch-up/eprs-ida-
551320-russian-natural-resources/
16
(1904) H. J. Mackinder, The Geographical Pivot of History in The Geographical Journal, Vol. XXIII,
nº 4, April, 1904 apud The Geographical Journal, Vol.170, Nº 4, December 2004, pp. 298–321, p.
313. Repare-se no facto desta republicação ocorrer um século depois da original, e também na
coincidência da data com o primeiro alargamento da NATO aos países do leste europeu.
ca a China pelo “outro lado”, na linha aliás da pressão imaginada por Spykman
em complemento a a Mackinder (ANEXO VI – IPEFP), o que inevitavelmente
obriga os chineses a dispersarem esforços, entenda-se económicos.