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BR | CATEGORIA: GEOPOLÍTICA
Imagem simbólica do derretimento do gelo na Groenlândia: o trenó na água (Steffen Olsen).
O
s investidores estão esfregando as mãos, o Ártico está agitado. Este oceano
polar está aquecendo três vezes mais rápido que o resto do planeta
porque, à medida que o gelo derrete, a água absorve a luz do sol e os efeitos
se retroalimentam.
Estima-se que desde 1978 uma superfície de gelo equivalente a cinco vezes o
tamanho da Espanha tenha se perdido na área. Os sete anos mais quentes no
Ártico desde 1900 foram... os últimos sete. A camada de gelo da Groenlândia
perdeu gelo em 2022 pelo 25º ano consecutivo.
Mas se o gelo derreter, novos negócios podem surgir no círculo polar. Rotas que
pareciam inacessíveis passarão a sê-lo. Recursos que estavam escondidos sob
placas de gelo virão à tona. E exércitos que não se enxergavam, separados pelo
gelo, agora terão fronteiras flutuantes para se mover e observar uns aos outros.
parcialmente inexplorada que já desperta o apetite dos investidores, já que em
2035 os verões poderão estar completamente livres de gelo.
A ONU geralmente assinala aos Estados que bordejam o Polo Norte um mar
territorial de 12 milhas náuticas (22 km) e uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE)
de 200 milhas náuticas (370 km) que dão direito de pesca, construção de
infraestruturas e extração de recursos naturais.
Um espaço que pode ser ampliado, desde que se demonstre que a plataforma
submarina é uma extensão da plataforma continental. O Dorsal de Lomonossov,
com cerca de 2.000 km de extensão, é objeto de disputa entre Canadá, Dinamarca
e Rússia. Todos apresentaram pedidos para expandir sua soberania sob este
regulamento. A batalha está apenas começando. Em 2007, os russos inclusive
fincaram uma bandeira a 4.200 metros de profundidade como reivindicação.
O maior potencial econômico do Ártico está nas rotas comerciais. A Rota Marítima
do Norte (NSR, Northern Sea Route), que liga a Ásia à Europa sem passar pelo Canal
de Suez, economiza quase 10.000 km de viagem. Por mar, a Europa e o Oriente
estão quinze dias mais próximos. Hoje a falta de assistência e os icebergs ainda
representam incógnitas, mas nos próximos anos esses obstáculos poderão
desaparecer.
Outro eixo é a Rota Marítima Transpolar (TSR, Transpolar Sea Route), que
possibilitaria a passagem pelo centro do Polo Norte e servirá para o transporte de
energia. E, finalmente, a Passagem Noroeste (NWP, Northwest Passage), que está
localizada em águas canadenses, liga o Atlântico ao Pacífico e reduzirá em 15% a
distância entre os Estados Unidos e a Ásia.
De acordo com o Instituto Ártico, a NSR já está operacional hoje. São cerca de 309
milhões de toneladas transportadas a cada ano, o que pode triplicar até o final da
década se novos projetos de energia forem abertos. Com o degelo, a rota também
será mais conveniente porque serão necessários menos navios quebra-gelo e
assistência.
Região contestada: Dinamarca, EUA, Canadá e Rússia querem expandir sua soberania na região para explorar
recursos disponíveis graças ao derretimento do gelo (Fonte: Ministério das Relações Exteriores da Dinamarca,
The Arctic Institute e CIDOB. Elaboração: La Vanguardia).
O Círculo Polar Ártico oferece recursos energéticos e novas rotas comerciais (Fonte: Ministério das Relações
Exteriores da Dinamarca, The Arctic Institute e CIDOB. Elaboração: La Vanguardia).
E há os recursos energéticos (além da pesca: as capturas na área representam 4%
do total mundial). O Ártico detém 30% das reservas de gás e 16% das reservas de
petróleo em um território que equivale a 8% da superfície da Terra. Noruega,
Rússia e Estados Unidos já operam com estruturas de exploração na região. Sem
contar o potencial econômico de minerais como bauxita, diamantes, ferro, ouro e
possivelmente também as tão desejadas terras raras, essenciais para a transição
energética.
Para a Rússia, o Ártico é uma prioridade. Estima-se que 20% de suas exportações
e 10% de seu PIB venham dessa região. Metade dos recursos de petróleo e 70%
do gás do círculo polar estão em território russo. A Rússia controla mais da metade
das costas polares e tem metade da população residente nesta região (cinco
milhões de habitantes). Em seu relatório do ano passado sobre a doutrina naval
russa, Vladimir Putin lembrou que “o Ártico está se tornando uma região de
competição internacional” e que a exploração de seus recursos minerais deve ser
fortalecida. A palavra “ártico” aparece 66 vezes em 55 páginas.
O objetivo de Putin é explorar o Ártico para olhar de perto para a Ásia. “Precisamos
liberar o potencial de exportação e logística da Rússia para o Sudeste Asiático”,
disse o presidente. Antes da guerra na Ucrânia, o tráfego marítimo do Ártico era
essencialmente da Ásia para a Europa (nos últimos cinco anos, houve cinco vezes
mais cargueiros trafegando de leste a oeste do que o contrário). No futuro, a
tendência será oposta, porque a Rússia se voltará para a Ásia. “O transporte ao
longo do ano será a melhor forma de contornar as sanções”, reconheceu o diário
de negócios Kommersant.
Moscou está planejando uma usina nuclear flutuante para 100.000 residências e
na península de Yamal já possui um terminal de gás GNL. “Realmente não há uma
corrida para o Ártico. Na verdade, a Rússia é a única que avança no Ártico, embora
a Noruega também esteja desenvolvendo petróleo e gás na região. A China tem
ambições de longo prazo na região e usa a Rússia como fornecedora de petróleo e
gás para contratos de longo prazo”, disse Malte Humpert, diretor executivo e
fundador do The Arctic Institute.
“A Rússia é claramente o país mais bem posicionado para explorar os recursos do
Ártico. Mas é que você realmente não tem muitas ou nenhuma alternativa. Esta
área é de importância econômica significativa para a Rússia, muito mais do que
para os Estados Unidos ou o Canadá. Portanto, a Rússia investiu muito mais no
desenvolvimento e na infraestrutura do Ártico do que outros estados. A atividade
russa será o principal motor de desenvolvimento econômico e investimento na
região”, diz Humpert.
Publicado em La Vanguardia.
*Piergiorgio M. Sandri é redator do jornal catalão La Vanguardia desde 2000. Formou-se em Direito
em Roma, tem mestrado em jornalismo pela UB/Columbia University e PDD pelo IESE (2022). É autor
de “Dinero Ético” (Mondadori, 2001).