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Ano I ▪ Edição 5

Rio de Janeiro, 21 de novembro de 2014

▪ O GRUPO GEOCORRENTE
O grupo Geocorrente surgiu com o objetivo de discutir o
A EQUIPE
sistema internacional através da lente teórica da Geopolítica,
procurando identificar os elementos agravantes, motivadores CMG (RM1) Leonardo Faria de Mattos
e contribuintes para a escalada de conflitos e crises em (Coordenador-geral do Grupo Geocorrente)
andamento, assim como as com potencial iminência de
ocorrência em uma moldura temporal de curto prazo. Para isso
conta com integrantes de diversas áreas de conhecimento, cuja
Jéssica Germano de Lima
pluralidade proporciona uma análise mais ampla de contextos (Coordenadora do Grupo Geocorrente)
e cenários geopolíticos e, portanto, um melhor entendimento
dos problemas correntes internacionais. Noele de Freitas Peigo
(Editora responsável)
▪ O LABORATÓRIO DE SIMULAÇÕES E CENÁRIOS
O LSC é um órgão vinculado ao Centro de Estudos Políticos André Figueiredo Nunes
e Estratégicos da Escola de Guerra Naval, tendo sido fundado
com o objetivo principal de ser o apoio institucional para a
Brenda Cardoso Severino Leão
pesquisa científica derivada de experiências feitas no Centro Caio Ferreira Almeida
de Jogos de Guerra da EGN. O Laboratório conta com diversos Carlos Henrique Ferreira da Silva Júnior
grupos, os quais possuem suas próprias agendas de pesquisa, Diane de Almeida Cruz Gustavo
assim como participam dos Jogos de Guerra. Esses grupos
de pesquisa são formados por doutorandos, mestrandos e Felipe Augusto Rodolfo Medeiros
graduandos das áreas de Relações Internacionais, História, Igor Lourenço Oliveira
Defesa e Gestão Estratégica Internacional, Ciência Política e Lais de Mello Rüdiger
correlatas, de diversas instituições de ensino.
Luciane Noronha Moreira de Oliveira
▪ CONTATO
Matheus Souza Galves Mendes
Comentários, críticas e sugestões sobre as análises devem ser Pedro Allemand Mancebo Silva
enviados para geo.corrente@yahoo.com.br. Thayná Fernandes Alves Ribeiro
Vinicius Guimarães Reis Gonçalves
Vivian de Mattos Marciano
(Pesquisadores do Grupo Geocorrente)

Os textos contidos neste boletim são de responsabilidade única dos membros do Grupo, não retratando a opinião oficial
da Escola de Guerra Naval nem da Marinha do Brasil.

• América do Sul • Rússia e ex-URSS


• América do Norte e Central • Sul da Ásia


África Subsaariana
Oriente Médio e Norte da África


Leste Asiático
Sudeste Asiático e Oceania
Regiões
• Europa • Ártico e Antártica
América do Sul
Fonte: Info Escola
Gás natural: a força motriz da Bolívia
No último mês, o presidente boliviano Evo Morales foi
reeleito pela segunda vez, para seu terceiro mandato seguido no
país sul-americano. Morales está à frente do país desde 2006,
ano em que anunciou a nacionalização das reservas de petróleo
e gás natural, por meio da modificação das regras regentes do
setor, o qual estava sob o comando de empresas estrangeiras, a
exemplo da Petrobras, presente na Bolívia desde os anos 1990.
Esta década também ficou marcada pela inauguração do gasoduto
Brasil-Bolívia (GASBOL), o maior da América do Sul, que liga
a cidade boliviana de Santa Cruz de la Sierra a Porto Alegre no
Brasil, passando por Corumbá (MS) e Campinas (SP). O duto
possui pouco mais de 3.000 quilômetros, praticamente a mesma
extensão da maior fronteira terrestre brasileira, compartilhada
justamente com a Bolívia.
O setor energético é um dos mais importantes para o país,
porém os maiores campos de gás boliviano, o de San Alberto e de San Antonio, equivalem a 0,7% do total
mundial, o que não é muito se comparado aos 27% da Rússia. A Petrobras possui um contrato com a Yacimientos
Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) em vigência desde 1999, de modo que, atualmente, a importação
aproxima-se dos 30 MMm³/dia, que representam cerca de 50% do consumo brasileiro de gás. Em agosto deste
ano, ambas as empresas firmaram um acordo corroborando a venda preferencial ao mercado brasileiro, caso a
Petrobras venha a descobrir gás natural em solo boliviano. O Brasil possui o quarto maior potencial hidráulico
mundial, de modo que a energia de fonte hidrelétrica sempre foi priorizada como matriz energética, porém,
com a intensificação da busca brasileira por fontes alternativas de energia, tem aumentado a demanda pelo gás
boliviano.
Durante a II Reunião das Nações Unidas para Países em Desenvolvimento sem Acesso ao Mar, ocorrida
no último dia 3 em Viena, Morales afirmou a intenção de estender a sociedade com a Petrobras até 2018 para
administração de uma das refinarias construídas pela empresa e estatizada pelo governo boliviano em 2006.
Mesmo com todo esse interesse em torno do gás boliviano, o Brasil permanece sem um embaixador em La
Paz há mais de um ano, após o desconforto diplomático ocorrido em agosto de 2013, com a fuga do senador
boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil, auxiliada pelo diplomata Eduardo Saboia.

América do Norte e Central


A presença da ONU no Haiti
Os chamados “capacetes azuis” estão no Haiti desde o começo dos anos 1990, quando a ajuda da ONU foi
solicitada pelo governo provisório do país para que as eleições ocorressem sem problemas. Os anos seguintes
às eleições foram de muita instabilidade política: em fevereiro de 2004, conflitos armados se espalharam por
todo o país, de modo que os insurgentes assumiram o controle da porção norte do Haiti. Em fevereiro deste ano,
o Conselho de Segurança da ONU autorizou a intervenção da Força Interina Multinacional, com o objetivo de
promover estabilidade no país, uma vez que a situação foi considerada uma ameaça para a paz e a segurança
internacionais. Com a situação em vias de melhora, ocorreu um grande revés: o terremoto de 12 de janeiro de
2010. Uma tragédia que matou mais de 220 mil pessoas e abalou ainda mais a frágil economia e infraestrutura
haitiana, levando assim a um clima de incerteza política no país.

[2]
A MINUSTAH, com um efetivo autorizado de até 5.021 militares e 2.370 policiais, teve seu mandato
renovado por mais um ano, no último dia 14 de outubro. A novidade é que pela primeira vez serão mais
policiais (2.601) do que militares (2.370). Tal prorrogação do mandato gerou alguns protestos de organizações
sociais, sobretudo as latino-americanas, as quais pedem o fim da intervenção militar no país, alegando que
alguns métodos utilizados por elementos da missão de paz não são adequados e violam os direitos humanos
dos haitianos.
Apesar da presença das forças da ONU, o país segue com certa instabilidade, tendo ocorrido, no último dia
18, manifestações anti-governo na capital Porto Príncipe que criticaram a atuação do presidente Michel Martelly
e o atraso das eleições. Os protestos, que até então eram pacíficos, estão mais violentos, tendo o último deixado
diversos feridos. Mesmo com essa instabilidade, a economia haitiana teve um crescimento considerável desde
o início da missão. Em 2003, o PIB do Haiti era de US$ 2,8 bilhões e, em 2013, de US$ 8,5 bilhões. A missão
é comandada por um general brasileiro desde seu início e conta, atualmente, com aproximadamente 1.200
militares do Brasil.

África Subsaariana
Primavera Negra: Burkina Faso e a instabilidade da Fonte: Folha de S. Paulo

África Ocidental
Nos últimos meses a África Ocidental tem sofrido com
várias instabilidades de natureza política, sanitária, social
e econômica, das quais se destaca o caso mais recente de
Burkina Faso. Ocorreram diversas manifestações populares
no país após a tentativa do então presidente Blaise Compaoré
de impor uma Emenda Constitucional visando permanecer no
poder por mais tempo, embora já estivesse à frente do país por
27 anos. A revolta popular fez com que Compaoré renunciasse ao poder, fugindo para o país vizinho, a Costa
do Marfim. Logo após a renúncia, o tenente coronel Isaac Zida assumiu interinamente a presidência do país.
Após diversos protestos por parte da população civil e pelos membros do Parlamento, não satisfeitos com essa
situação, os militares concordaram em formar uma comissão de 23 notáveis, que escolheram, nesse último dia
17, o ex-chanceler Michel Kafando para exercer interinamente a presidência até novembro de 2015, quando
ocorrerão novas eleições.
Durante o processo de descolonização, várias guerras civis acometeram o continente, sucedidas por uma
série de governos duradouros, dos quais podemos destacar o de José Eduardo dos Santos, presidente de Angola,
no poder há 35 anos, e de Paul Biya, presidente de Camarões há 32 anos. A possibilidade de uma “Primavera
Negra” trazendo uma onda revolucionária na região fez com que as Nações Unidas e a União Africana se
posicionassem a respeito. A ONU fez um pronunciamento expressando a necessidade dos militares de Burkina
Faso entregarem o governo aos civis, caso contrário, poderiam ser impostas sanções. Já a União Africana
alegou que não admite qualquer tipo de intervenção estrangeira no continente, também exigindo a saída dos
militares do poder.
Atualmente, Burkina Faso, um dos mais pobres países do mundo, tem passado por diversos problemas
graves como o de desertificação de parte de seu território, sendo que a maioria dos habitantes sobrevive da
agricultura de subsistência. Vale enfatizar que, como o país encontra-se situado no oeste africano, torna-se
geograficamente mais vulnerável ao vírus Ebola, além de também possuir contenciosos territoriais com seus
vizinhos Mali, Níger e Benin. A conjugação desses problemas pode agravar a instabilidade não apenas em
Burkina Faso, como na África Ocidental como um todo. Nesse sentido, a posse de Kafando, prevista para hoje
(dia 21), tende a reduzir as tensões na região.

[3]
Oriente Médio e Norte da África
Fonte: Eagle Speak Seria a pirataria uma nova opção de recursos para o
Estado Islâmico?
Desde 2011 tem sido organizada anualmente na cidade
de Dubai nos Emirados Árabes Unidos (EAU) a Conferência
Antipirataria dos EAU, cujo foco principal tem recaído
sobre as ameaças provenientes das atividades dos piratas
do chifre da África, em especial os somalis. No entanto,
na quarta edição do evento, ocorrida nos dias 29 e 30 de
outubro e que contou com lideranças regionais e africanas,
foi levantada a possibilidade de incursão de grupos terroristas
como o Estado Islâmico (EI) nesse tipo de atividade.
No discurso de abertura do evento, o ministro
das Relações Exteriores do país anfitrião, o xeque Abdullah bin Zayed al-Nahyan, fez um alerta para que
os Estados e as empresas privadas da região permanecessem atentos para coibir novas ameaças referentes
à pirataria, dentre as quais o ingresso do EI na atividade com o interesse de garantir outra fonte de
financiamento. Ainda segundo o ministro emiradense, é de extrema importância que isso seja prevenido para
evitar que a ameaça do EI se estenda às principais rotas comerciais marítimas da região, como o Estreito
de Ormuz, o Golfo de Áden e o Mar Vermelho. Embora não exista comprovação da existência de aliança
entre o grupo fundamentalista e organizações piratas, um dos principais meios de combate a essa questão
seria criar mecanismos que a impedissem de acontecer. Para alguns especialistas, como Todd Chapman do
Departamento de Assuntos Políticos e Militares do Departamento de Estado dos Estados Unidos, um possível
elo entre o EI e os piratas somalis seria algo incompatível, já que as atividades do grupo fundamentalista
islâmico partiriam de um pressuposto ideológico enquanto a dos piratas seriam estritamente criminosas.
A preocupação demonstrada na IV ConferênciaAntipirataria em Dubai poderia ser minimizada pela presença da
Quinta Esquadra americana na região, sediada em Manama no Bahrain, no entanto, conforme o discurso do xeque
emiradense, seria mais importante evitar que a ameaça se concretizasse do que combatê-la depois de cristalizada.

Oriente Médio e Norte da África


O desdobramento de um novo combate árabe-israelense? Fonte: World Defense Review

O Hezbollah é um grupo muçulmano xiita que surgiu durante


a Primeira Guerra do Líbano, em 1982, tendo como objetivo
resistir à ocupação de Israel, França e EUA e estabelecer um
regime islâmico no país. É conhecido como um movimento de
resistência à interferência externa e possui uma forte atuação
política, com assentos no Parlamento libanês e acesso à
disponibilização de serviços sociais para a população. O mapa
ao lado apresenta suas zonas de atuação, que se concentram
principalmente nas fronteiras com a Síria e Israel.
As guerras libanesas de 1982 e de 2006 se desenvolveram,
sobretudo, em torno do conflito entre Israel e Líbano,
apresentando o Hezbollah um papel central nos eventos. Recentemente, a situação entre os dois países vem se
agravando, o que causa uma preocupação generalizada na região.

[4]
Há pouco mais de um mês, o grupo Hezbollah assumiu a autoria pela explosão de um dispositivo que
feriu soldados israelenses na fronteira entre Líbano e Israel, colocando um fim à relativa paz que havia sido
construída desde 2006. Apesar de Israel já haver responsabilizado o Hezbollah por alguns foguetes que atingiram
seu território nesse meio tempo, tal participação foi negada pelo grupo. O Hezbollah não citou razão para o
último ataque, mas o nomeou como o “Martírio de Hassan Ali Haidar”, um membro da organização morto em
setembro pelos israelenses.
Israel respondeu ao ataque com fogo de artilharia em duas posições no sul do Líbano. Porém, apesar do
alarme, muitos analistas enxergam a ofensiva libanesa mais como forma de intimidar do que abrir uma nova
frente de conflito, já que o Hezbollah encontra-se lutando em duas frentes: combatendo insurgentes ao lado das
forças de defesa sírias e lutando contra o grupo afiliado da Al-Qaeda “Nusra Front” na fronteira entre Síria e
Líbano. Desde que o grupo assumiu seu apoio ao presidente sírio Bashar al-Assad contra uma insurgência sunita,
sua popularidade vem decaindo muito. Com isso, acredita-se que a mudança de atitude serviria para relembrar
que Israel é seu principal inimigo e reviver sua imagem de resistência, retomando a estima de muitos.

Europa
Fonte: BP Desafios energéticos e geopolíticos da Turquia
A Turquia está em um ponto estratégico que une
os continentes europeu e asiático, tendo sempre sido
considerada uma região importante por sua localização.
Atualmente, este fator tem representado uma questão
de oportunidade e ameaça, perante as tentativas turcas
de participar da União Europeia (UE) e da proximidade
ao Estado Islâmico (nos territórios do Iraque e Síria),
respectivamente. Somado a isso, o país enfrenta um
desafio interno de extrema relevância: a questão
energética.
Dentro desse panorama, o atual presidente turco, Tayyip Erdogan, nomeou Ahmet Davutoglu como primeiro-
ministro, que sempre foi seu aliado pela entrada turca na UE quando o chefe de Estado ocupava aquele cargo.
Quanto ao Estado Islâmico (EI), a Turquia está pressionada pela OTAN, que demanda uma ação mais efetiva
do país, e pelo PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), que reivindica até hoje a criação do Estado
Curdo em território turco e luta ao lado das nações ocidentais contra o EI.
Sobre a questão energética, a Turquia é dependente do gás vindo da Rússia. Embora possua usinas hidrelétricas
e termelétricas, o país só é capaz de produzir 10% do que consome. Somado a isso, o inverno do hemisfério
norte causa problemas na distribuição do gás devido às baixas temperaturas, e a falta de chuvas tem preocupado
especialistas. Tais problemas seriam minimizados com a produção de gás proveniente do campo de Shah Deniz
2 (Azerbaijão), cuja previsão de conclusão é em 2019, e com a possível descoberta de uma reserva na região
sudeste de Anatolia, o que tornaria a Turquia autossuficiente em gás por 40 anos, no melhor dos cenários.
O presidente Erdogan já enfrenta críticas à sua eleição, cujo caráter democrático é colocado em questão,
uma vez que o mesmo ocupava anteriormente o cargo de primeiro-ministro. O Brasil apoia Erdogan, reiterando
a proximidade diplomática, o que ficou claro nas discussões de questões comerciais com a Turquia no encontro
do G-20 na Austrália. Vale lembrar que a presidência do encontro que reúne as 20 maiores economias do
mundo será exercida pela Turquia em dezembro desse ano, a qual também sediará, em 2015, a próxima cúpula
de rodadas.

[5]
Rússia e ex-URSS
Fonte: EIA
Um panorama do Mar Cáspio
Localizado na Ásia Central, o Mar Cáspio pode ser considerado
o maior mar inland do mundo, em cujo entorno cinco Estados
possuem mar territorial, quatro deles ex-membros da União
Soviética: Turcomenistão, Cazaquistão, Azerbaijão, Rússia e Irã.
Em setembro de 2014, os cinco países mencionados
reuniram-se na IV Conferência do Mar Cáspio em Astrakhan, a
maior cidade russa da região. As partes acordaram em manter
soberania de 15 milhas náuticas e direito exclusivo de pesca
até 10 milhas náuticas da costa de cada Estado. No plano da
segurança estratégica, os países colocaram-se contra a presença
de forças militares ou empresas de nações “não-caspianas” na
região e concordaram em cooperar entre si para um equilíbrio
de forças armadas atendendo aos interesses de cada Estado.
Apesar do discurso de cooperação, algumas questões indicam um conflito de interesses entre os países.
Para Rússia e Irã, que enfrentam atualmente sanções do Ocidente, o maior interesse é manter a região
livre de influências estrangeiras; no entanto, o Azerbaijão emergiu como parceiro estratégico dos EUA e
da OTAN desde sua independência em 1991 devido à importância geoestratégica de suas reservas de gás
natural. Por meio do oleoduto e gasoduto de Baku-Tbilisi-Ceyhan e Baku-Tbilisi-Erzurum, respectivamente,
o Azerbaijão consegue exportar petróleo e gás natural para a Europa sem intermédio do território russo.
Vale ressaltar que a Rússia coloca-se contra a construção de um duto transcaspiano que escoaria gás
natural do Turcomenistão para o Azerbaijão, financiado pelo governo deste país junto a aliados ocidentais,
por ver essa obra como uma ameaça ao monopólio russo de principal fornecedor de gás para Europa.

Sul da Ásia
A ameaça do EI no Paquistão Fonte: The Long War Journal

No último dia 02 deste mês, durante um evento importante na


fronteira entre Índia e Paquistão, ocorreu um ataque por homem-
bomba que matou cerca de 60 pessoas e deixou 130 feridas. Alguns
dias depois, o Tehrik-i-Taliban (TTP), principal organização
terrorista paquistanesa, assumiu a responsabilidade pelo ocorrido,
junto com dois outros filiados. A justificativa seria retaliação a
uma operação do exército contra milícias radicais islâmicas.
O atentado em Wagah aumentou também a preocupação quanto
ao alcance do Estado Islâmico (EI) no sul da Ásia. Em setembro
deste ano, foi criada uma “sede” da Al-Qaeda no Paquistão e, no
mês seguinte, o TTP jurou fidelidade ao EI. Em vídeo divulgado
pela imprensa internacional, o líder da organização alegou
que “a única forma de garantir os direitos dos muçulmanos
é através da criação de um califado”. Diferente do que ocorre no caso do Oriente Médio, o que financia
estes grupos da região em questão é o tráfico de ópio. Entretanto, considerando que o Oceano Índico é rota
importante de petróleo e a força crescente que as milícias estão ganhando, já existe receio de que passem a

[6]
praticar roubo armado a navios petroleiros.
Outro problema foi o anúncio de que os radicais terão, em breve, ramificações na Índia, Bangladesh, Nepal
e Myanmar. Os Estados Unidos já se pronunciaram sobre o assunto, alegando que agirão com a força necessária
para deter os talibãs paquistaneses e afegãos – que são intrinsecamente ligados desde a sua criação. Uma das
principais dificuldades é que as milícias estão localizadas em lugares remotos e a fronteira entre ambos os países
é porosa. Somam-se a isso as acusações do Pentágono de que há radicais islâmicos infiltrados na Inteligência
paquistanesa e em outros setores importantes do governo. A Índia, maior preocupada com a situação, endossou
o discurso norte-americano de uso da força. O Exército paquistanês tenta conter a situação dos radicais há
décadas, mas a influência destes é crescente, o que gera uma sensação de insegurança intensificada pela gradual
retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão – fator que gera incerteza quanto ao futuro do conflito.

Leste Asiático
Fonte: New Zealand Ministry of Foreign Affairs and Trade O tabuleiro estratégico na Ásia Pacífico
Com o “boom” da economia chinesa a partir do
final do século XX, houve um aumento expressivo
da sua dependência em relação ao transporte
marítimo, o que levou a uma reformulação
estratégica importante, dando maior ênfase para
o desenvolvimento de sua Marinha de Guerra.
No outro extremo do espectro estão os Estados
Unidos, que têm o objetivo de conter a expansão
do poderio chinês, ao passo que partilha com
Pequim o desejo de manter abertas e seguras
as rotas comerciais marítimas na região. No
último dia 11, por ocasião da Reunião Anual da Cooperação Econômica Ásia Pacífico (APEC), os EUA
e a China adotaram algumas medidas para evitar que eventuais incidentes entre suas Marinhas se tornem
um confronto militar de maiores proporções. Nesse sentido, foi assinado um acordo entre os países da
APEC - que podem ser observados no mapa acima - com o objetivo de definir regras mais claras para
encontros de navios de guerra no mar, bem como a prévia notificação de exercícios militares na região.
Já na 25ª reunião da Associação dos Estados do Sudeste Asiático (ASEAN), ocorridas entre
os dias 12 e 13 deste mês pela primeira vez em Myanmar, dois temas sensíveis prevaleceram em
paralelo às questões econômicas: o potencial aumento do terrorismo na região (muito em razão
do avanço do Estado Islâmico na Síria e no Iraque) e as disputas marítimas envolvendo a China,
em especial com o Vietnã e com as Filipinas, dois temas que também interessam muito aos EUA.
No futuro próximo, particularmente as economias emergentes do Sudeste Asiático devem
continuar oscilando entre esses dois polos de poder, devido à dependência de investimento e
demanda por seus produtos, tanto por parte dos chineses como dos norte-americanos. Mas o
potencial de conflitos armados envolvendo tais países não deve ser descartado, de modo que a
decisão sobre em que lado da balança ficar acaba sendo o grande desafio regional do século XXI.

[7]
Sudeste Asiático e Oceania
Os interesses norte-americanos em Myanmar Fonte: BP Blogspot

Myanmar, ex-Birmânia (cuja mudança de nome


se deu em 1989), é um país que possui uma história
política bastante conturbada. De 1962 até 2011
foi governado por uma ditadura militar das mais
violentas da Ásia. O atual presidente, eleito em
novembro de 2010, é o general da reserva Thein
Sein, que proporcionou maior apoio internacional
ao país ao tomar diversas medidas democratizantes.
Aproveitando o encontro da ASEAN, o presidente
norte-americano Barack Obama visitou Myanmar
pela segunda vez durante seu mandato (vale ressaltar
que sua outra visita, em 2012, foi a primeira de um
presidente dos EUA ao país), com o objetivo oficial de incentivar a democracia, a justiça e a igualdade no país.
Para isso, inicialmente é proposta uma reforma constitucional que verse, principalmente, sobre três aspectos:
o primeiro trata de uma lei criada durante o antigo regime que garante 25% dos assentos do Parlamento aos
militares. Em segundo lugar, sobre outra lei que dispõe sobre a proibição de pessoas com cargo no governo
de serem casadas ou possuírem relacionamentos com estrangeiros – como é o caso da principal candidata
da oposição nas eleições previstas para 2015, Aung San Suu Kyi, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em
1991 por se opor ao governo militar. Por fim, há ainda o desafio de lidar com os conflitos internos do país
de 55 milhões de habitantes entre budistas (89%) e a minoria mulçumana (4%), que já mataram milhares de
pessoas de ambos os lados. Por lei, desde 1982, os mulçumanos não são considerados cidadãos birmaneses.
Por trás do ideal altruísta de democratizar o país, pode-se inferir que o objetivo maior dos Estados
Unidos é fazer frente à grande influência que a China ainda tem em Myanmar, principalmente sobre os
militares. A China é o maior parceiro comercial do país e financiou inteiramente (cerca de US$ 1 bilhão)
o gasoduto/oleoduto que liga o porto de Kyaukphyu à cidade chinesa de Kunming, onde se encontram
algumas refinarias chinesas. Contudo, em junho deste ano, após muitos protestos populares, o governo do
presidente Sein decidiu cancelar o projeto, também com a China, de construção de uma estrada de ferro
interligando as duas cidades. As próximas eleições presidenciais marcadas para o ano que vem podem
mudar o mais importante parceiro de Myanmar, com o que os chineses devem estar bastante preocupados.

Ártico e Antártica
O Dragão no Gelo
No dia 18 deste mês, o presidente chinês Xi Jinping e o primeiro ministro australiano Tony Abbott se
encontraram na cidade de Hobart, no estado da Tasmânia (AUS), onde assinaram um termo de cooperação
entre os programas antárticos dos dois países. No porto de Hobart estava atracado o Xue Long (Dragão da
Neve), como parte da recém-iniciada 31ª Expedição antártica chinesa. Nessa nova missão ao sexto continente,
os chineses terminarão as obras de sua quarta estação antártica, a de Taishan, localizada a meio caminho entre a
estação de Zhongshan e a mais alta estação científica do continente, Kunlun, inaugurada em 2009. Kunlun está
a 4 mil metros de altitude, de modo que o acesso por terra é bastante complexo, o que justificou a construção
de Taishan. Na presente expedição, além de diversas pesquisas científicas, também estão previstos o estudo de
viabilidade técnica para a construção de uma pista de pouso em Kunlun, a instalação de uma estação do sistema
chinês de posicionamento global por satélite “Beidou” na estação científica de Great Wall, além do início da
[8]
Fonte: The Economist construção da quinta estação chinesa, que deverá ficar localizada
na Baía de Terra Nova.
O investimento chinês em seus programas polares tem crescido
nos últimos anos e, tendo ingressado no chamado Clube Antártico
mais de vinte e cinco anos depois de outros Estados (em 1985), já
suplantou vários deles, que ainda hoje mantêm suas reivindicações
territoriais naquele continente (Austrália, Argentina, Chile, França,
Reino Unido, Noruega e Nova Zelândia). Em 2012, o orçamento
do programa antártico chinês alcançou a cifra de US$ 55 milhões.
Nada comparado aos US$ 300 milhões gastos anualmente pelos
EUA, mas já sendo o segundo maior orçamento dispendido
naquele continente.
A construção de novas estações e o esforço de articular
logisticamente essa rede indica a intenção chinesa de aumentar
ainda mais seu peso específico na balança de poder naquele
continente. Até o momento, a exploração de recursos minerais
na Antártica está totalmente proibida pelo Protocolo de Madri de 1991, mas até quando os grandes países
consumidores e importadores de energia, como é o caso da China, respeitarão esse acordo?
Até o momento, o Brasil, que de 2001 a 2011 dispendeu com seu programa antártico R$ 115 milhões,
quase o mesmo gasto pelos chineses apenas em 2012, ainda não iniciou a reconstrução de sua única estação, a
Comandante Ferraz, destruída por um grande incêndio em fevereiro de 2012, em função do insucesso nos dois
processos licitatórios conduzidos este ano.

Dicas de artigos selecionados


• DEUTSCHE WELLE - 18/11/2014
Russian advances in the Balkans a cause for concern - by Verica, Spasovska
• EL PAÍS - 17/11/2014
La paz de las FARC - por M. Á. Bastenier
• THE HINDU - 17/11/2014
Continent of the Islamic State - by Vijay Prashad
• THE NEW YORK TIMES - 16/11/2014
The Nigerian Status Quo - by Adewale Maja-Pearce
• THE NEW YORK TIMES - 18/11/2014
Did Dubai Do It? - by Thomas L. Friedman
• THE DIPLOMAT - 17/11/2014
Abe’s Humiliation in Beijing - by Aurelia George Mulgan
[Ao clicar sobre os títulos das reportagens, abrem-se os respectivos links]

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