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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Dhiego de Moura Mapa

Inserção internacional no governo Lula: o papel da política africana

Rio de Janeiro
2012
Dhiego de Moura Mapa

Inserção internacional no governo Lula: o papel da política africana

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para a obtenção do título de
Mestre, ao Programa de Pós-graduação
em Relações Internacionais da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de concentração: Política
Internacional.

Orientadora: Profª. Dra. Miriam Gomes Saraiva

Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A

M297i Mapa, Dhiego de Moura.


Inserção internacional no governo Lula o papel da política
africana / Dhiego de Moura Mapa. – 2012.
204 f.

Orientadora: Miriam Gomes Saraiva.


Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Bibliografia.

1. Brasil – Relações exteriores – Teses. 2. África – Relações


exteriores – Teses. I. Saraiva, Miriam Gomes. II. Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. III. Título.

CDU 327

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.

_____________________________________ ___________________________
Assinatura Data
Dhiego de Moura Mapa

Inserção internacional no governo Lula: o papel da política africana

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para a obtenção do título de
Mestre, ao Programa de Pós-graduação
em Relações Internacionais da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de concentração: Política
Internacional.

Aprovada em: 17 de abril de 2012.

Banca examinadora:

__________________________________________
Profª. Dra. Miriam Gomes Saraiva (Orientadora)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ
__________________________________________
Prof. Antônio Carlos Peixoto
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ
__________________________________________
Prof. Dr. Adriano de Freixo
Departamento de Ciência Política - UFF

Rio de Janeiro
2012
AGRADECIMENTOS

À minha família, em especial meus pais, pela compreensão e apoio afetivo tão
necessário à consecução de trabalho acadêmico que tanto tempo nos toma. Aos colegas de
curso pelas trocas e o prazer do bom convívio que tornaram as aulas e debates enriquecedores
e de alto nível. Aos amigos que tiveram que conviver com as ausências, mas mesmo assim
prestaram apoio fraterno e solidário ao desenvolvimento do trabalho.
À Profª. Drª. Miriam Gomes Saraiva, que orientou esta dissertação, pela dedicação,
indicações de leitura, revisão atenta dos fragmentos do trabalho que lhe foram entregues,
correções e sugestões sempre precisas. Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em
Relações Internacionais da UERJ (PPGRI/UERJ), pelo compartilhamento de conhecimentos
durantes as aulas do curso, de relevância ímpar à compreensão acerca da Política Externa
Brasileira, da História das Relações Internacionais, dos campos teóricos da disciplina e de
seus fundamentos filosóficos e epistemológicos, e pelos debates sobre temas da política
internacional. Em especial, agradeço às orientações e sugestões dos professores Antônio
Carlos Peixoto e Mônica Leite Lessa, que compuseram a banca de qualificação, cujas
observações muito contribuíram para a escrita final da dissertação.
Agradeço também ao Prof. Dr. Bernardo Kocher, da Universidade Federal Fluminense
(UFF), que nos momentos iniciais da pesquisa forneceu dicas, em algumas conversas, que
foram de extrema relevância ao andamento do trabalho. De igual maneira, ao Prof. Dr.
Adriano de Freixo (UFF) de quem recordo observações pertinentes em duas oportunidades,
em que pude apresentar resultados parciais da pesquisa em eventos acadêmicos nos quais foi
debatedor.
Por fim, não posso deixar de prestar agradecimento ao suporte financeiro concedido
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), através do
fornecimento de bolsa de estudos cujo beneficiamento permitiu a elaboração do presente
trabalho em todas as suas etapas.
O destino dos que trabalham e criam riquezas e o do continente
africano é, na realidade, um só. Uma consideração
particularmente verdadeira para um país como o Brasil, que
tantos laços possui com a África. Que ambos possam então se
encontrar no caminho da prosperidade e da justiça social, numa
trajetória em que seus povos venham a reconhecer um destino
comum.
Carlos Serrano e Maurício Waldman

Ao relacionar-se e colaborar com os africanos negros, o Brasil


segue uma linha histórica normal. Primeiro, porque é uma
potência média, sem pretensões colonizadoras ou imperialistas;
segundo, porque tem o que oferecer em tecnologia, serviços e
bens manufaturados; terceiro, porque é um parceiro geográfico-
histórico-étnico especialmente em relação à África Ocidental; e
quarto, porque vem demonstrando total fidelidade no apoio às
causas mais importantes dos africanos.
José Honório Rodrigues
RESUMO

MAPA, Dhiego de Moura. Inserção internacional no governo Lula: o papel da política


africana. 204 f. 2012. Dissertação (Mestrado em relações internacionais) – Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2012.

O arco geográfico de atuação internacional de um país se delimita a partir das linhas


de ação traçadas pela política externa. No caso brasileiro, o continente africano é percebido
pelo pensamento diplomático como espaço privilegiado para a presença internacional do
Brasil, em vista dos laços históricos e culturais, além de complementaridades econômicas e
políticas. Essa percepção apresentou oscilações ao longo dos anos, nas relações Brasil-África,
em uma dinâmica de maior aproximação ou afastamento, em vista de conjunturas
internacionais e domésticas de ambos os lados. Nos últimos anos, ao longo do governo de
Lula da Silva no Brasil, esse movimento convergiu para o estreitamento de laços e
estabelecimento de parcerias e acordos de cooperação diversos. A compreensão desse
processo, bem como de seus desdobramentos iniciais, é o que se pretende tratar na dissertação
ora apresentada. Ao arguir acerca da relevância das relações diplomáticas do Brasil com
países africanos, a presente dissertação baseou-se em levantamento de dados de comércio
exterior, análise de discurso diplomático, leitura de reflexões de especialistas e
acompanhamento dos desdobramentos suscitados pela valorização do continente africano para
a política externa brasileira. A pesquisa efetuada encaminhou-se para o levantamento da
hipótese acerca da assertividade e pragmatismo da política africana de Lula da Silva, em vista
de seus resultados e vínculos com o interesse nacional.

Palavras-chave: Relações Brasil-África. Política africana. Governo Luis Inácio Lula da Silva.
Política externa brasileira.
ABSTRACT

The geographic scope of international activities of a country is drawn from guidelines


of action established by its foreign policy. In Brazilian case, the African continent has been
perceived by the diplomatic school of thought as a privileged place for the Brazilian
international presence, because of historical and cultural ties, and also because of economic
and political complementarities. In the Brazil-Africa relations, this perception has varied over
the years, generating rapprochements or retractions, due to international and domestic
contexts of both sides. In recent years, over the government of Lula da Silva in Brazil, this
movement converged to stronger ties and partnerships and diversified cooperation
agreements. The understanding this process, as well as its initial development, is what will be
addressed by this thesis. From the questioning of the importance of diplomatic relations
between Brazil and African countries, this thesis is based on survey data on foreign trade, the
diplomatic discourse analysis, the reading of expert analysis and the monitoring of
developments in the appreciation of the role of African continent for Brazilian foreign policy.
The research has led to the lifting of the hypothesis about the assertiveness and pragmatism
of African policy of Lula da Silva government, according to their results and relations with
the national interest.

Keywords: Brazil-Africa relations. African policy. Luis Inacio Lula da Silva Government.
Brazilian foreign policy.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABC Agência Brasileira de Cooperação


ABDI Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
AFRICOM Comando Africano dos Estados Unidos, do inglês United States África
Command
AG Grupo Andrade Gutierrez
ALALC Associação Latino-Americana de Livre Comércio
ALCA Área de Livre Comércio das Américas
ANZUS Tratado de Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos
APEX Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos
ASA Cúpula América do Sul-África
ASPA Cúpula América do Sul-Países Árabes
BibliASPA Biblioteca e Centro de Pesquisas América do Sul-Países Árabes
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAMEX Câmara de Comércio Exterior
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CASA Comunidade Sul-Americana de Nações
CEA Comissão Econômica para a África
CEB Centro de Estudos Brasileiros
CEDEAO Comunidade Econômica dos Estados da África do Oeste
CEMAC Comunidade Econômica e Monetária da África Central
CENTO Organização do Tratado Central de Defesa do Oriente Médio
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
CICIBA Centro Internacional de Civilização Bantu
CINAC Cimentos Nacala
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
COMESA Mercado Comum da África Oriental e Austral, do ingles Commom Market
of Eastern and Southern África
COPASA Companhia de Saneamento de Minas Gerais
CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
CSN Conselho de Segurança Nacional
CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas
DAF I Divisão de África I
DAF II Divisão de África II
DAF III Divisão de África III
DAOP Departamento de África e Oriente Próximo
ELETROBRAS Centrais Elétricas Brasileiras S/A
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
ESG Escola Superior de Guerra
EUA Estados Unidos
FCP Fundação Cultural Palmares
FHC Fernando Henrique Cardoso
FINEM Programa para o Financiamento a Empreendimentos
FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz
FMI Fundo Monetário Internacional
FUNAG Fundação Alexandre de Gusmão
GATT Acordo Geral de Tarifas e Comércio, do inglês General Agreement on
Tariffs and Trade
I CIAD Primeira Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBAS Foro Índia-Brasil-África do Sul
IED Investimentos Externos Diretos
II CIAD Segunda Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora
IRBr Instituto Rio Branco
ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros
ISI Industrialização por Substituição de Importação
MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MCT Ministério da Ciência e Tecnologia
MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
MinC Ministério da Cultura
MONUA Missão de Observação das Nações Unidas em Angola
MPLA Movimento Pela Libertação de Angola
MRE Ministério das Relações Exteriores
NEPAD Nova Parceria Para o Desenvolvimento da África
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMC Organização Mundial de Comércio
ONG Organização Não-Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
OPA Operação Pan-Americana
OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
OTASE Organização do Tratado do Sudeste Asiático
OUA Organização da Unidade Africana
PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PEB Política Externa Brasileira
PEC-G Programa de Estudantes-Convênio de Graduação
PEC-PG Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação
PEI Política Externa Independente
PETROBRAS Petróleo Brasileiro S/A
PIB Produto Interno Bruto
PPA Plano Plurianual
PROAFRICA Programa de Cooperação Temática em Matéria de Ciência e Tecnologia
PT Partido dos Trabalhadores
RDC República Democrática do Congo
SADC Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, do inglês Southern
África Development Comunnity
SE/CAMEX Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior
SECEX Secretaria de Comércio Exterior
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SITREFESP Sindicato dos Treinadores de Futebol do Estado de São Paulo
UA União Africana
UE União Européia
UEMOA União Econômica e Monetária do Oeste Africano
UMA União do Magreb Árabe
UNASUL União de Nações Sul-Americanas
UNAVEM I Primeira Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola , do inglês
United Nations Angola Verification Mission I
UNAVEM II Segunda Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola, do inglês
United Nations Angola Verification Mission II
UNAVEM III Terceira Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola, do inglês
United Nations Angola Verification Mission III
UNCTAD Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, do
inglês United Nations Conference on Trade and Development
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, do
inglês United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
UNILAB Universidade Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira
UNITA União Pela Libertação Total de Angola
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
ZOPACAS Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Mapa político da África (2011)............................................................... 79


Figura 2 - Mapa Regional da África com as principais regiões designadas pela
ONU........................................................................................................... 80
Figura 3 - Mapa da descolonização africana............................................................ 82
Gráfico 1 - Evolução do comércio Brasil-África (1985-2005).................................. 85
Figura 4 - Mapa dos conflitos africanos (1990-2000).............................................. 88
Figura 5 - Mapa dos processos de integração africanos........................................... 89
Figura 6 - Mapa das viagens presidenciais (2002-2010).......................................... 123
Gráfico 2 - Investimento brasileiro em cooperação técnica, científica e tecnológica
por regiões (2005-2009)............................................................................. 147
Gráfico 3 - Evolução dos investimentos brasileiros em cooperação técnica,
científica e tecnológica na África (R$ valores correntes).......................... 148
Gráfico 4 - Evolução do fluxo de Comércio Brasil-África (2002-2011)................... 157
Gráfico 5 - Participação da corrente de comércio Brasil-África no total geral
brasleiro...................................................................................................... 160
Gráfico 6 - Evolução do total exportado pelo Brasil à África por valor agregado.... 162
Gráfico 7 - Exportações brasileiras para Angola (US$ milhões)............................. 164
Fotografia 1 - Reunião de pontos focais do IBAS (2004)............................................ 181
Fotografia 2 - Lula e os chefes de Estado da África do Sul e da Índia na 1ª Cúpula
IBAS (2006)............................................................................................... 181
Fotografia 3 - Encerramento do fórum de comércio e investimento IBAS (2005)........ 182
Fotografia 4 - Abertura de sessão plenária do IBAS (2006).......................................... 182
Fotografia 5 - Reunião preparatória à Cúpula ASPA (2005)......................................... 183
Fotografia 6 - Lula na abertura da Cúpula ASPA (2005)............................................... 183
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Composição da ONU por região, 1945-1980.......................................... 34


Tabela 2 - Exportação Brasil-África – 1979-1986 (US$ Mil).................................. 83
Tabela 3 - Exportação Brasil-África – 1985-1996 (US$ Mil).................................. 84
Tabela 4 - Viagens diplomáticas presidenciais por região (2002-2010).................. 122
Tabela 5 - Evolução do comércio Brasil-África (2002-2011).................................. 159
Tabela 6 - Quadro de referência com metodologia e variáveis do trabalho............. 189
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................. 16
1 AS RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA:
DA DESCOLONIZAÇÃO AFRO-ASIÁTICA AO PÓS-GUERRA
FRIA...................................................................................................................... 29
1.1 O Brasil e a emergência do Terceiro Mundo: gênese de um novo olhar
sobre a África........................................................................................................ 31
1.1.1 O Brasil e a descolonização africana...................................................................... 36
1.1.2 A África e a Política Externa Independente........................................................... 44
1.2 A PEB nos governos militares: implementação da política africana
brasileira................................................................................................................ 47
1.2.1 O golpe de 64 e o retrocesso diplomático.............................................................. 51
1.2.2 A conjuntura dos anos 70 e o apoio aos movimentos de libertação africanos....... 53
1.2.3 A importância estratégica da África para a PEB.................................................... 60
1.3 Brasil e África no pós-Guerra Fria..................................................................... 63
1.3.1 Universalismo seletivo em um mundo de polaridades indefinidas........................ 65
1.3.2 A diplomacia da cooperação sul-sul....................................................................... 68
1.4 Conclusão.............................................................................................................. 73
2 A ÁFRICA NA POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO LULA:
DIÁLOGO COM O RENASCIMENTO AFRICANO..................................... 76
2.1 A África no pós-Guerra Fria: entre o “afro-pessimismo” e o
“renascimento”..................................................................................................... 78
2.1.1 Visões da África contemporânea............................................................................ 86
2.2 A revalorização do continente africano na PEB................................................ 93
2.2.1 Formulação diplomática no governo Lula.............................................................. 97
2.2.2 Cooperação Sul-Sul e valorização da região africana............................................ 101
2.2.3 Apoio doméstico: valorização da afro-brasilidade, discurso multiculturalista e
crítica ao neoliberalismo......................................................................................... 108
2.3 Diplomacia presidencial na África...................................................................... 114
2.4 Conclusão.............................................................................................................. 127
3 COOPERAÇÃO MULTIDIMENSIONAL E COALIZÕES SUL-SUL: A
ÁFRICA COMO ESPAÇO DE PROJEÇÃO INTERNACIONAL DO
BRASIL................................................................................................................. 130
3.1 Cooperação técnica para o desenvolvimento..................................................... 131
3.2 A dimensão econômico comercial da política africana..................................... 148
3.2.1 Exportação e desenvolvimento econômico: contradições do modelo brasileiro.... 152
3.2.2 Potencialidade do mercado africano para o Brasil................................................. 156
3.3 O projeto reformista da ordem internacional da PEB e a África.................... 168
3.3.1 Hegemonia e Contra-Hegemonia........................................................................... 169
3.3.2 O plano de ação internacional: coalizões multilaterais e cooperação Sul-Sul....... 172
3.3.3 Coalizões multilaterais Brasil-África: Foro IBAS e Cúpulas ASPA e ASA.......... 175
3.4 Conclusão.............................................................................................................. 184
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 187
REFERÊNCIAS................................................................................................... 193

.
16

INTRODUÇÃO

A presente dissertação resulta de pesquisa pautada em esforço de compreensão das


relações Brasil-África enquanto componente estratégico de um projeto de inserção
internacional direcionado pela busca do desenvolvimento econômico e projeção política, que
são elementos definidores do interesse nacional1. Tal perspectiva se baseia no pressuposto de
que um dos pilares de sustentação de qualquer projeto de desenvolvimento nacional é a
delimitação do espaço a ser preenchido pelo país no cenário mundial, devido ao influxo do
sistema internacional no desenvolvimento interno das nações atreladas ao mercado global.
Nesse aspecto, cabe ao projeto de inserção internacional do país determinar que tipos de
parcerias devem ser estabelecidas, qual posicionamento tomar diante de conflitos
internacionais, de quais organismos participar e como atuar e articular-se nestes.
A formulação do modelo de inserção internacional brasileiro é dada pela política
externa do país que, por estar diretamente vinculada a determinado projeto de
desenvolvimento nacional, é orientada pelo tipo de modernização política e econômica
planejada e implementada pelo grupo detentor do controle do Estado. Desde a ascensão ao
poder, em 2003, de um presidente do Partido dos Trabalhadores – partido político
historicamente ligado às plataformas de governo defendidas pela esquerda brasileira – é
possível perceber uma reorientação dos caminhos a serem percorridos em prol do
desenvolvimento nacional, algo que se reflete na condução da política externa.
A partir dos primeiros anos de mandato do presidente Lula, sociólogos, cientistas
políticos e pesquisadores em geral, se lançaram ao trabalho de análise e conjectura sobre a
ideologia e as ações de seu governo, algumas vezes no sentido de tentar prever o que seria

1
De acordo com a proposição realista clássica de Hans Morgenthau, o interesse nacional é definido em termos de poder: o
objetivo de todo Estado é a maximização de seu poder relativo, no sistema internacional. Ao definir a política internacional
pela dimensão do poder, urge a necessidade de delimitar o que é o poder político. Duas dimensões de compreensão são
introduzidas por Morgenthau: primeiramente, é um “meio” para o alcance de objetivos nacionais delimitados, ou seja, sem
poder, não há como decidir ou se mover com autonomia e liberdade no sistema internacional; em segundo lugar, poder, em
si, denota a ideia da existência de uma relação psicológica de influência e controle entre dois entes (governante e governado).
Essa dimensão do poder político, por seu turno, difere da influência (é mais do que influência, é governo, controle) e da força
(pois não é um controle físico, mas psicológico, é mais profundo), devendo ser aproveitável (dimensão que emerge da
inaplicabilidade do exercício da força e obtenção do poder pela ameaça nuclear) e legítimo (geralmente moldado pelas
ideologias políticas). O poder político é, portanto, a capacidade de controlar e impor ações em benefício próprio, através de
um domínio mais psicológico (espiritual, cultural, ideológico, moral – o medo, a identidade, o carisma, o interesse, etc.) do
que físico (a força, a capacidade de intervenção militar, o potencial nuclear). Assim, o interesse nacional se define em termos
de busca por obter poder político na arena internacional para garantir ganhos e capacidades. Consequentemente, um projeto
de política externa que melhor atenda aos interesses nacionais seria aquele que traça parâmetros para aumentar o poder
político internacional de um Estado no sistema internacional e/ou que lhe confira poder político em termos de capacidade
para defender os interesses de Estado delimitados pelos formuladores de política externa (aumento do grau de autonomia).
(Cf.: MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Ed. UnB, Ipri, Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 2003, p. 22-50)
17

possível ocorrer: a questão econômica, política, cultural, o campo da política externa, etc. Tais
estudos progrediram, ao longo dos anos, de uma análise comparativa (entre seu governo e o
antecessor), para um estudo acerca dos resultados e desdobramentos gerados pelas diversas
ações e programas de governo. Este último é o caso desta pesquisa.
A política externa do governo Lula, em específico, buscou articular-se ao discurso do
rompimento com as políticas liberais ortodoxas dos anos 90. Trata-se de abandonar a
confiança na capacidade do mercado internacional gerar o desenvolvimento nacional por meio
de processos de modernização econômica que articulassem a economia nacional ao
movimento da globalização. Em contraste, no governo Lula, delineou-se um modelo calcado
na valorização do papel do Estado, como articulador de políticas de promoção do crescimento
econômico e social. Esse movimento doméstico foi acompanhado por perspectiva diplomática
que interpreta o sistema internacional a partir da divisão Centro-Periferia.
Por essa ótica, o papel internacional do Brasil seria de não aceitação de uma ordem
internacional cuja estrutura institucional, econômica e política beneficiem os interesses dos
países que compõem o Centro dessa estrutura (o Norte) em detrimento dos anseios daqueles
que compõem a periferia (o Sul). Nesse aspecto, a busca de penetração no mercado
internacional, durante o governo Lula, foi baseada no esforço de aproximação com nações
cuja aliança geraria força política e econômica a nível internacional: a chamada cooperação
Sul-Sul. Isso seria definido por aquilo que o ex-presidente Lula buscou caracterizar, em vários
discursos pronunciados, como sendo a construção de uma “nova geografia política e
econômica mundial”. A valorização da região africana para a política externa brasileira
(PEB), durante o governo Lula, se insere nesse processo.
As relações diplomáticas entre o Brasil e a África apresentaram-se como uma das
prioridades da política externa do governo Lula, em vista de o continente africano ser região
vizinha no âmbito da fronteira do Atlântico Sul. Desde o início da gestão de Lula da Silva, o
discurso presidencial buscou apresentar as relações com os países africanos como sendo umas
das prioridades da PEB, em vista dos laços históricos e culturais que ligam as duas margens
do Atlântico. Essa identidade histórica e geográfica entre o Brasil e a África é evocada por
uma diplomacia que projeta para a região africana a concretização de interesses pragmáticos:
projeção positiva da imagem do país como potência influente em assuntos internacionais,
ampliação do fluxo de comércio exterior do Brasil, estabelecimento de coalizões ao Sul que
fortaleçam os interesses brasileiros em instâncias multilaterais de negociação e
estabelecimento de laços cooperativos que conformem a posição de liderança internacional
(e/ou articulador de interesses) por meio do fortalecimento da identidade de país do Sul.
18

Assim, o fortalecimento dos laços diplomáticos entre o Brasil e a África, durante o


governo Lula, resultou de uma diplomacia mais preocupada com as relações com países em
desenvolvimento enquanto estratégia para tornar os fluxos comerciais, o ordenamento
econômico global e o jogo do poder internacional, mais favoráveis ao Brasil, auferindo-lhe o
caráter de nação influente nas questões internacionais. A valorização dada pela política
externa de Lula da Silva às relações com países africanos, nesse posicionamento estratégico
brasileiro quanto ao sistema internacional, resultou em abertura (e reabertura) de embaixadas
brasileiras na África e africanas no Brasil.
Inúmeras visitas de chefes de Estado africanos ao Brasil, uma ativa agenda de viagens
presidenciais de Lula da Silva ao continente africano, a ampliação do fluxo de comércio entre
o Brasil e países africanos, o estabelecimento de diversos projetos de cooperação técnica em
múltiplos campos (educação, saúde, formação profissional, etc.) e o estabelecimento de
articulações multilaterais inter-regionais, comprovam a prioridade dada pela diplomacia de
Lula da Silva às relações com países africanos. A proliferação de estudos sobre a política
africana do governo Lula, nos últimos anos, é um demonstrativo da relevância do tema.
Mediante tal panorama, delineia-se a proposta do presente trabalho: abordar a política africana
do governo Lula, a fim de melhor compreender as estratégias de sua política externa, bem
como de seus avanços e recuos.

Marco cronológico

O estudo das relações Brasil-África, enquanto estratégia de um projeto de inserção


internacional, conforme proposto por esta pesquisa, tem como marco cronológico os dois
governos de Lula da Silva (2003-2010), visto que esse é o período em que a PEB apresenta
uma política africana como um dos objetivos diplomáticos primordiais. A opção por analisar
os governos Lula de forma integrada (ao invés de se efetuar uma separação entre primeiro
mandato, 2003-2006, e segundo mandato, 2007-2010), se dá pela percepção de que entre
ambos os mandatos não se apresenta ruptura ou reorientação dos rumos da PEB, mas sim um
aprofundamento de diretrizes.
Por outro lado, apesar do reconhecimento de que o avanço nos estudos do tema para
além do governo Lula (no caso, o governo de Dilma Rousseff, ou um retrocesso comparativo
ao governo de Cardoso) seria de grande importância à temática, a opção por delimitar o
escopo da pesquisa aos anos da gestão de Lula da Silva, se explica pelo fato de que se busca,
aqui, um estudo panorâmico dos desdobramentos da revalorização das relações com o
19

continente africano, por parte da PEB, nos primeiros anos do século XXI, cujo momento
marcante é o governo Lula. Um breve retorno cronológico, no que tange ao desenvolvimento
da política africana do Brasil, será efetuado em capítulo histórico (que, inclusive, transcende o
governo de Cardoso). A continuidade ou ruptura do privilegiamento das relações com a
África, em anos pós-Lula, pode ser esquematizada em estudo posterior, que trate do governo
Rousseff em específico.

Objetivos e hipótese de trabalho

A constatação inicial, da qual parte este trabalho, é de que a valorização dada à relação
com os países africanos integra uma dupla estratégia de diversificação econômica e
fortalecimento político internacional (aspectos necessários à afirmação da condição de
potência influente em questões internacionais). Assim sendo, a pesquisa visa apreender a PEB
do governo Lula com o objetivo de perceber quais os impactos gerados pela política africana
do Brasil, bem como seus desdobramentos nos objetivos traçados pela PEB.
A abordagem proposta orienta-se por um movimento tripartido: 1º - compreender a
política externa do governo Lula (2003-2010), enquanto estratégia que atenda a determinada
percepção do que seja o interesse nacional; 2º - apreender o papel das relações afro-brasileiras
no modelo de inserção internacional formulado pelo referido governo; 3º - averiguar suas
especificidades, a forma como tem sido conduzida a política africana e suas realizações.
Deve-se destacar que, no caso das relações entre o Brasil e países africanos, há não apenas as
dimensões econômica, comercial e política, mas também cultural (no sentido de vínculos
identitários e trocas culturais) e social (no sentido de apresentarem uma agenda comum de
combate à fome, luta contra a injustiça social e busca de melhorias nas áreas da saúde e
educação). Tais fatores, portanto, devem ser devidamente abordados no conjunto da pesquisa.
A questão do desenvolvimento econômico e social das nações menos desenvolvidas – e o
esforço diplomático brasileiro em se apresentar como promotor de tal desenvolvimento
através de parcerias estratégicas – é um dado central no tema posto em tela.
A questão fundamental que se coloca na pesquisa é: qual o significado da política
africana para a política externa do governo Lula? De igual maneira, tal problemática deve ser
orientada por questões-chave como, por exemplo: o que levou o governo Lula a revalorizar a
política africana? Quais grupos defendem e/ou são contrários à política africana, conforme
esboçada pelo governo Lula, e por quê? O aprofundamento das relações Brasil-África tem, de
20

fato, sido benéfico, política e economicamente, ao desenvolvimento nacional e à projeção da


imagem internacional do “Brasil Potência”?
Conduzida desta forma, a pesquisa permitirá que se compreenda a política africana do
Brasil de maneira aprofundada, ampliando, assim, a percepção a respeito da PEB, tendo
sempre presente a ideia de que a conduta diplomática nacional tem sido pautada por ciclos de
maior ou menor alinhamento e dependência em relação às potências que compõem o centro
das “estruturas hegemônicas”2. Dessa forma, delimita-se o objetivo geral da pesquisa: ampliar
conhecimentos a respeito da PEB e de suas estratégias de inserção internacional. Entre os
objetivos específicos do trabalho, pode-se enumerar: 1. compreender a política africana do
Brasil de maneira aprofundada; 2. ampliar a percepção a respeito da diplomacia brasileira e do
papel desempenhado pelo modelo de inserção internacional para a consecução do interesse
nacional; 3. compreender os desdobramentos e escolhas oriundas da diversificação de
parcerias da diplomacia brasileira; 4. visualizar a importância do continente africano para a
PEB.
Partindo dos objetivos delimitados, a pesquisa procurará defender a hipótese de que a
política africana do Brasil, conforme esboçada no governo Lula, foi pragmática e assertiva,
pois auferiu ganhos políticos, econômicos e de projeção da imagem internacional do país. A
prioridade conferida às relações diplomáticas brasileiras com o continente africano serve para
reforçar a imagem internacional do Brasil como país/Estado promotor e defensor do
desenvolvimento (interna e externamente), que combate as assimetrias da globalização e se
destaca como liderança em meio às coalizões ao Sul.

Marco teórico e metodológico

É função de qualquer teoria das relações internacionais facilitar a compreensão dos


fenômenos inerentes à vida internacional e das causas e motivações profundas por detrás
destes fenômenos (ideologias, relações de força, conjunturas históricas específicas), em
oposição a um tipo de conhecimento voltado para a ação (praxeologias, a exemplo da ciência
econômica). Trata-se de constructos intelectuais de tipo contemplativo e explicativo3.

2
Cf. GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Quinhentos Anos de Periferia: uma contribuição ao estudo de política internacional.
Porto Alegre/Rio de Janeiro: Ed. da Universidade/UFRGS/Contraponto, 1999.
3
NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nilzar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005, p. 02.
21

A teoria é, portanto, ferramenta de análise que permite operar a pesquisa através da


formulação de conceitos. No âmbito dessa relação entre teoria e estudo empírico, Raymond
Aron afirma que “todo estudo concreto das relações internacionais se torna, portanto, um
estudo histórico e sociológico”, no qual, enquanto a sociologia se preocuparia com “a busca
de regularidades” (as generalidades e sistemas explicativos), a história se volta para as
“conjunturas singulares”4. Seguindo a premissa de Aron, Marcel Merle pontua que “a única
abordagem possível das relações internacionais continua sendo uma abordagem ‘sócio-
histórica”, na qual é preciso “limitar o campo de investigação a um determinado período da
história”, cuja abordagem seja sociológica, ou seja, parte de uma “hipótese de trabalho, de
uma visão sistemática”5.
Em termos metodológicos, o presente trabalho, consequentemente, apresenta uma
abordagem sócio-histórica. O corte cronológico-temático é a política africana do governo
Lula (2003-2010). O método de abordagem é o hipotético-dedutivo que, segundo Lakatos e
Marconi, é aquele que “se inicia pela percepção de uma lacuna nos conhecimentos, acerca da
qual formula hipóteses e, pelo processo de inferência dedutiva, testa a predição da ocorrência
de fenômenos abrangidos pela hipótese”6. Em termos práticos, seria a tentativa de resolução
de um problema/questão (percebido a partir do domínio de determinada temática/assunto, o
conhecimento empírico) através de uma hipótese a ser validada pela pesquisa (o teste).
A questão/problema que surgiu a partir do conhecimento empírico, na temática em
questão, foi: por que as relações entre Brasil e África se tornaram relevantes e enfáticas
durante o governo Lula? Qual a importância da política africana para a PEB no período
assinalado? A África deveria ser realmente uma das prioridades da diplomacia nacional? A
explicação causal do problema parte da premissa de que a formulação do modelo de inserção
internacional brasileiro está diretamente vinculado à determinada percepção do que seja o
interesse nacional, que sofre influxo de dinâmicas externas (as mudanças do contexto
internacional e a visão sistêmica apresentada pela diplomacia nacional) e domésticas (o tipo
de modernização política e econômica planejada pelo programa de governo).
Nesse sentido, a hipótese é de que a política africana no governo Lula é estratégica
antes que ideológica, visto que conjuga um projeto político mais amplo que visa projetar a
percepção de que o Estado brasileiro é indutor e defensor do desenvolvimento (interna e
externamente), combate as assimetrias da globalização e se destaca como liderança em meio
4
ARON, Raymond. “Que é uma teoria das Relações Internacionais?”. Revista Estudos Políticos, nº 18. Brasília, UNB, 1980.
5
MERLE, Marcel. Sociologia das Relações Internacionais. Brasília: Ed. UnB, 1981, p. 107.
6
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Maria de Andrade. Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 1991, p. 65-82.
22

às coalizões Sul-Sul. O continente africano é, portanto, percebido como um espaço


geopolítico privilegiado para a ação diplomática brasileira, seja devido às afinidades
linguísticas e culturais (caso dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, PALOP),
seja devido às condições socioeconômicas africanas (para cujos problemas o Brasil se
apresenta como promotor de parcerias de cooperação técnica para a resolução de questões
educacionais, políticas, de saúde pública, etc.). A política africana, portanto, é um meio e não
um fim da PEB, visto que gera ganhos internacionais ao país. Os resultados alcançados pela
PEB, ao valorizar as relações com países africanos, atestam o pragmatismo dessa postura
diplomática.
Com o fito de traçar as nuances da correlação entre política externa e doméstica que
influem sobre a compreensão do que seja o interesse nacional, no que tange à postura do
governo Lula posta em análise, é preciso estabelecer as variáveis que condicionam o plano de
ação dos formuladores de política externa, bem como a consequente forma de atuação
diplomática. Na dissertação apresentada, as variáveis da pesquisa (conforme esboçadas a
seguir) foram elementos estruturantes a orientar o estudo efetuado.
Importa pontuar que o presente trabalho não parte de uma análise sistêmica das
relações internacionais, mas trata-se de um subnível de estudo, mais especificamente, a PEB,
no qual a correlação entre política doméstica e externa é posta em evidência. A esse respeito,
Renouvin e Duroselle, ao acentuarem o aspecto subjetivo inerente ao interesse nacional,
enquanto elemento que orienta as opções internacionais do homem de Estado, já haviam
assinalado que “em matéria de interesse nacional, política interna e política exterior se
confundem inextricavelmente”7, motivo pelo qual, elementos das “forças profundas” exercem
influxo sobre as decisões do estadista (principalmente forças econômicas e ideológicas:
grupos de pressão, opinião pública, lobbies, conjuntura econômica, cultura e pressões sociais
de classe).
Dessa forma, Renouvin e Duroselle identificam a necessidade de considerar a política
interna dos estados como chave explicativa dos fenômenos internacionais. Partindo da
percepção de que política doméstica e política exterior são de mesma natureza (já que esta é a
projeção internacional das questões e projetos daquela), Pierre Milza qualifica os fatores
internos de longa duração que influem na política externa: 1. a identidade nacional (ideia de
missão, projeto de nação), 2. os diferentes modelos externos (que dividem facções da classe
política e da opinião pública), 3. a estratégia de desenvolvimento (cujas contradições internas

7
RENOUVIN, Pierre; DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à história das relações internacionais. São Paulo: Difusão
Européia do Livro, 1967. p. 341.
23

explicam nuances externas), 4. a natureza do Estado (republicano, democrático), 5. a busca de


consenso pela política externa8. A partir das premissas de Renouvin e Duroselle e de Milza,
extraímos as variáveis da investigação.
A variável dependente (fator explicado e influenciado pelas variáveis independentes) é
o fato de que a política interna influi sobre as escolhas internacionais. Por seu turno, as
variáveis independentes seriam cada um dos cinco fatores domésticos que exercem influxo
sobre a conduta internacional de um país, conforme enumerado por Milza. Transpostas ao
caso brasileiro, cada uma das variáveis apresenta especificidades que devem ser observadas.
No caso específico da política africana do governo Lula, a variável dependente assinalada
seria a identificação da região africana como espaço propício à projeção da capacidade de
potência do Brasil.
Conforme Aron, a capacidade de potência, desenvolvida em tempos de paz por meios
diplomáticos, seria “a capacidade de resistir à vontade alheia e de impor aos outros sua
própria vontade”, podendo se dar de forma ofensiva ou defensiva. A potência ofensiva seria
própria de países com grande volume de recursos econômicos e militares que lhes garantem
forte capacidade política de convencer ou impor suas vontades (as grandes potências), seja
por meio de negociações ou por meio de ameaças e conflitos diretos. A potência defensiva,
por seu turno, seria própria de nações com menos recursos que as grandes potências, mas que
procuram preservar sua autonomia frente às sanções e/ou tentativa de imposição de vontade
por parte daquelas. Nas palavras de Aron, as potências defensivas “querem apenas sobreviver
como atores independentes” 9.
Enquanto objetivo de política externa, a condição de potência (ofensiva ou defensiva)
permite à unidade soberana posicionar-se no sistema internacional de forma propositiva em
conformidade com seus anseios ao invés de subordinada e indefesa às imposições de
terceiros. Tais demandas de uma potência no sistema internacional podem ser de um Estado
conservador (que deseja a manutenção do status quo) ou de um Estado revisionista (que
propugna alterar a configuração da ordem internacional a seu favor)10.
Pela perspectiva desta pesquisa, durante o governo Lula, a diplomacia brasileira, em
vista de suas capacidades, recursos e anseios nacionais, buscou desenvolver uma política
externa de potência defensiva e de Estado revisionista, conforme as categorias de Aron. A
8
MILZA, Pierre. “Política interna e política externa”. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro:
FGV, 2003, p. 370-380.
9
ARON, Raymon. “Os meios da política externa”. In: DEUTSCH, Karl et al. Curso de introdução às relações
internacionais: o Estado-nação e as Relações Internacionais. Brasília: Ed. UnB, 1983, p. 91-121.
10
Ibidem.
24

estratégia para tanto foi ampliar a diversificação de parcerias, direcionando-a para coalizões
ao Sul. Nesse processo, o continente africano seria identificado como espaço geoestratégico
suscetível à consecução do objetivo delimitado. Este aspecto seria a variável dependente da
pesquisa apresentada.
A esta variável se conforma os três primeiros fatores internos assinalados por Milza
(identidade nacional, diferentes modelos externos, estratégia de desenvolvimento), com
algumas especificidades, que caracterizamos como variáveis independentes da pesquisa. A
identidade nacional brasileira (a missão e o projeto de nação) pode ser identificada pela
percepção do “destino de grandeza” que conforma o habitus institucional do Itamaraty, pois,
se em 1972, Araújo Castro declarara que “o Brasil está condenado à grandeza”11, já em 2005,
o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães reafirmara a mesma perspectiva ao pontuar que “O
destino brasileiro será de grandeza”12.
Esse “destino de grandeza” é um elemento estrutural que compõe o imaginário
diplomático brasileiro, historicamente vinculado à idéia de que “o Brasil é o país do futuro”.
Conforme salienta Gerson Moura, essa “idéia de que o Brasil estaria destinado a ser uma
grande potência não nasceu com o ‘milagre econômico’ dos anos 70”13, mas é um elemento
que já aparecia nos discursos diplomáticos dos anos 40, momento em que o Brasil negociou
seu alinhamento com os Estados Unidos (EUA) durante a Segunda Guerra Mundial. Durante
os governos militares (1964-1985), em outra conjuntura internacional, esse componente da
identidade nacional emerge no projeto de “Brasil potência”, da “Diplomacia do Interesse
Nacional” do governo Médici14, cuja proposta era aproveitar os espaços internacionais para
inserir o Brasil no Primeiro Mundo, aproveitando o ciclo do “milagre econômico”. Tratava-se
da busca da industrialização como via ao desenvolvimento nacional, projeto que remontava ao
período dos governos populistas.
Esse projeto de “Brasil potência”, subjacente ao “destino de grandeza”, que visa
desenvolver a capacidade nacional de se tornar um dos grandes no tabuleiro internacional, se
fez notar no governo Lula, tanto nos meios diplomáticos, quanto na percepção partidária de
governo. As ações diplomáticas do governo Lula, segundo a percepção de seus formuladores,

11
CASTRO, J. A. de Araújo. “O congelamento do Poder Mundial”. Revista Brasileira de Estudos Políticos, nº 33. Belo
Horizonte, UFMG, jan. 1972, p. 07-30.
12
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios brasileiros da era dos gigantes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005, p. 341.
13
MOURA, Gerson. Sucessos e ilusões: relações internacionais do Brasil durante e após a Segunda Guerra Mundial. Rio de
Janeiro: FGV, 1991, p. IX.
14
VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações internacionais do Brasil: de Vargas a Lula. São Paulo: Ed. Perseu Abramo, 2003,
p. 46-47.
25

se encaminhariam no sentido de conformar a condição de potência internacional, a fim de


concretizar seu “destino de grandeza”. A estratégia adotada para o alcance da concretização
do “destino de potência” brasileiro foi a busca por encetar coalizões ao Sul. Nesse aspecto, o
aprofundamento das relações com países africanos seria substancial a esta demanda. Delimita-
se, assim, a primeira variável independente da pesquisa: a percepção de que a concretização
do “destino de potência” se liga ao estabelecimento de coalizões ao Sul.
No que tange aos diferentes modelos externos, é notório que durante o governo Lula
houve uma convergência de percepções entre o corpo diplomático e interesses partidários. Tal
convergência endossaria a identificação do interesse nacional com o reforço da identidade de
país do Sul. Seria essa a segunda variável da pesquisa.
Essa variável ajuda a compreender, por exemplo, o fato de que a mudança de postura
internacional do Brasil (mais pró-ativa, de defesa da cooperação Sul-Sul, cuja valorização das
relações com países africanos é um desdobramento) foi aprofundada na mudança de governo
(de Cardoso a Lula da Silva), no qual a chefia do MRE (Ministério das Relações Exteriores)
foi entregue a uma corrente existente dentro do Itamaraty cujas proposições diplomáticas
tiveram pouca voz na conjuntura dos anos 90.
Essa corrente, que pode ser categorizada como autonomista15, é representada por
Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, formuladores da PEB no período junto à
presidência, que também contou com assessoria de Marco Aurélio Garcia (ligado ao Partido
dos Trabalhadores). Pela perspectiva autonomista, a busca de projeção internacional
autônoma do país, a partir de leitura do sistema internacional que enfatiza a divisão Norte-Sul,
teria por ação estratégica as relações de cooperação Sul-Sul.
O fortalecimento da cooperação Sul-Sul, posto em prática pelo Itamaraty, fez com que
a diplomacia nacional rumasse em direção à África, Oriente Médio e Ásia, sem desconsiderar
os laços com EUA e Europa, além de procurar fortalecer as relações com o entorno regional.
Essa preocupação em termos de ampliação do leque de opções internacionais do país, vão ao
encontro das propostas de caráter mais partidário do governo, em relação à política externa. O
fato é ratificado pelas declarações de Marco A. Garcia.
Ao tratar do tema dos direitos humanos no governo Lula, em comparação com o
governo Rousseff, Garcia (durante entrevista concedida ao “O Estado de S. Paulo”) salientou
que o governo Lula não ficaria marcado pelo convívio com regimes ditatoriais, mas sim pela

15
Cf.: SARAIVA, Miriam Gomes. “O segundo mandato de Lula e a política externa: poucas novidades”. Carta
Internacional, vol. 02, nº 01, março 2007, p. 22-24. Disponível em:
http://www.usp.br/cartainternacional/modx/index.php?id=70. Acessado em: 27 mar. 2009.
26

“boa relação com a América do Sul, América Latina, África, China, Índia, União Europeia e
EUA”16. Percebe-se, portanto, que a estratégia de inserção internacional do Brasil, dada pela
ampliação do leque de opções, articulações e coalizões externas do país, por meio do
fortalecimento do diálogo Sul-Sul, atendia, a um só tempo, a plataformas partidárias e anseios
de política externa latentes na corporação diplomática.
Portanto, a convergência entre aspirações diplomáticas institucionais e interesses de
aspecto partidário do grupo que chefia o Executivo, reorientou os rumos da PEB e sua
respectiva estratégia de projeção internacional. A política africana, em específico, é
emblemática nesse sentido, visto que congrega percepção diplomática que remonta ao
arcabouço conceitual da PEI (Política Externa Independente) e interesses domésticos de
grupos vinculados ao governo, a exemplo da plataforma de governo de promoção da
igualdade racial e valorização da cultura afro-brasileira.
Por fim, a estratégia de desenvolvimento, no governo Lula, assentou-se em torno de 04
fundamentos: estabilidade macroeconômica; valorização do papel do Estado como
coordenador de políticas para o desenvolvimento; promoção da inclusão social com formação
de mercado de massas; implementação de uma política externa pró-ativa e pragmática. O
papel da política externa, nesse processo, seria o de gerar maior presença internacional do país
em temas/debates da agenda global que lhe dessem maior visibilidade e, também, por meio de
uma política de cooperação internacional junto aos países do Sul. Este último resultou da
melhoria das condições econômicas (que possibilitaram realização de investimentos) e da
vontade política em apresentar postura ativista na promoção do desenvolvimento na arena
internacional. A forte participação estatal (articulação interministerial e presença de agências
de governo) e um grande dinamismo empresarial (com investimentos globais, principalmente
na América do Sul, África e Ásia) foram aspectos marcantes nesse movimento17.
Assim, em termos de estratégia de desenvolvimento, a PEB no período estudado atuou
como demandante em fóruns de governança global, com abandono de posições defensivas,
conferindo, ainda, prioridade às relações Sul-Sul, destacando-se pelo seu envolvimento na
promoção da cooperação para o desenvolvimento. Conforme Hirst, Lima e Pinheiro, essa
estratégia Sul-Sul da PEB, teve a região africana como “referente simbólico”18. A terceira

16
SIMON, Roberto. “Claro que há mudanças na política externa”. O Estado de S. Paulo, Notícias, 03 abr. 2011. Disponível
em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110403/not_imp700996,0.php. Acesso em: 03 abr. 2011.
17
HIRST, Mônica; LIMA, Maria Regina Soares de; PINHEIRO, Letícia. “A política externa do governo brasileiro em
tempos de novos horizontes e desafios”. OPSA, Análise de Conjuntura, nº 12, dez. 2010. Disponível em: www.opsa.com.br.
Acesso em: 07 mar. 2012.
18
Ibidem.
27

variável a influir na valorização da região africana, portanto, seria a promoção da cooperação


para o desenvolvimento como estratégia para ampliar a presença internacional do Brasil.
Essa forma de atuação internacional seria um desdobramento da estratégia doméstica de
buscar promover o desenvolvimento econômico e social.

Estrutura dos capítulos

Com o fito de atender aos objetivos traçados, com a respectiva metodologia delimitada, a
dissertação estrutura-se em três capítulos. O primeiro capítulo tem aspecto histórico e sua
elaboração se deu em vista da percepção de que seria necessário um retrocesso cronológico no
tema, a fim de averiguar as origens da política africana na PEB. Tal processo se fez por meio
de revisão bibliográfica (publicações de época ou teses publicadas mais recentemente), na
qual se pôde identificar o entrelaçamento entre o surgimento do Terceiro Mundo e a criação
de uma agenda africana na diplomacia nacional. Nesse movimento, a política africana
vincula-se diretamente à ampliação de parcerias internacionais do Brasil (universalismo). A
menor dose de universalismo fez as relações Brasil-África terem baixo perfil ao longo dos
anos 90 e, por conseguinte, uma maior dose de universalismo, durante a gestão presidencial e
diplomática de Lula/Amorim, contribui para a revitalização da política africana.
O recorte cronológico estabelecido no capítulo 1 (dos anos 50 à primeira década do
século XXI) se deve à percepção de que a formulação de uma política externa que leve em
consideração os anseios africanos, tem relação direta com o impacto causado pelo processo de
descolonização afro-asiático no sistema internacional. Se uma política africana do Brasil se
materializou, de fato, durantes os governos militares (a partir dos anos 70), o esboço de sua
formulação foi traçado entre os anos 50 e 60, no âmbito da PEI. São exatamente os
parâmetros da PEI que dinamizaram tanto a política externa do “pragmatismo responsável e
ecumênico” de Geisel e o “universalismo” de Figueiredo, quanto a política externa do
governo Lula.
No caso do governo Lula, a agenda para a África que foi posta em prática contemplou
um plano de ação multilateral (as coalizões Sul-Sul materializadas pelos foros inter-regionais)
e outro bilateral (factível pela diplomacia presidencial, no qual as diversas viagens
presidenciais ao continente africano contemplaram assinatura de acordos de cooperação
técnica variados). Cada plano de ação será tratado em um capítulo específico da dissertação,
no qual serão aplicadas as variáveis, a fim de testar a hipótese.
28

O capítulo 2 tratará da diplomacia presidencial, ou seja, as viagens diplomáticas da


presidência à África, apresentando um levantamento dos discursos, acordos firmados e tipos
de cooperação implementados. O tema central do capítulo é o estabelecimento de
entendimento entre o processo de mudança por que perpassou o continente africano entre fins
da década de 1990 e a primeira década do século XXI (o chamado “renascimento africano”) e
a política externa formulada pelo governo Lula. O objetivo do capítulo é compreender o grau
de importância das relações Brasil-África para a PEB, conforme formulada durante o governo
Lula. A busca por estabelecer diálogo com o “renascimento africano” desembocou na
formulação de uma política externa para a África calcada na promoção da cooperação para o
desenvolvimento, conforme será esboçado no capítulo 3.
Esse processo apresentou dinâmica cooperação de aspecto multidimensional que
logrou, inclusive, ganhos econômicos e comerciais substanciais e promissores. A percepção
africana acerca da presença brasileira foi positiva e a receptividade e estreitamento de laços
diplomáticos oportunizaram o estabelecimento de coalizões multilaterais inovadoras. O
objetivo do capítulo é fundamentar a hipótese central de que a política africana visa reforçar a
imagem que a PEB buscou projetar: um país que promove e defende o desenvolvimento na
região periférica do sistema internacional e que combate as assimetrias da globalização,
buscando consolidar assim a percepção internacional de sua posição de liderança (ou
potência) no cenário internacional.
Ao final do capítulo 3, será abordada a relação entre o projeto de política externa da
gestão de Lula da Silva e as coalizões Sul-Sul encetadas, no qual o continente africano tem
participação central e o Brasil tem posição de liderança. Por se tratar de estudo acerca da
dimensão multilateral das relações Brasil-África durante o governo Lula, o capítulo privilegia
as coalizões Sul-Sul, envolvendo o continente africano, que surgiram durante o recorte
cronológico adotado (2003-2010): o Foro IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) e as Cúpulas
ASPA (América do Sul-Países Árabes) e ASA (América do Sul-África). Portanto, o capítulo
3 pretende abordar a importância estratégica do continente africano para o projeto de inserção
internacional, via cooperação Sul-Sul, arquitetado pela diplomacia do governo Lula.
29

1 AS RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA: DA


DESCOLONIZAÇÃO AFRO-ASIÁTICA AO PÓS-GUERRA FRIA

Temos de voltar para a África. A África é nossa origem. Muito


romântica a idéia. A África é nossa origem. De repente passa a ser
uma honra, uma dignidade, ser mulato. Eu sou mulato, sou africano,
uma honra, uma dignidade. Essas bobagens [...] foi toda uma
intelectualidade importante, de renome, no Brasil. Então vamos à
África, vamos todos à África. Vamos ser africanos, vamos ser
africanos. Vai ser uma beleza. Somos todos africanos, somos todos
africanos. E essas bobagens; no fundo, era uma tolice.

Maria Yedda Linhares*

Quem conhece o ontem e o hoje, conhecerá o amanhã, porque o fio


do tecelão é o futuro, o pano tecido é o presente, o pano tecido e
dobrado é o passado.

Provérbio fula**

A política externa brasileira projeta olhares estratégicos sobre o continente africano


desde que irromperam novos entes estatais no sistema internacional, oriundos do processo de
descolonização afro-asiático ao longo de meados do século XX. O auge desse movimento
situa-se na década de 70, momento em que, em virtude de condicionantes externos (a crise
econômica mundial dos anos 70) e domésticos (a necessidade de busca de novos insumos ao
desenvolvimento e de fontes energéticas alternativas), a autodenominada “diplomacia do
pragmatismo ecumênico e responsável” de Geisel colocou em prática uma política africana
que se iniciou com o reconhecimento da independência angolana e abandono do tradicional
apoio ao colonialismo português.
A ação propositiva brasileira com relação à África surgiu de maneira um tanto tardia,
haja vista que o terceiro-mundismo irradiou na década de 1950. Isso se deve a uma
conjugação de fatores internos e externos. O presente capítulo pretende apresentar um breve
panorama da questão, acompanhando as forças que influíram no movimento inconstante de
aproximação e distanciamento diplomático entre Brasil e África, desde a ebulição de Estados
africanos no sistema internacional, até o alvorecer do século XXI. Partindo de uma

*
Trecho de entrevista de Maria Yedda Linhares a Jerry Dávila. Cf.: DÁVILA, Jerry. Hotel trópico: o Brasil e o desafio da
descolonização africana, 1950-1980. São Paulo: Paz e Terra, 2011, p. 70.
**
Apud SERRANO, Carlos; WALDMAN, Maurício. Memória d’África: a temática africana em sala de aula. São Paulo:
Cortez Editora, 2008, p. 280.
30

perspectiva histórica, ancorada em leitura especializada, essa revisão de literatura tem por
objetivo dimensionar o impacto do terceiro-mundismo sobre as relações internacionais do
século XX, à qual se vincula a gênese da política africana do Brasil.
A perspectiva histórica, aplicada ao estudo das Relações Internacionais, segundo
Renouvin19, tem por objeto a compreensão da política externa dos Estados que fazem parte do
sistema internacional a partir dos fatores geográficos, econômicos, ideológicos e culturais (as
“forças profundas”) que direcionam suas ações. Essa busca das “forças profundas” que
influenciam e dão sentido à ação dos “homens de Estado”, seria a contribuição da lente da
História para a explicação dos fenômenos internacionais. Se, em termos geográficos, “nossos
vizinhos de além mar”20 importam aos cálculos estratégicos da geopolítica do Atlântico Sul,
em termos culturais, a retórica multiculturalista da identidade afro-brasileira forjou o discurso
de aproximação diplomática entre o Brasil e a África negra desde a segunda metade do século
XX. Entretanto, para além da contigüidade oceânica e dos valorizados laços culturais, é no
âmbito econômico e ideológico (a definição do interesse nacional21) que a política externa do
Brasil para a África deve ser situada. Serão esses dois últimos aspectos enfatizados na
abordagem proposta, visto serem os elementos históricos que exerceram maior influxo sobre a
revalorização das relações afro-brasileiras, na política externa do governo Lula – que é o
cerne da pesquisa.
Em vista do exposto, a análise é apresentada em três momentos distintos: primeiro,
será tratado o impacto que o processo de descolonização afro-asiática causou na condução e
formulação da PEB. Após isso, o foco recairá sobre a proximidade entre o Brasil e a África a
partir da década de 1970, na vigência dos governos militares. Por fim, será traçado um esboço
da forma como se encaminharam as relações entre Brasil e África no pós-Guerra Fria. A
dinâmica tripartida desse relacionamento pode ser percebida pela sequência:

19
RENOUVIN; DUROSELLE. Op. cit., p. 5-8.
20
Cf.: DISCURSO DO CHANCELER AZEREDO DA SILVEIRA NO ROYAL INSTITUTE OF AMERICAN AFFAIRS
(Chattam House), em Londres, em 21 de outubro de 1975. Resenha de Política Exterior do Brasil, nº 7, outubro-
dezembro/1975, p. 55.
21
No que diz respeito à definição do interesse nacional de determinada unidade estatal, José Honório Rodrigues apresenta
perspectiva percuciente à especificidade brasileira. Conforme Rodrigues, “o interesse nacional é aquele que defende
aspirações permanentes e atuais da Nação”, sendo, portanto, “o somatório dos interesses do Povo e da União” que, no caso
brasileiro, são “ampliados em matéria internacional aos princípios da segurança, da auto-determinação, da não intervenção,
do anticolonialismo, do comércio livre e da paz, conforme se viu nos primeiros Manifestos nacionais e em todas as
Constituições”. O problema consiste na “interpretação do interesse nacional”, controlada pela classe política (Poder
Executivo e o Legislativo), que “não exprimem o povo na sua totalidade”, ou, pior, “a falta de uma maioria nacional permite
que, em nome da minoria, se confunda o interesse nacional com os interesses da minoria”. Nesse sentido, o “interesse
nacional que atende esse conjunto [União e Povo] é o desenvolvimento nacional”, de maneira a alçar o posto de nação
desenvolvida, sem abrir mão da autonomia decisória em política externa. (Cf.: RODRIGUES, José Honório. Interesse
Nacional e Política Externa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 76-93; 190)
31

formulação/implementação/esfriamento da política africana do Brasil, em cada momento


histórico assinalado.

1.1 O Brasil e a emergência do terceiro mundo: gênese de um novo olhar sobre a


África

O fim da II Guerra Mundial seria marcado pelo fortalecimento dos EUA e da URSS
(União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), que emergiram dos escombros do conflito
mundial como as duas superpotências que se colocavam como líderes de um novo sistema
global. Aliados de véspera, não tardaram a se antagonizarem em dois blocos geopolíticos
divergentes, consolidando a percepção da existência de dois mundos: o Primeiro Mundo,
capitalista, ocidental, sob hegemonia norte-americana; o Segundo Mundo, socialista, oriental,
sob a égide do sistema soviético. Prevalecia, a partir de então, a lógica da bipolaridade da
Guerra Fria – até o momento do colapso do socialismo soviético, em fins do século XX.
Em meio a esse processo, porém, as guerras mundiais do século XX deixaram outro
legado ao sistema internacional: o fim da II Guerra Mundial foi também o início do declínio
do colonialismo imperialista europeu. Entre 1945 e 1960, mais de quarenta novos países
surgiram do interior do território afro-asiático, que antes era área colonial europeia. A
descolonização afro-asiática se deu em um longo processo marcado por lutas de emancipação,
que resultou no surgimento de um grupo de países que procurou configurar um novo bloco
geopolítico: o Terceiro Mundo, dos países subdesenvolvidos, do Sul, cujo objetivo era o
alcance da via ao desenvolvimento e o combate à dominação imperialista.
O pensamento anti-colonialista ganha forma em 1955, na Conferência de Bandung,
que reuniu mais de vinte Estados afro-asiáticos recém libertos22. Em Bandung são discutidos
os princípios do neutralismo: soberania e integridade territorial; igualdade dos povos e
nações; não-intervenção nos negócios internos dos Estados; não utilização de atos e ameaças
de agressão; não emprego da força contra a integridade territorial e independência dos países.
A partir de Bandung, portanto, se configura o Terceiro Mundo, que tinha por objetivo o não-
alinhamento (a neutralidade frente às potências do mundo bipolarizado). O Movimento dos
Não-Alinhados, que emerge no mesmo momento da discussão sobre a coexistência pacífica

22
Entre 18 e 24 de abril de 1955, na Indonésia, reuniram-se na Conferência de Bandung representantes dos seguintes países
afro-asiáticos: Afeganistão, Arábia Saudita, Birmânia, Camboja, Laos, Líbano, Ceilão, República Popular da China,
Filipinas, Japão, Índia, Paquistão, Turquia, Síria, Israel, República Democrática do Vietnã, Irã, Iraque, Vietnã do Sul, Nepal,
Iêmen do Norte, Etiópia, Líbia, Libéria e Egito.
32

(em 1957, com Brejnev), foi liderado por Chu En-Lai (China), Sukarno (Indonésia) e
Jawaharlal Nehru (Índia).
Em 1961 houve a Conferência dos Países Não-Alinhados de Belgrado, em que surgiu
a ideia do neutralismo positivo (anti-imperialismo), no qual se defendeu um anti-colonialismo
que propunha o não-alinhamento, cristalizando-se, então, a ideia de Terceiro Mundo, trazendo
às relações internacionais o neutralismo político. Além disso, a existência da Liga dos Estados
Árabes, desde 1945, e a realização da I Conferência Pan-Asiática, em 1947, fez com que o
processo de descolonização chamasse a atenção das potências da Guerra Fria, já que desde a
vigência da OTAN (1949) e do Pacto de Varsóvia (1955) a bipolaridade havia se consolidado
e, assim, garantir o alinhamento dos novos países era questão estratégica.
A descolonização afro-asiática, contudo, trouxe consigo problemas de fronteiras, que
geraram guerras civis após os movimentos de emancipação: conflitos étnicos na África e a
questão islâmica no caso da Ásia. Essa fragilidade, certamente, foi a brecha pelo qual as
grandes potências penetraram na questão afro-asiática. A força do movimento, porém, se
assentava em outras bases: os movimentos anti-colonialistas não almejavam apenas a
independência política, mas econômica e cultural, sobretudo.
De fato, em termos econômicos, o grande crescimento demográfico e a ascensão de
uma burguesia colonial composta pelas classes médias nativas, fez com que a falta de
complementaridade econômica entre colônia e metrópole reforçasse a percepção de interesses
divergentes entre ambas, em vista da disputa entre produtores nativos e empreendedores
estrangeiros, principalmente após a II Guerra Mundial23. O elemento cultural, por seu turno,
reforçava a posição neutralista e trazia, no horizonte, os elementos da vontade de
reordenamento mundial. A defesa da identidade cultural, ponto alto do movimento, possui
elementos positivos (a percepção da não-inferioridade) e negativos (extremismos e
engessamento de tradições reacionárias).
A percepção de que o processo de descolonização afro-asiático é um elemento de
transformação global é desenvolvida pelo historiador Geoffrey Barraclough, que apresenta
uma interessante leitura da História Contemporânea, cuja característica principal seria o fato
de que é “História mundial”, na qual a intrínseca interligação social, política, econômica e
cultural do globo, no período compreendido entre 1890 e 1961, gerou a superação do mundo
europeu, dando início à configuração de uma sociedade mais globalizada24. Nesse processo, o

23
Cf.: LOHBAUER, Christian. História das relações internacionais II: o século XX: do declínio europeu à era global.
Coleção Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. p. 117-119.
24
BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à história contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. p. 11-13.
33

sistema do equilíbrio europeu de poder cedeu lugar à “era da política mundial” (marcada pelo
conflito americano-soviético por áreas de influência). Em meio a esse movimento,
Barraclough aborda aquilo que chama de “a revolta contra o Ocidente”.
Essa revolta se daria em um movimento dialético em que a descolonização seria a
reação da Ásia e da África à hegemonia europeia, o que sinalizaria o advento de uma nova
era. A dialética do fenômeno se encontra no fato de que a própria ação imperialista europeia
na África e na Ásia é que forneceu a ferramenta e os motivos para a “revolta”. As ideias
desenvolvidas por Barraclough caminham em dois sentidos: 1. o impacto do Ocidente na Ásia
e na África (ciência e indústria ocidentais gerando transformações socioeconômicas
profundas); 2. a revolta da Ásia e da África contra o Ocidente (reação contra o
imperialismo)25.
Apesar de salientar que o impacto da Europa gerou a revolta (motivo), despertou a
necessidade de mudança (superação da cultura e instituições tradicionais) e forneceu ideias
(autodeterminação, democracia e nacionalismo) que deram suporte ao “renascimento afro-
asiático”, Barraclough, por outro lado, defende a percepção de que esse renascimento não foi
mero fruto de “ocidentalização”, mas apenas foi possível devido a fatores como capacidade de
mudança e adaptação e forte identidade cultural (sentido de diferenciação)26. Nesse sentido,
pode-se afirmar que a concepção de Terceiro Mundo reafirmaria esse desejo de estruturação
de uma identidade própria, não subjugada. É no fator cultural, inclusive, que se encontra um
elemento de mudança contida na História Contemporânea, pois a “literatura, como a política,
rompeu com seus vínculos europeus”, fazendo emergir a “civilização do futuro”, que seria a
“civilização mundial, na qual todos os continentes desempenharão sua parte”27.
Esse otimismo de Barraclough se deve, em grande medida, ao período em que escreve
sua análise: a década de 1960. De fato, o próprio ano de 1960 é considerado o “Ano
Africano”, pois, 17 países africanos alcançaram independência28, o que gerou um impacto na
Assembléia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), com a inclusão dos países
africanos autônomos. Formada originalmente por um grupo de 51 países que, em 1945,
assinaram a Carta do Atlântico, a ONU, após o processo de derrocada dos impérios coloniais,
contava com mais de 120 Estados-membros nos anos 70, devido à entrada dos novos Estados

25
Ibidem, p. 146-7.
26
Ibidem, p. 184-8.
27
Ibidem, p. 252.
28
No ano de 1960 foi proclamada a independência do Camarões, Togo, Senegal, Mali, Costa do Marfim, Daomé, Alto Volta,
Níger, República Central Africana, Congo, Brazzavile, Gabão, Chade, Madagascar, Mauritânia, Zaire (ex-Congo Belga) e
Nigéria, antigas colônias francesas, belgas e inglesas.
34

afro-asiáticos (a tabela 1 permite acompanhar esse processo). Esse número continuou a


crescer e, no final do século XX, 192 países participavam da Assembléia Geral da ONU29.
Portanto, a leitura da conjuntura histórica efetuada por Barraclough demonstra a sensação de
mudança internacional (ou global) que os movimentos de descolonização geravam.

Tabela 1: Composição da ONU por região, 1945-198030


América
África Caribe América Europa Oceania
Ano Ásia (2) do Total
(1) (3) Latina (4) (5)
Norte
1945 4 9 3 17 2 14 2 51
1950 4 16 3 17 2 16 2 60
1955 5 21 3 17 2 26 2 76
1959 10 23 3 17 2 26 2 82
1965 37 28 5 17 2 27 2 118
1970 42 30 7 18 2 27 2 127
1975 47 37 10 17 2 29 2 144
1980 51 40 13 17 2 29 2 154
(1) Os quatro membros fundadores eram o Egito, a Etiópia, a Libéria e a África do Sul.
(2) Incluindo o Oriente Médio e as Ilhas do Pacífico; incluindo igualmente o Chipre e a Turquia.
(3) As ilhas Antilhas, acrescentando os “prolongamentos” políticos continentais independentes da Guiana e do
Suriname.
(4) A entrada de 9 Estados já independentes em 1955 resultavade um acordo global que resolvia as dissensões
Leste-Oeste, no tocante aos países aliados da Alemanha ao longo da Segunda Guerra Mundial.
(5) Austrália e Nova Zelândia.

O posicionamento das grandes potências frente a essa transformação mundial foi


cambiante. O historiador das relações internacionais Jean-Batiste Duroselle, por exemplo,
aponta como que, por um lado, a URSS só passou a concentrar esforços nos processos de
descolonização após constatar (entre 1945 e 1955) que “a revolução não tinha nenhuma
chance de operar de imediato no Ocidente”. Por outro lado, os EUA que, antes de 1955
desconfiava do apoio soviético à descolonização e por isso apoiava as metrópoles europeias,
após Bandung passa a incentivar os processos de emancipação e fornecer ajuda econômica
aos Estados emergentes, a fim de aumentar o número de aliados anti-comunistas31.
A análise de Duroselle se dá sob a ótica da Guerra Fria, motivo pelo qual indica que
nos processos de descolonização afro-asiáticos, o não-engajamento e a questão do
subdesenvolvimento surgiam como “problemas que apresenta o acesso de novos Estados, à

29
Cf.: LINHARES, Maria Yedda. Guerras anticoloniais: nações contra impérios. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da
(org.). O século sombrio: uma história geral do século XX. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 224.
30
Cf.: MAZRUI, Ali A.; WONDJI, C. (org.). História Gerald a África VIII: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010, p.
1007.
31
DUROSELLE, Jean-Baptiste. A Europa de 1815 aos nossos dias. São Paulo: Pioneira, 1976, p. 237-238.
35

independência”: enquanto o neutralismo poderia ser “pró-ocidental” ou “favorável aos


comunistas” (não havendo neutralismo puro, de fato), o subdesenvolvimento, por sua vez,
podia não ser um argumento de rompimento político, mas sim, de obtenção de ajuda
econômica.
O mundo afro-asiático independente que emergia esteve envolto pela dinâmica da
Guerra Fria. Devido ao paroxismo da possibilidade de uma hecatombe nuclear, caso as duas
superpotências (EUA e URSS) se enfrentassem diretamente em um conflito bélico, o contexto
internacional, fracionado pela lógica da bipolaridade, fez com que a descolonização afro-
asiática se transformasse no cenário quente da Guerra Fria32 – a exemplo da Guerra da Coréia,
da Guerra do Vietnã e das guerras civis africanas patrocinadas por países do bloco
ocidental/capitalista e oriental/comunista logo após alguns movimentos de independência. Em
meio ao conflito Leste-Oeste, conforme Paul Kennedy, “a competição para encontrar novos
aliados – ou pelo menos para evitar que países do Terceiro Mundo se juntassem ao outro
lado” – fez com que Rússia e EUA firmassem alianças através do globo, a exemplo da OTAN
(Organização do Tratado do Atlântico Norte), OTASE (Organização do Tratado do Sudeste
Asiático), CENTO (Organização do Tratado Central de Defesa do Oriente Médio) e o tratado
de ANZUS (Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos)33.
A diplomacia soviética, contudo, esforçou-se por canalizar a tendência anti-ocidental e
anti-imperialista dos países do Terceiro Mundo – cuja percepção era influenciada pelo recente
passado colonial de exploração imperialista pelas potências europeias – procurando atraí-los
para o “bloco socialista” através de suporte econômico e ajuda militar34. Foi em meio a essa
dinâmica que surgiu o “espírito de bandung” que, balizado pelo princípio do neutralismo,
propugnava reverter a centralidade do conflito Leste-Oeste para a dinâmica das relações

32
De acordo com Claude Delmas, o advento da bomba atômica conferia o caráter específico da Guerra Fria, entendida como
“um antagonismo fundamental de idéias e de interesses que não se amplifica até o estado de ‘beligerância clássica’”, no qual
a concepção universalista (presente na ONU), em que as nações compartilhariam interesses comuns, deu lugar à tese das
esferas de influência. A preocupação com o não enfrentamento direto fez com que se evitasse que as tensões se acirrassem
em áreas cuja influência de cada potência era de importância fundamental à manutenção de suas pretensões – ou seja, a
Europa – o que, por outro lado, não era o caso de regiões como a Ásia e o Extremo Oriente. Devido ao caráter especial da
Guerra Fria, Delmas expõe que o enfrentamento se deu por táticas diferentes e específicas, a saber: a dissuasão, a subversão e
a persuasão. A primeira seria aplicada pelos EUA que, tendo o monopólio e, posteriormente, a superioridade em termos de
armamentos nucleares, forçava a URSS a abrir mão de realizar qualquer ação que ocasionasse em um enfrentamento direto
contra os ianques. Assim sendo, a opção soviética seria a subversão à lógica do capitalismo, minando o sistema por dentro,
através do reforço dos partidos comunistas europeus, ou pelo incentivo e financiamento das guerrilhas empreendidas pelos
militantes comunistas. Esses dois elementos – dissuasão e subversão – comporiam aquilo que Delmas denomina de “dialética
do antagonismo”, em que cada potência, à sua maneira, procurava persuadir o outro lado a acatar à sua posição. (Cf.:
DELMAS, Claude. Armamentos nucleares e Guerra Fria. São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 21-71)
33
KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências: transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000.
Rio de Janeiro: Campus, 1989, 371-372.
34
Ibidem, p. 374-375.
36

desiguais Norte-Sul, no qual o debate sobre a superação do subdesenvolvimento é central –


trata-se da luta dos “deserdados da terra” contra os “herdeiros da terra”35.
O processo de descolonização foi múltiplo e apresentou várias vias e desdobramentos,
tanto na África quanto na Ásia. No caso africano, a África francesa (Camarões, Togo,
Senegal, Mali, Costa do Marfim, Daomé, Alto Volta, Níger, República Central Africana,
Congo, Brazzaville, Gabão, Chade, Madagascar e Mauritânia) figura como exemplo de
independência pacífica/negociada da África. Na África Ocidental de expressão inglesa,
destaca-se os casos de Gana (devido à liderança continental de N’Krumah) e Nigéria
(marcado por divergências étnicas internas). A Argélia (ex-colônia francesa), o Zaire (ex-
Congo Belga), a Tanzânia, o Quênia e Uganda (ex-colônias britânicas da África Oriental),
assim como as ex-colônias portuguesas de Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde,
figuram entre as lutas de libertação africanas mais violentas e duradouras, sendo palco da
presença e influência tanto dos EUA e URSS, quanto de outros países que compunham os
blocos capitalista e socialista (Cuba, Inglaterra, Bélgica, Portugal, França, China),
materializando a relação existente entre a Guerra Fria e o processo de descolonização afro-
asiático36.
É possível perceber, assim, que não foi apenas no âmbito da Assembléia Geral da
ONU que a emergência do Terceiro Mundo causou forte impacto com suas reivindicações.
Mas havia toda uma conjuntura de alianças militares, guerras de libertação e guerras civis, na
Ásia e na África, com envolvimento direto e indireto das potências ocidentais e orientais, que
davam concretude à percepção de mudança na correlação de forças nas relações
internacionais, e de mudança da agenda de debates no sistema internacional, onde a temática
do subdesenvolvido ganhava relevo diferenciado.

1.1.1 O Brasil e a descolonização africana

No momento em que o Terceiro Mundo surgiu como uma força nas relações
internacionais, a influenciar os debates nas Assembleias Gerais da ONU – onde o eixo Norte-
Sul do sistema internacional se contrapõe à centralidade do conflito Leste-Oeste – a PEB
encontrava-se alinhada com a política externa norte-americana. Inseria-se, assim, na lógica do

35
Cf.: LINHARES, Maria Yedda. “Descolonização e lutas de libertação nacional”. In: REIS FILHO, Daniel Aarão;
FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste (org.). O século XX: o tempo das dúvidas: do declínio das utopias às globalizações. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 47-63.
36
LINHARES (2004), Op. cit., p. 228-237.
37

mundo bipolar da Guerra Fria, compondo o bloco ocidental, cuja prioridade era a segurança
internacional caracterizada como combate à expansão mundial do comunismo.
A tradição diplomática, que remonta à perspectiva realista do barão do Rio Branco,
durante a Primeira República brasileira, percebia a emergência dos EUA como polo de poder
hemisférico e mundial, que sinalizava a necessidade de estreitamento de laços com a potência
norte-americana – a “aliança tácita” com os EUA. Com o advento da Segunda República, o
paradigma americanista, esboçado por Rio Branco, se consolida em duas vertentes: a
pragmática, de Osvaldo Aranha (onde a “aliança com Washington passa a ser vista como
instrumento de projeção internacional do país”, um elemento de barganha ao anseio nacional
por insumos econômicos ao desenvolvimento), e a ideológica, de João Neves da Fontoura
(posição conservadora, que após a II Guerra Mundial internaliza os pressupostos de defesa da
civilização ocidental cristã)37. Enquanto a vertente pragmática prevaleceu durante o Estado
Novo de Vargas, que negociou o alinhamento com os EUA durante a II Guerra Mundial (a
“barganha nacionalista”, em que a política externa é, conscientemente, utilizada como
instrumento estratégico para financiar a industrialização brasileira), a vertente ideológica, por
seu turno, se fez notar durante o governo Dutra (1945-1951)38.
O alinhamento à potência hegemônica seria o cerne do debate sobre a PEB, durante a
década de 50, que dividia a opinião de políticos, burocratas e intelectuais em duas vertentes
básicas, genericamente classificadas como nacionalista (que busca maior autonomia decisória
no sistema internacional) e americanista (que propugnava maior alinhamento à potência
hegemônica). Elementos externos e internos iriam acirrar o debate, fazendo com que, no
início dos anos 60, a diplomacia brasileira apresentasse um projeto de política externa de corte
nacionalista.
A conjuntura internacional assinalava uma flexibilização na rigidez da Guerra Fria – a
crise de Suez (1956), onde a vitória de Abdel Nasser sobre os interesses britânicos e franceses
(sem intervenção dos EUA e URSS) enfraquecia a liderança norte-americana no Ocidente; a
desestalinização da URSS e o esforço soviético por conter insurreições intra-bloco (a
insurreição húngara, de 1956). Em meio a esse processo, o conflito Leste-Oeste é confrontado
pela lógica da divisão Norte-Sul do sistema internacional. A conferência de Bandung (1955),
o ideal do neutralismo e a presença majoritária do Terceiro Mundo nas Assembléias Gerais da

37
SILVA, Alexandra de Mello e. “O Brasil no continente e no mundo: atores e imagens na política externa brasileira contem-
porânea”. Estudos Históricos vol.8 n.15. Rio de Janeiro, 1995. p.95-118.
38
VIZENTINI, Paulo Fagundes. O Nacionalismo Desenvolvimentista e a Política Externa Independente. Revista Brasileira
de Política Internacional, ano 37, n.1, Brasília, Ibri, jan./jun 1994, p. 24-36. Disponível em
http://ftp.unb.br/pub/UNB/ipr/rel/rbpi/1994/114.pdf. Acesso em: 03 abr. 2011.
38

ONU, colocaram a temática do subdesenvolvimento na agenda internacional, tendo como


resultado direto a criação da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o
Desenvolvimento, do inglês United Nations Conference on Trade and Development), no seio
da qual foi criado o “Grupo dos 77”, nos anos 6039.
O elemento doméstico que canalizou os debates foi a postura nacionalista de Vargas
na questão da criação da PETROBRAS, em 1953, indo diretamente contra os interesses do
capitalismo internacional, apoiado pelos setores americanistas da classe política brasileira.
Durante seu segundo governo (1951-54), Vargas tentou reeditar a política de “alinhamento
negociado”, no qual o alinhamento político (materializado pela participação do Brasil na
Organização dos Estados Americanos, OEA, em apoio aos EUA) se contrapunha a uma
posição crítica nos assuntos econômicos (a exemplo dos debates e teorias econômicas
propugnadas pela Comissão Econômica Para a América Latina e Caribe, CEPAL, que
elaborou a tese do desenvolvimento industrial voltado para dentro). Data deste momento um
esboço de diversificação da agenda externa através da busca de relações com países
subdesenvolvidos40, através do discurso de apoio aos movimentos de descolonização afro-
asiáticos. O suicídio de Vargas, em 1954, e a tentativa de golpe dos setores conservadores,
demonstravam a gravidade da situação doméstica.
Em meio a esse processo surgem os dois modelos analíticos que Gelson Fonseca Jr.
denominou de: “modelo da nação incompleta”, de corte nacionalista, baseado na teoria do
imperialismo e na teoria da dependência da CEPAL, que critica o alinhamento ideológico aos
EUA (defendido por setores conservadores), e advogava maior proximidade com o terceiro-
mundismo e com o não-alinhamento; e o “modelo do Brasil como baluarte do Ocidente”,
adotado pelo pensamento geopolítico estratégico, que possui percepção ocidentalista,
defendendo o esforço brasileiro na contenção do comunismo e criticando como inviável a
postura neutralista em meio à realidade da Guerra Fria41. Em vista dessa dualidade interna, a
relação do Brasil com o Terceiro Mundo foi ambígua e vacilante, haja vista sua postura no
âmbito das Assembleias Gerais da ONU.

39
GONÇALVES, Williams. “Sobre a política externa do Brasil”. In: LUCAS, Fábio; BELUZZO, Luiz Gonzaga (org.). A
Guerra do Brasil: a reconquista do Estado brasileiro: um conjunto de propostas para inserir o Brasil na luta contra o sistema
mundial de dominação. São Paulo: Textonovo, 2000, p. 214-216.
40
HIRST, Mônica. “A política externa do segundo governo Vargas”. In: ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon (org.).
Sessenta anos de política externa brasileira (1930-1990): volume I: crescimento, modernização e política externa. São Paulo:
Cultura editores associados, 1996, p. 211-229.
41
FONSECA JR., Gelson. “Estudos sobre a Política Externa do Brasil: os tempos recentes (1950-1980). In: FONSECA JR.,
Gelson; LEÃO, Vasco Carneiro. Temas da Política Externa Brasileira. Brasília, FUNAG/IPRI, 1989, p. 275-283.
39

A própria percepção brasileira com relação à Conferência de Bandung foi, a princípio,


de desconfiança, apesar da declaração oficial de apoio ao movimento – já que os diplomatas
brasileiros que acompanharam o evento (Osvaldo Trigueiro, Ildelfonso Falcão), não
apresentaram a mesma interpretação do mesmo42. O apoio retórico do Brasil ao processo de
descolonização, devido à defesa do direito à autodeterminação dos povos e da crítica ao
colonialismo e imperialismo, esbarrava no apoio brasileiro ao colonialismo português, que
defendia a tese segundo a qual Portugal não tinha colônias na África, mas sim, províncias
ultramarinas.
O ponto alto desse processo ocorreu durante o governo de Juscelino Kubitschek
(1956-61) e deveu-se à habilidade da diplomacia portuguesa conjugada ao esforço do lobby
português, existente no Rio de Janeiro, que exercia forte influência sobre políticos e
intelectuais brasileiros. Através do discurso da afetividade luso-brasileira (ancorada sobre a
tese de Gilberto Freyre acerca do sucesso e originalidade da mestiçagem da nação brasileira
orquestrada pelo domínio português, que fundiu o branco e o negro), do hábil uso diplomático
português do Tratado de Amizade e Consulta, de 1953 (que garantiu o apoio brasileiro ao
jogo vocabular das “províncias ultramarina”) e da cooptação da classe política e intelectual
brasileira (pelo financiamento de viagens à Europa e África e distribuição de condecorações e
honrarias pomposas) a favor de Portugal e de seus interesses internacionais, Portugal garantiu
o apoio (e articulação diplomática) do Brasil ao colonialismo português na África, no âmbito
da ONU – era a diplomacia do “realismo da fraternidade”43. Os laços afetivos com Portugal
foram um verdadeiro entrave à aproximação entre o Brasil e a África durante alguns anos.
O apoio do governo Kubitschek ao colonialismo português mostra o antagonismo
fundamental da PEB de então, de avanços e recuos. Em vista dos limites internos e externos
impostos à conjuntura do momento, ao mesmo tempo em que o governo Kubitschek
demonstrava protagonismo a nível hemisférico através da OPA (Operação Pan-Americana),
lançada em 1958 (o que era um avanço a nível de autonomia e pragmatismo), apresentou, no
entanto, nítido retrocesso na ONU, ao votar contra a autodeterminação da Argélia (de 1954
até 1959, a favor da França) e apoiar constantemente a política portuguesa na África, com
base na argumentação dos “laços afetivos” que uniam brasileiros e portugueses. Conforme
salienta Gerson Moura, no caso africano, a “lógica do discurso não acompanhava a lógica da

42
Cf.: KOCHER, Bernardo. “O Brasil no Terceiro Mundo. Análise da Política Externa Brasileira entre 1955 e 1964”. Anais
do XIII Encontro de História da ANPUH-Rio – Identidades, Rio de Janeiro, 04-07 ago. 2008. Disponível em:
http://encontro2008.rj.anpuh.org/site/anaiscomplementares. Acesso em: 03 abr. 2011.
43
Cf.: GONÇALVES, Williams da Silva. O realismo da fraternidade: Brasil-Portugal. Portugal/Lisboa: ICS, 2003.
40

ação” e, assim, preso entre o “abstrato e o concreto, entre o retórico e o conteudístico”, a


política externa de Kubitschek “nas formulações genéricas, abstratas e retóricas, apresentou-
se solidário ao movimento da libertação nacional africana; nas questões específicas, concretas
e de conteúdo, agiu em acordo com ou em benefício das potências coloniais”44.
Essa dualidade se deve, em grande medida, à ambigüidade existente dentro do
governo, como reflexo da divergência entre nacionalistas e americanistas, vigente na
sociedade brasileira de um modo geral. Ao longo de seu governo, Kubitschek procurou
manobrar os interesses de ambos os setores de seu governo (nacionalistas
desenvolvimentistas, cuja expressão intelectual era o ISEB – Instituto Superior de Estudos
Brasileiros; e ocidentalistas, fundamentados nos pressupostos geopolíticos da ESG – Escola
Superior de Guerra), procurando ora agradar os interesses de um, ora de outro grupo, o que
explica o caráter dúbio da conduta internacional brasileira no período. De acordo com
Williams Gonçalves, no Itamaraty predominava o ocidentalismo (ou americanismo), em vista
do jurisdicismo e conservadorismo dos diplomatas que apoiavam as relações luso-brasileiras,
já que “interpretavam os nacionalismos e a descolonização como veículo de esquerdização e
traição à aliança ocidental”45.
Apesar da predominância da perspectiva ocidentalista no interior do Itamaraty,
Gonçalves indica que o setor nacionalista “era representado pelos elementos mais jovens e em
fase ascensional na carreira” dentro do MRE. Devido à sensação de mudança no cenário
internacional, esse grupo começava a ansiar por um novo programa de política externa para o
Brasil, que contemplasse “o rompimento da política de alinhamento automático com os
Estados Unidos e, fundamentalmente, o engajamento brasileiro na luta pela
descolonização”46. De fato, foi a partir da década de 1950, com a participação brasileira nos
fóruns da ONU relacionados à situação africana, que passou a haver uma mudança de
percepção dentro do corpo diplomático brasileiro, cujo resultado se fez sentir plenamente nos
anos 60, quando os primeiros sopros de defesa da causa africana foram apresentados, com a
PEI47.
O pensamento diplomático brasileiro só se voltou para a África a partir da superação
do obstáculo dos “laços sentimentais” que uniam a elite brasileira à lusitana. Conforme

44
MOURA, Gerson. “Avanços e recuos: a política exterior de JK”. In: GOMES, A. de C. (org.), O Brasil de JK. Rio de
Janeiro: Editora FGV (CPDoc), 1991. p. 23-43.
45
Gonçalves (2003), Op. cit., p. 165-195.
46
Ibidem, p. 245-246.
47
SARAIVA, José Flávio S. “Do silêncio à afirmação: relações do Brasil com a África”. IN: CERVO, Amado L. (org.). “O
desafio internacional: a política exterior do Brasil de 1930 a nossos dias”. Brasília: Editora UNB, 1994, p. 275-301.
41

salienta Pio Penna Filho, o apoio irrestrito ao colonialismo português, aliado à completa falta
de conhecimento da realidade africana, fez com que a aproximação efetiva com a África
negra, e a proposição de ações concretas pró-África, tardassem a ser implementadas. Esse
fato, porém, não deve obscurecer a atuação pró-ativa das chamadas “vozes dissidentes”
(Adolpho Justo Bezerra de Menezes, Osvaldo Aranha e Álvaro Lins) que, desde o período do
governo Kubitschek, propunham uma posição anti-colonialista, terceiro-mundista e voltada
para o mundo afro-asiático48, que só se concretizou na conjuntura da década de 1970.
O desconhecimento da realidade africana e a ausência de alguma política definida com
relação aos países africanos independentes que emergiam no sistema internacional, fica
patente pela postura brasileira de assistir passivamente ao processo de descolonização afro-
asiático e apoiar os anseios colonialistas de Portugal (no caso de Angola, Moçambique, São
Tomé e Príncipe, Guiné Bissau e Cabo Verde) e França (caso argelino). Apenas em 1957
surgiria um memorando do diplomata Sérgio Corrêa do Lago, indagando sobre as implicações
para o Brasil na questão da descolonização africana e asiática. Em 1959, o embaixador do
Brasil na Índia, José Cochrane de Alencar, escreveu um memorando ao ministro Negrão de
Lima, no qual sugeria a formulação de uma política que atendesse às aspirações dos povos
afro-asiáticos, pois entendia que o advento da descolonização figurava como oportunidade
para a projeção internacional do Brasil no mundo.
No mesmo ano, o diplomata brasileiro Jorge Paes de Carvalho (que havia servido na
embaixada brasileira em Lisboa, junto a Álvaro Lins), registrou a necessidade de o Brasil
apresentar postura mais assertiva com relação aos movimentos de descolonização africanos.
Na condição de observador do governo do Brasil na I Sessão da Comissão Econômica para a
África (CEA), realizada em Adis Adeba, Carvalho, em seu relatório ao ministro Negrão de
Lima, constatou o crescimento em importância da África no sistema internacional, ao qual o
Brasil não poderia ficar alheio e deveria, portanto, ficar atento à necessidade de aproximar-se
dos países africanos, em vista de sua articulação em termos de política internacional na
ONU49.
A percepção da importância do Terceiro Mundo no sistema internacional, e do fato de
que o Brasil poderia, através de uma aproximação com os movimentos de independência que
surgiam (principalmente dos países africanos), alçar proeminente projeção internacional, logo
esbarraria no apoio ao colonialismo português. O embaixador brasileiro em Portugal durante o

48
PENNA FILHO, Pio; LESSA, Antônio Carlos. “O Itamaraty e a África: as origens da política africana do Brasil”. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 39, p. 57-81, 2007.
49
Ibidem.
42

governo Kubitschek, Álvaro Lins, foi um dos expoentes a criticar as relações privilegiadas
entre Brasil e Portugal, dadas pelo discurso dos laços fraternais, que só traziam benefícios
para o lado português em detrimento dos interesses nacionais do Brasil. Essa postura de
Álvaro Lins se deu após desentendimento com o governo português, por oferecer asilo
político ao general português Humberto Delgado, na embaixada do Brasil em Lisboa.
Em 1958, o embaixador Osvaldo Aranha, em entrevista concedida ao jornal “Última
Hora”, alertava para o fato de que a posição brasileira de apoiar o colonialismo francês
(Argélia) e português na ONU era contrária ao seu passado histórico e gerava uma imagem
negativa de desconfiança frente aos novos Estados que surgiam na ONU50, o que traria
prejuízo de longo prazo para o prestígio internacional do país51. Desenvolvia-se, no interior do
corpo diplomático brasileiro, a tese de que a defesa dos interesses nacionais seria melhor
encaminhada por maior aproximação com o Terceiro Mundo, no qual, no que tange ao
continente africano, o Brasil deveria adotar postura anti-colonialista, inclusive contra os
interesses portugueses. Um dos primeiro diplomatas brasileiros a pensar em uma ação política
coerente ao interesse nacional e pragmática com relação ao mundo afro-asiático foi Adolpho
Justo Bezerra de Menezes, que expressou sua percepção a respeito do tema através da
publicação das obras “O Brasil e o mundo ásio-africano” (1956) e “Ásia, África e a Política
Independente do Brasil” (1961); nas palavras do próprio:

Em 1954 escrevemos um modesto trabalho intitulado O Brasil e o Mundo Ásio-Africano [...]


no qual abordávamos, entre outras as seguintes idéias: I) a de que com a derrocada do
colonialismo político, os povos orientais e africanos viriam a pesar, cada vez mais, na
balança internacional; II) a de que o Brasil necessitava de uma política externa mais
independente e ativa; III) a de que nosso país se encontrava em excelentes condições para
liderar o bloco ásio-africano52.

De fato, o prognóstico de Menezes acerca da balança de poder mundial se fazia sentir


no âmbito da ONU e, a almejada formulação de uma política externa independente se esboçou
no início dos anos 60, durante os curtos governos de Jânio Quadros (1961) e João Goulart
(1961-64) no Brasil. O problema, para Menezes, consistia na dificuldade de compreensão e
aceitação da condição brasileira de liderança frente ao bloco afro-asiático, devido àquilo que
ele denominou de “visão deturpada do panorama econômico”, de um “setor de nossa elite,
setor europeizado por tradição ou por esnobismo, que confunde a brancura de suas peles, o

50
GONÇALVES (2003), Op. cit., p. 182-183.
51
SILVA, Op. cit., p. 107.
52
MENEZES, Adolpho Justo Bezerra de. Ásia, África e a política Independente do Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1961,
p. 69.
43

conservadorismo de suas idéias, com as da maioria da população do país”. Esse grupo político
conservador, com laços afetivos e ideológicos com a Europa, se juntaria àquele ligado aos
interesses financeiros dos EUA, que “interpreta qualquer atitude mais independente de caráter
internacional como sendo um descambar para o comunismo e para a dependência soviética” –
tratava-se da “minoria filo-francesa e filo-americana”53.
O tom sarcástico da crítica de Menezes (fruto de seu posicionamento nacionalista) se
deve a percepção de que a aproximação com o Terceiro Mundo geraria ganhos econômicos e
comerciais que se perderiam em vista de um posicionamento conservador anacrônico.
Menezes visualizava, então, que na África negra “encontraríamos um mercado para os
produtos manufaturados e de indústria média, que nosso parque industrial já poderá suprir”,
alcançando a posição privilegiada de “vendedores primários à Europa e de manufaturados à
África”, em um esquema no qual a “África continuaria vendendo, mas dentro de um regime
de cotas e de fixação de preços, em harmonia conosco”54. Infere-se, desta assertiva, a
possibilidade de uma articulação multilateral entre os países do Terceiro Mundo, a fim de
tornar o comércio internacional favorável aos seus interesses, em vez de ser benéfico apenas
aos anseios das grandes potências.
Em termos políticos e de projeção internacional, o Brasil deveria assumir a posição de
mediador, de “defesa dos fracos e oprimidos da Ásia e da África”, que desejam garantir suas
necessidades e aspirações frente ao sistema hegemônico das grandes potências, no qual “a
África é atualmente o seu principal campo de experimentação”, sendo o Brasil, em vista de
seu passado colonial e sua imagem anti-imperialista e anti-racista, o país indicado “para
constituir-se em propulsor e advogado das idéias de u’a [sic] moralização das relações
internacionais”. O destino brasileiro, pela perspectiva de Menezes, seria a de “conciliador
internacional”, para o qual “precisa projetar-se inteiramente, de corpo e alma, em política
internacional; não como acólito, mas como mestre de orquestra”55. Percebe-se, assim, a visão
de futuro (positiva), na qual o Brasil estaria fadado a figurar entre os grandes do tabuleiro
internacional, devendo, para isso, projetar-se como liderança junto aos países
subdesenvolvidos.
Surge então, como nos escritos e proposições de Menezes (e em meio ao processo de
descolonização afro-asiático e configuração do Terceiro Mundo), a percepção diplomática
brasileira, em relação aos países subdesenvolvidos, que acompanharia o imaginário da PEB
53
Ibidem, p. 72-74.
54
Ibidem, p. 109-112.
55
MENEZES, Adolpho Justo Bezerra de. O Brasil e o mundo Ásio-Africano. Rio de Janeiro: GRD, 1960, p. 09-16; 309-310.
44

acerca das relações Sul-Sul: um elemento a favorecer a consecução do destino de potência do


Brasil no cenário internacional, em termos políticos e econômicos. Os primeiros passos, nesse
sentido, seriam ensaiados pela PEI, dos anos 60.

1.1.2 A África e a política externa independente

A PEI, inaugurada durante a presidência de Jânio Quadros (tendo Afonso Arinos como
ministro das Relações Exteriores) e continuada pela presidência de João Goulart (com San
Tiago Dantas à frente do Itamaraty), foi um ponto de inflexão na História da Política Externa
Brasileira. Suas proposições, conceitos, interpretação do sistema internacional e
posicionamento do Brasil frente ao mesmo, seriam o substrato da ação diplomática brasileira,
tanto durante os governos militares a partir da década de 1970 (em vista do interregno
ideológico entre 1964-1969), quanto em tempos recentes.
A PEI foi uma reformulação da “barganha nacionalista” (presente no “americanismo
pragmático”), dos governos Vargas, frente à nova conjuntura internacional dos anos 50 e 60: a
recuperação econômica da Europa Ocidental e do Japão, o descaso dos EUA com o
desenvolvimento econômico latino-americano e a relação de dependência existente, a
descolonização afro-asiática, a consolidação do socialismo e da condição de potência da
URSS, o Movimento dos Países Não-Alinhados, a Revolução Cubana. Em meio a essa
conjuntura, a PEI se fundamentava em cinco princípios básicos: 1. ampliação do mercado
interno; 2. formulação autônoma dos planos de desenvolvimento econômicos; 3. manutenção
da paz pela coexistência pacífica e desarmamento geral; 4. defesa dos princípios da
autodeterminação dos povos, não-intervenção nos assuntos internos de outros países e
primado do Direito Internacional; 5. emancipação colonial (que, ao arrefecer a
competitividade no mercado europeu com a África, favoreceria a exportação brasileira à
Europa, além de contribuir para assentar a condição brasileira de liderança política mundial na
posição de intermediário entre o Primeiro e o Terceiro Mundo)56.
Conforme Letícia Pinheiro, “as relações com os Estados Unidos deixaram de ser vistas
como poder de barganha do Brasil, para se tornarem consequência da própria ampliação desse
poder de negociação”. O globalismo orientou-se a partir do universalismo, como perspectiva
do país estar aberto para manter relações com todos os países, independentemente de
localização geográfica, tipo de regime ou opção econômica, como instrumento para a

56
VIZENTINI (1994), Op. cit., p. 27-33.
45

projeção internacional do país. Significou uma independência de comportamento em relação à


potência hegemônica uma vez que o aumento do poder de barganha adviria então, sobretudo,
da diversificação de parceiros57.
O ministro San Tiago Dantas bem definiu que a PEI tinha por base a aspiração
nacional “ao desenvolvimento e à emancipação econômica” e, também, “à conciliação
histórica entre o regime democrático representativo e uma reforma social capaz de suprimir a
opressão da classe trabalhadora pela classe proprietária”, ou seja, se fundamentava na defesa
dos interesses do Povo/Nação brasileiro e não de setores específicos (elite conservadora). Em
relações internacionais, essa perspectiva seria sistematizada pelos cinco princípios acima
enunciados. Dentre estes princípios, podemos ressaltar o de “apoio à emancipação dos
territórios não autônomos, seja qual for a forma jurídica utilizada para sua sujeição à
metrópole”, visto que, pela ótica de Dantas, “a posição anticolonialista sempre esteve
implícita na conduta internacional do Brasil, por motivos éticos e econômicos”58. O papel
internacional do Brasil é elucidado pela argumentação acerca da questão angolana:

Cumpre notar que no caso de Angola jamais o Brasil olvidou os laços de solidariedade
histórica que o unem a Portugal. Pelo contrário, o que tememos, ainda hoje, é que uma
posição política demasiado rígida comprometa o papel que a cultura portuguesa pode
representar na África a longo prazo, e tornar difícil, senão impossível, a transformação dos
vínculos atuais em outros, de caráter comunitário, cuja preservação seria útil a todos os
povos de língua portuguesa e manteria Angola e Moçambique no quadro cultural político do
Ocidente59.

Conforme exposto no programa de governo em termos de política internacional, a


“solidariedade do Brasil com os povos que aspiram à independência política”, se devia à
convicção de que a emancipação política antecedia o pleno desenvolvimento econômico e
cultural dos povos60. Percebe-se, portanto, que o papel internacional do Brasil nessa
conjuntura, seria a de mediar os interesses dos países do Terceiro Mundo frente às potências
capitalistas, no sentido de que, ao prestar apoio ao anti-colonialismo, garantiria que os novos
Estados firmassem seus laços com o Ocidente (em especial, a África portuguesa). Dessa
forma, a postura brasileira acerca da questão de Angola seria a de apoiar a causa angolana,
pois, conforme Dantas, “o Brasil exorta Portugal a assumir a direção do movimento pela

57
PINHEIRO, Letícia. Política Externa Brasileira (1889-2002). Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 34-35.
58
DANTAS, San Tiago. Política Externa Independente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962, p. 05-12.
59
Ibidem, p. 13.
60
Ibidem, p. 22-23.
46

liberdade de Angola e pela sua transformação em um país independente, tão amigo de


Portugal quanto o é o Brasil”61.
San Tiago Dantas destacou-se como representante do nacionalismo
desenvolvimentista brasileiro que, no âmbito da ESG, propunha que a delimitação do
interesse nacional se daria pela interação democrática entre instituições civis e o Estado, ao
invés de ser um atributo das elites62. Sua percepção era de que o interesse nacional se ligava
ao desenvolvimento econômico brasileiro, cujo bom encaminhamento deveria estar atento às
oportunidades abertas pelas transformações do sistema internacional. De fato, com a PEI, a
política externa do Brasil deixa de ser hemisférica e passa a ser mundial (traços do
globalismo).
Ainda durante o governo Kubitschek, em 1957, Dantas argumentava que o Brasil
deveria rever sua atitude face ao colonialismo, no sentido de parar de prestar apoio “às
metrópoles europeias com colônias em África, por razões de ordem estratégico-militares”,
devendo, ao contrário, incentivar as “aspirações de autonomia dos povos africanos ainda sob
tutela das metrópoles europeias”, pois, na condição de colônia, “esses países, sendo
produtores dos mesmos artigos que exportamos, terão um papel depressivo no mercado
internacional se permanecerem em regime colonial”63. Por outro lado, expunha que o apoio ao
anti-colonialismo, faria com que os novos Estados africanos que emergissem pudessem
“juntar-se a nós na necessidade de defender um nível mais compensador de preços”64.
A PEI buscou novas formas de inserção internacional do Brasil, de forma
universalista, não vinculada estritamente ao ocidente, e em busca de novos mercados para
absorver o excedente da produção industrial nacional, em notável ascensão desde o governo
Kubitschek. A revisão da postura colonialista gerou oposição da diplomacia portuguesa, que
se articulou no sentido de garantir o apoio brasileiro na ONU. O ministro Afonso Arinos
discordava do Tratado de Cooperação e Amizade, de 1953, e defendia a aproximação entre o
Brasil e a África negra. A princípio, a posição de votar contrariamente a Portugal na ONU, em
1961, havia tido o aval do presidente Quadros que, devido a um telefonema de Salazar,
decidira mudar de decisão, votando a favor de Portugal. Nas palavras de Quadros: “o

61
Ibidem, p. 198.
62
GONÇALVES, Williams da Silva. “História das Relações Internacionais”. In: LESSA, Mônica Leite; GONÇALVES,
Williams da Silva (org.). História das Relações Internacionais: teoria e processos. Rio de Janeiro: Eduerj, 2007, p. 32-34.
63
Cf.: GONÇALVES (2003), Op. cit., p. 213-214.
64
Ibidem, p. 215.
47

Presidente de Portugal telefonou-me, fez um apelo, eu chorei ao telefone, choramos os dois.


Ficamos aos prantos. Não podemos fazer isso com Portugal”65.
Em 1961, abstinha-se o Brasil de votar na proposição de independência de Angola, na
ONU. As relações fraternas com Portugal eram, ainda, um entrave à aproximação entre Brasil
e África; tamanha era a contradição do anti-colonialismo brasileiro, que apoiava o controle
português sobre Angola. Destarte, intensificaram-se as relações bilaterais com alguns países
africanos, durante a PEI: foram abertas embaixadas brasileiras em Rabat, Dacar, Acra e Lagos
e, além disso, Gana e Senegal criaram embaixadas em Brasília (em 1962). Em 1961 o Brasil
assinou junto a países africanos a “Declaração do Rio de Janeiro”, que estabelecia uma
política cafeeira voltada para a cooperação em termos de regulação dos preços do produto; em
1962 foi assinado o “Acordo Internacional do Café” (implantado em 1963)66.
A PEI, apesar de não ter logrado mudar radicalmente as relações do Brasil com a
África (em vista do entrave que eram os laços com Portugal), demonstrou que, mais
importante, a África era vista de forma diferente pela diplomacia nacional, em termos
econômicos e estratégicos. Com o golpe militar de 1964, a PEI seria abandonada. A
aproximação com a África, entretanto, mostrou-se algo iminente e irreversível, com o tempo.

1.2 A PEB nos governos militares: implementação da política africana brasileira

Ao longo dos governos militares do Brasil (1964-85), a PEI sofreu variações, entre o
alinhamento ideológico com o Ocidente nos anos iniciais do regime (1964-69) e o
pragmatismo e universalismo, a partir dos anos 70. Nesse longo período, as relações
diplomáticas brasileiras com o continente africano estiveram centradas nas relações ambíguas
do Brasil com o colonialismo português. Condicionada a esse aspecto, dois elementos
exerceram influxo sobre a política africana que veio a emergir então: o discurso culturalista,
no qual o Brasil se apresentava como uma democracia racial, e a questão econômica que
envolvia a África, na luta contra o subdesenvolvimento.
A ideia de que o Brasil é uma democracia racial advém da tese de Gilberto Freyre
acerca da “afirmação da personalidade mestiça da nação brasileira”, contida na obra “Casa
Grande e Senzala”, de 1933, em que procurou reverter o pessimismo da intelectualidade
brasileira acerca da mistura de raças da qual emergiu o povo brasileiro, procurando exaltar as

65
BARBOZA, Mario Gibson. Na diplomacia, o traço todo da vida. Rio de Janeiro: Record, 1992, p. 236-238.
66
PENHA, Eli Alves. Relações Brasil-África e geopolítica do Atlântico Sul. Salvador: Edufba, 2011, p. 157-159.
48

vantagens da mestiçagem67. Por essa perspectiva, a capacidade portuguesa de


“interpenetração” (sexual e cultural) com africanos e índios, realizada no Brasil, fez com que
surgisse nos trópicos uma civilização original, fruto da mistura racial, que contribuiria de
forma única para a cultura ocidental: a miscigenação ocorrida no Brasil era uma vantagem, e
não uma debilidade. Pela ótica de Freyre, “apenas Portugal tinha tido a aptidão para criar a
civilização nos trópicos, por meio de uma miscigenação harmoniosa com pessoas não
brancas” – era o lusotropicalismo68. O Brasil era um exemplo de miscigenação bem sucedida,
de convivência e harmonia de raças, onde a mistura de raças empreendida pela capacidade de
interpenetração portuguesa, fez com que se desenvolvesse uma sociedade onde não houvesse
problemas raciais e segregacionistas como em colônias britânicas (a exemplo dos EUA): eis a
contribuição da sociedade brasileira à civilização ocidental.
Conforme demonstra Jerry Dávila, as ideias de Freyre (que era conservador e apoiou
durante longos anos o colonialismo português) eram de tal complexidade e fascinação, que foi
o fundamento da ideia de que o Brasil era uma democracia racial, e exerceu influxo vivo e
direto (devido à presença e atuação do próprio Freyre, e de seu contato com os diversos
personagens ligados ao evento) sobre os grupos antagônicos que se envolviam na questão do
colonialismo português na África. De um lado, as autoridades portuguesas, a comunidade de
imigrantes portugueses do Rio de Janeiro e intelectuais, políticos e diplomatas brasileiros
conservadores (ocidentalistas), para quem “as idéias de Freyre sintetizavam a justificativa
para o apoio brasileiro a Portugal e seu esforço de criar ‘futuros brasis’ na África”; por outro
lado, havia os jovens diplomatas, intelectuais de esquerda, grupos ligados ao movimento de
valorização da identidade afro-brasileira e políticos nacionalistas, que viam “nos escritos de
Freyre a legitimação para estabelecer laços com o países africanos recém-independentes e
apoiar a descolonização”69.
No primeiro grupo, a ideia de democracia racial apresentava uma visão negativa,
conservadora e passiva, que aparecia no discurso de apoio ao colonialismo português, no qual
a “ilusão de harmonia racial protegia o privilégio dos brancos”70. Com os olhos no passado, a
diplomacia portuguesa, os setores ocidentalistas do Itamarati e o lobby português, defendiam
uma postura um tanto quanto demagógica e incongruente. Exemplo do fato foi um relatório
emitido pelo embaixador do Brasil em Lagos, em 1964, Meira Penna, de perfil conservador.

67
GONÇALVES (2003), Op. cit., p. 92.
68
DÁVILA, Op. cit., p. 25.
69
Ibidem, p. 24-25.
70
PENNA, Meira, apud Ibidem, p. 232.
49

Ao reclamar do ativismo ideológico do ator Antonio Pitanga (que divulgava seu filme
“Gamga Zumba” na África), cujo filme representava uma imagem do Brasil contrária ao
discurso oficial sobre a sociedade brasileira, registrou o seguinte: “Que o Brasil é uma
‘democracia racial’, eis o que é sempre repetido, em qualquer oportunidade, pelos nossos
representantes no exterior”, relatava Meira Penna, “estudiosos se esforçaram para destacar
que até a escravidão colonial era muito mais benigna no Brasil do que em outras partes da
América, e isso foi a base para a promoção da imagem do Brasil, ‘certa ou errada, verdadeira
ou ilusória’ [...]”71.
O segundo grupo entendia a ideia de democracia racial a partir de uma visão positiva,
progressista e utópica, materializada no discurso de apoio à autodeterminação dos povos e
apoio à descolonização africana. Com os olhos no futuro, diplomatas brasileiros ligados à PEI
e intelectuais ligados ao movimento negro, desenvolveram uma perspectiva de aspecto
ideológico e ativista, consubstanciada na fala de Alberto da Costa e Silva (embaixador que
esteve presente nas primeiras missões brasileiras à Nigéria independente, e se tornou notório
historiador brasileiro da África): “o Brasil não era uma democracia racial. Não era, mas, a
partir de então, passou a querer ser. Ser uma democracia racial passou a ser uma das grandes
aspirações nacionais”72. Um exemplo dessa postura se encontra nas lembranças do
embaixador Mário Gibson Barboza acerca do significado da antológica viagem que realizou,
em 1972, a nove países africanos (Costa do Marfim, Gana, Togo, Daomé, Zaire, Camarões,
Nigéria, Senegal, Gabão):

A visita à África, como a concebi e vejo até hoje, não constitui assim, exclusivamente, a
abertura de vias de intercâmbio comercial e cooperação mútua, assinatura de acordos, a
proclamação de princípios gerais de convivência internacional, mas também o
reconhecimento e a retomada de uma das raízes de nossa formação, abandonada pelo descaso
ou preconceito de gerações que se envergonhavam do fato de sermos um país mestiço.
Ignorando que nisso, precisamente, reside um dos traços predominantes de nossa
individualização como nação73.

Sob essa perspectiva, o Brasil, democracia racial, deveria apresentar-se como um


modelo a ser seguido, e não como um instrumento em defesa dos interesses colonialistas
portugueses. No decorrer dos governos militares, prevaleceria essa visão em detrimento da
anterior. Em 1961, o embaixador Ciro Freitas Vale, representante do Brasil na ONU, escrevia
ao ministro Afonso Arinos – em vista da incontestável condição colonialista (e desumana) que

71
Ibidem, p. 108-109.
72
SILVA, Alberto da Costa e apud Ibidem, p. 87.
73
BARBOZA, Op. cit., p. 295.
50

Portugal mantinha suas “províncias ultramarinas” – argumentando que o apoio do Brasil a


Portugal minava sua projeção internacional, enquanto democracia racial, cuja
74
responsabilidade seria de apoiar a descolonização . Ao cabo sua argumentação não logrou
êxito devido à determinação presidencial de apoiar Portugal. De qualquer forma, a perspectiva
mudaria, de fato: prevaleceu a visão progressista da ideia de democracia racial. De acordo
com Dávila, os diplomatas e intelectuais que defendiam essa visão de democracia racial,
percebiam as “conexões com a África como uma forma de ajudar o Brasil a concretizar seu
destino de potência mundial racialmente miscigenada” e, sendo assim, “os líderes brasileiros
usaram as relações com a África para afirmar sua independência em relação aos Estados
Unidos e reivindicar seu papel de potência mundial emergente”75.
Junto a esse elemento político e ideológico de projeção internacional do Brasil,
contido na ideia de democracia racial, considerações de ordem econômica, contidas naquilo
que José Honório Rodrigues denominou de “diplomacia para o desenvolvimento”, foram
substanciais para a aproximação entre Brasil e África. Essa postura dizia respeito à articulação
multilateral em prol de reivindicações conjuntas no que tange ao comércio internacional, pois
“a diplomacia para o desenvolvimento conduz os povos subdesenvolvidos e deve uni-los em
sua marcha, que não deve ser perturbada por motivações puramente regionais”. Um exemplo
dessa postura seria o “Acordo Internacional do Café”. Ao invés de temer a competitividade
africana no mercado europeu, Rodrigues enfatizava “o interesse brasileiro em intensificar
relações econômicas com a África para encontrar os instrumentos de cooperação
internacional, especialmente em questões de subdesenvolvimento [...] de assistência técnica e
econômica”. Além disso, o adensamento dos vínculos com a África serviria para unificar
reivindicações africanas e latino-americanas contra discriminações e restrições econômicas e
comerciais aos seus produtos no âmbito do GATT76.
Tratava-se da observância da unidade que ligava Brasil e África: a luta pela superação
do subdesenvolvimento, a condição de pertencentes ao grupo de países situados ao Sul do
globo, na periferia do sistema internacional. Conforme Rodrigues: “As aspirações africanas,
como as latino-americanas ou asiáticas, resumem-se na superação do subdesenvolvimento e
nas conquistas dos benefícios do bem-estar e da educação”77. Por essa leitura, defender os
interesses africanos era garantir as próprias aspirações nacionais – algo que não condizia, de

74
VALE, Ciro Freitas apud DÁVILA, Op. cit., p. 115-116.
75
Ibidem, p. 13-14.
76
RODRIGUES, José Honório. Brasil e África: outro horizonte. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 276-305.
77
Ibidem, p. 320.
51

forma alguma, com a defesa do colonialismo português ou com a abstenção com relação ao
apartheid da África do Sul, na ONU.
A perspectiva de Rodrigues, de que as relações diplomáticas e a articulação
colaboracionista do Brasil com a África negra seria algo determinado e legitimado pela
própria história nacional78 (a inevitabilidade da História), certamente influenciou a geração de
diplomatas vinculados às perspectivas da PEI, visto ter sido professor de História Diplomática
do IRI (Instituto Rio Branco)79, que forma os aspirantes à carreira diplomática no Brasil80.
Portanto, o Brasil, modelo de democracia racial, deveria apresentar-se à África como
intermediário entre as aspirações africanas e as grandes potências (garantindo que os Estados
africanos mantivessem e aprofundassem seus laços culturais com o Ocidente) e, ao mesmo
tempo, como articulador da luta em prol do desenvolvimento, no Terceiro Mundo
(alcançando, assim, um novo patamar internacional). A consecução de tal proposta dependeria
da superação dos “laços afetivos” com o colonialismo português, durante os governos
militares do Brasil. A projeção da imagem de democracia racial e a busca da “diplomacia para
o desenvolvimento”, por seu turno, ultrapassariam os anos da Guerra Fria e permaneceriam
vivas em tempos recentes. Sob essa perspectiva, conforme já havia assinalado Adolpho Justo
Bezerra de Menezes. “a África é atualmente o seu principal campo de experimentação”81.

1.2.1 O golpe de 64 e o retrocesso diplomático

O golpe de Estado realizado pelos militares no Brasil, em 1964, fora motivado pela
suposta esquerdização do governo João Goulart, e do temor causado nos setores
conservadores das reformas de base propostas, além da oposição dos americanistas à PEI. A
partir de então, a PEB seria dada pela ótica geopolítica da ESG, das teorias de Golbery do
Couto e Silva, cuja leitura do sistema internacional era dada pela clivagem Leste-Oeste, da
oposição entre Ocidente/capitalismo versus Oriente/comunismo. Envolto pela percepção da

78
Ibidem, p. 533.
79
Cf.: RODRIGUES, José Honório; SEITENFUS, Ricardo A. S. Uma história diplomática do Brasil: 1531-1945. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1995, p. 13-17.
80
Contribuição semelhante prestou o geógrafo Delgado de Carvalho que, entre 1955 e 1957, lecionara História Diplomática
do Brasil, no IRBr, sempre procurando defender o ideal do “destino de potência” do Brasil, no cenário internacional. Em
1963, Delgado de Carvalho publicou a obra “África: Geografia social, econômica e política”, na qual argumentava a favor do
papel do Brasil como mediador entre a África e as grandes potências, em vista de suas características geográficas e históricas,
o que lhe garantiria projeção internacional. (Cf.: apud PENHA, Op. cit., p. 153; 160)
81
MENEZES (1960), Op. cit., p. 12.
52

rigidez bipolar da Guerra Fria, os primeiros anos do regime militar seriam aqueles em que
prevaleceu o alinhamento ideológico aos EUA.
Ao delimitar o raio de ação internacional do Brasil, em 1964, o presidente Castelo
Branco afirmava que “o interesse do Brasil coincide, em muitos casos, em círculos
concêntricos, com o da América Latina, do Continente Americano e da comunidade
ocidental”82, acrescentando que:

Mais recentemente, o nacionalismo deturpou-se a ponto de tornar opção disfarçada em favor


dos sistemas socialistas, cujas possibilidades de comércio conosco e capacidade de inversão na
América Latina foram sobrestimadas. A política exterior tornou-se, desde então, confusa e
zigue-zagueante, refletindo essa tendência”83.

A rigidez com que se interpretava a bipolarização do sistema internacional era


condensada pela ideologia da segurança e desenvolvimento – no qual aquela precedia esta. O
alinhamento ideológico e a ideia dos “círculos concêntricos”, gerava uma flexibilização do
conceito de independência (o “sacrifício do ideal de soberania nacional”), já que se impunha o
conceito de “segurança coletiva”, no qual o Brasil se colocava na condição de “aliado
preferencial” dos EUA, o que fez com que o Brasil rompesse relações diplomáticas com
Cuba, apoiasse o Programa da Aliança Para o Progresso e a OEA84.
No primeiro círculo concêntrico (América Latina), a aproximação e afinidade entre
Brasil e EUA levantou suspeitas acerca das pretensões hegemônicas (ou sub-imperialistas)
brasileiras, principalmente por parte de Argentina e Chile, que enfraqueceu as potencialidades
da ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio). O segundo círculo
concêntrico dizia respeito ao apoio à política intervencionista dos EUA no continente
americano, como foi no caso da adesão do Brasil à Força Interamericana de Paz, que agiu na
República Dominicana. No terceiro círculo concêntrico (comunidade ocidental), situa-se a
preocupação brasileira com o Atlântico Sul e a costa ocidental africana, na qual, em vista do
temor da influência comunista presente nos movimentos de emancipação da África, o Brasil
passou a apoiar o colonialismo português. Nessa conjuntura, para a política externa de Castelo
Branco, a questão africana se circunscrevia ao combate ao comunismo internacional85.

82
DISCURSO do presidente Castello Branco, no palácio do Itamaraty, em 31 de julho de 1964. Textos e Declarações sobre
Política Externa (de abril de 1964 a abril de 1965). MRE, Departamento Cultural e de Informações, p; 08.
83
Ibidem, p. 09.
84
MARTINS, Carlos Estevão. “A evolução da política externa brasileira na década 64/74”. Estudos CEBRAP, n.12. 1975, p. 58-
66.
85
GONÇALVES, Williams da Silva e MIYAMOTO, Shiguenoli. “Os militares na política externa brasileira”: 1964-1984.
Estudos Históricos vol.6 n.12. Rio de Janeiro, 1993, p. 211-246.
53

Um discurso de Castelo Branco em setembro de 1964, por ocasião da visita do


presidente do Senegal ao Brasil, demonstra, de forma sutil, a forma como que a percepção
geopolítica do mundo sob a ótica da segurança e contenção do comunismo soviético, se
lançava sobre a questão africana. Na ocasião, Castelo Branco declarou que “para o problema
colonial, cuja persistência dificulta, sem dúvida, a convivência entre as nações, o Brasil
propões a busca da solução ordenada e pacífica [...] evitando que, a pretexto de libertação,
apenas se produza uma troca de submissões”, acrescentando que o “anticolonialismo encontra
a sua justifica e recebe a nossa adesão quando nele se reconhece um meio de desenvolvimento
e preservação da paz mundial”86. A preocupação com a paz e ordem, imperativos da
segurança, estavam presentes. Apoiar movimentos de libertação influenciados pelo socialismo
estaria longe, portanto, do raio de ação brasileiro, visto que seriam interpretados não como o
alcance da independência, mas como uma “troca de submissões”, conforme se infere pelo
discurso presidencial.
Apesar desse retrocesso em relação à PEI (principalmente no que tange ao apoio ao
colonialismo português), manteve-se a relevância das relações econômicas e comerciais entre
Brasil e África, tendo sido enviadas duas missões comerciais brasileiras ao continente
africano – que terminaram por concluir que as regiões que ofereciam maiores facilidades para
a entrada de produtos brasileiros eram a África do Sul, a Rodésia e os territórios
portugueses87. Reforçava-se, assim, a postura retrógrada do regime, com relação à África.
Algo que só iria mudar na conjuntura dos anos 70.

1.2.2 A conjuntura dos anos 70 e o apoio aos movimentos de libertação africanos

Somente após o colapso do colonialismo português, em 1974, o Brasil conseguiu


superar a ambiguidade fundamental que vivia com relação à África. A partir de então,
implementava-se, de fato, uma política africana do Brasil.
A política africana brasileira, enquanto estratégia de afirmação internacional e
projeção da imagem de “potência média”, que busca autonomia e diversificação econômica,
tem seu marco inicial na mudança de postura apresentada pelo governo Geisel (1974-79) com
relação aos movimentos de independência das ex-colônias portuguesas. O abandono da tese

86
DISCURSO DE SAUDAÇÃO DO PRESIDENTE CASTELLO BRANCO AO PRESIDENTE LÉOPOLD SENGHOR.
BRASÍLIA, 23 DE SETEMBRO DE 1964. Textos e Declarações de Política Externa (de abril de 1964 a abril de 1965).
MRE, Departamento Cultural e de Informações, p. 26-27.
87
PENNA, Op. cit., p. 69.
54

colonialista portuguesa e o estabelecimento de relações privilegiadas com países africanos de


língua portuguesa, além da defesa dos movimentos nacionalistas africanos, fazem parte de um
conjunto de esforços cujo objetivo era dinamizar a economia nacional pela busca de novos
espaços internacionais de penetração. Tal movimento, tendo sido uma vitória de um grupo
existente no interior do corpo diplomático e de parcela de políticos influentes, foi reflexo
direto do protagonismo de Gibson Barboza que, desde a visita diplomática a países africanos,
que realizou em 1972 enquanto ministro das Relações Exteriores do governo Médici, passou a
congregar esforços a fim de que o Brasil passasse a defender os movimentos de
independência das antigas colônias portuguesas, como estratégia de inserção internacional.
É possível notar, assim, que foi durante os governos militares que as relações Brasil-
África apresentaram, na prática, o sentido de construção da “cooperação Sul-Sul” ou, ainda,
de estabelecimento de negociações Norte-Sul mais justas.
No que concerne ao modelo de inserção internacional dos governos militares entre
1970-80, e sua respectiva política africana, Amado L. Cervo pontua que desde 1967, com a
ascensão à presidência de Costa e Silva, a política externa dos militares dera uma guinada em
relação ao que havia se configurado desde o golpe de 1964, naquilo que caracteriza como
“nova correção de rumos”, onde, envolto pelo “nacionalismo de fins” e pela conjuntura
internacional, abandonou as tendências do bipolarismo, da segurança coletiva, da
interdependência militar e do ocidentalismo88. A diplomacia, assim, era concebida como
instrumento do desenvolvimento econômico, cuja pauta era a luta “contra a estratificação do
poder e da riqueza” internacionais, baseada no “velho biporalismo”89. Tal tendência
permaneceria durante o governo Médici.
A crise mundial de 1974 conferiu novo dinamismo à política externa brasileira, que
teria suas funções de apoio ao desenvolvimento nacional redefinidas e aprofundadas pelo
governo Geisel. Segundo Cervo, essa mudança seria caracterizada como “pragmatismo de
meios”, no qual a diplomacia brasileira deveria expandir o comércio exterior e alargar o
espaço de penetração internacional do país. Isso se daria através do estabelecimento de
acordos de cooperação diversos, viabilizado pelo aproveitamento das oportunidades que se
lhe abrissem90.
Foi nesse momento que as relações Brasil-África sofreram uma mudança substancial.
Entre 1967 e 1979 o Brasil apresentou duas condutas com relação à África. Até 1973
88
CERVO, Amado L.; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. São Paulo: Ed. Ática, 1992, p. 342-344.
89
Ibidem, p. 345-346.
90
Ibidem, p. 347-348.
55

privilegiava relações com a África do Sul e se abstinha sobre o apartheid, mantendo-se ao


lado de Portugal e sua tese colonialista. A partir de 1974, passou a conferir maior atenção à
causa nacionalista africana, defendendo os movimentos de independência das colônias
portuguesas a fim de estabelecer acordos e parcerias econômicas, políticas e culturais com a
África negra. A política africana brasileira, a partir de Geisel, se estruturou em torno de três
diretrizes: fortalecimento da cooperação Sul-Sul, defesa dos princípios de soberania e
autodeterminação dos povos e, por fim, combate ao colonialismo e ao racismo91. Portanto, foi
durante o governo Geisel que a África negra se integrou à estratégia de inserção internacional
dos governos militares.
De acordo com Paulo G. F. Vizentini, dentre os presidentes militares, “Geisel foi
aquele que desenvolveu a política externa mais ousada”, motivo pelo qual apresenta a política
externa de seu governo como pautada pela busca da “autonomia multilateral e
desenvolvimento”, cuja necessidade de reação econômica frente à crise mundial fez com que
a diplomacia denominada “pragmatismo responsável e ecumênico” de Geisel, procurasse
estabelecer parcerias com países árabes e africanos exportadores de petróleo e que
movimentassem a pauta de comércio exterior brasileiro92. Desta forma, Vizentini aponta que
foi o “projeto de autonomização econômica do País, como resposta ao desafio gerado pela
crise econômica internacional”93, que acabou mobilizando os esforços políticos de apoio aos
movimentos de independência de Angola e Moçambique, ainda que estes fossem liderados
por grupos comunistas africanos. O fato é que, os países da África negra eram aliados dos
“países árabes, que barganhavam com o petróleo” e, ao mesmo tempo, havia o desejo de
penetração nos mercados africanos, além da facilidade que se abria para a exportação de
tecnologia nacional94.
No caso do apoio brasileiro à independência das colônias portuguesas, durante o
governo Geisel, José F. S. Saraiva demonstra que três fatores sinalizavam a necessidade de
aproximação com a África negra. Primeiro, a importante aliança entre países africanos e
países árabes exportadores de petróleo, cuja defesa dos movimentos de independência
africanos era aspecto central. Em segundo lugar, devido ao fato de os países da África negra
geralmente votarem a favor da Argentina na ONU no caso dos projetos hidrelétricos de Itaipu

91
Ibidem, p. 389.
92
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. A política externa do regime militar brasileiro: multilateralização, desenvolvimento e a
construção de uma potência média (1964-1985). Porto Alegre: UFRGS, 1998. p. 192-203.
93
Ibidem, p. 204.
94
Ibidem, p. 242.
56

e Corpus. Por fim, o afastamento brasileiro do alinhamento aos EUA e a necessidade de


buscar novos espaços de inserção também exercia influxo no movimento de aproximação
diplomática do Brasil com a África95.
A importância econômica que a África negra ganhava (como fonte energética) devido
à crise do Petróleo, oportunizou o fortalecimento da percepção diplomática brasileira acerca
da relevância da África para a projeção internacional do Brasil. Nesse momento, alguns dos
jovens diplomatas dos anos 50-60, que se opunham aos setores ocidentalistas, passaram a
estar à frente do processo decisório (era o caso de Araújo Castro, Gibson Barboza, Azeredo da
Silveira, Ítalo Zappa, Ovídio Melo). Conforme o governo militar flexibilizava sua postura
americanista, o Itamaraty participava mais na formulação da política externa e no processo
decisório.
Esse movimento começou a ser sentido ainda no governo Costa e Silva, no qual se
verifica uma frustração com a falta de ganhos com o alinhamento com os EUA, além de
ocorrerem mudanças na conjuntura internacional (a détente)96. Nesse período, o embaixador
Araújo Castro, que havia sido ministro das Relações Exteriores do governo Goulart, em 1963,
foi tirado do ostracismo e nomeado representante do Brasil na ONU, em 1968. Araújo Castro,
em 1963, havia chefiado a delegação do Brasil à XVIII Sessão da Assembléia Geral da ONU,
em Nova Iorque, na qual pronunciou um discurso defendendo a política dos “três D’s”
(Desarmamento, Descolonização e Desenvolvimento), no qual expunha que o “Brasil era
contra toda forma de colonialismo: político, econômico e social” 97. Na ocasião, asseverou que
o principal obstáculo ao processo de descolonização era de ordem econômica e dizia respeito
à dependência estrutural (o vínculo) que as ex-colônias mantinham com suas metrópoles, o
que impedia o pleno desenvolvimento.
Em 1971, Araújo Castro assumiu a embaixada em Washington, local onde pronunciou
seu discurso/tese acerca do “congelamento do poder mundial”, em que demonstrava a forma
como que as superpotências controlavam os poderes militar, político, econômico, científico e
tecnológico. Também acusava o fato de que o “Tratado de Não-Proliferação”, ponto alto da
détente entre URSS e os Estados Unidos, seria o instrumento central dessa política de
“congelamento do Poder Mundial”, posto que tornava restrito o acesso à tecnologia nuclear. A
postura do Brasil, nesse sentido, seria a de “remover quaisquer obstáculos que possam
oferecer-se contra o seu pleno desenvolvimento econômico, tecnológico e científico [...] e
95
SARAIVA, Op. cit., p. 310.
96
MARTINS, Op. cit., p. 67-68.
97
CASTRO (1982), Op. cit., p. 25-42.
57

contra a afirmação e crescimento de seu Poder Nacional” 98. Tratava-se da busca do interesse
nacional, livre de constrangimentos externos, em vista da percepção acerca do destino de
grandeza do Brasil, no cenário internacional. A análise de Castro representava os anseios dos
setores nacionalistas do MRE. Foram estes que coordenaram a política africana do Brasil, que
se atrelava à ideia do destino de potência brasileiro.
Essa percepção do “congelamento do poder mundial” emergiu durante o governo
Médici, no qual se formula uma política internacional cujo cálculo estratégico visava a
projeção internacional, e a “renegociação dos termos da dependência”. A defesa da
multipolarização se inseriu na crítica ao “congelamento do poder mundial” (circunscrito a
EUA, Europa, Japão, URSS, China – os cinco grandes), já que o anseio nacional era participar
do círculo dos grandes, ao invés de ficar de fora99.
Era a leitura do sistema internacional a partir da dinâmica centro-periferia, da divisão
Norte-Sul. Com Médici, o interesse nacional é definido em termos do projeto de Brasil
Potência, alavancado pelo “milagre econômico” brasileiro (crescimento elevado do PIB), que
incentivava a busca por novos mercados. Assim, no governo Médici, o Brasil começa a
exportar produtos manufaturados (commodities), motivo pelo qual o ministro das Relações
Exteriores, Gibson Barboza, foi até a África em busca de mercados (o que, posteriormente,
rearticularia a política africana dos militares)100.
A viagem de Barboza à África, em 1972, deixava claro para o então ministro das
Relações Exteriores o papel a ser desempenhado pelo Brasil: convencer Portugal a dialogar
com os movimentos de libertação africanos – no sentido de reverter, progressivamente, a
condição colonial, tal qual fizeram franceses e britânicos em outras ocasiões. Não logrou
êxito. Portugal manteve-se irredutível ate o ocaso do regime salazarista pela Revolução dos
Cravos de 1974. Seguiu-se a eclosão das independências dos redutos colonialistas portugueses
na África, em 1975. Como resultado, devido ao desgaste de anos apoiando o colonialismo
português, a posição brasileira não era nada positiva na África. Esse fato seria constatado por
Ovídio Melo, em 1975, durante encontro com o ministro das Relações Exteriores
moçambicano, Marcelino dos Santos, que fez duras críticas ao Brasil, cujo apoio a Portugal,
prolongara o morticínio das guerras de independência. Era preciso reverter essa imagem101.

98
CASTRO (1972), Op. cit., p.7-30.
99
MARTINS, Op. cit., p. 77-97.
100
GONÇALVES; MIYAMOTO, Op. cit.
101
DÁVILA, Op. cit., p. 202-229.
58

Ao assumir a gestão do MRE, durante o governo Geisel, Azeredo da Silveira foi


beneficiado pela carta que o chanceler que o antecedera, Gibson Barboza, havia escrito ao
presidente, expondo os motivos para que o CSN (Conselho de Segurança Nacional)
autorizasse o fim do apoio a Portugal na questão africana, demonstrando que esse apoio
possuía custos não mais admissíveis. Reforçava essa tese o fato de que, em 1973, na ONU, os
países africanos votaram a favor da Argentina e contra o Brasil no caso Itaipu, como forma de
demonstrar a sua força, como um revés ao apoio brasileiro ao colonialismo português. Além
disso, a crise energética mundial aconselhava a buscar proximidade com os países africanos
ligados à OPEP102. O esforço de Barboza foi surpreendido pela velocidade dos fatos, pois a
derrubada do regime salazarista, em 1974, tornava irrelevante o apoio ou não ao colonialismo
português: ele deixara de existir por si só.
No entanto, os argumentos de Barboza, na sua “exposição de motivos” ao presidente,
foram úteis na medida em que demonstravam a delicada situação em que se encontrava o
Brasil, que comprometeria sua política externa para a África, caso não se posicionasse
irremediavelmente a favor da descolonização. Foi através desta argumentação que o ministro
Azeredo da Silveira conseguiu convencer o presidente Geisel da urgência e importância do
apoio à independência de Angola. O surpreendente reconhecimento brasileiro do MPLA
(Movimento Pela Libertação de Angola), liderado pelo socialista Agostinho Neto, deveu-se
aos seguintes fatores: a arguta percepção diplomática da situação angolana por parte do
embaixador Ovídio Melo, representante especial do Brasil em Luanda (cuja avaliação da
situação angolana era favorável ao MPLA); o bom entendimento entre o ministro Azeredo da
Silveira e o presidente Geisel (o apoio presidencial e a hábil articulação burocrática
ministerial de Silveira foram determinantes); a percepção da urgência de reconhecer a
independência de Angola (qualquer que fosse o movimento político que estivesse à frente do
processo) legado pelo ex-ministro Gibson Barboza, a partir de seu périplo africano; a
incerteza (desconhecimento) da intervenção cubana junto ao MPLA103. Ao ser o primeiro país

102
Ibidem, p. 204-205.
103
O apoio cubano ao MPLA no processo de independência de Angola poderia ter sido um entrave incontornável à
determinação da diplomacia do governo Geisel em reconhecer o governo angolano do movimento. Todavia, o encobrimento
da presença de tropas cubanas em Angola fez com que essa informação não chegasse ao conhecimento da opinião pública
brasileira e dos setores militares, facilitando ao governo Geisel o reconhecimento da independência e do governo do MPLA.
Conforme Márcia M. Silva, esse é um ponto controverso na história da PEB, pois, se a opinião pública brasileira desconhecia
a presença cubana em Angola, setores do governo, no mínimo, desconfiavam do fato. O representante diplomático do Brasil
em Angola tardou a informar a participação cubana em seus relatórios ao MRE, que eram favoráveis ao reconhecimento do
governo do MPLA. Seus relatórios, entretanto, detalhavam de forma precisa o processo de internacionalização dos conflitos
em Angola. Havia uma linha tênue entre o desconhecimento e a incerteza acerca da presença cubana em Angola. O próprio
presidente Geisel, que no calor do momento havia negado o conhecimento acerca da presença cubana em Angola,
posteriormente, durante entrevista ao CPDOC, em 1994, afirmou que na época tinha conhecimento da informação, mas
59

a reconhecer a independência de Angola, sob o governo do MPLA, a diplomacia brasileira


abriu as portas da África negra.
Missões empresariais brasileiras (com representantes de empresas estatais, como
PETROBRAS e ELETROBRAS, e grandes construtoras, como Norberto Odebrecht, Andrade
Gutierrez e Mendes Junior) foram à África. Durante o governo Geisel, a exportação de
manufaturados se tornou a principal pauta de comércio com a África (em 1978, representava
81% do total exportado ao continente, em contraposição aos 15% que representava em 1971).
Em contrapartida, o Brasil manteve um saldo negativo na balança comercial até fins dos anos
70, devido à necessidade energética brasileira, que carecia de suprimento de petróleo (entre
1975 e 1979, cerca de 70% das importações brasileiras da África era petróleo). A
intensificação do fluxo de comércio acompanhou o ritmo global e, ao necessitar de estrutura
financeira, motivou a instalação de agências do Banco do Brasil (na Nigéria, Costa do
Marfim, Senegal, Gabão e Angola) e do Banco Real (Costa do Marfim) no continente
africano. Observou-se também a venda de armas, na qual a indústria armamentista brasileira
exportou para Nigéria, Gabão, Marrocos, Sudão, Togo, Burkina Faso (ex-Alto Volta) e
Zimbábue104.
O Brasil realizou significativo intercâmbio econômico e comercial com a África na
venda de serviços e tecnologias, relacionados à infraestrutura, entre os anos 70-80. Conforme
Santana, “as empresas prestadoras de serviços de engenharia destacaram-se em termos da
dimensão da transferência de tecnologia, bem como pelo volume de divisas envolvido nas
negociações”. Destaca-se a atuação das construtoras Mendes Júnior (Nigéria e Mauritânia),
Norberto Odebrecht (Angola), Ecisa (Tanzânia), Andrade Gutierrez (Zaire, Camarões e
Congo) e Sisal (Angola) – além da atuação de companhias como o Pão de Açúcar,
Hidroservice, Sobratec, Protec e Promon. Segundo Santana, o “fornecimento de ‘pacotes’ de
engenharia foi uma estratégia bastante utilizada pelas empresas brasileiras de serviços para
compensar sua falta de competitividade no continente africano”105.
A intensificação do fluxo de comércio foi beneficiada pela implementação do sistema
de countertrade (quando dois parceiros comerciais carecem de divisas para pagar em moeda
forte e possuem bens e serviços excedentes que apresentam demanda na outra parte), a

manteve a decisão de apoiar o governo angolano do MPLA devido a questões pragmáticas. (Cf.: SILVA, Márcia Maro da. A
independência de Angola. Brasília: FUNAG, 2010).
104
PENHA, Op. cit., p. 170-173.
105
SANTANA, Ivo de. “Notas e comentários sobre a dinâmica do comércio Brasil-África nas décadas de 1970 a 1990”.
Revista Brasileira de Política Internacional, nº 46, vol. 2, 2003, p. 113-137.
60

princípio, na Nigéria, a partir de 1977 (que exportava petróleo para o Brasil em troca de
serviços, tecnologia e bens de capital) e em Angola (a partir de 1984)106.

1.2.3 A importância estratégica da África para a PEB

O governo Geisel, dentre os militares, foi o que mais afrontou os EUA. Foi uma
posição mais incisiva devido ao momento, no qual o Brasil defende sua autonomia. O
governo Geisel foi, portanto, dentre os militares, aquele que efetuou o rompimento com a
dependência em relação aos EUA, e refletia o objetivo do Brasil Potência. Nesse aspecto, “a
diversificação de parceiros econômicos externos tanto do Primeiro Mundo quanto do Terceiro
Mundo ocupava um papel fundamental”, pois o Brasil buscava mercados para as exportações
de manufaturados e serviços. Portanto, sua atuação frente ao Terceiro Mundo, foi de
implementar “uma política incisiva nos foros multilaterais na tentativa de articulação do
diálogo Norte/Sul”, buscando, assim, segundo Miriam Saraiva, aumentar “sua projeção
internacional na América Latina, África, Oriente Médio”, ampliando e diversificando suas
parcerias comerciais107.
Essa percepção seria reforçada pelo próprio presidente Geisel, em 1975, durante visita
do presidente do Gabão ao Brasil:

A emergência dos novos Estado africanos e o fim iminente do colonialismo em todas as


regiões do globo tornam evidente que está a terminar a era das dependências e das
subordinações. No campo econômico, porém, continuam a vigorar, inclusive por efeito de
inércia persistente, instituições e regras descompassadas com essa nova realidade e com os
justos anseios das nações em desenvolvimento. Essas regras e instituições terão de ser
revistas e ajustadas às condições presentes, isto é, ceder lugar a nova formulação ou, pelo
menos, à gradativa revisão dos conceitos em que se basearam108.

O discurso presidencial ressaltava ação propositiva em conformidade com aquilo que


José Honório Rodrigues, mais de uma década antes, denominara de “diplomacia para o
desenvolvimento”. Apesar do atraso, o discurso vinha enraizado em propostas concretas. O
caso angolano foi o mais evidente, e gerou os maiores ganhos políticos.
O apoio ao MPLA, em Angola, junto com o acordo nuclear Brasil-Alemanha, foram
elementos que enunciavam o pragmatismo da PEB e o rompimento com os laços ideológicos

106
Ibidem
107
SARAIVA, Miriam Gomes. Política externa, política interna e estratégia de desenvolvimento: o projeto de Brasil potência
emergente (1974 a 1979). Sociedade em Debate vol.3 n.4. Pelotas/RS : Universidade Federal de Pelotas, nov.1997. p.19-38.
108
DISCURSO do presidente Ernesto Geisel no jantar que o governo brasileiro ofereceu ao presidente do 13 de outubro de
1975. Resenha de Política Exterior do Brasil, MRE, n.07, out.-dez 1975, p. 37.
61

que a atrelavam aos EUA. Essa postura logrou não apenas melhorar a imagem do Brasil na
África (e os consequentes ganhos econômicos e políticos daí advindos, conforme o
prognóstico daqueles que desde os anos 50-60 defendiam a elaboração de uma política
africana), mas, além disso, melhorou a imagem do Brasil frente ao próprio governo norte-
americano, representado pela figura de Henry Kissinger, que almejava implementar junto ao
Brasil a política de “delegação”109. O chanceler Azeredo da Silveira se aproveitou da
aproximação de Kissinger para por em prática seu objetivo de obter reconhecimento dos EUA
da condição do Brasil de país em ascensão. O próprio Kissinger veio a reconhecer que: “O
Brasil usou suas ligações com o Terceiro Mundo não para enfraquecer os Estados Unidos,
mas para conquistar status de grande potência para si mesmo”110.
A posição do Brasil, com o reconhecimento do governo angolano repercutiu
positivamente em sua relação com os EUA, pois, da perspectiva norte-americana, se tornou o
“único país em Luanda a manter uma porta aberta para o Ocidente”, o que demonstrava que o
Brasil “tinha influência para penetrar em certas regiões do mundo onde Washington
simplesmente não possuía nenhuma estratégia diplomática própria”111. Formulou-se, assim,
um memorando de entendimento entre Brasil (Silveira) e EUA (Kissinger), que previa uma
consulta mútua bi-anual a fim de tratar de assuntos de política externa: era o reconhecimento
da ascensão internacional do Brasil que a diplomacia nacional almejava.
As ações e propostas de Azeredo da Silveira demonstravam assertividade. Ao
caracterizar a PEB durante sua gestão à frente do MRE, Silveira endossava a visão de que, na
condição de potência emergente, os valores ocidentais do Brasil “não podem ser interpretados
como uma limitação às nossas ações internacionais”, haja vista suas afinidades com os
anseios e aspirações do Terceiro Mundo (prioritariamente a América Latina e a África) “por
uma maior influência nas decisões internacionais e de participação da oposição a qualquer
tentativa de cristalização da atual distribuição do poder e da riqueza”112. Ecoa, na fala de
Silveira, a tese de Araújo Castro.

109
A política de “delegação”, planejada por Henry Kissinger durante o governo Nixon, era uma estratégia de reafirmação do
poder americano no Terceiro Mundo por meio de alianças estratégicas com grandes países em desenvolvimento com
capacidade de exercer influência em suas respectivas regiões, que agiriam como “país-chave”, em um compartilhamento de
responsabilidades na manutenção da ordem hegemônica. (Cf.: SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro:
Zahar, 2009, p. 20-23).
110
Ibidem, p. 108-109.
111
Ibidem, p. 129-130.
112
DISCURSO DO CAHNCELER AZEREDO DA SILVEIRA NO ROYAL INSTITUTE OF INTERNATIONAL AFAIRS,
Op. cit..
62

As relações com a África tinham um aspecto político relevante. O Brasil se colocava


como um interlocutor da África independente, buscando, com isso, melhorar sua posição no
sistema internacional. O governo Figueiredo, que sucedeu ao de Geisel, aprofundou as
relações com a África (abertura de embaixadas e visitas presidenciais), com a Ásia e países do
Oriente Médio (produtores de petróleo). Tratava-se do universalismo da PEB, no governo
Figueiredo, onde o Brasil se inseria no sistema internacional a partir de uma dupla
personalidade: uma potência média, um meio termo entre o centro (desenvolvido) e a periferia
(Terceiro Mundo; subdesenvolvido)113. Entretanto, na década de 1980, a política externa que
se assentava no nacional desenvolvimentismo, vivenciaria uma fase de crise e contradição, em
vista do esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importação (ISI).
Nesse aspecto, o governo Figueiredo perpassou um cenário internacional diverso do que havia
no governo Geisel: o modelo de potência emergente chegara ao seu limite. O comércio Sul-
Sul entrou em declínio, já que os países do Terceiro Mundo procuraram, todos, restringir o
comércio intra-periférico (diminuíram as importações). No Brasil, foi o momento em que a
crise da dívida externa eleva a importância da equipe econômica em detrimento do prestígio
do Itamaraty no processo decisório: as prioridades seriam outras114.
O ministro Saraiva Guerreiro sentiria o peso das posições divergentes em relação à
PEB, dentro das estruturas burocráticas de governo, cujas vozes discordantes do
universalismo de Figueiredo/Guerreiro, viam tendências esquerdistas no viés terceiro-
mundista e anti-imperialista da política externa115. Em vista do fato de que o aprofundamento
das relações com a África não apresentava ganhos econômicos (nos anos 80), o governo
Figueiredo envidou esforços no sentido de efetuar uma reaproximação com a América Latina.
Inobstante, a PEB do governo Figueiredo assume o caráter universalista de fato, no sentido de
não se ater ao Terceiro Mundo, mas de também reforçar laços com os países desenvolvidos
116
.
Apesar da crise econômica vivenciada no período, a cooperação comercial entre Brasil
e países africanos permaneceu durante os anos 80, em vista do expediente do countertrade.

113
GONÇALVES; MIYAMOTO, Op. cit..
114
PINHEIRO, Letícia. Unidades de decisão e processo de formulação de política eterna durante o regime militar. In:
ALBUQUERQUE, J. A. Guilhom. Sessenta anos de política externa brasileira (1930-1990): vol. 4 – Prioridades, Atores e
Políticas. São Paulo: Annablume/Nupri, 2000, p.449-474.
115
FERREIRA, Túlio Sérgio Henriques. A ruína do consenso: a política exterior do Brasil no governo Figueiredo (de 1979 a
1985). Revista Brasileira de Política Internacional Ano 49 n.2. Brasília, 2006, p.119-136. Disponível em:
http://www.scielo.br. Acesso em: 03/04/2011.
116
CAMARGO, Sonia de. Autoritarismo e democracia na Argentina e Brasil (uma década de política exterior - 1973-1984). São
Paulo: Ed. Convívio, 1988, p.123-130.
63

Esse mecanismo, no entanto, utilizado devido à escassez de divisas – no caso de parceiros


comerciais com excedente de bens e serviços (de forma complementar) –, forçava a que o
comércio brasileiro se concentrasse em poucos países, com os quais a prática do countertrade
era viável, e nos quais o Brasil tinha maiores interesses. Era o caso de Angola e Nigéria117.
Esse perfil brasileiro de relações seletivas na África, devido à sua posição de fragilidade
econômica, permaneceria durante os anos do pós-Guerra Fria.

1.3 Brasil e África no pós-guerra fria

Na passagem dos anos 80 para os anos 90, a queda do muro de Berlim e a dissolução
da URSS eram os sinais de uma nova era das relações internacionais: a Guerra Fria chegava
ao fim. Momento de incerteza e conjecturas, a percepção gerada pelo pós-Guerra Fria é a de
que o sistema internacional processa uma mudança estrutural não mensurável. Um período de
dúvidas acerca da configuração a que se chegaria as relações internacionais: unipolaridade
hegemônica dos EUA, multipolaridade entre as potências regionais e/ou uni-multipolaridade.
O fato concreto é que o conflito Leste-Oeste acabou. Não há mais Segundo Mundo, a via
socialista. O Terceiro Mundo, pela ótica de alguns analistas, perderia a razão de ser, já que
seu recurso de poder era a negociação e articulação entre os interesses dos blocos antagônicos.
A fragmentação e diversificação do Sul fazem com que o diálogo Norte-Sul seja esvaziado de
sentido118.
Em plena Guerra Fria, Duroselle fazia o prognóstico de que “se o terceiro conflito
mundial for evitado, o problema do subdesenvolvimento será, nas próximas décadas, o centro
das preocupações internacionais”119. Isso significava dizer que o fim do conflito Leste-Oeste
traria as diferenças Norte-Sul para o centro do debate. É exatamente essa mudança que
Charles Zorgbibe pontua ao tratar do fim da Guerra Fria120.
A transposição do conflito Leste-Oeste para o conflito Norte-Sul seria consolidada
pela “aliança Washington-Moscou” de fins do século XX. O processo, porém, é longo, e
remonta, logicamente, a 1955. De acordo com Zorgbibe, são três momentos evolutivos que
apontam o desenvolvimento do conflito Norte-Sul: 1. a Conferência de Bandung (1955), onde

117
PENHA, Op. cit., p. 173-174.
118
SARAIVA, José Flávio Sombra (org.). História das relações internacionais contemporâneas: da sociedade internacional
do século XIX à era da globalização. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 278-320.
119
DUROSELE, Op. cit., p. 127.
120
ZORGBIBE, Charles. O pós-guerra fria no mundo. Campinas, São Paulo: Papirus, 1996.
64

a descolonização surge como reivindicação política e elemento de formação de um novo


bloco; 2. a “Nova Ordem Econômica” (1974) reivindicada pelos países subdesenvolvidos, em
que a crise do petróleo demonstra a força do Terceiro Mundo; 3. o conflito do Golfo (1991),
que é o ápice, haja vista ser “a constituição de uma coalizão internacional contra o fator
perturbador iraquiano”121, uma espécie de confronto direto entre o Norte (industrializado) e o
Sul (a periferia do mundo).
Apesar de sua constatação, Zorgbibe salienta que esse “conflito Norte-Sul” não é
amplo, mas se restringe à “zona islâmica”, pois “o Sul ‘esfacelou-se’ entre vários ‘terceiros-
mundos’, o das novas potências industriais [...] e o dos verdadeiros pobres”122. O conflito no
Golfo, assim, é interpretado por Zorgbibe como um “teste para a comunidade internacional”
no esforço de estabelecimento de “uma nova ordem mundial” no pós-Guerra Fria123.
O pensamento de Zorgbibe, um intelectual francês, reflete o senso comum que
perpassa a mentalidade europeia: a manutenção da ordem internacional como um valor a ser
defendido. De acordo com essa percepção, ordem é não apenas uma “condição favorável” da
política mundial, mas também um “valor”124. Enquanto valor, a ordem defende ideias como
segurança e paz na política mundial (o que pode ser entendido como o anseio de manutenção
do status quo do poder mundial) e estaria em oposição a outro valor, a justiça, que pretende a
“promoção dos direitos humanos” (que nada mais é do que a defesa da superação da condição
de subdesenvolvimento, da assimetria de poder econômico, estratégico e político decisório,
existente entre países ricos e pobres), o que colocaria em oposição interesses de países
centrais e periféricos125. Nesse processo, os países desenvolvidos (do Norte) defenderiam a
“ordem” e os países periféricos (do Sul) buscariam a “justiça”, a partir de uma perspectiva
revisionista.
Em termos concretos, o fim da Guerra Fria significava, para os EUA, triunfo e
necessidade de definição de “um novo inimigo estratégico e de uma nova pauta internacional,
para que pudesse continuar a exercer o seu poder”. Nesse aspecto, o discurso do combate ao
terrorismo seria providencial. Para o Terceiro Mundo, de forma geral, e em especial, para o
Brasil, segundo Gonçalves, “o efeito das mudanças internacionais que mais afetaram o Brasil

121
Ibidem, p. 17.
122
Ibidem, p. 25.
123
Ibidem, p. 26.
124
BULL, Hedley. A sociedade anárquica: um estudo da ordem na política mundial. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado,
Ed. UnB, IPRI, 2002, p. 88.
125
Ibidem, p. 90-2.
65

foi a retirada da questão do desenvolvimento econômico-social da pauta internacional”126.


Com o discurso da vitória do liberalismo e de abertura econômica, e com o predomínio da
lógica da interdependência e da globalização econômica, a manutenção da “ordem” é
garantida. Em meio a esse movimento, a política externa brasileira, durante os anos 90,
passaria por uma reformulação conceitual que lhe permitiria processar as mudanças
internacionais geradas pelo fim da Guerra Fria. As relações com a África se dariam sob novos
termos.

1.3.1 Universalismo seletivo em um mundo de polaridades indefinidas

Ao longo dos anos 90, no âmbito do pós-Guerra Fria, em vista de ter de se adaptar às
mudanças de um sistema internacional em momento de transição e indefinições, a PEB se vê
envolta da dinâmica continuidade/mudança. Nesse processo, o corpo diplomático nacional,
atento à necessidade de reorientar o raio de percepção sobre a arena internacional, procurou
efetuar adaptação conceitual que oferecesse diretrizes à praxiologia diplomática. Esse esforço
seria esboçado, em fins de 1993, em uma leitura do contexto internacional, caracterizado
como de “polaridades indefinidas”, por Celso Lafer e Gelson Fonseca Jr.127.
Ao identificar a “adaptação criativa” como modus operandi da diplomacia, Lafer e
Fonseca Jr. entendem que o mundo do pós-Guerra Fria, sobre o qual a diplomacia deve agir, é
marcado pelas incertezas, em que “convivem dois movimentos contraditórios no sistema
internacional, um primeiro que vai na direção da globalização, impulsionado por forças
centrípetas, e o segundo que favorece a fragmentação, movido por forças centrífugas”.
Inserido nessa realidade complexa, a postura diplomática deveria ser balizada pelo meio
termo entre a globalização/integração e a fragmentação/autonomia, na busca de equilíbrio
pautado pela ideia de tolerância, já que “a autonomia só será exercida com sucesso se
levarmos em conta a necessidade de aceitar a inevitabilidade da globalização e soubermos
aproveitar a sua dinâmica”. Caberia, portanto, ao Brasil, “participar ativamente dos processos
de globalização”, já que “em isolamento autárquico, nenhuma sociedade está hoje em
condições de controlar e encaminhar o seu próprio destino”128.

126
GONÇALVES (2000), Op. cit., p 217-218.
127
Em 1992, Celso Lafer havia sido ministro das Relações Exteriores do governo Collor de Mello, voltando a ocupar o cargo
entre 2001-2002. Por seu turno, Gelson Fonseca Jr., embaixador do MRE, atuou como conselheiro diplomático da
presidência da República entre 1990-1991 e, posteriormente, 1995-1998, na gestão de Cardoso.
128
LAFER, Celso; FONSECA JÚNIOR, Gelson. “Questões para a diplomacia no contexto internacional das polaridades
indefinidas (notas analíticas e algumas sugestões). In: FONSECA JÚNIOR, Gelson; CASTRO, Sergio Henrique Nabuco de
(org.). Temas de Política Externa Brasileira II. Vol. 1. Brasília: FUNAG, Paz e Terra, IPRI, 1997, p. 55-71.
66

A percepção de um mundo envolto no movimento da globalização, ao qual se entendia


necessário inserir o país, em vista do reforço da interdependência mundial ao invés do
conflito, fez com que a diplomacia, a partir de uma leitura de corte racionalista129, elaborasse
um plano de inserção internacional pela adesão às instituições internacionais (o chamado
institucionalismo). O impacto gerado pela nova realidade foi que, nas palavras de Mônica
Hirst e Letícia Pinheiro, “a etapa inaugurada em 1990 corresponde, no campo da política
externa, à ruptura de um consenso construído a partir de 1974 com base em uma sólida
estrutura burocrática”, cuja prerrogativa era de um “projeto de inserção autonomista, cujas
premissas orientadoras priorizavam uma atuação independente e ativa no sistema
internacional”. Esse rompimento conjugava um “projeto de vôo curto”, que se circunscreveu
ao governo Collor de Mello, cujo objetivo era “modificar rapidamente o perfil internacional
do país”, a partir de três metas: 1. atualizar a agenda internacional brasileira; 2. construir uma
agenda positiva com os EUA; 3. descaracterizar o perfil terceiro-mundista do Brasil130.
Em 1992, Celso Lafer é alçado ao posto de chefia do MRE, e reinsere no horizonte da
diplomacia brasileira a política de não-alinhamento automático de Araújo Castro. A partir de
então, o discurso diplomático apresentaria nova cognição referente a termos usuais como
diversificação, universalismo e autonomia.
A reformulação pretendida por Lafer teria por diretrizes a “adaptação criativa”
(participação ativa nos regimes internacionais e aceitação das normas, a exemplo das
convenções sobre mudança climática e biodiversidade) e a “visão de futuro” (perspectiva
reformista, que visava um redirecionamento da ordem internacional, materializado na defesa
da democratização do Conselho de Segurança das Nações Unidas, CSNU). O universalismo
surgiria pela concepção do Brasil como global player (perceptível na gestão de Celso Amorim
à frente do Itamaraty, entre 1993-94), que prescreve a aceitação das normas e regimes

129
A perspectiva racionalista, apesar de, assim como o realismo, entender que o ente estatal é o principal ator da política
internacional, difere da corrente hobbesiana no que tange ao “princípio anárquico que rege as relações internacionais”, já que
“os teóricos racionalistas concebem a anarquia do sistema internacional apenas como falta de um governo central, de um
Leviatã em nível mundial” e, sendo assim, “reconhecem que pode haver laços societais entre os Estados mesmo na falta de
uma autoridade superior aos atores estatais”. Seguindo o raciocínio, “a concepção racionalista, também conhecida como
grotiana, se caracteriza pela importância do respeito às normas como um fator determinante na socialização dos Estados”.
Assim, ao se traçar um mapa cognitivo de corte racionalista, têm-se que, no sistema internacional, os atores seriam os estados
e as organizações internacionais (sendo que, estas últimas, determinariam a situação do sistema), cujo foco seria a cooperação
(ao invés do conflito e/ou relações de poder), visando sempre uma noção de ordem baseada nas relações de cooperação (em
detrimento da anarquia e equilíbrio de poder) orquestrada pelo tratamento nos foros internacionais. (Cf.: GOFFREDO
JUNIOR, Gustavo Sénéchal de. Entre Poder e Direito: a tradição grotiana na política externa brasileira. Brasília: FUNAG,
2005, p. 26-30)
130
HIRST, Mônica; PINHEIRO, Letícia. “A política externa do Brasil em dois tempos”. Revista Brasileira de Política
Internacional, ano 38, nº 01. Brasília: 1995, p. 05-23.
67

vigentes, visando a projeção do Brasil nos órgãos internacionais pela adesão. Durante a
presidência de Cardoso (1994-2002) o termo autonomia voltaria ao léxico diplomático131.
A ideia de autonomia surgiria nas declarações do ministro das Relações Exteriores,
Luiz Felipe Lampreia, pelo rótulo “autonomia pela integração”, aplicado à política externa de
Cardoso. Essa nova ideia de autonomia, portanto, guardava sentido de continuidade (não-
alinhamento aos EUA) e ruptura (adesão às normas e regimes internacionais). A autonomia
proposta pela política externa de Cardoso, portanto, seria articulada com o meio internacional,
abrindo mão da posição isolacionista que confrontava o “congelamento do poder mundial”.
Diante desse quadro cognitivo, é possível compreender o “legado concreto” da política
externa de Cardoso que, conforme Vigevani, apresenta uma “perspectiva multifacetada”, com
ampla agenda e campo de atuação. A prioridade dada ao MERCOSUL (Mercado Comum do
Sul) é compreensível tendo em vista que o entorno regional era a esfera geopolítica mais
palpável para manter margem de autonomia em relação aos EUA e seu posicionamento
hegemônico. Há de se destacar, também, outro aspecto da política externa de Cardoso (apesar
de ter apresentado menor prioridade que o entorno regional e as relações com EUA e UE),
que é a busca de parcerias estratégicas com países diversos, com destaque para China
(cooperação tecnológica e relações comerciais), Índia, África do Sul (maior aproximação após
o fim do apartheid) e Rússia (importador de commodities agrícolas brasileiras)132.
Esse movimento de construção de parcerias estratégicas demonstra relações bilaterais
com acentuado grau de seletividade, com países situados em todos os quadrantes do mundo, e
configuraria aquilo que Antônio C. Lessa conceitua como “universalismo seletivo”, que seria
“a escolha de parceiros preferenciais, aos quais se atribui atenção diplomática privilegiada”
com o fito de obterem-se ganhos recíprocos133. Com o “universalismo seletivo” configura-se a
“estratégia de racionalização dos contatos bilaterais”, tendo por objetivo a “construção de
alianças operacionais pautadas pela concertação política em foros multilaterais para a
negociação de regimes internacionais regulatórios”, além de buscar estabelecer acordos de

131
MELLO, Flávia de Campos. “Diretrizes e redefinições da política externa brasileira na década de 90”. Paper apresentado
no XXIV Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 23-27 out. 2000.
132
VIGEVANI, Tullo; OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de; CINTRA, Rodrigo. “A política externa do governo Cardoso: um
exercício da autonomia pela integração”. Tempo Social, nº 20, 2003, p. 31-61.
133
Conforme Lessa, o “universalismo seletivo” que, ao longo da Guerra Fria havia servido como “válvula de escape” no que
tange à dependência em relação aos EUA, a partir dos anos 90 (o pós-Guerra Fria), se caracterizaria como “qualificação da
inserção internacional”, já que na conjuntura de “mudança de centralidade das relações internacionais, na qual observa-se a
substituição da lógica estritamente político-militar e ideológica pela supremacia da lógica econômica” da competição por
mercados, observa-se que “o Brasil é confrontado com a desproporção entre a sua universalidade de interesses e a gritante
modicidade de recursos e meios disponíveis para realizá-los”. (LESSA, Antonio C. “A diplomacia universalista do Brasil: a
construção do sistema contemporâneo de relações bilaterais”. Revista Brasileira de Política Internacional, v.41, 1998, p. 36).
68

“cooperação científica e tecnológica com a intenção de ultrapassar as limitações ao acesso dos


insumos para o desenvolvimento”134.
Essa forma de atuação se concentraria em cinco eixos: 1. eixo regional (centrado em
Caracas-Buenos Aires); 2. eixo norte-americano (as relações com Washington); 3. eixo
europeu (a UE, com destaque para Berlim); 4. eixo da orla do Pacífico (centrado em Tóquio);
5. eixo das potências regionais (o quadrilátero Pequim-Moscou-Nova Dheli-Pretória).
Baseado no “universalismo seletivo”, a ação diplomática estaria moldando a atuação do Brasil
como “ator global”, a partir do princípio da universalidade da PEB135.

1.3.2 A diplomacia da cooperação sul-sul

A política externa de Cardoso, de corte liberal, representa a reformulação do


americanismo/ocidentalismo na conjuntura do pós-Guerra Fria, haja vista o abandono dos
pressupostos nacionalistas da política externa dos militares, vigente desde os anos 70, cujos
princípios e plano de ação remontam à PEI. A integração a normas e regimes internacionais
(manutenção da “ordem”), seria orientada por uma percepção específica do caminho para o
desenvolvimento nacional, em fins do século XX: inserir o Brasil na globalização, na lógica
do liberalismo, das democracias de mercado. Afastava-se assim, o Brasil, do terceiro-
mundismo, e as relações com a África alcançariam baixo perfil.
Nesse aspecto, se coloca a postura crítica de Amado Cervo com relação à diplomacia
do governo Cardoso. A crítica de Cervo é dada na condição de defensor de uma visão
nacionalista na qual o Brasil encontra-se em etapa de desenvolvimento capitalista que
preconiza a internacionalização das empresas nacionais, sendo para isso necessário o aporte
logístico do estado no processo. Em sua análise do governo Cardoso, indica que os quatro
rumos de sua política externa (multilateralismo, regionalismo, relações com EUA e União
Europeia), “orientaram claramente os esforços externos para o denominado Primeiro Mundo”
e, relegando a segundo plano parcerias consolidadas ao Sul (no âmbito do terceiro-
mundismo), “afastou-se da África e do Oriente Médio, desdenhou parcerias consolidadas
anteriormente como a China e não percebeu as oportunidades que se abriam na Rússia”136. De

134
Ibidem.
135
Ibidem.
136
CERVO, Amado Luiz. “A política exterior: de Cardoso a Lula”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 46, nº
01. Brasília: Ibri, 2003, p. 05-11.
69

fato, o “universalismo seletivo” direcionou-se às potências (reais e/ou emergentes) do cenário


internacional.
A postura globalista (universalismo), tradicional na PEB, foi moldada pela
seletividade durante o governo Cardoso, em vista dos limites econômicos impostos à ação
externa do Brasil. Assim, a busca por parceiros estratégicos (Rússia, China, Índia e África do
Sul) demonstra uma menor dose de universalismo, que priorizava relações com países
considerados potências regionais e com capacidade de projeção internacional relevante.
Nesse contexto, as relações entre Brasil e África, na conjuntura dos anos 90, se dariam
pelo signo da seletividade. De acordo com José F. S. Saraiva, nos anos pós-Guerra Fria,
houve uma “tendência em baixa”, da política africana do Brasil, com progressiva diminuição
de contatos do Brasil com o continente africano, em vista da conjuntura política e econômica
adversa de ambos os lados. Assim, a PEB fez “opções seletivas” no continente africano,
valorizando-se a África Austral em detrimento da África no Norte e da África negra,
Mantinha-se a continuidade das relações com a África, ainda que em menor densidade.
Segundo Saraiva, as quatro linhas de ação das “opções seletivas” para a África foram: 1.
crescente relevância da África do Sul para o Brasil, após o fim do regime do apartheid; 2. as
relações com Angola; 3. retomada da operacionalização da ZOPACAS (Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul); 4. Institucionalização da CPLP (Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa)137.
De fato, observou-se, entre fins dos anos 80 e a década de 1990, um declínio
progressivo do comércio entre o Brasil e os países africanos, devido a fatores internos e
externos. O Brasil, desde o fim do regime militar, vivenciou a crise da dívida externa, da
inflação descontrolada e da desvalorização monetária, que limitavam sua ação internacional.
A África, por seu turno, viveu um período de crise política e econômica profunda, que
afetou sua participação no comércio internacional. O fim da Guerra Fria e o triunfo do
liberalismo contribuíram para desarticular o discurso terceiro-mundista do embate Norte-Sul.
O Brasil passou a priorizar o espaço sul-americano e a concentrar esforços em prol da
integração via MERCOSUL. A diminuição do fluxo de comércio entre o Brasil e a África
subsaariana, é acompanhada da menor relevância do continente africano para a inserção
internacional do Brasil – que passou a privilegiar os EUA, a Europa e o entorno regional,
principalmente. Nesse processo, durante o governo Cardoso, houve o fechamento de postos

137
SARAIVA, José Flávio Sombra. O lugar da África: a dimensão atlântica da política externa brasileira (1946 a nossos
dias). Brasília: UnB, 1996, p. 218-224.
70

diplomáticos em Adis Abeba (Etiópia), Dar es Salam (Tanzânia), Iaundê (Camarões),


Kinshasa (República Democrática do Congo), Lomé (Togo) e Lusaca (Zâmbia)138.
O embaixador José Vicente de Sá Pimentel, Diretor-Geral do Departamento de África
e Oriente Próximo do Itamaraty, procurou pontuar os limites e possibilidades das relações
entre Brasil e África, no pós-Guerra Fria. Pela sua percepção, a própria ideia de uma “política
africana” é incongruente com a pluralidade do continente africano, onde cada região tem
peculiaridades que não devem ser generalizadas em uma proposta de ação unívoca em direção
ao continente, salientando que “na África cumpre aplicar os nossos recursos com critério”.
Em vista da realidade africana e brasileira, afirma que “seletividade não significa desinteresse
pelas grandes causas comuns a todos os africanos [...] Denota, apenas, pragmatismo na
alocação de recursos limitados”, visto que a instabilidade política e econômica do continente
africano gera um “custo África” (gastos adicionais para cobrir deficiências estruturais, como
segurança, transporte, etc.) aos que desejam investir na região. Esse fator acaba depreciando o
interesse pelo continente. Assim, a seletividade brasileira no continente africano conferia
relevância ao estabelecimento de parcerias com África do Sul, Angola (país rico em petróleo,
diamante, recursos minerais, e que mantém vínculos estreitos com o Brasil), Nigéria (“o
maior parceiro comercial do Brasil na África negra”) e a CPLP (Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa)139.
A seletividade de parcerias da política externa do governo Cardoso, portanto,
privilegiaria a região Austral do continente africano (excetuando-se a importância comercial
da Nigéria), a começar pelos PALOP, em específico, Angola e a CPLP.
Durante os anos 90, Angola vivenciou uma crise política que resultou em guerra civil
com intervenção da ONU, quando Jonas Savimbi, líder da UNITA (União Pela Libertação
Total de Angola) não aceitou a vitória eleitoral (1992) do MPLA. O conflito só teria fim em
2002, com a morte de Savimbi. Nesse período, o Brasil atuou na ONU votando nas sanções à
UNITA de Savimbi, e participou das missões de paz enviadas ao país (UNAVEM I,
UNAVEM II, UNAVEM III e MONUA), entre 1989 e 1997, através do envio de
observadores, de equipes médicas ou de tropas (com destaque para a UNAVEM III, quando
enviou um contingente de 4.222 homens). Para Angola, a relação com o Brasil é prioritária, e
a postura brasileira com o país é de cooperação continua. As relações bilaterais são reguladas

138
RIBEIRO, Cláudio Oliveira. “Adjustment changes: a política africana do Brasil no pós-Guerra Fria”. Revista de
Sociologia e Política, v. 18, nº 35, Curitiba, fev. 2010, p. 55-79.
139
PIMENTEL, José Vicente de Sá. “Relações entre o Brasil e África subsaárica”. Revista Brasileira de Política
Internacional., v. I, nº 43, 2000, p. 05-23.
71

pelo “Acordo de Cooperação Econômica, Científica e Técnica” de 1980, e seus Ajustes


Complementares. Apesar da continuidade das relações Brasil-Angola (marcada por contatos
diplomáticos e visitas de chanceleres e presidentes), verificou-se um declínio das relações
comerciais. O ponto alto dos vínculos diplomáticos, no período, foi de âmbito multilateral
(CPLP, ONU e ZOPACAS), naquilo que Rizzi denomina de “relações bilaterais indiretas”,
cujo objetivo seria o estabelecimento de articulação conjunta em órgãos internacionais que
representam interesses coletivos dos Estados-membros140.
A inovação nas relações com os PALOP se deu pela via multilateral, com a CPLP,
criada em julho de 1996, cujos Estados-membros (Angola, Brasil, Moçambique, Cabo Verde,
Guiné Bissau, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste) possuem a língua como vínculo
histórico e cultural comum. A CPLP conjuga interesses culturais, políticos e econômicos, e
funciona como um ponto de interseção entre vários processos de integração regional do qual
fazem parte seus Estados-membros – UE, MERCOSUL, SADC (Southern África
Development Comunnity) e COMESA (Commom Market of Eastern and Southern África)141.
Na sua Declaração Constitutiva, estabeleciam-se 17 objetivos, que delimitavam
processo internos de cooperação entre os membros (intercâmbio cultural, solidariedade e
fraternidade, difusão da língua portuguesa, etc.) e processo externos que visam projetar a
CPLP no cenário internacional (promover a concertação política entre os membros nos órgão
internacionais, promover a cooperação em temas como meio ambiente, direitos humanos,
etc.). Conforme Fonseca Jr., esse aspecto demonstra a dupla faceta da CPLP: um
“multilateralismo hacia adentro” (criação de vínculos e identidade própria entre seus
membros) e um “multilateralismo hacia afuera” (articular posições e interesses conjuntos
entre os Estados-membros em instâncias multilaterais)142. A CPLP, portanto, expressa a ação
internacional em moldes institucionalistas, em conformidade com a diplomacia do governo
Cardoso. Todavia, a expressão africana do “universalismo seletivo” da PEB de então, eram as
relações com a África do Sul.
Com a África do Sul, a aproximação diplomática foi dada após o fim do apartheid. A
visita de Nelson Mandela ao Brasil, em 1991 foi um elemento a demonstrar o desejo sul-
africano em estreitar laços com o Brasil. Do ponto de vista da diplomacia sul-africana, o
Brasil não era uma de suas prioridades, mas importava como liderança regional. Brasil e
140
RIZZI, Kamilla Raquel. Relações Brasil-Angola no pós-Guerra Fria: os condicionantes internos e a via multilateral.
Dissertação de mestrado. URGS-IFCH, Programa de Pós-Graduação em Relações Internacioais. Porto Alegre, ago. 2005, p.
69-108.
141
Ibidem.
142
FONSECA JR., Gelson. O interesse e a regra: ensaios sobre o multilateralismo. São Paulo: Paz e Terra, 2008, p. 263-270.
72

África do Sul estabeleceram uma parceria estratégica de possibilidades, marcada por timidez e
desconfiança recíproca. Conforme Pio Penna Filho, ambos possuem ponto de interseção (são
potências emergentes cujos blocos regionais apresentam dificuldades internas), cujas
possibilidades de cooperação se dão a nível multilateral (convergência de interesses em
questões internacionais) e bilateral (existem especializações complementares propícias à
cooperação técnica)143.
Na prática, as relações diplomáticas do Brasil com a África do Sul foram de baixo
perfil, apesar das viagens presidenciais e visitas ministeriais. A diplomacia do governo
Cardoso não estabeleceu um papel pragmático e estratégico para a África do Sul em seu
programa internacional, havendo mais diálogos de aproximação do que ações concretas –
principalmente no primeiro mandato de Cardoso144. Em 2000, Brasil e África do Sul
assinaram um acordo macro para a criação de uma área de livre-comércio entre o
MERCOSUL e África do Sul. No fim do governo Cardoso, entretanto, ensaiou-se, com a
África do Sul, a diplomacia da cooperação Sul-Sul – em vista da conjuntura internacional –
quando Brasil, África do Sul e Índia atuaram de forma conjunta na ONU na questão da
propriedade intelectual da área farmacêutica145.
A articulação conjunta no contencioso farmacêutico reflete uma sensível mudança
ocorrida no final do governo Cardoso. Devido à instabilidade financeira internacional (crises
mexicana, asiática e russa), da postura unilateral norte-americana após os atentados de 11 de
setembro de 2001 e da crise econômica argentina, é possível perceber que “uma inflexão foi
esboçada por FHC ao longo de seu segundo mandato, formulando, ainda que timidamente,
uma postura mais crítica em relação à globalização e à Alca”146. Assim, conforme Vizentini, a
diplomacia de Cardoso “foi dirigida, essencialmente, em direção à agenda globalizadora,

143
PENNA FILHO, Pio. O Brasil e a África do Sul: o arco atlântico da política externa brasileira (1918-2000). Porto Alegre:
FUNAG/MRE, 2008, p. 273-301.
144
Cf.: SILVA, Daniel Reis da. A política externa do governo Cardoso e o lugar da África do Sul: diálogos de aproximação
em um contexto de mudanças. Dissertação de mestrado. UERJ/ICGH. Rio de Janeiro, 2010.
145
SARAIVA, Miriam Gomes. “As estratégias de cooperação Sul-Sul nos marcos da política externa brasileira de1993 a
2007”. Revista Brasileira de Política Internacional ano 50, n.2. Brasília, Ibri, 2007. p. 42-59. Disponível em
http://www.scielo.br. Acesso em: 03 abr. 2011.
146
No decurso de seu primeiro mandato, segundo Vizentini, FHC efetuou um esvaziamento do Itamaraty, transferindo “suas
atribuições econômicas do MRE para o Ministério da Economia e, ao mesmo tempo, assumiu sua direção política com a
introdução da diplomacia presidencial”, a fim de isolar “o foco de resistência do projeto nacional-desenvolvimentista”. A
partir disso, teria efetuado suas linhas de ação prioritárias (integração regional, aprofundamento do Mercosul, diversificação
de parcerias nas relações bilaterais, atuação junto a organizações econômicas internacionais – a OMC, principalmente – e a
tentativa de elevar o Brasil à condição de potência internacional pela reforma do CSNU). Entretanto, a crise financeira e
cambial do Brasil em 1999 (a fuga de capitais e a desvalorização do Real), e o ciclo de crises econômicas mundiais,
reorientaram a postura internacional do governo Cardoso, que passou a tecer críticas às assimetrias da globalização,
abandonando o “discurso da adesão à globalização neoliberal” (Cf.: VIZENTINI, Paulo Fagundes. “De FHC a Lula: uma
década de política externa (1995-2005). Civitas, vol. 05, nº 02. Porto Alegre, jul-dez/2005, p.381-397).
73

embora certa margem de recuo tenha sido mantida, especialmente devido à integração
regional”147.
O discurso de adesão à globalização deu lugar à acusação da “globalização
assimétrica”, cuja ação concreta se deu na articulação real das parcerias estratégicas do Brasil
(Índia e África do Sul), de forma multilateral. A postura de apoiar a manutenção da “ordem”,
aderindo às normas e regras, em conformidade com a diplomacia institucionalista
(racionalista), cedia espaço à articulação para gerar mudanças favoráveis ao interesse nacional
(a busca da “justiça”, a postura revisionista), via cooperação Sul-Sul. O aprofundamento dessa
postura, no governo Lula, a partir de 2003, imporia um novo patamar às relações entre o
Brasil e a África.

1.4 Conclusão

O processo de descolonização afro-asiático foi um marco na história do século XX,


principalmente no que tange às relações internacionais. O fenômeno causou tal impacto no
sistema internacional que reorientou a política externa dos países do sistema, reconfigurou o
multilateralismo e colocou a temática do subdesenvolvimento e da desigualdade dentro da
dinâmica da Guerra Fria. No caso brasileiro, o discurso do não-alinhamento terceiro-mundista
apontava novas possibilidades de ação externa que fugiam do conflito Leste-Oeste, abrindo
outras vias de conduta diplomática, na busca de aceleração do desenvolvimento nacional.
Esse momento histórico encetou o ambiente de debates intensos que gerariam um
conflito entre duas formas de pensar o Brasil e seu papel internacional: eram as perspectivas
nacionalistas e americanistas, cujo embate floresceu na conjuntura dos anos 50-60. Em meio a
esse embate, formulava-se uma proposta de política africana no seio de uma geração de
diplomatas do Itamaraty que vislumbravam um destino de potência ao Brasil. A PEI, dos anos
60, foi a expressão momentânea desse anseio, cuja concretude se daria na década de 70,
durante os governos militares. Nesse momento, o entrave à implementação de uma política
africana eram os laços sentimentais que atrelavam a diplomacia brasileira ao colonialismo
português.
Em meio à elaboração e implementação da política africana brasileira que surgia, duas
concepções eram elencadas: 1. a importância em difundir a imagem de democracia racial, no
qual o Brasil figura como um modelo a ser seguido; 2. a ideia de “diplomacia para o

147
VIZENTINI (2005), Ibidem, p. 308.
74

desenvolvimento”, na qual o Brasil se coloca como intermediário dos interesses do mundo


subdesenvolvido (já que a luta contra o subdesenvolvimento seria a unidade que liga os países
africanos, asiáticos e latino-americanos). Com essas concepções, e superado o antagonismo
fundamental que era o apoio ao colonialismo português, a política africana foi colocada em
prática, a partir de 1974.
Essa postura diplomática, amparada em percepção nacionalista e em um projeto de
inserção internacional protagônico, logrou ganhos comerciais (auferindo superávits
comerciais crescentes) e projeção política internacional significativa (com o Brasil se
posicionando como sistem-affecting-country). A partir de meados dos anos 80, contudo, as
relações Brasil-África entram em declínio, seja pela crise da dívida que se abate sobre o Brasil
(e do fim do projeto desenvolvimentista dado pelo modelo da ISI, que orientara os rumos da
política externa, e chegava ao seu limite), seja devido aos problemas políticos vivenciados
pelos novos Estados africanos, cujo processo de consolidação e amadurecimento era
dificultado pelas constantes guerras civis e golpes de Estado que assolavam o continente.
Outro importante condicionante a influir para o baixo perfil das relações Brasil-África ao
longo dos anos 90 que seguiriam, foi o fato de que as incertezas diplomáticas geradas por um
sistema internacional em transição (era o imediato pós-Guerra Fria), reorientariam as
diretrizes da PEB.
As novas diretrizes, conceitualmente concebidas durante o início dos anos 90, foram
colocadas em prática durante o governo Cardoso. O esforço em inserir o Brasil no movimento
da globalização significou privilegiar as relações diplomáticas com EUA, Europa e o entorno
regional. O abandono do perfil terceiro-mundista e da perspectiva do embate Norte-Sul das
relações internacionais, tornou as relações com a África de baixo perfil, baseado na lógica do
“universalismo seletivo”.
Nos momentos finais dos “anos FHC”, mudanças no cenário internacional
reorientaram as percepções diplomáticas do Brasil, que acabaram traçando o rascunho de
iniciativas aprofundadas durante o governo Lula, que o sucedeu, principalmente no que tange
à África. As concepções nacionalistas da tradição diplomática da PEI, e do “pragmatismo
responsável” permaneciam latentes no Itamaraty, vindo a emergir no governo Lula e seu
direcionamento rumo ao continente africano. Nesse processo, o movimento de ida à África
seria acompanhado por aqueles dois elementos que tornam a África congruente ao “destino de
grandeza” do Brasil: a democracia racial (Brasil como modelo de “potência mundial
racialmente miscigenada”) e a “diplomacia para o desenvolvimento” (cooperação Sul-Sul).
Nas palavras de Jerry Dávila: “os padrões do passado ainda se refletem no presente e a África
75

ainda é uma abstração no Brasil, uma tela sobre a qual as aspirações nacionais e os valores
raciais brasileiros foram representados”148.
De fato, a diplomacia do governo Lula, ao aprofundar a articulação política
multilateral com a África do Sul e a Índia, ensaiada pelo governo Cardoso, buscou apoiar-se
no léxico da “democracia multiétnica e multiracial” para caracterizar a imagem brasileira em
sua coalizão com os parceiros indiano e sul-africano. A ideia de “democracia multiracial”
seria reforçada ainda pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR), criada pelo governo Lula, que procurou divulgar a percepção de que “O Brasil é o
país da igualdade racial”149. O esforço de aproximação dos países africanos, apresentado pelo
governo Lula, teria a luta contra o preconceito racial e a difusão da imagem de “democracia
multiracial”, presente no discurso multiculturalista, como uma de suas bases de apoio.
Entretanto, a formulação de uma política para a África deveria se assentar sob outras bases: a
da cooperação para o desenvolvimento. A percepção dessa dinâmica seria um dos fatores a
fortalecer a revitalização da política africana encetada pelo governo Lula, conforme será
esboçado no próximo capítulo.

148
DÁVILA, Op. cit., p. 310.
149
ERÊ ODARA, Boletim Informativo Especial da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República para a VII Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, nov. de 2001.
Disponível em: www.seppir.gov.br/publicacoes/ere_odara.pdf. Acesso em: 02 mar. 2010.
76

2 A ÁFRICA NA POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO LULA: DIÁLOGO COM


O RENASCIMENTO AFRICANO

O Brasil não se limitou a colher da África a lama de gente preta que


lhe fecundou os canaviais e os cafezais, que lhe amaciou a terra seca;
que lhe completou a riqueza das manchas de massapé. Vieram-lhe da
África “donas de casa” para seus colonos sem mulher branca;
técnicos para as minas; artífices de ferro; negros estendidos na
criação de gados e na indústria pastoril; comerciantes de panos de
sabão; mestres, sacerdotes e tiradores de reza maometanos. Por outro
lado a proximidade da Bahia e de Pernambuco da costa da África
atuou no sentido de dar às relações entre o Brasil e o continente negro
um caráter todo especial de intimidade.

Gilberto Freyre*

A contribuição africana à cultura brasileira foi notável. Etnicamente,


sua participação na formação da atual população brasileira é óbvia.
Ainda mais importante foi a contribuição que recebemos da África no
que concerne aos valores espirituais. Muito natural, portanto, que nos
esforcemos por desenvolver as mais calorosas e íntimas relações com
os países africanos.

Azeredo da Silveira**

A continuidade é um elemento marcante nas relações entre o Brasil e a África. Apesar


de haver maior ou menor aproximação em virtude de condicionalidades históricas específicas,
o fato é que, desde o momento em que o cálculo diplomático brasileiro passou a computar o
continente africano como espaço estratégico para o desenvolvimento do ideal de potência
internacional do Brasil (entre os anos 60-70), os vínculos com a África foram mantidos e, por
vezes, aprofundados. Destarte, no pós-Guerra Fria, se o governo Cardoso apresentou
permanência dos vínculos diplomáticos com a África (presente nas “opções seletivas” por
África do Sul, Angola, Nigéria e CPLP) acompanhado de um esfriamento da intensidade e
importância destes (o fechamento de embaixadas brasileiras na África é um demonstrativo do
fato), o governo Lula que o sucedeu estreitou as relações diplomáticas conferindo importância
estratégica aos países africanos em sua busca de fortalecimento da cooperação Sul-Sul.

*
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São
Paulo: Global, 2005, p. 391.
**
RESENHA de política exterior do Brasil. Departamento de comunicação e documentação (DCD), MRE, nº 07, out.-nov.
1975, p. 55.
77

Em um esforço de delimitação temporal dos fatos, a política africana do Brasil pode


ser organizada na seguinte cronologia: 1. formulação (1955-1969), que compreende a
conferência de Bandung, a emergência do Terceiro Mundo e a PEI, e cuja característica
principal é a existência da contradição fundamental que impedia a realização de uma política
para a África (os laços sentimentais com Portugal); 2. implementação (1974-1989), momento
em que houve a queda do regime salazarista em Portugal e a eclosão das independências dos
países africanos de expressão portuguesa, quando o Brasil reconhece o MPLA em Angola e
inaugura um momento de aprofundamento das relações com países africanos, caracterizado
pela abertura de embaixadas e intensificação dos fluxos de comércio (fato determinante do
processo foi a relevância do petróleo africano para a economia brasileira); 3. esfriamento
(1994-1999), período em que, envolto pelas incertezas do pós-Guerra Fria, o pensamento
diplomático brasileiro formula uma inserção internacional de adesão à dinâmica da
globalização, a partir de uma estratégia institucionalista, que confere baixa importância às
relações com países africanos, visto que muitos deles passaram por momentos de crises
econômicas, políticas e de segurança profundas sendo, esse período da PEB, caracterizado
pelo universalismo das opções seletivas; 4. revalorização (2003-?), um período em aberto,
iniciado pelo governo Lula, cuja continuidade ainda há de ser verificada nos governos
subsequentes, conforme ocorrerem e novas pesquisas forem efetuadas. Este último período é
o objeto deste capítulo.
É importante notar que, na periodização cronológica adotada, existem momentos de
transição entre um momento e outro da política africana do Brasil: de 1970-1973 (entre a
formulação e a implementação), a política externa do governo Médici e seu ideal de “Brasil
Potência” oportunizou uma forma diferente de lidar com o colonialismo português na África,
principalmente com a viagem do ministro Gibson Barboza a alguns países africanos, em 1972.
De 1990-1993, (entre a implementação e o esfriamento), houve a adaptação conceitual da
PEB à conjuntura do fim da Guerra Fria e da globalização, que orientaria os rumos da
diplomacia nacional, a partir de então. De 2000-2002, após a crise cambial brasileira (e em
vista das crises econômicas mexicana, asiática e russa, que sinalizavam a fragilidade da
ortodoxia econômica liberal) a política externa de Cardoso passa a adotar um discurso de
acusação da “globalização assimétrica”, que é aprofundada com a adoção da postura
unilateralista pelos EUA (após o 11 de setembro de 2001).
Os fatos marcantes desse último período de transição assinalado (2000-2002) foram: a
assinatura de um acordo marco, em 2000, para a criação de uma área de livre-comércio entre
a África do Sul e o MERCOSUL; a articulação entre Índia, Brasil e África do Sul na ONU em
78

vista do contencioso farmacêutico150; a Conferência Mundial contra o Racismo da ONU,


realizada em Durban (África do Sul), em 2001, utilizada pelo presidente Cardoso como
espaço para implementar uma política de ação afirmativa (cota racial) na contratação do setor
público (inclusive criando-se uma bolsa de estudos, em 2002, para candidatos negros
ingressarem no Instituto Rio Branco, de formação dos diplomatas brasileiros)151.
Percebe-se, portanto, que a revalorização da África na diplomacia do governo Lula, foi
não apenas um retorno a alguns dos pressupostos da PEI e da política africana dos governos
militares (a partir dos anos 70), mas foi também um aprofundamento de percepções esboçadas
no final do governo Cardoso. Nesse sentido, pode-se afirmar que houve mudança, mas não
uma ruptura de fato.
A fim de acompanhar e compreender esse movimento de revalorização da África para
a política externa brasileira, durante o governo Lula, o capítulo se subdivide em três partes:
primeiro será traçado breve panorama das especificidades da África contemporânea;
posteriormente será abordada a percepção diplomática acerca da importância do continente
africano para a PEB; após isso, será posto em tela o engajamento presidencial no processo de
revalorização da África na PEB.

2.1 A África no pós-guerra fria: entre o “afro-pessimismo” e o “renascimento”

A África contemporânea apresenta uma história repleta de crises, guerras civis, golpes
de Estado e instabilidade política crônica que, ao que parece, tem sido superada lentamente
nos últimos anos. O continente pode ser subdividido em três subsistemas: o transaariano
(Magreb, Golfo da Guiné e Sul do Saara); a África Central (região que se estende do
Camarões ao Quênia); a África Austral (mais ao Sul, englobando as antigas colônias inglesas
e portuguesas)152. A pluralidade africana torna complexo o entendimento acerca dos

150
Conforme Vigevani, Oliveira e Cintra um aspecto marcante da atuação internacional do Brasil de âmbito multilateral,
durante o governo Cardoso, se deu no seio da OMC (Organização Mundial de Comércio), espécie de terceiro “tabuleiro de
negociações comerciais multilaterais” (junto com a ALCA e o acordo MERCOSUL-UE), através do mecanismo de resolução
de controvérsias, utilizado nos contenciosos comerciais. Um grande saldo foi alcançado no contencioso farmacêutico, no qual
o Brasil logrou o “reconhecimento do direito de quebra de patentes de remédios para o tratamento de Aids”, na queda de
braço com as indústrias farmacêuticas norte-americanas, no qual o argumento brasileiro ganhou forte apoio de ONGs, da
OMS e de alguns países na ONU. Brasil, África do Sul e Índia, defendiam a possibilidade de incentivo à produção de
remédios contra HIV a custos menores, dentro dos países, indo contra os interesses do lobby farmacêutico norte-americano
que fazia com que o governo dos EUA se tornasse inflexível na questão das patentes farmacêuticas. (Cf.: VIGEVANI;
OLIVEIRA; CINTRA. Op. cit., p. 50)
151
Cf.: DÁVILA, Jerry. Op. cit., p. 306.
152
VIZENTINI, Paulo Fagundes. As relações internacionais da Ásia e da África. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2007, p.
60.
79

problemas estruturais existentes nos países africanos contemporâneos, cuja origem remonta ao
processo de descolonização.

Figura 1 - Mapa político da África (2011)

153
Fonte: ONU .

153
Disponível em: http://www.un.org/depts/Cartographic/map/profile/africa.pdf. Acesso: 05 jan. 2012.
80

Figura 2 - Mapa Regional da África com as principais regiões designadas pela ONU154

O declínio dos impérios coloniais na África se iniciou entre os anos 40-50, de forma
coordenada pela Inglaterra (a Commonwealth,) e França (a “Comunidade Francesa de
Nações”), em resposta ao nacionalismo nasserista do Egito e à revolta argelina,
respectivamente. Na primeira fase da descolonização africana (1956-63), o processo foi
desenvolvido em torno do nacionalismo árabe (nasserismo) e do pan-africanismo (orquestrado
pela jovem liderança ocidentalizada, mas não cooptada, que desejava uma ampla integração
regional).

154
Disponível em: http://goafrica.about.com/od/africatraveltips/ig/Maps-of-Africa/Regional-Map-of-Africa-.htm. Acesso em:
05 jan. 2012. Em conformidade com a subdivisão adotada pela ONU, a África é formada por cinco regiões: 1. Norte da
África (o Magreb, na parte setentrional, na costa mediterrânea, abrange os seguintes países: Marrocos, Tunísia, Argélia, Líbia
e a Mauritânia, Egito, Sudão e Sudão do Sul); 2. África Ocidental (fica no Oeste da África, banhada pelo Oceano Atlântico,
formada por: Benin, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali,
Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo); 3. África Centro-Ocidental (situada na porção equatorial do
continente, limitada pelo Atlântico a oeste, composta pelos seguintes países: República Centro-Africana, Congo, República
Democrática do Congo e Angola); 4. África Centro-Oriental (compreendida entre a Bacia do Congo e as águas do Mar
Vermelho e do Oceano Índico; agrupa dez países: Eritreia, Etiópia, Djibuti, Somália, Quênia, Tanzânia, Uganda, Ruanda,
Burundi e Seychelles); 5. África Meridional ou Austral (região mais ao sul, na passagem entre os oceanos Atlântico e Índico,
composta por: África do Sul, Angola, Botswana, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Maurícia, Moçambique, Namíbia,
Suazilândia, Zâmbia, Zimbabwe).
81

Esse aspecto gerava uma clivagem entre países moderados (os Estado francófonos do
Mediterrâneo e as antigas colônias inglesas da África Austral, que mantinham forte
dependência em relação às antigas metrópoles, montando um sistema neocolonial de Estados)
e os países militantemente antiimperialistas (que procuraram se consolidar e buscar o
desenvolvimento nacional através de uma economia mista, de viés socialista e nacionalista).
Nesse movimento, os novos Estados africanos se dividiram em dois grupos de concepções
diferentes: o Grupo de Brazzaville (moderado e pró-Ocidente) e o Grupo de Casablanca
(neutralista), que seriam congregados (pela astúcia do Imperador etíope, Hailé Selassié) na
Organização da Unidade Africana (OUA), em 1963155.
A segunda fase da descolonização africana seria a da busca do desenvolvimento
econômico, consolidando seu processo de independência. Tal esforço seria grandemente
dificultado pelas barreiras territoriais, étnicas e lingüísticas, já que na África, a configuração
do Estado moderno precedeu a formação da nação. Foi assim que, na lógica da Guerra Fria,
essas barreiras étnicas e territoriais seriam utilizadas pelas potências do Ocidente a fim de
conter o avanço comunista na África, a exemplo do ocorrido no Congo Belga, em que as
potências ocidentais se utilizaram da estratégia de apoiar dissidências étnicas locais a fim de
desestruturar o movimento nacionalista e garantir os interesses das transnacionais que
exploravam as riquezas minerais – de fato, o assassinato do nacionalista Patrice Lumumba
(1961) e o golpe de Estado do Coronel Mobutu (1965), significou um benefício ao Ocidente.
De outra forma, as colônias portuguesas, por seu turno, foram palco de guerras civis
violentas que internalizaram interesses divergentes entre URSS, EUA, China, Cuba e países
europeus, que patrocinariam guerras civis, conflitos internos, com financiamento, treinamento
militar e envio de tropas. A Nigéria, por seu turno, que apresentava um projeto
desenvolvimentista que visava alçar o status de potência regional, sofreu a intervenção
franco-belga concretizada na Guerra Civil de Biafra (1967). De fato, nos anos 70, a África
vivenciou uma onda revolucionária (os conflitos na África Austral e no Chifre da África),
cujos desdobramentos, agravados pela grande crise econômica do Terceiro Mundo, geraram a
chamada “década perdida” (os anos 80)156.

155
VIZENTINI (2007), Op. cit., p. 160-170.
156
Ibidem, p. 171-199.
82

Figura 3 - Mapa da descolonização africana157

157
Cf.: HUGON, Philippe. Geopolítica da África. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2009, p. 168.
83

O fim da Guerra Fria foi acompanhado pela retirada das tropas cubanas (1989) e
soviéticas da África, bem como pelo fim do apartheid na África do Sul. Conforme Paulo F.
Vizentini, o fim da bipolaridade fez com que “o Continente Africano perdesse sua
importância estratégica e capacidade de barganha”, resultando na “marginalização da África
no sistema internacional, e a desestrategização e tribalização do conflito e da política
regional”, o que gerou instabilidade política e econômica crônica no continente (a exemplo do
Magreb, do Chifre da África e do Golfo da Guiné e o dramático caso de Ruanda). Contudo, a
África Austral, curiosamente, apresenta processos que “sinalizam a reafirmação da África na
cena internacional”, pois, a “Nova África do Sul” avança no sentido de gerar “a integração
econômica da região”, haja vista seu ingresso na OUA e a aproximação com o Brasil e o
MERCOSUL (ZOPACAS, em 1993)158.
Foi assim que, em meio ao aprofundamento da crise africana, as relações comerciais
do Brasil com a África entrariam em declínio a partir dos anos 80 (conforme se pode
averiguar nas tabelas 2 e 3). Em 1986 o volume de exportações do Brasil para a África sofreu
uma redução de 7,9% para 4,2% no total das exportações. No início da década de 1990, o
fluxo de comércio Brasil-África girou em torno de 3% das relações comerciais brasileiras,
enquanto que nos anos 80 chegou a alcançar cerca de 10%. O ciclo de retraimento das
relações comerciais Brasil-África, na década de 1990, se deu apesar de o Brasil aumentar as
importações de petróleo africano; tal retraimento só seria modificado a partir de 2002159.

Tabela 2 - Exportação Brasil-África – 1979-1986 (US$ Mil)160


Ano Total Var. (%) África Part. (%)* Var. (%)
1979 15.244.377 20,4 692.882 4,5 4,3
1980 20.132.401 32,1 1.313.199 6,5 89,5
1981 23.295.356 15,7 1.963.267 8,4 49,5
1982 20.180.966 -13,4 1.390.229 6,9 -29,2
1983 21.903.182 8,5 1.237.555 5,7 -10,8
1984 27.006.553 23,3 1.976.458 7,3 59.4
1985 25.639.028 -5,0 2.021.688 7,9 2,3
1986 22.348.713 -12,8 945.123 4,2 -53,4
*Part.: participação no total
Fonte: adaptado a partir do MDIC apud SANTANA

158
VIZENTINI (2007), Op. cit.,, p. 203-210.
159
RIBEIRO, Op. cit., p. 281-314.
160
Cf.: SANTANA, Op. cit., p. 533.
84

Tabela 3 - Exportação Brasil-África – 1985-1996 (US$ Mil)161


Ano Total Var. (%) África Part. (%)* Var. (%)
1985 25.639.028 5,0 2.021.688 7,9 2,3
1986 22.348.713 12,8 941.694 4,2 -53,4
1987 26.223.956 7,3 1.018.038 3,9 8,1
1988 33.789.567 8,8 983.259 2,9 -3,4
1989 34.382.619 0,7 1.000.510 2,9 1,8
1990 31.413.759 8,6 1.033.783 3,3 3,3
1991 31.620.461 0,6 1.132.553 3,6 9,6
1992 35.792.985 3,2 1.098.301 3,1 -3,0
1993 38.554.712 0,7 1.108.025 2,9 0,9
1994 43.545.162 2,9 1.346.746 3,1 21,5
1995 46.506.282 0,8 1.584.953 3,4 17,7
1996 47.746.728 0,6 1.521.987 3,2 -4,0
*Part.: participação no total geral.
Fonte: adaptado a partir do MDIC apud SANTANA.

Entre 1980-1989, a média da taxa de crescimento do PIB africano foi de apenas 1,3%.
A participação africana no comércio mundial também entrou em declínio no período, caindo
de 4,7% em 1980 para 2,1% em 1989, do total mundial. O endividamento externo foi uma das
causas da crise econômica africana – o que se agravou com a adoção do receituário ortodoxo
do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do Banco Mundial, que fez com que a dívida
africana saltasse de US$ 138,6 bilhões em 1982, para US$ 260 bilhões em 1989 (cerca de
90% do PIB do continente). Apesar do quadro desanimador legado pela “década perdida”, ao
longo dos anos 90, a África vivenciou um processo de democratização (pautado pelo
pluralismo político) e de surgimento de novas lideranças – Nelson Mandela (África do Sul
pós-apartheid), Laurent Kabila (República Democrática do Congo, RDC), José Eduardo dos
Santos (Angola), Meles Zenawi (Etiópia), Yoweri Museveni (Uganda), Paul Kagame
(Ruanda) – que chegaram ao poder apresentando uma visão política nacional (ao invés de
tribal) aliada a uma perspectiva econômica moderna (que valoriza o mercado sem deixar de
considerar as implicações/compromissos sociais da ação estatal)162.
A articulação política das novas lideranças africanas foi fundamental na resolução dos
conflitos civis (a exemplo do caso de Angola e da RDC). Por conseguinte, a democratização
africana foi acompanhada também de revitalização econômica: em 1994 houve ligeira alta no
crescimento do PIB (3,1% no conjunto); em 2003, a média de crescimento do PIB da África
foi de 4% e, em 2005, foi de 5,7%. Observe-se que a variação no fluxo de comércio Brasil-
África acompanhou essa dinâmica (conforme se pode perceber através do gráfico 1).

161
Ibidem, p. 534.
162
PENHA, Op. cit., p. 195-197.
85

Gráfico 1 - Evolução do comércio Brasil-África (1985-2005)163

Fonte: adaptado a partir de dados do MDIC apud OLIVEIRA.

Dois fatores são determinantes nesse processo de revitalização africana: 1. o aumento


do interesse de países não-africanos (EUA, China, França, etc.) pelas oportunidades
econômicas que os recursos naturais (petróleo, gás, diamante, ferro, etc.) e o mercado africano
representam, o que é sinalizado pelo aumento do fluxo dos Investimentos Externos Diretos
(IED); 2. o esforço intra-africano pela consolidação da democratização e da estabilização
econômica dos países do continente, através da realização de reformas macroeconômicas e
políticas orquestradas pela Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD),
lançada em 2001, na Nigéria, e que é estruturada nos marcos da União Africana (UA), que
substituiu a OUA em 2001. A NEPAD, que é formada por fundos nigerianos, sul-africanos e
líbios, funciona como núcleo de captação de recursos financeiros para coordenar a economia
africana, realizar reformas estruturais e resolver a questão das dívidas externas164.
A revitalização africana, engendrada na década de 1990, é um fenômeno relativamente
recente, mas que demorou um pouco para ser percebido e bem aproveitado pela PEB que, na
conjuntura dos anos 90, estava envolta pela diplomacia institucionalista do governo Cardoso.
Durante o governo Lula a situação se inverteria.

163
RIBEIRO, Op. cit., p. 297.
164
PENHA, Op. cit., p. 197-200.
86

2.1.1 Visões da África contemporânea

Um dos entraves para a realização de uma política para a África é a predominância do


“afro-pessimismo”, em contraste com a percepção do “renascimento” africano. O “afro-
pessimismo” é algo socialmente impregnado, e se fundamenta, em grande medida, no
desconhecimento da realidade africana e/ou nos estereótipos criados acerca da mesma. Um
demonstrativo do fato, é a forma como o “Atlas de História Mundial”, da “Seleções do
Reader’s Digest” de 2001, caracterizava a África pós-emancipação colonial, marcada por
“conflitos étnicos e políticos” e pela “derrota econômica”:

Desde a descolonização, o desenvolvimento da África é entravado por numerosos


obstáculos. Pobreza, corrupção e rivalidades étnicas são endêmicas em algumas regiões, e a
guerra, os governos repressivos de partido único e a fome mantêm o nível de vida da maioria
dos africanos muito aquém das metas otimistas fixadas no momento da independência165.

Esta percepção acerca do continente africano, baseado em dados de fins dos anos 80,
marca o senso comum acerca da realidade africana ainda hoje. Em 2002, momento em que a
diplomacia nacional se propôs a pensar a realidade africana a fim de formular uma política
externa para a África, em vista das projeções positivas que a NEPAD simbolizava, a
intelectualidade nacional demonstrou-se ainda eivada de “afro-pessimismo”. A fim de
formular-se uma política externa para a África, seria necessário entender a dinâmica do
“renascimento” africano.
Um exemplo acerca da visão pessimista sobre a realidade africana contemporânea é a
descrição da “Geopolítica da África” realizada pelo intelectual francês Philippe Hugon.
Ao buscar identificar a causa ulterior das mazelas da África após o movimento de
descolonização (guerras civis, pobreza, estagnação econômica, corrupção, etc.), Hugon
sinaliza que na África a “sociedade civil é fraca”, mal gestada em um “Estado
sobrecarregado”. A origem se encontra no fato de que “o Estado colonial se impôs em parte
por imposição de um modelo europeu” e, assim, não conseguiu “capturar as populações”. O
“Estado pós-colonial”, por sua vez, “é um conflito de coalizões no poder”, não refletindo as
classes que representa. O resultado é que “a colonização destruiu ou subjugou as redes
políticas, enquanto os sistemas de parentesco resistiam e perduravam” e, assim, as lideranças
africanas ocidentalizadas, na ânsia por estabelecer um “Estado modernizador e
desenvolvimentista”, findaram instaurando um partido único e “apoiaram-se em grupos de

165
ATLAS DE HISTÓRIA MUNDIAL. Rio de Janeiro: Reader’s Digest Brasil, 2001, 286.
87

pertencimento ou em clientelas”. Ou seja, pela percepção de Hugon, o problema africano


reside no fato de que a modernização política esbarrou na existência de laços de parentesco,
comunitários, de origem na organização tribal, que originaram “Estados neopatrimonialistas”,
corruptos e sectaristas166, pois,

Nas sociedades em que o Estado-nação continua em via de constituição e em que as redes


pessoais e as solidariedades étnicas suplantam a institucionalização do Estado, a crise
econômica agravou sua decomposição. Em certos casos extremos, ela transformou a
economia de renda em economia mafiosa e de rapinagem. Desde então, o futuro do Estado
condiciona o futuro da economia167.

Os Estados africanos que emergiram da descolonização, conforme Hugon, são


rentistas, exploram os recursos naturais (de forma predatória) ao invés de produzir riquezas.
Além disso, a má gestão das riquezas naturais, “que permitem o financiamento de conflitos”,
acabam figurando como fator principal das guerras africanas. Em uma cadeia de causalidades,
os conflitos são gerados pela “crise identitária dentro de contextos de decomposição
institucional e fragmentação territorial” e, por conseguinte, geram violência, que gera
pobreza, exclusão, ausência de instituições que, em um círculo vicioso, alimentam
conflitos168. Portanto, seguindo o raciocínio, a África é um continente rico em fontes
energéticas e minérios, cuja potencialidade de gerar o desenvolvimento africano é notória,
mas esbarra na incapacidade africana de modernizar-se política e socialmente. Assim, a fonte
de superação dos problemas africanos (suas riquezas naturais) se torna razão do
aprofundamento dos mesmos. Como se as sociedades africanas não fossem capazes de gerir a
própria riqueza.
A NEPAD, nesse sentido, seria uma resposta positiva, representando uma tomada de
consciência por parte dos Estados da África, visto que “privilegia a apropriação, pelos
africanos, do processo de desenvolvimento e busca uma nova parceria baseada na
responsabilidade compartilhada e no interesse mútuo”, mas, entretanto, para Hugon, carece de
“credibilidade e legitimidade perante os diferentes Estados africanos” 169.

166
HUGON, Op. cit., p. 55-65.
167
Ibidem, p. 147.
168
Ibidem, p. 86-89.
169
Ibidem, p. 126-149.
88

Figura 4 - Mapa dos conflitos africanos (1990-2000)170

170
Ibidem, p. 85.
89

Figura 5 - Mapa dos processos de integração africanos171

171
Ibidem, p. 124.
90

A conclusão da análise de Hugon é que a “África volta a ser estratégica por questões
de segurança, por seus recursos em matérias-primas e sua biodiversidade”, no qual o melhor
cenário geopolítico de inserção do continente africano na economia mundial parece ser “o de
uma África positivamente integrada na globalização” através de “reformas liberais
internalizadas pelos atores”. Em vista da importância climática, populacional, econômica e
como fonte supridora de petróleo, gás e recurso minerais, é que se explica a presença e
investimento dos EUA, França, UE (União Europeia), China, Índia e Brasil na África nos
últimos anos. Nesse sentido, Hugon preconiza que os “atores com grande influência sobre o
futuro da África são, em parte, externos”, mas, ao mesmo tempo, “são fundamentalmente
internos”, pois essenciais ao desenvolvimento econômico do continente, seu equilíbrio
sociopolítico e sua integração mundial172.
Essa visão de corte “afro-pessimista”, de matriz europeia, contrasta com a perspectiva
africana acerca de si, da origem última de seus problemas estruturais e da forma de superar os
mesmos (o “renascimento” africano) – representado no pensamento do cientista político
queniano Ali A. Mazrui, e do historiador marfinense Christophe Wondji, condensado no
volume VIII da obra “História Geral da África”, organizada sob os auspícios da UNESCO173.
Segundo Mazrui, tanto a independência dos países africanos quanto as dificuldades em
consolidar os Estados africanos se devem ao dualismo e deficiência do sistema educacional
implantado pelas potências durante o período colonial. O “ensino de perfil literário
tradicional” (formação voltada para o domínio da expressão oral e escrita em línguas
européias), permitiu à vanguarda africana (intelectualidade ocidentalizada) apropriar-se de (e
desenvolver) técnicas comunicativas, ideias e teses (os exemplos notórios foram a elaboração
e propagação das ideias de “negritude” de Senghor e o “pan-africanismo” de Nkrumah).
Foram estas que viabilizaram a mobilização e organização popular, partidária e
revolucionária, que fizeram eclodir os movimentos de descolonização174.
Por outro lado, “as potências coloniais não lograram formar os africanos para as
técnicas produtivas” e, assim, os novos Estados africanos careciam, cronicamente, de quadros
técnicos que alavancassem o desenvolvimento econômico. O pleno domínio da capacidade de
comunicação gerou a emancipação, em contrapartida, a inexistência de habilidade técnica
produtiva foi o entrave ao desenvolvimento. O problema africano fundamental, portanto, é a
172
Ibidem, p. 146-148.
173
MAZRUI; WONDJI, Op. cit.
174
Ibidem, p. 1122.
91

“ausência de competências técnicas”, legado pelo sistema colonial, cuja resultante foi o
problema estrutural do subdesenvolvimento que, em última instância, é gerador da
instabilidade política e social (corrupção, guerras civis e golpes de Estado) e crise econômica
(pobreza, miséria e sistemas econômicos rentistas)175.
Por esse raciocínio, a causa do problema não se encontra na África (incapacidade de
modernizar-se política e socialmente), mas sim no sistema colonial (as potências européias),
que não desenvolveram os quadros técnicos (as competências técnicas) necessários ao pleno
desenvolvimento capitalista. Por esse motivo, Mazrui afirma que “a África contraiu hábitos de
consumo do Ocidente, sem todavia assimilar as suas técnicas de produção”. Partindo de tal
constatação, o encadeamento de causalidades apresenta lógica própria.
Em vista do “déficit de competências técnicas”, a militarização “não alimentou a sua
indústria civil” e, por conseqüência, a “militarização sem industrialização desestabilizou,
simultaneamente, os sistemas econômico e político”, gerando o “dilema entre liberdade
política e desenvolvimento econômico” (houve, assim, corrupção do exercício do poder
político, a “privatização do Estado”). O “déficit de competências técnicas”, dessa forma,
acabou gerando a “crise do sistema de governo”, dada, basicamente, pela conjugação de dois
problemas: 1. problema político – tirania (excesso de governo; centralização da violência) e
anarquia (insuficiência de governo; descentralização da violência); 2. problema econômico –
dependência (diminuição da autonomia) e declínio (redução do desenvolvimento)176.
Nesse sentido, como esse déficit é de origem colonial, Mazrui conclui que a “Europa
‘subdesenvolveu’ a África”, visto que “os europeus não transmitiram aos africanos senão
competências concernentes à expressão escrita e oral, técnicas de comunicação, mas não um
savoir-faire em matéria de produção e desenvolvimento”177. Em termos mais amplos, globais,
pode-se mapear a configuração geopolítica da questão:

O déficit de competências não se traduz somente a um problema de fundamental importância


no tocante à elaboração das políticas estatais africanas. Ele determina a oposição Norte-Sul,
a hierarquização do sistema mundial e a sua divisão em países desenvolvidos e países
subdesenvolvidos. Este é o fardo da humanidade na época atual178.

Dessa forma, aquilo que começou (em 1945-60) como a luta pela independência, se
tornou a luta pelo desenvolvimento (a partir de 1960), a busca por gerar múltiplas

175
Ibidem, p. 1123-1124.
176
Ibidem, p. 1125-1127.
177
Ibidem, p. 1138.
178
Ibidem, p. 1137.
92

competências. Na conjuntura dos anos 90, conforme pontua C. Wondji, apesar de a África
poder ser “definida como um cenário marcado por crise econômica e política, por tensões e
guerras, bem como pelo ‘afro-pessimismo’”, a busca de articulação política das novas
lideranças que surgiram, ocasionaram, também, um cenário definido “pela democratização e
por um maior respeito aos direitos humanos”, acompanhado por intenso processo de
urbanização, no qual a cidade “constitui um campo para o aprendizado da democracia” em
meio ao “combate político, em favor da democracia”, no qual mulheres e jovens emergem
como “vanguarda das contestações populares aos poderes políticos monolíticos”, através de
greves de estudantes e de sindicatos livres. Esse movimento se dá em resposta à crise
econômica ocasionada pelo liberalismo econômico imposto pelo Fundo Monetário
Internacional, FMI (adoção de programas de austeridade econômica), cujas reformas
estruturais (diminuição do raio de ação estatal e ampliação da iniciativa privada) traduziram-
se em desestruturação econômica e social, aumento do desemprego e degradação nas
condições de vida, principalmente nas grandes cidades179.
É possível perceber, por essa perspectiva, que o problema da África é a questão da
superação do subdesenvolvimento, agravado pela lógica da liberalização econômica dos anos
80-90. Nesse aspecto, a crise africana se aproxima, em similitude, ao problema brasileiro e
sua luta pela superação da crise econômica no início dos anos 90, além da aspiração por
destravar o crescimento econômico estagnado. Insere-se então, nesse contexto, conforme
Wondji, o “renascimento” africano ao invés do “afro-pessimismo ocidental” (favorecido pela
“transição democrática” dos anos 90, a permanência da democracia, a busca da “boa
governança”, a instituição do pluralismo político e a ação de ONGs em prol dos direitos
humanos).
Esse “renascimento” é materializado pelo esforço de criação de um “mercado comum
africano” (interligando África central, oriental e austral) através dos incipientes processos de
integração regional (UMA, SADC, CEMAC, CEDEAO, UEMOA180), cujo objetivo é
“harmonizar os espaços econômicos nacionais, através da abolição dos entraves à circulação
de pessoas, instituir uma tarifa preferencial para o comércio inter-regional, assim como
implementar políticas setoriais comuns” – trata-se da busca africana por “atrair investidores,

179
Ibidem, p. 1143-1145.
180
União do Magreb Árabe (UMA); Southern Africa Development Community (SADC – Comunidade para o
Desenvolvimento da África Austral); Comunidade Econômica e Monetária da África Central (CEMAC); Comunidade
Econômica dos Estados da África do Oeste (CEDEAO); União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA).
93

estabelecendo estruturas preventivas de gestão de conflitos”181. Nesse movimento, em 1995 já


se percebia o crescimento global da produção. Nas palavras de Wondji:

Em que pesem os males que a afligem (mau desenvolvimento, guerras civis e locais, aguda
crise social), lampejos de esperança surgem na África desde 1994: a retomada econômica é
perceptível em numerosos Estados, o processo democrático desenvolveu-se por toda a parte
e a consciência gerada pela União corroboram a necessidade da África em contar com as
suas forças próprias182.

É possível, assim, perceber o contraste que existe entre o “afro-pessimismo” (senso


comum, de matriz europeia) e a percepção do “renascimento” africano, fundamental para o
diálogo político e diplomático com os anseios africanos. Em caso extremo, conforme sinaliza
Maurício Waldman e Carlos Serrano, as visões negativas da África, que desqualificam o
continente africano no imaginário social, aprofundam a “falta de substância” (conhecimento)
que fortalece a postura afro-pessimista e, ainda, são suscetíveis de, na pior das hipóteses,
abrirem espaço para uma perspectiva revisionista segundo a qual “o colonialismo passa a ser
entendido como uma ‘época de progresso’, responsável pela instauração de uma etapa –
indevidamente interrompida – responsável por levar a civilização a um universo mergulhado
no tribalismo”183. Esse contexto da dualidade de percepções acerca da realidade africana foi o
ambiente em que se inseriu o momento de revalorização da África na PEB.

2.2 A revalorização do continente africano na PEB

A formulação de uma política para a África torna necessária, à PEB, a compreensão


da dinâmica contida na ideia de “renascimento” africano, questão essencial para a
problemática da inserção da África na ordem internacional do século XXI. O continente, com
suas imensas riquezas naturais, acompanhadas das crises sociais, políticas e econômicas
estruturais por que passou, tornou-se alvo dos interesses econômicos de países como China e
EUA. Conforme esclarece J. F. S. Saraiva, isso se deve à percepção de que a África é a
“última fronteira territorial da internacionalização econômica do capitalismo”. Assim, o
“renascimento” seria a resposta, a estratégia, da nova liderança africana em vista dos
interesses dos novos atores econômicos (EUA, China e Brasil, p. ex.). Seria a busca por gerir
o fluxo de IED no continente de forma benéfica aos interesses africanos, no qual o discurso do

181
MAZRUI; WONDJI, Op. cit., p. 1148.
182
Ibidem.
183
SERRANO; WALDMAN, Op. cit., p. 281-282.
94

“renascimento” demonstra a “preocupação de que novos arranjos entre as elites locais e


internacionais não tragam a autonomia decisória nem o desenvolvimento sustentável ao
continente”, ou, seja, “a África está em busca de sua própria doutrina Monroe, da África para
os africanos”184.
Trata-se do anseio africano por gerenciar o seu desenvolvimento de dentro, a exemplo
da NEPAD (que sinaliza a busca por elaborar alternativas e respostas originais e autônomas
aos próprios problemas). Essa orientação se traduz no “controle do Estado e sua orientação
para o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável”, que seria a “forma logística
de construção do desenvolvimento, com democracia e inclusão social”. Nessa dinâmica,
segundo Saraiva, se encontra a oportunidade brasileira em “ocupar a brecha africana”,
aproveitando a “dinâmica do renascimento africano e da autoconfiança que emerge lá para
propor diálogo de interesses mútuos e de valores abrangentes para a nova geografia política
internacional” junto à sua “fronteira atlântica”, que procura o estabelecimento de parceria
horizontal185.
A percepção de Saraiva teria sido fortalecida em 2002, por ocasião do “Colóquio sobre
as relações Brasil-África”, realizado em dezembro, como forma de preparar os debates para o
“Fórum Brasil-África: política, cooperação e comércio”, realizado em 2003. Organizado pelo
extinto Departamento de África e Oriente Próximo (DAOP) do MRE, o evento simbolizou o
esforço diplomático em abrir debate a fim de tratar da NEPAD e da UA, visto o desejo
brasileiro em elaborar um programa de política externa para a África. O colóquio contou com
a participação de embaixadores africanos sediados em Brasília, em diálogo com intelectuais
brasileiros que expunham conhecimentos brasileiros acerca da conjuntura africana.
Conforme descreveu o ministro Pedro Mota Pinto Coelho, o evento decorreu da
necessidade de fornecer subsídios ao esforço de aproximação diplomática Brasil-África,
atualizando o conhecimento nacional acerca da realidade africana186. Ficaria patente no
evento que o esforço diplomático em se aproximar do continente africano estaria, ainda,
marcado pela cognição da afetividade de costumes, historicamente construído, conforme
sinalizou o discurso da afinidade cultural exposto pela fala do deputado Aldo Rebelo, que
parafraseou Gilberto Freyre ao exaltar a africanidade brasileira187.

184
SARAIVA, José F. S. “A África no ordenamento internacional do século XXI: uma interpretação brasileira”. Anos 90, nº
27, vol. 15, Porto Alegre, jul. 2008, p. 75-106.
185
Ibidem.
186
COLÓQUI SOBRE AS RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA. MRE/DAOP/IPRI/IRBr, 2002, p. 09-10.
187
Ibidem, p. 95-97.
95

No colóquio, a afinidade cultural pareceu contrastar com o desconhecimento político,


por parte do Brasil, da realidade africana, conforme as críticas de embaixadores africanos às
exposições de levantamentos feitos pelos professores Luiz Henrique Nunes Bahia e Wolfgang
Döpcke. O prof. Nunes Bahia apresentou um estudou sobre as causas da dificuldade de se
instituir uma poliarquia nos Estados africanos pós-coloniais, no qual apresentou a percepção
de que o cenário de crise e problemas internos sinalizavam a necessidade de a sociedade
africana desenvolver ideais democráticos. As guerras civis pós-independência seriam
demonstrativas da realidade africana, de instabilidade, que careceria de desenvolvimento
civil188.
Essa perspectiva, que parece tocar no “afro-pessimismo”, foi criticada pelo
embaixador africano Lahcéne Moussaoui, que expressou a imprecisão e defasagem dos dados
apresentados por Nunes Bahia, organizados a partir de uma leitura de trabalhos ora
ultrapassados (do início dos anos 90) e que expressavam a visão de países e governos cujos
interesses eram alheios aos anseios e necessidades africanos. Moussaoui defendeu a
necessidade de ampliar o conhecimento mútuo entre Brasil e África, o que só seria possível
pelo abandono de preconceitos e atualização de dados acerca da realidade de cada um189.
O embaixador de Gana, Daniel Yaw Adijei chegou a conclusões semelhantes a
respeito da exposição do prof. Nunes Bahia. De forma análoga, a fala de Wolfgang Döpcke
(que apontou algumas falhas na UA), acabou suscitando críticas tanto de Lahcéne Moussaoui,
quanto do embaixador da Líbia, Mohamed Matri que, apesar de elogiar o esforço de Döpcke
em efetuar levantamento sobre a realidade africana, criticou a conotação preconceituosa das
fontes de referência utilizadas em seu estudo acerca da realidade africana190. Moussaoui, por
sua vez, registrou, em nota, que o teor niilista das interpretações de Döpcke sobre a realidade
africana desconsiderava qualquer capacidade governamental africana em superar as
dificuldades internas a cada país191.
Tornava-se, assim, claro, que era necessário dialogar com o “renascimento” africano
ao invés de olhar a África pela ótica “afro-pessimista”, a fim de que algum sucesso fosse
alcançado por qualquer política estabelecida para a África. Era necessário conhecer a África
através de seus próprios olhos e anseios. Nesse sentido, J. F. S. Saraiva, na ocasião do

188
Ibidem, p. 102-121.
189
Ibidem, p. 227-231.
190
Ibidem, p. 309-310.
191
Ibidem, p. 225.
96

colóquio, apontava o caminho a ser trilhado pela diplomacia do governo Lula em seu
movimento de ida à África: compreender o significado da NEPAD e do “renascimento”.
Conforme Saraiva, a NEPAD demonstra a iniciativa de lideranças africanas para
superar os problemas estruturais de seus países, cuja estratégia envolvia captação de
investimentos, congelamento de dívidas, aumento de exportações e envolvimento da
sociedade civil (defesa da democracia e do pluralismo político). Portanto, a NEPAD seria
vista como um projeto ambicioso, mas realista. Em resposta, o Brasil deveria desenvolver
uma política africana baseada em um cálculo político e econômico. Politicamente, interessaria
desenvolver um projeto cooperativo Sul-Sul que envolvesse liderança brasileira em
negociações multilaterais. Economicamente, o estabelecimento de inserção internacional que
abandonasse a proposição liberal vigente nos anos 90, aproveitaria melhor os espaços de
penetração abertos pela necessidade de investimentos em projetos de desenvolvimento ao
Sul192.
Pela perspectiva de Saraiva, a política brasileira para a África deveria se dar em um
movimento quadripartido: 1. retomada de uma política global para a África; 2. criação de um
grupo de contato estratégico (diplomatas, empresários e intelectuais, brasileiros e africanos);
3. valorização da dimensão infra-estrutural (logística) do processo de aproximação
diplomática; 4. aproximação e diálogo entre os processos de integração africanos e
sulamericanos, por meio da criação de espaços de concertação política193.
A análise apresentada por Saraiva era propositiva. Todavia, sua perspectiva não era de
formulação de política externa, mas sim de levantar hipóteses e possibilidades de ação que se
vislumbram a partir da realidade apresentada. A função de formular o plano de ação
diplomática possui esfera específica no governo, e cabe ao corpo diplomático. Entretanto, no
processo de formulação da PEB, o diálogo com especialistas por meio de encontros,
seminários, colóquios (que encetaram publicações conjuntas no âmbito da Fundação
Alexandre de Gusmão – FUNAG), forneceu subsídio importante ao mapeamento das opções
internacionais do Brasil. Conforme especificou o ministro Celso Amorim, durante a II CIAD
(Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora), em 2006:

Os desafios comuns a brasileiros, africanos e outros povos de países em desenvolvimento – o


combate à pobreza, à fome e à discriminação e a promoção do desenvolvimento – podem
encontrar atalhos a partir da contribuição dos intelectuais às suas sociedades. É muito
importante a continuidade do diálogo entre a África e sua Diáspora194.

192
Ibidem, p. 140-141.
193
Ibidem, p. 141-142.
194
II CIAD: a Diáspora e o Renascimento Africano. Relatório final. Brasília: FUNAG, 2009, p. 08.
97

No colóquio de 2002, a “contribuição dos intelectuais” seria deixar patente a


necessidade de olhar para a África com outros olhos. As críticas apresentadas pelos
embaixadores africanos, e a boa receptividade da exposição de Saraiva, apontava o “atalho” a
ser trilhado pela diplomacia do governo Lula. Caberia aos formuladores da PEB estabelecer a
busca do diálogo com a realidade africana do “renascimento” (representado pela NEPAD)
como caminho diplomático para aprofundar relações com países africanos.

2.2.1 Formulação diplomática no governo Lula

As linhas gerais da política externa brasileira estiveram sempre muito claras ao longo
dos governos de Lula da Silva (2003-2010). Entre os formuladores da política externa do
Brasil de então, destaca-se a figura do próprio presidente Lula, do chanceler Celso Amorim,
do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães (que exerceu os cargos de Secretário Geral das
Relações Exteriores, e chefiou a Secretaria de Assuntos Estratégicos, nos primeiro e segundo
mandatos de Lula, respectivamente) e do assessor especial para assuntos internacionais da
presidência, professor Marco Aurélio Garcia.
É possível notar, desde o início do mandato de Lula da Silva em 2003, que a política
externa de seu governo buscou apresenta-se como agente de um novo dinamismo agregado à
diplomacia brasileira, dado pelo rompimento com a crença da existência de um mercado
internacional auto-regulador e justo, cuja dinâmica proporcionaria ganhos àqueles que se
abrissem ao seu movimento. A este respeito, Valter Pomar, secretário de Relações
Internacionais do PT, não esconde que “o governo Lula nasceu da oposição ao
neoliberalismo”, no qual a política externa esteve “desde o início sob hegemonia de
concepções fortemente críticas ao neoliberalismo e a hegemonia dos Estados Unidos”. Tal
posicionamento teria sido favorecido pela “existência, no Itamaraty, de uma corrente
nacionalista, desenvolvimentista e pró-integração regional”, capitaneada por Celso Amorim e
Samuel Pinheiro Guimarães. Tendo se desenvolvido, por um lado, em um momento de crise
do “ideário neoliberal” e da “hegemonia estado-unidense”, e por outro lado, em um ambiente
de transição na configuração da ordem no sistema internacional, a política externa do Brasil
98

durante o governo Lula “corresponde aos interesses estratégicos de uma ‘potência


periférica’”195.
Por “potência periférica” entenda-se a aspiração à condição de potência mundial (o
“destino de potência”), tendo como plataforma de ascensão a liderança exercida entre os
países em desenvolvimento (o Sul). Portanto, emergindo a partir de um discurso de oposição
ao ideário neoliberal (e propondo combater os efeitos assimétricos da globalização), a
diplomacia de Lula da Silva esforçou-se por reorientar o padrão de inserção internacional
brasileiro do imediato pós-Guerra Fria – cujo ápice se deu ao longo do governo Cardoso
(institucionalista, de apoio e integração a normas e regimes internacionais, que conferia maior
densidade aos vínculos com EUA e União Europeia).
Um aspecto marcante do programa de ações diplomáticas implementadas no período
de vigência da gestão Lula (presidência)/Amorim (Itamaraty) foi a preocupação enfática em
reforçar os laços de cooperação Sul-Sul. Essa preocupação acompanhou uma leitura do
sistema internacional de viés nacionalista/autonomista196, que aponta a assimetria oriunda da
globalização, dada pela clivagem Norte-Sul, cujo desdobramento se mostrava desfavorável às
pretensões brasileiras de estabelecimento da condição de potência. Em termos geopolíticos,
tal leitura do contexto internacional fez emergir a busca do estabelecimento de um sistema
multipolar, em detrimento da unipolaridade hegemônica norte-americana, principalmente
após o 11 de setembro de 2001 e a conseqüente valorização do discurso/ação de segurança
internacional, combate ao terrorismo e política de intervenção militar.
A preocupação brasileira com o tema da segurança se desdobrou na difusão do
engajamento propositivo na luta em prol do desenvolvimento das nações pobres (suscetíveis à
emergência de conflitos, terrorismo, extremismos e crimes), como mecanismo de combate ao
terrorismo, aos conflitos e guerras regionais e à instabilidade política. A ideia de defesa e
segurança internacional da diplomacia de Lula, portanto, passa pela concepção de cooperação
para o desenvolvimento. Um exemplo marcante dessa perspectiva é palpável nas relações
Brasil-África.

195
POMAR, Valter. “A política externa do Brasil”. Disponível em: http://www.pt.org.br/portalpt/secretarias/-relacoes-
internacionais-13/artigos-129/a-politica-externa-do-brasil--parte-i-1480.html. Acesso em: 09 set. 2010.
196
A visão do sistema internacional e da inserção brasileira, conforme a ótica de Amorim e Guimarães, configurariam aquilo
que Miriam Saraiva identifica como sendo a corrente autonomista (ou nacionalista), que prevaleceu de forma hegemônica no
MRE, ao longo do governo Lula, que “tem preocupações de caráter político-estratégico dos problemas Norte/Sul” e, dessa
forma, “prioriza as relações de cooperação Sul-Sul e busca maior liderança brasileira na América do Sul”. Essa corrente se
oporia aos chamados “institucionalistas pragmáticos” (Celso Lafer, Gelson Fonseca Junior e Luiz Felipe Lampreia são os
expoentes desse grupo, visto que coordenaram o Itamaraty e estabeleceram seu programa de ação ao longo do governo
Cardoso), que “procura dar maior importância ao apoio do Brasil aos regimes internacionais em vigência”, além de
defenderem a ideia de “uma inserção internacional do país a partir de uma soberania compartilhada [...] busca na América do
Sul uma liderança mais discreta”. (Cf.: SARAIVA (2007), Op. cit.)
99

O posicionamento presidencial acerca da especificidade da PEB mostrou-se muito


claro ao longo do governo Lula. Ao inaugurar sua gestão, por exemplo, o presidente afirmou
que “a ação diplomática do Brasil” seria “um instrumento do desenvolvimento nacional”, que
se daria “por meio do comércio exterior, da capacitação de tecnologias avançadas, e da busca
de investimentos produtivos”, sempre pautado na luta contra o protecionismo e no aumento da
exportação nacional. A prioridade ao MERCOSUL e a defesa do multilateralismo foram
pautas reforçadas durante o discurso de posse ao cargo presidencial, em 2003, em que falou
sobre a defesa dos interesses nacionais no cenário internacional197. Todavia, o ponto chave de
sua proposta de ação internacional se encontra na delimitação do espaço geográfico de
atuação brasileira no exterior: “queremos ser um país que olhe para o Planeta Terra como um
todo e veja a existência de muito mais países do que apenas os países ricos”, conforme
afirmação presidencial em evento oficial de 2006198.
A busca da integração sul-americana a partir do fortalecimento do MERCOSUL, a
percepção de que a política externa é um elemento integrante do projeto de desenvolvimento
nacional, o combate às assimetrias, a defesa do multilateralismo – principalmente da reforma
do Conselho de Segurança das Nações Unidas –, o estabelecimento de parcerias estratégicas
com países com níveis de desenvolvimento (ou que possuam interesses) semelhantes ao
brasileiro e a não ruptura do relacionamento com países desenvolvidos, conforme delimitados
no discurso presidencial, seriam as linhas gerais defendidas pelo governo ao longo de seu
mandato.
As figuras de Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães (este último terá suas
perspectivas diplomáticas e estratégicas expostas no capítulo 3) fortalecem e amadurecem
esse processo, conforme salientou Pomar. Em discurso afinado com o da presidência, o
ministro Celso Amorim sempre procurou enfatizar que a política externa teria por metas o
combate às assimetrias internacionais e o auxílio ao desenvolvimento nacional. Ademais,
deve-se perceber a importância atribuída pelo ministro ao fortalecimento e ampliação da
cooperação Sul-Sul, o que coaduna, por assim dizer, com as propostas de governo da
presidência.

197
Discurso do Presidente Eleito Luiz Inácio Lula da Silva, "Compromisso com a Mudança". São Paulo, 28/10/2002.
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discurso. Acesso em: 19 de maio de 2009.
198
Discurso do Presidente Lula durante Cerimônia de Assinatura de Atos por ocasião da Visita Oficial ao Brasil do Primeiro-
Ministro da Índia. Brasília, 12/09/2006. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/145236462191-discurso-do-presidente-da-
republica-luiz-inacio. Acesso em: 12/11/2010.
100

Ao caracterizar a diplomacia do governo Lula, o ministro Celso Amorim entende que


esta surgiu em face dos problemas gerados pelas “limitações do modelo neoliberal, centrado
na fé cega na abertura de mercados [...] e retração do papel do Estado” e, estando envolta pela
ideia da busca do “desenvolvimento com justiça social”, seria orientada para funcionar como
“instrumento de apoio ao projeto de desenvolvimento social e econômico do País”199. Essa
perspectiva teria por ação estratégica prioritária o esforço de integração da América do Sul,
materializado pelos acordos comerciais firmados entre o MERCOSUL e os países da
Comunidade Andina e o projeto de constituição da Comunidade Sul-Americana de Nações
(CASA)200.
O G-20, aliado à criação do Fórum IBAS (Índia-Brasil-África do Sul) e da Cúpula
América do Sul-Países Árabes, demonstra, de outra forma, a segunda linha de ação prioritária
da diplomacia do governo Lula: o estabelecimento de parcerias estratégicas com países em
desenvolvimento, com destaque para os países africanos de língua portuguesa. Neste
particular, segundo o ministro Celso Amorim, reside a peculiaridade da política externa do
governo Lula: “vocação para o diálogo com atores de todos os quadrantes e níveis de
desenvolvimento”201.
A articulação de coalizões políticas com países e regiões que compõem o Sul do
sistema internacional é, grosso modo, o que caracteriza a cooperação Sul-Sul. A estratégia de
coalizão internacional com a região periférica do sistema é o que motivou o esforço em
fortalecer a identidade de país do Sul na PEB, durante o governo Lula. O objetivo diplomático
seria firmar posições em instâncias multilaterais de negociação (no âmbito da ONU), a fim de
induzir mudanças favoráveis aos anseios e necessidades econômicas, políticas e sociais dos
países periféricos. Ao mesmo tempo procura inviabilizar a imposição de medidas favoráveis
aos interesses das potências que compõem o centro hegemônico do sistema internacional, em
detrimento das necessidades dos países em desenvolvimento. Trata-se de uma perspectiva
diplomática que compreende a ordem internacional a partir de uma visão reformista.

199
AMORIM, Celso L. N. “Conceitos e estratégias da diplomacia do Governo Lula”, Diplomacia, Estratégia, Política.
Brasília: ano I, nº 1, out-dez 2004, p. 41-48.
200
A “Comunidade Sul-americana de Nações” (CASA) teve sua origem em 2004, na III Reunião de Chefes de Estado e de
Governo da América do Sul, realizada em Cusco, Peru. Em 2007, durante a I Cúpula Energética Sul-americana (Isla
Margarita, Venezuela), decidiu-se adotar o nome “União de Nações Sul-Americanas” (UNASUL), que é constituída pelos
doze países da América do Sul (cf. dado disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/america-do-sul-e-integracao-
regional/unasul. Acesso em: 24 de outubro de 2010.
201
AMORIM, Op. cit.
101

2.2.2 Cooperação Sul-Sul e valorização da região africana

A estratégia de inserção internacional adotada pelos formuladores de política externa,


no governo Lula, se dá a partir de uma percepção específica do sistema internacional (instável
e que abre brechas ao esforço de estabelecimento da multipolaridade), cuja clivagem seria a
relação Norte-Sul assimétrica (desdobrando-se no combate às estruturas hegemônicas), e no
qual o interesse nacional, pautado pela busca de desenvolvimento (ampliação do fluxo de
comércio e expansão do empresariado nacional) e pela aspiração à condição de potência,
configuraria um plano de ação no qual o aprofundamento da cooperação Sul-Sul e do
multilateralismo seriam redimensionados (tornando-se estratégia fundamental)202.
A proposição reformista contida na estratégica de cooperação Sul-Sul seria reforçada
pelos discursos presidenciais durante suas missões diplomáticas. Em 2010, ao final de seu
mandato, procurou caracterizar a atuação internacional do Brasil, durante entrega de prêmio
no Fórum Econômico Mundial. O presidente Lula efetuou discurso no qual afirmou: “o Brasil
quer e será ator permanente no cenário do novo mundo. O Brasil, porém, não quer ser um
destaque novo em um mundo velho [...] é possível construir um mundo novo. O Brasil quer
ajudar a construir este novo mundo [...]”203. No que tange à “construção de uma nova ordem”,
seria ainda mais incisivo ao declarar que:

No meu discurso de 2003, eu disse, aqui em Davos, que o Brasil iria trabalhar para reduzir as
disparidades econômicas e sociais, aprofundar a democracia política, garantir as liberdades
públicas e promover, ativamente, os direitos humanos.
Iria, ao mesmo tempo, lutar para acabar sua dependência das instituições internacionais de
crédito e buscar uma inserção mais ativa e soberana na comunidade das nações. Frisei, entre
outras coisas, a necessidade de construção de uma nova ordem econômica internacional,
mais justa e democrática. E comentei que a construção desta nova ordem não seria apenas
um ato de generosidade, mas, principalmente, uma atitude de inteligência política204.

Essa percepção reformista do sistema internacional seria reforçada por Amorim, em


2009, no Itamaraty, durante cerimônia de formandos do curso de diplomatas, em que
declarou: “A redistribuição do poder nas relações internacionais já está em curso. Países em
desenvolvimento querem construir uma ordem mais justa, democrática e conducente ao

202
Cf.: GUIMARÃES (2005), Op. cit., 2005.
203
MRE. Nota nº 30. Discurso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante entrega do Premio Estadista Global do Fórum
Econômico Mundial. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2010/01/29/discurso-
do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva. Acesso em: 23 jul. 2010.
204
Ibidem.
102

progresso econômico e social”205. Ao tratar da atuação do Brasil como “ator global”, Amorim
especificaria a forma de atuação da diplomacia nacional, em sua vertente multilateral de
concertação política: “O Brasil tem todo interesse na manutenção de um ordenamento jurídico
internacional mais igualitário, que leve em conta os desníveis no padrão de desenvolvimento
entre os países. Isso se reflete nas ações de cooperação Sul-Sul que realizamos” 206.
As ações de cooperação Sul-Sul apontadas por Amorim dizem respeito às duas
articulações multilaterais ao Sul de maior relevância para a diplomacia do governo Lula: o
G20 (grupo de 20 países que se organizaram, no âmbito da
OMC, para combater os subsídios agrícolas na rodada Doha) e o Foro IBAS (concertação
política multilateral entre Índia, Brasil e África do Sul, para o reforço da liderança regional e
estabelecimento de posições conjuntas em instâncias multilaterais de negociação). Essa forma
de articulação multilateral ao Sul compõe as “coalizões de geometria variável”, defendidas
por Amorim desde que fora ministro do governo Itamar Franco, em 1993. Esse tipo de
coalizão se subdivide em dois blocos: a cooperação Sul-Sul com os grandes emergentes,
marcada pela cooperação científica e tecnológica e pela concertação política (a exemplo do
IBAS); de outra forma, há a cooperação diagonal, resultante das assimetrias intra-sul (grandes
emergentes e países subdesenvolvidos), cujo foco de atuação é a ajuda humanitária e a
cooperação técnica207. De forma global, a cooperação diagonal foi a forma predominante de
cooperação encetada pelo Brasil junto a países africanos (conforme será detalhado no capítulo
3).
Esse esforço em gerar coalizões ao Sul, segundo P. R. Almeida, é um elemento que
diferencia as diplomacias de Lula da Silva e de Cardoso. Enquanto este último dedicou-se a
um diálogo com os países do Sul (sem apresentar uma coordenação efetiva), o governo Lula
se engajou em traçar um grande arco de alianças ao Sul208. Segundo Maria Regina S. Lima, a
diferença de visão acerca do sistema internacional, entre os formuladores de política externa

205
Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, durante a cerimônia em homenagem ao Dia do
Diplomata - Brasília , 07/05/2009. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/embaixador-celso-luiz-nunes-amorim/952164235479-discurso-do-ministro-das-relacoes-
exteriores/?searchterm=cultura%20%C3%A1rabes%20BRasil. Acesso em: 07 fev. 2011.
206
MRE. Nota nº 528. Pronunciamento do Ministro Celso Amorim por ocasião da "II Conferência Nacional de Política
Externa e Política Internacional". Deisponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-
imprensa/2007/05/pronunciamento-do-ministro-celso-amorim-por. Acesso em: 23 jul. 2010.
207
SARAIVA, Miriam Gomes. “As estratégias de cooperação Sul-Sul nos marcos da política externa brasileira de 1993 a
2007”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 50, nº 02, 2007, p. 42-59. Disponível em:
www.scielo.br/pdf/rbpi/v50n2/a04v50n2.pdf. Acesso em: 23 jul. 2010.
208
ALMEIDA, Paulo Roberto de. “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”. Revista Brasileira de
Política Internacional, vol. 47, nº 01, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v47n1/v47n1a08.pdf. Acesso em:
23 jul. 2010.
103

dos governos citados, é dada pela percepção acerca da ordem internacional, em que a
diplomacia autonomista do governo Lula se engaja em movimento contra-hegemônico.
Durante o governo Cardoso, a PEB se pautou pela “estratégia da credibilidade”, em que o
Brasil buscou reforçar a identidade de um mercado emergente, a fim de obter inserção
positiva no movimento da globalização. De outra forma, o governo Lula adotou a “estratégia
da autonomia”, em que buscou se posicionar como system-affecting-state (exercício de
liderança nas questões Norte-Sul, como articulador de posições)209.
A ideia contida na cooperação Sul-Sul é a de fortalecer laços políticos e econômicos, a
fim de alcançar aquilo que Lula da Silva caracterizou como “nova geografia política e
econômica mundial”. Assim, as ações de cooperação Sul-Sul figuram como instrumento de
política externa com o fito de obter liderança e/ou maior influência no sistema internacional.
O âmbito político diz respeito ao alinhamento de posições em prol da perspectiva reformista
acerca da ordem internacional, contida na ideia de “nova geografia mundial”.
Essa cognição engloba, ainda, aquilo que Boaventura de Sousa Santos denomina de
“nova epistemologia do Sul”. A reconstrução epistemológica proposta por Santos resulta de
tentativa de reformular o pensamento crítico da esquerda latino-americana, a partir da
superação dos conceitos hegemônicos que “além de nortecêntricos, são colonialistas,
imperialistas, racistas e também sexistas”210. Esse pensamento parte da divisão entre o “Norte
Global” e o “Sul Global”. O capitalismo globalizado da democracia liberal e da economia de
mercado do “Norte Global” resulta em hegemonia epistemológica que aprofunda as
assimetrias da globalização, aumentando as disparidades econômicas e sociais entre os países
do Norte e do Sul. Uma forma privilegiada de combater esse processo é o estabelecimento de
epistemologia própria, voltada para os interesses e necessidades do “Sul Global”. De acordo
com Santos, uma epistemologia do Sul é orienta pelo seguinte movimento: “aprender que
existe o Sul, aprender a ir para o Sul; aprender a partir do Sul e com o Sul”211.

209
A ideia de system-affecting-state, proposta por Keohane, diz respeito à estratégia de inserção ativista por parte de países
com recursos limitados, que optam pelo multilateralismo e a cordenação com países de capacidades similares. (Cf.: LIMA,
Maria Regina Soares de. “A política externa brasileira e os desafios da cooperação Sul-Sul”. Revista Brasileira de Política
Internacional, vol. 48, nº 01, 2005, p. 24-59)
210
EM TORNO DE UM NOVO PARADIGMA SÓCIO-EPISTEMOLÓGICO. Entrevista de Boaventura de Sousa Santos a
Manuel Tavares. Disponível em:
http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/Em_torno_de_um_novo_paradigma.PDF. Acesso em: 03 ago. 2011.
211
SANTOS, Boaventura de Sousa. Toward a New Common Sense: Law, Science and Politics in the Paradigmatic
Transition. New York: Routledge, 1995 Apud PACHECO, Silvestre Eustáquio Rossi. Multilateralismo e cooperação Sul-
Sul: o fórum de diálogo IBAS no marco das relações internacionais entre Brasil, Índia e África do Sul. Tese de doutorado.
Belo Horizonte: Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-MG, 2010. Disponível em:
http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_PachecoSER_1.pdf. Acesso em: 03 ago 2011.
104

A cooperação Sul-Sul encetada pelo Brasil apresenta, em termos de formulação,


proximidade com a “epistemologia do Sul Global” em sua busca por assentar a globalização
contra-hegemônica212. Esse esforço se pauta pela busca de diálogo para concretização da
cooperação para o desenvolvimento, além de realizar coalizões de geometria variável
caracterizadas pela concertação política. Conforme Gladys Lechini, a revitalização da política
africana no governo Lula esteve vinculada a um “projeto de cooperação Sul-Sul como
instrumento para ampliar as margens de manobra nas negociações mundiais”. Historicamente,
a política africana do Brasil se vincula ao projeto nacional-desenvolvimentista que procurou,
em termos de política externa, efetuar diálogo com o Terceiro Mundo. No governo Cardoso, o
abandono da “visão desenvolvimentista” em favor de um “ideário neoliberal que considerava
a aproximação com o Terceiro Mundo obsoleta e anacrônica”, resultou no baixo perfil das
relações brasileiras com a África. No governo Lula, a estratégia de cooperação Sul-Sul –
conforme formulada pela diplomacia nacional – direcionou o movimento de valorização da
região africana para a inserção internacional do Brasil213.
O documento de posição Sul-Sul, firmado em 2006, entre Brasil, África do Sul, China,
Índia, México e República do Congo, definiu a cooperação Sul-Sul como um “novo
paradigma de cooperação”, caracterizado pela busca de “resultados concretos e devidamente
avaliados, levando plenamente em conta as perspectivas e necessidades dos países em
desenvolvimento”. Nesse documento de posição, a cooperação Sul-Sul seria orientada para as
necessidades africanas, em vista da seguinte percepção:

Reconhecemos que a África atravessa um período de renovada esperança, baseada na visão


de seus líderes da necessidade de maior integração regional para assegurar o
desenvolvimento socioeconômico do continente. É de crucial importância a resolução dos
conflitos violentos que, há décadas, vêm tolhendo o potencial africano. [...] A comunidade
internacional deve continuar a cooperar com os países africanos em sua busca de paz,
desenvolvimento e justiça social. É preciso estabelecer uma verdadeira parceria, que leve em
conta a opinião e as necessidades dos países e dos povos africanos. A cooperação Sul-Sul
assume um valor particular nesse sentido214.

Percebe-se que a estratégia de estabelecimento da cooperação Sul-Sul propugnava


projetar a posição de liderança internacional brasileira (system-affecting-state) através da
212
PACHECO, Ibidem.
213
LECHINI, Gladys. “O Brasil na África ou a África no Brasil? A construção da política africana pelo Itamaraty”. Nueva
Sociedad, Especial em português, out. 2008. Disponível em: http://www.cebri.com.br/midia/documentos/318.pdf. Acesso
em: 10 nov. 2011.
214
MRE. Nota nº 421. África do Sul, Brasil, China, Índia, México e República do Congo - Documento de Posição.
Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2006/07/16/africa-do-sul-brasil-china-india-
mexico-e. Acesso em: 23 jul. 2010.
105

adesão ao discurso de apoio ao desenvolvimento dos países do Sul, por meio de cooperação
técnica. O estabelecimento de uma política externa para a África, portanto, conjugava a
estratégia de inserção internacional pelo reforço da identidade de país do Sul.
De fato, esse posicionamento foi um ponto de mudança com relação ao que se
verificara ao longo dos anos 90 (principalmente no governo Cardoso, 1994-2002). Enquanto a
percepção de corte liberal e institucionalista, vigente nos anos 90, apontava para a necessidade
de se adequar ao movimento da globalização, a postura progressista e autonomista do início
do século XXI apresentou um programa que buscou mudar a dinâmica do sistema
internacional (proposição reformista, principalmente no que tange ao Conselho de Segurança
da ONU, onde o Brasil pleiteia um assento permanente).
A “mudança de programa”, segundo Vigevani e Cepaluni, apresentou diferentes
estratégias para a busca da projeção internacional do Brasil. O governo Cardoso teria sua
política externa caracterizada como de “autonomia pela participação”, ou seja, “a adesão aos
regimes internacionais, inclusive os de cunho liberal, sem a perda da capacidade de gestão da
política externa”, com o objetivo de “influenciar a própria formulação dos princípios e das
regras que regem o sistema internacional”. Por seu turno, a política externa do governo Lula
seria a da “autonomia pela diversificação”, que preconiza a “adesão do país aos princípios e
às normas internacionais por meio de alianças Sul-Sul [...] pois acredita-se que eles reduzem
as assimetrias nas relações externas com países mais poderosos e aumentam a capacidade
negociadora nacional”215.
É nesse sentido que, ao caracterizar a diplomacia do governo Lula, Maria Regina S.
Lima procurou destacar que “por delegação das forças políticas e sociais que a elegeram”, a
PEB no governo Lula “é movida pelos seguintes objetivos na implementação dos interesses
nacionais brasileiros: integração regional, identidade de país do Sul, consolidação
democrática e inclusão social”216. Essa delimitação acerca do “interesse nacional” se daria por
uma convergência entre a visão progressista/partidária e a corrente nacionalista/autonomista
do MRE. Sendo assim, Lima salienta que “outros intérpretes, com sustentação política
distinta, podem ter outras definições do interesse nacional”217. A mudança de foco e de
estratégia de inserção internacional foi o motor dos debates internos sobre a política externa
215
VIGEVANI, Tullo e CEPALUNI, Gabriel. “A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela
diversificação”. Contexto Internacional, vol. 29, n. 02. Rio de Janeiro, IRI/PUC-Rio, jul./dez. 2007, p. 273-335. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/cint/v29n2/v29n2a02.pdf. Acesso em: 27 mar. 2009.
216
LIMA, Maria Regina Soares de. “A política Externa Brasileira e os Interesses Nacionais”. OPSA, Artigos e conferências,
2008, p. 02. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/13299031/Maria-Regina-Soares-de-LIma-A-Politica-Externa-Brasileira-
e-os-Interesses-Nacionais. Acesso em: 20 fev. 2012.
217
Ibidem.
106

brasileira durante o governo Lula, que envolveu pesquisadores acadêmicos, burocratas


intelectuais vinculados ao Itamaraty e a grande imprensa.
Os blocos sociais (burocratas, políticos, intelectuais, empresariado) que conformam o
apoio ou crítica à definição do interesse nacional (e da diretriz conferida à política externa
para a África, em específico) compõem aquilo que François Merrien conceitua como
“comunidades epistêmicas”. Uma comunidade epistêmica é composta por redes de
especialistas que possuem um modelo comum, no que diz respeito à causalidade e ao conjunto
de valores políticos. Eles unem-se pela crença inabalável no engajamento para formular
políticas públicas que busquem a melhoria e o bem-estar da humanidade218. Dessa forma, a
política externa do governo Lula (bem como sua diretriz para a África) foi apoiada por uma
comunidade epistêmica – em que, a nível doméstico, os defensores da conduta diplomática do
governo Lula são, necessariamente, os críticos do governo Cardoso219. Seria, ainda, essa rede
de especialistas (uma forma específica de pensar o encaminhamento de políticas públicas,
bem como o papel do Estado) que ligaria a PEB ao “renascimento” africano.
De toda forma, o objetivo de estabelecer a cooperação Sul-Sul e de realizar alianças
estratégicas com nações emergentes, foram as linhas traçadas pela política externa do governo
Lula. Dentro deste projeto de inserção internacional as relações Brasil-África adquiriram
elevada importância estratégica.
Não obstante, desde o início de seu governo, o presidente Lula procurou enfatizar que
entre as prioridades de sua política externa, constava a aproximação aos países africanos de
língua portuguesa, devido, de um lado, a uma dívida histórica de aprofundamento de relações
com a região e, por outro lado, às oportunidades de estabelecimento de cooperação que se
abriam mediante as afinidades e complementaridades sociais, econômicas e culturais. Prova

218
MERRIEN, François-Xavier. Globalization et protection sociale. Lausanne: Université de Lausanne- Rapport de
Recherche. Version Préliminaire, 2003 Apud CRISE INTERNACIONAL: impactos sobre o emprego no Brasil e o debate
para a constituição de uma nova ordem global. Comunicação da Presidência, IPEA, nº 21, abr. 2009, p. 02. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/comunicado_presidencia/09_04_29_ComunicaPresi_21_Crise_Empregos.pdf. Acesso
em: 03 nov. 2011.
219
Esse bloco engloba os críticos das reformas liberais da década de 90 (o chamado “Consenso de Washington”), do ideal
reformista do Estado mínimo, da abertura econômica e das privatizações. Em geral, são setores que compreendem ser a ação
estatal fundamental para o desenvolvimento nacional de forma a equalizar os interesses do empresariado nacional com as
vicissitudes do mercado, além de possibilitar a correção social (programas de distribuição de renda). Essa perspectiva possui
relações com o pensamento nacional-desenvolvimentista do século XX, com algumas especificidades conjunturais, dadas
pela percepção de que o Brasil vivencia uma etapa diferente de seu desenvolvimento capitalista. Não se trata de um retorno
ao projeto desenvolvimentista da ISI (Industrialização por Substituição de Importações), que se volta para o mercado interno
e é fortemente protecionista, mas se trata de uma adaptação ao cenário mundial do pós-Guerra Fria, que procura aliar
liberalismo e desenvolvimentismo, a partir de uma visão social reformista de corte progressista. O objetivo seria a
formulação de um projeto nacional de desenvolvimento que torne a economia brasileira apta a inserir-se de forma
competitiva no mercado internacional globalizado. (Cf.: DINIZ, Eli. “O pós-Consenso de Washingt5on: globalização, Estado
e governabilidade reexaminados”. In: DINI, Eli (org.). Globalização, Estado e desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo
milênio. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 19-61)
107

disso, é o fato de que, em junho de 2003, em iniciativa conjunta entre o MRE e embaixadores
africanos no Brasil, foi realizado o “Fórum Brasil-África: Política, Cooperação e Comércio”,
com o propósito de criar um espaço para a “discussão de temas relevantes para a promoção e
aprofundamento das relações do Brasil com o continente africano, com ênfase em três áreas:
política e questões sociais; economia e comércio; e educação e cultura”220.
A partir dessa perspectiva, efetuou-se uma revitalização da política africana, em vista
da percepção de que “as alianças e as políticas de cooperação econômica, técnica, cultural, em
ciência e tecnologia e na área do comércio com os países africanos podem contribuir para a
expansão das trocas comerciais, da concertação político-diplomática em foros econômicos e
políticos”221. Nas palavras de Lula da Silva: o “Brasil precisaria ter um olho para a América
do Sul e a América Latina e, ao mesmo tempo, ter outro olho para o continente africano”222.
Conforme nota oficial à imprensa, relativa à primeira viagem presidencial à África, em
2003, o projeto de aprofundamento dos laços diplomáticos entre Brasil e África buscava
ancorar-se em apoio doméstico: “Inspiram o relançamento e revitalização da política africana
do Brasil os interesses manifestos de múltiplos setores da sociedade brasileira, em especial a
comunidade de afrodescendentes e acadêmicos, que defendem o resgate e a promoção dos
laços com a África”223. Essa perspectiva seria reforçada por Amorim, em 2003, durante
exposição a uma turma de formandos do IRI, quando afirmou: “Com a África desejamos
promover uma política verdadeiramente preferencial, em consonância com os interesses de
amplos setores da sociedade brasileira e, particularmente, dos afro-descendentes”224.

220
É importante salientar que o referido Fórum foi precedido pelo “Colóquio sobre as relações Brasil-África”, cujos debates
foram expostos em sessão anterior do presente capítulo. (sobre o fórum, cf.: Nota à imprensa nº 169, de 20/05/2003,
fornecida pela Assessoria de Imprensa do MRE. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=18. Acesso em: 19 mai. 2009).
221
Nota à imprensa nº 502, de 31/10/2003, fornecida pela Assessoria de Imprensa do MRE. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=1964. Acesso em: 19 mai. 2009.
222
Discurso do Presidente Lula por ocasião da I Sessão Plenária da II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora.
Salvador, Bahia, 12/07/2006. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-
outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/357629015726-discurso-do-presidente-da-republica-luiz-
inacio. Acesso em: 12/11/2010.
223
Nota à imprensa nº 502, Op. cit.
224
Nota à imprensa nº 120, de 10/04/2003. Aula Magna do Senhor Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso
Amorim, no Instituto Rio Branco. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=140. Acesso em: 12 mai. 2009.
108

2.2.3 Apoio doméstico: valorização da afro-brasilidade, discurso multiculturalista e crítica ao


neoliberalismo

No âmbito das relações diplomáticas entre o Brasil e países africanos, é nítido o uso,
tanto externo quanto interno, do capital cultural afro-brasileiro, historicamente constituído,
para o firmamento de acordos de cooperação diversos e o estabelecimento de parcerias, tanto
para o incremento de intercâmbios comerciais, culturais, educacionais, de saúde, etc., quanto
para o fortalecimento dos países em desenvolvimento nas negociações em órgãos multilaterais
através de reivindicações unificadas.
Ao nível do discurso, a cultura é colocada como uma via de estreitamento de laços
para o alcance de objetivos diversos. Exemplo disso é a fala presidencial durante a cerimônia
de inauguração do Museu Afro-Brasil, de São Paulo, em 2004: “o Museu Afro-Brasil, que
hoje está sendo inaugurado [...] vem se somar a esse conjunto de ações que nos aproximam
vivamente da África”225. O “conjunto de ações” alardeado no discurso presidencial,
certamente é uma referência tanto à atuação do Ministério da Cultura (MinC) no que diz
respeito à política de valorização da cultura afro-brasileira, quanto à criação da SEPPIR, em
21 de março de 2003.
No momento de instalação da SEPPIR, Lula declarou que, devido a “razões históricas,
e pela importância da população negra no Brasil, a Secretaria terá o seu foco principal nos
problemas dessa etnia”, sendo “uma resposta positiva do Brasil às questões levantadas em
2001, pela Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia
e Intolerância” (a Declaração de Durban)226. Na ocasião, Lula acrescentou: “Nas relações
internacionais, o nosso país praticamente esqueceu a África. O meu governo vai voltar a dar
atenção a esse grande continente [...] Vamos buscar maior intercâmbio político, cultural e
comercial”227.
A defesa da cultura afro-brasileira e o combate ao preconceito racial é uma plataforma
política histórica da base aliada do governo Lula. A existência, desde 1995, da Secretaria
Nacional de Combate ao Racismo do PT (Partido dos Trabalhadores), é um demonstrativo da

225
Discurso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, proferido em São Paulo, 23/10/2004, durante inauguração do Museu
Afro-Brasil. Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos. Acesso em: 19 mai. 2009.
226
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de instalação da SEPPIR. Palácio do
Planalto, 21 de março de 2003. Disponível em: http://www.pt.prg.br/portalpt/secretarias/-combate-ao-racismo-14/regimento-
interno-133/discurso-do-presidente-na-criacao-da-seppir-815.html. Acesso em: 09/09/2010.
227
Ibidem.
109

articulação partidária em torno do movimento negro, onde o tema da diáspora africana é


peculiar.
O fato de que o PT, ao longo da década de 1990, foi o partido com maior número de
deputados afro-descendentes, é um indicativo da importância da cultura afro-brasileira para a
ação partidária. A presença de figuras proeminentes do movimento negro na base aliada do
governo, como era o caso de Abdias do Nascimento (que inclusive possui projeção
internacional, no caso africano), é também relevante. Portanto, ações culturais internas de
valorização da cultura afro-brasileira (obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana
nas escolas, as cotas raciais para o ingresso em universidades públicas, criminalização do
preconceito racial, etc.) a nível interno, são acompanhados de ações externas de aproximação
ao continente africano, em resposta àqueles anseios domésticos. O próprio ministro Amorim
declarou em 2006: “Em consonância com a ação governamental no plano interno, temos
trabalhado para promover a igualdade racial também no âmbito internacional”228.
A própria Declaração de Durban, assinalada por Lula em seu discurso, propõe a
constituição de uma “ordem social e internacional” na qual os efeitos danosos da globalização
(“a pobreza, o subdesenvolvimento, a marginalização, a exclusão social, a homogeneização
cultural”) devem ser superados pelo “aprimoramento da cooperação internacional para
promover a igualdade de oportunidades no mercado, o crescimento econômico, o
desenvolvimento sustentável”. Por essa percepção, a “Comunidade Internacional
compromete-se a trabalhar para a integração benéfica entre os países em desenvolvimento na
economia mundial e a combater a marginalização”229. Além disso, ressalte-se a importância
conferida ao multiculturalismo em relações internacionais como forma de defesa do
patrimônio cultural e de combate à hegemonia cultural, o que se desdobrou, a nível interno, na
política de valorização da afrobrasilidade230.
Nesse movimento, importante atuação apresentou o MinC no esforço de divulgação
cultural, principalmente na pessoa de seu mentor, o ex-ministro Gilberto Gil, que em 2004,
viajou à África para participar da I Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora

228
Artigo do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, intitulado "O Dia da Consciência
Negra", publicado no jornal "A Tarde" - Salvador, BA , 20/11/2006. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-
imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/embaixador-celso-luiz-nunes-amorim/880090862424-artigo-
do-ministro-de-estado-das-relacoes/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em: 07 fev. 2011.
229
DECLARAÇÃO DE DURBAN. Relatório da Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata. Durban, 31 de agosto a 08 de setembro de 2001. Disponível em:
http://www.comitepaz.org.br/Durban_1.htm. Acesso em: 09/09/2010.
230
Cf.: MAPA, Dhiego de M. “Diplomacia e Cultura no governo Lula (2003-2006)”. Revista Eletrônica Cadernos de
História, vol. VIII, ano 4, nº 2, p. 45-54, dez. 2009. Disponível em:
http://www.ichs.ufop.br/cadernosdehistoria/download/CadernosDeHistoria-08-04.pdf. Acesso em: 07 fev. 2011.
110

(CIAD). Um desdobramento do evento foi a realização da II CIAD (que serviu como um


espaço para debater os problemas africanos contemporâneos e discutir formas de cooperação
técnica em áreas como saúde, educação, ciência e tecnologia, etc.) na cidade de Salvador, BA,
em 2006. Este evento resultou na Declaração de Salvador que, entre outras coisas,
determinava que o governo brasileiro deveria “considerar a criação de um Centro
Internacional da África e da Diáspora”231.
A política de defesa da cultura africana no Brasil, do MinC, é levada a cabo pela
Fundação Cultural Palmares (FCP), cuja atuação internacional, durante o governo Lula,
procurou promover ações conjuntas ao Senegal, Benin, além de ter apresentado projetos à
CPLP. Procurou, ainda, fomentar o intercâmbio afro-latino, através de iniciativas como o
“Observatório Afro-Latino” e o I e II “Encontro Iberoamericano de Ministros da Cultura para
a Agenda Afrodescendente nas Américas”232, que deram origem à “Declaração de
Cartagena”233 (agenda afro-descendente nas Américas). É importante ressaltar também a
atuação do Departamento Cultural do Itamaraty na promoção de eventos artísticos e culturais
em embaixadas e institutos culturais brasileiros espalhados ao redor do mundo234.
Atualmente, os Centros Culturais Brasileiros contam com 06 (seis) unidades no
continente africano235. Na África, os Centros Culturais localizam-se nas capitais dos países de
língua oficial portuguesa (Angola, Moçambique, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo
Verde) e da África do Sul. Os PALOP são porta de entrada natural ao esforço de divulgação
da cultura brasileira por relações não apenas lingüísticas, mas histórico-culturais.
Os Centros Culturais atuam pelo oferecimento de cursos e oficinas sobre língua e
cultura brasileira (música, dança, literatura, etc.), sessões de divulgação do cinema brasileiro e
disponibilizam ao público, diariamente, uma sala de Internet e uma biblioteca, com acesso
gratuito, a exemplo do que ocorre no Centro Cultural Brasil Cabo Verde236. Nesse sentido, o
fator cultural (em especial, a língua portuguesa), contribui para a criação de vínculos e

231
DECLARAÇÃO DE SALVADOR. II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora. Salvador, 15 de julho de 2006.
Disponível em: http://www.consciencia.net/2006/1013-ciad2.html. Acesso em 09/09/2010.
232
Cf. site da FCP, disponível em: http://www.palmares.gov.br/. Acesso em: 09 set. 2010.
233
DECLARACIÓN DE CARTAGENA. Agenda Afrodescendiente em lãs Américas. Disponível em:
http://www.palmares.gov.br/_temp/sites/000/2/download/noteia.pdf. Acesso em: 09 set. 2010.
234
Os Centros Culturais do Brasil (que são instituições diretamente subordinadas ao Chefe da Missão Diplomática ou
repartição consular do Brasil em cada país), por exemplo, enquanto órgãos de promoção da cultura brasileira, são
responsáveis pelo(a): ensino sistemático da Língua Portuguesa falada no Brasil; difusão da Literatura Brasileira; distribuição
de material informativo sobre o Brasil; organização de exposições de artes visuais e espetáculos teatrais; difusão de nossa
música; divulgação da cinematografia brasileira; além de outras formas de expressão cultural brasileira, como palestras,
seminários, etc.
235
Dados disponíveis no sítio do Departamento Cultural do Itamaraty: http://www.dc.mre.gov.br/. Acesso em: 19 mai. 2009.
236
Cf. http://www.ccb.cv/site. Acesso em: 07 fev. 2011.
111

conhecimentos mútuos que facilitem o contato diplomático. Entretanto, em vista do potencial


de inserção cultural brasileira no continente africano, ainda há baixo aproveitamento das
questões culturais pela política africana. Os interesses cooperativos se dão, principalmente, a
nível político, econômico e de cooperação técnica, que faz com que a dimensão cultural
possua um aspecto instrumental, simbólico, circunscrito à esfera do discurso e de algumas
poucas iniciativas e ações culturais.
De toda forma, a importância atribuída pela diplomacia de Lula à África se fez notória
nos laços culturais existentes, já que, logo em novembro de 2003, na primeira viagem que
realizou ao continente, inauguraram-se os Centros de Estudos Brasileiros (CEB) em Angola e
Moçambique237. Além dos CEBs, há ainda a rede de Leitorados subsidiados pelo
Departamento Cultural do Itamaraty, que atuam em universidades estrangeiras de prestígio, e
reúne professores especialistas em língua portuguesa, literatura e cultura brasileira. Os
leitorados brasileiros existentes na África atuam junto a universidades proeminentes de
cidades como Acra (Ghana Institute of Languages), Bissau (Universidade Amílcar Cabral -
Grupo Lusófona), Cotonou (Universidade Abomey-Calavi), Lagos (Universidade do Estado
de Lagos; Universidade Obafemi Awolowo), Libreville (Universidade Omar Bongo), Maputo
(Instituto Superior de Tecnologia de Moçambique), Nairobe (Kenyatta University) e São
Tomé (Instituto Superior Politécnico)238.
Portanto, o movimento de aproximação diplomática entre o Brasil e a África apresenta
o impulso da identidade cultural afro-brasileira e da defesa do multiculturalismo, que se dá
mais ao nível do discurso, mas que fornece legitimidade e autenticidade ao processo, além de
responder a setores domésticos ligados à identidade afro-brasileira. Outro setor doméstico
importante, pertencente à comunidade epistêmica que confere densidade à política africana, é
o grupo de acadêmicos, especialistas em relações internacionais, genericamente
autodenominado “grupo de Brasília”239, como Paulo G. F. Vizentini, José F. S. Saraiva e
Amado L. Cervo, que possuem em comum a crítica à perspectiva liberal da diplomacia
institucionalista do governo Cardoso.
Dessa forma, Vizentini, por exemplo, parte de uma perspectiva estruturalista, que
prioriza o viés econômico, cujo eixo de reflexão é a autonomia e desenvolvimento como

237
Nota 515 de novembro de 2003 (MRE): Centros de Estudos Brasileiros em Angola e Moçambique - Homenagem aos
Embaixadores Ovídio de Andrade Melo e José Aparecido de Oliveira. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-
imprensa/notas-a-imprensa/2003/05/centros-de-estudos-brasileiros-em-angola-
e/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em: 07 fev. 2001.
238
Cf. http://www.dc.mre.gov.br/lingua-e-literatura/leitorados. Acesso em: 07 fev. 2011.
239
Cf.: SARAIVA, José Flávio Sombra (2007), Op. cit., p. 36.
112

vetores da política externa brasileira. Assim, critica o rompimento com a postura nacionalista-
desenvolvimentista ocorrida no pós-Guerra Fria. Esse rompimento seria um erro de cálculo
estratégico, pois levaria à perda de margem de autonomia do país ou, na pior hipótese, à
implementação de uma política externa que, no limite, tornaria o país economicamente
dependente das decisões tomadas pelos países pertencentes ao centro da estrutura de poder
hegemônico do sistema internacional240. Nesse sentido, Vizentini acentua a assertividade da
política externa do governo Lula, que apresenta três dimensões: “uma diplomacia econômica,
outra política e um programa social”241.
Ao tratar da política africana brasileira, Vizentini enfatiza o quanto o voluntarismo de
quem detém o controle do processo decisório acaba por definir o grau de aprofundamento da
política africana, já que, ao longo dos anos (principalmente durante a década de 1990), não se
observa uma linearidade de conduta nas relações Brasil-África. Esse aspecto se deve ao fato
de que em “diferentes períodos, as ações brasileiras resultaram de uma leitura equivocada das
prioridades da política externa brasileira”. Assim, qualquer “avaliação superficial” que
critique a aproximação com o continente africano como algo “paradoxal” – já que, além de
pobres, países africanos influiriam pouco no “contexto geopolítico global” – deixa de
considerar, entretanto, que é “preciso avaliar os movimentos de internacionalização e de
algumas tendências políticas e econômicas aceleradas pelo processo da globalização”242.
A percepção de Amado Cervo segue raciocínio semelhante, visto afirmar que: “em
razão de argumentos exibidos por parcela da opinião esclarecida e com influência sobre o
processo decisório de política exterior, não se observa linearidade de conduta nas relações do
Brasil com a África”243. Cervo destaca as três bases da aproximação diplomática entre Brasil e
África: 1. o multiculturalismo (“que reflete raízes étnicas e culturais da sociedade brasileira”,
fornecendo “autenticidade ao universalismo das relações internacionais do país”, além de
veicular “interesses concretos e relevantes”); 2. industrialização (que traduz a busca de

240
MERKE, Federico. “Narrativas de identidad internacional: tragédia, romance y comedia em la política externa de Brasil”.
In: LECHINI, G.; KLAGSBRUNN, V.; GONÇALVES, W. (org). Argentina e Brasil vencendo os preconceitos. As várias
arestas de uma concepção estratégica. Rio de Janeiro: Ed. Renavan/UFF, 2009, p. 295-325.
241
A primeira dimensão se caracteriza pelo desejo de cumprir os compromissos internacionais (dívida externa), a fim de não
gerar rupturas no plano internacional. A segunda dimensão é mais ousada, sendo marcada pela defesa dos interesses
nacionais dentro de um projeto de desenvolvimento, de caráter empreendedor. A última diz respeito ao engajamento
particular do governo Lula no combate à desigualdade social que, em ações efetivas, se traduz na campanha contra a fome
mundial em órgãos multilaterais. Para Vizentini, todas essas dimensões denotam o protagonismo do Brasil na cena
internacional. (Cf.: VIZENTINI, Paulo Fagundes. “De FHC a Lula: uma década de política externa (1995-2005). Civitas, vol.
05, nº 02. Porto Alegre, jul-dez/2005, p.381-397)
242
VIZENTINI, Paulo Fagundes; PEREIRA, Analúcia D. “A política africana do governo Lula”. Núcleo de Estratégia em
Relações Internacionais / UFRGS, artigos. Disponível em: http://www6.ufrgs.br/nerint/folder/artigos/artigo40.pdf. Acesso
em: 12/11/2010.
243
CERVO, Amado L. Inserção internacional: formação dos conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 292.
113

consolidação do “modelo de desenvolvimento, que atingia dimensões de escala em produção


industrial”, com boa inserção comercial competitiva nos mercados do Terceiro Mundo); 3.
alcance geopolítico do movimento (pois “os laços políticos e diplomáticos aumentam o poder
de barganha do Brasil nas relações com grandes parceiros e nas negociações que se travam
nos órgãos multilaterais”). Dessa forma, Cervo elogia a assertividade da política africana do
governo Lula, que “envolve forte pensamento político e ações concretas, com visitas de alto
nível [...] tendo esses elementos por escopo o fortalecimento dos laços diplomáticos com a
África após o malogro do projeto neoliberal que feriu gravemente a economia e a sociedade
nos dois lados”244.
O pragmatismo contido na revalorização da política africana do governo Lula, pode
ser percebido no pensamento de Saraiva (conforme já esboçado no presente capítulo). É
interessante a relevância que Saraiva confere à mobilização dos setores sociais interessados
no movimento de ida à África. Nas palavras de Saraiva,

Urge [...] revisitar a tradicional política africana do Brasil, relativamente abandonada pelo
governo de Fernando Henrique Cardoso. Para implementá-la, apenas uma nova forma
cooperativa – na qual governo, empresários, setores políticos organizados e acadêmicos
sejam convocados a pensar estrategicamente o futuro do continente africano – será capaz de
engendrar saídas para as dificuldades do momento. Ademais, outros setores sociais,
historicamente alheios ao processo decisório em matéria internacional – como os afro-
brasileiros –, necessitam ser ouvidos sobre matéria que, embora de interesse societário, ainda
se circunscreve ao viés prejudicial no trato da política exterior como assunto burocrático, de
especialistas ou de profissionais da diplomacia245.

Portanto, o apoio doméstico adensou a política africana e forneceu-lhe bases de


sustentação: por um lado, o movimento de valorização da afrobrasilidade e, por outro, setores
da intelectualidade nacional que percebem o continente africano como espaço para a
concretização do interesse nacional em política externa. É preciso ponderar que a política
externa do governo Lula não resultou em consenso social generalizado em torno de suas
opções internacionais. Dentro do próprio Itamaraty houve amostra de quebra de consenso,
explicitado com o caso do desentendimento intraburocrático entre Amorim e o embaixador
Roberto Abdenur que, após ser retirado de seu posto em Washington246, passou a tornar

244
Ibidem, p. 294-296.
245
SARAIVA, José F. S. “Política exterior do Governo Lula: o desafio africano”. Revista Brasileira de Relações
Internacionais. Vol. 45, nº 02, jul-dez 2002, p. 5-25. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v45n2/a01v45n2.pdf.
Acesso em: 23 mai. 2009.
246
Em 2006, quando ainda era embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur (um desafeto público do chanceler
Amorim, por não ter se retratado ao ir contra o fato de o Brasil reconhecer a China como economia de mercado), teve seu
cargo pedido em telegrama enviado pouco depois das eleições que reelegeram o presidente Lula. (Cf.: DAVILA, Sergio.
“Mudança no governo Lula começa por Embaixada de Washington”. Folha de São Paulo, Brasil, 01 nov. 2006. Disponível
em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u86272.shtml. Acesso em: 03 fev. 2011)
114

pública sua percepção acerca da “ideologização da política externa” na gestão de Amorim247.


Logicamente, no meio acadêmico também não se pode afirmar que houve um consenso em
torno da assertividade da política externa do governo Lula248.
Apesar disso, a conduta diplomática do governo Lula obteve respaldo em setores
partidários, empresariais, movimento sociais e no meio acadêmico. Foi articulado aos
interesses desses setores que se projetou a política africana do período. A presença de
comitivas de empresários, representantes de ministérios, políticos (deputados, senadores,
prefeitos) e de movimentos sociais (cultura, combate ao preconceito racial ou de programas
sociais do governo), durante as diversas missões diplomáticas presidenciais ao continente
africano, são um demonstrativo desse processo249.
A política externa para a África, formulada pela diplomacia do governo Lula, portanto,
procurou mobilizar setores sociais cujos interesses estivessem vinculados à realidade africana,
e às oportunidades que se abriam na incursão diplomática. Nesse aspecto, a figura
presidencial, que articulou os interesses nacionais com a nova realidade do “renascimento”
africano (a partir da base conceitual formulada pela comunidade epistêmica), foi basilar.

2.3 Diplomacia presidencial na África

A articulação da diplomacia brasileira, no sentido de aprofundar as redes de


intercâmbio com países africanos, integra um conjunto de ações na arena internacional que
explicita o pragmatismo da política externa de Lula da Silva, já que procura diluir a
vulnerabilidade externa do Brasil, superando as assimetrias internacionais, através da
247
Cf.: NEM NA DITADURA. Entrevista: Roberto Abdenur, Revista Veja, ed. nº 04, 07 fev. 2007. Disponível em:
http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/09/embaixador-roberto-abdenur-e-diplomacia.html. Acesso em: 03 fev. 2011.
248
A titulo de exemplo pode-se citar José Augusto Guilhon Albuquerque que, em seu balanço crítico acerca da diplomacia de
Lula da Silva em seu primeiro mandato, propõe que o governo Lula, ao formular a PEB, procurou atender às “demandas de
setores internos da coalização governamental” em detrimento da mudança sistêmica ocorrida no contexto internacional. Tal
percepção leva Albuquerque à hipótese de que o governo Lula desconsidera “o contexto internacional na formulação dos
objetivos, na escolha dos meios e na execução das ações de política externa”. (Cf.: ALBUQUERQUE, José A. G. “O governo
Lula em face dos desafios sistêmicos de uma ordem internacional em transição”. Carta Internacional, vol. 01, nº 01, março
2006, p. 13-21. Disponível em: http://www.usp.br/cartainternacional/modx/assets/docs/CartaInter_2006-01.pdf. Acesso em:
23 mai. 2009)
249
Os documentos disponibilizados pela chancelaria brasileira (comunicados conjuntos, discursos, entrevistas, notas à
imprensa) confirmam a participação dos grupos apontados nas missões diplomáticas brasileiras direcionadas a países
africanos. Um exemplo dessa forma de atuação diplomática foi o acompanhamento da missão diplomática de Amorim à
África, em 2003, por parte do deputado petista Luiz Alberto, que possui histórico político vinculado a lutas sociais em prol da
negritude brasileira, combatendo o preconceito racial e valorizando a influência da cultura africana na formação da sociedade
brasileira, a exemplo do envolvimento com o movimento negro e com os remanescentes de quilombos. Sobre a viagem de
Amorim, Cf.: MRE. Nota nº 162. Transcrição sem Revisão da Coletiva do Ministro de Estado das Relações Exteriores (Texto
de Apoio para a Imprensa), 14 de maio de 2003. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=182. Acesso em: 03 abr. 2010. Sobre a
atuação política Luiz Alberto, Cf.: http://www.deputadoluizalberto.com.br/modules/mastop_publish/?tac=14. Acesso em: 03
ago. 2011.
115

ampliação de parcerias, visando o aprofundamento da cooperação Sul-Sul. O voluntarismo em


relação à aproximação com países africanos se reflete na reestruturação burocrática do
Itamaraty, efetuada para racionalizar o processo, no qual o antigo departamento de África e
Oriente Médio deu lugar à reativação de um departamento exclusivo para a África (que possui
três Divisões de África, uma para cada região), ressaltando-se a criação da Divisão de África
III (DAF III) que cuida das questões ligadas aos países árabes africanos.
Conforme demonstra Cláudia Oliveira Ribeiro, um aspecto diferencial da política
africana de Lula é que ela não se concentra nos PALOP, pois é mais global, e apresenta
importante crescimento no fluxo de comércio entre Brasil e África, com destaque para África
do Sul, Angola e Nigéria250. Nesse aspecto, chama atenção o aumento do numero de
representações diplomática brasileiras na África e africanas no Brasil. Em 2002, o Brasil
contava com 16 embaixadas na África (nas cidades de Pretória, Luanda, Argel, Praia,
Abidjan, Libreville, Acra, Bissau, Trípoli, Rabat, Maputo, Lagos, Nairóbi, Dacar, Túnis,
Harare) e com 15 embaixadas africanas no Brasil (África do Sul, Angola, Argélia, Cabo
Verde, Camarões, RDC, Costa do Marfim, Gabão, Gana, Líbia, Marrocos, Moçambique,
Nigéria, Senegal, Tunísia)251. Em 2010, o Brasil contava com 34 embaixadas na África (18
postos diplomáticos a mais, portanto) e com 29 embaixadas africanas no Brasil252. A
significância desse movimento seria bem delimitada pelo ministro Amorim, por ocasião da II
CIAD, em Salvador, em 2006:

A prioridade da África na política externa brasileira pode ser ilustrada pelo número de visitas
que o Presidente da República fez ao continente desde que assumiu o cargo, pela expressiva
ampliação do comércio com os países africanos, pelo incremento nos projetos de cooperação
técnica e pela abertura de embaixadas brasileiras em países daquele continente253.

A presença do presidente Lula e ministros brasileiros na África, e de chefes de Estado


africanos no Brasil, foi uma constante ao longo de seu governo. De acordo com dados
oficiais, entre 2003-2010, o presidente Lula visitou 23 países africanos, enquanto que, no
mesmo período, “o Brasil recebeu 47 visitas de reis, presidentes e primeiros-ministros

250
RIBEIRO, Cláudia Oliveira. “Apolítica africana do governo Lula (2003-6)”. Revista Tempo Social, revista de sociologia
da USP, v. 21, nº 02, dez. 2009, p. 185-209. Disponível em:
http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes/v212/v21n2a08.pdf. Acesso em: 12/11/2010.
251
COLÓQUIO SOBRE AS RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA, Op. cit., p. 298-303.
252
Dados disponíveis no site do MRE (Ministério das Relações Exteriores): http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/o-
brasil-no-exterior/view. Acesso em: 03 jul. 2010.
253
II CONFERÊNCIA DA ÁFRICA E DA DIÁSPORA (II CIAD): a diáspora e o renascimento africano – relatório final.
Brasília: FUNAG, 2009, p. 08.
116

africanos, oriundos de 27 nações”254. O voluntarismo presidencial, de fato, foi algo marcante,


para a PEB do período, denotando a “diplomacia presidencial”.
De acordo com Sergio Danese, “diplomacia presidencial” pode ser definida como “a
condução pessoal de assuntos de política externa, fora da mera rotina ou das atribuições ex
officio, pelo presidente, ou, no caso de regime parlamentarista, pelo chefe de estado e/ou de
governo”255. Por essa definição, a “diplomacia presidencial” supera as questões rotineiras
(burocráticas) da função presidencial, e se caracteriza pelo ativismo, pela conjugação de
iniciativas que tornam a figura do presidente central à condução da política externa –
apresentado-se como aquele que confere direcionamento político à atuação diplomática
profissional. Em termos históricos, esse aspecto foi demonstrado, no Brasil, durante a
presidência de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek e, em tempos recentes, durante a
presidência de Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva.
Danese propõe quatro graus para a atuação presidencial em diplomacia: 1. o grau zero
(das obrigações constitucionais); 2. o grau um, reativo (quando o mandatário age apenas se
estimulado por circunstância ou agentes externos); 3. o segundo grau, quando o corpo
diplomático utiliza a figura do mandatário em situações especiais e com objetivos definidos;
4. o terceiro grau, quando a política externa é conduzida diretamente pelo chefe de Estado
(ele detém a iniciativa do processo). Este último é que caracteriza a “diplomacia
presidencial”256.
A “diplomacia presidencial”, portanto, seria a participação do presidente na condução
da política externa, cuja característica mais marcante é a visibilidade que a figura do
presidente empresta a assuntos de política externa – resultante da relação presidencial com a
opinião pública e o equilíbrio político doméstico. De fato, o engajamento presidencial
conferiu adensamento à diplomacia da cooperação Sul-Sul e, em específico, à política
africana. Nesse sentido, a atuação diplomática de Lula da Silva se enquadra no terceiro grau,
conforme a categorização de Danese, visto que deteve a iniciativa do processo. O
envolvimento presidencial em termos de condução do processo diplomático se fez notar com
relação à política africana. A diplomacia presidencial, nesse caso, seria atestada pelo ministro
Amorim, ao tecer comentários acerca da aproximação do Brasil à África, durante a II CIAD,
em 2006:
254
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA 2003/2010, Resumo Executivo, 1. Política, MRE. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010/listagem_view_ordem_pasta?b_start:int=0&-C=.
Acesso em: 20 mai. 2011.
255
DANESE, Sergio. Diplomacia presidencial: história e crítica. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 70.
256
Ibidem, p. 51.
117

Nunca o Brasil buscou tanto aproximar-se da África. O Presidente Lula tomou a si próprio
essa tarefa. Visitou dezessete países do Continente e recebeu grande número de chefes de
Estado africanos. Determinou a abertura de Embaixadas e o envio de missões de cooperação,
nas áreas de agricultura, saúde, educação e cultura.
Por determinação do Presidente Lula, eu próprio fiz muitas visitas à África [...]257

A participação presidencial em influir diretamente no processo de valorização da


África para a PEB foi algo que não apenas o ministro Amorim buscou deixar claro, mas que o
próprio presidente Lula fez questão de enfatizar. Durante sua primeira viagem a São Tomé e
Príncipe, em 2003, Lula procurou chamar atenção para sua iniciativa em direcionar a
revitalização da política africana do Brasil:

[...] ao tomar posse como Presidente, no início deste ano, determinei máxima prioridade ao
aprofundamento de nossas relações com a África. Tenho repetido que isso constitui um dever
moral e uma necessidade estratégica do Brasil. O imenso desafio de promover a inclusão e a
eqüidade social nos aproxima. Precisamos estender a todos os benefícios da cidadania plena,
garantir o exercício de todos os direitos humanos. Não apenas os políticos, mas também os
sociais e econômicos258.

De fato, o ativismo de Lula da Silva, demonstrado pelo intenso programa de


diplomacia presidencial (as inúmeras viagens presidenciais), comprova seu envolvimento em
termos de condução direta da política externa. De acordo com P. R. Almeida, no governo
Lula, apesar de a diplomacia presidencial ser algo notório e explícito, o conceito seria evitado
devido ao fato de estar vinculado à diplomacia do governo Cardoso259. É fato que a
categorização proposta por Danese foi elaborada com vistas a explicar a diplomacia do
governo Cardoso. Entretanto, o grau de participação de Lula da Silva na condução da política
externa guarda semelhanças com o apresentado pelo governo Cardoso, com algumas
mudanças de estilo (como, por exemplo, a existência de um assessor presidencial para
assuntos de política externa não ligado ao corpo diplomático, mas ao partido político). De
toda forma, a diplomacia presidencial de Lula da Silva procurou conduzir o processo de

257
Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, por ocasião de almoço oferecido aos membros
do Comitê Internacional e Científico da II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/embaixador-celso-luiz-
nunes-amorim/593308139192-discurso-do-ministro-das-relacoes-
exteriores/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em: 07 fev. 2011.
258
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião do almoço oferecido pelo Presidente da
República Democrática de São Tomé e Príncipe. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-
artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/949586555778-discurso-do-
presidente-da-republica-luiz-inacio. Acesso em: 23 jul. 2010.
259
ALMEIDA (2004), Op. cit..
118

revitalização da política africana. O grande número de viagens presidenciais ao continente


africano conjuga esse esforço.
No período 2003-2010, houve cerca de 10 viagens presidenciais à África, em um total
de 28 visitas (bilaterais e multilaterais). Dentre as visitas de Estado (24 no total), pode-se
enumerar: em 2003, visita a São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Namíbia e África do
Sul; em 2004, foram visitados Gabão e Cabo Verde; em 2005, houve visita de Estado a
Camarões, Gana, Guiné-Bissau e Senegal; em 2006, o presidente visitou Argélia, Benin,
Botsuana e África do Sul; em 2007, foram visitados Burkina Faso, República do Congo e
Luanda; em 2008, o presidente realizou visita de Estado a Moçambique; em 2009, houve um
encontro bilateral na Líbia; em 2010, Guiné Equatorial, Tanzânia, Zâmbia e África do Sul,
foram os países visitados pelo presidente.
Portanto, ao longo de todo o período em que governou, o presidente Lula visitou a
África ao menos uma vez por ano. Em termos comparativos, o continente africano foi o
terceiro maior destino das visitas presidenciais em torno do globo (28 visitas), superado
apenas por América do Sul (62 visitas) e Europa (39 visitas) – tendo sido superior, portanto,
ao número de visitas presidenciais a regiões como América Central, América do Norte, Ásia e
Oriente Médio260. De outra forma, o continente africano foi o segundo maior destino das
visitas do chanceler Celso Amorim no período (67 visitas no total), ficando atrás apenas da
Europa (70 visitas) e superando, inclusive, o número de visitas feitas à América do Sul (65
visitas)261.
Assim sendo, logo no primeiro ano de seu mandato, após visitar os vizinhos sul-
americanos, o presidente Lula tratou de viajar aos países africanos (São Tomé e Príncipe,
Angola, Namíbia e África do Sul) com uma delegação de membros do governo e empresários,
entre 02 e 08 de novembro, a fim de revitalizar a política africana.
Durante esta viagem, foi inaugurada a embaixada do Brasil em São Tomé e Príncipe,
tendo sido assinados acordos de cooperação esportiva e protocolos de intenções em áreas de
saúde e educação, nos países visitados em geral, e um Programa Executivo de Cooperação
Cultural, no caso da Angola em específico. Nessa viagem, por ocasião da conferência
conjunta com o presidente sul-africano Mbeki, oferecida à imprensa, em Pretória, Lula
declarou que “o Brasil quer uma relação estratégica com a África do Sul, com os países em

260
MRE - Visitas internacionais do Presidente Lula e visitas ao Brasil de Chefes de Estado e de Chefes de Governo. In:
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA 2003/2010, Op. cit.
261
MRE – Visitas internacionais e nacionais do Ministro Celso Amorim e visitas de Ministros de Negócios Estrangeiros ao
Brasil. In: BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Ibidem.
119

desenvolvimento, com toda a África e com a América do Sul”, deixando claras as intenções
diplomáticas brasileiras: “o Brasil quer uma relação de parceria. Nós não queremos
hegemonia, em nenhuma hipótese”262. De maneira geral, por ocasião dessa visita, “ambos os
países concordaram em intensificar o comércio, os investimentos e a cooperação
tecnológica”263.
Entretanto, o discurso presidencial proferido durante o jantar oferecido à delegação
brasileira em Moçambique, demonstraria, a um só tempo, o discurso dos laços culturais e o
discurso do estabelecimento das parcerias estratégicas buscada pela diplomacia brasileira (em
seu engajamento contra o subdesenvolvimento):

O Brasil tem uma dívida histórica. Conseqüentemente, precisa contribuir de forma decisiva
para o pagamento dessa dívida. E o pagamento dessa dívida se deve pelas boas relações que
o Brasil tem que ter, sobretudo com os países de língua portuguesa [...] a sociedade brasileira
foi construída com o trabalho, com o esforço, com o suor e com o sangue de uma grande
parcela de africanos, que eram cidadãos e cidadãs livres na África e se tornaram escravos,
para poder prestar serviços no meu país e em outros países. A forma mais correta de
retribuirmos o sacrifício que os africanos tiveram é estabelecer a mais perfeita política de
harmonia com a África. E é um pouco o que viemos fazer aqui264.

Essa percepção dos vínculos culturais e da “dívida histórica” que o Brasil teria com os
países africanos, foi uma constante do discurso presidencial durante suas visitas ao continente,
em especial, às nações de língua oficial portuguesa e/ou que possuem núcleos de lusofonia
(comunidades de afro-brasileiros, a exemplo dos existentes no Benin, Togo, Nigéria e Gana).
O esforço presidencial, em suas viagens à África, foi o de vender a imagem de um Brasil que
desejava realizar parcerias estratégicas que, ao mesmo tempo em que atendesse os anseios
africanos em suprir suas carências de competências técnicas (através do estabelecimento de
cooperações técnicas múltiplas e multidimensionais), beneficiaria os interesses comerciais
brasileiros.
Em julho de 2004, ao visitar Gabão e Cabo Verde, a delegação brasileira era composta
pelo ministro da Educação, o ministro da Ciência e Tecnologia, a chefe da SEPPIR,
parlamentares, altos funcionários do Estado e dirigentes de empresas. Durante essa missão
262
Palavras do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no início da Conferência Conjunta de Imprensa. Pretória,
África do Sul, 08 de novembro de 2003. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/0147418172961-palavras-do-presidente-da-
republica-luiz-inacio. Acesso em: 27 jul. 2010.
263
MRE, Nota 527. COMUNICADO CONJUNTO POR OCASIÃO DA VISITA DO PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA
DA SILVA À ÁFRICA DO SUL, EM 7 E 8 DE NOVEMBRO DE 2003. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-
de-imprensa/notas-a-imprensa/2003/08/comunicado-conjunto-por-ocasiao-da-visita-do. Acesso em: 23 jul. 2010.
264
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no jantar oferecido pelo senhor Presidente de
Moçambique, Joaquim Chissano. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/665037182587-discurso-do-presidente-da-
republica-luiz-inacio. Acesso em: 23 jul. 2010.
120

presidencial, foi realizado um seminário empresarial Brasil-Cabo Verde, sob o lema


“Comércio e Investimento”, no qual se efetuaram conversações de alto nível sobre as
possibilidades de estabelecer parcerias estratégicas, sobre o comércio e investimentos
bilaterais entre os dois países; foi ainda passada em revista a cooperação existente no setor
educacional, com destaque para a formação de cabo-verdianos em instituições de ensino
superior no Brasil265.
No Gabão, salientou-se a importância da cooperação já existente no campo do ensino
superior, por meio da formação de quadros gaboneses nas universidades brasileiras e nos dois
centros de ensino da Marinha de Guerra brasileira (destacando-se o interesse das forças
armadas dos dois países em desenvolver a cooperação nos setores de formação de quadros
militares); além disso, foi manifestada a intenção de promover o intercâmbio no domínio
cultural, notadamente através do Centro Internacional de Civilização Bantu – CICIBA266.
Na quarta viagem presidencial à África, em 2005, havia relevância comercial. No
Camarões (região com reservas de petróleo, madeiras tropicais, bauxita, minério de ferro,
cobalto e níquel, alem de apresentar grande potencial hidrelétrico), o Brasil havia reativado a
embaixada de Iaundé e ensejava assinar um acordo sobre cooperação técnica em
cacauicultura. Na Nigéria, a Petrobrás demonstrava interesse em ampliar suas operações,
havendo ainda possibilidade de negócios na área da defesa, na de construção civil e outros
serviços de engenharia, e em medicamentos. Em Gana (país que possui reservas de ouro,
diamantes, manganês, bauxita e madeiras tropicais) o comércio bilateral com o Brasil havia
aumentado (o país figurava como o quarto importador de produtos brasileiros na África
subsaariana, atrás de África do Sul, Nigéria e Angola). A visita à Gana possuía ainda
significância cultural, em vista da homenagem que a comunidade Tabom (que reúne famílias
de descendentes de escravos brasileiro-ganenses retornados à África) realizou à delegação
brasileira. Em Guiné-Bissau, devido à situação de reestruturação do sistema democrático de
governo, a visita presidencial se daria em um ato de solidariedade diplomática: a doação de
US$ 500 mil ao Fundo Especial da CPLP, a serem destinados a urgentes projetos de

265
MRE, Nota nº 319. Comunicado Conjunto da Visita de Estado de Sua Excelência o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à
República Gabonesa. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2004/07/29/visita-
oficial-a-cabo-verde-do-presidente-luiz. Acesso em: 23 jul. 2010.
266
MRE, Nota nº 322. Comunicado Conjunto da Visita de Estado de Sua Excelência o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à
República Gabonesa. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-
imprensa/2004/07/30/comunicado-conjunto-da-visita-de-estado-de-sua. Acesso em: 23 jul. 2010.
121

reestruturação das Forças Armadas bissau-guineenses. Firmava-se, assim, a imagem da


parceria estratégica, da cooperação para o desenvolvimento267.
A visita presidencial a Argélia, Botsuana e Benin, em fevereiro de 2006, foi
acompanhada da assinatura de atos. Na Argélia, a visita permitiu a assinatura, pelos
representantes dos dois governos, de quatro acordos bilaterais: Acordo Comercial, Acordo
sobre Transporte Marítimo, Protocolo de Intenções sobre Cooperação Técnica na Área de
Agricultura, e Protocolo de Entendimento na Área de Segurança Animal e Vegetal268. Em
Botsuana, foram assinados memorandos de entendimento sobre Cooperação Técnica na Área
de HIV/AIDS e na área do esporte269. Na visita ao Benin, com o intuito de intensificar as
relações de cooperação bilateral nos campos da agricultura, da saúde, dos esportes, da cultura,
do turismo, da energia da formação profissional e do comércio, foram assinados os seguintes
atos: Memorando de Entendimento na área de Esportes; Protocolo de Intenções na área da
cotonicultura; Protocolo de Intenções sobre cooperação técnica para prevenção e tratamento
da malária270. Na visita ao Benin, registrou-se ainda a convergência de posições em termos de
ordenamento global e política internacional, pois, conforme comunicado conjunto:

Os dois Chefes de Estado registraram, com satisfação, a convergência de opiniões sobre os


principais desafios que se confrontam aos países em desenvolvimento. Assinalaram a
necessidade de promover a cooperação Sul-Sul como modo de enfrentar aqueles desafios
entre os quais os principais são a persistência da fome e da pobreza, dois flagelos
injustificáveis em um mundo capaz de produzir abundantes riquezas e recursos científicos e
tecnológicos que poderiam aliviar o sofrimento de grande parte da população do mundo271.

Parecia firmar-se, assim, a imagem internacional do Brasil como promotor da


cooperação Sul-Sul, defensor dos interesses dos países em desenvolvimento, na vanguarda
articulista do combate às assimetrias do sistema hegemônico mundial. Em meio a esse
movimento, aprofundaram-se, também, as relações comerciais entre o Brasil e a África. A

267
MRE, Nota nº 161. Viagem do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Cinco Países Africanos. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2005/04/08/viagem-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-
a. Acesso em: 23 jul. 2010.
268
MRE, Nota nº 94. Atos assinados por ocasião da Visita de Estado do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Argélia - 08
de fevereiro de 2006. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2006/02/08/atos-
assinados-por-ocasiao-da-visita-de-estado-do. Acesso em: 23 jul. 2010.
269
MRE, Nota nº 111. Atos assinados por ocasião da visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Botsuana (11 de
fevereiro de 2006). Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2006/02/14/atos-
assinados-por-ocasiao-da-visita-do-presidente. Acesso em: 23 jul. 2010.
270
MRE, Nota nº 105. Atos assinados por ocasião da visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Benin (9 e 10 de
fevereiro de 2006). Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2006/02/10/atos-
assinados-por-ocasiao-da-visita-do-presidente. Acesso em: 23 jul. 2010.
271
MRE, Nota nº 106. Comunicado Conjunto - Visita de Estado do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Benin - 10 de
fevereiro de 2006. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2006/02/11/comunicado-
conjunto-visita-de-estado-do-presidente. Acesso em: 23 jul. 2010.
122

ação governamental, no que tange ao processo de aumento das trocas comerciais, se mostrou
fundamental. As próprias viagens presidenciais foram marcadas pelo acompanhamento de
missões empresariais, que se tornaram uma constante.
Foi assim que, em sua sétima viagem ao continente africano, em outubro de 2007, a
“diplomacia presidencial” articulou encontros empresariais entre africanos e brasileiros em
Burkina Faso, África do Sul, Angola e República do Congo. Em Angola, o encontro de
negócios contou com a participação de representantes de mais de 30 empresas brasileiras
instaladas em Angola272. Nessa visita a Angola, o discurso presidencial procurou articular
bem os interesses comerciais brasileiros com aquilo que se entendia por “parceria
estratégica”, pois, ao anunciar a assinatura de acordos sobre iniciação científica, prevenção e
controle da malária, reforma curricular e execução do Projeto “Escola de Todos”, o presidente
Lula enfatizou o significado desses atos: “São iniciativas destinadas a habilitar o povo
angolano a apropriar-se das conquistas da tecnologia moderna”273. A política externa do
Brasil para a África, portanto, parecia dialogar com o anseio africano em superar seu “déficit
de competências técnicas”.

Tabela 4 - Viagens diplomáticas presidenciais por região (2002-2010)274


Região 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Total
Multilaterais 0 9 7 7 6 14 13 21 11 88
América do
2* 7 6 10 5 8 9 7 8 62
Sul
América
0 1 2 1 0 4 5 3 3 19
Central
América do
2* 2 1 0 0 2 0 2 0 9
Norte
Europa 0 6 1 5 2 6 8 10 1 39
África 0 5 2 5 4 3 1 2 6 28
Ásia 0 0 2 2 0 1 3 2 1 11
Oriente
0 5 0 0 0 0 0 1 4 10
Médio
Antártida 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1
Total 4* 35 21 30 17 38 40 48 34 267
*Visitas realizadas na condição de presidente eleito.
Fonte: adaptado a partir de dados do MRE.

272
MRE, Nota nº 484. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à África. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2007/10/12/visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a.
Acesso em: 23 jul. 2010.
273
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão Solene de Abertura do Encontro Bilateral com
o Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos - Luanda, Angola, 18/10/2007. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-
federativa-do-brasil/795588913205-discurso-do-presidente-da-republica-luiz-
inacio/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em: 03 fev. 2011.
274
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA 2003/2010, Op. cit..
123

Em Burkina Faso, onde foram assinados Protocolos de Entendimento nas áreas de


saúde, agricultura, pecuária e esportes, o presidente Lula participou do I Encontro Empresarial
e abriu a Semana do Cinema Brasileiro em Uagadugu275. Na República do Congo, além da
realização do encontro empresarial, foram assinados novos acordos nas áreas de: apoio ao
programa de prevenção e controle da malária; luta contra a AIDS; formação de recursos
humanos e transferência de técnicas para o cultivo da palma africana; formação de recursos
humanos e transferências de técnicas para apoio à produção de cana de açúcar276.

Figura 6 - Mapa das viagens presidenciais (2002-2010)277

Em abril de 2008, ao visitar Gana pela segunda vez, o presidente Lula aproveitou a
realização da XII UNCTAD no país, para estabelecer contatos bilaterais, e assinar quatro
Ajustes Complementares ao Acordo Básico de Cooperação Técnica e Científica, para a

275
MRE, Nota nº 490. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Burkina Faso - Uagadugu, 15 de outubro de 2007 -
Comunicado Conjunto. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-
imprensa/2007/10/15/983227181636-visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a. Acesso em: 23 jul. 2010.
276
MRE, Nota nº 501. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à República do Congo - Brazzaville, 15 e 16 de outubro
de 2007 - Comunicado Conjunto. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-
imprensa/2007/10/18/visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a. Acesso em: 23 jul. 2010.
277
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA 2003/2010, Op. cit.
124

implementação de projetos nas seguintes áreas: 1. Procedimentos Laboratoriais em


Biotecnologia e Manejo de Recursos Genéticos Aplicados à Agrobiodiversidade da Mandioca
em Gana; 2. Desenvolvimento das Bases para a Criação da Agricultura de Energia em Gana;
3. Desenvolvimento e Melhoramento das Plantações Florestais em Gana; 4. Fortalecimento
das Ações de Combate ao HIV/AIDS em Gana278.
Um fato significativo, no que tange à cooperação técnica, foi a inauguração de um
escritório da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) no país. A viagem
presidencial contemplou, também, uma visita à “Brazil House”, centro cultural do povo
Tabom, criado por descendentes de escravos libertos que retornaram do Brasil a Gana no
século XIX, e cujo projeto de restauração se deu durante a visita presidencial de Lula a Gana
em 2005.
Ainda em 2008, no mês de outubro, o presidente brasileiro viajou a Moçambique,
acompanhado do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, do ministro da
Saúde, de representante da Secretaria de Comunicação Social, e dos presidentes da
EMBRAPA, do SESI e da Fiocruz, além de delegação empresarial que participou de
seminário com vistas à identificação de novas oportunidades de negócios no país. Durante
essa viagem, foi inaugurado o Escritório Regional para África da Fundação Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ), em Maputo, além de serem assinados atos bilaterais nas áreas de cooperação
audiovisual e cinematográfica, cooperação esportiva e em educação nutricional, além de
memorando para a cessão de terrenos para as respectivas embaixadas em Brasília e em
Maputo279.
O ápice do processo de aprofundamento (e comprometimento) brasileiro com a
cooperação seria dado em 2009, por ocasião da viagem de Lula da Silva à Líbia, para
participar, como convidado de honra, da abertura da XIII Cúpula de Chefes de Estado e de
Governo da União Africana (UA), no qual foram assinados três ajustes complementares ao
Acordo de Cooperação Técnica entre o Brasil e a União Africana, para a implementação de
projetos nas áreas de: agricultura e pesca; desenvolvimento sustentável da cadeia do algodão
nos países da África; desenvolvimento social280.

278
MRE, Nota nº 191. Atos assinados por ocasião da Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à República de Gana.
Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2008/04/19/atos-assinados-por-ocasiao-da-
visita-do-presidente. Acesso em: 23 jul. 2010.
279
MRE, Nota nº 590. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Moçambique - Maputo, 16 e 17 de outubro de 2008 -
Comunicado Conjunto. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2008/10/24/visita-
do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a. Acesso em: 23 jul. 2010.
280
MRE, Nota nº 312. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Líbia para participar da Cúpula da União Africana -
Sirte, 1º de julho de 2009 - Atos assinados. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-
imprensa/2009/02/636369928852-visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a. Acesso em: 23 jul. 2010.
125

A essa altura, o Escritório da EMBRAPA em Gana, o Escritório da FIOCRUZ e a


fábrica de medicamentos anti-retrovirais em Moçambique, os Centros de Formação
Profissional nos países de língua portuguesa e a fazenda-modelo de produção de algodão no
Mali, figuravam como exemplo de “algumas das principais iniciativas de cooperação Sul-Sul
prestadas pelo Brasil”, que se desenvolviam na África281. Nessa conjuntura, ao falar à União
Africana, em 2009, o presidente Lula apresentou uma ligeira mudança no tom do discurso, em
comparação ao que demonstrara nas suas primeiras viagens às “Áfricas brasileiras” (de língua
portuguesa e com vínculo histórico e cultural com o Brasil):

A prioridade para as relações com a África, decidida pelo meu governo, passou a ser política
de Estado. Ela vai além dos discursos e das expressões de simpatia. Ela está respaldada por
ações concretas. O Brasil não vem à África para expiar a culpa de um passado colonial.
Tampouco vemos a África como extensa reserva de riquezas naturais a ser explorada. O
Brasil deseja ser parceiro em projetos de desenvolvimento. Queremos compartilhar
experiências e lições, somar esforços e unir capacidades. Só assim nos tornaremos atores e
não meras vítimas na transformação da atual ordem mundial. Tenho me dedicado
pessoalmente a esse objetivo282.

Percebe-se o abandono, no discurso presidencial, da idéia de “dívida histórica”


brasileira para com o continente africano. Nesse sentido, a referência cognitiva de diálogo
diplomático com os países africanos deixa de ser o passado (colonial) e passa a ser o presente
(a luta contra o sistema hegemônico, o estabelecimento da cooperação Sul-Sul, a busca da
parceria estratégica) e a perspectiva de futuro. O Brasil se apresenta à África (o Sul) através
da imagem de quem “deseja ser parceiro em projetos de desenvolvimento”. Após oito anos de
périplo africano, a “diplomacia presidencial” toca, em seu discurso, nos anseios africanos que
se apresentavam à diplomacia brasileira em 2002, quando a PEB se abriu para dialogar e
compreender a realidade africana contemporânea, a lógica do “renascimento”.
Prosseguindo em seu trajeto diplomático, o presidente Lula, em 2010, realizou a
última viagem presidencial desse momento de revalorização da política africana brasileira,
visitando a Guiné Equatorial, Tanzânia, Zâmbia, África e Cabo Verde. Na Guine Equatorial
houve um diálogo entre chefes de Estado acerca dos problemas que afligem a comunidade

281
MRE, Nota nº 305. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Líbia para participar da Cúpula da União Africana -
Sirte, 1º de julho de 2009. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2009/06/29/visita-
do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a. Acesso em: 23 jul. 2010.
282
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de abertura da 13ª Assembléia da União
Africana - Sirte-Líbia, 01/07/2009. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/202709479479-discurso-do-presidente-da-
republica-luiz-inacio/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em: 03 fev. 2011.
126

internacional283. Na Tanzânia realizou a primeira visita de um Chefe de Estado brasileiro ao


país, no qual se articulou contatos da missão empresarial brasileira com representantes do
setor privado local. Foi, ainda, assinado memorando de entendimento acerca de acordo de
cooperação entre academias diplomáticas284.
No Zâmbia, participou de encontro entre empresários brasileiros e zambianos, além de
encetar assinatura de atos bilaterais nas áreas de combate ao HIV/AIDS; ensino
profissionalizante; produção de biocombustíveis; trabalho remunerado de dependentes;
segurança alimentar; e isenção de visto em passaportes diplomáticos e oficiais285. Na África
do Sul, a visita presidencial tinha por objetivo a assinatura de um memorando de
entendimento sobre consultas e cooperação na área de consultas intergovernamentais286. Por
fim, viajou a Cabo Verde onde, aproveitando o ensejo da participação na I Cúpula Brasil-
CEDEAO, foram efetuadas conversações bilaterais com o país em vista das negociações da
dívida externa cabo-verdiana com o Brasil287.
Em sua última viagem presidencial à África, Lula da Silva assim declarou, em sua
passagem pela Guiné Equatorial: “O Brasil acredita que a verdadeira democracia que
desejamos deve apoiar-se na riqueza, e sobretudo na justiça social. Esse é um compromisso
que o Brasil assumiu com todos neste continente irmão”288. O voluntarismo e o discurso
presidencial delineiam a forma como o MRE descreve o significado da política de
aproximação da África pela diplomacia brasileira:

Trata-se de política solidária e humanista, que almeja reduzir assimetrias, promover o


desenvolvimento e combater a pobreza. Há, no entanto, ganhos concretos auferidos pelo
Brasil em seu relacionamento com a África: o acesso a novos mercados, vantajosas

283
MRE, Nota nº 421. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Guiné Equatorial - Malabo, 4 e 5 de julho de 2010 -
Comunicado conjunto. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/visita-do-presidente-
lula-a-guine-equatorial-malabo-4-e-5-de-julho-de-2010-comunicado-conjunto. Acesso em: 23 jul. 2010.
284
MRE, Nota nº 426. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Tanzânia - Dar Es Salam, 6 e 7 de julho de 2010.
Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-
silva-a-tanzania-dar-es-salam-6-e-7-de-julho-de-2010. Acesso em: 23 jul. 2010.
285
MRE, Nota nº 430. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à República da Zâmbia - Lusaca, 7 e 8 de julho de
2010. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-
da-silva-a-republica-da-zambia-lusaca-7-e-8-de-julho-de-2010. Acesso em: 23 jul. 2010.
286
MRE, Nota nº 439. Atos assinados por ocasião da visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à África do Sul – 8 e 9 de
julho de 2010. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/ato-assinado-por-ocasiao-da-
visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a-africa-do-sul-2013-8-e-9-de-julho-de-2010. Acesso em: 23 jul. 2010.
287
MRE, Nota nº 412. Visita do Presidente Lula a Cabo Verde - Ilha do Sal, 3 e 4 de julho de 2010. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/visita-do-presidente-lula-a-cabo-verde-ilha-do-sal-3-e-4-de-
julho-de-2010. Acesso em: 23 jul. 2010.
288
Discurso durante visita à Guiné Equatorial. Malabo - Guiné Equatorial, 5 de julho de 2010. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-
federativa-do-brasil/discurso-durante-visita-a-guine-equatorial/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em:
03 fev. 2011.
127

oportunidades econômicas e maior influência em foros multilaterais. Ou seja, o engajamento


com a África eleva o perfil internacional do Brasil289.

Portanto, a política africana do Brasil, conforme formulada durante o governo Lula,


apresentou-se através de um discurso sedutor, envolvente, que sinaliza a identidade africana
do Brasil (quando na verdade procura fortalecer os vínculos da África com a cultura
brasileira, ao mesmo tempo em que atende interesses domésticos ligados à afro-brasilidade) e,
ao mesmo tempo, se esforça por demonstrar o interesse (e capacidade) brasileiro em unir
esforços na luta contra o subdesenvolvimento (o parceiro estratégico).

2.4 Conclusão

A revalorização da política africana do Brasil encontrou lugar na diplomacia do


governo Lula, que aprofundou percepções de política externa que começaram a ganhar
espaço, de forma insipiente, ao final do governo Cardoso. Ancorado na tradição universalista
e no pragmatismo existente no círculo diplomático brasileiro, com marcado viés nacionalista,
a PEB estabeleceu a cooperação Sul-Sul como estratégia e eixo central de projeção
internacional do país. O continente africano seria espaço privilegiado para a configuração
daquilo que o discurso presidencial denominou de “nova geografia econômica e política
mundial”.
As relações entre o Brasil e os países africanos, desde o período da eclosão do
processo de descolonização afro-asiático e formação dos novos Estados africanos, esteve
envolta do discurso multiculturalista de valorização da identidade afro-brasileira. Entretanto,
os vínculos identitários entre o Brasil e a África, ao que parece, superam o âmbito da
construção histórica, presente nesse discurso. Em termos pragmáticos, as proximidades e
semelhanças, que mais contribuem para o fortalecimento das relações diplomáticas e
estratégicas, não são aquelas da cultura africana encontrada no Brasil – ou, em sentido
inverso, da africanidade brasileira desenvolvida pelos descendentes de escravos que voltaram
para a Mãe África.
Mais do que o passado colonial (do domínio europeu/português, do escravismo dos
“homens bons” que fundaram a elite política nacional, do braço escravo que movimentou a
economia de plantation colonial, das amantes negras dos colonos brancos que forjaram a
mistura cultural e racial brasileira), tão propagado pela mestiçagem brasileira de Freyre, é a

289
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA 2003/2010, Op. cit., p. 35.
128

história recente, contemporânea, que fornece os subsídios para o estabelecimento de relações


diplomáticas lúcidas.
Essa percepção ganha força a partir do contato com a experiência e perspectiva
africana do início do século XXI (gestada durante a década de 90) de procurar autonomia
plena na gestão de seus problemas estruturais, através da articulação de lideranças regionais
na busca de soluções próprias para as instabilidades políticas, econômicas e sociais
apresentadas pelo processo de modernização do continente (que começou com a
descolonização). O esforço em equacionar suas crises (fortalecimento do processo
democrático e acompanhamento da modernização econômica), demonstra um revigoramento
africano (expresso pela NEPAD) articulado aos interesses (em recursos minerais e
energéticos) e investimentos de potências econômicas – o que conforma o “renascimento”
africano. Os países africanos, portanto, procuram novas formas de lograr êxito em sua luta
pelo desenvolvimento (difícil de ser alcançado em vista do “déficit de competências
técnicas”). O movimento diplomático brasileiro de revalorização da África para a PEB, logo
perceberia a necessidade de adequar-se a essa conjuntura.
O pensamento nacional, ligado à política externa do governo Lula, seja em termos de
formulação ou de apoio doméstico, procurou articular os “interesses nacionais” com a
realidade africana. A percepção que emergiu, foi sintetizada pelo próprio presidente Lula,
durante discurso proferido em novembro de 2006, na Nigéria, durante a abertura da Cúpula
ASA:

O Brasil tem com a África laços profundos, que definem nossa própria identidade. Somos a
segunda maior nação negra do mundo. Internamente, estamos tomando diversas iniciativas
para valorizar a decisiva contribuição africana na construção da nação brasileira. E, acima de
tudo, para superar as desigualdades raciais ainda existentes no País. Em nossa atuação
internacional, também temos um longo percurso comum com as nações africanas.
Defendemos, nas Nações Unidas, a causa da descolonização e o repudio ao apartheid.
Estivemos ao lado dos sócios africanos no processo de criação da Unctad. Sofremos, juntos,
os períodos recessivos e a desordem da economia mundial, além dos efeitos perversos do
protecionismo dos países ricos. Unimos nossas vozes por uma ordem econômica
internacional mais justa e eqüitativa. Hoje, a África é para o Brasil uma prioridade
indiscutível290.

A identidade que une Brasil e África, nesse sentido, é o combate em prol da superação
do subdesenvolvimento. O Brasil apresenta condições e capacidade para realizar níveis de
cooperação que atendam aos interesses (políticos, econômicos e sociais) dos países africanos.

290
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião da abertura da Cúpula América do Sul-África
(ASA) - Abuja, Nigéria, 30/11/2006. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/854058225105-discurso-do-presidente-da-
republica-luiz-inacio/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em: 03 fev. 2011.
129

Em termos históricos, apresenta um grau satisfatório de amadurecimento democrático e


institucional (após ter vivido a repressão política do regime militar) e um programa de
governo que se esforça em equacionar problemas sociais, o que lhe fornece credenciais
positivas ao se apresentar como “parceiro estratégico” ao continente africano. Por outro lado,
o pragmatismo do ativismo diplomático brasileiro na África seria dado pelos ganhos
econômicos (aumento do fluxo de comércio, com diversificação da pauta de exportação e
expansão do empresariado nacional) e políticos (concertação política multilateral e projeção
internacional positiva da imagem do país) – conforme será abordado no próximo capítulo.
130

3. COOPERAÇÃO MULTIDIMENSIONAL E COALIZÕES SUL-SUL: A ÁFRICA


COMO ESPAÇO DE PROJEÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL

Devemos considerar como ponto passivo, talvez presunçosamente,


mas por fôrça da necessidade, que nossa hegemonia sul-americana já
é um fato consumado. À luz desse raciocínio veremos que o que nos
interessa em verdade é ganhar as boas graças, a admiração mesmo,
dos povos orientais e africanos, os quais, fatal e inexoravelmente,
terão de pesar fortemente na balança mundial, em meados do século
XXI, quando começarmos a figurar como grande país nos quadros
mundiais.

Adolpho Justo Bezerra de Menezes*

E, acaso não é esta a carta de entrada do Brasil em mundo


globalizado no qual, em vez da homogeneidade, do tudo igual, o que
mais conta é a diferença, que não impede a integração nem se
dissolve nela?

Fernando Henrique Cardoso**

A PEB, durante o governo Lula, demonstrou-se ativista e protagônica, apoiada em


voluntarismo presidencial e no reforço da identidade de país do Sul. Orientada pela
perspectiva de que “o Brasil deve assumir um papel crescente no cenário internacional,
projetando uma imagem externa altiva e soberana”291, a diplomacia brasileira, entre 2003-
2010, agiu fundamentada em quatro eixos basilares: 1. o entorno regional, núcleo central do
projeto de inserção internacional do Brasil; 2. a África, fronteira atlântica do país; 3. a Ásia,
importante para a inserção brasileira no mercado global, em vista de figurar como centro
dinâmico da economia mundial; 4. Europa e EUA, centro político e hegemônico mundial,
com quem o Brasil possui vínculos diplomáticos tradicionais.
Partindo da constatação de que a África Ocidental “representa uma antiga fronteira,
que havia sido esquecida, mas cujos laços precisam ser reatados”292, a política externa do
governo Lula efetuou aproximação diplomática com países africanos, pautada pela prioridade
estratégica conferida à cooperação Sul-Sul, e envidou esforços no estabelecimento de
*
MENEZES, Op. cit, p 07.
**
CARDOSO, Fernando Henrique. “Um livro perene”. In: FREYRE, Op. cit., p. 28.
291
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Op. cit.
292
Ibidem.
131

concertação político-diplomática, buscando realizar investimentos diretos e cooperação


técnica.
Esse movimento de revitalização de uma política brasileira para a África, observada a
partir de 2003, resultou da convergência de concepções entre internacionalistas, policymakers,
intelectuais e lideranças africanas e brasileiras, congregados em torno de um núcleo de
pensamento comum. Esse eixo cognitivo é caracterizado por: crítica ao neoliberalismo
(genericamente denominado de “Consenso de Washington”), valorização do papel do Estado
como gestor do desenvolvimento econômico e social de um país, combate à globalização
assimétrica, postura anti-hegemônica e defesa do estabelecimento da multipolaridade. Dessa
comunidade epistêmica emergiu a base de apoio e formulação da revitalização da política
africana do Brasil, conforme abordado no capítulo 2.
O presente capítulo pretende delimitar os resultados práticos e os objetivos
pragmáticos desse processo para a PEB. Para tanto, o capítulo estrutura-se de forma tripartida.
Primeiramente, buscaremos apreender a cooperação técnica estabelecida entre o Brasil e
alguns países africanos. Após isso, o esforço será em delimitar a dimensão econômico-
comercial das relações Brasil-África. Por fim, serão postos em tela os esforços de concertação
política multilateral que envolvem esse momento aproximativo afro-brasileiro.

3.1 Cooperação técnica para o desenvolvimento

Ao longo do governo Lula, a promoção do desenvolvimento foi a força motriz das


políticas públicas, tanto interna quanto externamente. Na política externa, a busca do
desenvolvimento com justiça social se traduziu na “dimensão humanista” da diplomacia
brasileira, conforme defendido pelo então ministro Celso Amorim. Em termos práticos, essa
concepção conceitual se materializou na estratégia de inserção internacional via cooperação
Sul-Sul.
Ao estabelecer as diretrizes conceituais e estratégicas da diplomacia do governo Lula,
o ex-ministro Amorim procurou enfatizar a “dimensão humanista, que se projeta na promoção
da cooperação internacional para o desenvolvimento e para a paz” (que seria a face externa da
busca do “desenvolvimento com justiça social” na arena doméstica). Esse ideal cooperativo
orientaria as duas formas de ação prioritárias: o regionalismo (busca de integração sul-
americana) e o universalismo (preenchimento de espaços internacionais através do
estabelecimento de coalizões ao Sul). Ancorada na crítica ao unilateralismo norte-americano
pós-11 de setembro (e o respectivo discurso antiterrorismo), Amorim delimita que essa
132

dimensão humanista visa “chamar atenção para os limites de enfoques que privilegiam a
dimensão militar da segurança internacional, sem levar em conta os vínculos entre
desenvolvimento econômico e social, por um lado, e paz e segurança internacional, por
outro”293.
Percebe-se nessa dimensão a confluência entre as diretrizes de política doméstica de
caráter partidário (os programas sociais que buscam equalizar desenvolvimento econômico e
distribuição de renda) e os “valores universais” defendidos pela diplomacia do governo Lula.
Essa perspectiva se expressaria no discurso diplomático que defende “a redução do hiato entre
ricos e pobres, a promoção e proteção dos direitos humanos, a defesa do meio ambiente e a
construção de um mundo mais justo”. Conforme Amorim, a “mesma aspiração por
desenvolvimento e progresso social, que moldam a ação governamental em âmbito interno,
nos mobilizará nos planos regional e global” e, sendo assim, essa “aspiração por paz e
solidariedade passa necessariamente por uma atenção detida para as carências dos menos
favorecidos”294. Foi a partir desse discurso da “dimensão humanista” da PEB que a
diplomacia brasileira estreitou laços com países africanos e estabeleceu acordos cooperativos
ao longo do governo Lula.
Inobstante, os debates em torno das oportunidades de cooperação entre Brasil e África
identificavam, ainda em 2003, o setor energético, o combate ao crime organizado, as áreas da
saúde, meio ambiente e defesa (soluções de conflito e operações de paz) como de grande
potencial. A tônica, nesse sentido, seria a construção de parcerias com a África em variados
campos, reforçando a idéia dos “vínculos entre paz e crescimento econômico: sem
desenvolvimento não há paz, e sem paz não há desenvolvimento”295. Essa cognição seria
reforçada durante a viagem de Amorim à África (Moçambique, Zimbábue, São Tomé e
Príncipe, Angola, África do Sul, Namíbia e Gana), que antecedeu a viagem presidencial de
novembro do mesmo ano.
Essa sondagem diplomática, ao mapear as áreas de interesses convergentes entre o
Brasil e os países visitados, reafirmou a multiplicidade de temas de interesse recíproco nos
campos político, econômico e da cooperação técnica, com intensidade variável em

293
AMORIM (2004), Op. cit, p. 44.
294
MRE. Nota nº 120. Aula Magna do Senhor Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, no Instituto Rio
Branco, 10 de abril de 2003. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=140. Acesso em: 03 abr. 2010.
295
Cf.: FÓRUM BRASIL-ÁFRICA: POLÍTICA, COOPERAÇÃO E COMÉRCIO. FORTALEZA, 09 e 10 de junho de 2003.
Relatórios. Disponível em: www2.mre.gov.br/projfba/docs/anais/relatorio_g1m1.pdf. Acesso em: 30 mai. 2011.
133

conformidade com os países. Em seu relato da missão diplomática que empreendeu no


continente africano, Amorim expôs o seguinte:

O que posso dizer, de uma maneira muito geral, é que pude confirmar o enorme interesse que
o Brasil desperta na África e também o enorme potencial que vejo para nós nesses países
africanos, do ponto de vista de cooperação técnica, do ponto de vista político, cultural, mas
também do ponto de vista comercial. Vários projetos grandes estão em gestação; não
sabemos ainda se eles serão totalmente bem sucedidos ou não, se eles se desenvolverão
totalmente ou não [...] Em todos esses países, nós percebemos um grande número de
oportunidades e grandes interesses, que vão desde a área da mineração e da energia (o
interesse da Companhia Vale do Rio Doce em Moçambique, por exemplo, ou da Petrobrás
em Angola) até áreas relativas à construção civil e à educação. Mas a educação vista não
apenas como cooperação técnica, mas também como exportação de serviços nesse campo de
maneira profissional, bem como em temas como o “Bolsa Escola”. Há muito interesse
também na cooperação na área de saúde, especialmente no que diz respeito à AIDS. Todos
tinham muito interesse também no Fome Zero e como poderiam utilizar a experiência
brasileira, que ainda está iniciando, mas que pode ser compartilhada com esses países. Há
muito interesse na área agrícola, que pode ter um aspecto de cooperação técnica, mas
também pode ter desdobramentos comerciais296.

A “visão geral” que Amorim obteve na África foi a do interesse que o Brasil desperta
no continente, visto que apresenta um grau de desenvolvimento “que já deu passos mais
avançados em vários setores em que eles ainda estão, em alguns casos, começando”. É nesse
aspecto que os programas sociais implementados pelo governo brasileiro (“Bolsa Escola”,
“Fome Zero”, programas de combate ao HIV/AIDS) aguçavam o interesse dos países
visitados em estabelecer programas cooperativos com o Brasil. Nesse aspecto, segundo
Amorim, o Brasil se destacaria “no sentido de que temos um nível aproximado de
desenvolvimento, temos uma melhor compreensão dos problemas, não chegamos com
soluções prontas que muitas vezes são incompatíveis com as condições locais”297. Assim, o
programa de governo doméstico serviu como cartão de visitas da diplomacia do governo Lula,
em sua diretriz africana.
De fato, desde a primeira viagem de Lula à África (em 2003), a imagem do Brasil que
se procurou projetar no continente seria a de um parceiro estratégico que almeja favorecer a
promoção do desenvolvimento social, político e econômico, através de laços de cooperação
diversos. Isso ficaria patente no discurso presidencial durante a visita a Moçambique:

A disposição do nosso Governo é, definitivamente, aprimorar essas relações, fazer com que
elas sejam as mais saudáveis possível. Nós sabemos que o Brasil tem condição de ajudar em
várias áreas, independentemente de sermos um país com muitos problemas de pobreza. A
verdade é que o Brasil pode ajudar muitos setores da economia, muitos setores ligados à
saúde, à educação; ligados ao transporte, à agricultura, à indústria [...] Queremos apenas

296
MRE. Nota nº 162. Transcrição sem Revisão da Coletiva do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Op. cit.
297
Ibidem.
134

sermos companheiros e parceiros na construção de um mundo socialmente justo, um mundo


que possa garantir melhoria de vida para as pessoas 298.

Portanto, a busca por reforçar relações diplomáticas com os países que compõem a
fronteira do Atlântico Sul (a África Ocidental), encontrou espaço de penetração através da
propagação da “dimensão humanista” da PEB. A diplomacia presidencial, nesse aspecto, foi
incisiva, visto que forneceu a liga entre a política doméstica, os anseios africanos e os
objetivos da diplomacia nacional (ampliação do fluxo de comércio, estabelecimento de
coalizões ao Sul e melhoramento da imagem internacional do país). Em vista disso – e das
oportunidades de ganhos no comércio exterior (principalmente no setor energético) e de
projeção internacional do Brasil – a política africana do Brasil alcançou dimensão inovadora.
O resultado da atenção conferida à África foi o aprofundamento e ampliação dos laços
cooperativos em múltiplas dimensões. O estabelecimento de cooperação técnica se deu em
âmbito multidimensional, abrangendo os setores da saúde, educação, agricultura, aquicultura,
transportes e infraestrutura, ciência e tecnologia, defesa, energia, formação profissional e
cooperação esportiva, com países diversos e intensidade variável.
Na área da saúde encetou-se cooperação técnica no combate a doenças tropicais, a
exemplo dos projetos conjuntos de prevenção e controle da malária e formação de técnicos
para o combate à doença (Angola, Camarões, Guiné-Bissau, Quênia, Benin, Gabão e Togo).
A instalação de um escritório regional da FIOCRUZ em Moçambique, conforme acordo de
2008, foi um marco importante na área da saúde. Com Angola, Benin, Senegal e Gana foram
ainda estabelecidos projetos de cooperação para o apoio ao diagnóstico e tratamento da
Anemia Falciforme. Houve missões técnicas enviadas a Zâmbia (em 2005, 2007 e 2009),
Namíbia (2006) e Serra Leoa (2009), para o estabelecimento de cooperação no combate ao
HIV/AIDS. De fato, o projeto “Fortalecimento das Ações de combate ao HIV/AIDS” foi
firmado com Quênia, São Tomé e Príncipe, Botsuana e Zâmbia. Destaca-se, nesse campo, a
participação do Ministério da Saúde, da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e da
FIOCRUZ (com o envio de técnicos) em conjunto com o MRE. Ao todo, computou-se a
assinatura de 53 atos bilaterais de cooperação na área de saúde com 22 países diferentes299.

298
Palavras do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Reunião com o Senhor Joaquim Chissano, Presidente
da República de Moçambique (transcrição). Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/0379937294409-palavras-do-presidente-da-
republica-luiz-inacio. Acesso em: 23 jul. 2010.
299
Os atos assinados foram: 5 Memorandos de Entendimento (Moçambique, Namíbia, Botsuana, Guiné Equatorial e Congo),
1 Acordo de Cooperação na área Sanitária e Fito-sanitária (Moçambique), 31 Ajustes Complementares (Quênia, Angola,
Zâmbia, Argélia, São Tomé e Príncipe, Botsuana Moçambique, Camarões, Benin, Gana, Senegal, Guiné Bissau e Cabo
Verde) 10 Protocolos de Intenção de Cooperação (Burkina Faso, Nigéria, Benin, Líbia, São Tomé e Príncipe, Moçambique,
Etiópia, Namíbia,Burundi e Camarões), 4 Programas Executivos (São Tomé e Príncipe e Cabo Verde), 1 Carta de Intenções
135

A cooperação na área educacional foi mais intensa com países africanos com os quais
o Brasil partilha a mesma identidade linguística (Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe
e Cabo Verde), mas não se restringiu aos mesmos. O intercâmbio entre estudantes e
pesquisadores acadêmicos, seja para o ensino da língua portuguesa na África ou para o estudo
da cultura africana no Brasil, foi o carro chefe das cooperações na área da educação. Destaca-
se, nesse sentido, a parceria entre o MRE, o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), para o funcionamento do Programa de Estudantes-Convênio de Pós-
Graduação (PEC-PG), que forneceu bolsas de estudo em nível de pós-graduação (mestrado e
doutorado) para estudantes africanos300. Entre 2003-2010, o PEC-PG favoreceu 237 alunos de
14 países africanos (Angola, Benin, Cabo Verde, Camarões, Costa do Marfim, Egito, Gana,
Guiné-Bissau, Moçambique, Namíbia, Nigéria, RDC, São Tomé e Príncipe, e Senegal).
Além do PEC-PG, também se destacou o Programa de Estudantes-Convênio de
Graduação (PEC-G)301 que, no período 2003-2010, selecionou 4326 alunos de 20 países
africanos diferentes (África do Sul, Angola, Benin, Cabo Verde, Camarões, Costa do Marfim,
Gabão, Gana, Guiné-Bissau, Mali, Marrocos, Moçambique, Namíbia, Nigéria, Quênia,
República do Congo, RDC, São Tomé e Príncipe, Senegal e Togo). O apoio técnico fornecido
pelo Ministério da Educação, nesse sentido, foi fundamental. Ao longo do governo Lula,
foram assinados 55 atos bilaterais na área da educação, entre memorandos de entendimento e
acordos diversos, com mais de uma dezena de países africanos. Dois importantes feitos na
área da cooperação educacional devem ser ressaltados: primeiro, a criação da Universidade
Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira (UNILAB), com sede em Redenção, Ceará, que
recebe estudantes e professores oriundos dos Países Africanos de Língua Portuguesa; em

sobre Cooperação (Gabão) e 1 Acordo para Instalação de Sede da FIOCRUZ (Moçambique). Cf.: BALANÇO DE
POLÍTICA EXTERNA 2003/2010, África, MRE. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-
externa-2003-2010/listagem_view_ordem_pasta?b_start:int=0&-C=. Acesso em: 20 mai. 2011.
300
É importante observar que o PEC-PG é um programa criado por protocolo assinado em 1981 (portanto, anterior ao
governo Lula) e atualizado em 2006. Durante a primeira década do século XXI, do total de 1.600 estudantes selecionados
pelo convênio, cerca de 75% dos candidatos provinham de países do entorno regional (com destaque para Colômbia, Peru e
Argentina), 20% eram de países africanos (principalmente Moçambique, Costa Verde e Angola) e outros 5% de países
asiáticos. Conforme dados oficiais de 2012, dos 54 países que participam do PEC-PG, 23 são africanos, 26 são das Américas
e 6 são da Ásia. (Cf.: HISTÓRICO DO PEC-PG. Disponível em: http://www.dce.mre.gov.br/PEC/PG/historico.html. Acesso
em: 09 mar. 2012)
301
Criado oficialmente em 1965, o PEC-G é um programa que oferece oportunidade de formação educacional em nível de
graduação a estudantes de países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém acordo educacional, cultural ou
científico-tecnológico, sendo administrado pela Divisão de Temas Educacional do MRE em conjunto com o Ministério da
Educação. (Cf.: PROGRAMA DE ESTUDANTE-CONVÊNIO DE GRADUAÇÃO – PEC-G. Disponível em:
http://www.dce.mre.gov.br/pec/pecg.html. Acesso em: 09 mar. 2012)
136

segundo lugar, a abertura do leitorado de língua e literatura brasileira no Camarões (que abriu
precedente para que o mesmo se realizasse no Mali e Zâmbia)302.
Os casos cooperativos nas áreas da saúde e educação são um demonstrativo da
sinergia interministerial que envolve o esforço de estabelecimento de cooperação
multidimensional. A ampliação do raio de ação do Estado, que no caso do governo Lula
envolveu a criação de novas pastas ministeriais (em oposição à ideia do Estado mínimo),
acompanhou o dinamismo diplomático. As missões diplomáticas brasileiras (na África ou em
outras regiões) foram compostas de representantes de vários ministérios e de empresários,
articulados pelo MRE, a fim de que estabelecessem acordos cooperativos diversos e
multisetoriais. Não apenas o MRE articulou-se aos demais ministérios, mas estes também
criaram (ou redimensionaram) estâncias para dialogar com o Itamaraty e tratar das questões
de políticas externa que envolvessem cada ministério, através de secretarias específicas
voltadas para assuntos internacionais. O Estado apresenta, portanto, relevância logística no
movimento de revitalização da política africana do Brasil, entre 2003-2010.
Esse processo conjuga a expansão de atores e interesses envolvidos na PEB durante o
governo Lula. Conforme Lima, Hirst e Pinheiro, essa “presença de destaque dos ‘ministérios
domésticos’ no tabuleiro internacional”, acompanhou o adensamento da política de
cooperação Sul-Sul e resulta de uma coalizão de atores e interesses domésticos e
internacionais. Consolida-se, assim, a tendência apresentada pela PEB desde o fim dos
governos militares do Brasil: pluralização de atores e politização da política externa303.
A politização da política externa, de forma geral, seria algo próprio das instituições
democráticas e resulta do debate acerca dos perigos do “efeito distributivo” (beneficiamento
de determinados setores em detrimento de outros) presente no processo decisório da política
externa. O efeito disso é que as prerrogativas do MRE passam a ser compartilhadas com
outras esferas governamentais (Ministérios da Economia, da Cultura, da Educação, do
Turismo, etc.), além de abrir diálogo com o empresariado nacional, acadêmicos, ONG’s e
setores sociais interessados nos rumos diplomáticos do país304.
A articulação interministerial em torno dos rumos diplomáticos do Brasil tem sido
algo notório no conjunto de acordos de cooperação firmados pelo Brasil ao redor do mundo.
Esse processo, que tem quebrado o tradicional insulamento burocrático do Itamaraty, ao longo
302
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Op. cit.
303
HIRST; LIMA; PINHEIRO. Op. cit., p. 02-05.
304
LIMA, Maria Regina Soares de. “Instituições Democráticas e Política Exterior”. Contexto Internacional, vol. 22, nº 02.
Rio de Janeiro: IRI/PUC-RJ, jul-dez/2000, p. 265-303. Disponível em: http://publique.rdc.puc-
rio.br/contextointernacional/media/Lima_vol22n2.pdf. Acesso em: 22 dez. 2010.
137

dos anos, tem reflexo sobre a estrutura dos diversos ministérios que defendem interesses
nacionais em suas relações internacionais. A existência de secretarias, subsecretarias,
departamentos e assessorias, que fomentam a articulação institucional em torno dos acordos e
programas internacionais nos quais o Brasil esteja envolvido, são exemplo desse movimento.

A consulta aos organogramas ministeriais apresenta dados interessantes a esse


respeito. Enquanto o MRE dialoga com os outros ministérios através de suas subsecretarias305
(Subsecretarias-Gerais de Energia e Alta Tecnologia, de Cooperação, Cultura e Promoção
Comercial, e a de Assuntos Econômicos e Financeiros), os outros ministérios também
possuem seus canais institucionais de articulação com os assuntos internacionais de seu
interesse. O Ministério da Educação tem a Assessoria Internacional, vinculada ao Gabinete do
Ministro306, que cuida dos programas de cooperação educacional internacional. O Ministério
do Turismo possui o Departamento de Relações Internacionais do Turismo, ligado à
Secretaria Nacional de Políticas de Turismo307.

O MinC (Ministério da Cultura) tem uma Diretoria de Relações Internacionais, ligada


à Secretaria Executiva do ministério308. O MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio) articula as questões relativas ao comércio exterior por meio da SECEX (Secretaria
de Comércio Exterior) e da SE/CAMEX (Secretaria Executiva da Câmara de Comércio
Exterior)309. O MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia, atual MCTI – Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação), possui a Assessoria de Assuntos Internacionais310.

Destarte, o alargamento ministerial foi uma das características do governo Lula e a


atuação diplomática brasileira no período apresentou a tendência à pluralização de atores em
vista da politização da política externa. No movimento de aprofundamento dos laços de
cooperação multisetorial entre o Brasil e alguns países africanos, a articulação interministerial

305
Cf.: Organograma do MRE. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/conheca-o-
ministerio/organograma-1. Acesso em: 03 jun. 2011.
306
Cf.: Ministério da Educação – Gabinete do Ministro. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=102&Itemid=858. Acesso em: 03 jun. 2011.
307
Cf.: Organograma do Ministério do Turismo. Disponível em:
http://www.turismo.gov.br/turismo/o_ministerio/organograma/. Acesso em: 03 jun. 2011.
308
Cf.: Secretaria Executiva do MinC. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/o-ministerio/secretaria-executiva/.
Acesso em: 03 jun. 2012.
309
Cf.: Organograma do MDIC. Disponível em: http://www.mdic.gov.br//arquivos/dwnl_1271101778.gif. Acesso em: 03
jun. 2011.
310
Cf.: Organograma do MCT. Disponível em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/10627.html. Acesso em: 03
jun. 2011.
138

(que caracterizou a diplomacia do governo Lula) se fez notar e serve como panorama da
atuação brasileira na cooperação para o desenvolvimento.
Foi assim que, em articulação interministerial entre o MRE, o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), o Brasil intensificou relações cooperativas com a África no campo da agricultura.
Nessa área, foram assinados mais de 50 instrumentos jurídicos internacionais, entre Acordos,
Memorandos de Entendimento, Ajustes Complementares e Programas de Trabalho, entre
2003 e 2010, com 18 países africanos. Os objetivos divulgados da cooperação agrícola seriam
o incremento da produção de alimentos, o combate à fome e à pobreza, a geração de
empregos e a sustentabilidade do meio ambiente produtivo, além dos ganhos comerciais
visados pelo Brasil.
Destaca-se, neste processo, a atuação da EMBRAPA, que abriu Escritório Regional
para a África, sediado em Acra, Gana, o qual iniciou suas atividades em 2007 e foi
formalmente inaugurado pelo presidente Lula em abril de 2008. A EMBRAPA atua na oferta
de capacitação e realização de ações conjuntas com países africanos, com foco na
transferência de tecnologias, mediante o compartilhamento de conhecimentos e de
experiências no campo do desenvolvimento tecnológico da agropecuária, agrofloresta e meio
ambiente. Em termos objetivos, foram executados projetos cooperativos em agricultura junto
a Angola, Argélia, Cabo Verde, Camarões, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe,
Senegal, Tanzânia e Tunísia. Um importante instrumento cooperativo foi o projeto “Apoio ao
Desenvolvimento do Setor Algodoeiro dos Países do C-4”, conhecido como “Projeto Cotton-
4”, implementado pela EMBRAPA e pela ABC, a partir de 2006, junto ao Benin, Burkina
Faso, Chade e Mali311.
O projeto consiste em apoio brasileiro para o aumento da competitividade da cadeia
produtiva do algodão em países fortemente prejudicados pelos baixos preços internacionais do
algodão e pelos intensos subsídios praticados por países desenvolvidos. Este projeto logrou a
instalação, no Mali, de fazenda modelo para a produção de algodão, incluídos laboratório para
a realização de pesquisas visando a adaptação das variedades de algodão produzidas pela
EMBRAPA às condições africanas. Contando com um investimento brasileiro de
aproximadamente U$ 4,7 milhões, essa fazenda modelo serve como centro de treinamento
para a capacitação de pesquisadores do continente africano.

311
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Op. cit.
139

De forma análoga ao campo da agricultura, o MRE em articulação com o Ministério


da Pesca e Aquicultura, estabeleceu novos parâmetros para a cooperação técnica entre o
Brasil e alguns países africanos na área da aquicultura. Entre 2003 e 2010, foram assinados
quatro instrumentos jurídicos internacionais entre o Brasil e países africanos na área de
aquicultura e pesca: Memorandos de Entendimento bilaterais com Guiné-Bissau (2010),
República do Congo (2007) e São Tomé e Príncipe (2009), e projeto trilateral Brasil-França-
Camarões para o apoio à aquicultura camaronesa (2009)312.
Percebe-se que o discurso da “dimensão humanista” e do estabelecimento de parcerias
estratégicas para o desenvolvimento, foi subsidiado por ações concretas, que embasaram a
presença brasileira na África. O discurso acompanhado da ação foi ao encontro dos anseios
africanos por superar sua carência por competências técnicas. Tanto na área da saúde e
educação, quanto na da agricultura e aquicultura, já citadas, percebe-se a preocupação com a
formação de quadros técnicos específicos a cada campo produtivo e de produção de
conhecimento técnico e científico. Essa preocupação com a formação profissional e com a
produção de conhecimento se deu também na cooperação nas áreas de ciência e tecnologia e
no esporte.
A cooperação do Brasil com a África na área científica foi impulsionada pelo
lançamento pelo MCT, em coordenação com o MRE, em 2004, do “Programa de Cooperação
Temática em Matéria de Ciência e Tecnologia” (PROÁFRICA) para financiamento de
pesquisas conjuntas com pesquisadores africanos. Entre 2005 e 2008, foram financiados 151
projetos, com um investimento de R$ 5,62 milhões de reais. Além disso, entre 2003 e 2010,
foram assinados oito instrumentos jurídicos internacionais sobre ciência e tecnologia,
envolvendo sete países africanos, com destaque para a África do Sul313.
Na área da cooperação esportiva, o esforço em capacitação técnica na área do esporte
foi acompanhado pela promoção de programas sociais envolvendo atividades atléticas, a
partir de experiências brasileiras. Articulou-se, nesse sentido, tanto a formação de quadros
técnicos quanto a inclusão social por meio de programas de governo. Dessa forma, a
diplomacia brasileira buscou projetar na África, por meio de ações concretas, a imagem de
parceiro para a promoção do desenvolvimento.
O projeto de capacitação de treinadores de futebol com apoio da ABC e do Sindicato
dos Treinadores de Futebol do Estado de São Paulo (SITREFESP) no Quênia e em Uganda,

312
Ibidem.
313
Ibidem.
140

entre setembro e outubro de 2009, com o objetivo de capacitar treinadores de futebol para
treinar atletas de 07 a 15 anos, é o exemplo palpável de formação profissional na área de
esportes. Por outro lado, iniciativas realizadas em Botsuana, Angola e Moçambique, a partir
de articulação interministerial entre o MRE e o Ministério do Esporte, demonstram
cooperação de dimensão social. Em 2010 foi assinado com Botsuana um Ajuste
Complementar para implementação do projeto “Inserção Social pela Prática do Esporte”. Em
2009, em Maputo (Moçambique), foi inaugurada fábrica de materiais esportivos nos marcos
do programa “Pintando a Cidadania”. Em 2005, em Angola, implementou-se o projeto
“Inserção Social pela Prática Esportiva”, que visa aprendizagem de método de ensino da
prática esportiva integrada ao ambiente escolar, além de coordenar a instalação de fábrica de
bolas em instituição prisional314.
A atuação brasileira na África, conforme Rômulo Paes de Sousa, se daria nos marcos
do “Desafio da Cooperação para o Desenvolvimento”, em conformidade com as metas do
milênio (a agenda internacional da Declaração do Milênio de 2000), cujo foco é o
desenvolvimento social e humano. Nesse sentido, as relações Brasil-África no governo Lula
se desenvolveram a partir da busca por reposicionar o Brasil no cenário internacional, no qual
se pretende assumir (e/ou projetar) o papel de “indutor para novas políticas de cooperação”.
Isso se daria a partir daquilo que denomina de “paradigma de cooperação para a área social”,
que preconiza o “desenvolvimento de competências e capacidade técnica nos países
receptores”. Essa forma de atuação teria por objetivo o fortalecimento institucional dos países
receptores e a transferência de “tecnologias sociais adaptáveis à realidade local”315. Dessa
forma, o estabelecimento de parcerias para a formação de quadros técnicos, foi acompanhado
de projetos sociais inspirados no modelo brasileiro, conforme demonstra o caso da cooperação
esportiva.
O estabelecimento de laços cooperativos entre o Brasil e a África visando a formação
de quadros técnicos ocasionou a assinatura de Ajustes Complementares entre o Brasil e
Angola, Zâmbia, Moçambique e Guiné-Bissau, para instalação de Centros de Formação
Profissionais com o apoio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) nos
referidos países africanos. A preocupação com o desenvolvimento se deu de forma ampla, e
inclui também o estabelecimento de cooperação em áreas ligadas ao meio ambiente. Exemplo

314
Ibidem.
315
SOUSA, Rômulo Paes de. “Brasil e China na África: desafios da cooperação para o desenvolvimento”. CEBRI, Seminário
Brasil e China na África – Desafios da Cooperação para o Desenvolvimento, 09 de junho de 2010. Disponível em:
http://www.cebri.com.br/midia/documentos/apresentacaoromulo.pdf. Acesso em: 03 nov. 2011.
141

do fato foi o Memorando de Entendimento e atividades de cooperação entre o IBAMA


(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o Instituto
Chico Mendes e a Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo com o “Kenya Wildlife
Institute” em matéria de preservação ambiental, que resultou no oferecimento de um curso
sobre prevenção e combate a incêndio florestal, em 2007, no Quênia316.
Esta forma de atuação da diplomacia brasileira na África foi posta em prática em vista
da percepção, por parte da chancelaria nacional, da especificidade da presença do Brasil no
continente africano:

A participação brasileira em projetos de infra-estrutura no continente africano diferencia-


se, em relação à prática de outros países (i.e. China) em dois aspectos: objetivos e
métodos. O Brasil tem, em relação à África, objetivos de longo prazo. Não se trata de
relação tática, com vistas à obtenção de recursos ou vantagens imediatas. Antes, pretende-
se estabelecer mecanismos que permitam o crescimento do fluxo de crédito para projetos
na região, de modo que os países possam realizar projetos de grande envergadura
econômica ao mesmo tempo em que se criam oportunidades para empresas brasileiras [...]
No que tange aos métodos, nota-se que os agentes brasileiros (tanto públicos como
privados) costumam ter boa interlocução junto aos agentes locais, inclusive com recurso à
mão-de-obra local e, em menor medida, a empresas locais317.

Essa posição oficial da diplomacia brasileira, objetiva reforçar a imagem do Brasil


como indutor do desenvolvimento, parceiro para a superação do subdesenvolvimento junto
aos países do Sul. Trata-se de projetar a percepção da atratividade que o Brasil exerce nos
países africanos, transformando-a em ganho diplomático. Nesse sentido, compreende-se a
preocupação em delimitar a diferença da especificidade da atuação brasileira na África em
comparação, por exemplo, com a diplomacia chinesa, que apresenta forte conteúdo
econômico e comercial. Não pode o Brasil competir com a atratividade comercial que a China
possui ou, inclusive, com o peso econômico e político apresentado pelos EUA e pela Europa.
Mas a identidade da busca pelo desenvolvimento, que a experiência brasileira representa, é
um ganho a ser explorado. Valorizar a imagem de país do Sul é não apenas causa da
revalorização da política africana, mas também condição para dar concretude à mesma.
No que tange à presença chinesa na África, Williams Gonçalves caracterizou bem o
aspecto histórico que marca as relações sino-africanas, cuja continuidade, desde Bandung,
endossa a força da China no continente africano. A partir da década de 1990, as relações sino-
africanas alçaram patamar marcadamente econômico e comercial (em detrimento da diretriz
político-ideológica da Guerra Fria), em vista do interesse chinês pelos recursos minerais e

316
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Op. cit.
317
Ibidem.
142

energéticos da África, e da atração que o dinamismo comercial da China exerce sobre os


países africanos. A presença econômica da China na África é marcada pelos fortes
investimentos chineses em termos de infraestrutura, ajuda econômica, empréstimos e
concessão de créditos para países africanos, pautada pelos “Cinco Princípios da Coexistência
Pacífica” da diplomacia chinesa318. Em sua face africana, os princípios norteadores da
diplomacia chinesa se pautam pela promoção da “cooperação econômica Sul-Sul”319.
Apesar da relevância econômica da China para os países africanos, Williams
Gonçalves pondera que existe uma percepção mais favorável ao Brasil, segundo a qual “a
influência chinesa deveria ser contrabalançada com uma mais intensa relação do continente
com o Brasil, de sorte a evitar que a África simplesmente saia da dependência do mundo
ocidental para cair na dependência da China”320. Em vista disso, pode-se compreender a
estratégia da diplomacia do governo Lula em projetar o Brasil como parceiro estratégico para
o desenvolvimento econômico junto a países africanos. Para além de retórico, conforme
exposto, esse voluntarismo vislumbrou concretude efetiva nos laços cooperativos entre Brasil
e África, em conformidade com o discurso da “dimensão humanista” da PEB.
As atividades brasileiras de cooperação em infraestrutura na África fornecem bom
panorama da questão. A aprovação de créditos e financiamentos pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pela Caixa Econômica Federal e pela
Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) do MDIC, foi fundamental para viabilizar o
investimento de empresas brasileiras em infraestrura no continente africano, realizando obras
diversas em países como Angola, Moçambique, Guiné, Líbia, Mauritânia, Djibuti, Guiné
Equatorial, Camarões, Argélia e Gana. Exemplar a este respeito foi a aprovação de crédito
oficial brasileiro de US$ 3,5 bilhões, destinado a obras de infraestrutura do projeto de
reconstrução nacional do Governo angolano. A aprovação pela CAMEX de mecanismo de
financiamento, no valor de US$ 80 milhões, a serem utilizados no projeto do Aeroporto de
Nacala, em Moçambique dezembro (2009), e a aprovação de financiamento do BNDES para
construção, pelas empresas Odebrecht e Andrade Gutierrez, do Corredor Rodoviário Oriental

318
Os “Cinco Princípios da Coexistência Pacífica” da política externa chinesa são: 1. respeito mútuo à integridade territorial
e da soberania; 2. não agressão mútua; 3. não intervenção nas questões internas; 4. igualdade dos direitos e das vantagens
mútuas; 5. coexistência pacífica. (Cf.: GONÇALVES, Williams. “A presença da China na África”. In: JOBIM, Nelson A.;
ETCHEGOYEN, Sergio W.; ALSINA, João Paulo (org.). Segurança Internacional: Perspectivas Brasileiras. Rio de Janeiro:
Ed. FGV, 2010, p. 523-538)
319
Ibidem.
320
Ibidem.
143

de Gana – obra orçada em mais de US$ 200 milhões (2010) – também são demonstrativos do
processo321.
Em meio ao estabelecimento de cooperação em infraestrutura, projetos de “Apoio ao
desenvolvimento Urbano”, através de políticas habitacionais, foram estabelecidos entre o
Brasil e países como Namíbia, São Tomé e Príncipe e Moçambique. O firmamento de laços
cooperativos para o desenvolvimento, no caso da área da infraestrutura urbana, foi
acompanhado de dimensão econômica e comercial, haja vista a marcada participação de
empresas brasileiras no processo. A dimensão econômica seria ainda mais marcante no caso
da cooperação nos setores de energia e transporte, que apresentam maior ligação com
interesses comerciais. O interesse brasileiro pelos recursos energéticos africanos (petróleo,
gás e carvão) ou com a exportação do biocombustível brasileiro para a África, foi o marco da
cooperação energética.
Em termos de transporte, a preocupação foi em estabelecer rotas aéreas que ligassem o
Brasil a países africanos diretamente, a fim de melhor aproveitar as potencialidades do fluxo
de comércio com a região africana. A importância da fronteira atlântica para o Brasil
apresenta dimensão estratégica, em vista da riqueza energética contida na plataforma
oceânica. A cooperação em termos de defesa com a África, portanto, privilegia a contigüidade
oceânica. Assim, é possível destacar o aumento da presença da indústria de defesa brasileira
que vendeu um navio patrulha para a Namíbia (entregue em 2009) e assinou contrato para
vender seis aviões Super-Tucano para Angola. Entretanto, no intercâmbio em questões de
defesa, a lógica do desenvolvimento e parceria é o eixo motor.
Entre 2003 e 2010, foram assinados Acordos de Cooperação no Domínio da Defesa
com África do Sul, Angola, Moçambique, Namíbia, Guiné Equatorial, Nigéria e Senegal
(sendo Moçambique o único que não integra a ZOPACAS, mas cuja posição estratégica no
Oceano Índico é incontestável). Entre as ações cooperativas, ressalta-se a de formação militar,
na qual foi criado um Centro de Formação de Forças de Segurança em Guiné Bissau (com
investimento brasileiro de US$ 3 milhões). Na Namíbia, o governo brasileiro forneceu apoio à
criação do Corpo de Fuzileiros Navais (com cerca de 600 militares). Outra ação importante,
junto à Namíbia, é o levantamento da plataforma continental namibiana e a doação de
embarcações. Com Guiné Bissau, o Brasil prestou apoio na reforma do setor de segurança
com US$ 750 mil (entre 2004-2005, através da ONU) e doou uniformes para suas Forças
Armadas. A Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe recebeu 04 botes pneumáticos e 260

321
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Ibidem.
144

uniformes. Os Ministérios da Defesa de Brasil e Angola assinaram protocolo de intenções a


fim de se efetuar o levantamento da plataforma continental angolana, com apoio técnico
brasileiro322.
A cooperação para o desenvolvimento, portanto, teve abrangência multidimensional,
abarcando, inclusive, a área da defesa. Resulta desse processo o alargamento da boa
receptividade africana à presença brasileira na África, em vista da conjugação de interesses
afins. O reconhecimento da importância do Brasil na luta em prol do desenvolvimento e como
liderança em foros multilaterais se fez notar em determinadas ocasiões oficiais envolvendo
lideranças africanas.
Em 2010, durante viagem a Zâmbia, o presidente Lula foi condecorado pelo presidente
Rupiah Banda que, em discurso, destacou a importância do Brasil no combate aos subsídios
agrícolas no âmbito da OMC, e realçou a liderança de Lula da Silva no cenário
internacional323. Em fevereiro de 2012, durante um colóquio da CPLP, em Lisboa, lideranças
africanas manifestaram a importância do Brasil para o desenvolvimento africano, durante o
discurso do ex-presidente de Cabo Verde, Pedro Pires. Em sua fala, ao criticar a comunidade
internacional por não conferir a devida atenção aos problemas da Guiné Bissau, Pedro Pires
expôs a proeminência da CPLP (que acompanhou a situação do país) e destacou a importância
do Brasil para colocar a questão das doenças endêmicas (como a malária e a AIDS) na ordem
do dia em organismos internacionais (Assembléia Geral da ONU, OMC) 324.
Na ocasião, Joaquim Chissano, que fora presidente de Moçambique durante o governo
Lula, reforçou a importância brasileira ao destacar a participação do Brasil no combate à
AIDS, com a construção de uma fábrica de antirretrovirais no país africano325. Pedro Pires
seria ainda mais incisivo, ao propor que os países membros da CPLP defendessem a
candidatura brasileira como membro permanente no Conselho de Segurança da ONU, visto
que na condição de membro permanente o Brasil poderia dar visibilidade aos países da CPLP,
o que possibilitaria que o português fosse adotado como língua oficial das Nações Unidas.
Além disso, ao tratar da relevância da CPLP para os países membros, ressaltou as
cooperações nas áreas de educação, pesquisa, formação/capacitação de recursos humanos e

322
Ibidem.
323
CERRADO NOTÍCIAS. “Brasil e Zâmbia: união para o combate dos subsídios dos países ricos”, Mundo, 08 jul. 2010.
Disponível em: http://www.cerradonoticias.com/index2.php?pg=noticia&id=902. Acesso em: 03 nov. 2011.
324
AGÊNCIA LUSA/EXPRESSO DAS ILHAS. “Pedro Pires: Maior atenção da comunidade internacional podia ter
resolvido problemas na Guiné-Bissau”, Mundo, 07 fev. 2012. Disponível em:
http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/go/pedro-pires--maior-atencao-da-comunidade-internacional-podia-ter-
resolvido-problemas-na-guine-bissau. Acesso em: 10 fev. 2012.
325
Ibidem.
145

novas tecnologias, chamando atenção para o papel de destaque do Brasil (junto a Portugal)
nesse processo de transferência de conhecimento326.
A atuação protagônica da diplomacia brasileira na África, entre 2003-2010, portanto,
se fazia sentir na fala de lideranças africanas, no âmbito da CPLP, em 2012, quando o
governo Lula já tinha encerrado sua gestão. Essa percepção se apresentaria em outubro de
2011, em Angola, quando o presidente angolano, José Eduardo dos Santos, recebeu visita
presidencial de Dilma Roussef (sucessora de Lula da Silva). Durante o evento, Eduardo dos
Santos procurou definir o patamar das “excelentes relações bilaterais” entre Brasil e Angola,
nos seguintes marcos:

Entre as questões que adquirem maior relevância para nós, neste momento, inscrevem-se as
definidas pelas Nações Unidas como ‘Metas do Milénio até 2015’, ou seja, erradicar a
pobreza extrema e a fome, universalizar o ensino, valorizar o género, reduzir a mortalidade
infantil, melhorar a saúde materna, combater as grandes endemias, garantir a defesa
sustentável do ambiente e criar parcerias para o desenvolvimento. No discurso que há dois
dias fiz no Parlamento, na abertura do novo Ano Legislativo, tive ocasião de referir os
avanços concretos que temos estado a fazer em Angola para dar resposta a todas essas
preocupações. Todas elas dizem respeito a áreas em que já se registra uma cooperação
importante com a República Federativa do Brasil, nomeadamente no domínio do ensino e da
saúde, do combate à fome e à pobreza e das parcerias para o desenvolvimento, que se
concentram em especial nas áreas da construção civil, da energia e da exploração mineira327.

Percebe-se, na fala do presidente angolano, que os laços cooperativos estabelecidos e


aprofundados ao longo do governo Lula, tocaram diretamente na questão do desenvolvimento,
em conformidade com os anseios e necessidades locais, o que gera continuidade no processo.
O Brasil é percebido como parceiro estratégico na luta em prol do desenvolvimento, o alcance
das Metas do Milênio. Além disso, o esforço diplomático brasileiro no estabelecimento de
cooperação técnica multidimensional com países africanos reforçou sua imagem frente à
CPLP, conforme demonstra o discurso de Pedro Pires e sua defesa da liderança brasileira na
ONU, como porta voz dos interesses dos países do Sul. Ao articular-se à realidade africana, a
diplomacia brasileira logrou reforçar a percepção da comunhão de interesses, conforme é
possível notar na fala de Joaquim Chissano, em novembro 2011, durante visita que fizera ao
Brasil para o lançamento de sua autobiografia:

326
NOBIDADETV. “Candidatura do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU é ‘fundamental’ -
CPLP: Estados devem manter diplomacia concertada nas instituições internacionais”, 07 fev. 2012. Disponível em:
http://nobidadetv.com/archives/2618. Acesso em: 10 fev. 2012.
327
Discurso pronunciado por sua excelência José Eduardo dos Santos, presidente da República de Angola, no almoço por
ocasião da visita de estado de sua excelência Dilma Roussef, presidente da República Federativa do Brasil. Luanda, 20 de
Outubro de 2011. Disponível em: http://www.mission-angola.ch/discursos/pt/20111020_presidente_pt.pdf. Acesso em: 03
nov. 2011.
146

Os nossos dois países, Brasil e Moçambique partilham muitos aspectos da vida política,
histórica e social, embora estejam localizados em continentes diferentes. Todavia, devido aos
efeitos positivos da globalização notamos que essa distância geográfica, que separa os dois
países irmãos, tem estado a ser superada pela nossa interacção contínua baseada na confiança
e comunhão de interesses. Os desígnios dos nossos dois países fundam-se na paz,
democracia e desenvolvimento ingredientes indispensáveis na promoção e exercício da
cidadania328.

A comunhão de interesses entre Brasil e Moçambique (“os dois países irmãos”),


defendida por Chissano, é reflexo da estratégia de ação diplomática posta em prática pela PEB
durante o governo Lula, que encontra ecos ainda em 2011-2012. O ativismo diplomático
brasileiro em prol do desenvolvimento, dos interesses dos países do Sul, expresso nos laços de
cooperação técnica implementados com a África, auferiram ganhos econômicos e projeção da
imagem internacional brasileira. Conforme diria Celso Amorim: “há perspectivas de
negócios, sem dúvida alguma, da mesma maneira que há possibilidades de uma cooperação de
natureza política e também desinteressada. Essas coisas se somam e não se excluem”329. A
cooperação técnica para o desenvolvimento integrava-se aos interesses políticos e econômicos
brasileiros com relação à África. Nas palavras de Lula da Silva: “A preservação dos interesses
nacionais não é incompatível com a cooperação e a solidariedade”330.
De fato, a cooperação para o desenvolvimento se mostrou um dos princípios
norteadores da diplomacia do governo Lula. Conforme Márcio Pochman e Marco Farani, a
“dimensão global da política externa brasileira conta com uma de suas principais vertentes: o
compromisso de contribuir para a promoção do desenvolvimento global, com ênfase na
América Latina, África e Ásia”. A forma de atuação brasileira no estabelecimento de
cooperação técnica, nesse sentido, se destaca pelo fato de procurar desenvolver
potencialidades locais, favorecendo a apropriação de técnicas, com abordagem estrutural, que
visa aprimorar capacidades individuais e institucionais de forma sustentável. Esses projetos de
caráter estrutural encetados pelo Brasil com seus parceiros (africanos, por exemplo), são
acompanhados da preocupação com a inclusão social, e conjugam o projeto de
redimensionamento da imagem internacional do país331.

328
CHISSANO, Joaquim. “Conflitos, Cidadania e o Ideal de uma Sociedade de Paz”. Discurso proferido durante seminário
sobre educação, paz e democracia na Fundação Universa. Brasília, 29 nov. 2011. Disponível em:
http://www.institutolula.org/wp-content/uploads/2011/11/discurso-chissano-29-11-2011.pdf. Acesso em: 10 jan. 2012.
329
MRE. Nota nº 162, Transcrição sem Revisão da Coletiva do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Op. cit.
330
Discurso do Presidente Lula no XXXIII Fórum Econômico Mundial. Davos, 26 de janeiro de 2003. In: REPERTÓRIO
DE POLÍTICA EXTERNA: posições do Brasil. Brasília: Funag, 2007, p. 18.
331
COOPERAÇÃO BRASILEIRA PARA O DESENVOLVIMENTO INTERNACIONAL: 2005-2009. Brasília:
IPEA/ABC, 2010, p. 10-33. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/Book_Cooperao_Brasileira.pdf. Acesso em: 03 jul. 2011.
147

O gráfico 2, demonstra a proeminência dos países africanos para o projeto de


cooperação para o desenvolvimento, levado à cabo pela PEB. O volume de investimentos
brasileiros em cooperação técnica, científica e tecnológica no continente africano, entre 2005
e 2009 (somando R$ 64.849.104,40 no período), é superado apenas pelo investimento
realizado na América Latina e Caribe (R$ 90.236.764,84)332. O gráfico 3 demonstra a
evolução desses investimentos no continente africano, no período citado.

Gráfico 2: Investimento brasileiro em cooperação técnica, científica e tecnológica por regiões


(2005-2009)

Fonte: Adaptado a partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)333

332
Ibidem.
333
Ibidem.
148

Gráfico 3 - Evolução dos investimentos brasileiros em cooperação técnica, científica e


tecnológica na África (R$ valores correntes)

Fonte: adaptado a partir de dados do Ipea334.

3.2 A dimensão econômico comercial da política africana

Um dos aspectos marcantes do aprofundamento das relações diplomáticas entre o


Brasil e países africanos foi a ampliação do fluxo de comércio, que fornece um panorama da
dimensão econômico comercial da política africana do Brasil, durante o governo Lula. A
cooperação para o desenvolvimento levada a cabo pela PEB junto a países africanos, de fato,
foi acompanhada por dinamismo empresarial e comercial. A importância atribuída pela
diplomacia de Lula da Silva à cooperação para o desenvolvimento no continente africano
findou beneficiando a ampliação do fluxo de comércio.
O nível de investimentos brasileiros na cooperação técnica para o desenvolvimento, no
continente africano, demonstra a prioridade dada pelo Brasil às relações com países da região.
Essa “dimensão humanista” da PEB está diretamente ligada aos anseios nacionais, conforme
formulado pela diplomacia do governo Lula. A política externa, nesse sentido, aparece
ancorada à busca do desenvolvimento econômico e social. A nível doméstico, a política
externa auxilia o desenvolvimento nacional ao apresentar faceta universalista e buscar espaços
de atuação econômica e empresarial, favorecendo a ampliação dos fluxos de comércio, com
diversificação da pauta de exportação. Em âmbito global, o ativismo na luta contra o

334
Ibidem.
149

subdesenvolvimento busca redimensionar a imagem internacional do país, que procura


assentar a condição de potência em meio às coalizões ao Sul.
A cooperação para o desenvolvimento, posta em prática no laboratório africano,
atende ao interesse nacional formulado pela PEB no governo Lula. Isso ocorre na medida em
que está ancorada tanto à ampliação do fluxo de comércio (penetração no mercado africano)
quanto à projeção internacional do país (na condição de indutor do desenvolvimento). A
cooperação para o desenvolvimento em si, em especial nas áreas de infraestrutura, energia e
transporte, carrega forte conteúdo econômico e comercial, já que abre espaço para a atuação
de empresas nacionais em países africanos.
De fato, a área de comércio e investimentos na África apresenta forte participação de
grupos empresariais como Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão,
além do BNDES, da Vale do Rio Doce e da Petrobrás, em países como Angola, Guiné
Equatorial, Namíbia e Nigéria, fomentados por missões empresariais promovidas pelo MRE e
pelo MDIC. Nas relações com países africanos, a área de comércio exterior é dinamizada
pelos investimentos no setor de energia, infraestrutura e transporte, onde empresas brasileiras
executam obras (construção de estradas, metrôs, portos e revitalização urbana) em países
como Angola, Gana, Guiné, Camarões e Guiné Equatorial335.
A ação governamental, no que tange ao processo de aumento das trocas comerciais,
foi fundamental. As próprias viagens presidenciais foram marcadas pelo acompanhamento de
missões empresariais, que se tornaram uma constante e alcançaram dinâmica própria. Em
maio de 2004, por exemplo, uma missão empresarial do Governo do Ceará foi a Angola,
como objetivo desenvolver ações de promoção comercial. Em outubro do mesmo ano,
ocorreu o III Fórum Empresarial da CPLP, em Cabo Verde, dando seqüência ao II Fórum
realizado em Fortaleza, em junho de 2003.
Em agosto de 2005, o ministro Luiz Fernando Furlan, do MDIC, visitou a Nigéria,
acompanhado de delegação empresarial (com apoio do MRE na organização dos eventos de
caráter econômico-comercial). O mesmo foi feito em novembro, na Argélia. Em fevereiro de
2006, uma delegação empresarial brasileira participou de um seminário sobre oportunidades
de negócios entre Brasil e Botsuana, no mesmo momento em que o presidente Lula visitava o
país. Em setembro, houve a Cúpula Empresarial do Foro IBAS. Os resultados logo surgiram
como, por exemplo, a instalação do escritório da EMBRAPA em Gana, em 2007. Essas ações
contribuiriam para o crescimento da pauta de comércio no período.

335
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Op. cit.
150

A área de construção civil logo foi percebida como uma área de atuação oportuna para
o empresariado nacional na África, assinalando um incipiente processo de internacionalização
das empresas brasileiras para além da América do Sul. O Grupo Camargo Corrêa, por
exemplo, inaugurou um escritório da Camargo Corrêa Construtora em Angola (2005) e em
Moçambique (2006), tendo iniciado seus trabalhos desde então. Em 2009, foi a vez da
implantação da Camargo Corrêa Cimentos em Angola e, em 2010, em Moçambique – a
Camargo Corrêa Cimentos adquiriu participação majoritária (51%) da CINAC (Cimentos de
Nacala) com acordo assinado em junho de 2010336.
O Grupo Andrade Gutierrez (AG) é, também, um exemplo desse movimento, pois,
desde 2004, seu processo de internacionalização (África, Ásia, Europa e Oriente Médio) ficou
a cargo da Zagope Construções e Engenharia S.A., a fim de alcançar crescimento sustentado e
volume de negócios. Segundo dados do Grupo AG, em um curto período desde então, “a
Zagope ascendeu ao 3º lugar entre as melhores empresas do setor em Portugal”337. Este último
exemplo, apesar de se tratar de um caso de internacionalização de empresa brasileira de forma
ampla, demonstra a potencialidade do continente africano nesse empreendimento.
Dessa forma, a Andrade Gutierrez passou a executar importantes obras em vários
países africanos: na Argélia (quatro obras nos setores de transportes e energia), no Camarões
(construção da estrada Dschang-Melon), em Gana (construção do Corredor Rodoviário
Oriental, financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), na
Guiné (renovação da estrada Kissidougou-Guéckédou-Sérédou), na Líbia (construção do
metrô de Trípoli) e na Mauritânia (construção da estrada Rosso-Lexeiba e execução de obras
de manutenção e reforço das auto-estradas Nouakchott-Boutilimit e Aleg-Boghé). De forma
análoga os grupos Queiroz Galvão (com obras de infraestrutra em seis cidades angolanas) e
Odebrecht (com obras em Gana, Angola, Djibuti e Líbia), também participam do processo338.
No setor de cooperação em energia, a presença brasileira na África é encabeçada pela
PETROBRAS e pela Vale do Rio Doce. A PETROBRAS trabalha junto a empresas locais e
estrangeiras na prospecção em águas profundas, e no seguimento de exploração e produção,
em cinco países africanos (Angola, Líbia, Namíbia, Nigéria e Tanzânia). A Vale apresentou
fortes investimentos em prospecção mineral em Moçambique e na Guiné. Em Moçambique, a
empresa investiu US$ 719 milhões na fase de montagem da Mina de Moatize, com vista a

336
CURY FILHO, Kalil. Grupo Camargo Correa. CEBRI. Painel 4. Disponível em:
http://www.cebri.com.br/cebri/cadastrarUsuario.do?funcao=detalharEvento&idEvento=362. Acesso em: 18 ago. 2010.
337
Dados disponíveis em: http://www.zagope.pt/. Acesso em: 18 ago. 2010.
338
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Op. cit.
151

exportação de carvão metalúrgico e térmico. Na Guiné, a Vale anunciou a compra, por US$
2,5 bilhões, de 51% da BSG Resources, uma empresa que detém direitos de mineração em
Simandu (reserva mineral do país).
O setor energético contou ainda com participação de outras empresas nacionais como
a Odebrecht (com obras de construção de usina de etanol em Gana e Angola), a HRT-
Petroleum (com atividades na Namíbia) e a Dedini Indústria de Base S/A (que vendeu ao
Sudão, em 2008, a primeira usina de etanol instalada naquele país). Destaque-se, ainda, o
consórcio brasileiro formado pela ELETROBRAS, Furnas, Odebrecht e Engevix, para a
assinatura de contrato com os governos da Namíbia e de Angola, para estudo de viabilidade
de aproveitamento hidrelétrico em Baynes, no rio Cunene. Esse nível de presença empresarial
brasileira na África foi possível graças a acordos diplomáticos que resultaram na assinatura de
oito instrumentos legais, entre 2003-2010, para o estabelecimento de cooperação no setor
energético339.
Essa dimensão econômica da política africana do governo Lula, integra aquilo que
Amado Cervo chama de “paradigma logístico”, segundo o qual o governo abandona a
ortodoxia liberal e a respectiva confiança na capacidade do livre mercado ser provedor do
desenvolvimento por si só. A prevalência da ideia do Estado mínimo (ou “Estado normal”) e
da abertura econômica cede lugar à percepção do Estado como agente do desenvolvimento,
regulador do mercado e indutor de políticas públicas que direcionem a economia nacional de
forma a superar gargalos estruturais que entravam o crescimento econômico340.
Nesse movimento, a política de comércio exterior ao invés de fixar-se nas economias
de mercado que figuram como centro econômico mundial (o eixo EUA-Europa-Japão),
avança no sentido de aproximar-se de países emergentes, apresentando positiva, embora lenta,
progressão no sentido de internacionalização econômica das empresas nacionais – como Vale
do Rio Doce, PETROBRAS, etc. Esse paradigma, esboçado ainda durante o governo
Cardoso, diante do “malogro das experiências neoliberais latino-americanas”, foi posto em
prática de fato pelo governo Lula. Assentado sobre a associação entre liberalismo e
desenvolvimentismo, sua finalidade é a superação de assimetrias pela “elevação do patamar
nacional ao nível das nações avançadas”341. Essa seria uma perspectiva propositiva que visa
reformular o desenvolvimentismo, adequando-o à realidade do cenário internacional do pós-
Guerra Fria.

339
Ibidem.
340
CERVO (2008), Op. cit., p. 67-89.
341
Ibidem, p. 86.
152

3.2.1 Exportação e desenvolvimento econômico: contradições do modelo brasileiro

A forma de atuação do Estado, em termos de ampliar o movimento de exportação


nacional, parte da constatação da superação da fase desenvolvimentista, que se concentrava
no mercado interno, e identifica a necessidade de projetar a internacionalização da economia
(industrialização voltada para fora). Nessa dinâmica, o Estado empresário
(desenvolvimentista) cede lugar à iniciativa privada e passa a prestar “apoio logístico” ao
processo, cuja linha de ação estratégica é direcionada aos países emergentes. Essa ideia do
“Estado logístico” aproxima-se daquilo que Bresser Pereira denomina de “novo
desenvolvimentismo”342.
O “novo desenvolvimentismo” é tanto um rompimento com a “ortodoxia
convencional” (chamada por alguns de “neoliberalismo”) quanto uma reformulação do
desenvolvimentismo sob outras bases. O “novo desenvolvimentismo” difere do “nacional-
desenvolvimentismo” da ISI dos anos 60-70, na medida em que, enquanto este último entende
o Estado como tendo papel central (em investimento em empresas e “poupança forçada”),
defende o protecionismo e se volta para o mercado interno, além de tolerar altas taxas de
inflação, o “novo desenvolvimentismo”, por sua vez, entende que o Estado tem papel
subsidiário (mas importante), incentiva a exportação a partir de perspectiva sensata (ao invés
de se ater ao mercado interno) e propugna metas fiscais rigorosas com forte controle
inflacionário343.
Em comparação com a “ortodoxia convencional”, ocorre uma mudança em termos de
estratégia de desenvolvimento. O projeto liberalizante vigente nos anos 90 propugnava
reformas para reduzir o Estado e fortalecer o mercado (em que o Estado perdia prerrogativas
na política industrial e em termos de investimento), priorizando a valorização do mercado
(sem estratégias nacionais de desenvolvimento e/ou prioridades setoriais). Os principais
problemas do modelo seriam: abertura de conta de capitais, aumento da poupança externa
(como principal forma de financiar investimentos) e descontrole cambial.
Ao criticar a “ortodoxia convencional” como sendo uma “ideologia exportada para os
países em desenvolvimento; uma antiestratégia nacional” que, de fato, “atende os interesses
dos países em neutralizar a capacidade competitiva” das nações que adotam o modelo

342
PEREIRA, Bresser. “Novo desenvolvimentismo e ortodoxia convencional”. In: DINIZ, Eli (org.). Globalização, Estado e
desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo milênio. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 63-96.
343
Ibidem, p. 88.
153

liberalizante, Bresser Pereira aponta que a aplicação dessa ortodoxia nos países latino-
americanos ocasionou crise de balanço de pagamentos e baixo crescimento. Em sua
percepção, urge a necessidade de fortalecer o Estado fiscal e oportunizar a capacidade
competitiva internacional das empresas nacionais. Conforme suas palavras: “para alcançar o
desenvolvimento é essencial aumentar a taxa de investimento e orientar a economia para as
exportações”, condicionando investimentos à diminuição da taxa de juros ancorada a uma
taxa de câmbio competitiva344.
Assim, diferente da “ortodoxia convencional”, a estratégia de crescimento econômico
do “novo desenvolvimentismo” propugna reformas para fortalecer o Estado (que adquire
papel moderado no investimento e na política industrial), priorizando a elaboração de uma
estratégia nacional para o desenvolvimento (ao invés de confiança excessiva na capacidade do
mercado em prover o desenvolvimento), com controle de conta de capitais sempre que
necessário, incentivo prioritário às exportações e crescimento econômico ancorado em
investimento e poupança interna. Dois aspectos devem ser ressaltados nesse sentido: a ideia
de “estratégia nacional de desenvolvimento” e a valorização do “modelo exportador”.
Fundamentada no Estado (em termos de normas e instituições) a “estratégia nacional
de desenvolvimento” não é um documento com diretrizes ou uma ideologia a ser seguida, mas
é “um conjunto de instituições e políticas orientadas para o desenvolvimento econômico”, que
representa um “acordo entre as classes” definido em termos de um “consenso que una
empresários do setor produtivo, trabalhadores, técnicos do governo, e classes médias
profissionais”. Esse consenso é dado pela compreensão de que a globalização é “um sistema
de intensa competição entre Estados nacionais”, o que faz com que seja necessário “dar
condições às empresas nacionais para serem competitivas internacionalmente” 345.
Articular os interesses sociais e criar condições institucionais, fiscais, jurídicas e
logísticas para que as empresas nacionais se tornem competitivas, é o papel do Estado no
processo. O Estado é essencial em sua capacidade normativa e mobilizadora, criando
diretrizes e planos de ação que refletem o interesse nacional. Nesse sentido, ao invés de optar
pela abertura econômica e confiança no mercado, o Estado deveria adotar estratégia de
desenvolvimento que gere a transição do “modelo substituidor de importações” para o
“modelo exportador”. Segundo esse modelo, os países em desenvolvimento estabelecem o

344
Ibidem, p. 80-81.
345
Ibidem, 82-83.
154

incentivo à exportação de produtos manufaturados ou produtos primários de alto valor


agregado como estratégia central de crescimento econômico.
No “modelo exportador” o Estado age no sentido de garantir a concorrência nos
setores onde haja competitividade e, assim, ao invés de ser um investidor, abre espaço para a
iniciativa privada regulando o mercado de forma positiva. Ao mesmo tempo, o Estado não
deve ser protecionista, visto que deve valorizar o mercado internacional ao invés do mercado
interno e, além disso, deve conferir importância crucial à manutenção de uma taxa de câmbio
competitiva (baixa e não sobreapreciada), para estimular o desenvolvimento e evitar a
desindustrialização346.
O controle da taxa de câmbio ocorre no sentido de evitar que a manutenção de uma
taxa de câmbio (sobreapreciada) favorável a exportação de produtos de baixo valor agregado
(commodities, a exemplo do petróleo) acabe desestimulando a produção industrial de alto
valor agregado em vista da baixa lucratividade (a chamada “doença holandesa”). Conforme
Bresser Pereira, a “taxa de câmbio é competitiva quando torna a demanda externa acessível
para empresas que utilizem tecnologia no estado da arte mundial”. Por outro lado, a tendência
à sobreapreciação da taxa de câmbio pode se tornar cíclica quando conjugada a um fator
externo: a política de atrair capitais externos com a manutenção de taxa de juros elevadas,
para financiar déficit em conta corrente. Nesse caso, surge um problema estrutural que entrava
o crescimento econômico347.
O modelo econômico brasileiro encontra, nesse aspecto, um ponto nodal. Tendo
surgido no contexto dos anos 90, da crise cambial, do surto inflacionário e do descontrole da
taxa de juros, a política econômica que emergiu com a implantação do Plano Real em 1994,
apesar de ter superado a crise por que passava a economia nacional, possui contradição
estrutural que entrava o crescimento econômico socialmente desejado. Conforme Fabrício
Oliveira e Paulo Nakatani, a prioridade conferida (pelo modelo econômico adotado) à
estabilidade monetária e ao controle da dívida, dada em termos de metas de inflação e
controle da relação dívida/PIB, encapsulam o crescimento econômico. Isso se deve ao fato de
que os instrumentos para garantir as metas de inflação e o controle da dívida são: a
manutenção de elevadas taxas de juros, o aumento da carga tributária e o corte de gastos
públicos em setores produtivos infraestruturais. Conjugados, estes incorrem na redução do

346
Ibidem, p. 85.
347
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. “Uma escola de pensamento keynesiano-estruturalista no Brasl?”. Revista de Economia
Política, vol. 31, nº 02, abr.-jun. 2011, p. 305-314. Disponível em: www.scielo.br/pdf/rep/v31n2/08.pdf. Acesso em: 05 ago.
2011.
155

lucro de investimentos privados e no retraimento do mercado interno, o que inibe o


crescimento econômico348.
Essa contradição foi permanente no governo Lula, o que caracteriza um paradoxo em
termos de comparação entre sua política externa e doméstica. De acordo com Maria Regina S.
de Lima, o governo Lula apresentou, em relação ao governo antecessor, uma mudança de
perspectiva, “na visão de ordem internacional”, defendendo a ideia de movimento contra-
hegemônico. Entretanto, combinou uma “política externa heterodoxa” (a estratégia
autonomista) com uma “política econômica ortodoxa”349. De fato, a política econômica do
governo Lula origina-se no governo Cardoso.
Ao longo do mandato presidencial de Cardoso (1995-2002), o Brasil passou por
choques externos e crises cambiais que colocaram em risco a estabilização, mas foram
superados, caracterizando a solidez do processo. Durante o primeiro mandato de Cardoso, a
política de valorização cambial adotada de forma prolongada, provocou desequilíbrio externo,
deterioração das contas e baixas taxas de crescimento econômico, devido à necessidade de se
manterem as taxas de juros elevadas para atrair investimento estrangeiro.
A crise cambial deflagrada foi superada no segundo mandato pela reformulação da
política macroeconômica, que passou a ser baseada no tripé câmbio flutuante, metas de
inflação e superávit primário. Além disso, fatores positivos como a melhora do desempenho
fiscal e do setor externo não geraram crescimento econômico a taxas elevadas. Pelo contrário,
o país passou por crises econômicas mundiais (crise mexicana, asiática e russa) que afetaram
o desenvolvimento econômico nacional. Tornou-se evidente a fragilidade nacional em termos
de infraestrutura, que ainda necessita de resolução350.
A partir de 2003, iniciou o governo Lula que manteve a política econômica da gestão
anterior (o tripé) e, além disso, apresentou o saldo positivo dos superávits comerciais, do
crescimento do fluxo de comércio e a melhora dos indicadores externos. Contudo, o esperado
crescimento econômico em níveis satisfatórios, de fato, não ocorreu. Um elemento a ser
destacado no governo Lula foi o aprofundamento da implementação de políticas
compensatórias, como forma de reduzir a pobreza, redistribuir a renda nacional e dinamizar o
mercado interno. Todavia, o fraco desempenho no que tange ao crescimento econômico

348
OLIVEIRA, Fabrício Augusto de; NAKATANI, Paulo. “A economia brasileira sob o governo Lula: resultados e
contradições”. Fórum Mundial das Alternativas, Quito, Equador, fev. 2008. Disponível em:
http://www.forumdesalternatives.org/docs/economia_brasileira_sob_governo_lula.pdf. Acesso em: 05 ago. 2011.
349
LIMA (2005), Op. cit., p. 24-59.
350
Cf.: GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELLOS, Marco Antônio Sandoval de; TONETO JR., Rudinei. Economia
Brasileira Contemporânea. São Paulo: Ed. Atlas, 2009, p. 447-489.
156

sustentável persistiu, o que pode ser tributário tanto à excessiva preocupação com a
estabilização monetária quanto com a manutenção das altas taxas de juros (que desestimulam
o investimento), pois sempre que o crescimento é sinalizado, pressões inflacionárias forçam a
elevação da taxa de juros em nome da estabilidade cambial351.
Apesar destas questões estruturais, no governo Lula algumas melhoras no desempenho
fiscal e no comércio exterior confluíram na elevação dos superávits primários, indicando a
possível reversão do endividamento público. Portanto, a estabilização se consolidou, mas
permaneceu a necessidade de retomar o crescimento econômico e aumentar o nível de
investimentos no país. Por seu turno, a atuação externa do Estado, durante o governo Lula, se
deu de forma logística, congregando interesses sociais diversos em prol da inserção
econômica internacional competitiva. Logrou, com isso, aumento do fluxo de comércio e
maiores ganhos em termos de comércio exterior.
A expansão do empresariado nacional e a ampliação e diversificação da pauta de
exportação foi uma prioridade do governo, o que convergiu com a perspectiva do “novo
desenvolvimentismo”. Entretanto, os problemas estruturais que compuseram a política
macroeconômica brasileira (a manutenção de juros elevados e a preocupação excessiva com a
estabilização monetária) inibiram o crescimento e dificultam um maior aproveitamento dos
ganhos em comércio exterior para a economia nacional. Isso ocorre devido à carência em
investimentos produtivos que elevassem o nível de competitividade internacional da indústria
brasileira. Os limites estruturais inerentes à economia brasileira acabaram por criar barreiras
ao pleno aproveitamento que o mercado africano representa para a expansão produtiva
nacional.

3.2.2 Potencialidade do mercado africano para o Brasil

Um indicativo do aprofundamento das relações Brasil-África é o expressivo aumento


do fluxo de comércio (soma de exportação mais importação). Em 2002 a corrente de comércio
com a África Subsaariana somava US$ 5 bilhões, enquanto que em 2008 (auge do processo, já
que 2009 sofreu impacto da crise econômica mundial) girava em torno de US$ 25,93 bilhões

351
O problema estrutural se encadeia de forma lógica. A volatilidade do crescimento dos juros acaba retraindo o investimento
do empresariado na expansão da capacidade produtiva, o que limita o crescimento da produtividade. Outro fator a inibir o
investimento é a elevada carga tributária (que reduz a capacidade de poupança e investimento do setor privado), além da
baixa poupança pública (apesar da alta arrecadação, fatores como o aumento de gastos com o setor previdenciário e as
vinculações que impedem a redução dos gastos, como educação e saúde, impedem o crescimento da poupança) e da redução
do investimento público em setores prioritários (que se reflete no estrangulamento nos setores de infra-estrutura fundamentais
ao crescimento econômico: energia, transporte, saneamento). (Cf.: Ibidem, p. 490-502)
157

(quintuplicou, portanto). Em 2010 esse número já era da ordem de US$ 20,55 bilhões (em
2009 foi de US$ 17,15 bilhões). No período 2002-2008, as exportações, por exemplo,
saltaram de US$ 2,63 bilhões para US$ 10,16 bilhões, enquanto que as importações evoluíram
de US$ 2,67 bilhões para US$ 15,76 bilhões352. Em 2011 os números do comércio exterior,
entre o Brasil e países africanos, apresentaram continuidade no ritmo de crescimento (o fluxo
de comércio registrou um total de US$ 27,66 bilhões), o que demonstra amadurecimento e
estabilidade do processo (o gráfico 4 permite visualizar a evolução do comércio Brasil-África
no período).

Gráfico 4 - Evolução do fluxo de Comércio Brasil-África (2002-2011)

Fonte: adaptado a partir de dados do MDIC.

Ao tratar do âmbito comercial da dimensão africana da política externa de Lula, Valter


Pomar indica que mesmo “criticado pela oposição como inútil, dispersivo e ideológico, este
esforço multilateral [duas cúpulas envolvendo América do Sul e África] tem colaborado na
ampliação e diversificação do comércio internacional do Brasil”353. O próprio crítico da
política econômica do governo, Carlos Alberto Sardenberg, não deixou de notar o fato de que
o “Brasil conseguiu elevar fortemente suas exportações [no período 2002-2008], que
trouxeram os dólares com os quais o Banco Central fortaleceu suas moedas”, mas não deixa
de pontuar que, apesar de Lula creditar o evento como “resultado de sua diplomacia”, o fato
seria tributário a um fenômeno de conjuntura favorável aos países periféricos, pois “aconteceu

352
Dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, disponível no site:
www.desenvolvimento.gov.br. Acesso em: 10 jan. 2011.
353
POMAR, Valter, Op. cit.
158

a mesma coisa com os bons emergentes”354. O fato, porém, é que o saldo econômico foi
positivo ao ponto de a crise internacional não desestabilizar a economia nacional no período,
como se temia.
As críticas direcionadas à política externa de Lula da Silva, surgidas principalmente
em 2006 – por ocasião da campanha à sucessão presidencial daquele ano, que colocou a
atuação internacional brasileira em debate –, se davam no sentido de demonstrar que a
proposta diplomática do governo Lula, envolta por uma ideologia partidária, cometia um erro
de cálculo estratégico ao valorizar mais as relações com países periféricos do que com os
pertencentes ao centro da “estrutura hegemônica”. Os pontos negativos levantados ao longo
do ano eleitoral de 2006 (referentes ao primeiro mandato presidencial de Lula), tinham por
foco o erro econômico e comercial em privilegiar a cooperação Sul-Sul, e chamavam atenção
para o abandono das relações com países desenvolvidos355.
Não obstante as críticas ao aparente afastamento das economias de mercado356, o que
se verificou de fato foi a ampliação e diversificação do comércio internacional do Brasil. Por
outro lado, o reforço das relações com países emergentes e em desenvolvimento aumentou o
prestígio internacional do país, elevou a pauta e volume de exportações e não deixou de
aprofundar as relações diplomáticas com os países “do Norte”. A reeleição de Lula e os
resultados de sua política externa (reforçados pela relativa tranquilidade com que o Brasil
atravessou a crise econômica mundial de 2008) oportunizaram o aprofundamento das
diretrizes externas traçadas.
A expansão das exportações, logo nos primeiros anos do governo Lula, foi um dos
fatores elencados pelo senador petista, Aloísio Mercadante, que contribuíram para a redução
da vulnerabilidade externa do Brasil. Conforme Mercadante, a diversificação de mercados que
favoreceu a expansão das exportações, resultou do “intercâmbio com o Mercosul e a América
Latina em geral e ampliação das relações comerciais com a China, a Rússia, a Índia, a África
do Sul e países do Oriente Médio”, sendo que os maiores parceiros econômicos do Brasil
seriam EUA, Argentina e China357.

354
SARDENBERG, Carlos Alberto. “Lula = FHC+China”. O Globo. “Opinião”. 17 jun. 2010, p. 06.
355
Cf.: MAPA, Dhiego de Moura. “Inserção internacional no governo Lula: interpretações divergentes”. In: Revista Política
Hoje, vol. 19, nº 01, 2010. Disponível em: www.ufpe.br/politicahoje/index.php/politica/article/download/67/40. Acesso em:
02 mar. 2011.
356
Cf.: VIOLA, Eduardo. “A diplomacia da marola”. Primeira Leitura, nº 50, abril 2006, p. 90-93. Disponível em:
http://www.imil.org.br/artigos/a-diplomacia-da-marola/. Acesso em: 23 mai. 2009.
357
MERCADANTE, Aloísio. Brasil: primeiro tempo – análise comparativa do governo Lula. São Paulo: Ed. Planeta do
Brasil, 2006, p. 49.
159

O crescimento das exportações brasileiras se manteve constante entre 2003-2010, com


breve interregno entre 2008-2009, por conta da crise econômica mundial, mas já em 2010
sinalizou recuperação, cuja consolidação se comprovaria em 2011. No período 2003-2005, os
maiores mercados para os produtos brasileiros foram EUA, Argentina e China, conforme
sinalizado por Mercadante. Essa tendência se manteria ao longo do governo Lula com
algumas variações358. Foi a relação comercial do Brasil com essas regiões, e a ampliação com
áreas emergentes (principalmente África do Sul e Índia) que renderam superávit comercial ao
Brasil no período. Nesse sentido, o crescimento do fluxo de comércio com o continente
africano acompanhou tendência geral. Teve, entretanto, o mérito de alcançar patamares bem
superiores aos anos anteriores. A tabela 6 permite acompanhar os dados do comércio Brasil-
África no período.

Tabela 5 - Evolução do comércio Brasil-África (2002-2011)


EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO RESULTADOS
ANO Valor Var. Part. Valor Var. Part. Saldo
Intercâmbio
(US$ Mil) (%) (%)* (US$ Mil) (%) (%)* (US$ Mil)
2002 2.363.341 18,82 3,91 2.675.613 -19,67 5,66 -312.272 5.038.953
2003 2.862.004 21,10 3,91 3.291.175 23,01 6,81 -429.171 6.153.179
2004 4.247.699 48,42 4,39 6.183.473 87,88 9,84 -1.935.774 10.431.172
2005 5.981.354 40,81 5,05 6.656.665 7,65 9,04 -675.311 12.638.018
2006 7.455.879 24,65 5,41 8.110.811 21,84 8,88 -654.932 15.566.691
2007 8.578.222 15,05 5,34 11.346.725 39,90 9,41 -2.768.503 19.924.947
2008 10.169.567 18,55 5,14 15.761.124 38,90 9,11 -5.591.557 25.930.691
2009 8.692.380 -14,53 5,68 8.465.582 -46,29 6,63 226.798 17.157.962
2010 9.261.600 6,55 4,59 11.297.252 33,45 6,22 -2.035.652 20.558.851
2011 12.224.793 31,99 4,77 15.436.237 36,64 6,82 -3.211.445 27.661.030
*Part.: participação no total brasileiro
Fonte: adaptado a partir de dados do MDIC.

É possível perceber, pelos dados do comércio Brasil-África, que entre 2003-2010, a


participação da exportação e importação, no total brasileiro, foi relativamente baixa, apesar de
apresentar crescimento notável. Em 2003 as exportações para a África evoluíram de 3,91%
das exportações nacionais totais para 5,68% em 2009 (o máximo da série histórica). As
importações saltaram de 6,81% do total nacional para 9,84% entre 2003-2004, mantendo-se
sempre próxima de 9% por ano até 2008, quando os números comerciais sofrem influxo da

358
Entre 2005 e 2010, o volume de exportações brasileiras para os EUA variaram de 19,02% do total geral (em 2005) para
9,56% do total geral (em 2010). No mesmo período, as exportações para a Argentina variaram de 8,38% (2005) para 9,17%
(2010). As exportações para a China, por sua vez, cresceram de 5,77% do total geral (2005) para a marca de 15,25% do total
geral (2010). Percebe-se que, ao longo do governo Lula, o maior destino das exportações brasileiras mudou dos EUA para a
China, e a Argentina permaneceu como maior destino das exportações entre os países do entorno regional. (Dados obtidos no
site do MDIC. Disponível em: http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=3385&refr=576.
Acesso em: 09 mar. 2012)
160

crise econômica mundial. O gráfico 5 permite visualizar o grau de participação da corrente de


comércio Brasil-África no total geral brasileiro.

Gráfico 5 - Participação da corrente de comércio Brasil-África no total geral brasleiro

Fonte: adaptado a partir de dados do MDIC.

Pode-se notar que, mesmo apresentado altos índices de crescimento, a corrente de


comércio Brasil-África acompanhou a tendência global do processo e é apenas pequena
fração do total geral do comércio exterior brasileiro. O crescimento global do comércio
exterior do Brasil está ancorado à relação com grandes mercados como EUA e China,
principalmente, além de mercados emergentes como Índia e África do Sul. O Plano Plurianual
(PPA) 2004-2007 reflete bem esse processo. Ao destacar que um dos objetivos do projeto de
desenvolvimento nacional é a “redução da vulnerabilidade externa através da expansão de
atividades competitivas que viabilizem esse crescimento sustentado”, o PPA 2004-2007
atenta para a necessária definição de prioridades em vista de os recursos disponíveis serem
limitados. Conclui-se, assim, que as políticas econômicas adotadas deveriam ter por
prioridade “o fortalecimento das exportações e da substituição competitiva de importações e
conquista de mercados internacionais, o que requer o fortalecimento do sistema financeiro e
dos mecanismos de financiamento”359. Essa diretriz orientaria a ação diplomática de fomento
ao comércio exterior da seguinte forma:

A diversificação e ampliação da pauta de comércio exterior e dos mercados internacionais


exigirão intensa diplomacia comercial; será dada prioridade ao Mercosul e à integração
econômica do continente sul-americano e papel proeminente na Organização Mundial do
Comércio e na busca de equilíbrio na Área de Livre Comércio das Américas e nas

359
PLANO PLURIANUAL 2004-2007. Orientação estratégica de governo um Brasil para todos: crescimento sustentável,
emprego e inclusão social. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Disponível em:
www.defesanet.com.br/docs/ppa_2004_2007.pdf. Acesso em: 03 nov. 2011.
161

negociações Mercosul - União Européia; serão construídas sólidas relações bilaterais com
países de importância regional, como Índia, China e Rússia. No âmbito das finanças
internacionais, se dará apoio à construção de uma nova arquitetura financeira que reduza a
volatilidade dos fluxos de capitais e seus efeitos360.

A ação do “Estado logístico”, portanto, procurou manter os vínculos comerciais com


as economias de mercado, ampliando o raio de atuação comercial para os grandes mercados
emergentes. Os recursos limitados, sinalizados no PPA 2004-2007, dizem respeito tanto à
capacidade produtiva nacional, quanto à disponibilidade de financiamento, que a ampliação
da exportação demanda.
O PPA 2008-2011 ampliaria o escopo de atuação nacional para o âmbito da
diversificação de parcerias da cooperação Sul-Sul, em que “o incremento das relações com a
África e a aproximação com o mundo árabe são iniciativas importantes para o adensamento
do diálogo político, do comércio e dos investimentos entre países em desenvolvimento”.
Entretanto, a área de inserção econômica e comercial prioritária é o entorno regional, os
grandes mercados emergentes e o eixo EUA-Europa-Japão. Os números do comércio exterior
apresentados pelo documento demonstram isso: “empresas brasileiras exportam desde
commodities até produtos de alta tecnologia. Do total das exportações, 18% vão para os
Estados Unidos (EUA), 10% para o Mercosul, 22% para a União Européia (UE) e 15% para a
Ásia”361.
Portanto, pode-se argüir: qual a relevância da África em termos de ampliação do
comércio exterior do Brasil? A importância dos países africanos está na potencialidade de
absorção de produtos industriais brasileiros de alto valor agregado, podendo contribuir para a
conformação do “modelo exportador”, conforme preconizado por Bresser Pereira. O gráfico 6
ajuda a compreender a questão.

360
Ibidem.
361
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos.
Plano plurianual 2008-2011: projeto de lei. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Secretaria de
Planejamento e Investimentos, 2007. Disponível em:
http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/spi/plano_plurianual/PPA/081015_PPA_2008_mesPres.pdf.
Acesso em: 03 nov. 2011.
162

Gráfico 6 - Evolução do total exportado pelo Brasil à África por valor agregado.

Fonte: adaptado a partir de dados do MDIC.

Conforme se pode perceber pelo gráfico 6, o mercado africano tende a absorver maior
volume de produtos manufaturados do que produtos básicos e/ou semimanufaturados. Entre
2003-2008, do total da exportação brasileira para a África, manteve-se uma média de mais de
60% de produtos industrializados. Após a crise econômica mundial de 2008, esse percentual
variou para 57,66% em 2009 e 48,05% em 2010, voltando a apresentar crescimento em 2011.
Além disso, conforme os dados da tabela 6, após 2008, enquanto a participação das
importações oriundas da África variou de 9,11% para 6,63% do total brasileiro, entre 2008-
2009, as exportações mantiveram-se acima dos 5% no mesmo período, o que demonstra a boa
absorção dos produtos industriais brasileiros que o mercado africano representa.
Uma alternativa estratégica a ser adotada pela diplomacia brasileira para desenvolver
esse potencial comercial com a África, dentro dos marcos da própria forma de inserção
econômica por meio de parceiros seletivos (mercados emergentes), seria aprofundar ainda
mais as relações comerciais com África do Sul, Angola e Nigéria, como pontos-chave na
ampliação do comércio exterior. Conforme Cláudio O. Ribeiro, isso se deve ao fato de que
juntos, estes três países representam 48% do total das exportações brasileiras para a África e
53% das importações brasileiras oriundas da África. Somente África do Sul e Nigéria, juntas,
corresponderam a 82% dos valores exportados pelo Brasil ao continente, entre 2003 e 2005.
Além disso, o Brasil manteve saldos comerciais positivos com Angola e África do Sul no
longo período de 1985-2005. Com a Nigéria, o Brasil mantém relevante intercâmbio
163

comercial, já que importa o petróleo do país362. O petróleo, em si, confere às relações do


Brasil com esses vizinhos oceânicos do Atlântico Sul importância estratégica de grande
envergadura.
Em conformidade com as projeções do presidente da PETROBRAS (empresa de
notória dimensão naval petrolífera), José Sérgio Gabrielli, o “Atlântico Sul será um novo
centro produtor importante e, portanto, vai chamar uma atenção sem precedentes”. A
percepção empresarial da PETROBRAS é privilegiada, visto sua expansão e presença em
águas profundas do Brasil, Angola, Nigéria, Namíbia, Portugal, etc. Uma das questões
centrais no que tange ao setor petrolífero, é o transporte naval dos barris de petróleo. A rota
do Atlântico Sul passa, primeiro, pelo leste da África, rumo ao Oriente Médio. A pirataria (no
Quênia e na Somália) desviaram a rota mais para leste, dificultando o trajeto, motivo pelo
qual “o grande desafio, hoje, em termos de segurança de nossa frota, envolve, portanto os
navios em direção ao Golfo Pérsico”. O perigo da rota do Golfo, as projeções de crescimento
da produção petrolífera brasileira em vista da exploração da camada pré-sal e o aumento das
exportações, reforçam a percepção de que o “Atlântico Sul se tornará uma fonte importante e
vai suprir os mercadores”363.
A situação ganha novos contorno, conforme salienta Eli Alves Penha, em vista do
interesse das grandes potências pelo Golfo da Guiné (bacia econômica da costa ocidental da
África, rica em petróleo, partilhada por Costa do Marfim, Gana, Togo, Benin, Nigéria,
Camarões, Guiné Equatorial e Gabão). A presença comercial agressiva da China, e a presença
militar norte-americana (a criação do United States África Command, AFRICOM, em 2007, e
o relançamento da IV Frota no Atlântico, em 2008) são um demonstrativo da relevância
geopolítica do Atlântico Sul364. Portanto, a aproximação comercial com países africanos
produtores de petróleo no Atlântico Sul é importante tanto do ponto de vista econômico
quanto no que tange a questões geoestratégicas. As relações com Nigéria, Angola e África do
Sul se inserem, logicamente, nessa dinâmica.
Esse aspecto se dá principalmente na Nigéria, onde a PETROBRAS realiza atividades
desde 1998, no Delta do Rio Níger, e atua como operadora no bloco OPL 315 (desde
fevereiro de 2006) e como não operadora nos campos de Agbami (desde julho de 2008) e
Akpo (a partir de março de 2009). O campo de Agbami foi desenvolvido em conjunto com
362
RIBEIRO, Op. cit., p. 281-314.
363
GABRIELLI, José Sérgio. “O Atlântico Sul e a costa ocidental da África: os interesses brasileiros e a questão energética”.
In: JOBIM, Nelson A.; ETCHEGOYEN, Sergio W.; ALSINA, João Paulo (org.). Segurança Internacional: Perspectivas
Brasileiras. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2010, p. 539-544.
364
Cf.: PENHA, Op. cit..
164

parceiros como Chevron (Operadora), Statoil, Famfa e NNPC365. Por sua vez, as relações
brasileiras com Angola e África do Sul apresentam alguns dados interessantes.
No caso das relações comerciais com Angola, chama atenção o fato de que, a partir de
2005, houve um crescimento notável no volume de exportações brasileiras, que saltou de US$
371,6 milhões em 2004, para US$ 725,3 milhões em 2005 – que se deve, em grande medida,
ao aporte de investimentos implementados pelo BNDES a partir de 2005. Ao observar a
tabela 5, é possível visualizar, também, que a partir de 2005, as exportações para África
ultrapassam os 5% na participação do total geral brasileiro. Em 2007, o volume de
exportações para Angola cresceriam ainda mais, chegando a US$ 2.149,9 milhões (vide
gráfico 7)366.

Gráfico 7 - Exportações brasileiras para Angola (US$ milhões)

Fonte: adaptado a partir de dados do MDIC.

Esse crescimento comercial foi acompanhado de forte presença empresarial brasileira


em Angola. As empresas brasileiras com atuação em Angola no período são: a COPASA
(Companhia de Saneamento de Minas Gerais), a PETROBRAS (que passou a ter direito de
exploração e produção sobre o país em 2006), a Odebrecht, a Camargo Corrêa, o Boticário
(que em 2006 abriu três lojas em Angola e três na África do Sul), a Livraria Nobel (que

365
INVESTIMENTO DIRETO BRASILEIRO NA NIGÉRIA. MRE, Departamento de Promoção Comercial e Investimentos.
Disponível em: http://www.brasilglobalnet.gov.br/Internacionalizacao/frmApresentacao.aspx. Acesso em: 05 nov. 2011.
366
MRE. ANGOLA. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/temas-politicos-e-relacoes-bilaterais. Acesso em: 10
jul. 2010.
165

inaugurou a exploração da área de mercado editorial que inexistia no país), o Grupo


ASPERBRAS (com projetos de implantação de sistemas de irrigação, construção de redes elétricas e
adutoras de água, gestão de fazendas para cultivo de milho, feijão e soja), a Transbras Imóveis, a
ASPERBRAS Veículos (representante da Volkswagem em Angola), além de algumas empresas de TI
(Tecnologia da Informação)367.
Na África do Sul, a análise detalhada da composição do comércio Brasil-África do Sul,
permite perceber a prevalência da exportação de produtos brasileiros de alto valor agregado. Os dados
sobre as exportações, por principais produtos e grupos de produtos, indicam que, no período 2006-
2008, a exportação brasileira de veículos, automóveis, tratores e ciclos, manteve a média de mais 30%
do total dos produtos brasileiros exportados, enquanto que o grupo composto por caldeiras, máquinas,
aparelhos e instrumentos mecânicos manteve média de mais de 10% do total, no mesmo período368.
Destaca-se, nesse quesito, a atuação da empresa Marcopolo (fabricante de carrocerias para ônibus)
no país, que em 2009 venceu licitação para fornecimento de 143 ônibus a Johanesburgo369.
Os casos nigeriano, angolano e sul-africano demonstram, empiricamente, a forma
como que o esforço em ampliar as relações comerciais brasileiras com a África se reverteu em
dados positivos à expansão das exportações nacionais e ao processo de internacionalização
das empresas brasileiras. A abertura à atuação das empresas nacionais e o saldo de comércio
exterior favorável aos produtos de alto valor agregado foram ganhos apresentados nas
relações comerciais Brasil-África, cuja viabilidade se fez notória nos casos apontados.
A potencialidade de absorção produtiva do mercado africano é reforçada pela forte
presença chinesa no continente, que graças ao seu virtuoso crescimento econômico, apresenta
fluxo de comércio modelar com os países africanos. Portanto, a África é um mercado aberto e
importante para a exportação de produtos de alto valor agregado. No caso brasileiro, o baixo
aproveitamento desse potencial resulta menos da capacidade africana de absorção e mais da
dificuldade brasileira em alavancar um crescimento econômico sustentável baseado em
investimento produtivo e tecnológico. Assim, o maior aproveitamento das oportunidades que

367
INVESTIMENTO DIRETO BRASILEIRO EM ANGOLA. MRE, Departamento de Promoção Comercial e
Investimentos. Disponível em: http://www.brasilglobalnet.gov.br/Internacionalizacao/frmApresentacao.aspx. Acesso em: 05
nov. 2011.

368
MRE. ÁFRICA DO SUL. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/temas-politicos-e-relacoes-bilaterais.
Acesso em: 10 jul. 2010.
369
INVESTIMENTO DIRETO BRASILEIRO NA ÁFRICA DO SUL. MRE, Departamento de Promoção Comercial e
Investimentos. Disponível em: http://www.brasilglobalnet.gov.br/Internacionalizacao/frmApresentacao.aspx. Acesso em: 05
nov. 2011
166

os países africanos oferecem para a expansão industrial e comercial brasileira parece depender
da superação das contradições macroeconômicas do modelo brasileiro.
A comparação com a forma de atuação chinesa exemplifica a questão. No processo de
internacionalização das empresas chinesas o apoio do Estado é fundamental, condicionado
por fortes investimentos produtivos governamentais e metas de longo prazo. No Brasil, por
outro lado, os poucos casos de internacionalização que lograram êxito, resultam de iniciativas
das próprias empresas, que já possuíam forte capital, em vista da ausência de uma política
nacional de apoio ao surgimento de multinacionais brasileiras370.
O processo de internacionalização das empresas brasileiras é recente e tem início com
a abertura da economia nacional ao mercado internacional no bojo dos processos
liberalizantes dos anos 90. A dinâmica de internacionalização, nessa conjuntura, apresentava
aspecto mais comercial. Todavia, a partir de 2003, o processo de internacionalização mudou a
dinâmica e as empresas nacionais passaram a se esforçar na implantação de complexos
industriais no exterior. O interesse das firmas deixou de ser o caráter comercial e passou a ser
o aspecto produtivo (o capital produtivo). O aumento dos investimentos governamentais no
setor foi esboçado em 2002 (com a criação do programa para o Financiamento a
Empreendimentos, FINEM) e posto em prática efetivamente a partir de 2005 (com o aporte
financeiro do BNDES)371.
O aumento do fluxo de IED do Brasil no exterior, que resultou do aporte
governamental, passou a atuar como fonte de criação de unidades produtivas ao invés de
servir como instrumento do comércio internacional e da exportação. Mesmo não apresentando
uma política específica para o processo de internacionalização das firmas brasileiras, o apoio
fornecido por agências de governo, como a APEX (Agência Brasileira de Promoção de
Exportação e Investimentos) e a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial),
aliada à boa situação econômica nacional no período (estabilidade macroeconômica),
favoreceram a expansão das empresas nacionais para outros países.
A América Latina (principalmente Argentina, Chile e Uruguai), recebeu o maior
número de multinacionais brasileiras e o maior volume de IED do Brasil, o que se deve a
fatores como proximidade geográfica, abundância de recursos naturais e existência de acordos
comerciais que facilitaram o processo. Trata-se de uma primeira etapa do processo de

370
MÓDOLO, Débora Bellucci. “Um Estudo Comparativo da Internacionalização das Empresas Brasileiras, Chinesas e
Indianas”. XV Encontro Nacional de Economia Política Sociedade Brasileira de Economia Política, 2010. Disponível em:
http://www.sep.org.br/artigo/2209_1cc4406cc97da2b12fe1ee6999a3e3ef.pdf. Acesso em: 08 mar. 2011.
371
QUENAN, Carlos; ORDONEZ, Daniela. “Brasil: investidor em ascensão”. Mural Internacional, ano II, nº 02, dez. 2012,
p. 02-11.
167

internacionalização das firmas brasileiras. Todavia, conforme destacam Quenan e Ordonez,


em meio ao movimento de internacionalização de empresas brasileiras, o aumento do fluxo de
IED brasileiro na África (resultante da política de cooperação para o desenvolvimento posto
em prática pelo governo Lula) se apresentou como uma tendência, que parece se
consolidar372. Esse aspecto torna o mercado africano promissor aos interesses econômicos do
Brasil.
Nesse aspecto, a China encontra-se em vantagem com relação ao Brasil pelo fato de
que seu processo de internacionalização de empresas é bem mais antigo, datando de 1979,
quando o governo chinês estabeleceu a meta de colocar 50 empresas chinesas entre as 500
maiores do mundo. Em 2010, trinta empresas chinesas haviam alcançado esse patamar. No
Brasil, as políticas públicas de incentivo à internacionalização são bem mais recentes. Até os
anos 90 as empresas nacionais não se voltavam para o mercado internacional de forma
competitiva. A partir de 2005, de fato, com o investimento do BNDES, pode-se afirmar que o
governo passa a estimular o processo efetivamente. Isso gera um dos principais obstáculos à
internacionalização das empresas brasileiras: a falta de tradição (cultura de investimento) no
setor373.
Em seu processo de expansão agressivo, a China passou a investir na África, desde
meados dos anos 90, na exploração de petróleo, mineração e infraestrutura, devido à carência
chinesa por recursos naturais. Nesse período, os investimentos chineses na África eram da
ordem de US$ 107 milhões por ano. Entre 2003-2006, esse investimento saltou para US$ 2,6
bilhões por ano. Ainda assim correspondia a 1% do total de investimentos estrangeiros no
continente – os maiores investidores eram as antigas potências coloniais (Reino Unido com
16,6%, e a França com 7,7%) e os EUA (com 9,2%). De toda forma, a China é o país em
desenvolvimento que mais investe na África, chegando a ultrapassar Japão e Coréia entre os
países asiáticos que investem no continente374. A presença empresarial e comercial da China
na África, portanto, é ancorada em investimentos governamentais maciços.
A inflexão dada pelo governo brasileiro, no sentido de fornecer apoio ao processo de
internacionalização das empresas brasileiras por meio de investimento (o BNDES), é recente
e emergiu da ruptura com um histórico de orientação para o mercado interno. A China investe
372
Ibidem, p. 08.
373
REYNOL, Fábio. “Projeto estuda internacionalização de empresas brasileiras”. Revista Exame, Negócios, 15 jul. 2010.
Disponível em: http://exame.abril.com.br/negocios/inovacao/noticias/projeto-estuda-internacionalizacao-empresas-
brasileiras-569857?page=1&slug_name=projeto-estuda-internacionalizacao-empresas-brasileiras-569857. Acesso em: 22
dez. 2010.
374
ACIOLY, Luciana; ALVES, Maria Abadia S.; LEÃO, Rodrigo Pimentel F. “A internacionalização das empresas
chinesas”. IPEA, Nota Técnica, s/d. Disponível em: www.ipea.gov.br. Acesso em: 22 dez. 2011.
168

a mais tempo na área e com maior densidade. A forma de atuação brasileira se beneficiaria,
por seu turno, pelo aporte de políticas públicas que investissem no setor, gerando condições
favoráveis no campo tributário, financeiro e diplomático, que facilitariam o processo de
expansão das empresas375.
Apesar disso, o crescimento do comércio com o continente africano, durante o
governo Lula, foi notável e figura como demonstração do quão promissora é a relação
econômica e comercial do Brasil com os países da região, já que uma de suas características é
a marcante presença empresarial no processo. Além disso, é importante salientar que as
relações Brasil-África, apesar dos ganhos comerciais obtidos, ultrapassa a perspectiva
econômica. Nas palavras de Mercadante,

Ao aproximar-se à África e aos países árabes, o Brasil não apenas aumenta sua participação
no comércio internacional, como também se consolida como protagonista internacional e
contribui para a conformação de novas alianças estratégicas que tendem a contra-restar
processos unilaterais de concentração de poder376.

Essa percepção de governo, exposta por Mercadante, expressa a relevância estratégica


que a PEB confere às relações com a África no cenário internacional. A dimensão econômica
e comercial, ao mesmo tempo em que se liga ao discurso da “dimensão humanista”, está
ancorada ao plano político de estabelecimento de coalizões ao Sul para o fortalecimento de
proposições contra-hegemônicas. Nessa esfera, o pensamento de Samuel Pinheiro Guimarães,
enquanto partícipe da formulação da PEB, ajuda a melhor compreender as estratégias de
atuação diplomática brasileira no governo Lula, principalmente na área da concertação
multilateral, envolvendo o continente africano.

3.3 O projeto reformista da ordem internacional da PEB e a África

A particularidade da atuação internacional do governo Lula se encontra nos rumos da


conduta diplomática, que se deslocaram dos eixos vertical e diagonal, e tem se intensificado
na direção horizontal, na busca de parcerias e acordos estratégicos com países da “periferia”,
a fim de contornar as desigualdades geradas pelas “regras do jogo” arquitetado pelas
“estruturas hegemônicas”. Esse posicionamento, implícito ou explícito, pode ser

375
VALOR ECONÔMICO, Notícias. “Qual internacionalização?”, 10 ago. 2010. Disponível em:
http://www.anpei.org.br/imprensa/noticias/qual-internacionalizacao/. Acesso em: 22 dez. 2010.
376
MERCADANTE, Op. cit., p. 43.
169

compreendido como uma transposição ao campo das relações internacionais do conceito


gramsciano de hegemonia, conforme proposto por Robert W. Cox377.
Essa percepção de sistema internacional pela lógica da hegemonia e contra-hegemonia
e das relações entre centro e periferia, por exercer influxo sobre a corrente diplomática
autonomista (que privilegia a cooperação Sul-Sul e, conseqüentemente, a política africana),
nos permite melhor compreender o objeto de estudo. Não se trata, aqui, de efetuar uma análise
estruturalista de como as contradições geradas pelo “centro hegemônico” geram determinada
postura internacional, mas sim, é um estudo de como a percepção (dos formuladores da
política externa) de corte estruturalista gera determinada ação, já que, como salienta Renouvin
e Duroselle, o homem de Estado “na impossibilidade de conhecer objetivamente, de maneira
incontestável, a opinião ou a conjuntura”, age sempre a partir de uma “idéia subjetiva” que faz
das forças profundas e do sistema internacional378.

3.3.1 Hegemonia e contra-hegemonia

O conceito gramsciano de hegemonia pode ser definido como o controle político e


ideológico de uma classe social economicamente privilegiada (por exemplo, a burguesia,
detentora dos meios de produção e que é beneficiada pelas relações de produção capitalista).
Essa hegemonia, baseada no consenso e na coerção, é hegemonia de uma classe dominante e
não se deve confundir com o governo, ou seja, a hegemonia está na sociedade civil e não no
Estado. Isso se deve à concepção alargada de Estado apresentada por Gramsci, que vai além
da visão clássica de Estado (o governo, o sistema administrativo). Para Gramsci, o Estado
seria a “estrutura política da sociedade civil” que influi na constituição da hegemonia. Essa
estrutura seria composta por instituições sociais como a Igreja, o sistema educacional, a
imprensa, etc., que ditam normas, moldam comportamentos e difundem ideais379. Dessa
forma, o aparato de exercício da hegemonia da classe dominante estaria tão arraigado na
sociedade civil, que é na sociedade civil (no âmbito das instituições que a compõem) que se
deve efetuar a “guerra de posição” a fim de que uma posição “contra-hegemônica” (de classes
subordinadas) consiga alcançar uma mudança na estrutura social (a revolução).

377
COX, Robert W. “Gramsci, hegemonia e relações internacionais: um ensaio sobre o método”. In: GILL, Stephen (org.).
Gramsci, materialismo histórico e relações internacionais. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. p. 101-123.
378
RENOUVIN; DUROSELLE, Op. Cit., p. 389-391.
379
COX, Op. cit., p. 104.
170

A hegemonia, portanto, ocorre quando os interesses de um grupo (enquanto


construção de instituições e formulação ideológica) se tornam dominantes em dada
organização social. É a junção entre Estado e sociedade civil, a que Gramsci nomeia de
“bloco histórico”, que é um grupo coeso pela consciência de classe e fortalecido pela
organização social e política (institucional e ideológica), podendo, ainda, o “bloco histórico”
ser hegemônico ou contra-hegemônico380.
Apesar de não ter tido maiores preocupações com o estudo do sistema internacional, é
profícua a percepção de Gramsci da dicotomia entre “centro e periferia” nas relações entre
estados. Nessa perspectiva, os grupos sociais hegemônicos dos países que compõem o centro
do sistema capitalista mundial, exerceriam influxo sobre as elites cooptadas dos países
periféricos – a ideia de países dependentes e de busca da autonomia no sistema
internacional381.
Diante da complexidade do sistema internacional, Cox pondera que, nesse plano, o
conceito de hegemonia se assenta na ideia de uma “ordem global”, que “não se baseia apenas
na regulação dos conflitos interestados, mas também numa sociedade civil concebida
globalmente, isto é, num modo de produção concebido globalmente”. A hegemonia, na ordem
global, portanto, é exercida pelas potências e, assim, a “hegemonia mundial é, em seus
primórdios, uma expansão para o exterior de uma hegemonia interna (nacional) estabelecida
por uma classe dominante”. A hegemonia no sistema internacional, nesse sentido, seria “uma
ordem no interior de uma economia mundial” que afetaria a estrutura social, política e
econômica dos países que a compõe, motivo pelo qual, na relação entre centro e periferia, a
hegemonia seria coerente no centro e geraria contradições na periferia382.
Nesse sentido, hegemonia não seria o mesmo que imperialismo, mas seria algo ligado
à ideia de domínio, ou de períodos de domínio exercido por uma potência que garantiria o
equilíbrio do sistema internacional (o período hegemônico) em oposição a períodos em que o
domínio seria compartilhado ou não definido (multipolaridade; o período não-hegemônico).
Assim, desde a década de 1960, apresenta-se um período de indefinição, marcado por três
tendências (a hegemonia, a não-hegemonia e a contra-hegemonia dos países em
desenvolvimento).

380
Ibidem, p. 111-113.
381
Ibidem, p. 114-115.
382
Ibidem, p. 118.
171

A relação entre centro e periferia (ou entre os componentes do sistema) é regulada


pelas organizações internacionais (ONU, OMC, OIT, OCDE)383 que, de forma análoga às
instituições que constituem o aparato da estrutura de dominação política e ideológica das
classes dominantes dentro dos estados, tais organizações se constituem na forma institucional
de legitimação do domínio do sistema internacional pelos países do centro do sistema
hegemônico global, ou seja, são “mecanismos de hegemonia”. Como resultado da forma
como se estrutura a ordem global hegemônica (os organismos internacionais), Cox constata
que a estratégia de luta contra-hegemônica (efetuada pelos países periféricos, ou em
desenvolvimento) nos moldes da guerra de posição, redundaria em fracasso (ou na revolução
passiva caracterizada pelo “transformismo”384), pois essas instituições (as superestruturas do
sistema internacional) estão diretamente “vinculadas às classes nacionais hegemônicas dos
países centrais”385.
Portanto, acompanhar a visão gramsciana ao estudo das relações internacionais,
conforme proposto por Cox, nos possibilita perceber que o modelo de inserção internacional
proposto pelo governo Lula, ao advogar o combate às “estruturas hegemônicas” através do
estabelecimento da cooperação Sul-Sul, como forma de reorganizar a geografia econômica
mundial, apresenta um voluntarismo em empenhar-se em um movimento “contra-
hegemônico” onde, ao que parece, os países da periferia do sistema (da cooperação Sul-Sul,
que forma blocos estratégicos de negociação e parceria) formariam um “bloco histórico”. Essa
perspectiva teria como arena de luta espaços de negociação multilateral (como a OMC e a luta
contra o protecionismo europeu, ou ainda o esforço em lograr um assento permanente no
Conselho de Segurança da ONU). Nesse aspecto, a dificuldade em alcançar resultados
favoráveis em algumas negociações em órgãos multilaterais também pode, ainda, ser
explicada pela ideia da “revolução passiva”, onde as forças anti-hegemônicas seriam
assimiladas pelo sistema.

383
Cada sigla citada se refere, respectivamente, a: Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial de
Comércio (OMC), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE).
384
Nas sociedades (européias) em que a hegemonia burguesa ainda não havia se estabelecido de fato, ocorreu o que Gramsci
caracterizou como “revolução passiva”, que podia ser de dois tipos: o cesarismo (quando surge um “homem forte” para ser o
árbitro entre as forças progressistas e regressistas, sempre pendendo para um dos lados) e o transformismo (uma ampla
coalizão de interesses, marcada pela cooptação de possíveis oposições organizadas); este último, marcado pela assimilação de
forças revolucionárias, acaba arrefecendo uma transformação social ampla.
385
COX, op. cit., p. 120-121.
172

3.3.2 O plano de ação internacional: coalizões multilaterais e cooperação Sul-Sul

A defesa do fortalecimento do multilateralismo foi a linha de ação estratégica utilizada


pela diplomacia brasileira em seu esforço de combate às assimetrias existentes no sistema
internacional (a perspectiva contra-hegemônica). Essa linha de ação parece ser inspirada nas
proposições do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, em seu ensaio “Quinhentos Anos de
Periferia”, escrito em 1998386. Nesta obra, Guimarães defende a ideia de que o mundo estaria
organizado pela lógica das estruturas hegemônicas, segundo a qual os países centrais
(capitalistas desenvolvidos) estabeleceriam as regras do jogo imposto aos países periféricos
(menos desenvolvidos), no sentido de manter as formas de influência hegemônica387.
No contexto do pós-Guerra Fria, os EUA, na condição de superpotência no centro das
estruturas hegemônicas, manteria uma frente de atuação política, militar, econômica e
ideológica, em especial na América Latina e no Brasil, a fim de ampliar e aprofundar sua
capacidade de influência internacional, no intuito de elevar ainda mais seu poder econômico e
político, de forma altamente assimétrica388.
Enquanto as estruturas hegemônicas procuram sua própria “preservação e a
expansão”, os grandes Estados periféricos – dentre os quais, o Brasil – teriam por objetivo
“participar dessas estruturas hegemônicas – de forma soberana ou não subordinada – ou
promover a redução de seu grau de vulnerabilidade diante dessas estruturas”389, devendo, para
isso, unir forças com seus pares, em acordos estratégicos, a fim de combater a condição de
periféricos e impotentes. O pensamento de Guimarães traduz a percepção de que o cenário
internacional mais benéfico aos interesses brasileiros seria o do mundo multipolar
(institucionalizado por uma reforma no Conselho de Segurança da ONU), cujos polos de
poder seriam centrados na Europa (sob o eixo França-Alemanha), na Ásia (eixo Japão-China)
e na América do Sul (Brasil e Argentina como eixo sul-americano).
Percebe-se, nisso, forte posicionamento anti-hegemônico, que influenciou a
diplomacia brasileira durante o governo Lula, que procurou aprofundar relações com África,
Oriente Médio e Ásia, ao mesmo tempo em que manteve sólidas as relações com EUA e
Europa, além de valorizar o entorno regional sulamericano. Trata-se do combate às estruturas
hegemônicas pelo multilateralismo, cuja concretude se dá por iniciativas que visam

386
Cf.: GUIMARÃES (1999), Op. cit.
387
Ibidem, p. 25-39.
388
Ibidem, p. 73-102.
389
Ibidem, p. 135.
173

institucionalizar a cooperação e coordenação política internacional Sul-Sul, a exemplo da


Unasul (União de Nações Sulamericanas), do Foro IBAS e das Cúpulas ASPA e ASA.
Esse plano de ação multilateral seria uma espécie de institucionalismo reformista
contra-hegemônico, cuja estratégia de ação seria a articulação de coalizões ao Sul do globo,
frente a negociações em órgãos multilaterais e a debates acerca de questões sensíveis aos
países em desenvolvimento – como a reforma do CSNU, as estratégias humanitárias de
combate à fome no mundo, os problemas relativos à segurança internacional (terrorismo,
narcotráfico, guerras civis), a batalha contra os subsídios agrícolas na OMC, etc.
A postura diplomática brasileira no período foi a de apresentar-se como protagonista,
articulando coalizões e apresentando propostas de ação, procurando destacar-se como
liderança regional e internacional. Essa forma de atuação se encaixa na tradicional
perspectiva diplomática que projeta o “destino de potência” do Brasil. A proposição de
Guimarães se aproxima daquilo que Araújo Castro denominava de “congelamento do poder
mundial”, ainda nos anos 70390.
A percepção de Guimarães acerca da aspiração brasileira à condição de potência é
exposta no livro “Desafios brasileiros na era dos gigantes”, uma obra ensaística que apresenta
um projeto de Brasil para o século XXI. Conforme Guimarães, o Brasil possui todas as
condições (geográficas, territoriais, demográficas, de riqueza do solo) para se tornar uma
potência mundial, um país plenamente desenvolvido, mas que, para tanto, necessita superar
quatro grandes desafios: a redução das disparidades sociais, a superação das vulnerabilidades
externas, a concretização do potencial brasileiro e o fortalecimento da democracia. Esses
desafios surgem em meio a um cenário internacional em transformação, no qual o desafio é a
construção de um mundo multipolar (a “era dos gigantes”) que seria mais favorável ao Brasil.
Sua perspectiva é, ao mesmo tempo, recheada de esperança e niilismo: ou o Brasil supera seus
grandes desafios ou seu destino é a miséria, o subdesenvolvimento e o caos391.
Ao apontar a importância de fatores como defesa, território, vulnerabilidade
econômica, disparidades sociais e dependência cultural, Guimarães avança no sentido de
demonstrar que estes são agravados por um elemento externo: o sistema internacional que,
desde o colapso do socialismo real, passa por um processo de transformação profunda. Esse
cenário de mudança, a princípio apontava para a unipolaridade com hegemonia dos EUA.
Contudo, a tendência apresentada no início do século XXI é de afirmação de um sistema

390
CASTRO (1972), Op. cit.
391
Cf.: GUIMARÃES (2005), Op. cit..
174

multipolar, com algumas potências (Japão, União Europeia, China, Rússia) e uma
hiperpotência (EUA) no centro do sistema, e as demais nações na periferia, em condição de
vulnerabilidade392.
Ao mapear o sistema internacional a partir de grandes polos de poder (Europa, Ásia,
América do Sul, África), Guimarães sinaliza a estratégia de articulação entre Brasil e
Argentina a fim de conformar a região sul-americana como polo de poder no sistema
multipolar em ascensão, fugindo da hegemonia norte-americana na região. Trata-se de
perceber a necessidade de posicionar o Brasil, no sistema internacional, na condição de
liderança, pois, conforme Guimarães: “o destino da sociedade brasileira jamais poderá ser
médio, tendo em vista as dimensões de seu território [...]. O destino brasileiro será de
grandeza ou caos”393. Assim, o polo sul-americano funcionaria como eixo de articulação
diplomática inter-regional, no qual, ancorado no MERCOSUL (e/ou na UNASUL), o Brasil
encetaria coalizões ao Sul, alinhando posições Sul-Sul em órgãos multilaterais por meio do
estabelecimento de instrumentos de concertação política multilateral – como é o caso do Foro
IBAS e das cúpulas ASPA e da ASA – a fim de conformar um sistema internacional
multipolar, que se adequa às aspirações internacionais do Brasil.
O próprio Guimarães procura apresentar alguns dados sobre a ação do governo Lula
no sentido de alcançar os objetivos esboçados em seu ensaio, como, por exemplo, o
protagonismo internacional brasileiro, dado pela aproximação estratégica a países africanos e
árabes (a partir do discurso de fortalecimento do diálogo Sul-Sul), a atuação multilateral
brasileira, com destaque para a OMC e a criação do G20 e do IBAS394. O esforço diplomático
brasileiro em satisfazer a aspiração à condição de potência, pode ser melhor compreendido
através da ideia de “país intermediário”, conforme desenvolvido por Maria Regina S. Lima395.
De acordo com Lima, a condição de “país intermediário” só alcança legitimidade e
aplicabilidade a partir de seu “significado social”: mais complexo do que a questão da
potencialidade e recursos ou aspiração e autoprojeção de uma nação como “país emergente”,
o “significado social” diz respeito ao “reconhecimento por parte dos outros estados, tanto dos
mais poderosos, como dos semelhantes”, da condição de um país como
“emergente/intermediário” no cenário internacional. Nesse sentido, é possível compreender o

392
Ibidem, p. 259-267.
393
Ibidem, p. 341.
394
Ibidem, p. 439-447.
395
LIMA, Maria Regina Soares de. “Brasil como país intermédio: imprecisión conceptual y dilemas políticos”. In:
J.G.Tokatlián (comp.), India, Brasil y Sudáfrica. El impacto de lãs nuevas potencias regionales. Buenos Aires, Libros Del
Zorzal, 2007. p.169-190.
175

protagonismo brasileiro em chefiar a missão de paz no Haiti, coordenar o foro IBAS, atuar de
forma engajada na OMC a partir do G-20, levantar a bandeira da cooperação Sul-Sul,
empenhar-se no fortalecimento da integração regional, aprofundar contatos com países
africanos, integrar o G-4 (Brasil, Alemanha, Japão e Índia) em prol da reforma do CSNU;
essas medidas e outras semelhantes dar-se-iam no sentido de obter o “reconhecimento”
externo da condição de “país intermediário”396.
Portanto, a presença brasileira na África e, principalmente, os acordos de cooperação
técnica, implementados em múltiplos níveis (agricultura, esporte, cultura, saúde, programas
sociais, infraestrutura urbana, setor energético, educação), visaram a fortalecer o processo de
melhora da imagem internacional do país, condicionada, de certa forma, pela aspiração à
condição de potência. A maneira como o plano de ação internacional foi posto em prática, se
deu em três níveis: 1. diversificação de parcerias; 2. apoio logístico do Estado; 3. criação de
coalizões na condição de liderança. É a partir dessa compreensão que se devem enquadrar
ações diplomáticas na África de caráter multilateral, como o IBAS e as cúpulas ASPA e ASA.

3.3.3 Coalizões multilaterais Brasil-África: Foro IBAS e Cúpulas ASPA e ASA

O processo de reafirmação da política africana do Brasil durante o governo Lula passa,


também, pelas necessidades e aspirações dos países africanos, que precisam ampliar seu
envolvimento com outras nações a fim de diluir sua dependência em relação às antigas
metrópoles. Nesse âmbito, a África Austral apresenta iniciativas que se destacam no processo
de reafirmação da África no cenário internacional. O esforço de multilateralização das
relações diplomáticas empreendido pela África do Sul (a criação da SADC, em 1992) e a
aproximação com o Brasil e o MERCOSUL (a ZOPACAS, em 1993, e acordo comercial com
o MERCOSUL, em 2000), exemplifica o esforço de “reinserção global da África” no século
XXI397.
O fortalecimento da posição mediadora da África do Sul no continente africano
reforçaria uma tendência à estruturação de uma ordem mundial multipolar, no qual a África
Austral configuraria como polo de poder vinculado à Ásia, ao Oriente Médio e à América do
Sul. É exatamente essa conjuntura que ensejou o surgimento do Fórum de Diálogo IBAS, em

396
Ibidem, p. 173-179.
397
VIZENTINI (2007), Op. cit., p. 218-220.
176

2003, por iniciativa do presidente sul-africano, Thabo Mbeki (cuja aproximação com o Brasil
havia se delineado desde a gestão de Cardoso).
Concretizado pela “Declaração de Brasília”, o IBAS é um mecanismo de coordenação
entre os três países emergentes (democracias multiétnicas e multirraciais), determinados a
construir uma nova arquitetura internacional. Seus pilares de sustentação são: 1. concertação
política; 2. cooperação setorial; 3. O Fundo IBAS398. Segundo Adriana Bueno, apesar das
disparidades (em termos econômicos e demográficos) entre os três países, “o Fórum IBAS
caracteriza-se por ser uma parceria coerente”, devido às posições comuns que mantêm nos
diversos fóruns internacionais de negociação e cooperação399. A “Declaração de Brasília” é
um documento composto por vinte pontos, que giram em torno dos temas: fortalecimento da
ONU; reforma do Conselho de Segurança da ONU; comércio justo; promoção da inclusão e
igualdade sociais; combate à fome; desenvolvimento social e econômico sustentável; repúdio
e combate ao terrorismo (por meio de concertação multilateral). Em 2004 foi elaborado o
“Plano de Ação” que traçava diretrizes detalhadas relativas à declaração, definindo os tópicos
prioritários à cooperação (transporte, turismo, comércio, infraestrutura, investimento, ciência
e tecnologia, informática, saúde, energia, defesa e educação).
Hierarquicamente, o IBAS se divide em três níveis institucionais: as Cúpulas de
Chefes de Estado (cujo encontro deve ser anual e precedido de Encontros Ministeriais; até o
ano de 2010, ocorreram 04 desses encontros, que geraram 04 “Declarações”); as Comissões
Mistas Trilaterais (encontro de chanceleres e Grupos de Trabalho – GTs); os Pontos Focais
(encontros de altos funcionários das chancelarias).
Esses encontros já produziram 04 Declarações Conjuntas de Cúpulas de Chefes de
Estado (que abordam, principalmente, questões de política internacional), 06 Declarações
Ministeriais, 05 Memorandos de Entendimentos (relativos ao ano de 2007 e tratando da
cooperação nas áreas de educação superior, administração pública e segurança, recursos
eólicos, cultura e em temas sociais), além de 12 declarações de Pontos Focais que tratam de
questões específicas. Esses encontros se intensificaram a partir de 2006, após a 1ª Cúpula de
Chefes de Estado do IBAS. A participação da sociedade civil (acadêmicos e empresários) nos
encontros é significativa, tendo em vista o crescimento do volume de negócios e o interesse
em aprofundar conhecimentos históricos, sociais, culturais e políticos entre os três países.

398
Dados sobre o Fórum IBAS disponíveis em: http://forumibsa.org/interna.php?id=23. Acesso em: 24 out. 2010
399
BUENO, Adriana Mesquita Corrêa. “Os três pilares institucionais do Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul
(IBAS): coordenação política, cooperação setorial e Fundo IBAS”. Paper preparado para o VI Congresso do CEISAL
“Independências – Dependências – Interdependências”. Toulouse, França, 30 de Junho a 3 de Julho, 2010. Disponível em:
http://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00496629/en/. Acesso em: 12 nov. 2010.
177

Para Bueno, o estudo da coordenação política do Fórum IBAS permite concluir que se
trata de uma “coalizão exógeno-defensiva”, pois, apesar do “forte apelo engajador para a
aliança entre os atores (democracia, multilateralismo, cooperação para desenvolvimento e
outros valores comuns)”, a existência de “baixo grau de interdependência econômica entre os
três países impossibilita os fatores endógenos serem fundamentais para [a] constituição de tal
coalizão”400. Nesse aspecto, O IBAS se encaminha para o fortalecimento de posições
conjuntas em temas debatidos em órgãos internacionais, ao mesmo tempo em que procura
fomentar áreas de cooperação a fim de que o baixo grau de interdependência econômica não
gere entraves. É valido pontuar, todavia, que o fluxo de comércio do Brasil com a Índia e
África do Sul cresceu de forma contínua ao longo da gestão de Lula da Silva: entre 2003 e
2010, a corrente de comércio com a Índia foi de US$ 121,528 milhões a US$ 383,563 milhões
(sempre com saldo superior a US$ 20 milhões) e, com a África do Sul, houve um avanço de
US$ 0,936 bilhão para US$ 2,063 bilhões (chegando a mais de US$ 1 bilhão em saldo
comercial entre 2005 e 2007)401.
Por outro lado, há que se considerar que o objetivo último do IBAS é o fortalecimento
da posição de liderança regional conjunta, exercida por Brasil, Índia e África do Sul (o Fundo
IBAS é ponto-chave nesse quesito). Contudo, é preciso ter em mente que a consolidação da
posição de liderança passa por questões especificamente regionais (relações Brasil-Argentina,
Índia-Paquistão e África do Sul-Angola, por exemplo). De toda forma, o IBAS é um Fórum
que envolve tanto a questão da inserção internacional protagônica do Brasil, quanto sua
aproximação com a África. Nesse quesito, de forma análoga ao Foro IBAS, pode-se dizer que
as Cúpulas ASPA e ASA são resultantes diretas da política africana proativa que se apresenta
na diplomacia do governo Lula, já que intensifica o diálogo entre América do Sul e África,
com marcante protagonismo brasileiro. Entretanto, enquanto o IBAS é uma coalizão entre
potências regionais emergentes, as Cúpulas ASPA e ASA são mais abrangentes, visto serem
coalizões entre blocos regionais, o que alarga a perspectiva.
A Cúpula ASPA é um mecanismo de cooperação inter-regional, impulsionado pela
existência de afinidades políticas e culturais, dado por iniciativa de Lula da Silva em 2003 (na
primeira viagem presidencial que fez aos países árabes). A I Cúpula ASPA ocorreu em maio
de 2005, em Brasília, e a II Cúpula ASPA se deu em março de 2009, em Doha402. Trata-se de

400
Ibidem.
401
Dados da Secretaria de Comércio Exterior do MDIC, disponível no site: www.desenvolvimento.gov.br. Acesso em: 10
jan. 2011.
402
Dados sobre a Cúpula ASPA disponíveis em: http://www2.mre.gov.br/aspa/br_home.htm. Acesso em: 12 nov. 2010.
178

uma iniciativa que conjuga países da Liga dos Estados Árabes (22) e os da UNASUL (12),
que tem logrado grande aumento do fluxo de comércio403, e no qual o Brasil tem sido o
coordenador regional sul-americano (devido à baixa institucionalidade da UNASUL em
comparação com a Liga dos Estados Árabes). Os países africanos que compõem a Liga dos
Estados Árabes são importantes parceiros comerciais do Brasil, a exemplo do Egito404.
A Cúpula ASPA possui cinco comitês setoriais, relativos às áreas econômica, cultural,
científico-tecnológica, ambiental e social. Desde 2005, ocorreram dez reuniões ministeriais,
de onde foram formulados Planos de Ação, implementados pelos cinco comitês. As posições
conjuntas, no que diz respeito à Política Internacional, se relacionam à reforma das
organizações internacionais (ONU e CSNU), diálogo de civilizações (em oposição ao
“choque de civilizações”), reforço do multilateralismo e defesa da paz no Oriente Médio.
Ao fazer um balanço do primeiro documento relevante produzido pela Cúpula ASPA,
a “Carta de Brasília” (fruto do primeiro certame, de 2005), Cervo pontua a “direção política”
do encontro, apesar dos objetivos declarados da diplomacia brasileira sobre a importância
comercial da cúpula. Destaca-se que, em seu apelo à paz, acaba condenando o terrorismo, as
sanções unilaterais dos EUA à Síria e tece críticas à ocupação israelense dos territórios
palestinos. Assim, entende que “a prevalência do político sobre o econômico” e “a realização
de poucos negócios apesar da presença de centenas de empresários” seriam fragilidades do
encontro, enquanto que “os acordos do Mercosul com os países árabes, a Petrosul, o apoio dos
33 governos ao candidato uruguaio à presidência da OMC e a conversão da Cúpula em
instituição permanente”, seriam saldos positivos da balança405. Todavia, a diretriz política da
cúpula se relaciona diretamente aos anseios brasileiros a respeito da ordem internacional.
De fato, segundo Tânia Manzur, em termos de política internacional, o encontro de
2005 e a Declaração de Brasília, sinalizariam “o patente fortalecimento da liderança brasileira
entre os países do Sul”, já que “propostas brasileiras como o combate à fome, o
desarmamento, o estabelecimento de zonas livres de armas nucleares, a cooperação para o
desenvolvimento, dentre outras”, estariam presentes no documento como proposições de ação
efetiva. Esse fato é relevante, já que a Cúpula ASPA se apresenta como um espaço

403
De fato, as relações de comércio entre o Brasil e os países da Liga Árabe saltou de US$5,48 bilhões, em 2003, para a
impressionante cifra de US$19,39 bilhões em 2010, sendo grande parte desse crescimento tributário às exportações
brasileiras que, no mesmo período, foram de US$2,76 bilhões para US$12,54 bilhões (dados da Secretaria de Comércio
Exterior do MDIC, disponível no site: www.desenvolvimento.gov.br. Acesso em: 10 out. 2010).
404
Desde 2005, as exportações brasileiras para o Egito ultrapassam a marca do US$1 bilhão (entre produtos básicos, semi-
manufaturados e manufaturados), sendo que, em 2010, esse número atingiu US$1,9 bilhão.
405
CERVO, Amado Luiz. “A cúpula América do Sul-Países Árabes: um balanço”. Revista Meridiano 47, nº 58, mai. 2005, p.
02-03. Disponível em: http://meridiano47.info/. Acesso em: 12 nov. 2010.
179

multilateral privilegiado de discussão de temas que atingem diretamente os problemas


internacionais dos países em desenvolvimento. Todavia, há de se ponderar que a “questão da
liderança brasileira entre os países em desenvolvimento”, tem o agravante da “postura
triunfalista” da política externa brasileira que, caso transpareça (ou que seja percebida como)
arrogância, incorreria em desgastes e contraposições, a exemplo de casos do entorno regional
sul-americano. De qualquer forma, salienta Manzur, a Cúpula ASPA seria uma iniciativa “que
vem ao encontro da universalização da política exterior proposta pelo governo Lula desde a
campanha eleitoral”406.
É relevante ressaltar, ainda, a importância dos fóruns empresariais que ocorrem, na
medida em que criam oportunidades de comércio de ambos os lados. Além disso, uma
significante iniciativa no tocante ao intercâmbio cultural é o projeto da BibliASPA (Biblioteca
e Centro de Pesquisas América do Sul-Países Árabes), cujo objetivo é a tradução de livros e
realização de palestras e eventos, aumentando o nível de conhecimento e entendimentos
recíprocos.
Por seu turno, a Cúpula ASA é uma espécie de espelho da ASPA (um
“transbordamento”), já que sua origem se relaciona à iniciativa do presidente da Nigéria,
Olusegun Obassanjo, de propor a criação de um mecanismo de aproximação dos países
africanos ao Brasil, durante visita diplomática de Lula da Silva à Abuja. A I Cúpula ASA
ocorreu em novembro de 2006, na Nigéria, e produziu a “Declaração de Abuja”. Em setembro
de 2009, houve a II Cúpula ASA, em Isla Margarita (Venezuela), cujo resultado foi a
“Declaração do Estado de Nueva Esparta”407.
O Plano de Ação, referente à Declaração de Abuja (2006), é um documento que trata
dos seguintes temas: paz e segurança (no sentido de fomentar um intercâmbio inter-regional
em medidas de pacificação e contenção de conflitos), democracia e direitos humanos
(ratificação de tratados internacionais), agricultura e agronegócio (com destaque para a ideia
de cooperação técnica em biotecnologia), recursos hídricos, comércio e investimento
(coordenar posição em questões comerciais de âmbito bilateral e multilateral, dentro dos
marcos da cooperação Sul-Sul), combate à fome e à pobreza (compartilhamento de
experiências governamentais nesse âmbito), cooperação jurídica (criação de mecanismo de
assistência jurídica), infraestrutura e desenvolvimento do transporte, recursos energéticos
(proposta de desenvolvimento de estratégica energética comum, que leve em conta fontes

406
MANZUR, Tânia Maria Pechir Gomes. “Análise da Cúpula América do Sul-Países Árabes”. Revista Meridiano 47, nº 58,
mai. 2005, p. 04-08. Disponível em: http://meridiano47.info/. Acesso em: 12 nov. 2010.
407
Dados sobre a Cúpula ASA disponíveis em: http://www2.mre.gov.br/asa/documentos.htm. Acesso em: 12 nov. 2010.
180

alternativas de energia), cooperação em foros multilaterais (reforma do CSNU e combate aos


subsídios agrícolas na OMC), cooperação técnica (saúde, ciência e tecnologia, educação,
esportes, turismo, cultura e promoção do desenvolvimento), questões de gênero (criação de
espaços para discussão e elaboração de reflexões a respeito) e desenvolvimento institucional
(que aprofunde e facilite as relações entre os países da União Africana e da América do
Sul)408.
A “Declaração de Nueva Esparta” (2009) parece ratificar este aspecto de incentivo ao
intercâmbio de experiências e cooperação técnica em âmbitos diversos, além da necessidade
de coordenar posições em questões comerciais e políticas de dimensão multilateral,
reforçando, nesse sentido, o “compromisso de fomentar a cooperação Sul-Sul como principal
objetivo de ambas as regiões, com o fim de complementar a tradicional cooperação Norte-
Sul”409.
Em sua organização, estão previstas a ocorrência da cúpula a cada dois anos, com a
realização de reuniões de ministros entre cada cúpula, a fim de acertar os pontos a serem
diplomaticamente firmados no encontro, cuja operacionalização se daria pela existência de
oito grupos de trabalhos. O objetivo declarado da Cúpula ASA foi a “constituição de um novo
paradigma de cooperação Sul-Sul”, no qual países em desenvolvimento se uniram a fim de
contribuir para uma reforma na estrutura do poder mundial, estabelecendo uma ordem menos
centralizada e mais multipolar e democrática. Apesar do caráter amplo e geral da agenda de
cooperação proposta pelas Cúpulas, além do fato de conjugarem muitos países com interesses
particulares diversos, o esforço é modelar no que tange à proposta de inserção internacional
que propugna aprofundar o diálogo Sul-Sul e criar situação de interdependência real.
Essas coalizões ao Sul, encetadas pela política externa brasileira durante o governo
Lula, caracterizam o “padrão de alinhamento” que Lima denomina de “geometria variável”,
devido tanto à heterogeneidade dos participantes desse tipo de coalizão, quanto à sua
dinâmica funcional ad hoc (em vista dos temas abrangentes que propõe discutir)410. Trata-se
de uma política externa de projeção internacional multifacetada, que se dirige a vários pontos
do globo, já que pretende diminuir suas vulnerabilidades e aumentar o grau de autonomia.
Nesse movimento, conforme exposto, o espaço africano se mostrou estrategicamente
relevante a essa forma de atuação. De fato, a política africana encetada pelo governo Lula,
408
PLANO DE AÇÃO DE ABUJA. 26-30 de novembro de 2006, Abuja, Nigéria. Disponível em:
http://www2.mre.gov.br/asa/documentos.htm. Acesso em: 12 nov. 2010.
409
DECLARAÇÃO DE NUEVA ESPARTA – II Cimeira América do Sul-África. Ilha de Maragarita, Nueva Esparta, 26 e 27
de setembro de 2009. Acesso em: http://www2.mre.gov.br/asa/documentos.htm. Acesso em: 12 nov. 2010.
410
LIMA (2007), Op. cit., p. 173.
181

apresentou dimensão multilateral própria, materializada pelo Fórum IBAS e as Cúpulas


ASPA e ASA que, por serem iniciativas inovadoras, apresentam potencialidades, cuja
consecução exige o bom encaminhamento das mesmas

Fotografia 1 - Reunião de pontos focais do IBAS (2004)411

A Subsecretária-Geral de Assuntos Políticos, Embaixadora Vera Pedrosa,


preside a Reunião de pontos focais do Foro IBAS. Data: 13/02/2004.
Local: Brasília.
Fonte: MRE

Fotografia 2 - Lula e os chefes de Estado da África do Sul e da Índia na 1ª Cúpula IBAS


(2006)412

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe o Presidente da África do Sul,


Thabo Mbeki, e o Primeiro-Ministro da Índia, Manmohan Singh, no encontro da
1ª Cúpula IBAS. Data: 13/09/2006. Local: Brasília.
Fonte: MRE.

411
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/eventos/evento_detalhe3.asp?ID_IMAGEM=468. Acesso em: 23 fev.
2011.
412
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/eventos/evento_detalhe3.asp?ID_IMAGEM=1630. Acesso em: 23 fev.
2011.
182

Fotografia 3 - Encerramento do fórum de comércio e investimento IBAS (2005)413

Participação do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, na Sessão de


Encerramento do Fórum de Comércio e Investimentos do IBAS.
Data: 29/03/2006. Local: Rio de Janeiro.
Fonte: MRE.

Fotografia 4 - Abertura de sessão plenária do IBAS (2006)414

Abertura da Sessão Plenária da I Cúpula IBAS. Data: 13/09/2006. Local: Brasília.


Fonte: MRE.

413
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/eventos/evento_detalhe3.asp?ID_IMAGEM=1382. Acesso em: 23 fev.
2011.
414
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/eventos/evento_detalhe3.asp?ID_IMAGEM=1632. Acesso em: 23 fev.
2011.
183

Fotografia 5 - Reunião preparatória à Cúpula ASPA (2005)415

Sessão Plenária da Reunião Ministerial preparatória à Cúpula dos Países Árabes e da


América do Sul. Data: 25/03/2005. Local: Marraqueche, Marrocos.
Fonte: MRE.

Fotografia 6 - Lula na abertura da Cúpula ASPA (2005)416

O Presidente Luís Inácio Lula da Silva, em Cerimônia de Abertura da


Cúpula ASPA. Data: 10/05/2005. Local: Brasília.
Fonte: MRE.

415
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/eventos/evento_detalhe3.asp?ID_IMAGEM=863. Acesso em: 23 fev.
2011.
416
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/eventos/evento_detalhe3.asp?ID_IMAGEM=961. Acesso em: 23 fev.
2011.
184

3.4 Conclusão

A política africana de Lula da Silva se insere nos marcos de uma diplomacia que se
propõe a consolidar a condição de “ator global” do Brasil no sistema internacional. Esse
esforço, conceitualmente marcado pelo pensamento nacionalista do grupo que detém o
controle do processo decisório, visa fortalecer a posição internacional do Brasil, a fim de
superar as vulnerabilidades externas que limitam seu pleno desenvolvimento. Por essa ótica, a
superação dos entraves gerados pela assimetria sistêmica da globalização, se mostra viável
através do aprofundamento da cooperação Sul-Sul, motivo pelo qual ações, como a política
africana, foram retomadas em novos moldes.
Apoiada no discurso da “dimensão humanista” da PEB, e visando satisfazer a
aspiração à condição de potência internacional da diplomacia brasileira, a política externa
para a África procurou articular suas ações em torno de três dimensões diferentes e
complementares: a cooperação para o desenvolvimento, as relações econômicas e comerciais
e a concertação política multilateral.
A projeção da faceta humanista voltada para a cooperação para o desenvolvimento
conjuga o discurso de construção de uma de uma “nova geografia política e econômica
mundial”, que conforma a adesão da diplomacia de Lula da Silva à epistemologia do Sul, a
fim de reforçar a identidade de país do Sul (ver capítulo 2). Logicamente que há, neste fator
ideológico, interesses políticos, que dizem respeito à busca por aumentar o prestígio
internacional do país e lhe conferir o status de potência entre as coalizões ao Sul. Conforme
Merle, as ideologias políticas são a roupagem com as quais os interesses se apresentam,
motivo pelo qual alerta para o fato de que “ao descrevermos a política externa de um Estado
determinado, nunca podemos nos contentar com uma análise da ideologia de seus
dirigentes”417.
De fato, os conceitos, valores e ideias defendidos pelos homens de Estado, fazem parte
da busca por concretizar o interesse nacional, que conformam os objetivos de política externa.
Raymond Aron expõe que, dentre os objetivos gerais da política externa das nações, constam
um bloco tripartido entre segurança (sobrevivência, autonomia), potência (força, capacidade,
influência) e glória (prestígio, respeito). A PEB, durante o governo Lula, ao defender uma
postura reformista do sistema internacional, se enquadra naquilo que Aron denomina de
Estado revisionista, cujos objetivos perpassam cada um dos três aspectos do bloco suscitado:

417
MERLE, Op. cit., p. 203.
185

defesa da autonomia, busca por tornar-se influente em questões internacionais relevantes e


aumento do prestígio internacional418.
Em vista de seus objetivos, e de seus recursos e reais capacidades de articulação e
influência no sistema internacional, a diplomacia nacional se apresenta, segundo a categoria
de Aron, como potência defensiva (cf. Introdução), onde o ativismo (em ideias, discurso e
ações concretas) na luta em prol do desenvolvimento é estratégico para a projeção
internacional do país. Por essa perspectiva, o continente africano figuraria como espaço de
atuação favorável a consecução de um plano de ação que atendesse a tal demanda de política
externa.
Os esforços de cooperação técnica, encetados pela diplomacia brasileira em países
africanos, ampliaram o escopo de atuação brasileira no continente e geraram inserção positiva
no meio internacional, projetando a imagem de país indutor do desenvolvimento. Isso foi
possível devido ao fato de que o discurso voluntarista de “parceria para o desenvolvimento”
foi acompanhado de ações concretas, em conformidade com os anseios africanos. A
capacidade de articulação interministerial para projetar experiências domésticas (programas
sociais do governo) em países africanos, foi fundamental para a consecução dos laços
cooperativos multidimensionais. A cooperação para o desenvolvimento esteve diretamente
vinculada às relações comerciais e econômicas devido à forte presença do empresariado
brasileiro, principalmente nas áreas de transporte, infraestrutra e energia.
A diplomacia presidencial e o aporte logístico do Estado favoreceram a realização de
missões empresariais que redimensionaram o raio de atuação das empresas nacionais em
países africanos. O aumento exponencial do fluxo de comércio Brasil-África resulta desse
processo. Os dados acerca das exportações brasileiras para países africanos revelam a
potencialidade do mercado africano em absorver produtos brasileiros de alto valor agregado, o
que beneficia o estabelecimento de um “modelo exportador” da economia nacional. Os casos
das relações do Brasil com Nigéria, Angola e África do Sul reforçam essa percepção.
Todavia, a participação marginal, da corrente de comércio Brasil-África, no total geral
brasileiro, demonstra o baixo aproveitamento do potencial econômico e comercial que a
África representa para o Brasil.
É possível sinalizar que as contradições da modelo macroeconômico do Brasil, ao
inibir investimentos em setores produtivos e entravar o crescimento econômico sustentável,
acabaram por dificultar que o comércio exterior brasileiro aproveitasse melhor as

418
ARON (1983), Op. cit., p. 110-121.
186

oportunidades oferecidas pelo mercado africano. O exemplo chinês de atuação demonstra a


importância do investimento governamental para o processo de expansão econômica e
comercial internacional de empresas nacionais. Entretanto, a disponibilidade do governo
brasileiro em investir no setor apresentou sinais positivos a partir dos investimentos realizados
por meio do BNDES. O retorno em termos de aumento do volume de exportação brasileiro à
África, oriundo desses investimentos, reforçam a percepção acerca da potencialidade
econômica e comercial que as relações do Brasil com países africanos apresentam.
Juntos, os laços de cooperação para o desenvolvimento e a dimensão econômica e
comercial das relações Brasil-Africa, conformam o continente africano como espaço de
projeção internacional positiva para o Brasil, em conformidade com a aspiração à condição de
potência. Favorecido pelo melhoramento de sua imagem no continente, pela boa aceitação
que os governos da região demonstraram em relação à diplomacia brasileira e pelo
envolvimento nacional com as causas africanas, a PEB conseguiu articular coalizões
multilaterais na África, na condição de liderança. Essas coalizões multilaterais, com forte
ênfase na concertação política, acabam por alinhar posições dos países do Sul em querelas
multilaterais na esfera da ONU, em processo que fortalece a projeção da liderança
internacional brasileira. Além disso, as posições defendidas por instâncias como o Foro IBAS
e as Cúpulas ASPA e ASA, em termos de ordenamento global, favorecem a visão reformista
acerca do sistema internacional defendida pela perspectiva autonomista do corpo diplomático
brasileiro (a contra-hegemonia e o estabelecimento da multipolaridade).
Portanto, os resultados obtidos em termos de cooperação técnica para o
desenvolvimento, relações econômicas e comerciais e concertação política multilateral,
demonstram a assertividade da PEB ao identificar o continente africano como espaço
privilegiado para a projeção internacional brasileira.
187

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O interesse nacional, enquanto motor da política externa, é o eixo sob o qual se


desenvolveu este trabalho. De uma perspectiva realista clássica, o interesse nacional pode ser
definido como o desejo de aumentar a capacidade internacional de um Estado, a fim de torná-
lo apto a defender e concretizar os objetivos nacionais delimitados. Assim, a defesa do
interesse nacional seria dada pela dimensão do poder: a busca por adensar a força de um
Estado para torná-lo respeitado (segurança) e capaz de por em prática interesses políticos e
econômicos no sistema internacional419. De um ponto de vista brasileiro, o interesse nacional
pode ser definido como a busca do desenvolvimento nacional sem abrir mão da autonomia
decisória (a condição de não-subordinado)420, com o fito de tornar o Brasil uma das potências
globais do capitalismo.
A busca da condição de potência, conforme Aron421, pode ser dada por meio de duas
estratégias diferentes: a de potência ofensiva e a de potência defensiva (cf. Introdução). A
escolha por uma ou outra estratégia de atuação internacional depende do volume de recursos
(econômicos, militares e políticos) de que dispõe determinado país. As grandes potências, que
dispõem de maiores recursos, atuam como potência ofensiva e buscam assentar uma ordem
internacional que atenda aos seus interesses e demandas, muitas vezes interferindo no
ordenamento interno de alguns entes estatais que fogem do padrão delimitado. A estratégia de
potência defensiva seria a defesa da autonomia, de forma a inserir-se no sistema internacional
como demandante e não como subordinado. A busca da condição de potência conforma os
objetivos históricos (duradouros, de longa duração) da política externa dos Estados. No caso
brasileiro, o anseio de lograr a condição de potência, em vista de seus recursos e capacidades,
se enquadra na ideia de potência defensiva.
Esse objetivo da PEB é historicamente delimitado pelo “destino de potência”, que
permeia o pensamento diplomático nacional. Esse objetivo seria pautado pela busca do
desenvolvimento (para alcançar a posição internacional de país capitalista desenvolvido) e da
autonomia decisória (cujas decisões em política externa são tomadas em vista de interesses do
Estado e não de outras potências). Em sua trajetória republicana, a PEB perseguiria esse
objetivo, basicamente, através de duas perspectivas e formas de atuação: americanismo (maior

419
Cf. nota nº 1, sobre a definição de interesse nacional proposta por Hans Morgenthau.
420
Cf. nota nº 21, concernente à definição de José Honório Rodrigues sobre o interesse nacional brasileiro.
421
ARON (1983), Op. cit., p. 120-121.
188

aproximação, ideológica e/ou pragmática, à potência hegemônica) e globalismo (estratégia


universalista, que atua pela diversificação de parcerias, e que também pode ter viés ideológico
e/ou pragmático)422. A aproximação diplomática do Brasil com a África independente está
historicamente vinculada ao anseio nacional de estabelecer-se como potência no sistema
internacional.
Essa percepção diplomática emergiu no seio do Itamaraty em meio aos processos de
descolonização afro-asiáticos, a partir dos anos 50, e tomou forma conceitual com a PEI dos
anos 60. Tendo surgido em meio a uma conjuntura internacional específica (a Guerra Fria)
que acompanhou debate doméstico entre setores nacionalistas e americanistas (ou
ocidentalistas), a percepção da importância dos países africanos para a PEB tardou a formular
um plano de ação que atendesse às demandas do continente africano, e se deu na transição de
gerações de diplomatas. A geração de diplomatas que emergiu na tradição das proposições da
PEI apresentaria visão nacionalista, que buscava desenvolver a condição brasileira de
potência internacional. Nessa conjuntura, formulou-se uma política africana, que seria posta
em prática a partir dos anos 70 (conforme visto no capítulo 1), por uma diplomacia que
apresentou a estratégia de diversificação de parcerias para o alcance do interesse nacional.
O abandono da defesa do colonialismo português na África e o reconhecimento da
independência de Angola e do governo do MPLA foram ações práticas decorrentes da política
africana dos governos militares, que resultou na ampliação do fluxo de comércio com países
africanos. Esse processo resultou, ainda, na melhora da imagem brasileira no continente e em
boa articulação com o Terceiro Mundo nos temas da agenda internacional. A ação
diplomática brasileira na África acabou formulando a percepção de que o Brasil deveria
apresentar-se como modelo de organização social e política (a “democracia racial”) a ser
seguido pelos novos países africanos. Ao mesmo tempo, a forma de atuação nacional deveria
ser pautada pela “diplomacia para o desenvolvimento”, no qual o Brasil se coloca como
articulador dos interesses dos países que compõem a periferia do sistema internacional. Essa
percepção influiria diretamente na forma de atuação da política externa do governo Lula, em
sua dinâmica de aproximação do continente africano, que é o objeto deste trabalho.
Com o fito de compreender o movimento de revalorização das relações com países
africanos na PEB durante o governo Lula, esta dissertação foi organizada em torno de
variáveis específicas que facilitassem o desenvolvimento do estudo (ver tabela 7), conforme
especificado na Introdução da dissertação.

422
Cf.: PINHEIRO (2004), Op. cit.
189

Tabela 6 - Quadro de referência com metodologia e variáveis do trabalho


QUADRO DE REFERÊNCIA METODOLÓGICA
TEMA A política africana do governo Lula (2003-2010)
PROBLEMA/QUESTÕES - Por que as relações entre Brasil e África se tornaram
relevantes e enfáticas durante o governo Lula?
- Qual a importância da política africana para a política
externa brasileira no período assinalado?
- A África deveria ser realmente uma das prioridades da
diplomacia nacional?
METODOLOGIA - Abordagem sócio-histórica
- Método de abordagem: hipotético-dedutivo
- Método de procedimento: monográfico e histórico
HIPÓTESE A política africana do governo Lula foi estratégica antes
que ideológica, visto que conjugou um projeto político
mais amplo que visava projetar o Brasil como potência
internacional.
VARIÁVEIS 1. Variável dependente: a identificação da região africana
como espaço propício à projeção da capacidade de
potência do Brasil.
2. Variáveis independentes:
a. Identidade nacional (destino de grandeza): a
percepção de que a concretização do “destino de
potência” se liga ao estabelecimento de coalizões
ao Sul;
b. Modelos externos: a identificação do interesse
nacional com o reforço da identidade de país do
Sul;
c. Estratégias de desenvolvimento: a promoção da
cooperação para o desenvolvimento como
estratégia para ampliar a presença internacional
do Brasil.
CONCEITOS - “Interesse Nacional” (Cf. MORGENTHAU, Op. cit.;
OPERACIONAIS ARON [1983], Op. cit.; RODRIGUES [1966], Op. cit.);
- “Diplomacia Presidencial” (Cf. DANESE, Op. cit.);
- “Comunidades Epistêmicas” (Cf. MERRIEN, Op. cit.).
190

A relação de variáveis independentes deste trabalho, formuladas a partir da relação


entre política interna e externa proposta por Milza423, é abrangente e permite explicar não
apenas as relações diplomáticas do Brasil com países africanos, mas com países que
compõem a periferia do sistema internacional. De fato, a ênfase na cooperação Sul-Sul foi
uma das características da PEB durante o governo Lula. Entretanto, as relações Brasil-África
(objeto do trabalho) possuem especificidades que desembocam na variável dependente
assinalada.
De fato, durante o governo Lula, houve reforço das relações diplomáticas com países
árabes, asiáticos e continuidade no que tange ao entorno regional. Enquanto as relações com
este último foram marcadamente de âmbito político e econômico, as com as duas outras
regiões apresentaram forte aspecto comercial, com algumas articulações políticas de âmbito
multilateral. Por seu turno, as relações com países africanos apresentam dois diferenciais
relevantes: os laços históricos e culturais (que oportunizam qualquer movimento
aproximativo) e a promoção da cooperação para o desenvolvimento (variável “c” do quadro
de referência). A conjugação entre anseios e necessidades africanos, proximidade histórica e
cultural (principalmente linguística com os PALOP), capacidade brasileira de implementar
este tipo de cooperação e voluntarismo político, foram os fatores que levaram a diplomacia do
governo Lula a encetar este tipo de ação junto a países africanos.
A promoção da cooperação para o desenvolvimento no continente africano (a
princípio com os PALOP, e depois ampliando o leque de atuação), acompanhado do discurso
da “dimensão humanista” da PEB, favoreceria o objetivo de reforçar a identidade de país do
Sul (variável “b” do quadro de referência). Os formuladores da política externa do governo
Lula procuraram estabelecer este objetivo como um dos itens atinentes ao interesse nacional,
junto a outros fatores como integração regional, promoção do desenvolvimento econômico e
social (inclusão social) e consolidação democrática424. Esta concepção acerca do interesse
nacional resultou da convergência de percepções da corrente autonomista da burocracia
diplomática brasileira425 e do governo petista de Lula da Silva, que dialogou, ainda, com
setores sociais específicos e geralmente ligados ao governo (acadêmicos, empresários,
políticos, pessoas ligadas ao movimento de valorização da afrobrasilidade e de combate ao
preconceito racial). Conformou-se, assim, uma comunidade epistêmica em torno da qual se
formulou, de forma geral, uma política externa ativista que se apresentou como crítica ao
423
Cf.: MILZA, Op. cit.
424
LIMA (2008), Op. cit.
425
Cf. nota nº 196.
191

neoliberalismo, contrária à globalização assimétrica, e que propugnava a valorização do papel


do Estado e o estabelecimento da multipolaridade.
Em âmbito mais restrito, essa percepção presente na formulação da PEB, durante o
governo Lula, resultou na revalorização da política africana, nos marcos da estratégia da
cooperação Sul-Sul. Esse movimento de ampliação e aprofundamento de laços com países
africanos aparentou esboçar diálogo com o “renascimento africano”, em vista do qual a
identidade que aproximaria o Brasil da África ultrapassaria a esfera da cultura, história e
língua, e se daria pela busca do desenvolvimento, consolidação da democracia e promoção do
bem-estar social. O Brasil se apresentaria, então, como parceiro para a promoção do
desenvolvimento, no qual os programas sociais de governo seriam cartão de visitas.
Estabeleceu-se, dessa forma, a cooperação multisetorial, para cuja consecução a diplomacia
presidencial foi fator determinante. No bojo da cooperação para o desenvolvimento, encetou-
se ampliação do fluxo de comércio, com boas perspectivas para o processo de
internacionalização das empresas nacionais, no mercado africano.
A promoção da cooperação para o desenvolvimento e o reforço da identidade de país
do Sul, facilitaria o processo de estabelecimento de coalizões ao Sul. Este fator conjuga o
projeto de inserção internacional do Brasil na condição de potência (variável “a” do quadro de
referência). A visão sistêmica e o plano de ação internacional dos formuladores da PEB, no
governo Lula, apresentou perspectiva reformista (o chamado “Estado revisionista”)426, com
ênfase na ação multilateral. Por essa percepção, o Brasil deveria articular-se junto a países que
compõem a periferia do sistema hegemônico internacional (principalmente com os grandes
emergentes) e a fim de lograr o estabelecimento da multipolaridade, na qual a ordem
internacional é dada pela relação entre polos de poder regionais. O espaço africano seria
englobado por esse plano de ação multilateral em vista da importância da África do Sul, da
União Africana e dos países do Norte da África que compõem a Liga dos Estados Árabes.
Portanto, além de ser espaço propício para o estabelecimento da cooperação para o
desenvolvimento (que reforça a identidade do Brasil de país do Sul), a região africana teria
relevância geoestratégica para o esforço do estabelecimento de coalizões multilaterais ao Sul,
com ênfase na concertação política e marcada liderança brasileira enquanto Estado articulador
de demandas (reforçando a condição de potência).
Dessa maneira, a relação entre as três variáveis independentes apresentadas na
pesquisa e a especificidade do continente africano (ou a forma como a diplomacia nacional

426
Cf.: ARON (1983), Op. cit.
192

percebe a África), redunda na variável dependente do quadro de referência. Por essa variável,
é possível responder às duas primeiras questões/problema expostas no referido quadro: as
relações entre o Brasil e países africanos se tornaram relevantes e enfáticas durante o governo
Lula, pois a África, do ponto de vista dos formuladores da PEB do período, era importante
para o anseio nacional de se posicionar como potência internacional.
Mas, em termos de resultados, deveria a África ser uma das prioridades da PEB?
Conforme esboçado no capítulo 3 da dissertação, o melhoramento da imagem internacional,
as boas perspectivas no que tange às relações econômicas com países africanos e o
desenvolvimento de experiências inovadoras e promissoras no âmbito da concertação política
multilateral com a presença de países africanos (o Foro IBAS e as Cúpulas ASPA e ASA),
demonstram a assertividade e pragmatismo da política africana do governo Lula, que é a
hipótese do trabalho. Ou seja, as relações Brasil-África, conforme estabelecidas durante o
governo Lula, não se apresentaram como uma das finalidades da PEB, mas sim como um dos
meios pelos quais a diplomacia nacional lançou mão para projetar a condição de potência,
através do melhoramento da imagem internacional do país, atendendo, assim, aos interesses
nacionais brasileiros.
193

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