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Rio de Janeiro
2012
Dhiego de Moura Mapa
Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A
CDU 327
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.
_____________________________________ ___________________________
Assinatura Data
Dhiego de Moura Mapa
Banca examinadora:
__________________________________________
Profª. Dra. Miriam Gomes Saraiva (Orientadora)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ
__________________________________________
Prof. Antônio Carlos Peixoto
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ
__________________________________________
Prof. Dr. Adriano de Freixo
Departamento de Ciência Política - UFF
Rio de Janeiro
2012
AGRADECIMENTOS
À minha família, em especial meus pais, pela compreensão e apoio afetivo tão
necessário à consecução de trabalho acadêmico que tanto tempo nos toma. Aos colegas de
curso pelas trocas e o prazer do bom convívio que tornaram as aulas e debates enriquecedores
e de alto nível. Aos amigos que tiveram que conviver com as ausências, mas mesmo assim
prestaram apoio fraterno e solidário ao desenvolvimento do trabalho.
À Profª. Drª. Miriam Gomes Saraiva, que orientou esta dissertação, pela dedicação,
indicações de leitura, revisão atenta dos fragmentos do trabalho que lhe foram entregues,
correções e sugestões sempre precisas. Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em
Relações Internacionais da UERJ (PPGRI/UERJ), pelo compartilhamento de conhecimentos
durantes as aulas do curso, de relevância ímpar à compreensão acerca da Política Externa
Brasileira, da História das Relações Internacionais, dos campos teóricos da disciplina e de
seus fundamentos filosóficos e epistemológicos, e pelos debates sobre temas da política
internacional. Em especial, agradeço às orientações e sugestões dos professores Antônio
Carlos Peixoto e Mônica Leite Lessa, que compuseram a banca de qualificação, cujas
observações muito contribuíram para a escrita final da dissertação.
Agradeço também ao Prof. Dr. Bernardo Kocher, da Universidade Federal Fluminense
(UFF), que nos momentos iniciais da pesquisa forneceu dicas, em algumas conversas, que
foram de extrema relevância ao andamento do trabalho. De igual maneira, ao Prof. Dr.
Adriano de Freixo (UFF) de quem recordo observações pertinentes em duas oportunidades,
em que pude apresentar resultados parciais da pesquisa em eventos acadêmicos nos quais foi
debatedor.
Por fim, não posso deixar de prestar agradecimento ao suporte financeiro concedido
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), através do
fornecimento de bolsa de estudos cujo beneficiamento permitiu a elaboração do presente
trabalho em todas as suas etapas.
O destino dos que trabalham e criam riquezas e o do continente
africano é, na realidade, um só. Uma consideração
particularmente verdadeira para um país como o Brasil, que
tantos laços possui com a África. Que ambos possam então se
encontrar no caminho da prosperidade e da justiça social, numa
trajetória em que seus povos venham a reconhecer um destino
comum.
Carlos Serrano e Maurício Waldman
Palavras-chave: Relações Brasil-África. Política africana. Governo Luis Inácio Lula da Silva.
Política externa brasileira.
ABSTRACT
Keywords: Brazil-Africa relations. African policy. Luis Inacio Lula da Silva Government.
Brazilian foreign policy.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
INTRODUÇÃO................................................................................................. 16
1 AS RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA:
DA DESCOLONIZAÇÃO AFRO-ASIÁTICA AO PÓS-GUERRA
FRIA...................................................................................................................... 29
1.1 O Brasil e a emergência do Terceiro Mundo: gênese de um novo olhar
sobre a África........................................................................................................ 31
1.1.1 O Brasil e a descolonização africana...................................................................... 36
1.1.2 A África e a Política Externa Independente........................................................... 44
1.2 A PEB nos governos militares: implementação da política africana
brasileira................................................................................................................ 47
1.2.1 O golpe de 64 e o retrocesso diplomático.............................................................. 51
1.2.2 A conjuntura dos anos 70 e o apoio aos movimentos de libertação africanos....... 53
1.2.3 A importância estratégica da África para a PEB.................................................... 60
1.3 Brasil e África no pós-Guerra Fria..................................................................... 63
1.3.1 Universalismo seletivo em um mundo de polaridades indefinidas........................ 65
1.3.2 A diplomacia da cooperação sul-sul....................................................................... 68
1.4 Conclusão.............................................................................................................. 73
2 A ÁFRICA NA POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO LULA:
DIÁLOGO COM O RENASCIMENTO AFRICANO..................................... 76
2.1 A África no pós-Guerra Fria: entre o “afro-pessimismo” e o
“renascimento”..................................................................................................... 78
2.1.1 Visões da África contemporânea............................................................................ 86
2.2 A revalorização do continente africano na PEB................................................ 93
2.2.1 Formulação diplomática no governo Lula.............................................................. 97
2.2.2 Cooperação Sul-Sul e valorização da região africana............................................ 101
2.2.3 Apoio doméstico: valorização da afro-brasilidade, discurso multiculturalista e
crítica ao neoliberalismo......................................................................................... 108
2.3 Diplomacia presidencial na África...................................................................... 114
2.4 Conclusão.............................................................................................................. 127
3 COOPERAÇÃO MULTIDIMENSIONAL E COALIZÕES SUL-SUL: A
ÁFRICA COMO ESPAÇO DE PROJEÇÃO INTERNACIONAL DO
BRASIL................................................................................................................. 130
3.1 Cooperação técnica para o desenvolvimento..................................................... 131
3.2 A dimensão econômico comercial da política africana..................................... 148
3.2.1 Exportação e desenvolvimento econômico: contradições do modelo brasileiro.... 152
3.2.2 Potencialidade do mercado africano para o Brasil................................................. 156
3.3 O projeto reformista da ordem internacional da PEB e a África.................... 168
3.3.1 Hegemonia e Contra-Hegemonia........................................................................... 169
3.3.2 O plano de ação internacional: coalizões multilaterais e cooperação Sul-Sul....... 172
3.3.3 Coalizões multilaterais Brasil-África: Foro IBAS e Cúpulas ASPA e ASA.......... 175
3.4 Conclusão.............................................................................................................. 184
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 187
REFERÊNCIAS................................................................................................... 193
.
16
INTRODUÇÃO
1
De acordo com a proposição realista clássica de Hans Morgenthau, o interesse nacional é definido em termos de poder: o
objetivo de todo Estado é a maximização de seu poder relativo, no sistema internacional. Ao definir a política internacional
pela dimensão do poder, urge a necessidade de delimitar o que é o poder político. Duas dimensões de compreensão são
introduzidas por Morgenthau: primeiramente, é um “meio” para o alcance de objetivos nacionais delimitados, ou seja, sem
poder, não há como decidir ou se mover com autonomia e liberdade no sistema internacional; em segundo lugar, poder, em
si, denota a ideia da existência de uma relação psicológica de influência e controle entre dois entes (governante e governado).
Essa dimensão do poder político, por seu turno, difere da influência (é mais do que influência, é governo, controle) e da força
(pois não é um controle físico, mas psicológico, é mais profundo), devendo ser aproveitável (dimensão que emerge da
inaplicabilidade do exercício da força e obtenção do poder pela ameaça nuclear) e legítimo (geralmente moldado pelas
ideologias políticas). O poder político é, portanto, a capacidade de controlar e impor ações em benefício próprio, através de
um domínio mais psicológico (espiritual, cultural, ideológico, moral – o medo, a identidade, o carisma, o interesse, etc.) do
que físico (a força, a capacidade de intervenção militar, o potencial nuclear). Assim, o interesse nacional se define em termos
de busca por obter poder político na arena internacional para garantir ganhos e capacidades. Consequentemente, um projeto
de política externa que melhor atenda aos interesses nacionais seria aquele que traça parâmetros para aumentar o poder
político internacional de um Estado no sistema internacional e/ou que lhe confira poder político em termos de capacidade
para defender os interesses de Estado delimitados pelos formuladores de política externa (aumento do grau de autonomia).
(Cf.: MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Ed. UnB, Ipri, Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 2003, p. 22-50)
17
possível ocorrer: a questão econômica, política, cultural, o campo da política externa, etc. Tais
estudos progrediram, ao longo dos anos, de uma análise comparativa (entre seu governo e o
antecessor), para um estudo acerca dos resultados e desdobramentos gerados pelas diversas
ações e programas de governo. Este último é o caso desta pesquisa.
A política externa do governo Lula, em específico, buscou articular-se ao discurso do
rompimento com as políticas liberais ortodoxas dos anos 90. Trata-se de abandonar a
confiança na capacidade do mercado internacional gerar o desenvolvimento nacional por meio
de processos de modernização econômica que articulassem a economia nacional ao
movimento da globalização. Em contraste, no governo Lula, delineou-se um modelo calcado
na valorização do papel do Estado, como articulador de políticas de promoção do crescimento
econômico e social. Esse movimento doméstico foi acompanhado por perspectiva diplomática
que interpreta o sistema internacional a partir da divisão Centro-Periferia.
Por essa ótica, o papel internacional do Brasil seria de não aceitação de uma ordem
internacional cuja estrutura institucional, econômica e política beneficiem os interesses dos
países que compõem o Centro dessa estrutura (o Norte) em detrimento dos anseios daqueles
que compõem a periferia (o Sul). Nesse aspecto, a busca de penetração no mercado
internacional, durante o governo Lula, foi baseada no esforço de aproximação com nações
cuja aliança geraria força política e econômica a nível internacional: a chamada cooperação
Sul-Sul. Isso seria definido por aquilo que o ex-presidente Lula buscou caracterizar, em vários
discursos pronunciados, como sendo a construção de uma “nova geografia política e
econômica mundial”. A valorização da região africana para a política externa brasileira
(PEB), durante o governo Lula, se insere nesse processo.
As relações diplomáticas entre o Brasil e a África apresentaram-se como uma das
prioridades da política externa do governo Lula, em vista de o continente africano ser região
vizinha no âmbito da fronteira do Atlântico Sul. Desde o início da gestão de Lula da Silva, o
discurso presidencial buscou apresentar as relações com os países africanos como sendo umas
das prioridades da PEB, em vista dos laços históricos e culturais que ligam as duas margens
do Atlântico. Essa identidade histórica e geográfica entre o Brasil e a África é evocada por
uma diplomacia que projeta para a região africana a concretização de interesses pragmáticos:
projeção positiva da imagem do país como potência influente em assuntos internacionais,
ampliação do fluxo de comércio exterior do Brasil, estabelecimento de coalizões ao Sul que
fortaleçam os interesses brasileiros em instâncias multilaterais de negociação e
estabelecimento de laços cooperativos que conformem a posição de liderança internacional
(e/ou articulador de interesses) por meio do fortalecimento da identidade de país do Sul.
18
Marco cronológico
continente africano, por parte da PEB, nos primeiros anos do século XXI, cujo momento
marcante é o governo Lula. Um breve retorno cronológico, no que tange ao desenvolvimento
da política africana do Brasil, será efetuado em capítulo histórico (que, inclusive, transcende o
governo de Cardoso). A continuidade ou ruptura do privilegiamento das relações com a
África, em anos pós-Lula, pode ser esquematizada em estudo posterior, que trate do governo
Rousseff em específico.
A constatação inicial, da qual parte este trabalho, é de que a valorização dada à relação
com os países africanos integra uma dupla estratégia de diversificação econômica e
fortalecimento político internacional (aspectos necessários à afirmação da condição de
potência influente em questões internacionais). Assim sendo, a pesquisa visa apreender a PEB
do governo Lula com o objetivo de perceber quais os impactos gerados pela política africana
do Brasil, bem como seus desdobramentos nos objetivos traçados pela PEB.
A abordagem proposta orienta-se por um movimento tripartido: 1º - compreender a
política externa do governo Lula (2003-2010), enquanto estratégia que atenda a determinada
percepção do que seja o interesse nacional; 2º - apreender o papel das relações afro-brasileiras
no modelo de inserção internacional formulado pelo referido governo; 3º - averiguar suas
especificidades, a forma como tem sido conduzida a política africana e suas realizações.
Deve-se destacar que, no caso das relações entre o Brasil e países africanos, há não apenas as
dimensões econômica, comercial e política, mas também cultural (no sentido de vínculos
identitários e trocas culturais) e social (no sentido de apresentarem uma agenda comum de
combate à fome, luta contra a injustiça social e busca de melhorias nas áreas da saúde e
educação). Tais fatores, portanto, devem ser devidamente abordados no conjunto da pesquisa.
A questão do desenvolvimento econômico e social das nações menos desenvolvidas – e o
esforço diplomático brasileiro em se apresentar como promotor de tal desenvolvimento
através de parcerias estratégicas – é um dado central no tema posto em tela.
A questão fundamental que se coloca na pesquisa é: qual o significado da política
africana para a política externa do governo Lula? De igual maneira, tal problemática deve ser
orientada por questões-chave como, por exemplo: o que levou o governo Lula a revalorizar a
política africana? Quais grupos defendem e/ou são contrários à política africana, conforme
esboçada pelo governo Lula, e por quê? O aprofundamento das relações Brasil-África tem, de
20
2
Cf. GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Quinhentos Anos de Periferia: uma contribuição ao estudo de política internacional.
Porto Alegre/Rio de Janeiro: Ed. da Universidade/UFRGS/Contraponto, 1999.
3
NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nilzar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005, p. 02.
21
7
RENOUVIN, Pierre; DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à história das relações internacionais. São Paulo: Difusão
Européia do Livro, 1967. p. 341.
23
estratégia para tanto foi ampliar a diversificação de parcerias, direcionando-a para coalizões
ao Sul. Nesse processo, o continente africano seria identificado como espaço geoestratégico
suscetível à consecução do objetivo delimitado. Este aspecto seria a variável dependente da
pesquisa apresentada.
A esta variável se conforma os três primeiros fatores internos assinalados por Milza
(identidade nacional, diferentes modelos externos, estratégia de desenvolvimento), com
algumas especificidades, que caracterizamos como variáveis independentes da pesquisa. A
identidade nacional brasileira (a missão e o projeto de nação) pode ser identificada pela
percepção do “destino de grandeza” que conforma o habitus institucional do Itamaraty, pois,
se em 1972, Araújo Castro declarara que “o Brasil está condenado à grandeza”11, já em 2005,
o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães reafirmara a mesma perspectiva ao pontuar que “O
destino brasileiro será de grandeza”12.
Esse “destino de grandeza” é um elemento estrutural que compõe o imaginário
diplomático brasileiro, historicamente vinculado à idéia de que “o Brasil é o país do futuro”.
Conforme salienta Gerson Moura, essa “idéia de que o Brasil estaria destinado a ser uma
grande potência não nasceu com o ‘milagre econômico’ dos anos 70”13, mas é um elemento
que já aparecia nos discursos diplomáticos dos anos 40, momento em que o Brasil negociou
seu alinhamento com os Estados Unidos (EUA) durante a Segunda Guerra Mundial. Durante
os governos militares (1964-1985), em outra conjuntura internacional, esse componente da
identidade nacional emerge no projeto de “Brasil potência”, da “Diplomacia do Interesse
Nacional” do governo Médici14, cuja proposta era aproveitar os espaços internacionais para
inserir o Brasil no Primeiro Mundo, aproveitando o ciclo do “milagre econômico”. Tratava-se
da busca da industrialização como via ao desenvolvimento nacional, projeto que remontava ao
período dos governos populistas.
Esse projeto de “Brasil potência”, subjacente ao “destino de grandeza”, que visa
desenvolver a capacidade nacional de se tornar um dos grandes no tabuleiro internacional, se
fez notar no governo Lula, tanto nos meios diplomáticos, quanto na percepção partidária de
governo. As ações diplomáticas do governo Lula, segundo a percepção de seus formuladores,
11
CASTRO, J. A. de Araújo. “O congelamento do Poder Mundial”. Revista Brasileira de Estudos Políticos, nº 33. Belo
Horizonte, UFMG, jan. 1972, p. 07-30.
12
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios brasileiros da era dos gigantes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005, p. 341.
13
MOURA, Gerson. Sucessos e ilusões: relações internacionais do Brasil durante e após a Segunda Guerra Mundial. Rio de
Janeiro: FGV, 1991, p. IX.
14
VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações internacionais do Brasil: de Vargas a Lula. São Paulo: Ed. Perseu Abramo, 2003,
p. 46-47.
25
15
Cf.: SARAIVA, Miriam Gomes. “O segundo mandato de Lula e a política externa: poucas novidades”. Carta
Internacional, vol. 02, nº 01, março 2007, p. 22-24. Disponível em:
http://www.usp.br/cartainternacional/modx/index.php?id=70. Acessado em: 27 mar. 2009.
26
“boa relação com a América do Sul, América Latina, África, China, Índia, União Europeia e
EUA”16. Percebe-se, portanto, que a estratégia de inserção internacional do Brasil, dada pela
ampliação do leque de opções, articulações e coalizões externas do país, por meio do
fortalecimento do diálogo Sul-Sul, atendia, a um só tempo, a plataformas partidárias e anseios
de política externa latentes na corporação diplomática.
Portanto, a convergência entre aspirações diplomáticas institucionais e interesses de
aspecto partidário do grupo que chefia o Executivo, reorientou os rumos da PEB e sua
respectiva estratégia de projeção internacional. A política africana, em específico, é
emblemática nesse sentido, visto que congrega percepção diplomática que remonta ao
arcabouço conceitual da PEI (Política Externa Independente) e interesses domésticos de
grupos vinculados ao governo, a exemplo da plataforma de governo de promoção da
igualdade racial e valorização da cultura afro-brasileira.
Por fim, a estratégia de desenvolvimento, no governo Lula, assentou-se em torno de 04
fundamentos: estabilidade macroeconômica; valorização do papel do Estado como
coordenador de políticas para o desenvolvimento; promoção da inclusão social com formação
de mercado de massas; implementação de uma política externa pró-ativa e pragmática. O
papel da política externa, nesse processo, seria o de gerar maior presença internacional do país
em temas/debates da agenda global que lhe dessem maior visibilidade e, também, por meio de
uma política de cooperação internacional junto aos países do Sul. Este último resultou da
melhoria das condições econômicas (que possibilitaram realização de investimentos) e da
vontade política em apresentar postura ativista na promoção do desenvolvimento na arena
internacional. A forte participação estatal (articulação interministerial e presença de agências
de governo) e um grande dinamismo empresarial (com investimentos globais, principalmente
na América do Sul, África e Ásia) foram aspectos marcantes nesse movimento17.
Assim, em termos de estratégia de desenvolvimento, a PEB no período estudado atuou
como demandante em fóruns de governança global, com abandono de posições defensivas,
conferindo, ainda, prioridade às relações Sul-Sul, destacando-se pelo seu envolvimento na
promoção da cooperação para o desenvolvimento. Conforme Hirst, Lima e Pinheiro, essa
estratégia Sul-Sul da PEB, teve a região africana como “referente simbólico”18. A terceira
16
SIMON, Roberto. “Claro que há mudanças na política externa”. O Estado de S. Paulo, Notícias, 03 abr. 2011. Disponível
em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110403/not_imp700996,0.php. Acesso em: 03 abr. 2011.
17
HIRST, Mônica; LIMA, Maria Regina Soares de; PINHEIRO, Letícia. “A política externa do governo brasileiro em
tempos de novos horizontes e desafios”. OPSA, Análise de Conjuntura, nº 12, dez. 2010. Disponível em: www.opsa.com.br.
Acesso em: 07 mar. 2012.
18
Ibidem.
27
Com o fito de atender aos objetivos traçados, com a respectiva metodologia delimitada, a
dissertação estrutura-se em três capítulos. O primeiro capítulo tem aspecto histórico e sua
elaboração se deu em vista da percepção de que seria necessário um retrocesso cronológico no
tema, a fim de averiguar as origens da política africana na PEB. Tal processo se fez por meio
de revisão bibliográfica (publicações de época ou teses publicadas mais recentemente), na
qual se pôde identificar o entrelaçamento entre o surgimento do Terceiro Mundo e a criação
de uma agenda africana na diplomacia nacional. Nesse movimento, a política africana
vincula-se diretamente à ampliação de parcerias internacionais do Brasil (universalismo). A
menor dose de universalismo fez as relações Brasil-África terem baixo perfil ao longo dos
anos 90 e, por conseguinte, uma maior dose de universalismo, durante a gestão presidencial e
diplomática de Lula/Amorim, contribui para a revitalização da política africana.
O recorte cronológico estabelecido no capítulo 1 (dos anos 50 à primeira década do
século XXI) se deve à percepção de que a formulação de uma política externa que leve em
consideração os anseios africanos, tem relação direta com o impacto causado pelo processo de
descolonização afro-asiático no sistema internacional. Se uma política africana do Brasil se
materializou, de fato, durantes os governos militares (a partir dos anos 70), o esboço de sua
formulação foi traçado entre os anos 50 e 60, no âmbito da PEI. São exatamente os
parâmetros da PEI que dinamizaram tanto a política externa do “pragmatismo responsável e
ecumênico” de Geisel e o “universalismo” de Figueiredo, quanto a política externa do
governo Lula.
No caso do governo Lula, a agenda para a África que foi posta em prática contemplou
um plano de ação multilateral (as coalizões Sul-Sul materializadas pelos foros inter-regionais)
e outro bilateral (factível pela diplomacia presidencial, no qual as diversas viagens
presidenciais ao continente africano contemplaram assinatura de acordos de cooperação
técnica variados). Cada plano de ação será tratado em um capítulo específico da dissertação,
no qual serão aplicadas as variáveis, a fim de testar a hipótese.
28
Provérbio fula**
*
Trecho de entrevista de Maria Yedda Linhares a Jerry Dávila. Cf.: DÁVILA, Jerry. Hotel trópico: o Brasil e o desafio da
descolonização africana, 1950-1980. São Paulo: Paz e Terra, 2011, p. 70.
**
Apud SERRANO, Carlos; WALDMAN, Maurício. Memória d’África: a temática africana em sala de aula. São Paulo:
Cortez Editora, 2008, p. 280.
30
perspectiva histórica, ancorada em leitura especializada, essa revisão de literatura tem por
objetivo dimensionar o impacto do terceiro-mundismo sobre as relações internacionais do
século XX, à qual se vincula a gênese da política africana do Brasil.
A perspectiva histórica, aplicada ao estudo das Relações Internacionais, segundo
Renouvin19, tem por objeto a compreensão da política externa dos Estados que fazem parte do
sistema internacional a partir dos fatores geográficos, econômicos, ideológicos e culturais (as
“forças profundas”) que direcionam suas ações. Essa busca das “forças profundas” que
influenciam e dão sentido à ação dos “homens de Estado”, seria a contribuição da lente da
História para a explicação dos fenômenos internacionais. Se, em termos geográficos, “nossos
vizinhos de além mar”20 importam aos cálculos estratégicos da geopolítica do Atlântico Sul,
em termos culturais, a retórica multiculturalista da identidade afro-brasileira forjou o discurso
de aproximação diplomática entre o Brasil e a África negra desde a segunda metade do século
XX. Entretanto, para além da contigüidade oceânica e dos valorizados laços culturais, é no
âmbito econômico e ideológico (a definição do interesse nacional21) que a política externa do
Brasil para a África deve ser situada. Serão esses dois últimos aspectos enfatizados na
abordagem proposta, visto serem os elementos históricos que exerceram maior influxo sobre a
revalorização das relações afro-brasileiras, na política externa do governo Lula – que é o
cerne da pesquisa.
Em vista do exposto, a análise é apresentada em três momentos distintos: primeiro,
será tratado o impacto que o processo de descolonização afro-asiática causou na condução e
formulação da PEB. Após isso, o foco recairá sobre a proximidade entre o Brasil e a África a
partir da década de 1970, na vigência dos governos militares. Por fim, será traçado um esboço
da forma como se encaminharam as relações entre Brasil e África no pós-Guerra Fria. A
dinâmica tripartida desse relacionamento pode ser percebida pela sequência:
19
RENOUVIN; DUROSELLE. Op. cit., p. 5-8.
20
Cf.: DISCURSO DO CHANCELER AZEREDO DA SILVEIRA NO ROYAL INSTITUTE OF AMERICAN AFFAIRS
(Chattam House), em Londres, em 21 de outubro de 1975. Resenha de Política Exterior do Brasil, nº 7, outubro-
dezembro/1975, p. 55.
21
No que diz respeito à definição do interesse nacional de determinada unidade estatal, José Honório Rodrigues apresenta
perspectiva percuciente à especificidade brasileira. Conforme Rodrigues, “o interesse nacional é aquele que defende
aspirações permanentes e atuais da Nação”, sendo, portanto, “o somatório dos interesses do Povo e da União” que, no caso
brasileiro, são “ampliados em matéria internacional aos princípios da segurança, da auto-determinação, da não intervenção,
do anticolonialismo, do comércio livre e da paz, conforme se viu nos primeiros Manifestos nacionais e em todas as
Constituições”. O problema consiste na “interpretação do interesse nacional”, controlada pela classe política (Poder
Executivo e o Legislativo), que “não exprimem o povo na sua totalidade”, ou, pior, “a falta de uma maioria nacional permite
que, em nome da minoria, se confunda o interesse nacional com os interesses da minoria”. Nesse sentido, o “interesse
nacional que atende esse conjunto [União e Povo] é o desenvolvimento nacional”, de maneira a alçar o posto de nação
desenvolvida, sem abrir mão da autonomia decisória em política externa. (Cf.: RODRIGUES, José Honório. Interesse
Nacional e Política Externa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 76-93; 190)
31
O fim da II Guerra Mundial seria marcado pelo fortalecimento dos EUA e da URSS
(União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), que emergiram dos escombros do conflito
mundial como as duas superpotências que se colocavam como líderes de um novo sistema
global. Aliados de véspera, não tardaram a se antagonizarem em dois blocos geopolíticos
divergentes, consolidando a percepção da existência de dois mundos: o Primeiro Mundo,
capitalista, ocidental, sob hegemonia norte-americana; o Segundo Mundo, socialista, oriental,
sob a égide do sistema soviético. Prevalecia, a partir de então, a lógica da bipolaridade da
Guerra Fria – até o momento do colapso do socialismo soviético, em fins do século XX.
Em meio a esse processo, porém, as guerras mundiais do século XX deixaram outro
legado ao sistema internacional: o fim da II Guerra Mundial foi também o início do declínio
do colonialismo imperialista europeu. Entre 1945 e 1960, mais de quarenta novos países
surgiram do interior do território afro-asiático, que antes era área colonial europeia. A
descolonização afro-asiática se deu em um longo processo marcado por lutas de emancipação,
que resultou no surgimento de um grupo de países que procurou configurar um novo bloco
geopolítico: o Terceiro Mundo, dos países subdesenvolvidos, do Sul, cujo objetivo era o
alcance da via ao desenvolvimento e o combate à dominação imperialista.
O pensamento anti-colonialista ganha forma em 1955, na Conferência de Bandung,
que reuniu mais de vinte Estados afro-asiáticos recém libertos22. Em Bandung são discutidos
os princípios do neutralismo: soberania e integridade territorial; igualdade dos povos e
nações; não-intervenção nos negócios internos dos Estados; não utilização de atos e ameaças
de agressão; não emprego da força contra a integridade territorial e independência dos países.
A partir de Bandung, portanto, se configura o Terceiro Mundo, que tinha por objetivo o não-
alinhamento (a neutralidade frente às potências do mundo bipolarizado). O Movimento dos
Não-Alinhados, que emerge no mesmo momento da discussão sobre a coexistência pacífica
22
Entre 18 e 24 de abril de 1955, na Indonésia, reuniram-se na Conferência de Bandung representantes dos seguintes países
afro-asiáticos: Afeganistão, Arábia Saudita, Birmânia, Camboja, Laos, Líbano, Ceilão, República Popular da China,
Filipinas, Japão, Índia, Paquistão, Turquia, Síria, Israel, República Democrática do Vietnã, Irã, Iraque, Vietnã do Sul, Nepal,
Iêmen do Norte, Etiópia, Líbia, Libéria e Egito.
32
(em 1957, com Brejnev), foi liderado por Chu En-Lai (China), Sukarno (Indonésia) e
Jawaharlal Nehru (Índia).
Em 1961 houve a Conferência dos Países Não-Alinhados de Belgrado, em que surgiu
a ideia do neutralismo positivo (anti-imperialismo), no qual se defendeu um anti-colonialismo
que propunha o não-alinhamento, cristalizando-se, então, a ideia de Terceiro Mundo, trazendo
às relações internacionais o neutralismo político. Além disso, a existência da Liga dos Estados
Árabes, desde 1945, e a realização da I Conferência Pan-Asiática, em 1947, fez com que o
processo de descolonização chamasse a atenção das potências da Guerra Fria, já que desde a
vigência da OTAN (1949) e do Pacto de Varsóvia (1955) a bipolaridade havia se consolidado
e, assim, garantir o alinhamento dos novos países era questão estratégica.
A descolonização afro-asiática, contudo, trouxe consigo problemas de fronteiras, que
geraram guerras civis após os movimentos de emancipação: conflitos étnicos na África e a
questão islâmica no caso da Ásia. Essa fragilidade, certamente, foi a brecha pelo qual as
grandes potências penetraram na questão afro-asiática. A força do movimento, porém, se
assentava em outras bases: os movimentos anti-colonialistas não almejavam apenas a
independência política, mas econômica e cultural, sobretudo.
De fato, em termos econômicos, o grande crescimento demográfico e a ascensão de
uma burguesia colonial composta pelas classes médias nativas, fez com que a falta de
complementaridade econômica entre colônia e metrópole reforçasse a percepção de interesses
divergentes entre ambas, em vista da disputa entre produtores nativos e empreendedores
estrangeiros, principalmente após a II Guerra Mundial23. O elemento cultural, por seu turno,
reforçava a posição neutralista e trazia, no horizonte, os elementos da vontade de
reordenamento mundial. A defesa da identidade cultural, ponto alto do movimento, possui
elementos positivos (a percepção da não-inferioridade) e negativos (extremismos e
engessamento de tradições reacionárias).
A percepção de que o processo de descolonização afro-asiático é um elemento de
transformação global é desenvolvida pelo historiador Geoffrey Barraclough, que apresenta
uma interessante leitura da História Contemporânea, cuja característica principal seria o fato
de que é “História mundial”, na qual a intrínseca interligação social, política, econômica e
cultural do globo, no período compreendido entre 1890 e 1961, gerou a superação do mundo
europeu, dando início à configuração de uma sociedade mais globalizada24. Nesse processo, o
23
Cf.: LOHBAUER, Christian. História das relações internacionais II: o século XX: do declínio europeu à era global.
Coleção Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. p. 117-119.
24
BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à história contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. p. 11-13.
33
sistema do equilíbrio europeu de poder cedeu lugar à “era da política mundial” (marcada pelo
conflito americano-soviético por áreas de influência). Em meio a esse movimento,
Barraclough aborda aquilo que chama de “a revolta contra o Ocidente”.
Essa revolta se daria em um movimento dialético em que a descolonização seria a
reação da Ásia e da África à hegemonia europeia, o que sinalizaria o advento de uma nova
era. A dialética do fenômeno se encontra no fato de que a própria ação imperialista europeia
na África e na Ásia é que forneceu a ferramenta e os motivos para a “revolta”. As ideias
desenvolvidas por Barraclough caminham em dois sentidos: 1. o impacto do Ocidente na Ásia
e na África (ciência e indústria ocidentais gerando transformações socioeconômicas
profundas); 2. a revolta da Ásia e da África contra o Ocidente (reação contra o
imperialismo)25.
Apesar de salientar que o impacto da Europa gerou a revolta (motivo), despertou a
necessidade de mudança (superação da cultura e instituições tradicionais) e forneceu ideias
(autodeterminação, democracia e nacionalismo) que deram suporte ao “renascimento afro-
asiático”, Barraclough, por outro lado, defende a percepção de que esse renascimento não foi
mero fruto de “ocidentalização”, mas apenas foi possível devido a fatores como capacidade de
mudança e adaptação e forte identidade cultural (sentido de diferenciação)26. Nesse sentido,
pode-se afirmar que a concepção de Terceiro Mundo reafirmaria esse desejo de estruturação
de uma identidade própria, não subjugada. É no fator cultural, inclusive, que se encontra um
elemento de mudança contida na História Contemporânea, pois a “literatura, como a política,
rompeu com seus vínculos europeus”, fazendo emergir a “civilização do futuro”, que seria a
“civilização mundial, na qual todos os continentes desempenharão sua parte”27.
Esse otimismo de Barraclough se deve, em grande medida, ao período em que escreve
sua análise: a década de 1960. De fato, o próprio ano de 1960 é considerado o “Ano
Africano”, pois, 17 países africanos alcançaram independência28, o que gerou um impacto na
Assembléia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), com a inclusão dos países
africanos autônomos. Formada originalmente por um grupo de 51 países que, em 1945,
assinaram a Carta do Atlântico, a ONU, após o processo de derrocada dos impérios coloniais,
contava com mais de 120 Estados-membros nos anos 70, devido à entrada dos novos Estados
25
Ibidem, p. 146-7.
26
Ibidem, p. 184-8.
27
Ibidem, p. 252.
28
No ano de 1960 foi proclamada a independência do Camarões, Togo, Senegal, Mali, Costa do Marfim, Daomé, Alto Volta,
Níger, República Central Africana, Congo, Brazzavile, Gabão, Chade, Madagascar, Mauritânia, Zaire (ex-Congo Belga) e
Nigéria, antigas colônias francesas, belgas e inglesas.
34
29
Cf.: LINHARES, Maria Yedda. Guerras anticoloniais: nações contra impérios. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da
(org.). O século sombrio: uma história geral do século XX. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 224.
30
Cf.: MAZRUI, Ali A.; WONDJI, C. (org.). História Gerald a África VIII: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010, p.
1007.
31
DUROSELLE, Jean-Baptiste. A Europa de 1815 aos nossos dias. São Paulo: Pioneira, 1976, p. 237-238.
35
32
De acordo com Claude Delmas, o advento da bomba atômica conferia o caráter específico da Guerra Fria, entendida como
“um antagonismo fundamental de idéias e de interesses que não se amplifica até o estado de ‘beligerância clássica’”, no qual
a concepção universalista (presente na ONU), em que as nações compartilhariam interesses comuns, deu lugar à tese das
esferas de influência. A preocupação com o não enfrentamento direto fez com que se evitasse que as tensões se acirrassem
em áreas cuja influência de cada potência era de importância fundamental à manutenção de suas pretensões – ou seja, a
Europa – o que, por outro lado, não era o caso de regiões como a Ásia e o Extremo Oriente. Devido ao caráter especial da
Guerra Fria, Delmas expõe que o enfrentamento se deu por táticas diferentes e específicas, a saber: a dissuasão, a subversão e
a persuasão. A primeira seria aplicada pelos EUA que, tendo o monopólio e, posteriormente, a superioridade em termos de
armamentos nucleares, forçava a URSS a abrir mão de realizar qualquer ação que ocasionasse em um enfrentamento direto
contra os ianques. Assim sendo, a opção soviética seria a subversão à lógica do capitalismo, minando o sistema por dentro,
através do reforço dos partidos comunistas europeus, ou pelo incentivo e financiamento das guerrilhas empreendidas pelos
militantes comunistas. Esses dois elementos – dissuasão e subversão – comporiam aquilo que Delmas denomina de “dialética
do antagonismo”, em que cada potência, à sua maneira, procurava persuadir o outro lado a acatar à sua posição. (Cf.:
DELMAS, Claude. Armamentos nucleares e Guerra Fria. São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 21-71)
33
KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências: transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000.
Rio de Janeiro: Campus, 1989, 371-372.
34
Ibidem, p. 374-375.
36
No momento em que o Terceiro Mundo surgiu como uma força nas relações
internacionais, a influenciar os debates nas Assembleias Gerais da ONU – onde o eixo Norte-
Sul do sistema internacional se contrapõe à centralidade do conflito Leste-Oeste – a PEB
encontrava-se alinhada com a política externa norte-americana. Inseria-se, assim, na lógica do
35
Cf.: LINHARES, Maria Yedda. “Descolonização e lutas de libertação nacional”. In: REIS FILHO, Daniel Aarão;
FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste (org.). O século XX: o tempo das dúvidas: do declínio das utopias às globalizações. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 47-63.
36
LINHARES (2004), Op. cit., p. 228-237.
37
mundo bipolar da Guerra Fria, compondo o bloco ocidental, cuja prioridade era a segurança
internacional caracterizada como combate à expansão mundial do comunismo.
A tradição diplomática, que remonta à perspectiva realista do barão do Rio Branco,
durante a Primeira República brasileira, percebia a emergência dos EUA como polo de poder
hemisférico e mundial, que sinalizava a necessidade de estreitamento de laços com a potência
norte-americana – a “aliança tácita” com os EUA. Com o advento da Segunda República, o
paradigma americanista, esboçado por Rio Branco, se consolida em duas vertentes: a
pragmática, de Osvaldo Aranha (onde a “aliança com Washington passa a ser vista como
instrumento de projeção internacional do país”, um elemento de barganha ao anseio nacional
por insumos econômicos ao desenvolvimento), e a ideológica, de João Neves da Fontoura
(posição conservadora, que após a II Guerra Mundial internaliza os pressupostos de defesa da
civilização ocidental cristã)37. Enquanto a vertente pragmática prevaleceu durante o Estado
Novo de Vargas, que negociou o alinhamento com os EUA durante a II Guerra Mundial (a
“barganha nacionalista”, em que a política externa é, conscientemente, utilizada como
instrumento estratégico para financiar a industrialização brasileira), a vertente ideológica, por
seu turno, se fez notar durante o governo Dutra (1945-1951)38.
O alinhamento à potência hegemônica seria o cerne do debate sobre a PEB, durante a
década de 50, que dividia a opinião de políticos, burocratas e intelectuais em duas vertentes
básicas, genericamente classificadas como nacionalista (que busca maior autonomia decisória
no sistema internacional) e americanista (que propugnava maior alinhamento à potência
hegemônica). Elementos externos e internos iriam acirrar o debate, fazendo com que, no
início dos anos 60, a diplomacia brasileira apresentasse um projeto de política externa de corte
nacionalista.
A conjuntura internacional assinalava uma flexibilização na rigidez da Guerra Fria – a
crise de Suez (1956), onde a vitória de Abdel Nasser sobre os interesses britânicos e franceses
(sem intervenção dos EUA e URSS) enfraquecia a liderança norte-americana no Ocidente; a
desestalinização da URSS e o esforço soviético por conter insurreições intra-bloco (a
insurreição húngara, de 1956). Em meio a esse processo, o conflito Leste-Oeste é confrontado
pela lógica da divisão Norte-Sul do sistema internacional. A conferência de Bandung (1955),
o ideal do neutralismo e a presença majoritária do Terceiro Mundo nas Assembléias Gerais da
37
SILVA, Alexandra de Mello e. “O Brasil no continente e no mundo: atores e imagens na política externa brasileira contem-
porânea”. Estudos Históricos vol.8 n.15. Rio de Janeiro, 1995. p.95-118.
38
VIZENTINI, Paulo Fagundes. O Nacionalismo Desenvolvimentista e a Política Externa Independente. Revista Brasileira
de Política Internacional, ano 37, n.1, Brasília, Ibri, jan./jun 1994, p. 24-36. Disponível em
http://ftp.unb.br/pub/UNB/ipr/rel/rbpi/1994/114.pdf. Acesso em: 03 abr. 2011.
38
39
GONÇALVES, Williams. “Sobre a política externa do Brasil”. In: LUCAS, Fábio; BELUZZO, Luiz Gonzaga (org.). A
Guerra do Brasil: a reconquista do Estado brasileiro: um conjunto de propostas para inserir o Brasil na luta contra o sistema
mundial de dominação. São Paulo: Textonovo, 2000, p. 214-216.
40
HIRST, Mônica. “A política externa do segundo governo Vargas”. In: ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon (org.).
Sessenta anos de política externa brasileira (1930-1990): volume I: crescimento, modernização e política externa. São Paulo:
Cultura editores associados, 1996, p. 211-229.
41
FONSECA JR., Gelson. “Estudos sobre a Política Externa do Brasil: os tempos recentes (1950-1980). In: FONSECA JR.,
Gelson; LEÃO, Vasco Carneiro. Temas da Política Externa Brasileira. Brasília, FUNAG/IPRI, 1989, p. 275-283.
39
42
Cf.: KOCHER, Bernardo. “O Brasil no Terceiro Mundo. Análise da Política Externa Brasileira entre 1955 e 1964”. Anais
do XIII Encontro de História da ANPUH-Rio – Identidades, Rio de Janeiro, 04-07 ago. 2008. Disponível em:
http://encontro2008.rj.anpuh.org/site/anaiscomplementares. Acesso em: 03 abr. 2011.
43
Cf.: GONÇALVES, Williams da Silva. O realismo da fraternidade: Brasil-Portugal. Portugal/Lisboa: ICS, 2003.
40
44
MOURA, Gerson. “Avanços e recuos: a política exterior de JK”. In: GOMES, A. de C. (org.), O Brasil de JK. Rio de
Janeiro: Editora FGV (CPDoc), 1991. p. 23-43.
45
Gonçalves (2003), Op. cit., p. 165-195.
46
Ibidem, p. 245-246.
47
SARAIVA, José Flávio S. “Do silêncio à afirmação: relações do Brasil com a África”. IN: CERVO, Amado L. (org.). “O
desafio internacional: a política exterior do Brasil de 1930 a nossos dias”. Brasília: Editora UNB, 1994, p. 275-301.
41
salienta Pio Penna Filho, o apoio irrestrito ao colonialismo português, aliado à completa falta
de conhecimento da realidade africana, fez com que a aproximação efetiva com a África
negra, e a proposição de ações concretas pró-África, tardassem a ser implementadas. Esse
fato, porém, não deve obscurecer a atuação pró-ativa das chamadas “vozes dissidentes”
(Adolpho Justo Bezerra de Menezes, Osvaldo Aranha e Álvaro Lins) que, desde o período do
governo Kubitschek, propunham uma posição anti-colonialista, terceiro-mundista e voltada
para o mundo afro-asiático48, que só se concretizou na conjuntura da década de 1970.
O desconhecimento da realidade africana e a ausência de alguma política definida com
relação aos países africanos independentes que emergiam no sistema internacional, fica
patente pela postura brasileira de assistir passivamente ao processo de descolonização afro-
asiático e apoiar os anseios colonialistas de Portugal (no caso de Angola, Moçambique, São
Tomé e Príncipe, Guiné Bissau e Cabo Verde) e França (caso argelino). Apenas em 1957
surgiria um memorando do diplomata Sérgio Corrêa do Lago, indagando sobre as implicações
para o Brasil na questão da descolonização africana e asiática. Em 1959, o embaixador do
Brasil na Índia, José Cochrane de Alencar, escreveu um memorando ao ministro Negrão de
Lima, no qual sugeria a formulação de uma política que atendesse às aspirações dos povos
afro-asiáticos, pois entendia que o advento da descolonização figurava como oportunidade
para a projeção internacional do Brasil no mundo.
No mesmo ano, o diplomata brasileiro Jorge Paes de Carvalho (que havia servido na
embaixada brasileira em Lisboa, junto a Álvaro Lins), registrou a necessidade de o Brasil
apresentar postura mais assertiva com relação aos movimentos de descolonização africanos.
Na condição de observador do governo do Brasil na I Sessão da Comissão Econômica para a
África (CEA), realizada em Adis Adeba, Carvalho, em seu relatório ao ministro Negrão de
Lima, constatou o crescimento em importância da África no sistema internacional, ao qual o
Brasil não poderia ficar alheio e deveria, portanto, ficar atento à necessidade de aproximar-se
dos países africanos, em vista de sua articulação em termos de política internacional na
ONU49.
A percepção da importância do Terceiro Mundo no sistema internacional, e do fato de
que o Brasil poderia, através de uma aproximação com os movimentos de independência que
surgiam (principalmente dos países africanos), alçar proeminente projeção internacional, logo
esbarraria no apoio ao colonialismo português. O embaixador brasileiro em Portugal durante o
48
PENNA FILHO, Pio; LESSA, Antônio Carlos. “O Itamaraty e a África: as origens da política africana do Brasil”. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 39, p. 57-81, 2007.
49
Ibidem.
42
governo Kubitschek, Álvaro Lins, foi um dos expoentes a criticar as relações privilegiadas
entre Brasil e Portugal, dadas pelo discurso dos laços fraternais, que só traziam benefícios
para o lado português em detrimento dos interesses nacionais do Brasil. Essa postura de
Álvaro Lins se deu após desentendimento com o governo português, por oferecer asilo
político ao general português Humberto Delgado, na embaixada do Brasil em Lisboa.
Em 1958, o embaixador Osvaldo Aranha, em entrevista concedida ao jornal “Última
Hora”, alertava para o fato de que a posição brasileira de apoiar o colonialismo francês
(Argélia) e português na ONU era contrária ao seu passado histórico e gerava uma imagem
negativa de desconfiança frente aos novos Estados que surgiam na ONU50, o que traria
prejuízo de longo prazo para o prestígio internacional do país51. Desenvolvia-se, no interior do
corpo diplomático brasileiro, a tese de que a defesa dos interesses nacionais seria melhor
encaminhada por maior aproximação com o Terceiro Mundo, no qual, no que tange ao
continente africano, o Brasil deveria adotar postura anti-colonialista, inclusive contra os
interesses portugueses. Um dos primeiro diplomatas brasileiros a pensar em uma ação política
coerente ao interesse nacional e pragmática com relação ao mundo afro-asiático foi Adolpho
Justo Bezerra de Menezes, que expressou sua percepção a respeito do tema através da
publicação das obras “O Brasil e o mundo ásio-africano” (1956) e “Ásia, África e a Política
Independente do Brasil” (1961); nas palavras do próprio:
50
GONÇALVES (2003), Op. cit., p. 182-183.
51
SILVA, Op. cit., p. 107.
52
MENEZES, Adolpho Justo Bezerra de. Ásia, África e a política Independente do Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1961,
p. 69.
43
conservadorismo de suas idéias, com as da maioria da população do país”. Esse grupo político
conservador, com laços afetivos e ideológicos com a Europa, se juntaria àquele ligado aos
interesses financeiros dos EUA, que “interpreta qualquer atitude mais independente de caráter
internacional como sendo um descambar para o comunismo e para a dependência soviética” –
tratava-se da “minoria filo-francesa e filo-americana”53.
O tom sarcástico da crítica de Menezes (fruto de seu posicionamento nacionalista) se
deve a percepção de que a aproximação com o Terceiro Mundo geraria ganhos econômicos e
comerciais que se perderiam em vista de um posicionamento conservador anacrônico.
Menezes visualizava, então, que na África negra “encontraríamos um mercado para os
produtos manufaturados e de indústria média, que nosso parque industrial já poderá suprir”,
alcançando a posição privilegiada de “vendedores primários à Europa e de manufaturados à
África”, em um esquema no qual a “África continuaria vendendo, mas dentro de um regime
de cotas e de fixação de preços, em harmonia conosco”54. Infere-se, desta assertiva, a
possibilidade de uma articulação multilateral entre os países do Terceiro Mundo, a fim de
tornar o comércio internacional favorável aos seus interesses, em vez de ser benéfico apenas
aos anseios das grandes potências.
Em termos políticos e de projeção internacional, o Brasil deveria assumir a posição de
mediador, de “defesa dos fracos e oprimidos da Ásia e da África”, que desejam garantir suas
necessidades e aspirações frente ao sistema hegemônico das grandes potências, no qual “a
África é atualmente o seu principal campo de experimentação”, sendo o Brasil, em vista de
seu passado colonial e sua imagem anti-imperialista e anti-racista, o país indicado “para
constituir-se em propulsor e advogado das idéias de u’a [sic] moralização das relações
internacionais”. O destino brasileiro, pela perspectiva de Menezes, seria a de “conciliador
internacional”, para o qual “precisa projetar-se inteiramente, de corpo e alma, em política
internacional; não como acólito, mas como mestre de orquestra”55. Percebe-se, assim, a visão
de futuro (positiva), na qual o Brasil estaria fadado a figurar entre os grandes do tabuleiro
internacional, devendo, para isso, projetar-se como liderança junto aos países
subdesenvolvidos.
Surge então, como nos escritos e proposições de Menezes (e em meio ao processo de
descolonização afro-asiático e configuração do Terceiro Mundo), a percepção diplomática
brasileira, em relação aos países subdesenvolvidos, que acompanharia o imaginário da PEB
53
Ibidem, p. 72-74.
54
Ibidem, p. 109-112.
55
MENEZES, Adolpho Justo Bezerra de. O Brasil e o mundo Ásio-Africano. Rio de Janeiro: GRD, 1960, p. 09-16; 309-310.
44
A PEI, inaugurada durante a presidência de Jânio Quadros (tendo Afonso Arinos como
ministro das Relações Exteriores) e continuada pela presidência de João Goulart (com San
Tiago Dantas à frente do Itamaraty), foi um ponto de inflexão na História da Política Externa
Brasileira. Suas proposições, conceitos, interpretação do sistema internacional e
posicionamento do Brasil frente ao mesmo, seriam o substrato da ação diplomática brasileira,
tanto durante os governos militares a partir da década de 1970 (em vista do interregno
ideológico entre 1964-1969), quanto em tempos recentes.
A PEI foi uma reformulação da “barganha nacionalista” (presente no “americanismo
pragmático”), dos governos Vargas, frente à nova conjuntura internacional dos anos 50 e 60: a
recuperação econômica da Europa Ocidental e do Japão, o descaso dos EUA com o
desenvolvimento econômico latino-americano e a relação de dependência existente, a
descolonização afro-asiática, a consolidação do socialismo e da condição de potência da
URSS, o Movimento dos Países Não-Alinhados, a Revolução Cubana. Em meio a essa
conjuntura, a PEI se fundamentava em cinco princípios básicos: 1. ampliação do mercado
interno; 2. formulação autônoma dos planos de desenvolvimento econômicos; 3. manutenção
da paz pela coexistência pacífica e desarmamento geral; 4. defesa dos princípios da
autodeterminação dos povos, não-intervenção nos assuntos internos de outros países e
primado do Direito Internacional; 5. emancipação colonial (que, ao arrefecer a
competitividade no mercado europeu com a África, favoreceria a exportação brasileira à
Europa, além de contribuir para assentar a condição brasileira de liderança política mundial na
posição de intermediário entre o Primeiro e o Terceiro Mundo)56.
Conforme Letícia Pinheiro, “as relações com os Estados Unidos deixaram de ser vistas
como poder de barganha do Brasil, para se tornarem consequência da própria ampliação desse
poder de negociação”. O globalismo orientou-se a partir do universalismo, como perspectiva
do país estar aberto para manter relações com todos os países, independentemente de
localização geográfica, tipo de regime ou opção econômica, como instrumento para a
56
VIZENTINI (1994), Op. cit., p. 27-33.
45
Cumpre notar que no caso de Angola jamais o Brasil olvidou os laços de solidariedade
histórica que o unem a Portugal. Pelo contrário, o que tememos, ainda hoje, é que uma
posição política demasiado rígida comprometa o papel que a cultura portuguesa pode
representar na África a longo prazo, e tornar difícil, senão impossível, a transformação dos
vínculos atuais em outros, de caráter comunitário, cuja preservação seria útil a todos os
povos de língua portuguesa e manteria Angola e Moçambique no quadro cultural político do
Ocidente59.
57
PINHEIRO, Letícia. Política Externa Brasileira (1889-2002). Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 34-35.
58
DANTAS, San Tiago. Política Externa Independente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962, p. 05-12.
59
Ibidem, p. 13.
60
Ibidem, p. 22-23.
46
61
Ibidem, p. 198.
62
GONÇALVES, Williams da Silva. “História das Relações Internacionais”. In: LESSA, Mônica Leite; GONÇALVES,
Williams da Silva (org.). História das Relações Internacionais: teoria e processos. Rio de Janeiro: Eduerj, 2007, p. 32-34.
63
Cf.: GONÇALVES (2003), Op. cit., p. 213-214.
64
Ibidem, p. 215.
47
Ao longo dos governos militares do Brasil (1964-85), a PEI sofreu variações, entre o
alinhamento ideológico com o Ocidente nos anos iniciais do regime (1964-69) e o
pragmatismo e universalismo, a partir dos anos 70. Nesse longo período, as relações
diplomáticas brasileiras com o continente africano estiveram centradas nas relações ambíguas
do Brasil com o colonialismo português. Condicionada a esse aspecto, dois elementos
exerceram influxo sobre a política africana que veio a emergir então: o discurso culturalista,
no qual o Brasil se apresentava como uma democracia racial, e a questão econômica que
envolvia a África, na luta contra o subdesenvolvimento.
A ideia de que o Brasil é uma democracia racial advém da tese de Gilberto Freyre
acerca da “afirmação da personalidade mestiça da nação brasileira”, contida na obra “Casa
Grande e Senzala”, de 1933, em que procurou reverter o pessimismo da intelectualidade
brasileira acerca da mistura de raças da qual emergiu o povo brasileiro, procurando exaltar as
65
BARBOZA, Mario Gibson. Na diplomacia, o traço todo da vida. Rio de Janeiro: Record, 1992, p. 236-238.
66
PENHA, Eli Alves. Relações Brasil-África e geopolítica do Atlântico Sul. Salvador: Edufba, 2011, p. 157-159.
48
67
GONÇALVES (2003), Op. cit., p. 92.
68
DÁVILA, Op. cit., p. 25.
69
Ibidem, p. 24-25.
70
PENNA, Meira, apud Ibidem, p. 232.
49
Ao reclamar do ativismo ideológico do ator Antonio Pitanga (que divulgava seu filme
“Gamga Zumba” na África), cujo filme representava uma imagem do Brasil contrária ao
discurso oficial sobre a sociedade brasileira, registrou o seguinte: “Que o Brasil é uma
‘democracia racial’, eis o que é sempre repetido, em qualquer oportunidade, pelos nossos
representantes no exterior”, relatava Meira Penna, “estudiosos se esforçaram para destacar
que até a escravidão colonial era muito mais benigna no Brasil do que em outras partes da
América, e isso foi a base para a promoção da imagem do Brasil, ‘certa ou errada, verdadeira
ou ilusória’ [...]”71.
O segundo grupo entendia a ideia de democracia racial a partir de uma visão positiva,
progressista e utópica, materializada no discurso de apoio à autodeterminação dos povos e
apoio à descolonização africana. Com os olhos no futuro, diplomatas brasileiros ligados à PEI
e intelectuais ligados ao movimento negro, desenvolveram uma perspectiva de aspecto
ideológico e ativista, consubstanciada na fala de Alberto da Costa e Silva (embaixador que
esteve presente nas primeiras missões brasileiras à Nigéria independente, e se tornou notório
historiador brasileiro da África): “o Brasil não era uma democracia racial. Não era, mas, a
partir de então, passou a querer ser. Ser uma democracia racial passou a ser uma das grandes
aspirações nacionais”72. Um exemplo dessa postura se encontra nas lembranças do
embaixador Mário Gibson Barboza acerca do significado da antológica viagem que realizou,
em 1972, a nove países africanos (Costa do Marfim, Gana, Togo, Daomé, Zaire, Camarões,
Nigéria, Senegal, Gabão):
A visita à África, como a concebi e vejo até hoje, não constitui assim, exclusivamente, a
abertura de vias de intercâmbio comercial e cooperação mútua, assinatura de acordos, a
proclamação de princípios gerais de convivência internacional, mas também o
reconhecimento e a retomada de uma das raízes de nossa formação, abandonada pelo descaso
ou preconceito de gerações que se envergonhavam do fato de sermos um país mestiço.
Ignorando que nisso, precisamente, reside um dos traços predominantes de nossa
individualização como nação73.
71
Ibidem, p. 108-109.
72
SILVA, Alberto da Costa e apud Ibidem, p. 87.
73
BARBOZA, Op. cit., p. 295.
50
74
VALE, Ciro Freitas apud DÁVILA, Op. cit., p. 115-116.
75
Ibidem, p. 13-14.
76
RODRIGUES, José Honório. Brasil e África: outro horizonte. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 276-305.
77
Ibidem, p. 320.
51
forma alguma, com a defesa do colonialismo português ou com a abstenção com relação ao
apartheid da África do Sul, na ONU.
A perspectiva de Rodrigues, de que as relações diplomáticas e a articulação
colaboracionista do Brasil com a África negra seria algo determinado e legitimado pela
própria história nacional78 (a inevitabilidade da História), certamente influenciou a geração de
diplomatas vinculados às perspectivas da PEI, visto ter sido professor de História Diplomática
do IRI (Instituto Rio Branco)79, que forma os aspirantes à carreira diplomática no Brasil80.
Portanto, o Brasil, modelo de democracia racial, deveria apresentar-se à África como
intermediário entre as aspirações africanas e as grandes potências (garantindo que os Estados
africanos mantivessem e aprofundassem seus laços culturais com o Ocidente) e, ao mesmo
tempo, como articulador da luta em prol do desenvolvimento, no Terceiro Mundo
(alcançando, assim, um novo patamar internacional). A consecução de tal proposta dependeria
da superação dos “laços afetivos” com o colonialismo português, durante os governos
militares do Brasil. A projeção da imagem de democracia racial e a busca da “diplomacia para
o desenvolvimento”, por seu turno, ultrapassariam os anos da Guerra Fria e permaneceriam
vivas em tempos recentes. Sob essa perspectiva, conforme já havia assinalado Adolpho Justo
Bezerra de Menezes. “a África é atualmente o seu principal campo de experimentação”81.
O golpe de Estado realizado pelos militares no Brasil, em 1964, fora motivado pela
suposta esquerdização do governo João Goulart, e do temor causado nos setores
conservadores das reformas de base propostas, além da oposição dos americanistas à PEI. A
partir de então, a PEB seria dada pela ótica geopolítica da ESG, das teorias de Golbery do
Couto e Silva, cuja leitura do sistema internacional era dada pela clivagem Leste-Oeste, da
oposição entre Ocidente/capitalismo versus Oriente/comunismo. Envolto pela percepção da
78
Ibidem, p. 533.
79
Cf.: RODRIGUES, José Honório; SEITENFUS, Ricardo A. S. Uma história diplomática do Brasil: 1531-1945. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1995, p. 13-17.
80
Contribuição semelhante prestou o geógrafo Delgado de Carvalho que, entre 1955 e 1957, lecionara História Diplomática
do Brasil, no IRBr, sempre procurando defender o ideal do “destino de potência” do Brasil, no cenário internacional. Em
1963, Delgado de Carvalho publicou a obra “África: Geografia social, econômica e política”, na qual argumentava a favor do
papel do Brasil como mediador entre a África e as grandes potências, em vista de suas características geográficas e históricas,
o que lhe garantiria projeção internacional. (Cf.: apud PENHA, Op. cit., p. 153; 160)
81
MENEZES (1960), Op. cit., p. 12.
52
rigidez bipolar da Guerra Fria, os primeiros anos do regime militar seriam aqueles em que
prevaleceu o alinhamento ideológico aos EUA.
Ao delimitar o raio de ação internacional do Brasil, em 1964, o presidente Castelo
Branco afirmava que “o interesse do Brasil coincide, em muitos casos, em círculos
concêntricos, com o da América Latina, do Continente Americano e da comunidade
ocidental”82, acrescentando que:
82
DISCURSO do presidente Castello Branco, no palácio do Itamaraty, em 31 de julho de 1964. Textos e Declarações sobre
Política Externa (de abril de 1964 a abril de 1965). MRE, Departamento Cultural e de Informações, p; 08.
83
Ibidem, p. 09.
84
MARTINS, Carlos Estevão. “A evolução da política externa brasileira na década 64/74”. Estudos CEBRAP, n.12. 1975, p. 58-
66.
85
GONÇALVES, Williams da Silva e MIYAMOTO, Shiguenoli. “Os militares na política externa brasileira”: 1964-1984.
Estudos Históricos vol.6 n.12. Rio de Janeiro, 1993, p. 211-246.
53
86
DISCURSO DE SAUDAÇÃO DO PRESIDENTE CASTELLO BRANCO AO PRESIDENTE LÉOPOLD SENGHOR.
BRASÍLIA, 23 DE SETEMBRO DE 1964. Textos e Declarações de Política Externa (de abril de 1964 a abril de 1965).
MRE, Departamento Cultural e de Informações, p. 26-27.
87
PENNA, Op. cit., p. 69.
54
91
Ibidem, p. 389.
92
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. A política externa do regime militar brasileiro: multilateralização, desenvolvimento e a
construção de uma potência média (1964-1985). Porto Alegre: UFRGS, 1998. p. 192-203.
93
Ibidem, p. 204.
94
Ibidem, p. 242.
56
contra a afirmação e crescimento de seu Poder Nacional” 98. Tratava-se da busca do interesse
nacional, livre de constrangimentos externos, em vista da percepção acerca do destino de
grandeza do Brasil, no cenário internacional. A análise de Castro representava os anseios dos
setores nacionalistas do MRE. Foram estes que coordenaram a política africana do Brasil, que
se atrelava à ideia do destino de potência brasileiro.
Essa percepção do “congelamento do poder mundial” emergiu durante o governo
Médici, no qual se formula uma política internacional cujo cálculo estratégico visava a
projeção internacional, e a “renegociação dos termos da dependência”. A defesa da
multipolarização se inseriu na crítica ao “congelamento do poder mundial” (circunscrito a
EUA, Europa, Japão, URSS, China – os cinco grandes), já que o anseio nacional era participar
do círculo dos grandes, ao invés de ficar de fora99.
Era a leitura do sistema internacional a partir da dinâmica centro-periferia, da divisão
Norte-Sul. Com Médici, o interesse nacional é definido em termos do projeto de Brasil
Potência, alavancado pelo “milagre econômico” brasileiro (crescimento elevado do PIB), que
incentivava a busca por novos mercados. Assim, no governo Médici, o Brasil começa a
exportar produtos manufaturados (commodities), motivo pelo qual o ministro das Relações
Exteriores, Gibson Barboza, foi até a África em busca de mercados (o que, posteriormente,
rearticularia a política africana dos militares)100.
A viagem de Barboza à África, em 1972, deixava claro para o então ministro das
Relações Exteriores o papel a ser desempenhado pelo Brasil: convencer Portugal a dialogar
com os movimentos de libertação africanos – no sentido de reverter, progressivamente, a
condição colonial, tal qual fizeram franceses e britânicos em outras ocasiões. Não logrou
êxito. Portugal manteve-se irredutível ate o ocaso do regime salazarista pela Revolução dos
Cravos de 1974. Seguiu-se a eclosão das independências dos redutos colonialistas portugueses
na África, em 1975. Como resultado, devido ao desgaste de anos apoiando o colonialismo
português, a posição brasileira não era nada positiva na África. Esse fato seria constatado por
Ovídio Melo, em 1975, durante encontro com o ministro das Relações Exteriores
moçambicano, Marcelino dos Santos, que fez duras críticas ao Brasil, cujo apoio a Portugal,
prolongara o morticínio das guerras de independência. Era preciso reverter essa imagem101.
98
CASTRO (1972), Op. cit., p.7-30.
99
MARTINS, Op. cit., p. 77-97.
100
GONÇALVES; MIYAMOTO, Op. cit.
101
DÁVILA, Op. cit., p. 202-229.
58
102
Ibidem, p. 204-205.
103
O apoio cubano ao MPLA no processo de independência de Angola poderia ter sido um entrave incontornável à
determinação da diplomacia do governo Geisel em reconhecer o governo angolano do movimento. Todavia, o encobrimento
da presença de tropas cubanas em Angola fez com que essa informação não chegasse ao conhecimento da opinião pública
brasileira e dos setores militares, facilitando ao governo Geisel o reconhecimento da independência e do governo do MPLA.
Conforme Márcia M. Silva, esse é um ponto controverso na história da PEB, pois, se a opinião pública brasileira desconhecia
a presença cubana em Angola, setores do governo, no mínimo, desconfiavam do fato. O representante diplomático do Brasil
em Angola tardou a informar a participação cubana em seus relatórios ao MRE, que eram favoráveis ao reconhecimento do
governo do MPLA. Seus relatórios, entretanto, detalhavam de forma precisa o processo de internacionalização dos conflitos
em Angola. Havia uma linha tênue entre o desconhecimento e a incerteza acerca da presença cubana em Angola. O próprio
presidente Geisel, que no calor do momento havia negado o conhecimento acerca da presença cubana em Angola,
posteriormente, durante entrevista ao CPDOC, em 1994, afirmou que na época tinha conhecimento da informação, mas
59
manteve a decisão de apoiar o governo angolano do MPLA devido a questões pragmáticas. (Cf.: SILVA, Márcia Maro da. A
independência de Angola. Brasília: FUNAG, 2010).
104
PENHA, Op. cit., p. 170-173.
105
SANTANA, Ivo de. “Notas e comentários sobre a dinâmica do comércio Brasil-África nas décadas de 1970 a 1990”.
Revista Brasileira de Política Internacional, nº 46, vol. 2, 2003, p. 113-137.
60
princípio, na Nigéria, a partir de 1977 (que exportava petróleo para o Brasil em troca de
serviços, tecnologia e bens de capital) e em Angola (a partir de 1984)106.
O governo Geisel, dentre os militares, foi o que mais afrontou os EUA. Foi uma
posição mais incisiva devido ao momento, no qual o Brasil defende sua autonomia. O
governo Geisel foi, portanto, dentre os militares, aquele que efetuou o rompimento com a
dependência em relação aos EUA, e refletia o objetivo do Brasil Potência. Nesse aspecto, “a
diversificação de parceiros econômicos externos tanto do Primeiro Mundo quanto do Terceiro
Mundo ocupava um papel fundamental”, pois o Brasil buscava mercados para as exportações
de manufaturados e serviços. Portanto, sua atuação frente ao Terceiro Mundo, foi de
implementar “uma política incisiva nos foros multilaterais na tentativa de articulação do
diálogo Norte/Sul”, buscando, assim, segundo Miriam Saraiva, aumentar “sua projeção
internacional na América Latina, África, Oriente Médio”, ampliando e diversificando suas
parcerias comerciais107.
Essa percepção seria reforçada pelo próprio presidente Geisel, em 1975, durante visita
do presidente do Gabão ao Brasil:
106
Ibidem
107
SARAIVA, Miriam Gomes. Política externa, política interna e estratégia de desenvolvimento: o projeto de Brasil potência
emergente (1974 a 1979). Sociedade em Debate vol.3 n.4. Pelotas/RS : Universidade Federal de Pelotas, nov.1997. p.19-38.
108
DISCURSO do presidente Ernesto Geisel no jantar que o governo brasileiro ofereceu ao presidente do 13 de outubro de
1975. Resenha de Política Exterior do Brasil, MRE, n.07, out.-dez 1975, p. 37.
61
que a atrelavam aos EUA. Essa postura logrou não apenas melhorar a imagem do Brasil na
África (e os consequentes ganhos econômicos e políticos daí advindos, conforme o
prognóstico daqueles que desde os anos 50-60 defendiam a elaboração de uma política
africana), mas, além disso, melhorou a imagem do Brasil frente ao próprio governo norte-
americano, representado pela figura de Henry Kissinger, que almejava implementar junto ao
Brasil a política de “delegação”109. O chanceler Azeredo da Silveira se aproveitou da
aproximação de Kissinger para por em prática seu objetivo de obter reconhecimento dos EUA
da condição do Brasil de país em ascensão. O próprio Kissinger veio a reconhecer que: “O
Brasil usou suas ligações com o Terceiro Mundo não para enfraquecer os Estados Unidos,
mas para conquistar status de grande potência para si mesmo”110.
A posição do Brasil, com o reconhecimento do governo angolano repercutiu
positivamente em sua relação com os EUA, pois, da perspectiva norte-americana, se tornou o
“único país em Luanda a manter uma porta aberta para o Ocidente”, o que demonstrava que o
Brasil “tinha influência para penetrar em certas regiões do mundo onde Washington
simplesmente não possuía nenhuma estratégia diplomática própria”111. Formulou-se, assim,
um memorando de entendimento entre Brasil (Silveira) e EUA (Kissinger), que previa uma
consulta mútua bi-anual a fim de tratar de assuntos de política externa: era o reconhecimento
da ascensão internacional do Brasil que a diplomacia nacional almejava.
As ações e propostas de Azeredo da Silveira demonstravam assertividade. Ao
caracterizar a PEB durante sua gestão à frente do MRE, Silveira endossava a visão de que, na
condição de potência emergente, os valores ocidentais do Brasil “não podem ser interpretados
como uma limitação às nossas ações internacionais”, haja vista suas afinidades com os
anseios e aspirações do Terceiro Mundo (prioritariamente a América Latina e a África) “por
uma maior influência nas decisões internacionais e de participação da oposição a qualquer
tentativa de cristalização da atual distribuição do poder e da riqueza”112. Ecoa, na fala de
Silveira, a tese de Araújo Castro.
109
A política de “delegação”, planejada por Henry Kissinger durante o governo Nixon, era uma estratégia de reafirmação do
poder americano no Terceiro Mundo por meio de alianças estratégicas com grandes países em desenvolvimento com
capacidade de exercer influência em suas respectivas regiões, que agiriam como “país-chave”, em um compartilhamento de
responsabilidades na manutenção da ordem hegemônica. (Cf.: SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro:
Zahar, 2009, p. 20-23).
110
Ibidem, p. 108-109.
111
Ibidem, p. 129-130.
112
DISCURSO DO CAHNCELER AZEREDO DA SILVEIRA NO ROYAL INSTITUTE OF INTERNATIONAL AFAIRS,
Op. cit..
62
113
GONÇALVES; MIYAMOTO, Op. cit..
114
PINHEIRO, Letícia. Unidades de decisão e processo de formulação de política eterna durante o regime militar. In:
ALBUQUERQUE, J. A. Guilhom. Sessenta anos de política externa brasileira (1930-1990): vol. 4 – Prioridades, Atores e
Políticas. São Paulo: Annablume/Nupri, 2000, p.449-474.
115
FERREIRA, Túlio Sérgio Henriques. A ruína do consenso: a política exterior do Brasil no governo Figueiredo (de 1979 a
1985). Revista Brasileira de Política Internacional Ano 49 n.2. Brasília, 2006, p.119-136. Disponível em:
http://www.scielo.br. Acesso em: 03/04/2011.
116
CAMARGO, Sonia de. Autoritarismo e democracia na Argentina e Brasil (uma década de política exterior - 1973-1984). São
Paulo: Ed. Convívio, 1988, p.123-130.
63
Na passagem dos anos 80 para os anos 90, a queda do muro de Berlim e a dissolução
da URSS eram os sinais de uma nova era das relações internacionais: a Guerra Fria chegava
ao fim. Momento de incerteza e conjecturas, a percepção gerada pelo pós-Guerra Fria é a de
que o sistema internacional processa uma mudança estrutural não mensurável. Um período de
dúvidas acerca da configuração a que se chegaria as relações internacionais: unipolaridade
hegemônica dos EUA, multipolaridade entre as potências regionais e/ou uni-multipolaridade.
O fato concreto é que o conflito Leste-Oeste acabou. Não há mais Segundo Mundo, a via
socialista. O Terceiro Mundo, pela ótica de alguns analistas, perderia a razão de ser, já que
seu recurso de poder era a negociação e articulação entre os interesses dos blocos antagônicos.
A fragmentação e diversificação do Sul fazem com que o diálogo Norte-Sul seja esvaziado de
sentido118.
Em plena Guerra Fria, Duroselle fazia o prognóstico de que “se o terceiro conflito
mundial for evitado, o problema do subdesenvolvimento será, nas próximas décadas, o centro
das preocupações internacionais”119. Isso significava dizer que o fim do conflito Leste-Oeste
traria as diferenças Norte-Sul para o centro do debate. É exatamente essa mudança que
Charles Zorgbibe pontua ao tratar do fim da Guerra Fria120.
A transposição do conflito Leste-Oeste para o conflito Norte-Sul seria consolidada
pela “aliança Washington-Moscou” de fins do século XX. O processo, porém, é longo, e
remonta, logicamente, a 1955. De acordo com Zorgbibe, são três momentos evolutivos que
apontam o desenvolvimento do conflito Norte-Sul: 1. a Conferência de Bandung (1955), onde
117
PENHA, Op. cit., p. 173-174.
118
SARAIVA, José Flávio Sombra (org.). História das relações internacionais contemporâneas: da sociedade internacional
do século XIX à era da globalização. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 278-320.
119
DUROSELE, Op. cit., p. 127.
120
ZORGBIBE, Charles. O pós-guerra fria no mundo. Campinas, São Paulo: Papirus, 1996.
64
121
Ibidem, p. 17.
122
Ibidem, p. 25.
123
Ibidem, p. 26.
124
BULL, Hedley. A sociedade anárquica: um estudo da ordem na política mundial. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado,
Ed. UnB, IPRI, 2002, p. 88.
125
Ibidem, p. 90-2.
65
Ao longo dos anos 90, no âmbito do pós-Guerra Fria, em vista de ter de se adaptar às
mudanças de um sistema internacional em momento de transição e indefinições, a PEB se vê
envolta da dinâmica continuidade/mudança. Nesse processo, o corpo diplomático nacional,
atento à necessidade de reorientar o raio de percepção sobre a arena internacional, procurou
efetuar adaptação conceitual que oferecesse diretrizes à praxiologia diplomática. Esse esforço
seria esboçado, em fins de 1993, em uma leitura do contexto internacional, caracterizado
como de “polaridades indefinidas”, por Celso Lafer e Gelson Fonseca Jr.127.
Ao identificar a “adaptação criativa” como modus operandi da diplomacia, Lafer e
Fonseca Jr. entendem que o mundo do pós-Guerra Fria, sobre o qual a diplomacia deve agir, é
marcado pelas incertezas, em que “convivem dois movimentos contraditórios no sistema
internacional, um primeiro que vai na direção da globalização, impulsionado por forças
centrípetas, e o segundo que favorece a fragmentação, movido por forças centrífugas”.
Inserido nessa realidade complexa, a postura diplomática deveria ser balizada pelo meio
termo entre a globalização/integração e a fragmentação/autonomia, na busca de equilíbrio
pautado pela ideia de tolerância, já que “a autonomia só será exercida com sucesso se
levarmos em conta a necessidade de aceitar a inevitabilidade da globalização e soubermos
aproveitar a sua dinâmica”. Caberia, portanto, ao Brasil, “participar ativamente dos processos
de globalização”, já que “em isolamento autárquico, nenhuma sociedade está hoje em
condições de controlar e encaminhar o seu próprio destino”128.
126
GONÇALVES (2000), Op. cit., p 217-218.
127
Em 1992, Celso Lafer havia sido ministro das Relações Exteriores do governo Collor de Mello, voltando a ocupar o cargo
entre 2001-2002. Por seu turno, Gelson Fonseca Jr., embaixador do MRE, atuou como conselheiro diplomático da
presidência da República entre 1990-1991 e, posteriormente, 1995-1998, na gestão de Cardoso.
128
LAFER, Celso; FONSECA JÚNIOR, Gelson. “Questões para a diplomacia no contexto internacional das polaridades
indefinidas (notas analíticas e algumas sugestões). In: FONSECA JÚNIOR, Gelson; CASTRO, Sergio Henrique Nabuco de
(org.). Temas de Política Externa Brasileira II. Vol. 1. Brasília: FUNAG, Paz e Terra, IPRI, 1997, p. 55-71.
66
129
A perspectiva racionalista, apesar de, assim como o realismo, entender que o ente estatal é o principal ator da política
internacional, difere da corrente hobbesiana no que tange ao “princípio anárquico que rege as relações internacionais”, já que
“os teóricos racionalistas concebem a anarquia do sistema internacional apenas como falta de um governo central, de um
Leviatã em nível mundial” e, sendo assim, “reconhecem que pode haver laços societais entre os Estados mesmo na falta de
uma autoridade superior aos atores estatais”. Seguindo o raciocínio, “a concepção racionalista, também conhecida como
grotiana, se caracteriza pela importância do respeito às normas como um fator determinante na socialização dos Estados”.
Assim, ao se traçar um mapa cognitivo de corte racionalista, têm-se que, no sistema internacional, os atores seriam os estados
e as organizações internacionais (sendo que, estas últimas, determinariam a situação do sistema), cujo foco seria a cooperação
(ao invés do conflito e/ou relações de poder), visando sempre uma noção de ordem baseada nas relações de cooperação (em
detrimento da anarquia e equilíbrio de poder) orquestrada pelo tratamento nos foros internacionais. (Cf.: GOFFREDO
JUNIOR, Gustavo Sénéchal de. Entre Poder e Direito: a tradição grotiana na política externa brasileira. Brasília: FUNAG,
2005, p. 26-30)
130
HIRST, Mônica; PINHEIRO, Letícia. “A política externa do Brasil em dois tempos”. Revista Brasileira de Política
Internacional, ano 38, nº 01. Brasília: 1995, p. 05-23.
67
vigentes, visando a projeção do Brasil nos órgãos internacionais pela adesão. Durante a
presidência de Cardoso (1994-2002) o termo autonomia voltaria ao léxico diplomático131.
A ideia de autonomia surgiria nas declarações do ministro das Relações Exteriores,
Luiz Felipe Lampreia, pelo rótulo “autonomia pela integração”, aplicado à política externa de
Cardoso. Essa nova ideia de autonomia, portanto, guardava sentido de continuidade (não-
alinhamento aos EUA) e ruptura (adesão às normas e regimes internacionais). A autonomia
proposta pela política externa de Cardoso, portanto, seria articulada com o meio internacional,
abrindo mão da posição isolacionista que confrontava o “congelamento do poder mundial”.
Diante desse quadro cognitivo, é possível compreender o “legado concreto” da política
externa de Cardoso que, conforme Vigevani, apresenta uma “perspectiva multifacetada”, com
ampla agenda e campo de atuação. A prioridade dada ao MERCOSUL (Mercado Comum do
Sul) é compreensível tendo em vista que o entorno regional era a esfera geopolítica mais
palpável para manter margem de autonomia em relação aos EUA e seu posicionamento
hegemônico. Há de se destacar, também, outro aspecto da política externa de Cardoso (apesar
de ter apresentado menor prioridade que o entorno regional e as relações com EUA e UE),
que é a busca de parcerias estratégicas com países diversos, com destaque para China
(cooperação tecnológica e relações comerciais), Índia, África do Sul (maior aproximação após
o fim do apartheid) e Rússia (importador de commodities agrícolas brasileiras)132.
Esse movimento de construção de parcerias estratégicas demonstra relações bilaterais
com acentuado grau de seletividade, com países situados em todos os quadrantes do mundo, e
configuraria aquilo que Antônio C. Lessa conceitua como “universalismo seletivo”, que seria
“a escolha de parceiros preferenciais, aos quais se atribui atenção diplomática privilegiada”
com o fito de obterem-se ganhos recíprocos133. Com o “universalismo seletivo” configura-se a
“estratégia de racionalização dos contatos bilaterais”, tendo por objetivo a “construção de
alianças operacionais pautadas pela concertação política em foros multilaterais para a
negociação de regimes internacionais regulatórios”, além de buscar estabelecer acordos de
131
MELLO, Flávia de Campos. “Diretrizes e redefinições da política externa brasileira na década de 90”. Paper apresentado
no XXIV Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 23-27 out. 2000.
132
VIGEVANI, Tullo; OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de; CINTRA, Rodrigo. “A política externa do governo Cardoso: um
exercício da autonomia pela integração”. Tempo Social, nº 20, 2003, p. 31-61.
133
Conforme Lessa, o “universalismo seletivo” que, ao longo da Guerra Fria havia servido como “válvula de escape” no que
tange à dependência em relação aos EUA, a partir dos anos 90 (o pós-Guerra Fria), se caracterizaria como “qualificação da
inserção internacional”, já que na conjuntura de “mudança de centralidade das relações internacionais, na qual observa-se a
substituição da lógica estritamente político-militar e ideológica pela supremacia da lógica econômica” da competição por
mercados, observa-se que “o Brasil é confrontado com a desproporção entre a sua universalidade de interesses e a gritante
modicidade de recursos e meios disponíveis para realizá-los”. (LESSA, Antonio C. “A diplomacia universalista do Brasil: a
construção do sistema contemporâneo de relações bilaterais”. Revista Brasileira de Política Internacional, v.41, 1998, p. 36).
68
134
Ibidem.
135
Ibidem.
136
CERVO, Amado Luiz. “A política exterior: de Cardoso a Lula”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 46, nº
01. Brasília: Ibri, 2003, p. 05-11.
69
137
SARAIVA, José Flávio Sombra. O lugar da África: a dimensão atlântica da política externa brasileira (1946 a nossos
dias). Brasília: UnB, 1996, p. 218-224.
70
138
RIBEIRO, Cláudio Oliveira. “Adjustment changes: a política africana do Brasil no pós-Guerra Fria”. Revista de
Sociologia e Política, v. 18, nº 35, Curitiba, fev. 2010, p. 55-79.
139
PIMENTEL, José Vicente de Sá. “Relações entre o Brasil e África subsaárica”. Revista Brasileira de Política
Internacional., v. I, nº 43, 2000, p. 05-23.
71
África do Sul estabeleceram uma parceria estratégica de possibilidades, marcada por timidez e
desconfiança recíproca. Conforme Pio Penna Filho, ambos possuem ponto de interseção (são
potências emergentes cujos blocos regionais apresentam dificuldades internas), cujas
possibilidades de cooperação se dão a nível multilateral (convergência de interesses em
questões internacionais) e bilateral (existem especializações complementares propícias à
cooperação técnica)143.
Na prática, as relações diplomáticas do Brasil com a África do Sul foram de baixo
perfil, apesar das viagens presidenciais e visitas ministeriais. A diplomacia do governo
Cardoso não estabeleceu um papel pragmático e estratégico para a África do Sul em seu
programa internacional, havendo mais diálogos de aproximação do que ações concretas –
principalmente no primeiro mandato de Cardoso144. Em 2000, Brasil e África do Sul
assinaram um acordo macro para a criação de uma área de livre-comércio entre o
MERCOSUL e África do Sul. No fim do governo Cardoso, entretanto, ensaiou-se, com a
África do Sul, a diplomacia da cooperação Sul-Sul – em vista da conjuntura internacional –
quando Brasil, África do Sul e Índia atuaram de forma conjunta na ONU na questão da
propriedade intelectual da área farmacêutica145.
A articulação conjunta no contencioso farmacêutico reflete uma sensível mudança
ocorrida no final do governo Cardoso. Devido à instabilidade financeira internacional (crises
mexicana, asiática e russa), da postura unilateral norte-americana após os atentados de 11 de
setembro de 2001 e da crise econômica argentina, é possível perceber que “uma inflexão foi
esboçada por FHC ao longo de seu segundo mandato, formulando, ainda que timidamente,
uma postura mais crítica em relação à globalização e à Alca”146. Assim, conforme Vizentini, a
diplomacia de Cardoso “foi dirigida, essencialmente, em direção à agenda globalizadora,
143
PENNA FILHO, Pio. O Brasil e a África do Sul: o arco atlântico da política externa brasileira (1918-2000). Porto Alegre:
FUNAG/MRE, 2008, p. 273-301.
144
Cf.: SILVA, Daniel Reis da. A política externa do governo Cardoso e o lugar da África do Sul: diálogos de aproximação
em um contexto de mudanças. Dissertação de mestrado. UERJ/ICGH. Rio de Janeiro, 2010.
145
SARAIVA, Miriam Gomes. “As estratégias de cooperação Sul-Sul nos marcos da política externa brasileira de1993 a
2007”. Revista Brasileira de Política Internacional ano 50, n.2. Brasília, Ibri, 2007. p. 42-59. Disponível em
http://www.scielo.br. Acesso em: 03 abr. 2011.
146
No decurso de seu primeiro mandato, segundo Vizentini, FHC efetuou um esvaziamento do Itamaraty, transferindo “suas
atribuições econômicas do MRE para o Ministério da Economia e, ao mesmo tempo, assumiu sua direção política com a
introdução da diplomacia presidencial”, a fim de isolar “o foco de resistência do projeto nacional-desenvolvimentista”. A
partir disso, teria efetuado suas linhas de ação prioritárias (integração regional, aprofundamento do Mercosul, diversificação
de parcerias nas relações bilaterais, atuação junto a organizações econômicas internacionais – a OMC, principalmente – e a
tentativa de elevar o Brasil à condição de potência internacional pela reforma do CSNU). Entretanto, a crise financeira e
cambial do Brasil em 1999 (a fuga de capitais e a desvalorização do Real), e o ciclo de crises econômicas mundiais,
reorientaram a postura internacional do governo Cardoso, que passou a tecer críticas às assimetrias da globalização,
abandonando o “discurso da adesão à globalização neoliberal” (Cf.: VIZENTINI, Paulo Fagundes. “De FHC a Lula: uma
década de política externa (1995-2005). Civitas, vol. 05, nº 02. Porto Alegre, jul-dez/2005, p.381-397).
73
embora certa margem de recuo tenha sido mantida, especialmente devido à integração
regional”147.
O discurso de adesão à globalização deu lugar à acusação da “globalização
assimétrica”, cuja ação concreta se deu na articulação real das parcerias estratégicas do Brasil
(Índia e África do Sul), de forma multilateral. A postura de apoiar a manutenção da “ordem”,
aderindo às normas e regras, em conformidade com a diplomacia institucionalista
(racionalista), cedia espaço à articulação para gerar mudanças favoráveis ao interesse nacional
(a busca da “justiça”, a postura revisionista), via cooperação Sul-Sul. O aprofundamento dessa
postura, no governo Lula, a partir de 2003, imporia um novo patamar às relações entre o
Brasil e a África.
1.4 Conclusão
147
VIZENTINI (2005), Ibidem, p. 308.
74
ainda é uma abstração no Brasil, uma tela sobre a qual as aspirações nacionais e os valores
raciais brasileiros foram representados”148.
De fato, a diplomacia do governo Lula, ao aprofundar a articulação política
multilateral com a África do Sul e a Índia, ensaiada pelo governo Cardoso, buscou apoiar-se
no léxico da “democracia multiétnica e multiracial” para caracterizar a imagem brasileira em
sua coalizão com os parceiros indiano e sul-africano. A ideia de “democracia multiracial”
seria reforçada ainda pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR), criada pelo governo Lula, que procurou divulgar a percepção de que “O Brasil é o
país da igualdade racial”149. O esforço de aproximação dos países africanos, apresentado pelo
governo Lula, teria a luta contra o preconceito racial e a difusão da imagem de “democracia
multiracial”, presente no discurso multiculturalista, como uma de suas bases de apoio.
Entretanto, a formulação de uma política para a África deveria se assentar sob outras bases: a
da cooperação para o desenvolvimento. A percepção dessa dinâmica seria um dos fatores a
fortalecer a revitalização da política africana encetada pelo governo Lula, conforme será
esboçado no próximo capítulo.
148
DÁVILA, Op. cit., p. 310.
149
ERÊ ODARA, Boletim Informativo Especial da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República para a VII Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, nov. de 2001.
Disponível em: www.seppir.gov.br/publicacoes/ere_odara.pdf. Acesso em: 02 mar. 2010.
76
Gilberto Freyre*
Azeredo da Silveira**
*
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São
Paulo: Global, 2005, p. 391.
**
RESENHA de política exterior do Brasil. Departamento de comunicação e documentação (DCD), MRE, nº 07, out.-nov.
1975, p. 55.
77
A África contemporânea apresenta uma história repleta de crises, guerras civis, golpes
de Estado e instabilidade política crônica que, ao que parece, tem sido superada lentamente
nos últimos anos. O continente pode ser subdividido em três subsistemas: o transaariano
(Magreb, Golfo da Guiné e Sul do Saara); a África Central (região que se estende do
Camarões ao Quênia); a África Austral (mais ao Sul, englobando as antigas colônias inglesas
e portuguesas)152. A pluralidade africana torna complexo o entendimento acerca dos
150
Conforme Vigevani, Oliveira e Cintra um aspecto marcante da atuação internacional do Brasil de âmbito multilateral,
durante o governo Cardoso, se deu no seio da OMC (Organização Mundial de Comércio), espécie de terceiro “tabuleiro de
negociações comerciais multilaterais” (junto com a ALCA e o acordo MERCOSUL-UE), através do mecanismo de resolução
de controvérsias, utilizado nos contenciosos comerciais. Um grande saldo foi alcançado no contencioso farmacêutico, no qual
o Brasil logrou o “reconhecimento do direito de quebra de patentes de remédios para o tratamento de Aids”, na queda de
braço com as indústrias farmacêuticas norte-americanas, no qual o argumento brasileiro ganhou forte apoio de ONGs, da
OMS e de alguns países na ONU. Brasil, África do Sul e Índia, defendiam a possibilidade de incentivo à produção de
remédios contra HIV a custos menores, dentro dos países, indo contra os interesses do lobby farmacêutico norte-americano
que fazia com que o governo dos EUA se tornasse inflexível na questão das patentes farmacêuticas. (Cf.: VIGEVANI;
OLIVEIRA; CINTRA. Op. cit., p. 50)
151
Cf.: DÁVILA, Jerry. Op. cit., p. 306.
152
VIZENTINI, Paulo Fagundes. As relações internacionais da Ásia e da África. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2007, p.
60.
79
problemas estruturais existentes nos países africanos contemporâneos, cuja origem remonta ao
processo de descolonização.
153
Fonte: ONU .
153
Disponível em: http://www.un.org/depts/Cartographic/map/profile/africa.pdf. Acesso: 05 jan. 2012.
80
Figura 2 - Mapa Regional da África com as principais regiões designadas pela ONU154
O declínio dos impérios coloniais na África se iniciou entre os anos 40-50, de forma
coordenada pela Inglaterra (a Commonwealth,) e França (a “Comunidade Francesa de
Nações”), em resposta ao nacionalismo nasserista do Egito e à revolta argelina,
respectivamente. Na primeira fase da descolonização africana (1956-63), o processo foi
desenvolvido em torno do nacionalismo árabe (nasserismo) e do pan-africanismo (orquestrado
pela jovem liderança ocidentalizada, mas não cooptada, que desejava uma ampla integração
regional).
154
Disponível em: http://goafrica.about.com/od/africatraveltips/ig/Maps-of-Africa/Regional-Map-of-Africa-.htm. Acesso em:
05 jan. 2012. Em conformidade com a subdivisão adotada pela ONU, a África é formada por cinco regiões: 1. Norte da
África (o Magreb, na parte setentrional, na costa mediterrânea, abrange os seguintes países: Marrocos, Tunísia, Argélia, Líbia
e a Mauritânia, Egito, Sudão e Sudão do Sul); 2. África Ocidental (fica no Oeste da África, banhada pelo Oceano Atlântico,
formada por: Benin, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali,
Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo); 3. África Centro-Ocidental (situada na porção equatorial do
continente, limitada pelo Atlântico a oeste, composta pelos seguintes países: República Centro-Africana, Congo, República
Democrática do Congo e Angola); 4. África Centro-Oriental (compreendida entre a Bacia do Congo e as águas do Mar
Vermelho e do Oceano Índico; agrupa dez países: Eritreia, Etiópia, Djibuti, Somália, Quênia, Tanzânia, Uganda, Ruanda,
Burundi e Seychelles); 5. África Meridional ou Austral (região mais ao sul, na passagem entre os oceanos Atlântico e Índico,
composta por: África do Sul, Angola, Botswana, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Maurícia, Moçambique, Namíbia,
Suazilândia, Zâmbia, Zimbabwe).
81
Esse aspecto gerava uma clivagem entre países moderados (os Estado francófonos do
Mediterrâneo e as antigas colônias inglesas da África Austral, que mantinham forte
dependência em relação às antigas metrópoles, montando um sistema neocolonial de Estados)
e os países militantemente antiimperialistas (que procuraram se consolidar e buscar o
desenvolvimento nacional através de uma economia mista, de viés socialista e nacionalista).
Nesse movimento, os novos Estados africanos se dividiram em dois grupos de concepções
diferentes: o Grupo de Brazzaville (moderado e pró-Ocidente) e o Grupo de Casablanca
(neutralista), que seriam congregados (pela astúcia do Imperador etíope, Hailé Selassié) na
Organização da Unidade Africana (OUA), em 1963155.
A segunda fase da descolonização africana seria a da busca do desenvolvimento
econômico, consolidando seu processo de independência. Tal esforço seria grandemente
dificultado pelas barreiras territoriais, étnicas e lingüísticas, já que na África, a configuração
do Estado moderno precedeu a formação da nação. Foi assim que, na lógica da Guerra Fria,
essas barreiras étnicas e territoriais seriam utilizadas pelas potências do Ocidente a fim de
conter o avanço comunista na África, a exemplo do ocorrido no Congo Belga, em que as
potências ocidentais se utilizaram da estratégia de apoiar dissidências étnicas locais a fim de
desestruturar o movimento nacionalista e garantir os interesses das transnacionais que
exploravam as riquezas minerais – de fato, o assassinato do nacionalista Patrice Lumumba
(1961) e o golpe de Estado do Coronel Mobutu (1965), significou um benefício ao Ocidente.
De outra forma, as colônias portuguesas, por seu turno, foram palco de guerras civis
violentas que internalizaram interesses divergentes entre URSS, EUA, China, Cuba e países
europeus, que patrocinariam guerras civis, conflitos internos, com financiamento, treinamento
militar e envio de tropas. A Nigéria, por seu turno, que apresentava um projeto
desenvolvimentista que visava alçar o status de potência regional, sofreu a intervenção
franco-belga concretizada na Guerra Civil de Biafra (1967). De fato, nos anos 70, a África
vivenciou uma onda revolucionária (os conflitos na África Austral e no Chifre da África),
cujos desdobramentos, agravados pela grande crise econômica do Terceiro Mundo, geraram a
chamada “década perdida” (os anos 80)156.
155
VIZENTINI (2007), Op. cit., p. 160-170.
156
Ibidem, p. 171-199.
82
157
Cf.: HUGON, Philippe. Geopolítica da África. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2009, p. 168.
83
O fim da Guerra Fria foi acompanhado pela retirada das tropas cubanas (1989) e
soviéticas da África, bem como pelo fim do apartheid na África do Sul. Conforme Paulo F.
Vizentini, o fim da bipolaridade fez com que “o Continente Africano perdesse sua
importância estratégica e capacidade de barganha”, resultando na “marginalização da África
no sistema internacional, e a desestrategização e tribalização do conflito e da política
regional”, o que gerou instabilidade política e econômica crônica no continente (a exemplo do
Magreb, do Chifre da África e do Golfo da Guiné e o dramático caso de Ruanda). Contudo, a
África Austral, curiosamente, apresenta processos que “sinalizam a reafirmação da África na
cena internacional”, pois, a “Nova África do Sul” avança no sentido de gerar “a integração
econômica da região”, haja vista seu ingresso na OUA e a aproximação com o Brasil e o
MERCOSUL (ZOPACAS, em 1993)158.
Foi assim que, em meio ao aprofundamento da crise africana, as relações comerciais
do Brasil com a África entrariam em declínio a partir dos anos 80 (conforme se pode
averiguar nas tabelas 2 e 3). Em 1986 o volume de exportações do Brasil para a África sofreu
uma redução de 7,9% para 4,2% no total das exportações. No início da década de 1990, o
fluxo de comércio Brasil-África girou em torno de 3% das relações comerciais brasileiras,
enquanto que nos anos 80 chegou a alcançar cerca de 10%. O ciclo de retraimento das
relações comerciais Brasil-África, na década de 1990, se deu apesar de o Brasil aumentar as
importações de petróleo africano; tal retraimento só seria modificado a partir de 2002159.
158
VIZENTINI (2007), Op. cit.,, p. 203-210.
159
RIBEIRO, Op. cit., p. 281-314.
160
Cf.: SANTANA, Op. cit., p. 533.
84
Entre 1980-1989, a média da taxa de crescimento do PIB africano foi de apenas 1,3%.
A participação africana no comércio mundial também entrou em declínio no período, caindo
de 4,7% em 1980 para 2,1% em 1989, do total mundial. O endividamento externo foi uma das
causas da crise econômica africana – o que se agravou com a adoção do receituário ortodoxo
do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do Banco Mundial, que fez com que a dívida
africana saltasse de US$ 138,6 bilhões em 1982, para US$ 260 bilhões em 1989 (cerca de
90% do PIB do continente). Apesar do quadro desanimador legado pela “década perdida”, ao
longo dos anos 90, a África vivenciou um processo de democratização (pautado pelo
pluralismo político) e de surgimento de novas lideranças – Nelson Mandela (África do Sul
pós-apartheid), Laurent Kabila (República Democrática do Congo, RDC), José Eduardo dos
Santos (Angola), Meles Zenawi (Etiópia), Yoweri Museveni (Uganda), Paul Kagame
(Ruanda) – que chegaram ao poder apresentando uma visão política nacional (ao invés de
tribal) aliada a uma perspectiva econômica moderna (que valoriza o mercado sem deixar de
considerar as implicações/compromissos sociais da ação estatal)162.
A articulação política das novas lideranças africanas foi fundamental na resolução dos
conflitos civis (a exemplo do caso de Angola e da RDC). Por conseguinte, a democratização
africana foi acompanhada também de revitalização econômica: em 1994 houve ligeira alta no
crescimento do PIB (3,1% no conjunto); em 2003, a média de crescimento do PIB da África
foi de 4% e, em 2005, foi de 5,7%. Observe-se que a variação no fluxo de comércio Brasil-
África acompanhou essa dinâmica (conforme se pode perceber através do gráfico 1).
161
Ibidem, p. 534.
162
PENHA, Op. cit., p. 195-197.
85
163
RIBEIRO, Op. cit., p. 297.
164
PENHA, Op. cit., p. 197-200.
86
Esta percepção acerca do continente africano, baseado em dados de fins dos anos 80,
marca o senso comum acerca da realidade africana ainda hoje. Em 2002, momento em que a
diplomacia nacional se propôs a pensar a realidade africana a fim de formular uma política
externa para a África, em vista das projeções positivas que a NEPAD simbolizava, a
intelectualidade nacional demonstrou-se ainda eivada de “afro-pessimismo”. A fim de
formular-se uma política externa para a África, seria necessário entender a dinâmica do
“renascimento” africano.
Um exemplo acerca da visão pessimista sobre a realidade africana contemporânea é a
descrição da “Geopolítica da África” realizada pelo intelectual francês Philippe Hugon.
Ao buscar identificar a causa ulterior das mazelas da África após o movimento de
descolonização (guerras civis, pobreza, estagnação econômica, corrupção, etc.), Hugon
sinaliza que na África a “sociedade civil é fraca”, mal gestada em um “Estado
sobrecarregado”. A origem se encontra no fato de que “o Estado colonial se impôs em parte
por imposição de um modelo europeu” e, assim, não conseguiu “capturar as populações”. O
“Estado pós-colonial”, por sua vez, “é um conflito de coalizões no poder”, não refletindo as
classes que representa. O resultado é que “a colonização destruiu ou subjugou as redes
políticas, enquanto os sistemas de parentesco resistiam e perduravam” e, assim, as lideranças
africanas ocidentalizadas, na ânsia por estabelecer um “Estado modernizador e
desenvolvimentista”, findaram instaurando um partido único e “apoiaram-se em grupos de
165
ATLAS DE HISTÓRIA MUNDIAL. Rio de Janeiro: Reader’s Digest Brasil, 2001, 286.
87
166
HUGON, Op. cit., p. 55-65.
167
Ibidem, p. 147.
168
Ibidem, p. 86-89.
169
Ibidem, p. 126-149.
88
170
Ibidem, p. 85.
89
171
Ibidem, p. 124.
90
A conclusão da análise de Hugon é que a “África volta a ser estratégica por questões
de segurança, por seus recursos em matérias-primas e sua biodiversidade”, no qual o melhor
cenário geopolítico de inserção do continente africano na economia mundial parece ser “o de
uma África positivamente integrada na globalização” através de “reformas liberais
internalizadas pelos atores”. Em vista da importância climática, populacional, econômica e
como fonte supridora de petróleo, gás e recurso minerais, é que se explica a presença e
investimento dos EUA, França, UE (União Europeia), China, Índia e Brasil na África nos
últimos anos. Nesse sentido, Hugon preconiza que os “atores com grande influência sobre o
futuro da África são, em parte, externos”, mas, ao mesmo tempo, “são fundamentalmente
internos”, pois essenciais ao desenvolvimento econômico do continente, seu equilíbrio
sociopolítico e sua integração mundial172.
Essa visão de corte “afro-pessimista”, de matriz europeia, contrasta com a perspectiva
africana acerca de si, da origem última de seus problemas estruturais e da forma de superar os
mesmos (o “renascimento” africano) – representado no pensamento do cientista político
queniano Ali A. Mazrui, e do historiador marfinense Christophe Wondji, condensado no
volume VIII da obra “História Geral da África”, organizada sob os auspícios da UNESCO173.
Segundo Mazrui, tanto a independência dos países africanos quanto as dificuldades em
consolidar os Estados africanos se devem ao dualismo e deficiência do sistema educacional
implantado pelas potências durante o período colonial. O “ensino de perfil literário
tradicional” (formação voltada para o domínio da expressão oral e escrita em línguas
européias), permitiu à vanguarda africana (intelectualidade ocidentalizada) apropriar-se de (e
desenvolver) técnicas comunicativas, ideias e teses (os exemplos notórios foram a elaboração
e propagação das ideias de “negritude” de Senghor e o “pan-africanismo” de Nkrumah).
Foram estas que viabilizaram a mobilização e organização popular, partidária e
revolucionária, que fizeram eclodir os movimentos de descolonização174.
Por outro lado, “as potências coloniais não lograram formar os africanos para as
técnicas produtivas” e, assim, os novos Estados africanos careciam, cronicamente, de quadros
técnicos que alavancassem o desenvolvimento econômico. O pleno domínio da capacidade de
comunicação gerou a emancipação, em contrapartida, a inexistência de habilidade técnica
produtiva foi o entrave ao desenvolvimento. O problema africano fundamental, portanto, é a
172
Ibidem, p. 146-148.
173
MAZRUI; WONDJI, Op. cit.
174
Ibidem, p. 1122.
91
“ausência de competências técnicas”, legado pelo sistema colonial, cuja resultante foi o
problema estrutural do subdesenvolvimento que, em última instância, é gerador da
instabilidade política e social (corrupção, guerras civis e golpes de Estado) e crise econômica
(pobreza, miséria e sistemas econômicos rentistas)175.
Por esse raciocínio, a causa do problema não se encontra na África (incapacidade de
modernizar-se política e socialmente), mas sim no sistema colonial (as potências européias),
que não desenvolveram os quadros técnicos (as competências técnicas) necessários ao pleno
desenvolvimento capitalista. Por esse motivo, Mazrui afirma que “a África contraiu hábitos de
consumo do Ocidente, sem todavia assimilar as suas técnicas de produção”. Partindo de tal
constatação, o encadeamento de causalidades apresenta lógica própria.
Em vista do “déficit de competências técnicas”, a militarização “não alimentou a sua
indústria civil” e, por conseqüência, a “militarização sem industrialização desestabilizou,
simultaneamente, os sistemas econômico e político”, gerando o “dilema entre liberdade
política e desenvolvimento econômico” (houve, assim, corrupção do exercício do poder
político, a “privatização do Estado”). O “déficit de competências técnicas”, dessa forma,
acabou gerando a “crise do sistema de governo”, dada, basicamente, pela conjugação de dois
problemas: 1. problema político – tirania (excesso de governo; centralização da violência) e
anarquia (insuficiência de governo; descentralização da violência); 2. problema econômico –
dependência (diminuição da autonomia) e declínio (redução do desenvolvimento)176.
Nesse sentido, como esse déficit é de origem colonial, Mazrui conclui que a “Europa
‘subdesenvolveu’ a África”, visto que “os europeus não transmitiram aos africanos senão
competências concernentes à expressão escrita e oral, técnicas de comunicação, mas não um
savoir-faire em matéria de produção e desenvolvimento”177. Em termos mais amplos, globais,
pode-se mapear a configuração geopolítica da questão:
Dessa forma, aquilo que começou (em 1945-60) como a luta pela independência, se
tornou a luta pelo desenvolvimento (a partir de 1960), a busca por gerar múltiplas
175
Ibidem, p. 1123-1124.
176
Ibidem, p. 1125-1127.
177
Ibidem, p. 1138.
178
Ibidem, p. 1137.
92
competências. Na conjuntura dos anos 90, conforme pontua C. Wondji, apesar de a África
poder ser “definida como um cenário marcado por crise econômica e política, por tensões e
guerras, bem como pelo ‘afro-pessimismo’”, a busca de articulação política das novas
lideranças que surgiram, ocasionaram, também, um cenário definido “pela democratização e
por um maior respeito aos direitos humanos”, acompanhado por intenso processo de
urbanização, no qual a cidade “constitui um campo para o aprendizado da democracia” em
meio ao “combate político, em favor da democracia”, no qual mulheres e jovens emergem
como “vanguarda das contestações populares aos poderes políticos monolíticos”, através de
greves de estudantes e de sindicatos livres. Esse movimento se dá em resposta à crise
econômica ocasionada pelo liberalismo econômico imposto pelo Fundo Monetário
Internacional, FMI (adoção de programas de austeridade econômica), cujas reformas
estruturais (diminuição do raio de ação estatal e ampliação da iniciativa privada) traduziram-
se em desestruturação econômica e social, aumento do desemprego e degradação nas
condições de vida, principalmente nas grandes cidades179.
É possível perceber, por essa perspectiva, que o problema da África é a questão da
superação do subdesenvolvimento, agravado pela lógica da liberalização econômica dos anos
80-90. Nesse aspecto, a crise africana se aproxima, em similitude, ao problema brasileiro e
sua luta pela superação da crise econômica no início dos anos 90, além da aspiração por
destravar o crescimento econômico estagnado. Insere-se então, nesse contexto, conforme
Wondji, o “renascimento” africano ao invés do “afro-pessimismo ocidental” (favorecido pela
“transição democrática” dos anos 90, a permanência da democracia, a busca da “boa
governança”, a instituição do pluralismo político e a ação de ONGs em prol dos direitos
humanos).
Esse “renascimento” é materializado pelo esforço de criação de um “mercado comum
africano” (interligando África central, oriental e austral) através dos incipientes processos de
integração regional (UMA, SADC, CEMAC, CEDEAO, UEMOA180), cujo objetivo é
“harmonizar os espaços econômicos nacionais, através da abolição dos entraves à circulação
de pessoas, instituir uma tarifa preferencial para o comércio inter-regional, assim como
implementar políticas setoriais comuns” – trata-se da busca africana por “atrair investidores,
179
Ibidem, p. 1143-1145.
180
União do Magreb Árabe (UMA); Southern Africa Development Community (SADC – Comunidade para o
Desenvolvimento da África Austral); Comunidade Econômica e Monetária da África Central (CEMAC); Comunidade
Econômica dos Estados da África do Oeste (CEDEAO); União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA).
93
Em que pesem os males que a afligem (mau desenvolvimento, guerras civis e locais, aguda
crise social), lampejos de esperança surgem na África desde 1994: a retomada econômica é
perceptível em numerosos Estados, o processo democrático desenvolveu-se por toda a parte
e a consciência gerada pela União corroboram a necessidade da África em contar com as
suas forças próprias182.
181
MAZRUI; WONDJI, Op. cit., p. 1148.
182
Ibidem.
183
SERRANO; WALDMAN, Op. cit., p. 281-282.
94
184
SARAIVA, José F. S. “A África no ordenamento internacional do século XXI: uma interpretação brasileira”. Anos 90, nº
27, vol. 15, Porto Alegre, jul. 2008, p. 75-106.
185
Ibidem.
186
COLÓQUI SOBRE AS RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA. MRE/DAOP/IPRI/IRBr, 2002, p. 09-10.
187
Ibidem, p. 95-97.
95
188
Ibidem, p. 102-121.
189
Ibidem, p. 227-231.
190
Ibidem, p. 309-310.
191
Ibidem, p. 225.
96
colóquio, apontava o caminho a ser trilhado pela diplomacia do governo Lula em seu
movimento de ida à África: compreender o significado da NEPAD e do “renascimento”.
Conforme Saraiva, a NEPAD demonstra a iniciativa de lideranças africanas para
superar os problemas estruturais de seus países, cuja estratégia envolvia captação de
investimentos, congelamento de dívidas, aumento de exportações e envolvimento da
sociedade civil (defesa da democracia e do pluralismo político). Portanto, a NEPAD seria
vista como um projeto ambicioso, mas realista. Em resposta, o Brasil deveria desenvolver
uma política africana baseada em um cálculo político e econômico. Politicamente, interessaria
desenvolver um projeto cooperativo Sul-Sul que envolvesse liderança brasileira em
negociações multilaterais. Economicamente, o estabelecimento de inserção internacional que
abandonasse a proposição liberal vigente nos anos 90, aproveitaria melhor os espaços de
penetração abertos pela necessidade de investimentos em projetos de desenvolvimento ao
Sul192.
Pela perspectiva de Saraiva, a política brasileira para a África deveria se dar em um
movimento quadripartido: 1. retomada de uma política global para a África; 2. criação de um
grupo de contato estratégico (diplomatas, empresários e intelectuais, brasileiros e africanos);
3. valorização da dimensão infra-estrutural (logística) do processo de aproximação
diplomática; 4. aproximação e diálogo entre os processos de integração africanos e
sulamericanos, por meio da criação de espaços de concertação política193.
A análise apresentada por Saraiva era propositiva. Todavia, sua perspectiva não era de
formulação de política externa, mas sim de levantar hipóteses e possibilidades de ação que se
vislumbram a partir da realidade apresentada. A função de formular o plano de ação
diplomática possui esfera específica no governo, e cabe ao corpo diplomático. Entretanto, no
processo de formulação da PEB, o diálogo com especialistas por meio de encontros,
seminários, colóquios (que encetaram publicações conjuntas no âmbito da Fundação
Alexandre de Gusmão – FUNAG), forneceu subsídio importante ao mapeamento das opções
internacionais do Brasil. Conforme especificou o ministro Celso Amorim, durante a II CIAD
(Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora), em 2006:
192
Ibidem, p. 140-141.
193
Ibidem, p. 141-142.
194
II CIAD: a Diáspora e o Renascimento Africano. Relatório final. Brasília: FUNAG, 2009, p. 08.
97
As linhas gerais da política externa brasileira estiveram sempre muito claras ao longo
dos governos de Lula da Silva (2003-2010). Entre os formuladores da política externa do
Brasil de então, destaca-se a figura do próprio presidente Lula, do chanceler Celso Amorim,
do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães (que exerceu os cargos de Secretário Geral das
Relações Exteriores, e chefiou a Secretaria de Assuntos Estratégicos, nos primeiro e segundo
mandatos de Lula, respectivamente) e do assessor especial para assuntos internacionais da
presidência, professor Marco Aurélio Garcia.
É possível notar, desde o início do mandato de Lula da Silva em 2003, que a política
externa de seu governo buscou apresenta-se como agente de um novo dinamismo agregado à
diplomacia brasileira, dado pelo rompimento com a crença da existência de um mercado
internacional auto-regulador e justo, cuja dinâmica proporcionaria ganhos àqueles que se
abrissem ao seu movimento. A este respeito, Valter Pomar, secretário de Relações
Internacionais do PT, não esconde que “o governo Lula nasceu da oposição ao
neoliberalismo”, no qual a política externa esteve “desde o início sob hegemonia de
concepções fortemente críticas ao neoliberalismo e a hegemonia dos Estados Unidos”. Tal
posicionamento teria sido favorecido pela “existência, no Itamaraty, de uma corrente
nacionalista, desenvolvimentista e pró-integração regional”, capitaneada por Celso Amorim e
Samuel Pinheiro Guimarães. Tendo se desenvolvido, por um lado, em um momento de crise
do “ideário neoliberal” e da “hegemonia estado-unidense”, e por outro lado, em um ambiente
de transição na configuração da ordem no sistema internacional, a política externa do Brasil
98
195
POMAR, Valter. “A política externa do Brasil”. Disponível em: http://www.pt.org.br/portalpt/secretarias/-relacoes-
internacionais-13/artigos-129/a-politica-externa-do-brasil--parte-i-1480.html. Acesso em: 09 set. 2010.
196
A visão do sistema internacional e da inserção brasileira, conforme a ótica de Amorim e Guimarães, configurariam aquilo
que Miriam Saraiva identifica como sendo a corrente autonomista (ou nacionalista), que prevaleceu de forma hegemônica no
MRE, ao longo do governo Lula, que “tem preocupações de caráter político-estratégico dos problemas Norte/Sul” e, dessa
forma, “prioriza as relações de cooperação Sul-Sul e busca maior liderança brasileira na América do Sul”. Essa corrente se
oporia aos chamados “institucionalistas pragmáticos” (Celso Lafer, Gelson Fonseca Junior e Luiz Felipe Lampreia são os
expoentes desse grupo, visto que coordenaram o Itamaraty e estabeleceram seu programa de ação ao longo do governo
Cardoso), que “procura dar maior importância ao apoio do Brasil aos regimes internacionais em vigência”, além de
defenderem a ideia de “uma inserção internacional do país a partir de uma soberania compartilhada [...] busca na América do
Sul uma liderança mais discreta”. (Cf.: SARAIVA (2007), Op. cit.)
99
197
Discurso do Presidente Eleito Luiz Inácio Lula da Silva, "Compromisso com a Mudança". São Paulo, 28/10/2002.
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discurso. Acesso em: 19 de maio de 2009.
198
Discurso do Presidente Lula durante Cerimônia de Assinatura de Atos por ocasião da Visita Oficial ao Brasil do Primeiro-
Ministro da Índia. Brasília, 12/09/2006. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/145236462191-discurso-do-presidente-da-
republica-luiz-inacio. Acesso em: 12/11/2010.
100
199
AMORIM, Celso L. N. “Conceitos e estratégias da diplomacia do Governo Lula”, Diplomacia, Estratégia, Política.
Brasília: ano I, nº 1, out-dez 2004, p. 41-48.
200
A “Comunidade Sul-americana de Nações” (CASA) teve sua origem em 2004, na III Reunião de Chefes de Estado e de
Governo da América do Sul, realizada em Cusco, Peru. Em 2007, durante a I Cúpula Energética Sul-americana (Isla
Margarita, Venezuela), decidiu-se adotar o nome “União de Nações Sul-Americanas” (UNASUL), que é constituída pelos
doze países da América do Sul (cf. dado disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/america-do-sul-e-integracao-
regional/unasul. Acesso em: 24 de outubro de 2010.
201
AMORIM, Op. cit.
101
No meu discurso de 2003, eu disse, aqui em Davos, que o Brasil iria trabalhar para reduzir as
disparidades econômicas e sociais, aprofundar a democracia política, garantir as liberdades
públicas e promover, ativamente, os direitos humanos.
Iria, ao mesmo tempo, lutar para acabar sua dependência das instituições internacionais de
crédito e buscar uma inserção mais ativa e soberana na comunidade das nações. Frisei, entre
outras coisas, a necessidade de construção de uma nova ordem econômica internacional,
mais justa e democrática. E comentei que a construção desta nova ordem não seria apenas
um ato de generosidade, mas, principalmente, uma atitude de inteligência política204.
202
Cf.: GUIMARÃES (2005), Op. cit., 2005.
203
MRE. Nota nº 30. Discurso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante entrega do Premio Estadista Global do Fórum
Econômico Mundial. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2010/01/29/discurso-
do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva. Acesso em: 23 jul. 2010.
204
Ibidem.
102
progresso econômico e social”205. Ao tratar da atuação do Brasil como “ator global”, Amorim
especificaria a forma de atuação da diplomacia nacional, em sua vertente multilateral de
concertação política: “O Brasil tem todo interesse na manutenção de um ordenamento jurídico
internacional mais igualitário, que leve em conta os desníveis no padrão de desenvolvimento
entre os países. Isso se reflete nas ações de cooperação Sul-Sul que realizamos” 206.
As ações de cooperação Sul-Sul apontadas por Amorim dizem respeito às duas
articulações multilaterais ao Sul de maior relevância para a diplomacia do governo Lula: o
G20 (grupo de 20 países que se organizaram, no âmbito da
OMC, para combater os subsídios agrícolas na rodada Doha) e o Foro IBAS (concertação
política multilateral entre Índia, Brasil e África do Sul, para o reforço da liderança regional e
estabelecimento de posições conjuntas em instâncias multilaterais de negociação). Essa forma
de articulação multilateral ao Sul compõe as “coalizões de geometria variável”, defendidas
por Amorim desde que fora ministro do governo Itamar Franco, em 1993. Esse tipo de
coalizão se subdivide em dois blocos: a cooperação Sul-Sul com os grandes emergentes,
marcada pela cooperação científica e tecnológica e pela concertação política (a exemplo do
IBAS); de outra forma, há a cooperação diagonal, resultante das assimetrias intra-sul (grandes
emergentes e países subdesenvolvidos), cujo foco de atuação é a ajuda humanitária e a
cooperação técnica207. De forma global, a cooperação diagonal foi a forma predominante de
cooperação encetada pelo Brasil junto a países africanos (conforme será detalhado no capítulo
3).
Esse esforço em gerar coalizões ao Sul, segundo P. R. Almeida, é um elemento que
diferencia as diplomacias de Lula da Silva e de Cardoso. Enquanto este último dedicou-se a
um diálogo com os países do Sul (sem apresentar uma coordenação efetiva), o governo Lula
se engajou em traçar um grande arco de alianças ao Sul208. Segundo Maria Regina S. Lima, a
diferença de visão acerca do sistema internacional, entre os formuladores de política externa
205
Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, durante a cerimônia em homenagem ao Dia do
Diplomata - Brasília , 07/05/2009. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/embaixador-celso-luiz-nunes-amorim/952164235479-discurso-do-ministro-das-relacoes-
exteriores/?searchterm=cultura%20%C3%A1rabes%20BRasil. Acesso em: 07 fev. 2011.
206
MRE. Nota nº 528. Pronunciamento do Ministro Celso Amorim por ocasião da "II Conferência Nacional de Política
Externa e Política Internacional". Deisponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-
imprensa/2007/05/pronunciamento-do-ministro-celso-amorim-por. Acesso em: 23 jul. 2010.
207
SARAIVA, Miriam Gomes. “As estratégias de cooperação Sul-Sul nos marcos da política externa brasileira de 1993 a
2007”. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 50, nº 02, 2007, p. 42-59. Disponível em:
www.scielo.br/pdf/rbpi/v50n2/a04v50n2.pdf. Acesso em: 23 jul. 2010.
208
ALMEIDA, Paulo Roberto de. “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”. Revista Brasileira de
Política Internacional, vol. 47, nº 01, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v47n1/v47n1a08.pdf. Acesso em:
23 jul. 2010.
103
dos governos citados, é dada pela percepção acerca da ordem internacional, em que a
diplomacia autonomista do governo Lula se engaja em movimento contra-hegemônico.
Durante o governo Cardoso, a PEB se pautou pela “estratégia da credibilidade”, em que o
Brasil buscou reforçar a identidade de um mercado emergente, a fim de obter inserção
positiva no movimento da globalização. De outra forma, o governo Lula adotou a “estratégia
da autonomia”, em que buscou se posicionar como system-affecting-state (exercício de
liderança nas questões Norte-Sul, como articulador de posições)209.
A ideia contida na cooperação Sul-Sul é a de fortalecer laços políticos e econômicos, a
fim de alcançar aquilo que Lula da Silva caracterizou como “nova geografia política e
econômica mundial”. Assim, as ações de cooperação Sul-Sul figuram como instrumento de
política externa com o fito de obter liderança e/ou maior influência no sistema internacional.
O âmbito político diz respeito ao alinhamento de posições em prol da perspectiva reformista
acerca da ordem internacional, contida na ideia de “nova geografia mundial”.
Essa cognição engloba, ainda, aquilo que Boaventura de Sousa Santos denomina de
“nova epistemologia do Sul”. A reconstrução epistemológica proposta por Santos resulta de
tentativa de reformular o pensamento crítico da esquerda latino-americana, a partir da
superação dos conceitos hegemônicos que “além de nortecêntricos, são colonialistas,
imperialistas, racistas e também sexistas”210. Esse pensamento parte da divisão entre o “Norte
Global” e o “Sul Global”. O capitalismo globalizado da democracia liberal e da economia de
mercado do “Norte Global” resulta em hegemonia epistemológica que aprofunda as
assimetrias da globalização, aumentando as disparidades econômicas e sociais entre os países
do Norte e do Sul. Uma forma privilegiada de combater esse processo é o estabelecimento de
epistemologia própria, voltada para os interesses e necessidades do “Sul Global”. De acordo
com Santos, uma epistemologia do Sul é orienta pelo seguinte movimento: “aprender que
existe o Sul, aprender a ir para o Sul; aprender a partir do Sul e com o Sul”211.
209
A ideia de system-affecting-state, proposta por Keohane, diz respeito à estratégia de inserção ativista por parte de países
com recursos limitados, que optam pelo multilateralismo e a cordenação com países de capacidades similares. (Cf.: LIMA,
Maria Regina Soares de. “A política externa brasileira e os desafios da cooperação Sul-Sul”. Revista Brasileira de Política
Internacional, vol. 48, nº 01, 2005, p. 24-59)
210
EM TORNO DE UM NOVO PARADIGMA SÓCIO-EPISTEMOLÓGICO. Entrevista de Boaventura de Sousa Santos a
Manuel Tavares. Disponível em:
http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/Em_torno_de_um_novo_paradigma.PDF. Acesso em: 03 ago. 2011.
211
SANTOS, Boaventura de Sousa. Toward a New Common Sense: Law, Science and Politics in the Paradigmatic
Transition. New York: Routledge, 1995 Apud PACHECO, Silvestre Eustáquio Rossi. Multilateralismo e cooperação Sul-
Sul: o fórum de diálogo IBAS no marco das relações internacionais entre Brasil, Índia e África do Sul. Tese de doutorado.
Belo Horizonte: Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-MG, 2010. Disponível em:
http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_PachecoSER_1.pdf. Acesso em: 03 ago 2011.
104
adesão ao discurso de apoio ao desenvolvimento dos países do Sul, por meio de cooperação
técnica. O estabelecimento de uma política externa para a África, portanto, conjugava a
estratégia de inserção internacional pelo reforço da identidade de país do Sul.
De fato, esse posicionamento foi um ponto de mudança com relação ao que se
verificara ao longo dos anos 90 (principalmente no governo Cardoso, 1994-2002). Enquanto a
percepção de corte liberal e institucionalista, vigente nos anos 90, apontava para a necessidade
de se adequar ao movimento da globalização, a postura progressista e autonomista do início
do século XXI apresentou um programa que buscou mudar a dinâmica do sistema
internacional (proposição reformista, principalmente no que tange ao Conselho de Segurança
da ONU, onde o Brasil pleiteia um assento permanente).
A “mudança de programa”, segundo Vigevani e Cepaluni, apresentou diferentes
estratégias para a busca da projeção internacional do Brasil. O governo Cardoso teria sua
política externa caracterizada como de “autonomia pela participação”, ou seja, “a adesão aos
regimes internacionais, inclusive os de cunho liberal, sem a perda da capacidade de gestão da
política externa”, com o objetivo de “influenciar a própria formulação dos princípios e das
regras que regem o sistema internacional”. Por seu turno, a política externa do governo Lula
seria a da “autonomia pela diversificação”, que preconiza a “adesão do país aos princípios e
às normas internacionais por meio de alianças Sul-Sul [...] pois acredita-se que eles reduzem
as assimetrias nas relações externas com países mais poderosos e aumentam a capacidade
negociadora nacional”215.
É nesse sentido que, ao caracterizar a diplomacia do governo Lula, Maria Regina S.
Lima procurou destacar que “por delegação das forças políticas e sociais que a elegeram”, a
PEB no governo Lula “é movida pelos seguintes objetivos na implementação dos interesses
nacionais brasileiros: integração regional, identidade de país do Sul, consolidação
democrática e inclusão social”216. Essa delimitação acerca do “interesse nacional” se daria por
uma convergência entre a visão progressista/partidária e a corrente nacionalista/autonomista
do MRE. Sendo assim, Lima salienta que “outros intérpretes, com sustentação política
distinta, podem ter outras definições do interesse nacional”217. A mudança de foco e de
estratégia de inserção internacional foi o motor dos debates internos sobre a política externa
215
VIGEVANI, Tullo e CEPALUNI, Gabriel. “A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela
diversificação”. Contexto Internacional, vol. 29, n. 02. Rio de Janeiro, IRI/PUC-Rio, jul./dez. 2007, p. 273-335. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/cint/v29n2/v29n2a02.pdf. Acesso em: 27 mar. 2009.
216
LIMA, Maria Regina Soares de. “A política Externa Brasileira e os Interesses Nacionais”. OPSA, Artigos e conferências,
2008, p. 02. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/13299031/Maria-Regina-Soares-de-LIma-A-Politica-Externa-Brasileira-
e-os-Interesses-Nacionais. Acesso em: 20 fev. 2012.
217
Ibidem.
106
218
MERRIEN, François-Xavier. Globalization et protection sociale. Lausanne: Université de Lausanne- Rapport de
Recherche. Version Préliminaire, 2003 Apud CRISE INTERNACIONAL: impactos sobre o emprego no Brasil e o debate
para a constituição de uma nova ordem global. Comunicação da Presidência, IPEA, nº 21, abr. 2009, p. 02. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/comunicado_presidencia/09_04_29_ComunicaPresi_21_Crise_Empregos.pdf. Acesso
em: 03 nov. 2011.
219
Esse bloco engloba os críticos das reformas liberais da década de 90 (o chamado “Consenso de Washington”), do ideal
reformista do Estado mínimo, da abertura econômica e das privatizações. Em geral, são setores que compreendem ser a ação
estatal fundamental para o desenvolvimento nacional de forma a equalizar os interesses do empresariado nacional com as
vicissitudes do mercado, além de possibilitar a correção social (programas de distribuição de renda). Essa perspectiva possui
relações com o pensamento nacional-desenvolvimentista do século XX, com algumas especificidades conjunturais, dadas
pela percepção de que o Brasil vivencia uma etapa diferente de seu desenvolvimento capitalista. Não se trata de um retorno
ao projeto desenvolvimentista da ISI (Industrialização por Substituição de Importações), que se volta para o mercado interno
e é fortemente protecionista, mas se trata de uma adaptação ao cenário mundial do pós-Guerra Fria, que procura aliar
liberalismo e desenvolvimentismo, a partir de uma visão social reformista de corte progressista. O objetivo seria a
formulação de um projeto nacional de desenvolvimento que torne a economia brasileira apta a inserir-se de forma
competitiva no mercado internacional globalizado. (Cf.: DINIZ, Eli. “O pós-Consenso de Washingt5on: globalização, Estado
e governabilidade reexaminados”. In: DINI, Eli (org.). Globalização, Estado e desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo
milênio. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 19-61)
107
disso, é o fato de que, em junho de 2003, em iniciativa conjunta entre o MRE e embaixadores
africanos no Brasil, foi realizado o “Fórum Brasil-África: Política, Cooperação e Comércio”,
com o propósito de criar um espaço para a “discussão de temas relevantes para a promoção e
aprofundamento das relações do Brasil com o continente africano, com ênfase em três áreas:
política e questões sociais; economia e comércio; e educação e cultura”220.
A partir dessa perspectiva, efetuou-se uma revitalização da política africana, em vista
da percepção de que “as alianças e as políticas de cooperação econômica, técnica, cultural, em
ciência e tecnologia e na área do comércio com os países africanos podem contribuir para a
expansão das trocas comerciais, da concertação político-diplomática em foros econômicos e
políticos”221. Nas palavras de Lula da Silva: o “Brasil precisaria ter um olho para a América
do Sul e a América Latina e, ao mesmo tempo, ter outro olho para o continente africano”222.
Conforme nota oficial à imprensa, relativa à primeira viagem presidencial à África, em
2003, o projeto de aprofundamento dos laços diplomáticos entre Brasil e África buscava
ancorar-se em apoio doméstico: “Inspiram o relançamento e revitalização da política africana
do Brasil os interesses manifestos de múltiplos setores da sociedade brasileira, em especial a
comunidade de afrodescendentes e acadêmicos, que defendem o resgate e a promoção dos
laços com a África”223. Essa perspectiva seria reforçada por Amorim, em 2003, durante
exposição a uma turma de formandos do IRI, quando afirmou: “Com a África desejamos
promover uma política verdadeiramente preferencial, em consonância com os interesses de
amplos setores da sociedade brasileira e, particularmente, dos afro-descendentes”224.
220
É importante salientar que o referido Fórum foi precedido pelo “Colóquio sobre as relações Brasil-África”, cujos debates
foram expostos em sessão anterior do presente capítulo. (sobre o fórum, cf.: Nota à imprensa nº 169, de 20/05/2003,
fornecida pela Assessoria de Imprensa do MRE. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=18. Acesso em: 19 mai. 2009).
221
Nota à imprensa nº 502, de 31/10/2003, fornecida pela Assessoria de Imprensa do MRE. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=1964. Acesso em: 19 mai. 2009.
222
Discurso do Presidente Lula por ocasião da I Sessão Plenária da II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora.
Salvador, Bahia, 12/07/2006. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-
outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/357629015726-discurso-do-presidente-da-republica-luiz-
inacio. Acesso em: 12/11/2010.
223
Nota à imprensa nº 502, Op. cit.
224
Nota à imprensa nº 120, de 10/04/2003. Aula Magna do Senhor Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso
Amorim, no Instituto Rio Branco. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=140. Acesso em: 12 mai. 2009.
108
No âmbito das relações diplomáticas entre o Brasil e países africanos, é nítido o uso,
tanto externo quanto interno, do capital cultural afro-brasileiro, historicamente constituído,
para o firmamento de acordos de cooperação diversos e o estabelecimento de parcerias, tanto
para o incremento de intercâmbios comerciais, culturais, educacionais, de saúde, etc., quanto
para o fortalecimento dos países em desenvolvimento nas negociações em órgãos multilaterais
através de reivindicações unificadas.
Ao nível do discurso, a cultura é colocada como uma via de estreitamento de laços
para o alcance de objetivos diversos. Exemplo disso é a fala presidencial durante a cerimônia
de inauguração do Museu Afro-Brasil, de São Paulo, em 2004: “o Museu Afro-Brasil, que
hoje está sendo inaugurado [...] vem se somar a esse conjunto de ações que nos aproximam
vivamente da África”225. O “conjunto de ações” alardeado no discurso presidencial,
certamente é uma referência tanto à atuação do Ministério da Cultura (MinC) no que diz
respeito à política de valorização da cultura afro-brasileira, quanto à criação da SEPPIR, em
21 de março de 2003.
No momento de instalação da SEPPIR, Lula declarou que, devido a “razões históricas,
e pela importância da população negra no Brasil, a Secretaria terá o seu foco principal nos
problemas dessa etnia”, sendo “uma resposta positiva do Brasil às questões levantadas em
2001, pela Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia
e Intolerância” (a Declaração de Durban)226. Na ocasião, Lula acrescentou: “Nas relações
internacionais, o nosso país praticamente esqueceu a África. O meu governo vai voltar a dar
atenção a esse grande continente [...] Vamos buscar maior intercâmbio político, cultural e
comercial”227.
A defesa da cultura afro-brasileira e o combate ao preconceito racial é uma plataforma
política histórica da base aliada do governo Lula. A existência, desde 1995, da Secretaria
Nacional de Combate ao Racismo do PT (Partido dos Trabalhadores), é um demonstrativo da
225
Discurso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, proferido em São Paulo, 23/10/2004, durante inauguração do Museu
Afro-Brasil. Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos. Acesso em: 19 mai. 2009.
226
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de instalação da SEPPIR. Palácio do
Planalto, 21 de março de 2003. Disponível em: http://www.pt.prg.br/portalpt/secretarias/-combate-ao-racismo-14/regimento-
interno-133/discurso-do-presidente-na-criacao-da-seppir-815.html. Acesso em: 09/09/2010.
227
Ibidem.
109
228
Artigo do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, intitulado "O Dia da Consciência
Negra", publicado no jornal "A Tarde" - Salvador, BA , 20/11/2006. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-
imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/embaixador-celso-luiz-nunes-amorim/880090862424-artigo-
do-ministro-de-estado-das-relacoes/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em: 07 fev. 2011.
229
DECLARAÇÃO DE DURBAN. Relatório da Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata. Durban, 31 de agosto a 08 de setembro de 2001. Disponível em:
http://www.comitepaz.org.br/Durban_1.htm. Acesso em: 09/09/2010.
230
Cf.: MAPA, Dhiego de M. “Diplomacia e Cultura no governo Lula (2003-2006)”. Revista Eletrônica Cadernos de
História, vol. VIII, ano 4, nº 2, p. 45-54, dez. 2009. Disponível em:
http://www.ichs.ufop.br/cadernosdehistoria/download/CadernosDeHistoria-08-04.pdf. Acesso em: 07 fev. 2011.
110
231
DECLARAÇÃO DE SALVADOR. II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora. Salvador, 15 de julho de 2006.
Disponível em: http://www.consciencia.net/2006/1013-ciad2.html. Acesso em 09/09/2010.
232
Cf. site da FCP, disponível em: http://www.palmares.gov.br/. Acesso em: 09 set. 2010.
233
DECLARACIÓN DE CARTAGENA. Agenda Afrodescendiente em lãs Américas. Disponível em:
http://www.palmares.gov.br/_temp/sites/000/2/download/noteia.pdf. Acesso em: 09 set. 2010.
234
Os Centros Culturais do Brasil (que são instituições diretamente subordinadas ao Chefe da Missão Diplomática ou
repartição consular do Brasil em cada país), por exemplo, enquanto órgãos de promoção da cultura brasileira, são
responsáveis pelo(a): ensino sistemático da Língua Portuguesa falada no Brasil; difusão da Literatura Brasileira; distribuição
de material informativo sobre o Brasil; organização de exposições de artes visuais e espetáculos teatrais; difusão de nossa
música; divulgação da cinematografia brasileira; além de outras formas de expressão cultural brasileira, como palestras,
seminários, etc.
235
Dados disponíveis no sítio do Departamento Cultural do Itamaraty: http://www.dc.mre.gov.br/. Acesso em: 19 mai. 2009.
236
Cf. http://www.ccb.cv/site. Acesso em: 07 fev. 2011.
111
237
Nota 515 de novembro de 2003 (MRE): Centros de Estudos Brasileiros em Angola e Moçambique - Homenagem aos
Embaixadores Ovídio de Andrade Melo e José Aparecido de Oliveira. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-
imprensa/notas-a-imprensa/2003/05/centros-de-estudos-brasileiros-em-angola-
e/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em: 07 fev. 2001.
238
Cf. http://www.dc.mre.gov.br/lingua-e-literatura/leitorados. Acesso em: 07 fev. 2011.
239
Cf.: SARAIVA, José Flávio Sombra (2007), Op. cit., p. 36.
112
vetores da política externa brasileira. Assim, critica o rompimento com a postura nacionalista-
desenvolvimentista ocorrida no pós-Guerra Fria. Esse rompimento seria um erro de cálculo
estratégico, pois levaria à perda de margem de autonomia do país ou, na pior hipótese, à
implementação de uma política externa que, no limite, tornaria o país economicamente
dependente das decisões tomadas pelos países pertencentes ao centro da estrutura de poder
hegemônico do sistema internacional240. Nesse sentido, Vizentini acentua a assertividade da
política externa do governo Lula, que apresenta três dimensões: “uma diplomacia econômica,
outra política e um programa social”241.
Ao tratar da política africana brasileira, Vizentini enfatiza o quanto o voluntarismo de
quem detém o controle do processo decisório acaba por definir o grau de aprofundamento da
política africana, já que, ao longo dos anos (principalmente durante a década de 1990), não se
observa uma linearidade de conduta nas relações Brasil-África. Esse aspecto se deve ao fato
de que em “diferentes períodos, as ações brasileiras resultaram de uma leitura equivocada das
prioridades da política externa brasileira”. Assim, qualquer “avaliação superficial” que
critique a aproximação com o continente africano como algo “paradoxal” – já que, além de
pobres, países africanos influiriam pouco no “contexto geopolítico global” – deixa de
considerar, entretanto, que é “preciso avaliar os movimentos de internacionalização e de
algumas tendências políticas e econômicas aceleradas pelo processo da globalização”242.
A percepção de Amado Cervo segue raciocínio semelhante, visto afirmar que: “em
razão de argumentos exibidos por parcela da opinião esclarecida e com influência sobre o
processo decisório de política exterior, não se observa linearidade de conduta nas relações do
Brasil com a África”243. Cervo destaca as três bases da aproximação diplomática entre Brasil e
África: 1. o multiculturalismo (“que reflete raízes étnicas e culturais da sociedade brasileira”,
fornecendo “autenticidade ao universalismo das relações internacionais do país”, além de
veicular “interesses concretos e relevantes”); 2. industrialização (que traduz a busca de
240
MERKE, Federico. “Narrativas de identidad internacional: tragédia, romance y comedia em la política externa de Brasil”.
In: LECHINI, G.; KLAGSBRUNN, V.; GONÇALVES, W. (org). Argentina e Brasil vencendo os preconceitos. As várias
arestas de uma concepção estratégica. Rio de Janeiro: Ed. Renavan/UFF, 2009, p. 295-325.
241
A primeira dimensão se caracteriza pelo desejo de cumprir os compromissos internacionais (dívida externa), a fim de não
gerar rupturas no plano internacional. A segunda dimensão é mais ousada, sendo marcada pela defesa dos interesses
nacionais dentro de um projeto de desenvolvimento, de caráter empreendedor. A última diz respeito ao engajamento
particular do governo Lula no combate à desigualdade social que, em ações efetivas, se traduz na campanha contra a fome
mundial em órgãos multilaterais. Para Vizentini, todas essas dimensões denotam o protagonismo do Brasil na cena
internacional. (Cf.: VIZENTINI, Paulo Fagundes. “De FHC a Lula: uma década de política externa (1995-2005). Civitas, vol.
05, nº 02. Porto Alegre, jul-dez/2005, p.381-397)
242
VIZENTINI, Paulo Fagundes; PEREIRA, Analúcia D. “A política africana do governo Lula”. Núcleo de Estratégia em
Relações Internacionais / UFRGS, artigos. Disponível em: http://www6.ufrgs.br/nerint/folder/artigos/artigo40.pdf. Acesso
em: 12/11/2010.
243
CERVO, Amado L. Inserção internacional: formação dos conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 292.
113
Urge [...] revisitar a tradicional política africana do Brasil, relativamente abandonada pelo
governo de Fernando Henrique Cardoso. Para implementá-la, apenas uma nova forma
cooperativa – na qual governo, empresários, setores políticos organizados e acadêmicos
sejam convocados a pensar estrategicamente o futuro do continente africano – será capaz de
engendrar saídas para as dificuldades do momento. Ademais, outros setores sociais,
historicamente alheios ao processo decisório em matéria internacional – como os afro-
brasileiros –, necessitam ser ouvidos sobre matéria que, embora de interesse societário, ainda
se circunscreve ao viés prejudicial no trato da política exterior como assunto burocrático, de
especialistas ou de profissionais da diplomacia245.
244
Ibidem, p. 294-296.
245
SARAIVA, José F. S. “Política exterior do Governo Lula: o desafio africano”. Revista Brasileira de Relações
Internacionais. Vol. 45, nº 02, jul-dez 2002, p. 5-25. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v45n2/a01v45n2.pdf.
Acesso em: 23 mai. 2009.
246
Em 2006, quando ainda era embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur (um desafeto público do chanceler
Amorim, por não ter se retratado ao ir contra o fato de o Brasil reconhecer a China como economia de mercado), teve seu
cargo pedido em telegrama enviado pouco depois das eleições que reelegeram o presidente Lula. (Cf.: DAVILA, Sergio.
“Mudança no governo Lula começa por Embaixada de Washington”. Folha de São Paulo, Brasil, 01 nov. 2006. Disponível
em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u86272.shtml. Acesso em: 03 fev. 2011)
114
A prioridade da África na política externa brasileira pode ser ilustrada pelo número de visitas
que o Presidente da República fez ao continente desde que assumiu o cargo, pela expressiva
ampliação do comércio com os países africanos, pelo incremento nos projetos de cooperação
técnica e pela abertura de embaixadas brasileiras em países daquele continente253.
250
RIBEIRO, Cláudia Oliveira. “Apolítica africana do governo Lula (2003-6)”. Revista Tempo Social, revista de sociologia
da USP, v. 21, nº 02, dez. 2009, p. 185-209. Disponível em:
http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes/v212/v21n2a08.pdf. Acesso em: 12/11/2010.
251
COLÓQUIO SOBRE AS RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA, Op. cit., p. 298-303.
252
Dados disponíveis no site do MRE (Ministério das Relações Exteriores): http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/o-
brasil-no-exterior/view. Acesso em: 03 jul. 2010.
253
II CONFERÊNCIA DA ÁFRICA E DA DIÁSPORA (II CIAD): a diáspora e o renascimento africano – relatório final.
Brasília: FUNAG, 2009, p. 08.
116
Nunca o Brasil buscou tanto aproximar-se da África. O Presidente Lula tomou a si próprio
essa tarefa. Visitou dezessete países do Continente e recebeu grande número de chefes de
Estado africanos. Determinou a abertura de Embaixadas e o envio de missões de cooperação,
nas áreas de agricultura, saúde, educação e cultura.
Por determinação do Presidente Lula, eu próprio fiz muitas visitas à África [...]257
[...] ao tomar posse como Presidente, no início deste ano, determinei máxima prioridade ao
aprofundamento de nossas relações com a África. Tenho repetido que isso constitui um dever
moral e uma necessidade estratégica do Brasil. O imenso desafio de promover a inclusão e a
eqüidade social nos aproxima. Precisamos estender a todos os benefícios da cidadania plena,
garantir o exercício de todos os direitos humanos. Não apenas os políticos, mas também os
sociais e econômicos258.
257
Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, por ocasião de almoço oferecido aos membros
do Comitê Internacional e Científico da II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/embaixador-celso-luiz-
nunes-amorim/593308139192-discurso-do-ministro-das-relacoes-
exteriores/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em: 07 fev. 2011.
258
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião do almoço oferecido pelo Presidente da
República Democrática de São Tomé e Príncipe. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-
artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/949586555778-discurso-do-
presidente-da-republica-luiz-inacio. Acesso em: 23 jul. 2010.
259
ALMEIDA (2004), Op. cit..
118
260
MRE - Visitas internacionais do Presidente Lula e visitas ao Brasil de Chefes de Estado e de Chefes de Governo. In:
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA 2003/2010, Op. cit.
261
MRE – Visitas internacionais e nacionais do Ministro Celso Amorim e visitas de Ministros de Negócios Estrangeiros ao
Brasil. In: BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Ibidem.
119
desenvolvimento, com toda a África e com a América do Sul”, deixando claras as intenções
diplomáticas brasileiras: “o Brasil quer uma relação de parceria. Nós não queremos
hegemonia, em nenhuma hipótese”262. De maneira geral, por ocasião dessa visita, “ambos os
países concordaram em intensificar o comércio, os investimentos e a cooperação
tecnológica”263.
Entretanto, o discurso presidencial proferido durante o jantar oferecido à delegação
brasileira em Moçambique, demonstraria, a um só tempo, o discurso dos laços culturais e o
discurso do estabelecimento das parcerias estratégicas buscada pela diplomacia brasileira (em
seu engajamento contra o subdesenvolvimento):
O Brasil tem uma dívida histórica. Conseqüentemente, precisa contribuir de forma decisiva
para o pagamento dessa dívida. E o pagamento dessa dívida se deve pelas boas relações que
o Brasil tem que ter, sobretudo com os países de língua portuguesa [...] a sociedade brasileira
foi construída com o trabalho, com o esforço, com o suor e com o sangue de uma grande
parcela de africanos, que eram cidadãos e cidadãs livres na África e se tornaram escravos,
para poder prestar serviços no meu país e em outros países. A forma mais correta de
retribuirmos o sacrifício que os africanos tiveram é estabelecer a mais perfeita política de
harmonia com a África. E é um pouco o que viemos fazer aqui264.
Essa percepção dos vínculos culturais e da “dívida histórica” que o Brasil teria com os
países africanos, foi uma constante do discurso presidencial durante suas visitas ao continente,
em especial, às nações de língua oficial portuguesa e/ou que possuem núcleos de lusofonia
(comunidades de afro-brasileiros, a exemplo dos existentes no Benin, Togo, Nigéria e Gana).
O esforço presidencial, em suas viagens à África, foi o de vender a imagem de um Brasil que
desejava realizar parcerias estratégicas que, ao mesmo tempo em que atendesse os anseios
africanos em suprir suas carências de competências técnicas (através do estabelecimento de
cooperações técnicas múltiplas e multidimensionais), beneficiaria os interesses comerciais
brasileiros.
Em julho de 2004, ao visitar Gabão e Cabo Verde, a delegação brasileira era composta
pelo ministro da Educação, o ministro da Ciência e Tecnologia, a chefe da SEPPIR,
parlamentares, altos funcionários do Estado e dirigentes de empresas. Durante essa missão
262
Palavras do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no início da Conferência Conjunta de Imprensa. Pretória,
África do Sul, 08 de novembro de 2003. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/0147418172961-palavras-do-presidente-da-
republica-luiz-inacio. Acesso em: 27 jul. 2010.
263
MRE, Nota 527. COMUNICADO CONJUNTO POR OCASIÃO DA VISITA DO PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA
DA SILVA À ÁFRICA DO SUL, EM 7 E 8 DE NOVEMBRO DE 2003. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-
de-imprensa/notas-a-imprensa/2003/08/comunicado-conjunto-por-ocasiao-da-visita-do. Acesso em: 23 jul. 2010.
264
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no jantar oferecido pelo senhor Presidente de
Moçambique, Joaquim Chissano. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/665037182587-discurso-do-presidente-da-
republica-luiz-inacio. Acesso em: 23 jul. 2010.
120
265
MRE, Nota nº 319. Comunicado Conjunto da Visita de Estado de Sua Excelência o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à
República Gabonesa. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2004/07/29/visita-
oficial-a-cabo-verde-do-presidente-luiz. Acesso em: 23 jul. 2010.
266
MRE, Nota nº 322. Comunicado Conjunto da Visita de Estado de Sua Excelência o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à
República Gabonesa. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-
imprensa/2004/07/30/comunicado-conjunto-da-visita-de-estado-de-sua. Acesso em: 23 jul. 2010.
121
267
MRE, Nota nº 161. Viagem do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Cinco Países Africanos. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2005/04/08/viagem-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-
a. Acesso em: 23 jul. 2010.
268
MRE, Nota nº 94. Atos assinados por ocasião da Visita de Estado do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Argélia - 08
de fevereiro de 2006. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2006/02/08/atos-
assinados-por-ocasiao-da-visita-de-estado-do. Acesso em: 23 jul. 2010.
269
MRE, Nota nº 111. Atos assinados por ocasião da visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Botsuana (11 de
fevereiro de 2006). Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2006/02/14/atos-
assinados-por-ocasiao-da-visita-do-presidente. Acesso em: 23 jul. 2010.
270
MRE, Nota nº 105. Atos assinados por ocasião da visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Benin (9 e 10 de
fevereiro de 2006). Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2006/02/10/atos-
assinados-por-ocasiao-da-visita-do-presidente. Acesso em: 23 jul. 2010.
271
MRE, Nota nº 106. Comunicado Conjunto - Visita de Estado do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Benin - 10 de
fevereiro de 2006. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2006/02/11/comunicado-
conjunto-visita-de-estado-do-presidente. Acesso em: 23 jul. 2010.
122
ação governamental, no que tange ao processo de aumento das trocas comerciais, se mostrou
fundamental. As próprias viagens presidenciais foram marcadas pelo acompanhamento de
missões empresariais, que se tornaram uma constante.
Foi assim que, em sua sétima viagem ao continente africano, em outubro de 2007, a
“diplomacia presidencial” articulou encontros empresariais entre africanos e brasileiros em
Burkina Faso, África do Sul, Angola e República do Congo. Em Angola, o encontro de
negócios contou com a participação de representantes de mais de 30 empresas brasileiras
instaladas em Angola272. Nessa visita a Angola, o discurso presidencial procurou articular
bem os interesses comerciais brasileiros com aquilo que se entendia por “parceria
estratégica”, pois, ao anunciar a assinatura de acordos sobre iniciação científica, prevenção e
controle da malária, reforma curricular e execução do Projeto “Escola de Todos”, o presidente
Lula enfatizou o significado desses atos: “São iniciativas destinadas a habilitar o povo
angolano a apropriar-se das conquistas da tecnologia moderna”273. A política externa do
Brasil para a África, portanto, parecia dialogar com o anseio africano em superar seu “déficit
de competências técnicas”.
272
MRE, Nota nº 484. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à África. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2007/10/12/visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a.
Acesso em: 23 jul. 2010.
273
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão Solene de Abertura do Encontro Bilateral com
o Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos - Luanda, Angola, 18/10/2007. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-
federativa-do-brasil/795588913205-discurso-do-presidente-da-republica-luiz-
inacio/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em: 03 fev. 2011.
274
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA 2003/2010, Op. cit..
123
Em abril de 2008, ao visitar Gana pela segunda vez, o presidente Lula aproveitou a
realização da XII UNCTAD no país, para estabelecer contatos bilaterais, e assinar quatro
Ajustes Complementares ao Acordo Básico de Cooperação Técnica e Científica, para a
275
MRE, Nota nº 490. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Burkina Faso - Uagadugu, 15 de outubro de 2007 -
Comunicado Conjunto. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-
imprensa/2007/10/15/983227181636-visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a. Acesso em: 23 jul. 2010.
276
MRE, Nota nº 501. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à República do Congo - Brazzaville, 15 e 16 de outubro
de 2007 - Comunicado Conjunto. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-
imprensa/2007/10/18/visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a. Acesso em: 23 jul. 2010.
277
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA 2003/2010, Op. cit.
124
278
MRE, Nota nº 191. Atos assinados por ocasião da Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à República de Gana.
Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2008/04/19/atos-assinados-por-ocasiao-da-
visita-do-presidente. Acesso em: 23 jul. 2010.
279
MRE, Nota nº 590. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Moçambique - Maputo, 16 e 17 de outubro de 2008 -
Comunicado Conjunto. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2008/10/24/visita-
do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a. Acesso em: 23 jul. 2010.
280
MRE, Nota nº 312. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Líbia para participar da Cúpula da União Africana -
Sirte, 1º de julho de 2009 - Atos assinados. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-
imprensa/2009/02/636369928852-visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a. Acesso em: 23 jul. 2010.
125
A prioridade para as relações com a África, decidida pelo meu governo, passou a ser política
de Estado. Ela vai além dos discursos e das expressões de simpatia. Ela está respaldada por
ações concretas. O Brasil não vem à África para expiar a culpa de um passado colonial.
Tampouco vemos a África como extensa reserva de riquezas naturais a ser explorada. O
Brasil deseja ser parceiro em projetos de desenvolvimento. Queremos compartilhar
experiências e lições, somar esforços e unir capacidades. Só assim nos tornaremos atores e
não meras vítimas na transformação da atual ordem mundial. Tenho me dedicado
pessoalmente a esse objetivo282.
281
MRE, Nota nº 305. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Líbia para participar da Cúpula da União Africana -
Sirte, 1º de julho de 2009. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2009/06/29/visita-
do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a. Acesso em: 23 jul. 2010.
282
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de abertura da 13ª Assembléia da União
Africana - Sirte-Líbia, 01/07/2009. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/202709479479-discurso-do-presidente-da-
republica-luiz-inacio/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em: 03 fev. 2011.
126
283
MRE, Nota nº 421. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Guiné Equatorial - Malabo, 4 e 5 de julho de 2010 -
Comunicado conjunto. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/visita-do-presidente-
lula-a-guine-equatorial-malabo-4-e-5-de-julho-de-2010-comunicado-conjunto. Acesso em: 23 jul. 2010.
284
MRE, Nota nº 426. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Tanzânia - Dar Es Salam, 6 e 7 de julho de 2010.
Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-
silva-a-tanzania-dar-es-salam-6-e-7-de-julho-de-2010. Acesso em: 23 jul. 2010.
285
MRE, Nota nº 430. Visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à República da Zâmbia - Lusaca, 7 e 8 de julho de
2010. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-
da-silva-a-republica-da-zambia-lusaca-7-e-8-de-julho-de-2010. Acesso em: 23 jul. 2010.
286
MRE, Nota nº 439. Atos assinados por ocasião da visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à África do Sul – 8 e 9 de
julho de 2010. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/ato-assinado-por-ocasiao-da-
visita-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-a-africa-do-sul-2013-8-e-9-de-julho-de-2010. Acesso em: 23 jul. 2010.
287
MRE, Nota nº 412. Visita do Presidente Lula a Cabo Verde - Ilha do Sal, 3 e 4 de julho de 2010. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/visita-do-presidente-lula-a-cabo-verde-ilha-do-sal-3-e-4-de-
julho-de-2010. Acesso em: 23 jul. 2010.
288
Discurso durante visita à Guiné Equatorial. Malabo - Guiné Equatorial, 5 de julho de 2010. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-
federativa-do-brasil/discurso-durante-visita-a-guine-equatorial/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em:
03 fev. 2011.
127
2.4 Conclusão
289
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA 2003/2010, Op. cit., p. 35.
128
O Brasil tem com a África laços profundos, que definem nossa própria identidade. Somos a
segunda maior nação negra do mundo. Internamente, estamos tomando diversas iniciativas
para valorizar a decisiva contribuição africana na construção da nação brasileira. E, acima de
tudo, para superar as desigualdades raciais ainda existentes no País. Em nossa atuação
internacional, também temos um longo percurso comum com as nações africanas.
Defendemos, nas Nações Unidas, a causa da descolonização e o repudio ao apartheid.
Estivemos ao lado dos sócios africanos no processo de criação da Unctad. Sofremos, juntos,
os períodos recessivos e a desordem da economia mundial, além dos efeitos perversos do
protecionismo dos países ricos. Unimos nossas vozes por uma ordem econômica
internacional mais justa e eqüitativa. Hoje, a África é para o Brasil uma prioridade
indiscutível290.
A identidade que une Brasil e África, nesse sentido, é o combate em prol da superação
do subdesenvolvimento. O Brasil apresenta condições e capacidade para realizar níveis de
cooperação que atendam aos interesses (políticos, econômicos e sociais) dos países africanos.
290
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião da abertura da Cúpula América do Sul-África
(ASA) - Abuja, Nigéria, 30/11/2006. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/854058225105-discurso-do-presidente-da-
republica-luiz-inacio/?searchterm=cultura%20%C3%81frica%20Brasil. Acesso em: 03 fev. 2011.
129
dimensão humanista visa “chamar atenção para os limites de enfoques que privilegiam a
dimensão militar da segurança internacional, sem levar em conta os vínculos entre
desenvolvimento econômico e social, por um lado, e paz e segurança internacional, por
outro”293.
Percebe-se nessa dimensão a confluência entre as diretrizes de política doméstica de
caráter partidário (os programas sociais que buscam equalizar desenvolvimento econômico e
distribuição de renda) e os “valores universais” defendidos pela diplomacia do governo Lula.
Essa perspectiva se expressaria no discurso diplomático que defende “a redução do hiato entre
ricos e pobres, a promoção e proteção dos direitos humanos, a defesa do meio ambiente e a
construção de um mundo mais justo”. Conforme Amorim, a “mesma aspiração por
desenvolvimento e progresso social, que moldam a ação governamental em âmbito interno,
nos mobilizará nos planos regional e global” e, sendo assim, essa “aspiração por paz e
solidariedade passa necessariamente por uma atenção detida para as carências dos menos
favorecidos”294. Foi a partir desse discurso da “dimensão humanista” da PEB que a
diplomacia brasileira estreitou laços com países africanos e estabeleceu acordos cooperativos
ao longo do governo Lula.
Inobstante, os debates em torno das oportunidades de cooperação entre Brasil e África
identificavam, ainda em 2003, o setor energético, o combate ao crime organizado, as áreas da
saúde, meio ambiente e defesa (soluções de conflito e operações de paz) como de grande
potencial. A tônica, nesse sentido, seria a construção de parcerias com a África em variados
campos, reforçando a idéia dos “vínculos entre paz e crescimento econômico: sem
desenvolvimento não há paz, e sem paz não há desenvolvimento”295. Essa cognição seria
reforçada durante a viagem de Amorim à África (Moçambique, Zimbábue, São Tomé e
Príncipe, Angola, África do Sul, Namíbia e Gana), que antecedeu a viagem presidencial de
novembro do mesmo ano.
Essa sondagem diplomática, ao mapear as áreas de interesses convergentes entre o
Brasil e os países visitados, reafirmou a multiplicidade de temas de interesse recíproco nos
campos político, econômico e da cooperação técnica, com intensidade variável em
293
AMORIM (2004), Op. cit, p. 44.
294
MRE. Nota nº 120. Aula Magna do Senhor Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, no Instituto Rio
Branco, 10 de abril de 2003. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=140. Acesso em: 03 abr. 2010.
295
Cf.: FÓRUM BRASIL-ÁFRICA: POLÍTICA, COOPERAÇÃO E COMÉRCIO. FORTALEZA, 09 e 10 de junho de 2003.
Relatórios. Disponível em: www2.mre.gov.br/projfba/docs/anais/relatorio_g1m1.pdf. Acesso em: 30 mai. 2011.
133
O que posso dizer, de uma maneira muito geral, é que pude confirmar o enorme interesse que
o Brasil desperta na África e também o enorme potencial que vejo para nós nesses países
africanos, do ponto de vista de cooperação técnica, do ponto de vista político, cultural, mas
também do ponto de vista comercial. Vários projetos grandes estão em gestação; não
sabemos ainda se eles serão totalmente bem sucedidos ou não, se eles se desenvolverão
totalmente ou não [...] Em todos esses países, nós percebemos um grande número de
oportunidades e grandes interesses, que vão desde a área da mineração e da energia (o
interesse da Companhia Vale do Rio Doce em Moçambique, por exemplo, ou da Petrobrás
em Angola) até áreas relativas à construção civil e à educação. Mas a educação vista não
apenas como cooperação técnica, mas também como exportação de serviços nesse campo de
maneira profissional, bem como em temas como o “Bolsa Escola”. Há muito interesse
também na cooperação na área de saúde, especialmente no que diz respeito à AIDS. Todos
tinham muito interesse também no Fome Zero e como poderiam utilizar a experiência
brasileira, que ainda está iniciando, mas que pode ser compartilhada com esses países. Há
muito interesse na área agrícola, que pode ter um aspecto de cooperação técnica, mas
também pode ter desdobramentos comerciais296.
A “visão geral” que Amorim obteve na África foi a do interesse que o Brasil desperta
no continente, visto que apresenta um grau de desenvolvimento “que já deu passos mais
avançados em vários setores em que eles ainda estão, em alguns casos, começando”. É nesse
aspecto que os programas sociais implementados pelo governo brasileiro (“Bolsa Escola”,
“Fome Zero”, programas de combate ao HIV/AIDS) aguçavam o interesse dos países
visitados em estabelecer programas cooperativos com o Brasil. Nesse aspecto, segundo
Amorim, o Brasil se destacaria “no sentido de que temos um nível aproximado de
desenvolvimento, temos uma melhor compreensão dos problemas, não chegamos com
soluções prontas que muitas vezes são incompatíveis com as condições locais”297. Assim, o
programa de governo doméstico serviu como cartão de visitas da diplomacia do governo Lula,
em sua diretriz africana.
De fato, desde a primeira viagem de Lula à África (em 2003), a imagem do Brasil que
se procurou projetar no continente seria a de um parceiro estratégico que almeja favorecer a
promoção do desenvolvimento social, político e econômico, através de laços de cooperação
diversos. Isso ficaria patente no discurso presidencial durante a visita a Moçambique:
A disposição do nosso Governo é, definitivamente, aprimorar essas relações, fazer com que
elas sejam as mais saudáveis possível. Nós sabemos que o Brasil tem condição de ajudar em
várias áreas, independentemente de sermos um país com muitos problemas de pobreza. A
verdade é que o Brasil pode ajudar muitos setores da economia, muitos setores ligados à
saúde, à educação; ligados ao transporte, à agricultura, à indústria [...] Queremos apenas
296
MRE. Nota nº 162. Transcrição sem Revisão da Coletiva do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Op. cit.
297
Ibidem.
134
Portanto, a busca por reforçar relações diplomáticas com os países que compõem a
fronteira do Atlântico Sul (a África Ocidental), encontrou espaço de penetração através da
propagação da “dimensão humanista” da PEB. A diplomacia presidencial, nesse aspecto, foi
incisiva, visto que forneceu a liga entre a política doméstica, os anseios africanos e os
objetivos da diplomacia nacional (ampliação do fluxo de comércio, estabelecimento de
coalizões ao Sul e melhoramento da imagem internacional do país). Em vista disso – e das
oportunidades de ganhos no comércio exterior (principalmente no setor energético) e de
projeção internacional do Brasil – a política africana do Brasil alcançou dimensão inovadora.
O resultado da atenção conferida à África foi o aprofundamento e ampliação dos laços
cooperativos em múltiplas dimensões. O estabelecimento de cooperação técnica se deu em
âmbito multidimensional, abrangendo os setores da saúde, educação, agricultura, aquicultura,
transportes e infraestrutura, ciência e tecnologia, defesa, energia, formação profissional e
cooperação esportiva, com países diversos e intensidade variável.
Na área da saúde encetou-se cooperação técnica no combate a doenças tropicais, a
exemplo dos projetos conjuntos de prevenção e controle da malária e formação de técnicos
para o combate à doença (Angola, Camarões, Guiné-Bissau, Quênia, Benin, Gabão e Togo).
A instalação de um escritório regional da FIOCRUZ em Moçambique, conforme acordo de
2008, foi um marco importante na área da saúde. Com Angola, Benin, Senegal e Gana foram
ainda estabelecidos projetos de cooperação para o apoio ao diagnóstico e tratamento da
Anemia Falciforme. Houve missões técnicas enviadas a Zâmbia (em 2005, 2007 e 2009),
Namíbia (2006) e Serra Leoa (2009), para o estabelecimento de cooperação no combate ao
HIV/AIDS. De fato, o projeto “Fortalecimento das Ações de combate ao HIV/AIDS” foi
firmado com Quênia, São Tomé e Príncipe, Botsuana e Zâmbia. Destaca-se, nesse campo, a
participação do Ministério da Saúde, da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e da
FIOCRUZ (com o envio de técnicos) em conjunto com o MRE. Ao todo, computou-se a
assinatura de 53 atos bilaterais de cooperação na área de saúde com 22 países diferentes299.
298
Palavras do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Reunião com o Senhor Joaquim Chissano, Presidente
da República de Moçambique (transcrição). Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-
entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/0379937294409-palavras-do-presidente-da-
republica-luiz-inacio. Acesso em: 23 jul. 2010.
299
Os atos assinados foram: 5 Memorandos de Entendimento (Moçambique, Namíbia, Botsuana, Guiné Equatorial e Congo),
1 Acordo de Cooperação na área Sanitária e Fito-sanitária (Moçambique), 31 Ajustes Complementares (Quênia, Angola,
Zâmbia, Argélia, São Tomé e Príncipe, Botsuana Moçambique, Camarões, Benin, Gana, Senegal, Guiné Bissau e Cabo
Verde) 10 Protocolos de Intenção de Cooperação (Burkina Faso, Nigéria, Benin, Líbia, São Tomé e Príncipe, Moçambique,
Etiópia, Namíbia,Burundi e Camarões), 4 Programas Executivos (São Tomé e Príncipe e Cabo Verde), 1 Carta de Intenções
135
A cooperação na área educacional foi mais intensa com países africanos com os quais
o Brasil partilha a mesma identidade linguística (Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe
e Cabo Verde), mas não se restringiu aos mesmos. O intercâmbio entre estudantes e
pesquisadores acadêmicos, seja para o ensino da língua portuguesa na África ou para o estudo
da cultura africana no Brasil, foi o carro chefe das cooperações na área da educação. Destaca-
se, nesse sentido, a parceria entre o MRE, o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), para o funcionamento do Programa de Estudantes-Convênio de Pós-
Graduação (PEC-PG), que forneceu bolsas de estudo em nível de pós-graduação (mestrado e
doutorado) para estudantes africanos300. Entre 2003-2010, o PEC-PG favoreceu 237 alunos de
14 países africanos (Angola, Benin, Cabo Verde, Camarões, Costa do Marfim, Egito, Gana,
Guiné-Bissau, Moçambique, Namíbia, Nigéria, RDC, São Tomé e Príncipe, e Senegal).
Além do PEC-PG, também se destacou o Programa de Estudantes-Convênio de
Graduação (PEC-G)301 que, no período 2003-2010, selecionou 4326 alunos de 20 países
africanos diferentes (África do Sul, Angola, Benin, Cabo Verde, Camarões, Costa do Marfim,
Gabão, Gana, Guiné-Bissau, Mali, Marrocos, Moçambique, Namíbia, Nigéria, Quênia,
República do Congo, RDC, São Tomé e Príncipe, Senegal e Togo). O apoio técnico fornecido
pelo Ministério da Educação, nesse sentido, foi fundamental. Ao longo do governo Lula,
foram assinados 55 atos bilaterais na área da educação, entre memorandos de entendimento e
acordos diversos, com mais de uma dezena de países africanos. Dois importantes feitos na
área da cooperação educacional devem ser ressaltados: primeiro, a criação da Universidade
Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira (UNILAB), com sede em Redenção, Ceará, que
recebe estudantes e professores oriundos dos Países Africanos de Língua Portuguesa; em
sobre Cooperação (Gabão) e 1 Acordo para Instalação de Sede da FIOCRUZ (Moçambique). Cf.: BALANÇO DE
POLÍTICA EXTERNA 2003/2010, África, MRE. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-
externa-2003-2010/listagem_view_ordem_pasta?b_start:int=0&-C=. Acesso em: 20 mai. 2011.
300
É importante observar que o PEC-PG é um programa criado por protocolo assinado em 1981 (portanto, anterior ao
governo Lula) e atualizado em 2006. Durante a primeira década do século XXI, do total de 1.600 estudantes selecionados
pelo convênio, cerca de 75% dos candidatos provinham de países do entorno regional (com destaque para Colômbia, Peru e
Argentina), 20% eram de países africanos (principalmente Moçambique, Costa Verde e Angola) e outros 5% de países
asiáticos. Conforme dados oficiais de 2012, dos 54 países que participam do PEC-PG, 23 são africanos, 26 são das Américas
e 6 são da Ásia. (Cf.: HISTÓRICO DO PEC-PG. Disponível em: http://www.dce.mre.gov.br/PEC/PG/historico.html. Acesso
em: 09 mar. 2012)
301
Criado oficialmente em 1965, o PEC-G é um programa que oferece oportunidade de formação educacional em nível de
graduação a estudantes de países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém acordo educacional, cultural ou
científico-tecnológico, sendo administrado pela Divisão de Temas Educacional do MRE em conjunto com o Ministério da
Educação. (Cf.: PROGRAMA DE ESTUDANTE-CONVÊNIO DE GRADUAÇÃO – PEC-G. Disponível em:
http://www.dce.mre.gov.br/pec/pecg.html. Acesso em: 09 mar. 2012)
136
segundo lugar, a abertura do leitorado de língua e literatura brasileira no Camarões (que abriu
precedente para que o mesmo se realizasse no Mali e Zâmbia)302.
Os casos cooperativos nas áreas da saúde e educação são um demonstrativo da
sinergia interministerial que envolve o esforço de estabelecimento de cooperação
multidimensional. A ampliação do raio de ação do Estado, que no caso do governo Lula
envolveu a criação de novas pastas ministeriais (em oposição à ideia do Estado mínimo),
acompanhou o dinamismo diplomático. As missões diplomáticas brasileiras (na África ou em
outras regiões) foram compostas de representantes de vários ministérios e de empresários,
articulados pelo MRE, a fim de que estabelecessem acordos cooperativos diversos e
multisetoriais. Não apenas o MRE articulou-se aos demais ministérios, mas estes também
criaram (ou redimensionaram) estâncias para dialogar com o Itamaraty e tratar das questões
de políticas externa que envolvessem cada ministério, através de secretarias específicas
voltadas para assuntos internacionais. O Estado apresenta, portanto, relevância logística no
movimento de revitalização da política africana do Brasil, entre 2003-2010.
Esse processo conjuga a expansão de atores e interesses envolvidos na PEB durante o
governo Lula. Conforme Lima, Hirst e Pinheiro, essa “presença de destaque dos ‘ministérios
domésticos’ no tabuleiro internacional”, acompanhou o adensamento da política de
cooperação Sul-Sul e resulta de uma coalizão de atores e interesses domésticos e
internacionais. Consolida-se, assim, a tendência apresentada pela PEB desde o fim dos
governos militares do Brasil: pluralização de atores e politização da política externa303.
A politização da política externa, de forma geral, seria algo próprio das instituições
democráticas e resulta do debate acerca dos perigos do “efeito distributivo” (beneficiamento
de determinados setores em detrimento de outros) presente no processo decisório da política
externa. O efeito disso é que as prerrogativas do MRE passam a ser compartilhadas com
outras esferas governamentais (Ministérios da Economia, da Cultura, da Educação, do
Turismo, etc.), além de abrir diálogo com o empresariado nacional, acadêmicos, ONG’s e
setores sociais interessados nos rumos diplomáticos do país304.
A articulação interministerial em torno dos rumos diplomáticos do Brasil tem sido
algo notório no conjunto de acordos de cooperação firmados pelo Brasil ao redor do mundo.
Esse processo, que tem quebrado o tradicional insulamento burocrático do Itamaraty, ao longo
302
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Op. cit.
303
HIRST; LIMA; PINHEIRO. Op. cit., p. 02-05.
304
LIMA, Maria Regina Soares de. “Instituições Democráticas e Política Exterior”. Contexto Internacional, vol. 22, nº 02.
Rio de Janeiro: IRI/PUC-RJ, jul-dez/2000, p. 265-303. Disponível em: http://publique.rdc.puc-
rio.br/contextointernacional/media/Lima_vol22n2.pdf. Acesso em: 22 dez. 2010.
137
dos anos, tem reflexo sobre a estrutura dos diversos ministérios que defendem interesses
nacionais em suas relações internacionais. A existência de secretarias, subsecretarias,
departamentos e assessorias, que fomentam a articulação institucional em torno dos acordos e
programas internacionais nos quais o Brasil esteja envolvido, são exemplo desse movimento.
305
Cf.: Organograma do MRE. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/conheca-o-
ministerio/organograma-1. Acesso em: 03 jun. 2011.
306
Cf.: Ministério da Educação – Gabinete do Ministro. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=102&Itemid=858. Acesso em: 03 jun. 2011.
307
Cf.: Organograma do Ministério do Turismo. Disponível em:
http://www.turismo.gov.br/turismo/o_ministerio/organograma/. Acesso em: 03 jun. 2011.
308
Cf.: Secretaria Executiva do MinC. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/o-ministerio/secretaria-executiva/.
Acesso em: 03 jun. 2012.
309
Cf.: Organograma do MDIC. Disponível em: http://www.mdic.gov.br//arquivos/dwnl_1271101778.gif. Acesso em: 03
jun. 2011.
310
Cf.: Organograma do MCT. Disponível em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/10627.html. Acesso em: 03
jun. 2011.
138
(que caracterizou a diplomacia do governo Lula) se fez notar e serve como panorama da
atuação brasileira na cooperação para o desenvolvimento.
Foi assim que, em articulação interministerial entre o MRE, o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), o Brasil intensificou relações cooperativas com a África no campo da agricultura.
Nessa área, foram assinados mais de 50 instrumentos jurídicos internacionais, entre Acordos,
Memorandos de Entendimento, Ajustes Complementares e Programas de Trabalho, entre
2003 e 2010, com 18 países africanos. Os objetivos divulgados da cooperação agrícola seriam
o incremento da produção de alimentos, o combate à fome e à pobreza, a geração de
empregos e a sustentabilidade do meio ambiente produtivo, além dos ganhos comerciais
visados pelo Brasil.
Destaca-se, neste processo, a atuação da EMBRAPA, que abriu Escritório Regional
para a África, sediado em Acra, Gana, o qual iniciou suas atividades em 2007 e foi
formalmente inaugurado pelo presidente Lula em abril de 2008. A EMBRAPA atua na oferta
de capacitação e realização de ações conjuntas com países africanos, com foco na
transferência de tecnologias, mediante o compartilhamento de conhecimentos e de
experiências no campo do desenvolvimento tecnológico da agropecuária, agrofloresta e meio
ambiente. Em termos objetivos, foram executados projetos cooperativos em agricultura junto
a Angola, Argélia, Cabo Verde, Camarões, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe,
Senegal, Tanzânia e Tunísia. Um importante instrumento cooperativo foi o projeto “Apoio ao
Desenvolvimento do Setor Algodoeiro dos Países do C-4”, conhecido como “Projeto Cotton-
4”, implementado pela EMBRAPA e pela ABC, a partir de 2006, junto ao Benin, Burkina
Faso, Chade e Mali311.
O projeto consiste em apoio brasileiro para o aumento da competitividade da cadeia
produtiva do algodão em países fortemente prejudicados pelos baixos preços internacionais do
algodão e pelos intensos subsídios praticados por países desenvolvidos. Este projeto logrou a
instalação, no Mali, de fazenda modelo para a produção de algodão, incluídos laboratório para
a realização de pesquisas visando a adaptação das variedades de algodão produzidas pela
EMBRAPA às condições africanas. Contando com um investimento brasileiro de
aproximadamente U$ 4,7 milhões, essa fazenda modelo serve como centro de treinamento
para a capacitação de pesquisadores do continente africano.
311
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Op. cit.
139
312
Ibidem.
313
Ibidem.
140
entre setembro e outubro de 2009, com o objetivo de capacitar treinadores de futebol para
treinar atletas de 07 a 15 anos, é o exemplo palpável de formação profissional na área de
esportes. Por outro lado, iniciativas realizadas em Botsuana, Angola e Moçambique, a partir
de articulação interministerial entre o MRE e o Ministério do Esporte, demonstram
cooperação de dimensão social. Em 2010 foi assinado com Botsuana um Ajuste
Complementar para implementação do projeto “Inserção Social pela Prática do Esporte”. Em
2009, em Maputo (Moçambique), foi inaugurada fábrica de materiais esportivos nos marcos
do programa “Pintando a Cidadania”. Em 2005, em Angola, implementou-se o projeto
“Inserção Social pela Prática Esportiva”, que visa aprendizagem de método de ensino da
prática esportiva integrada ao ambiente escolar, além de coordenar a instalação de fábrica de
bolas em instituição prisional314.
A atuação brasileira na África, conforme Rômulo Paes de Sousa, se daria nos marcos
do “Desafio da Cooperação para o Desenvolvimento”, em conformidade com as metas do
milênio (a agenda internacional da Declaração do Milênio de 2000), cujo foco é o
desenvolvimento social e humano. Nesse sentido, as relações Brasil-África no governo Lula
se desenvolveram a partir da busca por reposicionar o Brasil no cenário internacional, no qual
se pretende assumir (e/ou projetar) o papel de “indutor para novas políticas de cooperação”.
Isso se daria a partir daquilo que denomina de “paradigma de cooperação para a área social”,
que preconiza o “desenvolvimento de competências e capacidade técnica nos países
receptores”. Essa forma de atuação teria por objetivo o fortalecimento institucional dos países
receptores e a transferência de “tecnologias sociais adaptáveis à realidade local”315. Dessa
forma, o estabelecimento de parcerias para a formação de quadros técnicos, foi acompanhado
de projetos sociais inspirados no modelo brasileiro, conforme demonstra o caso da cooperação
esportiva.
O estabelecimento de laços cooperativos entre o Brasil e a África visando a formação
de quadros técnicos ocasionou a assinatura de Ajustes Complementares entre o Brasil e
Angola, Zâmbia, Moçambique e Guiné-Bissau, para instalação de Centros de Formação
Profissionais com o apoio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) nos
referidos países africanos. A preocupação com o desenvolvimento se deu de forma ampla, e
inclui também o estabelecimento de cooperação em áreas ligadas ao meio ambiente. Exemplo
314
Ibidem.
315
SOUSA, Rômulo Paes de. “Brasil e China na África: desafios da cooperação para o desenvolvimento”. CEBRI, Seminário
Brasil e China na África – Desafios da Cooperação para o Desenvolvimento, 09 de junho de 2010. Disponível em:
http://www.cebri.com.br/midia/documentos/apresentacaoromulo.pdf. Acesso em: 03 nov. 2011.
141
316
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Op. cit.
317
Ibidem.
142
318
Os “Cinco Princípios da Coexistência Pacífica” da política externa chinesa são: 1. respeito mútuo à integridade territorial
e da soberania; 2. não agressão mútua; 3. não intervenção nas questões internas; 4. igualdade dos direitos e das vantagens
mútuas; 5. coexistência pacífica. (Cf.: GONÇALVES, Williams. “A presença da China na África”. In: JOBIM, Nelson A.;
ETCHEGOYEN, Sergio W.; ALSINA, João Paulo (org.). Segurança Internacional: Perspectivas Brasileiras. Rio de Janeiro:
Ed. FGV, 2010, p. 523-538)
319
Ibidem.
320
Ibidem.
143
de Gana – obra orçada em mais de US$ 200 milhões (2010) – também são demonstrativos do
processo321.
Em meio ao estabelecimento de cooperação em infraestrutura, projetos de “Apoio ao
desenvolvimento Urbano”, através de políticas habitacionais, foram estabelecidos entre o
Brasil e países como Namíbia, São Tomé e Príncipe e Moçambique. O firmamento de laços
cooperativos para o desenvolvimento, no caso da área da infraestrutura urbana, foi
acompanhado de dimensão econômica e comercial, haja vista a marcada participação de
empresas brasileiras no processo. A dimensão econômica seria ainda mais marcante no caso
da cooperação nos setores de energia e transporte, que apresentam maior ligação com
interesses comerciais. O interesse brasileiro pelos recursos energéticos africanos (petróleo,
gás e carvão) ou com a exportação do biocombustível brasileiro para a África, foi o marco da
cooperação energética.
Em termos de transporte, a preocupação foi em estabelecer rotas aéreas que ligassem o
Brasil a países africanos diretamente, a fim de melhor aproveitar as potencialidades do fluxo
de comércio com a região africana. A importância da fronteira atlântica para o Brasil
apresenta dimensão estratégica, em vista da riqueza energética contida na plataforma
oceânica. A cooperação em termos de defesa com a África, portanto, privilegia a contigüidade
oceânica. Assim, é possível destacar o aumento da presença da indústria de defesa brasileira
que vendeu um navio patrulha para a Namíbia (entregue em 2009) e assinou contrato para
vender seis aviões Super-Tucano para Angola. Entretanto, no intercâmbio em questões de
defesa, a lógica do desenvolvimento e parceria é o eixo motor.
Entre 2003 e 2010, foram assinados Acordos de Cooperação no Domínio da Defesa
com África do Sul, Angola, Moçambique, Namíbia, Guiné Equatorial, Nigéria e Senegal
(sendo Moçambique o único que não integra a ZOPACAS, mas cuja posição estratégica no
Oceano Índico é incontestável). Entre as ações cooperativas, ressalta-se a de formação militar,
na qual foi criado um Centro de Formação de Forças de Segurança em Guiné Bissau (com
investimento brasileiro de US$ 3 milhões). Na Namíbia, o governo brasileiro forneceu apoio à
criação do Corpo de Fuzileiros Navais (com cerca de 600 militares). Outra ação importante,
junto à Namíbia, é o levantamento da plataforma continental namibiana e a doação de
embarcações. Com Guiné Bissau, o Brasil prestou apoio na reforma do setor de segurança
com US$ 750 mil (entre 2004-2005, através da ONU) e doou uniformes para suas Forças
Armadas. A Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe recebeu 04 botes pneumáticos e 260
321
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Ibidem.
144
322
Ibidem.
323
CERRADO NOTÍCIAS. “Brasil e Zâmbia: união para o combate dos subsídios dos países ricos”, Mundo, 08 jul. 2010.
Disponível em: http://www.cerradonoticias.com/index2.php?pg=noticia&id=902. Acesso em: 03 nov. 2011.
324
AGÊNCIA LUSA/EXPRESSO DAS ILHAS. “Pedro Pires: Maior atenção da comunidade internacional podia ter
resolvido problemas na Guiné-Bissau”, Mundo, 07 fev. 2012. Disponível em:
http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/go/pedro-pires--maior-atencao-da-comunidade-internacional-podia-ter-
resolvido-problemas-na-guine-bissau. Acesso em: 10 fev. 2012.
325
Ibidem.
145
novas tecnologias, chamando atenção para o papel de destaque do Brasil (junto a Portugal)
nesse processo de transferência de conhecimento326.
A atuação protagônica da diplomacia brasileira na África, entre 2003-2010, portanto,
se fazia sentir na fala de lideranças africanas, no âmbito da CPLP, em 2012, quando o
governo Lula já tinha encerrado sua gestão. Essa percepção se apresentaria em outubro de
2011, em Angola, quando o presidente angolano, José Eduardo dos Santos, recebeu visita
presidencial de Dilma Roussef (sucessora de Lula da Silva). Durante o evento, Eduardo dos
Santos procurou definir o patamar das “excelentes relações bilaterais” entre Brasil e Angola,
nos seguintes marcos:
Entre as questões que adquirem maior relevância para nós, neste momento, inscrevem-se as
definidas pelas Nações Unidas como ‘Metas do Milénio até 2015’, ou seja, erradicar a
pobreza extrema e a fome, universalizar o ensino, valorizar o género, reduzir a mortalidade
infantil, melhorar a saúde materna, combater as grandes endemias, garantir a defesa
sustentável do ambiente e criar parcerias para o desenvolvimento. No discurso que há dois
dias fiz no Parlamento, na abertura do novo Ano Legislativo, tive ocasião de referir os
avanços concretos que temos estado a fazer em Angola para dar resposta a todas essas
preocupações. Todas elas dizem respeito a áreas em que já se registra uma cooperação
importante com a República Federativa do Brasil, nomeadamente no domínio do ensino e da
saúde, do combate à fome e à pobreza e das parcerias para o desenvolvimento, que se
concentram em especial nas áreas da construção civil, da energia e da exploração mineira327.
326
NOBIDADETV. “Candidatura do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU é ‘fundamental’ -
CPLP: Estados devem manter diplomacia concertada nas instituições internacionais”, 07 fev. 2012. Disponível em:
http://nobidadetv.com/archives/2618. Acesso em: 10 fev. 2012.
327
Discurso pronunciado por sua excelência José Eduardo dos Santos, presidente da República de Angola, no almoço por
ocasião da visita de estado de sua excelência Dilma Roussef, presidente da República Federativa do Brasil. Luanda, 20 de
Outubro de 2011. Disponível em: http://www.mission-angola.ch/discursos/pt/20111020_presidente_pt.pdf. Acesso em: 03
nov. 2011.
146
Os nossos dois países, Brasil e Moçambique partilham muitos aspectos da vida política,
histórica e social, embora estejam localizados em continentes diferentes. Todavia, devido aos
efeitos positivos da globalização notamos que essa distância geográfica, que separa os dois
países irmãos, tem estado a ser superada pela nossa interacção contínua baseada na confiança
e comunhão de interesses. Os desígnios dos nossos dois países fundam-se na paz,
democracia e desenvolvimento ingredientes indispensáveis na promoção e exercício da
cidadania328.
328
CHISSANO, Joaquim. “Conflitos, Cidadania e o Ideal de uma Sociedade de Paz”. Discurso proferido durante seminário
sobre educação, paz e democracia na Fundação Universa. Brasília, 29 nov. 2011. Disponível em:
http://www.institutolula.org/wp-content/uploads/2011/11/discurso-chissano-29-11-2011.pdf. Acesso em: 10 jan. 2012.
329
MRE. Nota nº 162, Transcrição sem Revisão da Coletiva do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Op. cit.
330
Discurso do Presidente Lula no XXXIII Fórum Econômico Mundial. Davos, 26 de janeiro de 2003. In: REPERTÓRIO
DE POLÍTICA EXTERNA: posições do Brasil. Brasília: Funag, 2007, p. 18.
331
COOPERAÇÃO BRASILEIRA PARA O DESENVOLVIMENTO INTERNACIONAL: 2005-2009. Brasília:
IPEA/ABC, 2010, p. 10-33. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/Book_Cooperao_Brasileira.pdf. Acesso em: 03 jul. 2011.
147
332
Ibidem.
333
Ibidem.
148
334
Ibidem.
149
335
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Op. cit.
150
A área de construção civil logo foi percebida como uma área de atuação oportuna para
o empresariado nacional na África, assinalando um incipiente processo de internacionalização
das empresas brasileiras para além da América do Sul. O Grupo Camargo Corrêa, por
exemplo, inaugurou um escritório da Camargo Corrêa Construtora em Angola (2005) e em
Moçambique (2006), tendo iniciado seus trabalhos desde então. Em 2009, foi a vez da
implantação da Camargo Corrêa Cimentos em Angola e, em 2010, em Moçambique – a
Camargo Corrêa Cimentos adquiriu participação majoritária (51%) da CINAC (Cimentos de
Nacala) com acordo assinado em junho de 2010336.
O Grupo Andrade Gutierrez (AG) é, também, um exemplo desse movimento, pois,
desde 2004, seu processo de internacionalização (África, Ásia, Europa e Oriente Médio) ficou
a cargo da Zagope Construções e Engenharia S.A., a fim de alcançar crescimento sustentado e
volume de negócios. Segundo dados do Grupo AG, em um curto período desde então, “a
Zagope ascendeu ao 3º lugar entre as melhores empresas do setor em Portugal”337. Este último
exemplo, apesar de se tratar de um caso de internacionalização de empresa brasileira de forma
ampla, demonstra a potencialidade do continente africano nesse empreendimento.
Dessa forma, a Andrade Gutierrez passou a executar importantes obras em vários
países africanos: na Argélia (quatro obras nos setores de transportes e energia), no Camarões
(construção da estrada Dschang-Melon), em Gana (construção do Corredor Rodoviário
Oriental, financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), na
Guiné (renovação da estrada Kissidougou-Guéckédou-Sérédou), na Líbia (construção do
metrô de Trípoli) e na Mauritânia (construção da estrada Rosso-Lexeiba e execução de obras
de manutenção e reforço das auto-estradas Nouakchott-Boutilimit e Aleg-Boghé). De forma
análoga os grupos Queiroz Galvão (com obras de infraestrutra em seis cidades angolanas) e
Odebrecht (com obras em Gana, Angola, Djibuti e Líbia), também participam do processo338.
No setor de cooperação em energia, a presença brasileira na África é encabeçada pela
PETROBRAS e pela Vale do Rio Doce. A PETROBRAS trabalha junto a empresas locais e
estrangeiras na prospecção em águas profundas, e no seguimento de exploração e produção,
em cinco países africanos (Angola, Líbia, Namíbia, Nigéria e Tanzânia). A Vale apresentou
fortes investimentos em prospecção mineral em Moçambique e na Guiné. Em Moçambique, a
empresa investiu US$ 719 milhões na fase de montagem da Mina de Moatize, com vista a
336
CURY FILHO, Kalil. Grupo Camargo Correa. CEBRI. Painel 4. Disponível em:
http://www.cebri.com.br/cebri/cadastrarUsuario.do?funcao=detalharEvento&idEvento=362. Acesso em: 18 ago. 2010.
337
Dados disponíveis em: http://www.zagope.pt/. Acesso em: 18 ago. 2010.
338
BALANÇO DE POLÍTICA EXTERNA, Op. cit.
151
exportação de carvão metalúrgico e térmico. Na Guiné, a Vale anunciou a compra, por US$
2,5 bilhões, de 51% da BSG Resources, uma empresa que detém direitos de mineração em
Simandu (reserva mineral do país).
O setor energético contou ainda com participação de outras empresas nacionais como
a Odebrecht (com obras de construção de usina de etanol em Gana e Angola), a HRT-
Petroleum (com atividades na Namíbia) e a Dedini Indústria de Base S/A (que vendeu ao
Sudão, em 2008, a primeira usina de etanol instalada naquele país). Destaque-se, ainda, o
consórcio brasileiro formado pela ELETROBRAS, Furnas, Odebrecht e Engevix, para a
assinatura de contrato com os governos da Namíbia e de Angola, para estudo de viabilidade
de aproveitamento hidrelétrico em Baynes, no rio Cunene. Esse nível de presença empresarial
brasileira na África foi possível graças a acordos diplomáticos que resultaram na assinatura de
oito instrumentos legais, entre 2003-2010, para o estabelecimento de cooperação no setor
energético339.
Essa dimensão econômica da política africana do governo Lula, integra aquilo que
Amado Cervo chama de “paradigma logístico”, segundo o qual o governo abandona a
ortodoxia liberal e a respectiva confiança na capacidade do livre mercado ser provedor do
desenvolvimento por si só. A prevalência da ideia do Estado mínimo (ou “Estado normal”) e
da abertura econômica cede lugar à percepção do Estado como agente do desenvolvimento,
regulador do mercado e indutor de políticas públicas que direcionem a economia nacional de
forma a superar gargalos estruturais que entravam o crescimento econômico340.
Nesse movimento, a política de comércio exterior ao invés de fixar-se nas economias
de mercado que figuram como centro econômico mundial (o eixo EUA-Europa-Japão),
avança no sentido de aproximar-se de países emergentes, apresentando positiva, embora lenta,
progressão no sentido de internacionalização econômica das empresas nacionais – como Vale
do Rio Doce, PETROBRAS, etc. Esse paradigma, esboçado ainda durante o governo
Cardoso, diante do “malogro das experiências neoliberais latino-americanas”, foi posto em
prática de fato pelo governo Lula. Assentado sobre a associação entre liberalismo e
desenvolvimentismo, sua finalidade é a superação de assimetrias pela “elevação do patamar
nacional ao nível das nações avançadas”341. Essa seria uma perspectiva propositiva que visa
reformular o desenvolvimentismo, adequando-o à realidade do cenário internacional do pós-
Guerra Fria.
339
Ibidem.
340
CERVO (2008), Op. cit., p. 67-89.
341
Ibidem, p. 86.
152
342
PEREIRA, Bresser. “Novo desenvolvimentismo e ortodoxia convencional”. In: DINIZ, Eli (org.). Globalização, Estado e
desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo milênio. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 63-96.
343
Ibidem, p. 88.
153
liberalizante, Bresser Pereira aponta que a aplicação dessa ortodoxia nos países latino-
americanos ocasionou crise de balanço de pagamentos e baixo crescimento. Em sua
percepção, urge a necessidade de fortalecer o Estado fiscal e oportunizar a capacidade
competitiva internacional das empresas nacionais. Conforme suas palavras: “para alcançar o
desenvolvimento é essencial aumentar a taxa de investimento e orientar a economia para as
exportações”, condicionando investimentos à diminuição da taxa de juros ancorada a uma
taxa de câmbio competitiva344.
Assim, diferente da “ortodoxia convencional”, a estratégia de crescimento econômico
do “novo desenvolvimentismo” propugna reformas para fortalecer o Estado (que adquire
papel moderado no investimento e na política industrial), priorizando a elaboração de uma
estratégia nacional para o desenvolvimento (ao invés de confiança excessiva na capacidade do
mercado em prover o desenvolvimento), com controle de conta de capitais sempre que
necessário, incentivo prioritário às exportações e crescimento econômico ancorado em
investimento e poupança interna. Dois aspectos devem ser ressaltados nesse sentido: a ideia
de “estratégia nacional de desenvolvimento” e a valorização do “modelo exportador”.
Fundamentada no Estado (em termos de normas e instituições) a “estratégia nacional
de desenvolvimento” não é um documento com diretrizes ou uma ideologia a ser seguida, mas
é “um conjunto de instituições e políticas orientadas para o desenvolvimento econômico”, que
representa um “acordo entre as classes” definido em termos de um “consenso que una
empresários do setor produtivo, trabalhadores, técnicos do governo, e classes médias
profissionais”. Esse consenso é dado pela compreensão de que a globalização é “um sistema
de intensa competição entre Estados nacionais”, o que faz com que seja necessário “dar
condições às empresas nacionais para serem competitivas internacionalmente” 345.
Articular os interesses sociais e criar condições institucionais, fiscais, jurídicas e
logísticas para que as empresas nacionais se tornem competitivas, é o papel do Estado no
processo. O Estado é essencial em sua capacidade normativa e mobilizadora, criando
diretrizes e planos de ação que refletem o interesse nacional. Nesse sentido, ao invés de optar
pela abertura econômica e confiança no mercado, o Estado deveria adotar estratégia de
desenvolvimento que gere a transição do “modelo substituidor de importações” para o
“modelo exportador”. Segundo esse modelo, os países em desenvolvimento estabelecem o
344
Ibidem, p. 80-81.
345
Ibidem, 82-83.
154
346
Ibidem, p. 85.
347
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. “Uma escola de pensamento keynesiano-estruturalista no Brasl?”. Revista de Economia
Política, vol. 31, nº 02, abr.-jun. 2011, p. 305-314. Disponível em: www.scielo.br/pdf/rep/v31n2/08.pdf. Acesso em: 05 ago.
2011.
155
348
OLIVEIRA, Fabrício Augusto de; NAKATANI, Paulo. “A economia brasileira sob o governo Lula: resultados e
contradições”. Fórum Mundial das Alternativas, Quito, Equador, fev. 2008. Disponível em:
http://www.forumdesalternatives.org/docs/economia_brasileira_sob_governo_lula.pdf. Acesso em: 05 ago. 2011.
349
LIMA (2005), Op. cit., p. 24-59.
350
Cf.: GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELLOS, Marco Antônio Sandoval de; TONETO JR., Rudinei. Economia
Brasileira Contemporânea. São Paulo: Ed. Atlas, 2009, p. 447-489.
156
sustentável persistiu, o que pode ser tributário tanto à excessiva preocupação com a
estabilização monetária quanto com a manutenção das altas taxas de juros (que desestimulam
o investimento), pois sempre que o crescimento é sinalizado, pressões inflacionárias forçam a
elevação da taxa de juros em nome da estabilidade cambial351.
Apesar destas questões estruturais, no governo Lula algumas melhoras no desempenho
fiscal e no comércio exterior confluíram na elevação dos superávits primários, indicando a
possível reversão do endividamento público. Portanto, a estabilização se consolidou, mas
permaneceu a necessidade de retomar o crescimento econômico e aumentar o nível de
investimentos no país. Por seu turno, a atuação externa do Estado, durante o governo Lula, se
deu de forma logística, congregando interesses sociais diversos em prol da inserção
econômica internacional competitiva. Logrou, com isso, aumento do fluxo de comércio e
maiores ganhos em termos de comércio exterior.
A expansão do empresariado nacional e a ampliação e diversificação da pauta de
exportação foi uma prioridade do governo, o que convergiu com a perspectiva do “novo
desenvolvimentismo”. Entretanto, os problemas estruturais que compuseram a política
macroeconômica brasileira (a manutenção de juros elevados e a preocupação excessiva com a
estabilização monetária) inibiram o crescimento e dificultam um maior aproveitamento dos
ganhos em comércio exterior para a economia nacional. Isso ocorre devido à carência em
investimentos produtivos que elevassem o nível de competitividade internacional da indústria
brasileira. Os limites estruturais inerentes à economia brasileira acabaram por criar barreiras
ao pleno aproveitamento que o mercado africano representa para a expansão produtiva
nacional.
351
O problema estrutural se encadeia de forma lógica. A volatilidade do crescimento dos juros acaba retraindo o investimento
do empresariado na expansão da capacidade produtiva, o que limita o crescimento da produtividade. Outro fator a inibir o
investimento é a elevada carga tributária (que reduz a capacidade de poupança e investimento do setor privado), além da
baixa poupança pública (apesar da alta arrecadação, fatores como o aumento de gastos com o setor previdenciário e as
vinculações que impedem a redução dos gastos, como educação e saúde, impedem o crescimento da poupança) e da redução
do investimento público em setores prioritários (que se reflete no estrangulamento nos setores de infra-estrutura fundamentais
ao crescimento econômico: energia, transporte, saneamento). (Cf.: Ibidem, p. 490-502)
157
(quintuplicou, portanto). Em 2010 esse número já era da ordem de US$ 20,55 bilhões (em
2009 foi de US$ 17,15 bilhões). No período 2002-2008, as exportações, por exemplo,
saltaram de US$ 2,63 bilhões para US$ 10,16 bilhões, enquanto que as importações evoluíram
de US$ 2,67 bilhões para US$ 15,76 bilhões352. Em 2011 os números do comércio exterior,
entre o Brasil e países africanos, apresentaram continuidade no ritmo de crescimento (o fluxo
de comércio registrou um total de US$ 27,66 bilhões), o que demonstra amadurecimento e
estabilidade do processo (o gráfico 4 permite visualizar a evolução do comércio Brasil-África
no período).
352
Dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, disponível no site:
www.desenvolvimento.gov.br. Acesso em: 10 jan. 2011.
353
POMAR, Valter, Op. cit.
158
a mesma coisa com os bons emergentes”354. O fato, porém, é que o saldo econômico foi
positivo ao ponto de a crise internacional não desestabilizar a economia nacional no período,
como se temia.
As críticas direcionadas à política externa de Lula da Silva, surgidas principalmente
em 2006 – por ocasião da campanha à sucessão presidencial daquele ano, que colocou a
atuação internacional brasileira em debate –, se davam no sentido de demonstrar que a
proposta diplomática do governo Lula, envolta por uma ideologia partidária, cometia um erro
de cálculo estratégico ao valorizar mais as relações com países periféricos do que com os
pertencentes ao centro da “estrutura hegemônica”. Os pontos negativos levantados ao longo
do ano eleitoral de 2006 (referentes ao primeiro mandato presidencial de Lula), tinham por
foco o erro econômico e comercial em privilegiar a cooperação Sul-Sul, e chamavam atenção
para o abandono das relações com países desenvolvidos355.
Não obstante as críticas ao aparente afastamento das economias de mercado356, o que
se verificou de fato foi a ampliação e diversificação do comércio internacional do Brasil. Por
outro lado, o reforço das relações com países emergentes e em desenvolvimento aumentou o
prestígio internacional do país, elevou a pauta e volume de exportações e não deixou de
aprofundar as relações diplomáticas com os países “do Norte”. A reeleição de Lula e os
resultados de sua política externa (reforçados pela relativa tranquilidade com que o Brasil
atravessou a crise econômica mundial de 2008) oportunizaram o aprofundamento das
diretrizes externas traçadas.
A expansão das exportações, logo nos primeiros anos do governo Lula, foi um dos
fatores elencados pelo senador petista, Aloísio Mercadante, que contribuíram para a redução
da vulnerabilidade externa do Brasil. Conforme Mercadante, a diversificação de mercados que
favoreceu a expansão das exportações, resultou do “intercâmbio com o Mercosul e a América
Latina em geral e ampliação das relações comerciais com a China, a Rússia, a Índia, a África
do Sul e países do Oriente Médio”, sendo que os maiores parceiros econômicos do Brasil
seriam EUA, Argentina e China357.
354
SARDENBERG, Carlos Alberto. “Lula = FHC+China”. O Globo. “Opinião”. 17 jun. 2010, p. 06.
355
Cf.: MAPA, Dhiego de Moura. “Inserção internacional no governo Lula: interpretações divergentes”. In: Revista Política
Hoje, vol. 19, nº 01, 2010. Disponível em: www.ufpe.br/politicahoje/index.php/politica/article/download/67/40. Acesso em:
02 mar. 2011.
356
Cf.: VIOLA, Eduardo. “A diplomacia da marola”. Primeira Leitura, nº 50, abril 2006, p. 90-93. Disponível em:
http://www.imil.org.br/artigos/a-diplomacia-da-marola/. Acesso em: 23 mai. 2009.
357
MERCADANTE, Aloísio. Brasil: primeiro tempo – análise comparativa do governo Lula. São Paulo: Ed. Planeta do
Brasil, 2006, p. 49.
159
358
Entre 2005 e 2010, o volume de exportações brasileiras para os EUA variaram de 19,02% do total geral (em 2005) para
9,56% do total geral (em 2010). No mesmo período, as exportações para a Argentina variaram de 8,38% (2005) para 9,17%
(2010). As exportações para a China, por sua vez, cresceram de 5,77% do total geral (2005) para a marca de 15,25% do total
geral (2010). Percebe-se que, ao longo do governo Lula, o maior destino das exportações brasileiras mudou dos EUA para a
China, e a Argentina permaneceu como maior destino das exportações entre os países do entorno regional. (Dados obtidos no
site do MDIC. Disponível em: http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=3385&refr=576.
Acesso em: 09 mar. 2012)
160
359
PLANO PLURIANUAL 2004-2007. Orientação estratégica de governo um Brasil para todos: crescimento sustentável,
emprego e inclusão social. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Disponível em:
www.defesanet.com.br/docs/ppa_2004_2007.pdf. Acesso em: 03 nov. 2011.
161
negociações Mercosul - União Européia; serão construídas sólidas relações bilaterais com
países de importância regional, como Índia, China e Rússia. No âmbito das finanças
internacionais, se dará apoio à construção de uma nova arquitetura financeira que reduza a
volatilidade dos fluxos de capitais e seus efeitos360.
360
Ibidem.
361
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos.
Plano plurianual 2008-2011: projeto de lei. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Secretaria de
Planejamento e Investimentos, 2007. Disponível em:
http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/spi/plano_plurianual/PPA/081015_PPA_2008_mesPres.pdf.
Acesso em: 03 nov. 2011.
162
Gráfico 6 - Evolução do total exportado pelo Brasil à África por valor agregado.
Conforme se pode perceber pelo gráfico 6, o mercado africano tende a absorver maior
volume de produtos manufaturados do que produtos básicos e/ou semimanufaturados. Entre
2003-2008, do total da exportação brasileira para a África, manteve-se uma média de mais de
60% de produtos industrializados. Após a crise econômica mundial de 2008, esse percentual
variou para 57,66% em 2009 e 48,05% em 2010, voltando a apresentar crescimento em 2011.
Além disso, conforme os dados da tabela 6, após 2008, enquanto a participação das
importações oriundas da África variou de 9,11% para 6,63% do total brasileiro, entre 2008-
2009, as exportações mantiveram-se acima dos 5% no mesmo período, o que demonstra a boa
absorção dos produtos industriais brasileiros que o mercado africano representa.
Uma alternativa estratégica a ser adotada pela diplomacia brasileira para desenvolver
esse potencial comercial com a África, dentro dos marcos da própria forma de inserção
econômica por meio de parceiros seletivos (mercados emergentes), seria aprofundar ainda
mais as relações comerciais com África do Sul, Angola e Nigéria, como pontos-chave na
ampliação do comércio exterior. Conforme Cláudio O. Ribeiro, isso se deve ao fato de que
juntos, estes três países representam 48% do total das exportações brasileiras para a África e
53% das importações brasileiras oriundas da África. Somente África do Sul e Nigéria, juntas,
corresponderam a 82% dos valores exportados pelo Brasil ao continente, entre 2003 e 2005.
Além disso, o Brasil manteve saldos comerciais positivos com Angola e África do Sul no
longo período de 1985-2005. Com a Nigéria, o Brasil mantém relevante intercâmbio
163
parceiros como Chevron (Operadora), Statoil, Famfa e NNPC365. Por sua vez, as relações
brasileiras com Angola e África do Sul apresentam alguns dados interessantes.
No caso das relações comerciais com Angola, chama atenção o fato de que, a partir de
2005, houve um crescimento notável no volume de exportações brasileiras, que saltou de US$
371,6 milhões em 2004, para US$ 725,3 milhões em 2005 – que se deve, em grande medida,
ao aporte de investimentos implementados pelo BNDES a partir de 2005. Ao observar a
tabela 5, é possível visualizar, também, que a partir de 2005, as exportações para África
ultrapassam os 5% na participação do total geral brasileiro. Em 2007, o volume de
exportações para Angola cresceriam ainda mais, chegando a US$ 2.149,9 milhões (vide
gráfico 7)366.
365
INVESTIMENTO DIRETO BRASILEIRO NA NIGÉRIA. MRE, Departamento de Promoção Comercial e Investimentos.
Disponível em: http://www.brasilglobalnet.gov.br/Internacionalizacao/frmApresentacao.aspx. Acesso em: 05 nov. 2011.
366
MRE. ANGOLA. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/temas-politicos-e-relacoes-bilaterais. Acesso em: 10
jul. 2010.
165
367
INVESTIMENTO DIRETO BRASILEIRO EM ANGOLA. MRE, Departamento de Promoção Comercial e
Investimentos. Disponível em: http://www.brasilglobalnet.gov.br/Internacionalizacao/frmApresentacao.aspx. Acesso em: 05
nov. 2011.
368
MRE. ÁFRICA DO SUL. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/temas-politicos-e-relacoes-bilaterais.
Acesso em: 10 jul. 2010.
369
INVESTIMENTO DIRETO BRASILEIRO NA ÁFRICA DO SUL. MRE, Departamento de Promoção Comercial e
Investimentos. Disponível em: http://www.brasilglobalnet.gov.br/Internacionalizacao/frmApresentacao.aspx. Acesso em: 05
nov. 2011
166
os países africanos oferecem para a expansão industrial e comercial brasileira parece depender
da superação das contradições macroeconômicas do modelo brasileiro.
A comparação com a forma de atuação chinesa exemplifica a questão. No processo de
internacionalização das empresas chinesas o apoio do Estado é fundamental, condicionado
por fortes investimentos produtivos governamentais e metas de longo prazo. No Brasil, por
outro lado, os poucos casos de internacionalização que lograram êxito, resultam de iniciativas
das próprias empresas, que já possuíam forte capital, em vista da ausência de uma política
nacional de apoio ao surgimento de multinacionais brasileiras370.
O processo de internacionalização das empresas brasileiras é recente e tem início com
a abertura da economia nacional ao mercado internacional no bojo dos processos
liberalizantes dos anos 90. A dinâmica de internacionalização, nessa conjuntura, apresentava
aspecto mais comercial. Todavia, a partir de 2003, o processo de internacionalização mudou a
dinâmica e as empresas nacionais passaram a se esforçar na implantação de complexos
industriais no exterior. O interesse das firmas deixou de ser o caráter comercial e passou a ser
o aspecto produtivo (o capital produtivo). O aumento dos investimentos governamentais no
setor foi esboçado em 2002 (com a criação do programa para o Financiamento a
Empreendimentos, FINEM) e posto em prática efetivamente a partir de 2005 (com o aporte
financeiro do BNDES)371.
O aumento do fluxo de IED do Brasil no exterior, que resultou do aporte
governamental, passou a atuar como fonte de criação de unidades produtivas ao invés de
servir como instrumento do comércio internacional e da exportação. Mesmo não apresentando
uma política específica para o processo de internacionalização das firmas brasileiras, o apoio
fornecido por agências de governo, como a APEX (Agência Brasileira de Promoção de
Exportação e Investimentos) e a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial),
aliada à boa situação econômica nacional no período (estabilidade macroeconômica),
favoreceram a expansão das empresas nacionais para outros países.
A América Latina (principalmente Argentina, Chile e Uruguai), recebeu o maior
número de multinacionais brasileiras e o maior volume de IED do Brasil, o que se deve a
fatores como proximidade geográfica, abundância de recursos naturais e existência de acordos
comerciais que facilitaram o processo. Trata-se de uma primeira etapa do processo de
370
MÓDOLO, Débora Bellucci. “Um Estudo Comparativo da Internacionalização das Empresas Brasileiras, Chinesas e
Indianas”. XV Encontro Nacional de Economia Política Sociedade Brasileira de Economia Política, 2010. Disponível em:
http://www.sep.org.br/artigo/2209_1cc4406cc97da2b12fe1ee6999a3e3ef.pdf. Acesso em: 08 mar. 2011.
371
QUENAN, Carlos; ORDONEZ, Daniela. “Brasil: investidor em ascensão”. Mural Internacional, ano II, nº 02, dez. 2012,
p. 02-11.
167
a mais tempo na área e com maior densidade. A forma de atuação brasileira se beneficiaria,
por seu turno, pelo aporte de políticas públicas que investissem no setor, gerando condições
favoráveis no campo tributário, financeiro e diplomático, que facilitariam o processo de
expansão das empresas375.
Apesar disso, o crescimento do comércio com o continente africano, durante o
governo Lula, foi notável e figura como demonstração do quão promissora é a relação
econômica e comercial do Brasil com os países da região, já que uma de suas características é
a marcante presença empresarial no processo. Além disso, é importante salientar que as
relações Brasil-África, apesar dos ganhos comerciais obtidos, ultrapassa a perspectiva
econômica. Nas palavras de Mercadante,
Ao aproximar-se à África e aos países árabes, o Brasil não apenas aumenta sua participação
no comércio internacional, como também se consolida como protagonista internacional e
contribui para a conformação de novas alianças estratégicas que tendem a contra-restar
processos unilaterais de concentração de poder376.
375
VALOR ECONÔMICO, Notícias. “Qual internacionalização?”, 10 ago. 2010. Disponível em:
http://www.anpei.org.br/imprensa/noticias/qual-internacionalizacao/. Acesso em: 22 dez. 2010.
376
MERCADANTE, Op. cit., p. 43.
169
377
COX, Robert W. “Gramsci, hegemonia e relações internacionais: um ensaio sobre o método”. In: GILL, Stephen (org.).
Gramsci, materialismo histórico e relações internacionais. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. p. 101-123.
378
RENOUVIN; DUROSELLE, Op. Cit., p. 389-391.
379
COX, Op. cit., p. 104.
170
380
Ibidem, p. 111-113.
381
Ibidem, p. 114-115.
382
Ibidem, p. 118.
171
383
Cada sigla citada se refere, respectivamente, a: Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial de
Comércio (OMC), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE).
384
Nas sociedades (européias) em que a hegemonia burguesa ainda não havia se estabelecido de fato, ocorreu o que Gramsci
caracterizou como “revolução passiva”, que podia ser de dois tipos: o cesarismo (quando surge um “homem forte” para ser o
árbitro entre as forças progressistas e regressistas, sempre pendendo para um dos lados) e o transformismo (uma ampla
coalizão de interesses, marcada pela cooptação de possíveis oposições organizadas); este último, marcado pela assimilação de
forças revolucionárias, acaba arrefecendo uma transformação social ampla.
385
COX, op. cit., p. 120-121.
172
386
Cf.: GUIMARÃES (1999), Op. cit.
387
Ibidem, p. 25-39.
388
Ibidem, p. 73-102.
389
Ibidem, p. 135.
173
390
CASTRO (1972), Op. cit.
391
Cf.: GUIMARÃES (2005), Op. cit..
174
multipolar, com algumas potências (Japão, União Europeia, China, Rússia) e uma
hiperpotência (EUA) no centro do sistema, e as demais nações na periferia, em condição de
vulnerabilidade392.
Ao mapear o sistema internacional a partir de grandes polos de poder (Europa, Ásia,
América do Sul, África), Guimarães sinaliza a estratégia de articulação entre Brasil e
Argentina a fim de conformar a região sul-americana como polo de poder no sistema
multipolar em ascensão, fugindo da hegemonia norte-americana na região. Trata-se de
perceber a necessidade de posicionar o Brasil, no sistema internacional, na condição de
liderança, pois, conforme Guimarães: “o destino da sociedade brasileira jamais poderá ser
médio, tendo em vista as dimensões de seu território [...]. O destino brasileiro será de
grandeza ou caos”393. Assim, o polo sul-americano funcionaria como eixo de articulação
diplomática inter-regional, no qual, ancorado no MERCOSUL (e/ou na UNASUL), o Brasil
encetaria coalizões ao Sul, alinhando posições Sul-Sul em órgãos multilaterais por meio do
estabelecimento de instrumentos de concertação política multilateral – como é o caso do Foro
IBAS e das cúpulas ASPA e da ASA – a fim de conformar um sistema internacional
multipolar, que se adequa às aspirações internacionais do Brasil.
O próprio Guimarães procura apresentar alguns dados sobre a ação do governo Lula
no sentido de alcançar os objetivos esboçados em seu ensaio, como, por exemplo, o
protagonismo internacional brasileiro, dado pela aproximação estratégica a países africanos e
árabes (a partir do discurso de fortalecimento do diálogo Sul-Sul), a atuação multilateral
brasileira, com destaque para a OMC e a criação do G20 e do IBAS394. O esforço diplomático
brasileiro em satisfazer a aspiração à condição de potência, pode ser melhor compreendido
através da ideia de “país intermediário”, conforme desenvolvido por Maria Regina S. Lima395.
De acordo com Lima, a condição de “país intermediário” só alcança legitimidade e
aplicabilidade a partir de seu “significado social”: mais complexo do que a questão da
potencialidade e recursos ou aspiração e autoprojeção de uma nação como “país emergente”,
o “significado social” diz respeito ao “reconhecimento por parte dos outros estados, tanto dos
mais poderosos, como dos semelhantes”, da condição de um país como
“emergente/intermediário” no cenário internacional. Nesse sentido, é possível compreender o
392
Ibidem, p. 259-267.
393
Ibidem, p. 341.
394
Ibidem, p. 439-447.
395
LIMA, Maria Regina Soares de. “Brasil como país intermédio: imprecisión conceptual y dilemas políticos”. In:
J.G.Tokatlián (comp.), India, Brasil y Sudáfrica. El impacto de lãs nuevas potencias regionales. Buenos Aires, Libros Del
Zorzal, 2007. p.169-190.
175
protagonismo brasileiro em chefiar a missão de paz no Haiti, coordenar o foro IBAS, atuar de
forma engajada na OMC a partir do G-20, levantar a bandeira da cooperação Sul-Sul,
empenhar-se no fortalecimento da integração regional, aprofundar contatos com países
africanos, integrar o G-4 (Brasil, Alemanha, Japão e Índia) em prol da reforma do CSNU;
essas medidas e outras semelhantes dar-se-iam no sentido de obter o “reconhecimento”
externo da condição de “país intermediário”396.
Portanto, a presença brasileira na África e, principalmente, os acordos de cooperação
técnica, implementados em múltiplos níveis (agricultura, esporte, cultura, saúde, programas
sociais, infraestrutura urbana, setor energético, educação), visaram a fortalecer o processo de
melhora da imagem internacional do país, condicionada, de certa forma, pela aspiração à
condição de potência. A maneira como o plano de ação internacional foi posto em prática, se
deu em três níveis: 1. diversificação de parcerias; 2. apoio logístico do Estado; 3. criação de
coalizões na condição de liderança. É a partir dessa compreensão que se devem enquadrar
ações diplomáticas na África de caráter multilateral, como o IBAS e as cúpulas ASPA e ASA.
396
Ibidem, p. 173-179.
397
VIZENTINI (2007), Op. cit., p. 218-220.
176
2003, por iniciativa do presidente sul-africano, Thabo Mbeki (cuja aproximação com o Brasil
havia se delineado desde a gestão de Cardoso).
Concretizado pela “Declaração de Brasília”, o IBAS é um mecanismo de coordenação
entre os três países emergentes (democracias multiétnicas e multirraciais), determinados a
construir uma nova arquitetura internacional. Seus pilares de sustentação são: 1. concertação
política; 2. cooperação setorial; 3. O Fundo IBAS398. Segundo Adriana Bueno, apesar das
disparidades (em termos econômicos e demográficos) entre os três países, “o Fórum IBAS
caracteriza-se por ser uma parceria coerente”, devido às posições comuns que mantêm nos
diversos fóruns internacionais de negociação e cooperação399. A “Declaração de Brasília” é
um documento composto por vinte pontos, que giram em torno dos temas: fortalecimento da
ONU; reforma do Conselho de Segurança da ONU; comércio justo; promoção da inclusão e
igualdade sociais; combate à fome; desenvolvimento social e econômico sustentável; repúdio
e combate ao terrorismo (por meio de concertação multilateral). Em 2004 foi elaborado o
“Plano de Ação” que traçava diretrizes detalhadas relativas à declaração, definindo os tópicos
prioritários à cooperação (transporte, turismo, comércio, infraestrutura, investimento, ciência
e tecnologia, informática, saúde, energia, defesa e educação).
Hierarquicamente, o IBAS se divide em três níveis institucionais: as Cúpulas de
Chefes de Estado (cujo encontro deve ser anual e precedido de Encontros Ministeriais; até o
ano de 2010, ocorreram 04 desses encontros, que geraram 04 “Declarações”); as Comissões
Mistas Trilaterais (encontro de chanceleres e Grupos de Trabalho – GTs); os Pontos Focais
(encontros de altos funcionários das chancelarias).
Esses encontros já produziram 04 Declarações Conjuntas de Cúpulas de Chefes de
Estado (que abordam, principalmente, questões de política internacional), 06 Declarações
Ministeriais, 05 Memorandos de Entendimentos (relativos ao ano de 2007 e tratando da
cooperação nas áreas de educação superior, administração pública e segurança, recursos
eólicos, cultura e em temas sociais), além de 12 declarações de Pontos Focais que tratam de
questões específicas. Esses encontros se intensificaram a partir de 2006, após a 1ª Cúpula de
Chefes de Estado do IBAS. A participação da sociedade civil (acadêmicos e empresários) nos
encontros é significativa, tendo em vista o crescimento do volume de negócios e o interesse
em aprofundar conhecimentos históricos, sociais, culturais e políticos entre os três países.
398
Dados sobre o Fórum IBAS disponíveis em: http://forumibsa.org/interna.php?id=23. Acesso em: 24 out. 2010
399
BUENO, Adriana Mesquita Corrêa. “Os três pilares institucionais do Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul
(IBAS): coordenação política, cooperação setorial e Fundo IBAS”. Paper preparado para o VI Congresso do CEISAL
“Independências – Dependências – Interdependências”. Toulouse, França, 30 de Junho a 3 de Julho, 2010. Disponível em:
http://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00496629/en/. Acesso em: 12 nov. 2010.
177
Para Bueno, o estudo da coordenação política do Fórum IBAS permite concluir que se
trata de uma “coalizão exógeno-defensiva”, pois, apesar do “forte apelo engajador para a
aliança entre os atores (democracia, multilateralismo, cooperação para desenvolvimento e
outros valores comuns)”, a existência de “baixo grau de interdependência econômica entre os
três países impossibilita os fatores endógenos serem fundamentais para [a] constituição de tal
coalizão”400. Nesse aspecto, O IBAS se encaminha para o fortalecimento de posições
conjuntas em temas debatidos em órgãos internacionais, ao mesmo tempo em que procura
fomentar áreas de cooperação a fim de que o baixo grau de interdependência econômica não
gere entraves. É valido pontuar, todavia, que o fluxo de comércio do Brasil com a Índia e
África do Sul cresceu de forma contínua ao longo da gestão de Lula da Silva: entre 2003 e
2010, a corrente de comércio com a Índia foi de US$ 121,528 milhões a US$ 383,563 milhões
(sempre com saldo superior a US$ 20 milhões) e, com a África do Sul, houve um avanço de
US$ 0,936 bilhão para US$ 2,063 bilhões (chegando a mais de US$ 1 bilhão em saldo
comercial entre 2005 e 2007)401.
Por outro lado, há que se considerar que o objetivo último do IBAS é o fortalecimento
da posição de liderança regional conjunta, exercida por Brasil, Índia e África do Sul (o Fundo
IBAS é ponto-chave nesse quesito). Contudo, é preciso ter em mente que a consolidação da
posição de liderança passa por questões especificamente regionais (relações Brasil-Argentina,
Índia-Paquistão e África do Sul-Angola, por exemplo). De toda forma, o IBAS é um Fórum
que envolve tanto a questão da inserção internacional protagônica do Brasil, quanto sua
aproximação com a África. Nesse quesito, de forma análoga ao Foro IBAS, pode-se dizer que
as Cúpulas ASPA e ASA são resultantes diretas da política africana proativa que se apresenta
na diplomacia do governo Lula, já que intensifica o diálogo entre América do Sul e África,
com marcante protagonismo brasileiro. Entretanto, enquanto o IBAS é uma coalizão entre
potências regionais emergentes, as Cúpulas ASPA e ASA são mais abrangentes, visto serem
coalizões entre blocos regionais, o que alarga a perspectiva.
A Cúpula ASPA é um mecanismo de cooperação inter-regional, impulsionado pela
existência de afinidades políticas e culturais, dado por iniciativa de Lula da Silva em 2003 (na
primeira viagem presidencial que fez aos países árabes). A I Cúpula ASPA ocorreu em maio
de 2005, em Brasília, e a II Cúpula ASPA se deu em março de 2009, em Doha402. Trata-se de
400
Ibidem.
401
Dados da Secretaria de Comércio Exterior do MDIC, disponível no site: www.desenvolvimento.gov.br. Acesso em: 10
jan. 2011.
402
Dados sobre a Cúpula ASPA disponíveis em: http://www2.mre.gov.br/aspa/br_home.htm. Acesso em: 12 nov. 2010.
178
uma iniciativa que conjuga países da Liga dos Estados Árabes (22) e os da UNASUL (12),
que tem logrado grande aumento do fluxo de comércio403, e no qual o Brasil tem sido o
coordenador regional sul-americano (devido à baixa institucionalidade da UNASUL em
comparação com a Liga dos Estados Árabes). Os países africanos que compõem a Liga dos
Estados Árabes são importantes parceiros comerciais do Brasil, a exemplo do Egito404.
A Cúpula ASPA possui cinco comitês setoriais, relativos às áreas econômica, cultural,
científico-tecnológica, ambiental e social. Desde 2005, ocorreram dez reuniões ministeriais,
de onde foram formulados Planos de Ação, implementados pelos cinco comitês. As posições
conjuntas, no que diz respeito à Política Internacional, se relacionam à reforma das
organizações internacionais (ONU e CSNU), diálogo de civilizações (em oposição ao
“choque de civilizações”), reforço do multilateralismo e defesa da paz no Oriente Médio.
Ao fazer um balanço do primeiro documento relevante produzido pela Cúpula ASPA,
a “Carta de Brasília” (fruto do primeiro certame, de 2005), Cervo pontua a “direção política”
do encontro, apesar dos objetivos declarados da diplomacia brasileira sobre a importância
comercial da cúpula. Destaca-se que, em seu apelo à paz, acaba condenando o terrorismo, as
sanções unilaterais dos EUA à Síria e tece críticas à ocupação israelense dos territórios
palestinos. Assim, entende que “a prevalência do político sobre o econômico” e “a realização
de poucos negócios apesar da presença de centenas de empresários” seriam fragilidades do
encontro, enquanto que “os acordos do Mercosul com os países árabes, a Petrosul, o apoio dos
33 governos ao candidato uruguaio à presidência da OMC e a conversão da Cúpula em
instituição permanente”, seriam saldos positivos da balança405. Todavia, a diretriz política da
cúpula se relaciona diretamente aos anseios brasileiros a respeito da ordem internacional.
De fato, segundo Tânia Manzur, em termos de política internacional, o encontro de
2005 e a Declaração de Brasília, sinalizariam “o patente fortalecimento da liderança brasileira
entre os países do Sul”, já que “propostas brasileiras como o combate à fome, o
desarmamento, o estabelecimento de zonas livres de armas nucleares, a cooperação para o
desenvolvimento, dentre outras”, estariam presentes no documento como proposições de ação
efetiva. Esse fato é relevante, já que a Cúpula ASPA se apresenta como um espaço
403
De fato, as relações de comércio entre o Brasil e os países da Liga Árabe saltou de US$5,48 bilhões, em 2003, para a
impressionante cifra de US$19,39 bilhões em 2010, sendo grande parte desse crescimento tributário às exportações
brasileiras que, no mesmo período, foram de US$2,76 bilhões para US$12,54 bilhões (dados da Secretaria de Comércio
Exterior do MDIC, disponível no site: www.desenvolvimento.gov.br. Acesso em: 10 out. 2010).
404
Desde 2005, as exportações brasileiras para o Egito ultrapassam a marca do US$1 bilhão (entre produtos básicos, semi-
manufaturados e manufaturados), sendo que, em 2010, esse número atingiu US$1,9 bilhão.
405
CERVO, Amado Luiz. “A cúpula América do Sul-Países Árabes: um balanço”. Revista Meridiano 47, nº 58, mai. 2005, p.
02-03. Disponível em: http://meridiano47.info/. Acesso em: 12 nov. 2010.
179
406
MANZUR, Tânia Maria Pechir Gomes. “Análise da Cúpula América do Sul-Países Árabes”. Revista Meridiano 47, nº 58,
mai. 2005, p. 04-08. Disponível em: http://meridiano47.info/. Acesso em: 12 nov. 2010.
407
Dados sobre a Cúpula ASA disponíveis em: http://www2.mre.gov.br/asa/documentos.htm. Acesso em: 12 nov. 2010.
180
411
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/eventos/evento_detalhe3.asp?ID_IMAGEM=468. Acesso em: 23 fev.
2011.
412
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/eventos/evento_detalhe3.asp?ID_IMAGEM=1630. Acesso em: 23 fev.
2011.
182
413
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/eventos/evento_detalhe3.asp?ID_IMAGEM=1382. Acesso em: 23 fev.
2011.
414
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/eventos/evento_detalhe3.asp?ID_IMAGEM=1632. Acesso em: 23 fev.
2011.
183
415
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/eventos/evento_detalhe3.asp?ID_IMAGEM=863. Acesso em: 23 fev.
2011.
416
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/eventos/evento_detalhe3.asp?ID_IMAGEM=961. Acesso em: 23 fev.
2011.
184
3.4 Conclusão
A política africana de Lula da Silva se insere nos marcos de uma diplomacia que se
propõe a consolidar a condição de “ator global” do Brasil no sistema internacional. Esse
esforço, conceitualmente marcado pelo pensamento nacionalista do grupo que detém o
controle do processo decisório, visa fortalecer a posição internacional do Brasil, a fim de
superar as vulnerabilidades externas que limitam seu pleno desenvolvimento. Por essa ótica, a
superação dos entraves gerados pela assimetria sistêmica da globalização, se mostra viável
através do aprofundamento da cooperação Sul-Sul, motivo pelo qual ações, como a política
africana, foram retomadas em novos moldes.
Apoiada no discurso da “dimensão humanista” da PEB, e visando satisfazer a
aspiração à condição de potência internacional da diplomacia brasileira, a política externa
para a África procurou articular suas ações em torno de três dimensões diferentes e
complementares: a cooperação para o desenvolvimento, as relações econômicas e comerciais
e a concertação política multilateral.
A projeção da faceta humanista voltada para a cooperação para o desenvolvimento
conjuga o discurso de construção de uma de uma “nova geografia política e econômica
mundial”, que conforma a adesão da diplomacia de Lula da Silva à epistemologia do Sul, a
fim de reforçar a identidade de país do Sul (ver capítulo 2). Logicamente que há, neste fator
ideológico, interesses políticos, que dizem respeito à busca por aumentar o prestígio
internacional do país e lhe conferir o status de potência entre as coalizões ao Sul. Conforme
Merle, as ideologias políticas são a roupagem com as quais os interesses se apresentam,
motivo pelo qual alerta para o fato de que “ao descrevermos a política externa de um Estado
determinado, nunca podemos nos contentar com uma análise da ideologia de seus
dirigentes”417.
De fato, os conceitos, valores e ideias defendidos pelos homens de Estado, fazem parte
da busca por concretizar o interesse nacional, que conformam os objetivos de política externa.
Raymond Aron expõe que, dentre os objetivos gerais da política externa das nações, constam
um bloco tripartido entre segurança (sobrevivência, autonomia), potência (força, capacidade,
influência) e glória (prestígio, respeito). A PEB, durante o governo Lula, ao defender uma
postura reformista do sistema internacional, se enquadra naquilo que Aron denomina de
Estado revisionista, cujos objetivos perpassam cada um dos três aspectos do bloco suscitado:
417
MERLE, Op. cit., p. 203.
185
418
ARON (1983), Op. cit., p. 110-121.
186
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
419
Cf. nota nº 1, sobre a definição de interesse nacional proposta por Hans Morgenthau.
420
Cf. nota nº 21, concernente à definição de José Honório Rodrigues sobre o interesse nacional brasileiro.
421
ARON (1983), Op. cit., p. 120-121.
188
422
Cf.: PINHEIRO (2004), Op. cit.
189
426
Cf.: ARON (1983), Op. cit.
192
percebe a África), redunda na variável dependente do quadro de referência. Por essa variável,
é possível responder às duas primeiras questões/problema expostas no referido quadro: as
relações entre o Brasil e países africanos se tornaram relevantes e enfáticas durante o governo
Lula, pois a África, do ponto de vista dos formuladores da PEB do período, era importante
para o anseio nacional de se posicionar como potência internacional.
Mas, em termos de resultados, deveria a África ser uma das prioridades da PEB?
Conforme esboçado no capítulo 3 da dissertação, o melhoramento da imagem internacional,
as boas perspectivas no que tange às relações econômicas com países africanos e o
desenvolvimento de experiências inovadoras e promissoras no âmbito da concertação política
multilateral com a presença de países africanos (o Foro IBAS e as Cúpulas ASPA e ASA),
demonstram a assertividade e pragmatismo da política africana do governo Lula, que é a
hipótese do trabalho. Ou seja, as relações Brasil-África, conforme estabelecidas durante o
governo Lula, não se apresentaram como uma das finalidades da PEB, mas sim como um dos
meios pelos quais a diplomacia nacional lançou mão para projetar a condição de potência,
através do melhoramento da imagem internacional do país, atendendo, assim, aos interesses
nacionais brasileiros.
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