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Um Nobel da Paz para Barbosa

Por Carlos Beto Abdalla

Chegamos ao centenário de Moacir Barbosa, o goleiro Barbosa, um personagem


da história brasileira que ultrapassa a mística e o folclore e, como os Corvos de Odin,
deve representar a memória e o pensamento, trata-se de um mito brasileiro real e que fala
muito sobre nossa condição histórica. Memória e Pensamento, os Corvos de Odin
carregavam nomes que tinhas esses significados. Segundo a lenda, voavam pelo mundo
e voltavam para Odin para contá-lo o que haviam visto, Odin confessava que temia que
algum dia eles não voltassem.
Barbosa carregou e carrega sobre seu nome o estigma do goleiro que falhou na final da
Copa de 50 e brindou o país com o mais trágico sentimento de derrota perante o mundo.
Discurso amplamente disseminado pelos jornais do país pelos mais célebres escritores e
jornalistas.
Barbosa é um espelho para o país, a metáfora do espelho pode ser usada aqui pra
que se escreva de várias formas, raivosa, angustiada, irônica, sarcástica, melancólica,
agressiva, orgulhosa, feliz, esperançosa e porque não, vencedora. Sentimentos que
Barbosa absorveu, mas que apenas os negativos prevaleceram; a Copa de 50 era uma
tragédia que unificava um país sempre muito desigual e estratificado, escravista e racista.
Como sabemos, o racismo opera na desqualificação simbólica, Barbosa
infelizmente continua a ser o goleiro que supostamente falhou no segundo gol do Uruguai
naquela final e nada além disso. Poucos sabem e pouco é dito que Barbosa trouxe ao país
os primeiros campeonatos internacionais para o futebol brasileiro, primeiro com o Vasco
em 1948, vencendo o primeiro campeonato continental de futebol do Mundo, que foi
disputado no Chile, celebrando a volta do futebol mundial no pós-guerra. E depois com a
Seleção brasileira em 1949, ganhando a primeira Copa América do Brasil já na era
profissional. A imprensa infelizmente não faz questão de lembrar desses fatores, muito
menos que antes desse título a seleção amargou 5 vice-campeonatos de Copa América
para a Argentina.
A desconstrução simbólica de Barbosa é tão lamentável que poucos sabem que
ele se tornou uma lenda no Chile após o título com o Vasco. No Chile, quando um goleiro
chutava a bola de sua área e a bola ultrapassava o meio-campo, se passou a chamar de um
chute “a la Barbosa”. Pois foi a primeira vez que puderam presenciar tal potência. Um
fato novo para o futebol.
O Centenário de Barbosa nesse contexto de pandemia que vivemos tem até um
caráter profético. Num momento em que o país precisa de união e coalizão na tragédia
que vivencia, a memória de Barbosa cumpre seu centenário. Meu pensamento lembra
aqui as palavras do engenheiro Ozires Silva em uma entrevista no programa Roda Viva
dizendo que havia perguntado a alguns membros do comitê do Nobel porque o Brasil não
tinha ainda nenhum prêmio Nobel enquanto os países vizinhos, todos possuíam em sua
maioria. Ozires disse que lhe responderam o seguinte: “vocês brasileiros são destruidores
de heróis, de seus próprios heróis”.
Barbosa pode ser um desses heróis. Humilde, inteligente e sempre soube falar de
seu calvário com sabedoria. Seu coração já carregava a Cruz vermelha de Cristo,
simbolizada na camisa do CRVG; como diria sua filha, uma cruz oposta à do calvário,
uma cruz de vitória e pioneira. Barbosa é um desses pássaros de Odin, ou melhor, é um
Corvo do Vasco, esquecido como o próprio significado do nome do clube que defendeu,
Vasco significa Corvo, mas ninguém sabe ou se lembra porque era justamente um
símbolo do Expresso da Vitória, base da seleção de 50, um mascote esquecido e apagado
junto com Barbosa. Um corvo que exige Memória e Pensamento. É preciso que saibamos
honrá-lo para que possamos verdadeiramente tratar sua memória, a de um Timoneiro,
como diria Paulinho da Viola, acima de tudo a de um vencedor, um herói brasileiro e
pioneiro.

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