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Contendo a raiva, arfando, o vigário pediu um pouco d’água para beber. O moleque
entrou na casa e voltou com uma cabaça quase transbordando. O padre bebeu sofregamente e
pediu que lhe trouxesse um pouco mais se não fosse fazer falta, no que o menino respondeu:
“faz falta não, seu padre, hoje pela manhã encontrei um rato morto no pote e eu já ia despejar a
água dele no riacho...” O padre, com toda a ira que Deus condena sapecou a cabaça no chão
partindo-a em mil pedaços. O menino então choramingou: “Ô, seu padre, era a cabaçinha de
vovó mijar...” O padre já pronto para esganar o pequeno demônio quando um casal apareceu.
Eram os pais do menino que voltavam da roça. Eles então perguntaram ao padre o que
acontecera e o vigário contou, tintim por tintim. O pai, indignado, deu umas boas cipoadas no
moleque, dizendo: “onde já se viu pregar uma peça dessas num homem de Deus. Desculpe
seu padre o que eu crio aqui são patos. Vou até mandar a patroa matar e limpar um para o
sinhô comer lá na paróquia.” O padre agradeceu, alegando o adiantado da hora, mas pediu
para levar consigo o pequeno, pois, esperto como era, daria um ótimo coroinha, mais tarde um
bom sacristão e, quem sabe, entraria para o seminário. Os pais concordaram, mostraram um
lugar seguro para a travessia do riacho e lá se foram. O padre no burro, com sua tralha e o
menino atrás, carregando uma trouxinha com seus poucos pertences.
Chegando à paróquia, já escurecendo, o padre apeou do burro, pegou o moleque
pela orelha e perguntou: “o que sou? E o moleque respondeu: “o sinhô é um padre.” O padre
sapecou um tremendo cascudo na cabeça do moleque e ensinou: “eu sou um papi-a-santo.” *
Apontou para uma portentosa mulher que varria a nave da igreja e perguntou: “o que é aquela
ali.?*” “Uma mulher,” respondeu o pequeno. O padre sapecou-lhe outro cascudo e disse:
“mulher não, é uma folgazona.” Apontou então para um gato que dormia no adro da igreja e
berrou: “que animal é aquele?”Já aos prantos o menino respondeu: “é um gato.” Gato coisa
nenhuma, seu capeta, aquilo é um papi-a-rato. ”* E tome cascudo no cocuruto do miserável.
A essa altura, já aos berros, o moleque tentava se desvencilhar do padre, clamando
por todos os santos que já tinha ouvido falar. O padre lhe disse: “calma ainda faltam alguns
pontos para concluir seu aprendizado para tornar-se um bom sacristão.” Encostou a mão do
indigitado na chama de uma vela e perguntou: “o que é isso?” Todo mijado, o infeliz respondeu:
“ É fogo!” “É clarismundo.” Respondeu o padre. O menino implorou ao padre que enfiasse
sua mão numa vasilha com água para aliviar a dor. O padre aplicou-lhe um tabefe na orelha,
gritando: “não é água, ignorante, é abundância.”
Após o jantar o padre passou uma pesada penitência para o garoto, chamou a
mulher e foi com ela deitar-se. O moleque então resolveu se vingar. Pegou uma vassoura,
untou-a com óleo, amarrou-a ao rabo do gato e ateou-lhe fogo. Soltou o bichano que começou
a correr desesperado pela capela e o fogo pegando em tudo: cortinas, toalhas do altar, mantos
dos santos, etc... O vigário acordou com os gritos do menino: Acuda papi-a-santo,
com folgazona nos braços, venha ver papi-a-rato, com clarismundo no rabo, acuda com
abundância, senão vai tudo pros diabos... Passou sebo nas canelas, e pernas pra que lhes
quero...
*Era assim que ela falava. Não sei se a grafia é essa mas achei melhor colocar assim.
Obs:
Monteirim, eu tenho o livro de Trancoso e não encontrei a que vc. contou. Antigamente,
contar história de Trancoso era mentir... Pode até não ser o caso desta, já que quem a
contou, vc. a conhecia... Mas, aceite minhas desconfianças... Coitado do Trancoso!