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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Marina da Rocha Marins

“A SFF MOSTRA O BRASIL AO MUNDO: DIMENSÕES DO GLOBAL NO MOVIMENTO


FOTOCLUBISTA (1951 – 1978)”

Trabalho apresentado como pré requisito para


conclusão da disciplina “Seminário de Cultura e
Sociedade Contemporânea I” ministrada pelo
professor Norberto Ferreras”

Niterói
2019
Resumo
O presente trabalho pretende apresentar, tendo como fio condutor o conceito de cultura visual,
as dimensões globais existentes no movimento fotoclubista a partir da trajetória da Sociedade
Fluminense de Fotografia, principal expressão desse movimento na cidade de Niterói e uma das
maiores do Brasil. Para isso, tem-se como objeto de análise quinze catálogos de Exposições Mundiais
de Arte Fotográfica, entre os anos de 1951 e 1978. A partir deles foram analisadas algumas séries
fotográficas categorizadas por temáticas que se encontraram como repetições entre os expositores.
Trata-se de um esforço por traçar uma unicidade na produção fotográfica fotoclubista entre as mais
variadas escolas de fotografia espalhadas pelo mundo na época, cada uma com a sua técnica e suas
particularidades. Entretanto, algo as torna comum, e não parece que seja apenas a expressão artística
ao qual faziam parte, mas uma tendência estética entre os objetos fotografados, algo sobre como
fotografar e o que fotografar. Vale lembrar que trata-se de um movimento de fotografia amadora, onde
o que os iniciantes clicavam era condicionado por parâmetros que definiam o que era fotografia na
época. Isso é, entende-se que haviam tendências que ditariam a produção fotográfica, tal como o olhar
do fotógrafo amador no Brasil e no mundo, através da circulação de fotografias que caracterizava
esse movimento.
Com isso a pergunta incalável se aproxima cada vez mais de suas respostas, na medida em que
não se busca aqui apenas uma resposta com ponto final, mas respostas, com muitas vírgulas e
reticências. Sob o tema “A SFF mostra o Brasil ao mundo”, busca-se compreender que Brasil era esse
que era mostrado nas fotografias que fazia circular a SFF? E o que podemos dizer sobre tal dimensão
de mundo?
“A Oitava Exposição Mundial de arte fotográfica, apresentada ao público nos salões
da entidade promotora, vem afirmar , mais uma vez, o conceito que a Sociedade Fluminense de
Fotografia desfruta nos setores fotográficos mundiais, participada por centenas de artistas de
várias regiões do globo, trazendo, até Niterói, aspectos da cultura e da civilização dos povos
mais distantes, numa afirmativa de que a arte aproxima e tem uma linguagem entendida por
todos.”

(Apresentação do catálogo da 8ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1959).


Introdução
Em 1944 foi fundada, na cidade de Niterói, a Sociedade Fluminense de Fotografia (SFF) pelo
Advogado e fotógrafo amador Jayme Moreira de Luna. A SFF representou a principal expressão do
movimento fotoclubista na cidade de Niterói. Segundo Peregrino e Magalhães (2012), naquela época,
a cidade de Niterói vivia uma posição privilegiada no cenário cultural brasileiro, por estar localizada
próxima geograficamente da Guanabara, sede do Distrito Federal naquela época. A cidade presenciou
no período um intenso processo de modernização com a construção de praças, parques, estação
hidroviária, redes de esgoto, alargamento das ruas e avenidas principais, a Criação da Universidade
Federal Fluminense (1960), a criação da Caixa Econômica do Estado do Rio de Janeiro (1939), o
Museu Antônio Parreiras (1941), a construção do Hospital Antônio Pedro (1944), do Estádio Caio
Martins (1950) além da expansão da malha rodoviária e da inauguração do serviço de trolleybus
(1951). Essa modernização foi muito positiva para o crescimento da cidade, especialmente no que diz
respeito ao campo da cultura e das artes, como a fotografia e o cinema.
A criação da Sociedade Fluminense de Fotografia coincidiu com esse momento de
efervescência no cenário cultural Niteroiense. Ela ocupou um lócus privilegiado na produção da arte
fotográfica brasileira, atuando tanto na difusão do conhecimento técnico fotográfico, através de
cursos diversos que promovia, quanto na circulação de fotografias, enquanto instituição que agenciou
o consumo de fotografia dentro e fora do Brasil, através dos Salões fotográficos os quais participava.
Jayme Moreira de Luna (1914-1999), então presidente da instituição no período estudado, não
mediu esforços para transformar a SFF em uma das instituições fotográficas mais importantes do
Brasil. Advogado e fotógrafo amador, mineiro de Santa Rita do Sapucaí e niteroiense por opção, aos
30 anos fazia, despretensiosamente, uma fotografia de seu pequeno filho Elysio em frente a um dos
portais de sua casa. O menino cabisbaixo, vestido de pierrô, inspirou seu pai a intitular sua obra como
"Quarta-feira de Cinzas". Não imaginava neste momento que esta fotografia mudaria a história da
fotografia fluminense. Gostando de sua foto, resolveu apresentá-la no salão do Photo Club Brasileiro,
um dos primeiros fotoclubes do Rio de Janeiro de que se tem notícia.
Figure 1: “Quarta-feira de Cinzas”, Jayme Moreira
de Luna.
O rigor técnico era uma característica marcante nesses fotoclubes. Por causa disso, "Quarta-
feira de cinzas" foi duramente criticada. Já que, ao fotografar o grande portal de sua casa, cuja
construção foi feita com um pé direito muito alto, teve como resultado linhas convergentes, o que foi
considerado um erro grave para os jurados daquela agremiação.
Na barca de volta para Niterói, Luna encontrou o seu amigo César Salamonde, na época juiz
de menores e respeitado fotógrafo laboratorista que mostrou a Luna que esse erro considerado
gravíssimo pela academia poderia ser facilmente corrigido no laboratório, na hora da ampliação da
fotografia. Deste feliz encontro nasceu a ideia de fundar uma instituição niteroiense voltada
exclusivamente para difundir e ensinar a arte fotográfica e sua técnica.
Sendo assim, pouco tempo depois, em 12 de outubro de 1944, Jayme Moreira de Luna, fundou
a Sociedade Fluminense de Fotografia no porão da própria residência na Avenida Sete de Setembro
204, que mais tarde teria sua sede transferida para seu local definitivo, na Rua Dr. Celestino 115, no
Centro de Niterói, onde existe até hoje em um terreno doado através de uma lei do ex-deputado
Alberto Torres, assinada pelo ex-governador Edmundo de Macedo Soares e Silva, em 17 de outubro
de 1949, pelo reconhecimento da atuação da SFF na divulgação da nossa fotografia inclusive no
exterior. Sabe-se que o prestigio da Sociedade Fluminense de Fotografia floresceu graças a estreita
ligação que Jayme Moreira de Luna estabelecia com fotoclubistas brasileiros e estrangeiros, sendo
um dos poucos brasileiros a receberem o título máximo de membro honorário da FIAP (Fédération
Internationale de l'Art Photographique).
Em 1945, um ano após sua fundação, foi realizado o 1º Salão Anual da SFF, no antigo Hotel
Cassino, atual prédio da reitoria da Universidade Federal Fluminense. Depois disso, até os anos 1980,
foram realizadas mais de 40 Exposições Internacionais entre outras nacionais.
A Sociedade Fluminense de Fotografia nasce, portanto, com uma missão: mostrar o Brasil ao
mundo. Esse slogan, que deu nome a uma importante exposição promovida pela SFF nos anos 1960,
composta por fotografias que documentavam o Brasil de norte a sul, fora pensado depois que a
instituição recebeu uma correspondência remetida por universitários estadunidenses de Tucson, no
Arizona, dizendo que em sua universidade todos os anos homenageavam um país, e naquele ano, o
Brasil havia sido o escolhido. Entretanto, não encontraram uma só fotografia do Brasil nas repartições
consulares brasileiras das proximidades de sua cidade. Foi então que Jayme Moreira de Luna criou
uma campanha intitulada “A SFF mostra o Brasil ao mundo”, promovendo exposições fotográficas
itinerantes oferecidas gratuitamente às representações diplomáticas brasileiras, cumprindo sua missão
de mostrar o Brasil às mais diferentes nações.
Mas que Brasil é esse que era mostrado? Quais critérios de seleção eram utilizados pela
comissão da SFF responsável por escolher as fotografias que iriam compor os salões Brasil a fora?
Que imagem de Brasil era definida pelos intercâmbios promovidos pelo fotoclubismo? A essas
questões acrescenta-se uma curiosidade própria da dimensão global característica deste trabalho, o
que se pode dizer sobre a perspectiva de mundo? Quais países participaram desse intercâmbio
recebendo e trocando fotografias e tendências estéticas?
Entre os anos 1940 e 1980, os fotoclubes se afirmaram como espaços de sociabilidade da
fotografia amadora, assim chamada porque a maioria de seus associados fotógrafos tinham como
hobbie a relação com a fotografia, tendo suas profissões desvinculadas da arte fotográfica. As
exposições e debates em torno fotografia, entretanto, defendiam um espaço visual público para a
imagem fotográfica como objeto de apreciação estética. Portanto, a SFF, cumprindo sua função de
agência, levou a fotografia brasileira a ser vista por muitos mundos, trazendo, como contrapartida,
muitas outros mundos a serem vistos por olhos brasileiros, niteroienses e cariocas, em um movimento
rico de circulação de fotografias em formato 30x40, tamanho estabelecido pelos fotoclubes para
padronização dos salões fotográficos.
Os catálogos

“Expositores de quarenta países das mais diversas civilizações, de mãos dadas, irmanados
pela arte, sem distinção de crença, de raça ou de ideologia, estão representados nos painéis
que temos o prazer e a honra de franquear à visitação pública”
(Breves palavras, no catálogo da 13ª Exposição Mundial de Fotografia. 1960)

Entre 1951 e 1978 foram 23 Exposições Mundiais de Arte Fotográfica realizadas pela
Sociedade Fluminense de Fotografia. Certamente o evento mais importante realizado por esta
agremiação, que ocorria com uma periodicidade anual, com exceção de alguns anos que não puderam
realizar por motivos adversos. Das 23 exposições realizadas no período, foram analisados 15 delas, a
partir de seus catálogos (3ª, 7ª, 8ª, 13ª, 15ª, 16ª, 17ª, 19ª, 20ª, 21ª, 24ª, 25ª, 26ª, 27ª, 28ª) dispostos no
acervo da SFF.
Entre a 8ª e a 13ª Exposição, um fato curioso: Não houve 9ª, 10ª, 11ª, nem 12ª Exposição
Mundial de Fotografia. O fato é explicado na apresentação do catálogo da 8ª exposição mundial:
“Ao ensejo de apresentar ao público a Oitava Exposição Mundial de Arte Fotográfica, a
Sociedade Fluminense de Fotografia deseja esclarecer que o seu próximo certame terá a
designação de 13ª Exposição Mundial. É que, a atual diretoria, deseja restabelecer a ordem
numérica interrompida em 1948, quando realizou o Quarto Salão Internacional, pois a
direção desta agremiação, no ano seguinte, isto é em 1949, ao invés de designar sua mostra
Internacional, realizada naquele ano, de Quinta Exposição, o fez como Primeira Exposição
Mundial, interrompendo, portanto, a sequência, anomalia que ainda não foi corrigida por
motivos alheios a sua vontade. Sendo este restabelecimento um imperativo de ordem
cronológica, a diretoria está certa da compreensão de todos.”

(Apresentação, Catálogo da 8ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1959)

Até 1954 todas as exposições tiveram realização em lugares alternativos, pelo fato de não existir ainda
uma sede própria daquela instituição. As reuniões, até então, eram realizadas nos porões da casa do
Dr. Luna. A sede da Rua Doutor Celestino 115, onde funciona até hoje a SFF, fora doada em 1949
mas levou seis anos entre angariar verbas e construir, sendo inaugurada em 1955 junto com a 4ª
Exposição Mundial de Arte Fotográfica.
Esse fato, entretanto, não impediu o seu pleno funcionamento. Até a inauguração da sede, a
SFF já havia realizado 9 Salões Mundiais de Arte Fotográfica, todos com participações internacioais
de fotógrafos e com um número expressivo de visitantes e figuras públicas.
Em 1945, um ano após sua fundação, houve a primeira Exposição Mundial de Arte Fotográfica,
realizada no hall do Hotel Cassino em Niterói, com a participação do Foto Cine-Clube Bandeirante,
de São Paulo, e do Foto Club de Concórdia, na Argentina, segundo Luna, determinantes para a
realização do evento.
Em 1947, o 3º Salão Internacional de Arte Fotográfica foi realizado nos salões do edifício
Gustavo Capanema, na época, Ministério da Educação e Cultura, no Rio de Janeiro, então capital do
Distrito Federal, evidenciando não apenas a estreita relação que a SFF mantinha com o governo, mas
também o seu prestígio público.
Em 1951 outra grande exposição de que se tem notícia, realizada no Hotel Quitandinha, em
Petrópolis, com a presença do governador Amaral Peixoto entre outras figuras ilustres, fora reportada
pelo Cinejornal do Estado do Rio de Janeiro, um canal de comunicação do governo do estado.1
As exposições realizadas pela SFF eram sempre de grande porte, sendo exibidas todos os anos
fotografias de mais de 30 países com cerca de 300 fotografias selecionadas dos cinco continentes do
globo, com temáticas que iam da mulher, a paisagem, o retrato, a infância, entre outros. Ao longo dos
27 anos aqui estudados, passaram pela SFF países de todos os continentes do mundo, uns com mais,
outros com menos participações.

Continentes Países Total


América Argentina, Canadá, 13
Colombia, Chile, Costa Rica,
EUA, México, Panamá, Peru,
Porto Rico, Uruguai, Venezuela
Europa Alemanha, Áustria, 25
Bélgica, Bulgária,
Tchecoslováquia, Dinamarca,
Espanha, Estônia, Finlândia,
França, Grécia, Holanda,
Hungria, Inglaterra, Irlanda,
Itália, Iugoslávia, Letônia,
Luxemburgo, Noruega,
Polônia, Rússia, Romênia,
Suécia, Suiça.
Ásia Cingapura, Coreia, 12
China, Filipinas, Hong Kong,
Índia, Iraque, Japão, Malaia,
Paquistão, Tailândia, Vietnam.
África África do Sul, Angola, 4
Egito, Marrocos
Oceania Austrália, Nova Zelândia 2
Tabela 1: Países expositores em exposições mundiais de arte fotográfica entre 1951 e 1978.

1 Ver em https://www.youtube.com/watch?v=_ekzKhoqceY
A Sociedade Fluminense de Fotografia, ao mesmo tempo em que produzia tais exposições,
participava paralelamente omo expositora de salões nacionais e internacionais promovidos por outros
fotoclubes, no Brasil e no exterior, selecionando e enviando fotografias dos fotógrafos-sócios
fluminenses e cariocas para que territórios distantes pudessem apreciar a nossa cultura e as nossas
belezas através das fotografias disseminadas.
A SFF não só participou ativamente de exposições no exterior como garantiu muitos prêmios
com as fotografias enviadas, o que lhe guardou um lugar de prestígio internacional. Destaca-se sua
especial participação no 1º Salão Internacional de Arte Fotográfica da Marinha Mercante, em Lisboa;
na Agrupación Fotografica "San Juan Bautista" San Adrian de Besos em Barcelona, Espanha; no I
Concurso Internazionale di Fotografia Artistica Cine Club Biella da Italia; no VII Salão
Internacional de Arte Fotográfica de Moçambique; no Queensland International Salon 1961 da
Austrália; no 7º Salon International Nantes (França); no Salon Internacional de Arte Fotografico
Foto Club Buenos Aires (Argentina); no Salon Internacional Club Fotográfico de Mexico; no
Fotokluba Zagreb (Croácia); no 16th C.P.A (Hong Kong) INTL Salon; no CWF Yakima Washington
Fair (EUA); no Virton (Bélgica); no Mezinárodni Prehlidka Fotoklub (Tchecoslováquia); no 9th
Malaysia International Salon 1973 (Malásia); no 16th Singapore Salon 1965 (Cingapura); no Al 7lea
Salon International România (Romênia); no Cape of Good Hope International Salon of Photography
na África do Sul; no 6. Bifota Berliner Internationale Fotoausstellung 1974 (Áustria); o Kamerakerho
(Finlândia); no Segil do Ultramar (Angola), entre tantos outros.
O Fotoclubismo teve uma adesão muito grande no Brasil, onde a SFF representa a expressão
desse movimento na cidade de Niterói. É possível identificar a existência de fotoclubes por quase
todos os estados brasileiros, apenas a partir da observação das fotografias do acervo da SFF, onde
ficavam gravados selos e carimbos por onde aquela fotografia teria circulado enquanto expositora. É
através desses registros que é possível mapear a circulação de cada fotografia depositada no acervo
da SFF por diferentes salões no Brasil e no mundo. Quanto mais selos e carimbos uma fotografia
recebia, maior importância tinha o fotógrafo para a instituição.
Da participação da SFF em salões nacionais destacam-se aqueles realizados pela ABAF (Rio
de Janeiro), o fotoclube Bandeirante (São Paulo), o Fotoclube do Jaú (São Paulo), Fotoclube de Minas
Gerais, o Foto Clube do Espírito Santo, o Cine Foto Clube do Amparo (São Paulo); o Foto Clube de
Londrina (Paraná); o Foto Clube de Santa Catarina; o Foto-Cine Clube Gaúcho (Rio Grande do Sul);
o Clube da Objetiva (Goiânia); Foto Clube do Pará; Foto Clube Uberaba (Minas Gerais); Franca Foto
Cine Clube (São Paulo); Foto clube Santo André (São Paulo); Sociedade Fotográfica de Nova
Friburgo (Rio de Janeiro); Grupo Amador Fotográfico de Araras (São Paulo); Associação de
Fotografos Amadores da Bahia; Cine Foto Clube de Ribeirão Preto (São Paulo); Clube Foto Filatélico
Numismático de Volta Redonda (Rio de Janeiro); Foto-Cine Clube Cataguases (Minas Gerais); Foto
cine clube do Recife (Pernambuco); Sociedade Sergipana de Fotografia (Aracaju); Foto Grupo de
Indaial (Santa Catarina); Foto clube Vila Velha (Espírito Santo); Foto Clube de Curitiba (Paraná),
entre outros.
Nota-se que o eixo sul-sudeste dominava a produção fotográfica dentro do circuito fotoclubista
brasileiro. Embora o fotoclubismo tenha encontrado expressão em todos os estados brasileiros, é
notável que no Sul e no sudeste estavam concentrados o maior número de fotoclubes. Essa presença
pode ser confirmada pela leitura dos selos e carimbos encontradas nos versos das fotografias da SFF.
Muitos desses fotoclubes tiveram vida curta. Outros até hoje afirmam sua (r)existência enquanto
fotoclubes, como é o caso do Fotoclube do Jaú e do Fotoclube Bandeirante, ambos localizados no
estado de São Paulo. Estes defendem a existência do fotoclubismo até hoje, mantendo salões nos
moldes daqueles realizados entre os anos 1940 e 1980, adaptadas para a era digital. A narrativa
defendida pela SFF, entretanto, é que a materialidade da fotografia importa muito na discussão do
fotoclubismo e que, portanto, na era digital qualquer movimento que possa existir não deve ser
confundido com o que ocorreu entre os anos 1940 e 1980 no Brasil.
Os salões mundiais de arte fotográfica conectavam o globo terrestre, superando questões
ideológicas e políticas comuns aos contextos históricos de conflito relacionados ao período estudado,
como aqueles inerentes a Guerra Fria, a Guerra do Vietnã, a Guerra do yom kippur, a Guerra da Coreia
e ainda as lutas pela independência dos países da África e da Ásia. Os salões fotográficos carregavam
uma bandeira branca em suas galerias superando conflitos e gerando um espaço de convivência e
diálogo entre os mais diferentes países e ideologias. Embora algumas vezes tenha servido de espaço
para denúncia das injustiças geradas pela guerra e pelos conflitos políticos, a análise da grande
maioria das fotografias apresentadas permite concluir que este não era seu principal objetivo, ao
menos nos anos iniciais do movimento, quando se constroem as bases daquilo que irá se definir como
fotoclubismo.
Das inscrições realizadas por fotógrafos do mundo inteiro, haviam sempre mais inscritos do
que exibidos. Todas as fotografias recebidas (e cada salão recebia entre duas mil e cinco mil provas)
passavam por uma exigente comissão de salão, que definia o que seria ou não aceito e exibido naquela
edição.
Esses dados podem ser confirmados pela sessão de estatísticas que cada catálogo exibia. Nessa
sessão eram detalhados todos os países que teriam enviado fotografias, tal como a quantidade de
fotógrafos concorrentes por país, seguido da quantidade de expositores, isso é, o número de fotógrafos
com fotografias aceitas naquele ano, a quantidade de fotografias recebidas seguida da quantidade de
fotografias aceitas. Ao final da lista, um número total de concorrentes era descrito, tal como o número
de expositores, de fotografias recebidas e fotografias admitidas. Como exemplificado no quadro
abaixo.

Figura 2: Estatística da 13ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1960.

O nome e o autor de todas as fotografias exibidas constava no catálogo de cada Salão,


entretanto, apenas algumas, normalmente aquelas premiadas, ganhavam uma reprodução entre as
páginas do catálogo. Tais reproduções permitiram o mapeamento das temáticas comuns aos salões,
que seguiam uma tendência mesmo entre diferentes continentes e países.
A Mulher
A temática da mulher normalmente se confunde com o nú artístico. Na maioria das vezes a
mulher é fotografada com sensualidade. A mulher é uma das temáticas mais recorrentes entre as
fotografias expostas nos Salões do fotoclubismo. De diferente países e etnias, a imagem da mulher é
presença garantida entre as reproduções dos catálogos entre fotografias premiadas. Entre a 8ª e a 13ª
Exposição Mundial de Arte Fotográfica, realizadas respectivamente nos anos de 1959 e 1960, a
temática da mulher se repete entre as fotografias premiadas 18 vezes com fotografias de 12 países
diferentes, a maioria segue a estética do nú artístico.

Figure 2: Figura 3: “After Bat’hing”, Tamasy


(Hungria) Figure 3: “Nudo”, Nino Galzignan (Italia)
Figure 4: "Relaxation", Tran-cao-Linh (Vietnam)

Figure 5: "Fruits of life", K. F. Wong


(Sarawak)

O Retrato
Outra temática recorrente nas fotografias era o retrato. Das mais antigas formas de fotografar,
o retrato tem presença constante e de peso no fotoclubismo. Normalmente em close, homens,
mulheres, crianças e idosos ganham espaço nas galerias através dos retratos. No Vietnã, no Brasil, na
Argentina, na tchecoslováquia, em Marrocos, na Alemanha, no Chile. Em todo canto do mundo se
fazia retratos. Vez ou outra é possível saber um pouco mais sobre os personagens fotografados, graças
a algum acessório que compõe o quadro, ou até mesmo a legenda, que tem o poder de conduzir o
espectador a uma determinada leitura sobre o fotografado.
Figure 6: "Branca de Neve", Delcio Figure 7: "El Rebelde", Roberto
Capistrano (Brasil) Thomson (Chile)

Figure 8: "The Soldier", Tran Dai Quang. (Vietnã


do Sul)
Figure 9: "Padre Maronita", Kevopk
Chazarian (Líbano)

A Paisagem
Essa é uma temática comum, tanto quanto o retrato ou a fotografia da mulher. Entretanto, esse
tipo de fotografia fala de espaço e lugar. É interessante porque apresenta uma região longínqua para
que um público desconhecido possa tomar conhecimento da geografia, da fauna e da flora das
diferentes espacialidades fotografadas e divulgadas entre os salões. Esse tipo de fotografia favoreceu
em grande medida o turismo através dos fotoclubes.

Figure 10: "Em busca do Sustento", Figure 11: "Winter Morn", O. Y. Shua
Irineu Pedro Bonatto. (Brasil) (Africa do Sul)

Figure 12: "Morning in the winter", Parvel Figure 13: "Winter Morgen", Johann
Piersinski (Polonia) Prisching (Austria)

A Arquitetura
A temática da arquitetura também desperta o interesse dos curiosos pelo desconhecido, pelo
moderno, visto que esse tipo de fotografia apresenta as mais diferentes construções civis encontradas
no globo. De um canto ao outro, temos fotógrafos interessados nas diferentes linhas geométricas
formadas a partir da construção de um edifício ou de uma casa. Tudo era fotografável e passível de
inspiração artística. Esse tipo de fotografia está diretamente ligada a arte moderna, uma expressão
artística que está presente no movimento fotoclubista e o alimentou com grandes inspirações, das
quais se destacam com grandeza aquelas relacionadas peculiaridades arquitetônicas.

Figure 14: "Arquitetura Moderna", Eugenio Vidigal


Amaro. (Brasil)
Figure 15: "Arquitetura le corbusier'a",
Maksymilian Jankowski (Polonia)
Figure 16: "The First date", Tony
Yau. (Africa do Sul)
Figure 17: "Terraço", Edgar Rei. (Brasil)

O Documental/ engajado
Há um outro tipo de fotografia mais presente nos salões dos anos 70, a fotografia documental
ou engajada. Um tipo de fotografia preocupada em documentar as injustiças sociais, o trabalhador ou
mesmo militar por uma causa.
Figure 18: "Bom dia Irmão", Marcia Santos Figure 19: "Le Casseur", Albert
Welgel (Brasil) Marrot. (Marrocos)

Figure 20: "Por un pedazo de pan", Pedro Luiz Figure 21: "Give peace, please", Gerardus Van
Raota (Argentina) Mol. (Holanda)
A análise das fotografias premiadas e dos títulos das demais exibidas nos salões permite concluir que
havia uma certa tendência nos temas fotografados, selecionados e expostos naqueles salões. O
trabalho de curadoria, como é de se esperar, preocupava-se em produzir um certo sentido entre as
fotografias expostas. Portanto, era comum que os temas se repetissem naquilo que se buscava expor
e compor. Entretanto, acredita-se que as fotografias circulantes moldavam o olhar do que era
entendido como fotografia na época, e nessa medida, conduziam também os fotógrafos amadores a
produzirem suas próprias versões dentro daquela temática.
As fotografias mais ousadas contavam com técnicas de foto-montagens ou estavam
sensibilizadas pela estética da fotografia moderna, uma expressão do modernismo na fotografia, que
estava menos ligada a ideia do belo através das paisagens e da beleza feminina e mais associada ao
banal, através da disposição de simples objetos geométricos, criando um novo parâmetro de beleza,
como por exemplo, uma serie de cerâmicas ou latas alinhadas, cestos e chapéus dispostos com certa
aleatoriedade, o chão da rua ou simples cadeiras com sombras destacando a beleza da geometria nas
imagens banais que surpreendem e agradam.

Figure 22: "Cerâmica", Elédio Nunes. (Brasil) Figure 23: "Chegou o verão", Edgar Rei.
(Brasil)
Figure 24: "Les Chaises", Charrie Guy
(França) Figure 25: "Kammerspiele", Franz Dutzler
(Áustria)

Os fotoclubes configuraram, para além da alcunha de agências fotográficas, espaços de


sociabilidade e produção de conhecimento. As trocas produzidas no interior das instituições
fotoclubistas, promoveram a existência de culturas visuais diversas. As dimensões globais do
movimento fotoclubista permitiam que diferentes pessoas, com diferentes ideias e culturas estivessem
conectadas através do intercâmbio característico desse movimento. O conhecimento ali gerado e
consumido tinha o poder de criar novas produções a nível local e global. Esse conhecimento
beneficiava não somente o universo da arte fotográfica, como podemos observar na reprodução de
temáticas dentro do próprio circuito fotoclubista, mas também suas implicações para outras áreas do
conhecimento que se relacionavam com a fotografia e se beneficiaram da multiplicidade oferecida
por esses espaços de aprendizado e experimentação. Temos como exemplo o jornalismo, através das
fotografias documentais, a publicidade e a arquitetura, com a evolução da fotografia moderna, entre
outras áreas do conhecimento. O fato de não ser um movimento fundado por fotógrafos profissionais,
permitiu que profissionais de diversas áreas se aventurassem e pudessem agregar a experiência
fotográfica adquirida nos fotoclubes a diversas áreas do conhecimento, gerando, em contrapartida,
novas tendências para o fotoclubismo.
Lista de Catálogos
3ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1951
7ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1958
8ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1959
13ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1960
15ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1963
16ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1964
17ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1965
19ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1967
20ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1968
21ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1969
24ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1972
25ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1973
26ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1974
27ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1976
28ª Exposição Mundial de Arte Fotográfica, 1978
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