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Resumo
Este trabalho versa sobre a reportagem do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil a
respeito das fotografias – intituladas recriações – do fotógrafo José Oiticica Filho, nos anos
1950. Analisamos e problematizamos a reportagem, a fim de entender de que modo o
fotógrafo pensava sobre a fotografia, bem como o modo como suas fotografias foram
recebidas no Brasil. Dentro do contexto de desenvolvimentismo nacional, no plano político e
econômico, e de crescente tendência ao abstracionismo, nas artes visuais, a reportagem é
uma importante fonte para o entendimento do processo de criação das fotografias de
Oiticica Filho.
Palavras-chave: Fotografia: Concretismo; Artes Visuais.
Abstract
This paper discusses the report in the Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB)
about the photographs – entitled recriações – of the important photographer José Oiticica
Filho, created in the 1950s. We evaluated the report in order to understand how the
photographer thought about photography as well as how his photographs were received in
Brazil. Within the context of national political and economical developmentalism, and of
increasing tendency to abstraction in the visual arts, the report is an important source for
understanding Oiticica Filho’s process of creating photographs.
Keywords: Photography; Concretism; Visual Arts.
Iniciei minha pesquisa de doutorado há três anos, tendo como objeto de pesquisa as
fotografias abstratas2 de José Oiticica Filho (1906-1964) e de Geraldo de Barros (1923-
1998). Tais fotografias foram criadas principalmente durante a década de 1950, marcadas
pela arte abstrata que brotava no ambiente artístico da época. Durante a pesquisa, encontrei
a reportagem ’Recriação’ – ou a fotografia concreta, na página de Artes Plásticas do
Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, dedicada à fotografia de José Oiticica Filho. Esta
se tornou uma importante fonte para que eu pudesse entender não apenas o processo
criativo do artista, mas também a recepção e a circulação de suas fotografias.
Assim, este artigo procura apresentar sucintamente a figura de José Oiticica Filho, a
partir da que é possível entender sua fotografia, especialmente a abstrata, interessante a
1
Doutoranda em História, PPGH/PUCRS. Bolsista CNPq.
2
O termo fotografia abstrata mostra-se sobremaneira problemático. Um dos objetivos da minha pesquisa é trazer
subsídios teóricos para o entendimento deste tipo de fotografia, que, apesar de ser um índice da emanação de
luz gravada em um suporte fotossensível, não é facilmente identificada pelo observador mais atento.
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Após a guerra, o país, que havia participado timidamente do conflito mundial, conhece um período de
forte crescimento econômico e de modernização industrial. O fim do Estado Novo, simultâneo ao
restabelecimento da paz na Europa, contribuirá igualmente para a criação de um clima de otimismo
generalizado. Esse processo, que se intensificará durante o governo Juscelino Kubitschek (1956-1960),
foi acompanhado de um movimento de abertura às trocas internacionais. A emergência de uma nova
elite econômica, urbana e industrial, que se queria cosmopolita, foi decisiva para a transformação da
vida cultural das grandes metrópoles brasileiras (COUTO, 2004, p. 46).
Com isto, a autora lembra a criação dos principais museus de arte da cidade de São
Paulo, bem como do Rio de Janeiro – Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP),
3
Refiro-me, especificamente, às práticas de Man Ray, Moholy-Nagy, Alvin Langdon Coburn, entre outros.
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As alterações do contexto nacionais aos quais me refiro envolvem a Revolução de 1930, seguida dos governos
Vargas, Dutra e, principalmente, Kubistchek. Seria muito longo me deter nesse assunto agora, mas é importante
termos em mente que, a partir da Revolução de 30, o país começou a passar por uma série de mudanças
políticas, econômicas, sociais e culturais que contribuíram para novos modos de sociabilidade e de visualidade.
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Museu de Arte de São Paulo (Masp) e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-
Rio) –, bem como outras iniciativas artísticas, tais como o Teatro Brasileiro de Comédia
(TBC), a TV Tupi e a criação da Escola Superior de Propaganda e do Instituto de Arte
Contemporânea (COUTO, 2004). Estes dois últimos foram, durante a década de 1950, os
principais centros de formação dos publicitários e dos designers brasileiros. Havia, ainda
segundo Couto, uma necessidade de redefinição do papel social do artista brasileiro, e este
papel estaria ligado ao processo de industrialização voltado à modernização do país.
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Posteriormente, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Se, de fato, luz e superfície são questões fundamentais para o Oiticica pós-pictorialista, o que não se
pode deixar de levar em conta (...) é que sua visão de fotografia continua a ser informada pelos
postulados da estética que ia abandonando. (...) Oiticica supervaloriza o papel da técnica, detectando o
nascimento da fotografia no trabalho de laboratório, “quando se graduam os cinzas, as luzes, o corte”
(FABRIS, 1998, p. 71-74).
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Sobre o Foto Cine Clube Bandeirante, ver COSTA e SILVA (2004).
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A REPORTAGEM
Trata-se de uma exploração “concreta” da forma, que se vai desdobrando de si mesma pelas
combinações de seus elementos, controlada pelas qualidades visuais que a conformam, e onde o artista
intervém para escolher dentro das combinações que a própria forma – por assim dizer, em expansão ...
– oferece. (GULLAR, 1958, p. 3).
7
Vale lembrar a existência, na época, da polêmica sobre a fotografia ser ou não arte.
8
Ferreira Gullar cita o American Annual of Photography e a Fedération Internationale d’Art Photographique.
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“JOF parte de determinada composição desenhada por ele mesmo e, pela combinação de positivos e negativos
dessa composição inicial, desenvolve novas formas e relações latentes nela” (GULLAR, 1958, p. 3).
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A busca por um “novo vocabulário visual”, segundo Gullar, “não pode permanecer
submetida à comodidade das convenções acadêmicas ou a um emprego que, embora
legítimo, deixa de lado grande parte de suas possibilidades criativas” (GULLAR, 1958, p. 3).
Ou seja, a fotografia criada por Oiticica Filho ultrapassa as convenções acadêmicas
determinadas para este meio, fornecendo ao observador uma fotografia muito mais
instigante do que o mero registro documental do real.
Ferreira Gullar conclui a apresentação da fotografia de José Oiticica Filho
enfatizando a descoberta de uma “expressão nova com os meios fotográficos”, que,
segundo ele, deveria servir de inspiração para que jovens fotógrafos experimentassem e
inventassem mais com a fotografia. Assim, o crítico traça o percurso do artista, da
consagração à “subversão”, através da experimentação e invenção na fotografia, que teriam
proporcionado “novas possibilidades criativas” e um “novo vocabulário visual”, bem como a
possibilidade de existência de uma “expressão nova com meios fotográficos”. A importância
da novidade no trabalho de José Oiticica Filho, que traz um sopro de ar fresco no campo da
fotografia, é o foco da apresentação de Gullar.
A recriação fotográfica
José Oiticica Filho escreveu para a seção de Artes Plásticas do SDJB um artigo
explicando seu processo criativo, bem como os casos com os quais depara ao fazer uma
“pesquisa visual”. O texto inicia explicando o processo fotográfico clássico, para, então,
apresentar a especificidade da pesquisa do autor:
Ao tirar uma fotografia e revelá-la, fico com um negativo da coisa fotografada. Esse negativo é
transparente. Posso copiar o negativo obtido por contato ou por ampliação, em papel fotográfico ou em
filme transparente. No primeiro caso obtenho uma cópia positiva, não transparente, conhecida por
todos. No segundo caso obtenho um positivo transparente (OITICICA FILHO, 1958, p. 3).
gráfico10. Tal filme, ao ser revelado com revelador comum, gera imagens altamente
contrastadas, como as que o fotógrafo apresenta.
Oiticica Filho prossegue em sua explicação:
Copiando o positivo assim obtido tenho outro negativo, deste posso obter outro positivo e assim por
diante. Posso portanto ter da coisa original fotografada vários negativos e positivos transparentes tantos
quantos me forem necessários para a realização da pesquisa visual em mira (OITICICA FILHO, 1958, p.
3).
A recriação fotográfica é, a meu ver, um método interessantíssimo para estudos e pesquisas em artes
visuais, sob um ponto de vista geral, e não apenas fotográfico. Com os exemplos que ilustram a
presente reportagem é fácil ver até que ponto um negativo fotográfico contém em si, em estado
potencial, um mundo de novas combinações, de novos problemas, não apenas visuais, mas estético
visuais (OITICICA FILHO, 1958, p. 3).
É interessante perceber que José Oiticica Filho pensava além da fotografia em si,
buscando abarcar questões estéticas de valor. O resultado de sua pesquisa visual deveria
ser algo de valor visual, deveria ser a proposição de um problema visual a ser resolvido,
tanto pelo fotógrafo quanto pelo observador.
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URBAN, João. Depoimento em conversa por email com a autora, em 30 de setembro de 2010.
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o papel da máquina fotográfica ainda é bem menos importante que o que vem depois. Se o fotógrafo
bate a chapa, revela e manda copiar, ele entrega ao copiador a fase mais importante do trabalho de
criação fotográfica. Quanta coisa se pode fazer ao copiar uma foto. É nessa hora, quando se graduam
os cinzas, as luzes, o corte, que a fotografia bem dizer nasce. Mas os fotógrafos neo-realistas batem as
fotos e mandam copiar. É até um crime uma pessoa assinar como sua uma foto que outro copiou.
(OITICICA FILHO, GULLAR, 1958, p. 3).
Por fim, Oiticica Filho analisa suas recriações, sob o ponto de vista da crítica, que
não as considera fotografias. Gullar aponta para o fato de que o fotógrafo como que elimina
o que a fotografia tem de específico, no caso, os meio-tons, e isso faz com que as pessoas
vejam na sua foto mais um desenho do que uma fotografia. Oiticica Filho rebate essa
possibilidade do seguinte modo:
Há quem não considere como foto minhas recriações, porque não uso nelas cinzas, próprios da
fotografia tal como é entendida pela maioria. Acham que é desenho, porque as formas se imprimem em
preto e branco. Ora, trata-se de um raciocínio equivocado. Minhas recriações são fotografias porque
nascem de um processo fotográfico legítimo como qualquer outro. Se não uso cinzas é porque o que
me interessa é a forma e a dinâmica do plano, o que só se pode conseguir pela impressão, sem meias
luzes, do preto sobre o branco. Não tenho culpa de que, por usar o preto-e-branco, confundam minhas
recriações com desenho que, em geral, é em preto-e-branco também (OITICICA FILHO, GULLAR,
1958, p. 3).
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REFERÊNCIAS
COSTA, Helouise; SILVA, Renato Rodrigues. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo:
Cosac Naify, 2004.
______. Da fotografia como arte à arte como fotografia: a experiência do Museu de Arte
Contemporânea da USP na década de 1970. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v.
16, n. 2, p. 131-173, jul.-dez 2008.
COUTO, Maria de Fátima Morethy. Por uma vanguarda nacional. Campinas: Editora da
UNICAMP, 2004.
FABRIS, Annateresa. A fotografia além da fotografia: José Oiticica Filho (1947-1995). In:
Imagens, Campinas, n. 8, maio-ago. 1998.
FATTORELI, Antonio. José Oiticica Filho e o avatar da fotografia brasileira. Lugar Comum,
(UFRJ), Rio de Janeiro, v. 11, p. 141-158, 2000.
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Note-se que não estamos aqui falando sobre a institucionalização da fotografia nos espaços expositivos.
Existem bons estudos sobre esse assunto. Ver COSTA (2008) e CAMERA.
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