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O conceitualismo chega no Brasil por volta dos anos 70, em meio a uma intervenção militar;
com seu caráter político, majoritariamente linguístico, rejeitando ou dando pouca importância
para a estética/resultado manual, a arte conceitual trouxe à tona uma possibilidade expressiva
que antes não era viável; a sua intensão de traduzir a arte e globaliza-la foi crucial para a
distribuição de ideais pelo país, não só entre aqueles participantes do meio, mas também para
as massas reféns da arte material.
Com esta nova propagação artística, foi possível o surgimento de novos grupos adeptos à arte
baseada no conceito, de cunho experiencial, sobretudo em São Paulo e Porto Alegre, que se
reuniam para discutir, presenciar e criar novas obras. A adaptação de novas tecnologias ao
movimento era frequente, vigorando o uso de máquinas Super 8 na captação de espetáculos e
vídeoarte.
A arte conceitual não só trouxe ao território nacional um novo meio de exibir arte, como
também um novo papel ao público expectador; este passa a interagir com a arte, vive-la,
transformá-la, tornar-se parte dela, passando a ser uma peça imprescindível das performances
e das obras em geral. As Instalações – vigorantes neste período, relevantes por seu caráter
arquitetônico, criadas para formar uma relação com o expectador – receberam um bom
destaque no Brasil, elevando a relação artista-expectador à um novo nível; o autor passa a
organizar o espaço, cria-lo para a incorporação do público, imergindo-o dentro da obra,
atraindo-o e levando-o a procurar novas experiências, possibilitando a existência da obra.
Muitas instalações foram destaque no território nacional, mobilizando diversos artistas – tais
como Lygia Clark, Hélio Oitica, Tunga, Ione Saldanha e Carlos Fajardo – a permutarem de
estilos artísticos vigentes na época, adotando doutrinas conceituais das mais diversas,
fortalecendo o movimento e maximizando a concepção das Instalações.
Em 1967, retorna ao Rio de Janeiro, onde cursa por um breve período a Escola de
Belas Artes, e freqüenta o ateliê de gravura do MAM. Nesta época, abandona
temporariamente o desenho, e dedica-se a uma produção de cunho mais
conceitual, voltada à crítica dos meios, dos suportes e das linguagens artísticas
tradicionais. Em 1969, agora como professor do ateliê do MAM, funda ao lado de
Guilherme Vaz e Frederico Morais a unidade experimental do museu, da qual passa
a ser diretor.
Desta convivência com F. Morais e Guilherme Vaz, nasceria também “Do corpo a
Terra”, manifestação realizada no Parque Municipal, nas ruas, nas serras e nos
ribeirões da cidade de Belo Horizonte, sob a coordenação de F. Morais, em
1970. Cildo participa com “Totem - Monumento aos presos políticos”, na qual
evocava aos presos e desaparecidos políticos do regime militar.
Nestes anos de censura, medo, e silêncio, que se seguiram à promulgação do AI-
5, Cildo Meirelesdestacou-se por uma série de propostas política e socialmente
críticas, como por exemplo, seu trabalho em carimbo em notas de um cruzeiro:
“Quem matou Herzog?”, de 1975. Uma mensagem explícita, ainda que anônima, de
sua visão da arte enquanto meio de democratização da informação e da sociedade.
Motivo pelo qual costumava gravar em seus trabalhos deste período a frase: “a
reprodução dessa peça é livre e aberta a toda e qualquer pessoa”, ressaltando a
problemática do direito privado, do mercado e da elitização da arte.
É também, neste mesmo período, que o artista elabora seu projeto “Inserções em
circuitos ideológicos”, que consistia em gravar nas garrafas retornáveis de Coca-
cola informações, opiniões críticas, a fim de devolvê-las à circulação.
Em 1960, começa no Brasil o movimento artístico chamado ”neoconcretismo”, movimento artístico que
apresenta uma abordagem multissensorial, colocando o corpo e o publico como objetos centrais da obra de
arte: o artista carioca Cildo Meireles se identificou com este movimento. Entretanto, sua obra sempre
apresentou um caráter múltiplo. Variava entre trabalhos que lidavam com a política, a percepção sensorial
e os conceitos da ciência, principalmente os da física. Em uma entrevista, Cildo explicita sua simpatia pelo
neoconcretismo ao dizer: “Sempre que tentamos definir arte, confrontamos as divisões entre o que é e o
que não é considerado objeto de arte. O que me atraiu no neoconcretismo foi a possibilidade de pensar
sobre arte em termos que não se limitasse ao visual” (MEIRELES – 1993, p.13)
Em 1970, o artista realizou um de seus trabalhos mais importantes, o projeto Inserções em circuitos
ideológicos. Neste trabalho, encontram-se duas abordagens,uma com interferências em garrafas
retornáveis de Coca-Cola, e outra em cédulas (cruzeiros e dólares). O artista transferia para esses objetos
frases de caráter político que eram normalmente censuradas na mídia, como a pergunta, “Quem matou
Herzog?”[1] ou frases como “Yankees Go Home!”. Cildo Meireles se refere a este trabalho como
um “Grafitti que se movimenta, as cédulas são veiculo de uma ação tática clandestina, uma pratica
eminentemente social e perceptível como artística” (MEIRELES,1995, p.109)
Neste projeto, esses objetos permaneceram no circuito social, diferente de outros trabalhos do artista, pois
as cédulas não foram levadas ao circuito das artes como, por exemplo, em “zero dólar”[2]. Pode-se dizer
que foi uma idéia antagônica aos “ready-mades” de Duchamp, e considerar ser o inverso da operação no
qual um objeto do cotidiano é absorvido pela arte. O trabalho de Cildo Meireles é o objeto de arte atuando
no cotidiano.
Em Information 1970/89, texto publicado pelo artista em 1995, outros problemas tratados pelo trabalho
são colocados em discussão. Problemas que persistem até hoje no cenário das artes, como a não–
superação do modelo mercantilista do objeto de arte – Inserções em circuitos ideológicos é justamente a
negação disso, pois é um objeto de circulação autônoma, é um “objeto não-burguês”, como descreve o
artista – e a não superação ao modelo sistema de arte, que “continua praticamente inalterado, e funda-se
quase que invariavelmente num mercantilismo empobrecedor, fraudulento e decadente”.(MEIRELES,
1995, pg. 109).
Um dos passos que foram tomados, pelo o artista, para a realização do projeto, foi a substituição da noção
de “mercado” pela de “público”, pois, segundo ele, a preocupação e a necessidade do artista com o
mercado é motivo de vários problemas estruturais para a produção artística contemporânea, dentre eles
estão: a dependência à um modelo de mercado; a uma discriminação do publico, que acaba se mantendo
distante da produção artística atual; a uma preferência pelo “politicamente correto” que leva a um “bom-
mocismo” temático pobre; a uma conivência com o poder constituído; a uma “anestesia criativa” e a “uma
vergonhosa traição ideológica para com a maioria dos brasileiros”.(MEIRELES, 1975, pg 115).
Em uma entrevista em 2006, sobre o projeto Inserções em Circuitos Ideológicos o artista afirma que:
“Naquele período, jogava-se tudo no trabalho e este visava atingir um número grande e indefinido de
pessoas: essa coisa chamada público. Hoje em dia, corre-se inclusive o risco de fazer um trabalho sabendo
exatamente quem é que vai se interessar por ele. A noção de público, que é uma noção ampla e generosa,
foi substituída (por deformação) pela noção de consumidor, que é aquela pequena fatia de público que
teria o poder aquisitivo”.(MEIRELES,2006).
Neste tipo de trabalho, realizado por Cildo Meireles e por vários outros artistas da década de 1960/70, foi
retrabalhada a negação da figura genial do artista e da supervalorização do objeto de arte – critica feita por
Duchamp várias décadas anteriores. Deste modo, qualquer pessoa poderia realizar o trabalho de forma
idêntica ao feito pelo artista, sem ser considerado cópia, pois não há distinção entre o original do artista, e
o feito por outra pessoa qualquer, são obras libertas do autor. Cildo Meireles sempre deixou claro que
grande parte de suas obras eram feitas para serem reproduzidas por outras pessoas, em especial
em Inserções em Circuitos Ideológicos, em que a participação do publico era imprescindível para o sucesso
do trabalho, e quanto mais gente participasse e colaborasse com a idéia criando suas próprias frases,
melhor.
“No momento em que há distinções nessa ou naquela direção, surge a distinção de quem pode fazer arte e
quem não pode fazer. Tal como eu tinha pensado, as Inserções só existiriam na medida em que não fossem
mais a obra de uma pessoa. Quer dizer, o trabalho só existe na medida em que outras pessoas o praticam.
Uma outra coisa que se coloca, então, é a idéia da necessidade do anonimato. A questão do anonimato
envolve por extensão a questão da propriedade. Não se trabalharia mais com o objeto, pois o objeto seria
uma prática, uma coisa sobre a qual você não poderia ter nenhum tipo de controle ou propriedade. E
tentaria colocar outras coisas: primeiro, atingiria mais gente, na medida em que você não precisaria ir até a
informação, pois a informação iria até você; e, em decorrência, haveria condições de “explodir” a noção de
espaço sagrado.” (Meireles, 2006).
E é neste ponto que podemos diferenciar a idéia de Cildo Meireles à idéia do ready-madede Duchamp.
Neste trabalho, a obra não é a cédula, e sim o processo de circulação pelo qual essas cédulas vão passar.
Elas são o veiculo da informação. Vale a pena lembrar que, alguns trabalhos da época, não eram
sequer materializados. Eram apenas sugestões para serem feitas em casa, por qualquer um que assim o
desejasse. Tema decorrente em muitos trabalhos desenvolvidos por Lygia Clark e por artistas do
movimento Fluxus em meados da década de 1960.
O artista considera que Inserções em circuitos Ideológicos (1970) é um modo de pensar, movimentar e
provocar a dormência e a alienação causada pela indústria de massa. Uma forma de intervenção e manejo
do convívio em sociedade. “Tal qual existe hoje, a força da indústria se baseia no maior coeficiente possível
de alienação. Então as anotações sobre o projeto Inserções em Circuitos Ideológicos opunham justamente
a arte à indústria.” (MEIRELES, 2006)
Este assunto vem sendo cada vez mais discutido por jornalistas, que vêem na Internet um meio para
finalmente obterem uma mídia democrática. Mas Cildo Meireles parece um pouco cético quanto a isso.
Quando foi questionado, por Fernando Oliva em 2006 se ele tinha planos de realizar trabalhos na internet,
ele respondeu que provavelmente sim, mas achava improvável realizar uma obra como Inserções… pois
esta obra necessita justamente de um meio que não tivesse nenhum tipo de controle de informação, e, para
ele, a internet não é confiável nesse ponto. (MEIRELES,2006)
Todavia, os meios digitais estão facilitando a difusão da informação. Até mesmo uma mudança na lei do
direito autoral esta sendo trabalhada e repensada devido a esse novo meio. Em agosto de 2008, houve um
seminário na USP que reuniu artistas de todas as áreas, educadores e pesquisadores para uma discussão
sobre “Direitos Autorais e Acesso à Cultura”. Deste seminário originou-se a “Carta de São Paulo pelo
Acesso a Bens Culturais” em que era requisitada uma revisão na lei dos direitos autorais, e que alegava que
as novas tecnologias de informação e comunicação potencializam o compartilhamento dos conteúdos
culturais e trazem novas possibilidades de comunicação. Visava assim diminuir as intermediações na
comercialização dos materiais, de forma a proporcionar uma maior autonomia e independência econômica
aos autores e uma expansão das fronteiras do mercado cultural.
Verifica-se, então, que o desejo de descentralização, e do fim da exploração do mercado, desejada por Cildo
Meireles em 1970, pode estar começando a ganhar força com as novas alternativas comunicacionais.
Talvez, – só talvez – com a internet, consigamos acabar com o monopólio midiático. Mas isso só o tempo
dirá.