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DESENVOLVIMENTO DA

INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

autora
MARIA CRISTINA URRUTIGARAY

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2016
Conselho editorial  sergio augusto cabral, roberto paes e paola gil de almeida

Autora do original  maria cristina urrutigaray

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  paola gil de almeida, paula r. de a. machado e aline


karina rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  elisabete shineidr

Imagem de capa  alexey lobanov | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

U81d Urrutigaray, Maria Cristina


Desenvolvimento da infância e adolescência / Maria Cristina Urrutigaray.
Rio de Janeiro: SESES, 2016.
152 p: il.

isbn: 978-85-5548-355-4

1. Psicologia infantil. 2. Psicologia do adolescente.3. Psicologia do


desenvolvimento. I. SESES. II. Estácio.
cdd 155

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. A psicologia do desenvolvimento 11
1.1  Conceitos fundamentais 12
1.2  Natureza e meio ambiente 13
1.3  Genética do comportamento 17
1.4  A abordagem ecológica do desenvolvimento 22

2. A psicologia da infância: da gravidez ao


nascimento 29

2.1  Influências do período pré e pós embrionário no


desenvolvimento infantil 31
2.2  Psicologia da gestação 36
2.2.1  Processo de nidação ou placentação 36
2.2.2  A movimentação do feto 37
2.2.3  O final da gestação 39
2.2.4  Revisão – A hora de elaborar os conceitos discutidos. 39
2.3  A constituição da díade mãe e filho 40
2.4  As forças formativas na relação mãe e filho 43

3. O desenvolvimento infantil a partir da


psicanálise 47

3.1  O desenvolvimento segundo Freud 48


3.1.1  A sexualidade infantil 49
3.1.2  As fases do desenvolvimento psicossexual 50
3.2  John Bowlby 54
3.2.1  A teoria do apego 55
3.3  Donald Winnicott 56
3.3.1  A mãe suficientemente boa e a importância do holding 56
3.3.2  Verdadeiro self e o falso self 57
3.3.3  A importância do objeto transicional 61

4. Desenvolvimento cognitivo 65
4.1 Introdução 66
4.2  Jean Piaget 71
4.2.1  Teoria de Jean Piaget 72
4.2.2  O período sensório-motor 73
4.2.3  O período pré-operacional 75
4.2.4  O período operatório concreto 77
4.2.5  O período operatório formal 77
4.3  Lev Vygotsky 78
4.3.1  A teoria 79
4.4  Albert Bandura 86
4.4.1  A teoria 87

5. Da infância à adolescência: aspectos emocionais –


físicos – cognitivos 91

5.1  A idade escolar 92


5.1.1  O período de latência 97
5.1.2  O surgimento das primeiras relações sociais 99
5.1.3  A organização interna para a sexualidade 101
5.2  O desenvolvimento emocional do adolescente 103

6. A psicologia da adolescência 109

6.1  As teorias da adolescência 110


6.2  Síndrome da adolescência normal 120
6.2.2  A Síndrome da adolescência normal – sintomatologias 121
7. As principais patologias da adolescência 127

7.1  Os transtornos alimentares 128


7.1.1  Aspectos familiares que interferem nos hábitos alimentares 128
7.1.2  Definição de anorexia 131
7.1.3  Definição de bulimia 132
7.1.4  Definição de vigorexia 134
7.2  As doenças sexualmente transmissíveis (DST) 136
7.2.1  Aspectos importantes da sexualidade 136
7.2.2  A AIDS 138
7.2.3  O herpes genital 139
7.2.4  O HPV 140
7.2.5  A sífilis 141
7.2.6  A gonorreia 142
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

Este livro didático tem como finalidade auxiliar nossos discentes na tenta-
tiva de sistematizar e ordenar distintas abordagens teóricas da Psicologia do
Desenvolvimento e seus respectivos autores.
Depois de alguns anos lecionando as disciplinas de Desenvolvimento Hu-
mano da Infância, Adolescência, Adulto e da Terceira Idade, entendemos que
os resultados das apresentações de nossas aulas ministradas na Universidade
Estácio de Sá poderiam resultar em um bom guia de ensino para nosso aluna-
do. Com base em nossas experiências clínicas, de já alguns anos, aliadas às prá-
ticas docentes, buscamos reunir, tendo em consideração o Plano de Ensino e a
Estrutura Curricular da Disciplina Desenvolvimento da Infância e Adolescên-
cia, um conteúdo que possa atingir as metas do PPC de nosso curso de Psicolo-
gia. Pelo PPC (Plano Pedagógico Curricular), nossa missão é a de formar profis-
sionais que estejam comprometidos com a prevenção e a promoção da saúde,
habilitados para intervenções clínicas, estando aptos a trabalhar em equipes
multiprofissionais, inclusive em posições de liderança.
É claro que a exigência e o desafio são grandes, mas a intenção de poder
trazer uma leitura que venha a contemplar nossas metas e, ao mesmo tempo,
instigar nossos alunos a buscarem mais aprofundamento nos autores e temas,
aos quais venham a se interessar um pouco mais – já que não temos a intenção
de esgotar a temática nem de excluir a possibilidade de uma reflexão crítica
mais profunda –, motivou-nos a escrever este trabalho.
O estudo do Desenvolvimento Humano é de suma importância para a com-
preensão do significado de certos comportamentos (inadequados, disfuncio-
nais, dissociados, emocionais-impulsivos) e atitudes (introvertidas; extroverti-
das) que um ser humano é capaz de adotar em certas ocasiões de sua vida. Os
referenciais teóricos nos mostram como uma subjetividade – a qual não é inata,
e objeto de estudo da Psicologia – é construída ao longo do amadurecimento de
uma ordem biológica, muitas vezes a superando, e nos auxilia na composição
deste entendimento, dando-nos vias de avaliação, orientação e tratamento clí-
nicos, aconselhamentos familiares, planos pedagógicos, entre outras práticas
permissíveis de promoção e prevenção de saúde.

7
Enfatizaremos neste livro inicialmente as questões relativas a natureza (de-
terminações da filogenia) versus meio ambiente, apresentando os conceitos
de inclinações e limitações inatas, determinações genéticas, maturação, entre
outros. Também debateremos acerca da influência do meio ambiente e das ne-
operspectivas ecológicas como fatores de influência.
No capítulo dois discutiremos sobre a Psicologia da Gravidez, por conside-
rarmos de grande importância o estado emocional da mãe durante a gestação,
bem como as condições socioeconômicas e culturais, dando continuidade ao
capítulo anterior.
Falaremos, na primeira parte do no capítulo três, do nascimento psicológi-
co da criança, fazendo uma referência às obras de S. Freud, Margareth Mahler,
Melanie Klein.
Seguindo com a abordagem psicodinâmica, veremos no capítulo três as
contribuições dos psiquiatras e psicanalistas infantis René Sptiz, John Bowlby,
Winnicott, com as contribuições de E. Erikson.
No capítulo quatro, serão abordadas as questões relativas ao desenvolvi-
mento cognitivo, passando pela leitura da obra O nascimento da inteligência
na criança, de Jean Piaget, seguida por A formação social da mente, de L. S.
Vygotsky, e, depois, a Teoria da aprendizagem social, de Albert Bandura.
Deixaremos o capítulo cinco para a integração dos conteúdos anteriores,
com a discussão acerca das funções dos aspectos estruturantes que foram se
edificando nas etapas iniciais do crescimento e da formação da personalidade.
As etapas são as responsáveis por fornecer dispositivos ao adolescente para a
formação de seu autoconceito, sua identidade e sua afirmação pessoal no so-
cial, possibilitando-lhe tanto para com sentimentos de aptidão, de capacitação,
de ação e competência, quanto, ao contrário, para os com de inaptidão, incapa-
cidade, incompetência e inutilidade. É claro que todos estes recursos internos
– afetos e valores – foram se solidificando durante toda a infância e terão efeito
e repercussão na idade adulta. Os recursos (afetos, valores) poderão facilitar, di-
ficultar ou até mesmo impedir o alcance da maturidade biopsicossocial plena,
bem como o desempenho das atividades profissionais deles resultantes.
Dando seguimento ao tema, no capítulo seis falaremos da adolescência
como sendo uma “moratória” para tornar-se adulto. Dentro desta “promissó-
ria” a ser executada em um prazo determinado, o da formação da identidade, o
adolescente passará por sintomas relativos à “Síndrome da Adolescência Nor-
mal” (SAN), definida assim segundo os autores Arminda Aberastury e Marcelo
Knobel. E poderá apresentar, dentro deste quadro de alguns transtornos consi-
derados culturais, como crises de anorexia, bulimia, obesidade, vigorexia, uso
de drogas, desvios de comportamento entre outros. Falaremos no capítulo sete
sobre as diferenças entre um comportamento normal na adolescência e o que
podemos considerar como uma característica patológica.
Contudo, enquanto o indivíduo estiver dando sentido à sua vida, seu cres-
cimento ou Desenvolvimento de sua Personalidade seguirá seu curso, já que
este último (o desenvolvimento) não cessa nunca enquanto ele viver. E a todo
instante todas as estruturas presentes ao longo da construção de sua história
pessoal seguirão fazendo parte de si como componentes, trabalhados, elucida-
dos ou ainda em estados primitivos em suas ações.

Bons estudos!

capítulo •9
10 • capítulo
1
A psicologia do
desenvolvimento
1.  A psicologia do desenvolvimento
1.1  Conceitos fundamentais

A Psicologia do Desenvolvimento corresponde a uma área da Psicologia que es-


tuda a evolução, em termos de crescimento, do ser humano em seus aspectos
físico-motor, cognitivo, emocional, afetivo e social. A idade adulta é considera-
da o grau de amadurecimento completo, porque é geralmente nela que o indi-
víduo adquire sua estabilidade, firmeza e segurança.
“...estuda o desenvolvimento do ser humano, desde o nascimento até a idade adulta”
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA. 2001.P.97).

São diversas as teorias do desenvolvimento, e todas foram escritas com base


em uma metodologia científica, usando técnicas de observação, através de pes-
quisas em grupos com diferentes faixas etárias, por análise de estudos de casos
clínicos, comparações feitas com gêmeos, bem como através de fontes e dados
coletados, vindos de trabalhos de observação em sujeitos desde seu nascimen-
to até a idade adulta, por meio de estudos longitudinais e transversais.

Acompanha o sujeito através de sua


ESTUDO LONGITUDINAL idade cronológica.

Faz cortes transversais à linha cronoló-


ESTUDO TRANSVERSAL gica para observar uma faixa etária.

Quando falamos de desenvolvimento humano, estamos nos referindo a um


progresso, a um crescimento que se estabelece no plano mental, através do de-
senvolvimento de estruturas mentais, que acompanham o mesmo movimento
que ocorre no aspecto orgânico do indivíduo. As estruturas mentais são composi-
ções, como se fossem tijolos para uma parede em construção, que vão se estabe-
lecendo de modo gradativo, uma sobre a outra, sempre tendo um elemento que
favorece a ligadura e a solidificação entre cada camada. Dessa forma vão organi-
zando a atividade mental feita através de processos de aprendizagens adquiridos
pelos sujeitos em suas relações consigo mesmo, com os fatos e as circunstâncias
ambientais. A cada camada de informações recebidas, elas vão se solidificando e
proporcionando um aperfeiçoamento nos comportamentos, na vida afetiva, nas
descobertas intelectivas (cognitivas), melhorando cada vez mais a adaptação do

12 • capítulo 1
indivíduo e sua adequação nas relações sociais. Assim sendo, as estruturas men-
tais se organizam em composições, em esquemas (como se fossem paredes de
tijolos separadas pelas colunas de sustentação do ambiente que está sendo er-
guido) que vão motivar (enquanto esquemas de ação – parede de tijolo levantada)
a formação de nossas ações. São essas estruturas que nos possibilitam a solução
de problemas, nos ajudam a pensar, a fantasiar, a imaginar, a criar, a registrar da-
dos etc. Algumas dessas estruturas ficam conosco ao longo de nossa vida, como,
por exemplo, a motivação que pode ser gerada por necessidades físicas (comer,
dormir, beber água, por exemplo), por outras cognitivas (quero conhecer e me
aprofundar mais acerca do conceito motivação) e por outras afetivas (vou a tal
festa para me encontrar com aquele “gato”). Contudo, todas as estruturas, tam-
bém chamadas de esquemas mentais ou de ações, que permanecem durante o
correr da vida – como, por exemplo, a percepção, a memória, a representação –,
são as responsáveis por nos garantir o sentido de continuidade e vão dando su-
porte à construção da personalidade. No entanto, também durante o processo
de nosso desenvolvimento, algumas delas são substituídas por outras mais efe-
tivas e coerentes com uma nova fase de vida, como se fizéssemos uma reforma
no ambiente de casa para um melhor aproveitamento. Temos como exemplo a
ser dado a questão da evolução da linguagem. A partir do balbucio do bebê, va-
mos evoluindo até a formação de frases complexas, as quais conseguem revelar e
comunicar aquilo que sentimos, pensamos, criamos e valorizamos. No entanto,
essa estruturação não se dá unicamente em função de um determinismo inato
ou da maturação de nossa natureza biológica. Segundo diversos autores, o desen-
volvimento é fruto da interação entre a natureza do indivíduo e seu meio social.

ATENÇÃO
Você já viu o filme Divertida Mente? As estruturas mentais ficam bem evidentes.

1.2  Natureza e meio ambiente

Até aqui discutimos os conceitos-chave acerca da Psicologia do Desenvolvimen-


to Humano. Vimos que este é entendido como um processo contínuo de mu-
danças, determinado e observado em aspectos físicos – orgânicos e mentais.
No entanto, como a Psicologia faz parte de um corpo científico, ela, enquan-
to ciência, precisa determinar quais as mudanças que podemos considerar

capítulo 1 • 13
como de ordem de crescimento, bem como quais os tipos de consistências e
de continuidade podemos considerar, para podermos compartilhar com todos
os indivíduos de nossa espécie, contribuindo, assim, esses dados como fatores
de referências específicas de uma determinada faixa etária, com fins de avalia-
ção, diagnóstico, prognóstico e intervenções. Contudo, fatores condicionantes,
como a cultura, podem alterar ditas mudanças comportamentais. Temos como
exemplo a citação feita por Helen Bee (1998) de que os bebês naturalmente de-
veriam adquirir um padrão “estável” entre sono dia/noite após seis a oito sema-
nas de nascido. No entanto, observações feitas no Quênia, como em algumas
áreas rurais, em função de os bebês serem carregados por suas mães para todos
os lados em uma espécie de tipoia, eles não estabelecem esta diferenciação ou
aprendizado e continuam mamando toda vez que sentem vontade. Logo, nem
todas as mudanças podem ser configuradas como universais, pois os fatores
ambientais podem modificar consideravelmente determinados padrões.

CONEXÃO
Que tal dar uma paradinha na leitura para assistir a um vídeo nos seguintes links: <https://
youtu.be/KOFOU9c-Xlo>. Você terá uma boa imagem sobre o que estamos falando acerca
de mudanças, fases e influências culturais. Recomendamos também um excelente documen-
tário de observação longitudinal, que vai mostrar, bem nitidamente, as mudanças universais
sendo modificadas, aceleradas ou mantidas no seu tempo de maturação biológica, em con-
sequência dos estímulos ambientais: <https://youtu.be/yHve91pdie0>.

EXERCÍCIO
Você deve procurar fazer, através desses dois exemplos citados acima pelos vídeos, uma
experiência de “laboratório”. Enquanto assiste aos filmes mencionados, anote tudo o que lhe
parecer significativo com relação à ideia Natureza (indivíduo) X Cultura (ambiente). Depois
leve suas anotações para a aula e, com seus colegas, organize uma discussão, envolvendo
seu professor, sobre os exemplos de hereditariedade (nativismo) que aparecem e os resul-
tados obtidos pelos bebês em função do meio ambiente e de suas experiências com ele
(empirismo).

14 • capítulo 1
Com o exercício solicitado acima, você está diante do seu primeiro estudo de caso.
Você viu, através da História da Psicologia, como também da disciplina de Filosofia,
que a Psicologia navegou entre as ideias ora do nativismo, ora do empirismo. Então,
antes de continuarmos com essa discussão, que resultados ou conclusões você tirou
com seus colegas e professor sobre o problema Natureza X Empirismo?

Bebê de três meses, colocado sob arcos com brinquedos e chocalhos coloridos e sonoros,
responde aos exercícios de estimulação virando o rosto à esquerda.

Desde a época de Platão, seguido por Descartes e Kant, entre outros, a ideia
do inatismo presente na estrutura humana é debatida. No entanto, John Locke
– o grande fundador do empirismo inglês – afirmou que os homens nascerem
com a mente em um estado de uma perfeita “tábula rasa”1 – termo em latim
que significa tábua rasa. Para este autor, todos nós só temos um funcionamen-
to “psíquico” a partir de uma experiência.
Pois então. Que tal um desafio? Será que você consegue, agora, através de
um posicionamento crítico, identificar um aspecto seu determinado pela “na-
tureza humana” e outro adquirido unicamente pela aprendizagem? Um bom
exercício de reflexão. Vamos tentar?

1  Tábula rasa é um termo original para “folha de papel em branco”; estado no qual a mente ainda não teria sido
tocada por nenhuma impressão vinda de alguma experiência.

capítulo 1 • 15
As discussões sobre o inatismo encontram popularidade nos dias atuais
através dos conceitos de inclinações inatas e limitações inatas. Autores con-
temporâneos reafirmam estas ideias ao entender que os bebês já nasceriam
com certas inclinações ou determinações programadas. Todavia, se por um
lado essas predisposições favoreceriam um certo comportamento (como o de
seguir a trajetória de um objeto apresentado na linha média da visão), por outro
lado esses mesmos pensadores acreditam que esse determinismo gere limita-
ções para outros tipos de padrões de comportamento.
O bebê segue os movimentos das
bolinhas de sabão, como se já soubes-
se que elas farão a trajetória por cima
de sua cabeça.
Esse “conhecimento” prévio, ou
respostas dadas pela natureza, po-
dem ser moldados através de uma
programação genética, a qual deter-
mina o aparecimento de uma série
de comportamentos, inclusive poste-
riores aos primeiros meses do desen-
volvimento. A essa “ programação” foi
dado o nome de maturação.

Maturação por exemplo, a passagem do engatinhar para andar, sendo uma explica-
ção da mudança.
Crescimento não é sinônimo de mudança, porém descreve como ela se dá.

A importância do estudo do desenvolvimento reside na visão e constatação


de que a criança não é um adulto em miniatura, como em um recente passado
histórico se pensava, de acordo com o livro de Philippe Ariès, História social da
criança e da família.
As crianças têm características próprias de cada idade e faz-se necessária a
compreensão de que existem diferentes formar de perceber, de entender e de
agir diante do meio em função de características próprias de cada faixa etária.
Logo, para podermos entender a Psicologia de uma criança, sua subjetividade,
seu modo de agir, de se relacionar, de sentir, de se afetar com as influências
ambientais e culturais, precisamos determinar quais são as estruturas comuns

16 • capítulo 1
presentes em cada idade, que nos auxiliam na mensuração dos comportamen-
tos e nos permitem mais objetividade para observar, interpretar e identificar os
limites, as facilidades e dificuldades individuais.
Assim, podemos sintetizar e afirmar a existência de diferentes fatores in-
fluenciadores do desenvolvimento humano. São eles: a hereditariedade (estu-
dada pela genética do comportamento que possibilita desenvolver-se ou não),
o crescimento orgânico (relativo ao aspecto físico – que permite maiores con-
quistas do meio), a maturação neurofisiológica (relativa à aquisição de determi-
nados comportamentos, como, por exemplo, o controle dos músculos esfincte-
rianos), meio ambiente (local das influências, desafios e estímulos que alteram
os padrões de comportamento humano).

1.3  Genética do comportamento

Como vimos nos tópicos anteriores, os conceitos de inclinações inatas e de


maturação explicam aqueles padrões de comportamento e desenvolvimento
comuns a todas as crianças, independentemente das variações individuais as
quais possam ocorrer. A Genética do comportamento refere-se ao estudo das
participações da hereditariedade no comportamento individual, realizadas a
partir das observações de suas raízes presentes na biologia do comportamento.
Essas pesquisas partem de dois tipos básicos de metodologia: uma é o estu-
do dos gêmeos idênticos e fraternos; e o outro, o estudo de crianças adotadas.

Genética do Comportamento
O que é isso? Precisamos ver este autor brasileiro!
Entrevista com Prof. Dr. André Ramos- Dirigida por Prof. Marco Calegaro
O Prof. Dr. André Ramos é um dos poucos cientistas brasileiros que pesquisam na
área da Genética do comportamento. Ele voltou recentemente da França e tem novi-
dades na área para nos contar.
1. Sabemos que a genética do comportamento é uma abordagem bastante recente.
Como podemos caracterizá-la?
Genética comportamental é a área de intersecção entre a genética e as ciências
comportamentais. Por causa da diversidade de abordagens e de metodologias que
podem ser adotadas no estudo do comportamento, esta área pode interessar e atingir
diversos campos científicos, como a etologia, a psicologia, a psiquiatria, a farmacologia
e as neurociências de maneira geral.

capítulo 1 • 17
Combinando métodos da genética com métodos clássicos de estudos comportamen-
tais, a genética do comportamento busca compreender os mecanismos genéticos e
neurobiológicos envolvidos em diversos comportamentos animais e humanos.
A verificação da importância dos fatores genéticos, a análise da arquitetura destes
fatores (herdabilidade, dominância, efeito materno etc.) e, em última instância, a iden-
tificação dos genes propriamente ditos são alguns dos passos que percorreremos na
genética comportamental.
Após várias décadas em que características psicológicas e comportamentais foram
vistas como o resultado exclusivo (ou quase) de fatores ambientais, os comporta-
mentalistas das décadas de 1960 e 1970 começaram a aceitar e compreender a
importância das influências genéticas sobre o comportamento.
A partir daí a revolução da engenharia genética forneceu as ferramentas necessárias
ao estudo do comportamento associado à genética molecular. Com a identificação,
no nível do DNA, de genes capazes de modular certos comportamentos, estaremos
dando um grande passo na pesquisa de traços normais e patológicos da personalida-
de humana, o que deve trazer novos métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento
de distúrbios psiquiátricos.
2. Como podemos caracterizar a posição conhecida como “determinismo genético”? A
genética comportamental reforça esse ponto de vista?
Historicamente, tanto no meio científico como entre o público leigo, comportamentos
animais e humanos têm sido vistos de uma maneira dicotômica, ou seja, certos com-
portamentos são classificados como instintivos (geneticamente determinados) e ou-
tros como aprendidos (adquiridos através da interação com o meio ambiente). Como
já disse, durante boa parte deste século, a psicologia enfatizou de maneira exagerada
a influência ambiental sobre o comportamento, negligenciando os aspectos genéticos.
Deve ficar claro que o surgimento da genética do comportamento, ao contrário do
que pensam alguns, não representa um deslocamento para o outro extremo da visão
dicotômica, em que comportamentos seriam agora vistos como traços determinados
geneticamente, sem influências ambientais. Não, isto seria o que chamamos de deter-
minismo genético. Numa visão determinística, nossa fisiologia, nossa personalidade e
nosso comportamento seriam definidos por nossos genes, que guardariam de maneira
absoluta, quase mágica, os segredos de nosso destino. Esta visão está ultrapassa-
da, e o público leigo deve aos poucos compreender isso. Hoje acredita-se que todo
comportamento depende, em maior ou menor grau, de fatores genéticos e de fatores
ambientais, interagindo de maneira extremamente complexa. Logo, a pergunta se
determinado comportamento é herdado ou aprendido, a rigor, deixa de ter sentido.

18 • capítulo 1
Os genes definem tendências, e as experiências individuais as modulam. Para a
expressão de todo o gene, são necessárias certas condições externas (bioquímicas,
fisiológicas e físicas). Portanto, qualquer alteração externa pode representar uma de-
terminada influência sobre o resultado final – no nosso caso, sobre o comportamento.
Além disso, acreditamos que os comportamentos, de maneira geral, são influen-
ciados não por um, mas por muitos genes diferentes, o que aumenta ainda mais a
sua complexidade.
3. Quais são os principais métodos utilizados na genética comportamental?
Como eu comentei acima, a genética do comportamento utiliza uma gama de méto-
dos extremamente ampla e variada. Na realidade, não existem métodos específicos
da genética do comportamento, pois as ferramentas disponíveis são oriundas ou do
vasto campo da genética (incluindo a biologia molecular) ou das ciências comporta-
mentais. O que é específico da genética do comportamento é justamente a integração
ou combinação de ferramentas genéticas e comportamentais. Mas vejamos um rápido
(e necessariamente superficial) resumo dos métodos utilizados nos últimos 30 anos
de pesquisa.
Tanto em animais quanto em seres humanos, as primeiras duas décadas da genética
do comportamento foram basicamente dominadas por abordagens quantitativas da
genética (sendo as abordagens mendelianas clássicas raras e as moleculares inexis-
tentes). Em animais de laboratório, eram (e são) comuns as comparações de diferen-
tes linhagens em relação a uma série de comportamentos de interesse. Diferenças
comportamentais entre linhagens que diferem geneticamente sugerem, fortemente,
influências genéticas no comportamento em questão. Outra estratégia bastante ex-
plorada foi a seleção genética bidirecional. A partir de uma população geneticamente
heterogênea, selecionam-se e cruzam-se os extremos para um determinado com-
portamento (consumo de álcool, locomoção, aprendizado etc.), até a obtenção, após
várias gerações, de duas linhagens contrastantes. Cruzamentos entre linhagens con-
trastantes, com obtenção de gerações filhas e netas, também serviram para dissecar
a arquitetura genética de diferentes medidas comportamentais. Em seres humanos,
estudos familiares servem a verificar se indivíduos aparentados apresentam maior
semelhança comportamental do que indivíduos não parentes, o que sugeriria (sem,
no entanto, demonstrar) um componente herdável no comportamento. Estudos com
pares de gêmeos idênticos, gêmeos fraternos e com irmãos biológicos ou adotivos
são uma ferramenta muito importante para demonstrar e quantificar a importância da
herdabilidade em características psicológicas e comportamentais em humanos (e.g.
traços de personalidade). A era da engenharia genética e da biologia molecular

capítulo 1 • 19
trouxe, como para muitas outras áreas, uma revolução nas técnicas, ambições e pers-
pectivas da genética do comportamento. Hoje, pode-se fazer uma busca, através de
todo o genoma, de lócus (regiões genômicas) contendo genes capazes de influenciar
comportamentos complexos. São os chamados QTL (Quantitative Trait Locus), com
os quais eu próprio venho trabalhando. Eles podem ser identificados em animais, pelo
cruzamento de linhagens contrastantes, ou em seres humanos, através de estraté-
gias como a «sib-pair analysis». Ainda em humanos, vêm se tornando numerosos os
estudos de associação, em que as frequências de diferentes alelos para um gene
candidato (para um neurorreceptor, por exemplo) são comparadas entre indivíduos
afetados e não afetados por um determinado traço psicopatológico ou comportamen-
tal. Em modelos animais, podemos hoje criar linhagens em que um determinado gene
de interesse comportamental foi completa e permanentemente inativado (knockout).
Podemos, por outro lado, inativar parcial e temporariamente a expressão de um gene,
com a técnica do «oligo antisens».
Podemos ainda superexpressar um gene, através de animais transgênicos. As técni-
cas, enfim, são numerosas e evoluem constantemente. Maiores detalhes podem ser
encontrados, por exemplo, em um livro, recentemente publicado, do qual eu tive o pri-
vilégio de participar. Neurobehavioral Genetics: Methods and Applications foi editado
por Byron Jones e Pierre Mormède e publicado por CRC Pressem julho de 1999.
Prof. Dr. André Ramos (entrevistado) é Professor Adjunto da disciplina de
Genética do Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética, CCB. Univer-
sidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Membro de banca examinadora
em concurso público para Professor de Genética na Universidade do Estado de Santa
Catarina, 1994. Membro de banca examinadora de Dissertação de Mestrado em
Farmacologia da UFSC, 1999, Membro do corpo editorial da Revista Biotemas, perió-
dico científico do CCB, UFSC, 1998-1999, Assessor ad hoc da FAPESP. In
<http://www.genismo.com/geneticatexto4.htm>. Acesso em: 2 abr. 2016.

Genética do Comportamento: Ramo da Genética ligado ao estudo da biologia do


comportamento. Portanto, refere-se ao estudo dos fatores ou determinantes gené-
ticos no comportamento humano capazes de explicar a evolução dele. Tratar de identi-
ficar a possibilidade de, por trás de todas as variações do comportamento individual,
haver uma estrutura mais profunda de comportamento herdado que caracterize todos
os membros de uma dada espécie ou grupo taxonômico maior.

20 • capítulo 1
Estudos de gêmeos: Baseiam-se na comparação de gêmeos monozigóticos
(gêmeos idênticos de uma única célula embrionária) e dizigóticos (gêmeos de duas
células fecundadas); criá-los separadamente e verificar se, com a eliminação do efeito
do meio ambiente, acontece alguma mudança.
Ecologia Humana
É definida como o conjunto de processos através dos quais as particularidades da
pessoa e do ambiente interagem para produzir constância e mudança nas caracterís-
ticas da pessoa no curso de sua vida" (Bronfenbrenner, 1989, p.19).

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Gêmeas monozigóticas

Gêmeas dizigóticas

Estudos com crianças adotivas: Pode-se medir a influência da herança e


do ambiente, já que a adoção geralmente é seletiva e nem sempre há registros
adequados que permitam a localização dos genitores biológicos das crian-
ças adotadas.
O Desenvolvimento humano deve ser estudado através de alguns recortes,
chamados de aspectos do desenvolvimento, para fins de compreensão didática
da complexidade de elementos envolvidos nos quatro fatores que influenciam
este processo (descritos anteriormente), bem como pelos distintos olhares das
teorias da personalidade. Estes aspectos são: o físico-motor, o intelectual ou
cognitivo, o afetivo-emocional e o social.

capítulo 1 • 21
1.4  A abordagem ecológica do desenvolvimento

Vimos até o presente momento uma discussão do Desenvolvimento Humano


sobre a visão dos fatores incluídos e determinantes nesse desenvolvimento,
como a maturação neurofisiológica, o crescimento orgânico, a hereditariedade
e o meio social. Passamos agora a incluir neste debate o conceito formulado
por Urie Bronfenbrener, pesquisador russo (1917-2005) que viveu nos Estados
Unidos e que trouxe para o desenvolvimento humano a ideia da existência de
uma Ecologia Humana. Em primeiro lugar, faz-se necessário o entendimento
do motivo de ele trazer a esse estudo uma proposta Ecológica do Desenvolvi-
mento para a pesquisa. A palavra ecologia traduz o estudo das relações que os
seres mantêm com o meio em que vivem (GLOBO,...,p. 302). Sua tese principal
é de que nós nos desenvolvemos contextualmente, apoiados em quatro pila-
res dinâmicos e inter-relacionados, a saber: a pessoa, o processo, o contexto
e o tempo. Os processos psicológicos são valorizados através das relações que
eles estabelecem na pessoa, em função das determinações ambientais, sem
negligenciar, contudo, a importância dos fatores biológicos no decorrer do
desenvolvimento. Dividido em quatro partes, Bronfenbrener apresenta: uma
Orientação Ecológica, pontuando os seus conceitos básicos; os Elementos do
Ambiente, pelos quais discute a importância das relações interpessoais, a vi-
vência em diferentes sistemas e o desempenho de papéis; A Análise dos Am-
bientes, na qual trata os temas da inserção de ambientes naturais, como am-
bientes de pesquisa, e a visão ecológica de desenvolvimento possível dentro de
instituições (creches, escolas etc.); e o conceito de Além do Microssistema, no
qual traz discussões aprofundadas sobre três sistemas ecológicos, mesossiste-
ma, exossistema e macrossistema, sempre apontando para a dinâmica de inte-
ração entre esses contextos.
Tornando nossa discussão mais clara, a sua teoria afirma – como conceitos
básicos – que não é o ambiente que prediz o comportamento, mas, sim, a inter-
pretação que este indivíduo fará do ambiente. Assim, ele dará uma importante
ênfase às percepções das atividades (ações realizadas), aos papéis (funções so-
ciais esperadas) e às inter-relações pessoais de um indivíduo (como as pessoas
tratam umas às outras) e que são demonstráveis em um ambiente comporta-
mental. O desenvolvimento para este autor resulta dos seguintes esquemas in-
teracionais: microssistema (família, amigos e a estrutura religiosa), exossiste-
ma (sistema escolar, sistema de saúde, a comunidade e a comunicação social),
e macrossistema (os contextos culturais, sociais, econômicos e históricos). Os

22 • capítulo 1
três sistemas interacionais formam o cronossistema. Este último corresponde
ao sentido de continuidade e de mudanças nas características biopsicológicas
do ser humano e que se estendem ao longo do curso da vida em sucessivas ge-
rações e através do tempo histórico presente e passado.
Graficamente, seu trabalho se resume em:

MACROSSISTEMA
Compõe-se pelo
EXOSSISTEMA
padrão global Compreende as MESOSSISTEMA
de ideologias, estruturas É o conjunto de
crenças, formais e MICROSSISTEMA
relações entre
valores, informais que É o sistema ecológico
dois ou mais
religiões, influenciam e mais próximo.
microssistemas
formas de delimitam o que Compreende as
nos quais a pessoa
governo, acontece no relações entre a
participa de
culturas e ambiente mais pessoa e seu
maneira ativa.
acontecimentos próximo. ambiente mais
Relação família-
históricos Família extensa, imediato.
escola.
presentes no trabalho dos Família, escola,
cotidiano das pais. vizinhos.
pessoas.

Normas
COMUNIDADE comunitárias

ESCOLA Disposição
Expectativas ordenada
elevadas da escola
Bom
FAMÍLIA comportamento
recompensado
Laços
familiares

Ações
antissociais
Laços Normas
escolares entre
Disciplina pares Competência
coerente social
INDIVÍDUO
& PARES Expectativas
claras
Atitude familiar
perante comportamentos Absentismo
antissociais
Definição
Recompensas saliente das
pelos resultados regras
positivos

Desorganização
comunitária

capítulo 1 • 23
Assim sendo, tomemos, por exemplo, uma criança nascida em uma família
considerada nuclear, por ser formada por um pai e uma mãe, e com uma si-
tuação econômica adequada. Ao nascer, ela passa a fazer parte deste ambiente
familiar; por ele, ela receberá os cuidados básicos necessários e se constituirá
em seu primeiro sistema, o microssistema, definido como o ambiente onde a
pessoa em desenvolvimento estabelece relações face a face estáveis e significa-
tivas. Neste sistema, encontramos importantes relações que o mantêm e têm
como principais características:
a) Reciprocidade: aquilo que um indivíduo faz dentro do contexto de re-
lação influencia o outro e vice-versa. É essa reciprocidade que possibilita a for-
mação que Bronfenbrenner coloca como o grande mérito das relações entre as
pessoas, que é a formação de díades ou a presença de uma relação interpessoal
recíproca. A premissa básica e mais importante na formação de uma díade é
que, se um dos membros do par passar por um processo de desenvolvimen-
to, estará contribuindo para a ocorrência do mesmo processo no outro. Desse
modo, para o autor, "uma díade é formada sempre que duas pessoas prestam
atenção nas atividades uma da outra ou delas participam”. As díades podem
assumir três formas funcionais diferentes no que se refere ao seu potencial
para fomentar o crescimento psicológico. Uma delas é a chamada díade obser-
vacional, a qual ocorre quando uma pessoa está prestando cuidadosa atenção à
atividade do outro, e este, por sua vez, reconhece o interesse demonstrado por
aquilo que está fazendo. A segunda é a díade de atividade conjunta e se refere à
situação em que duas pessoas se percebem fazendo juntas alguma coisa. A ter-
ceira e última constitui-se na díade primária, na qual, mesmo quando os dois
membros não estão próximos, essa díade ainda continua existindo fenomeno-
logicamente. Os dois membros são objetos de fortes sentimentos um para com
o outro e aparecem sempre em seus pensamentos. Mesmo separados, um in-
fluencia o comportamento do outro.
b) Equilíbrio de poder: significa que quem tem o domínio da relação pas-
sa gradualmente este poder para a pessoa em desenvolvimento, dentro de suas
capacidades e necessidades;
c) Afeto: estabelece a manutenção e a perpetuação de sentimentos – de
preferência positivos – no decorrer do processo, permitindo em conjunto vi-
vências efetivas dessas relações também em um sentido fenomenológico
(internalizado).

24 • capítulo 1
Quando a criança participa em mais de um ambiente com as característi-
cas descritas acima, introduz-se em um mesossistema, o qual é definido como
um conjunto de microssistemas. Essa transição e mobilidade da criança de um
para vários microssistemas abrange o conhecimento e participação em diver-
sos ambientes, como o da família, da escolinha, da vizinhança, reforçando as
diferentes relações e fixando papéis específicos que surgem para cada um dos
contextos. Num sentido geral, é este processo de socialização o potencial para
o seu desenvolvimento. Esta passagem, chamada por Bronfenbrenner de tran-
sição ecológica, é mais efetiva e saudável na medida em que a criança se sente
apoiada e tem a participação de suas relações significativas neste processo.
Ao tratar do exossistema, Bronfenbrenner considera os ambientes no qual a
pessoa em desenvolvimento não se encontra presente, mas cujas relações que
neles existem afetam seu desenvolvimento. As decisões tomadas pela direção
da escolinha, os programas propostos pelas associações de bairro, as relações
de seus pais no ambiente de trabalho são exemplos do funcionamento deste
amplo sistema. Além do exossistema, Bronfenbrenner descreve o macrossis-
tema, ou seja, sistemas de valores e crenças que permeiam a existência das
diversas culturas e que são vivenciados e assimilados no decorrer do processo
de desenvolvimento. É importantíssimo dizer que a relação entre estes quatro
sistemas, quando analisada, parece profundamente coerente, demarcando a
interação dinâmica entre eles.

ra política e social
Estrutu
ade institucion
Comunid al
ade
Comunid imediata
a
tem
ssis

Núcleo familiar
Crono

Criança

M i c r o s sist e m a
M e s os sis t e m a
E x o s s is t e m a
M a c r o ssi st e m a

capítulo 1 • 25
A teoria de Bronfenbrenner traz, em suma, como contribuição ao desenvol-
vimento humano, a consideração da influência do ambiente onde as pessoas se
situam, as análises que direcionam os processos e as condições que estruturam
o percurso do desenvolvimento humano. De acordo com o autor, os modelos
de pesquisa devem considerar quatro tipos de influências dos processos proxi-
mais do desenvolvimento humano. Esses processos proximais podem ser en-
tendidos como “formas particulares de interação entre organismo e ambiente,
que operam ao longo do tempo e compreendem os primeiros mecanismos que
produzem o desenvolvimento humano” (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998,
p. 994). A grande importância que este autor trouxe para as pesquisas sobre de-
senvolvimento humano foi a determinação a ser considerada como uma teoria
contextualista, se considerarmos simplesmente o seu foco nas atividades coti-
dianas e interações, as quais variam de acordo com as características do indiví-
duo e do contexto – tanto no sentido espacial quanto no temporal. No entanto,
a atenção ao papel da cultura no desenvolvimento humano ficou relativizada
aos valores, às crenças e às práticas de um grupo (o grupo cultural do qual ele
fazia parte) como o ideal para todos. Talvez a razão se deva ao fato de que esse
autor esteve sempre envolvido em políticas públicas e sua objetivação estava
dirigida a realizar todo o possível para melhorar a qualidade de vida das crian-
ças norte-americanas. Ele foi, afinal de contas, um dos fundadores do movi-
mento Head Start, nos Estados Unidos, cujo objetivo era ajudar as crianças das
famílias. Sua ideia pautava-se na tese de que grupos culturais diferentes podem
ter diferentes noções sobre o que constitui competência. Entre eles teremos de
considerar que a investigação, por exemplo, do ambiente físico e de seus resul-
tados sobre o desenvolvimento psicológico, em que o processo proximal atua
na sua reorganização e no modo como ativa as ações cada vez mais complexas,
de acordo com um modelo sistêmico. Se o ambiente, contexto, for pobre de re-
lações, este fato impactará fortemente na trajetória de vida da pessoa, assim
como se este contexto for mais estável e estimulante. Segundo Desse & Costa
Junior (2005), uma das maiores contribuições do entendimento dos processos
proximais proposto por Brofenbrenner radica na questão de se entender a veri-
ficação dos processos psicológicos de forma mais específica, levando em con-
sideração como esses acontecimentos psíquicos variam em função do contexto
social mais amplo em que eles ocorrem e das características da pessoa. Logo,
para o autor, o desenvolvimento se deve às conexões processo-pessoa-contexto.

26 • capítulo 1
RESUMO
1. A compreensão do desenvolvimento humano depende do entendimento que este faz
através de mudanças universais e individuais.
2. No processo do desenvolvimento, fatores como a natureza e o ambiente, a biologia e a
cultura estão em interação em todo momento, sendo todos eles fundamentais como estrutu-
rantes do processo.
3. Devemos considerar como fatores determinantes a hereditariedade, o meio ambiente, a
maturação neurofisiológica e o crescimento orgânico.
4. Temos como avaliar o desenvolvimento através de quatro aspectos importantes: físico-
motor; afetivo-emocional; cognitivo e social.
5 Vimos que o desenvolvimento também pode ser explicado sob um ponto de vista ecoló-
gico, o qual envolve uma escala de inter-relações entre sistemas sociais que possibilitam oti-
mizar a importância da experiência e do significado conseguidas pela interpretação feita pela
criança dessas experiências com o exame de todo sistema ecológico no qual ocorre o de-
senvolvimento, inclusive da cultura. Sugerimos dois vídeos:https://youtu.be/bdAJU6VymV0
e https://youtu.be/Qrn_Bk_ws_A;

ATIVIDADES
01. Defina Psicologia do Desenvolvimento.

02. Qual o objetivo do estudo da Psicologia do Desenvolvimento?

03. Para que e por que estudamos a Psicologia do Desenvolvimento?

04. Como futuro psicólogo, em que lhe ajudarão as informações vindas das pesquisas em
Psicologia do desenvolvimento Humano?

05. Quais os principais fatores que influenciam no desenvolvimento?

06. Quais os principais aspectos dentro do desenvolvimento humano que nos permitem uma
avaliação universal e individual?

07. Maturação é o mesmo que crescimento? Explique sua resposta, fundamentando-a.

capítulo 1 • 27
08. Poderíamos falar de uma relação entre os fatores determinantes do desenvolvimento e
os aspectos do desenvolvimento? Explique sua resposta.

09. Estabeleça um pequeno parâmetro entre os distintos modos de entender o desenvolvi-


mento humano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, P. B.; A ecologia do desenvolvimento humano: EXPERIMENTOS NATURAIS E
PLANEJADOS, resenha publicada UFRGS, SCIELO: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
79721997000200013>, Acesso em: 03 abr. 2016.
BEE, H. A criança em desenvolvimento, 9 ed. Artmed Editora, <http://www.artmed.com.br: ISBN
9788573078848>, Lote professor 000333.
BOCK, A.M.B; FURTADO, O.;TEIXEIRA,M.L.T. Psicologias: UMA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE
PSICOLOGIA, 13 ed. Barra Funda, São Paulo: Saraiva,1999.
MARTINS, Edna; SZYMANSKI, Heloisa. A abordagem ecológica de urie brofenbrenner
em estudos com família. Estud. pesquisa psicologia. Rio de Janeiro, v.4, n.1, jun. 2004.
Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-
42812004000100006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 05 jun. 2016.
RAPPAPORT, C.R.; ROCHA FIORI, W; DAVIS, C. Teorias do desenvolvimento: CONCEITOS
FUNDAMENTAIS, Vol 1, São Paulo: EPU, 1981.

28 • capítulo 1
2
A psicologia
da infância:
da gravidez ao
nascimento
2.  A psicologia da infância: da gravidez ao
nascimento

No capítulo anterior, vimos a importância da compreensão da criança e do ado-


lescente feita através da investigação e observação das modificações psicológi-
cas que ocorrem no decorrer do tempo.
Acompanhamos juntos que essa preocupação pelo estudo da criança – pela
descrição dos autores e teorias – é relativamente recente, mais próxima do sé-
culo XX, de acordo com o historiador Philippe Ariès (1981). Anteriormente a
esta data, a ideia de criança e de adolescente cabia ou ficava reduzida ao seu
período mais frágil, “enquanto o filhote do homem não conseguisse bastar-se”
(1981: p10). Era só ter desembaraço físico-motor que a criança já se encontrava
misturada entre os afazeres dos adultos e dividindo com eles seus trabalhos e
jogos. Portanto, desde cedo as crianças eram tratadas como jovens adultos. A
aprendizagem se constituía apenas na aquisição dos valores da comunidade
para a conservação dos seus bens, revelando-se em uma prática comum de um
oficio, de maneira que garantissem a proteção e a manutenção de todos.
O movimento da “escolarização” atual, que se fez necessária à sociedade
tecnológica, surge no fim do século XVII pelos espaços para onde as crianças
são enviadas, para aprenderem em um colégio, e não mais junto com adultos.
Estamos dando início, portanto, a uma nova era: a das escolas internas. Para
estas as crianças eram enviadas a fim de estudarem lições para adequação téc-
nica, mas também com vistas à moralização humana. Essas escolas estiveram
sempre dirigidas por católicos e protestantes associados à Igreja e ao Estado.
Inicia-se um processo de cuidado com a infância e o devido afastamento da
criança dos assuntos ligados ao sexo, bem como as repercussões negativas à
formação moral das mesmas. Filósofos passam, então, a debater acerca da na-
tureza humana em função de uma nova categoria criada: o conceito de criança.
A essa nova tradição iniciada em fins do século XVII seguem vários modelos de
ensino, como as consequentes observações acerca daqueles que não conseguem
aprender e, portanto, se desenvolver. Assim, pesquisas são realizadas nos séculos
seguintes; teorias são desenvolvidas a partir das conclusões das pesquisas; a crian-
ça encontra seu lugar como categoria científica a ser trabalhada e investigada; e
com ela as circunstâncias que a fazem surgir, como, por exemplo, a gravidez, os
estados pré-natais e perinatais, os quais passamos a discutir neste capítulo.

30 • capítulo 2
Só para lembrar e fixar
Filogênese: é a história da evolução de uma espécie, descrevendo sua história evolu-
tiva: postura vertical; libertação da mão; encefalização; desenvolvimento das capacida-
des cognitivas, sociais e morais.
Ontogênese: alterações biológicas sofridas pelo indivíduo desde o nascimento até
a morte.
Disponível em: <http://www.dicio.com.br/filogenese/ontogenese>. Acesso em: 01 mai.
2016.
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2.1  Influências do período pré e pós embrionário no


desenvolvimento infantil

Na atualidade, todos nós sabemos a grande importância psicológica envolvida


nos processos ligados à fecundação, como os de uma gravidez sadia; uma vez
que, segundo Clara Rappaport (1981; v.2), muitos problemas de comportamen-
to, alterações físicas, bem como alguns distúrbios de personalidade, têm origem
nessa fase. Renè Sptiz2 nos fala de uma “individualidade” presente no nascimen-

2  De René A. Sptiz é professor de psiquiatria infantil na Universidade de Colorado. Entre seus livros encontramos:
O Primeiro Ano de Vida da Criança; A Gênese das Primeiras Relações Objetais.

capítulo 2 • 31
to formada por três categorias: 1. a bagagem hereditária determinada pelos ge-
nes e cromossomas; 2. as influências intrauterinas impressas durante o período
de gestação; 3. e as influências que tiveram lugar durante o processo do parto.
A bagagem hereditária corresponde aos elementos evidentes de nossa filo-
gênese: ter dois olhos, duas pernas, as regras que regem a maturação e o desen-
volvimento dos órgãos com suas respectivas funções. Com relação à influência
intrauterina, temos que, tirando primeiramente algumas crendices vindas do
senso comum – como, por exemplo, “se a mãe não comer doce de abóbora a
criança nascerá com cara de abóbora” –, que surgiram da ideia de possíveis co-
nexões neurais entre mãe-filho. Assim, segundo essas lendas, emoções, desejos,
angústias vividas pelas mães passariam para seus filhos. Este fato é inconcebível
cientificamente, dado, principalmente, pelas diferenças de padrões neuronais e
de conexões entre células nervosas de ambos. O sistema cerebral da mãe é muito
mais complexo do que o da criança. No entanto, podemos afirmar como sendo
uma forte influência intrauterina a passagem de substâncias tóxicas pela placen-
ta da mãe, em função de certas infecções virais (por exemplo, rubéola, sífilis, to-
xoplasmose etc.), drogas ou antibióticos, radiações, ou venenos, os quais podem
alterar a fisiologia do bebê, causando desde má-formação craniana, debilidade
mental, desordens do sistema nervosos central, entre outros.

Você deve saber, é uma questão atual no nosso país!


Por Beatriz Behar
A Zika é uma doença causada por um vírus transmitido por mosquitos Aedes, in-
cluindo o Aedes aegypti e o Aedes albopictus, que também transmite a dengue e a
chikungunya. A doença é recente, e o Brasil foi o primeiro país de grande população a
ter um surto. Os sintomas da zika são manchas pelo corpo, coceira, febre e conjuntivi-
te, além de dor nas articulações.

A zika prejudica o bebê dentro do útero?


O vírus é capaz de atingir a placenta, o líquido amniótico e o bebê. Embora pesquisas
ainda estejam sendo conduzidas, cientistas já concluíram que, quando infecta uma
grávida, o vírus zika pode causar malformações neurológicas, como a microcefalia (o
bebê nascer com a cabeça menor que o padrão). Isso não quer dizer, contudo, que
toda grávida que teve zika terá um bebê com malformação.

32 • capítulo 2
Os mecanismos da contaminação do feto ainda estão na fase de investigação
pela comunidade científica e, infelizmente, muitas perguntas ainda não têm respos-
ta definitiva.
Também existe a suspeita de outras malformações no bebê e de risco à gestação.
Uma grávida que esteja com coceira e manchas avermelhadas pelo corpo deve pro-
curar atendimento médico o mais rápido possível. Somente um profissional de saúde
pode distinguir se se trata de zika ou de outra doença. Uma vez confirmada a zika, a
gravidez e o desenvolvimento do bebê devem ser acompanhados com cuidado extra
pelos médicos.
Caso, com o avanço da gestação, seja constatada microcefalia ou qualquer outra
alteração, o bebê será examinado quando nascer para confirmação e para que sejam
indicadas terapias e tratamentos. Não se sabe ainda em que fase da gravidez a zika é
mais perigosa para o bebê. Mas os três primeiros meses são sempre o período mais
crítico para malformações, porque os órgãos estão se constituindo. Mesmo que não
apresentem microcefalia, todos os bebês nascidos de mãe que teve zika na gravidez
precisam ter um acompanhamento de saúde atento nos primeiros anos de vida. ”
Fonte: <http://brasil.babycenter.com/a25013237/zika-na-gravidez#
ixzz47QudNLO3>. Acesso em: 01 maio 2016.

O terceiro fator ou influência corresponde à hora do parto. Durante a expul-


são, existem alguns traumatismos já bem conhecidos, e podemos acrescentar à
listagem também a falta de oxigênio – causadora da anóxia cerebral e de graves
consequências ao desenvolvimento cognitivo e psicomotor. Clara Rappaport
(1981; v.2) esclarece serem relevantes certas considerações a seguir:
1. Idade da mãe: mães muito jovens, abaixo de 20 anos, nas quais o apare-
lho reprodutor ainda está em formação, e mais velhas, acima dos 40 anos, têm
risco maior de terem filhos portadores de Síndrome de Down. Vamos dar uma
olhadinha no vídeo a seguir: <https://youtu.be/qkz9OKlBrvI>.
2. Drogas como as anfetaminas (estimulantes e inibidores de apetite),
sedativos (talidomida, por exemplo, utilizada como sedativo e hipnótico), co-
caína, cigarro, álcool etc., se ingeridos no início da gestação, produzem vários
tipos de deformidades no feto. Estudos recentes questionam os anestésicos na
hora do parto por provocarem uma diminuição da capacidade de respostas aos
estímulos. Para conhecer sobre anfetaminas, que tal esse vídeo: <https://youtu.
be/W1IGD6PBGHU?> Olha só o que a cocaína faz a um adulto: agora imagina

capítulo 2 • 33
no organismo do embrião: <https://youtu.be/-yr6KLQGT_o>. Só para conhecer
a talidomida: <https://youtu.be/EUlPDksBotw>;
3. Radiações nucleares e exposições aos raios X por gestantes provocam
anomalias nos embriões.
4. Doenças infecciosas como sífilis, rubéola e caxumba, além de propor-
cionarem a possibilidade de abortos, também podem causar nos fetos anoma-
lias como cegueira, surdez, deformidades físicas (ausência de membros, por
exemplo) e mentais.
5. A incompatibilidade sanguínea entre mãe e filho, como o Fator RH, po-
dem causar abortos, natimortos, paralisias parciais, deficiências mentais; ou
no caso entre tipo sanguíneo mãe tipo O filho tipo B, que produzem altas taxas
de substâncias tóxicas no organismo, como a bilirrubina (excesso de bile por
problemas no fígado, na vesícula biliar, nos rins ou no baço e produz uma cor
amarelada no sangue, sendo eliminada pela urina).
6. A alimentação materna inadequada e insuficiente, pobre em vitaminas,
proteínas e carboidratos, predispõe que a gestação não se realize e se conclua
a término (prematuridade), bem como condiciona o feto a condições de vul-
nerabilidade, criando atrasos físicos e mentais. São consideradas pela Saúde
Pública como gravidez de alto risco e são acompanhadas por planos e ações
sociais pelo nosso país.

ATENÇÃO
Você deve saber: A bilirrubina é uma substância alaranjada produzida quando o fígado de-
compõe glóbulos vermelhos velhos. A bilirrubina é então removida do corpo através das fezes
e uma pequena porção na urina. Seu excesso no sangue indica problemas de cirrose, hepa-
tite ou de cálculo biliar.

7. O processo da gestação ao parto e a preparação para ser mãe é outro


fator importante. Esse é um dos momentos mais delicados para a mulher e, no
entanto, ela recebe pouca ou nenhuma atenção especial de seu médico, que
lhe ajude com suas fantasias, emoções, ansiedades, medos, alegrias acerca do
que é tornar-se mãe. De forma impessoal e bem mecânica, as mulheres rece-
bem indicações para esta ou aquela vitamina, exercícios, cuidados e, pronto,
a consulta médica está resolvida depois de medições do crescimento do bebê

34 • capítulo 2
e dos batimentos cardíacos. Quando chega a hora do parto, a mulher pode ser
recebida de uma forma fria e como “algo” rotineiro, mesmo que para ela seja
um momento totalmente desconhecido e crucial. Essa “negligência” pode pro-
vocar na futura mãe um estado de “esterilização emocional”. Por outro lado, o
uso de anestésicos e a indução do parto pelo rompimento da bolsa, e com a in-
tensificação das contrações uterinas, podem causar um menor fluxo sanguíneo
para o cérebro do bebê, gerando nele problemas neurológicos, cardíacos, ou
comportamentos menos responsivos após o nascimento, como uma fraca suc-
ção, por exemplo, devido aos analgésicos e sedativos aplicados na mãe. A sono-
lência pós-parto tanto da mãe quanto da criança pode ampliar, dependendo do
par “mãe x filho” (díade), os efeitos das “esterilizações emocionais” maternas
dificultando a relação entre eles.

ATENÇÃO
A simbiose é uma condição psicológica, um estado não diferenciado entre um eu e um tu;
um estar totalmente imerso no ego do outro; uma condição de total dependência daquele
que contém os dois egos. Relação simbiótica é a que permite à mãe interpretar as necessi-
dades do bebê, posto que o ego deste está totalmente “derretido” no dela.
A díade é um par no qual a individualidade de cada um é eliminada em detrimento da uni-
dade desse par no seio da qual se organizam certos tipos de ligações. Este termo surgiu no
final do século XIX pelo sociólogo Simmel para designar um grupo de duas pessoas. Existem
várias díades, das quais uma das mais importantes é a da mãe/bebê, que caracteriza a rela-
ção simbiótica que existe entre os dois de forma que a mãe possa atender e realizar todas as
necessidades do bebê. Lemaire explicitou também uma relação em que existe o "nós psíqui-
co" e os limites do ego são suprimidos: a díade amorosa, isto é, o par homem-mulher. A díade
trata de relações em que existe um comum psíquico, em que o objeto-par funciona como
se fosse um único ego.” In: <http://www.infopedia.pt/$diade, disponível em 24/04/2016>.

Estudos realizados na Psicologia Comparada (experiências com animais) e


também com observações de bebês demostraram a importância dos primeiros
dias de vida para o estabelecimento de uma relação afetiva sadia entre a mãe e
seu bebê. As primeiras horas seriam chamadas de reconhecimento, na qual os
dois membros da díade estão se conhecendo e se autoexplorando. Eis a razão
de as maternidades, atualmente, providenciarem salas de parto mais afetivas e

capítulo 2 • 35
buscarem a permanência dos bebês nos quartos de suas respectivas mães. Se
mãe e filho são deixados juntos, temos o que chamamos de “attachment” ou li-
gação afetiva. Do mesmo modo, se o pai ou outro membro da família permane-
ce na sala de parto, também estaria contribuindo para a segurança emocional
da mãe e se ligando afetivamente ao bebê.

CONEXÃO
Aprecie o vídeo a seguir e veja essa linda relação entre uma mamãe gorila e seu bebê
nascido em cativeiro, e a reação dela com o filhote após o parto. <https://youtu.be/
72omSSNi4Lw>. É interessante observar como a força da programação genética dota a
nova mãe de “conhecimentos” sobre a maternagem (qualidade ou condição de ser mãe).

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Figura 2.1  –  Figura 2.2  – 

Nas salas de parto, em geral de cesárias, as mães ficam como se estivessem


amarradas, e às vezes os efeitos dos sedativos afastam o primeiro contato visual
da mãe com seu bebê (figura 2.2), como produzem uma separação subsequen-
te em função do término da cirurgia e o retorno da anestesia. Enquanto isso,
pelo lado do bebê, o ambiente com muita luz e tumultuado dificulta também o
comportamento do primeiro contato do olhar mútuo. A relação entre a ovelha
e seu filhote já demonstra (figura 2.1) maior aproximação inicial entre ambos.

2.2  Psicologia da gestação

2.2.1  Processo de nidação ou placentação

O momento da placentação ou nidação, biologicamente falando, refere-se ao


momento em que o feto se instala no corpo da mãe. Se formos pensar nesse

36 • capítulo 2
processo, trata-se de um procedimento no qual a criança em formação procede
como se fosse um parasita no corpo de sua mãe, já que suga tudo deste último
para poder se desenvolver. De acordo com Wagner Fiori (in Rappaport: 1981;
v.2), os processos psíquicos parecem se originar inicialmente dos processos
biológicos, sendo este momento “o correspondente às fantasias infantis de
roubar (sugar, esvaziar pela voracidade e inveja) e ser roubado” (ibid. p:16). Po-
dem ocorrer sonhos nas gestantes de estarem sendo roubadas ou esvaziadas.
Se, além destes sinais, ainda tivermos os sintomas de rejeição à gravidez (náu-
seas e diarreias), será necessário o acompanhamento psicológico à gestante,
de modo a prevenir um possível aborto. Essa “promoção de saúde” poderá ser
feita através de orientações e informações consistentes sobre gestação e parto,
em Programas de Saúde da Família, por exemplo.

2.2.2  A movimentação do feto

O feto começa a mover-se a partir do 4º mês. Em geral, as mães ainda não con-
seguem perceber este movimento nessa época. Algumas conseguem realizar
essa percepção no 5º mês e outras somente no 7º mês. Essa “negação” da per-
cepção consiste muitas vezes em mecanismos defensivos surgidos de posições
ambíguas entre “aceitação-rejeição” da gravidez por parte da mãe. Às vezes este
comportamento defensivo é acompanhado de contraturas musculares abdo-
minais, inconscientemente provocadas pela mãe, que, se persistirem, podem
interferir na rotação do feto e contribuir na mudança de sua posição normal de
nascimento, a qual é com a cabeça encaixada e virada para baixo.
Os movimentos fetais servirão também como indicativos da relação de acei-
tação x rejeição já descrita. Para algumas mães, esses acontecimentos serão
descritos como situações agradáveis ou relatadas como experiências qualitati-
vamente positivas para elas. Para outras, no entanto, poderão ser vistos como
chutes, cutucadas, machucando a coluna, entre outras afirmações negativas.
As primeiras, as positivas, estão relacionadas às relações de aceitação da gra-
videz, enquanto que as segundas denotam, pelo cunho qualitativo negativo e
agressivo, como pertencentes à rejeição.
Os movimentos do feto revelam a certeza de uma percepção de que uma
vida está sendo gestada e de que este feto está vivo. Segundo Fiori (1981), essa
conscientização produz uma série de fantasias específicas que envolvem os
membros do casal (marido e mulher) de modo diferente. Na mulher, a crian-
ça é sentida como sendo um produto muito mais seu do que do pai, além das

capítulo 2 • 37
preocupações de como será a futura criança, fazendo emergir e intensificar
sentimentos de maternidade. Estas fantasias de que o feto é um produto mais
materno do que paterno tem suas raízes na filogênese, pois é recente o enten-
dimento de que os pais também são responsáveis pela fecundação feminina,
além do fato de ser o bebê desenvolvido durante nove meses no ventre materno.
Talvez seja esta uma das razões – a fantasia de ser um produto unicamente da
mãe – de os pais suportarem mais o nascimento de filhos deficientes ou lesio-
nados que suas mulheres.

Maternagem: cuidados próprios de mãe, materno, afetuoso, dedicado, carinhoso


e maternal.
Maternidade: qualidade ou condição de ser mãe, laço de parentesco que une mãe e
filho.

Alguns teóricos também afirmam que os movimentos fetais contribuem


para acentuar a formação de uma relação triangular pai-mãe-filho, fato que
pode fazer renascer conflitos da época do desenvolvimento da cada um dos
membros do par parental e das relações afetivas que tiveram com seus próprios
progenitores –quando for discutido o desenvolvimento psicossexual de Freud
no próximo capítulo, esta questão tornar-se-á mais clara, pois faz alusão à fase
fálica e ao desenvolvimento edipiano. Na mulher, este conflito poderá trazer
fantasias de incesto, e o abandono do ato sexual, por considerá-lo incestuoso,
seguido do desleixo (“enfeiamento” da gestante) para com sua própria aparên-
cia (como justificativa ao abandono da sexualidade). Já no homem, a imagem
feminina pode tornar-se dividida (cindida) em mulher-mãe e mulher-sexual.
De uma idealização da mulher como mulher-mãe, pode fazer surgir no homem
uma sexualidade extraconjugal com imagens de mulheres-sexuais (como as
prostitutas, por exemplo). O homem também poderá sentir uma fantasia in-
consciente de inveja à fertilidade de sua esposa. A possibilidade de poder escu-
tar, apalpar a barriga da mulher e sentir os movimentos fetais faz-se necessária
ao desenvolvimento do sentimento de paternidade e a diminuição dos senti-
mentos de ciúme e inveja, pois enquanto o instinto de maternidade é inato, o
da paternidade precisa ser desenvolvido. Se o homem puder sentir – fantasiar
positivamente – a gravidez como também sendo sua, este fato poderá fazê-lo
assumir o seu filho e o sentido da paternidade.

38 • capítulo 2
2.2.3  O final da gestação

A hora do parto se aproxima. Se a ansiedade foi uma emoção muito predomi-


nante durante a gestação, alguns conflitos são evidenciados. Um deles é o te-
mor da morte no parto. Mesmo que todo o aparato para este momento esteja
altamente controlado (anestesia, assepsia, antibióticos, controle da pressão,
centros cirúrgicos etc.), ainda persiste uma fantasia coletiva de temor ao par-
to. Outra questão conflitiva encontra-se na aparência da grávida. Se a mulher
sofreu alterações bruscas no seu esquema corporal, pelo crescimento rápido
do feto, este fato pode desencadear, pela mudança rápida da autoimagem,
sensações de estranhamento pessoal, de desorganização espaço-temporal da
gestante, podendo atualizar episódios de despersonalização dela. Também a
interrupção das relações sexuais nos últimos momentos da gestação pode ser
responsável pelo aumento da ansiedade.

2.2.4  Revisão – A hora de elaborar os conceitos discutidos.

Até este momento de nossa discussão, você pôde perceber o quanto os esta-
dos psicológicos dos pais estão implícitos na formação do psiquismo infantil.
Logo, a criança sofre influências de um lugar predeterminado de conflitos não
resolvidos de seus pais, que são intensificados durante a gestação. Assim sen-
do, quando o bebê nasce, recebe um depósito de expectativas positivas ou nega-
tivas vindas das fantasias parentais. Deste modo, a criança se desenvolverá com
amor e imagens positivas nela depositadas, bem como reagirá e sofrerá as cri-
ses decorrentes do lugar persecutório e hostil das fantasias de seus pais. Estas
situações podem ser a origem das patologias infantis e só podemos entendê-las
a partir da compreensão do imaginário familiar. Este fator nos pode adiantar
a ideia de quanto um aconselhamento aos pais, um programa de Saúde da Fa-
mília ou de procedimentos em Psicologia Comunitária podem nos auxiliar na
profilaxia de patologias infantis.
Vimos também que o período de gestação pode ocasionar algumas altera-
ções no desenvolvimento hereditário, em função de infecções ou outras ano-
malias ou, ainda, alterações físicas que podem ocorrer durante a gestação ou
no momento do parto.

capítulo 2 • 39
2.3  A constituição da díade mãe e filho

A origem das primeiras relações objetais3 encontra-se na de mãe e filho, e po-


deríamos pensar se também esse não seria o espaço do desenvolvimento das
futuras relações sociais, pois através dela o ser humano faz uma passagem do
fisiológico ao psicológico. Explicando melhor, enquanto o feto está no útero, as
suas relações com sua mãe são de um completo parasitismo; depois, durante o
primeiro ano de vida, o bebê passará de um estado de simbiose com sua mãe,
em que se encontra totalmente dependente e fundido no psiquismo materno,
para uma relação de hierarquia para com ela. Há outra questão importante nes-
sa relação entre mãe e filho: a profunda diferença entre as estruturas psicológi-
cas da primeira com relação ao segundo. É uma divergência imensa entre dois
seres tão intimamente ligados, porém é nessa díade mãe x filho que podemos
associar e encontrar a gênese de toda a relação social. Se por um lado a estru-
tura da personalidade do adulto (mãe) se encontra já estruturada, permitindo
que se tenha atitudes e iniciativas individuais e pessoais na sua interação com o
meio, por outro lado a criança, mesmo sendo a presença de uma individualida-
de, está totalmente desorganizada em sua personalidade, carecendo de inciati-
vas próprias para trocar com seu ambiente, sendo estas interações puramente
fisiológicas. Ademais, no caso do adulto, o meio circundante se constitui de
fatores tais como grupos, indivíduos, objetos inanimados que influenciam a
personalidade da mãe por permanecerem em interação. Já para o recém-nasci-
do, essa situação social se compõe unicamente por um só indivíduo: sua mãe
ou sua substituta, apesar de a criança ainda não se perceber como sendo uma
pessoa ou sujeito em uma relação de troca. Essa mãe se torna sua única intér-
prete, tanto de suas necessidades fisiológicas como de sua satisfação. É como
se esta díade formasse um sistema fechado em si mesmo, pelo qual cabe à mãe
ou à sua substituta a interpretação das necessidades da criança e a transmissão
das forças de ação do meio para a criança.
René Spitz (1972) nos fala de três estágios de desenvolvimento a partir des-
ta díade. Seriam estes o pré-objetal (de 0 a três meses), o do objeto percursor
(de três a sete meses) e o do objeto propriamente dito, a partir dos oito aos 12
meses. No primeiro há uma total incapacidade por parte do recém-nascido de
poder distinguir um objeto de outro, como, por exemplo, sua mãe dele mesmo,
sendo o seio que o alimenta percebido como algo que,, faz parte dele mesmo.

3  As relações objetais referem-se às trocas afetivas efetivadas entre o indivíduo e um objeto que simboliza o meio
no qual o sujeito consegue encontrar satisfação das tensões e necessidades psíquicas.

40 • capítulo 2
Pode-se afirmar que durante este período de ausência total de objeto relacional
e não existência de um mundo externo ao bebê, sua percepção está totalmen-
te voltada e restringida ao funcionamento dos sistemas interoceptivos. Logo,
todo e qualquer estímulo que provenha do exterior só será percebido se conse-
guir atingir a criança e provocar um grau de desagrado nestes centros sensíveis.
Para se ter uma ideia da importância deste encontro seio e criança, segue um
vídeo bem interessante: https://youtu.be/8a5vH3tt6xM; nele vemos a interação
que se estabelece unicamente por conta da satisfação das necessidades intero-
ceptivas. Essa mãe é a responsável pelo estabelecimento da simbiose, pois são
os cuidados maternos que livram o bebê do desprazer da fome, de urinar, defe-
car, tossir, regurgitar, entre ouros. Tanto os efeitos das ações expulsivas como o
prazer pelos cuidados da mãe, segundo Margareth Mahler (1993), vão ajudar o
bebê a discriminar entre qualidades de experiências boas (as que dão prazer) e
as más (ou desprazerosas). Mesmo que, como já dissemos acima, as diferenças
entre as estruturas de personalidade sejam tão diferentes. E, enquanto a neces-
sidade do bebê de sua mãe é total, a da mãe para com o filho é relativa.

Sistemas interoceptivos: “Diz-se da sensibilidade às variações que se produzem no


interior do corpo (sensibilidade profunda), dos receptores e das vias que se lhes refe-
rem (interocepção)”. Disponível em: <http://interoceptivo.blogspot.com.br/2010/08/
definicao-de-interoceptivo.html>. Acesso em: 11 mai. 2016.

As semanas que seguem a esta etapa conduzem o neonato a perceber o rosto


humano (mais ou menos um mês depois de nascido). Um pequeno progresso
ocorre e a criança já consegue acompanhar os movimentos do rosto materno. A
criança, ao fixar seu olhar na face da mãe constantemente durante a mamada,
fará deste rosto um sinal em sua memória, pela contínua repetição do estímulo
visual. Essa experiência – denominada por Spitz (1972) de “experiência situa-
cional unificada”, porque reúne os elementos boca-mão-seio-pele – funde-se
agora no rosto da mãe e se constitui na primeira percepção significativa e de
atividade social e emocional do ser humano. É ele, ou melhor, o reconhecimen-
to dos sinais de um rosto, que fará surgir o primeiro sorriso ou resposta social
do bebê. Mesmo quando lhe for apresentado em lugar dos traços faciais uma
máscara, e mesmo quando esta se encontre em movimento. O reconhecimento
dos traços do rosto, também denominados um sinal ou uma “Gestalt – sinal”,
transformará mais à frente, segundo Mahler (1993), a necessidade da mãe em

capítulo 2 • 41
desejo pela mãe. Dá-se o início, com este reconhecimento, ao segundo estágio,
ou do objeto precursor (Spitz: 1972). Toda vez que um rosto lhe for apresentado,
a criança sorrirá, sendo, portanto, uma primeira ação intencionada, denotando
uma passagem entre um estado passivo e outro mais ativo. No entanto, é pre-
ciso que os traços da figura do rosto estejam posicionados corretamente, caso
contrário não haverá nenhum reconhecimento. Nesse momento, é apenas um
estágio pré-objetal, porque a criança só reconhece na face humana os traços, e
não o fato de eles pertencerem a quem lhe proporciona satisfação. Os traços,
sinais, são apenas atributos superficiais de um objeto total provedor de vida.
Seguem figuras de criança mamando e seu olhar voltado para os da mãe.

O último estágio do desenvolvimento da primeira infância, ou do objeto


real, é marcado pela sensibilidade perceptiva da criança para com o estímulo
externo. Agora o bebê consegue separar as sensações da recepção interna da
experiência e as dos sentidos dos fatos o que o rodeiam. Há uma coordenação
entre os atos intencionados a serviço do alcance de fins determinados; sua ati-
vidade torna-se dirigida, intensificando as relações sociais. No entanto, a estru-
tura de um “ego” – a noção de si – ainda se encontra de forma bem rudimentar,
praticamente embrionária.

Eu acho que está na hora de uma revisão. E que tal fazermos via vídeos? Então, anote
aí as indicações a seguir. Vamos lá? Tente visualizar os olhares e trocas do bebê com
sua mãe.

42 • capítulo 2
CONEXÃO
Os vídeos sugeridos a seguir nos mostram a relação mãe e filho discutida acima. Através
deles podemos observar as reações do bebê diante das ações maternas. Veja só que inte-
ressante. Desfrute destas cenas.
1. Reconhecimento das emoções nos rostos humanos: <https://youtu.be/lBttnaVPIec>;
2. Os sentidos do bebê: <https://youtu.be/HvfBZlAcVd4>;
3. Bebê de três meses: <https://youtu.be/ORs6czHYUlo>;
4. Bebê de 7 meses: <https://youtu.be/thrrqosAHOc>.

2.4  As forças formativas na relação mãe e filho

A presença da mãe constitui em si mesma um estímulo para as respostas do


bebê. Não se faz necessário que ela provoque seu filho. As ações maternas, até
mesmo as mais insignificantes, são fatores motivacionais. Todas as atitudes
e os movimentos desenvolvidos pela criança serão repetidas se produzirem
prazer, e o bebê, consequentemente, as dominará. Trata-se, portanto, de uma
relação muito especial, pois, se por um lado se mantém afastada do meio cir-
cundante, por outro esta díade se constitui em uma união com laços afetivos
extremamente fortes e poderosos, estabelecida por um sistema de comunica-
ção típico do par formado. Esta comunicação se estabelece por um conjunto de
sinais, com características de uma configuração e de vocalizações. São sinais
que facilitam trocas – através de formas unicamente expressivas e corporais
– de atitudes afetivas. Estas “trocas” de sinais são representativas de determi-
nações filogenéticas presentes em nós, humanos, desde o nascimento, como
uma espécie de equipamento (Anlage em alemão). Alguns dos vídeos citados
acima também mostram algumas dessas comunicações, apresentadas em for-
ma de indícios, de signos, de sinais e de símbolos. O indício relaciona-se com
a percepção ligada à experiência com um objeto ou situação. O signo já é uma
percepção empiricamente (ligada a ação) associada à expressão de um objeto
ou de uma circunstância e que pode substituir aquela experiência. Já o sinal é
uma percepção artificial ligada a um objeto ou fato circunstancial. O símbolo
se descreve como sendo um signo encarregado de transmitir uma mensagem
acerca de um objeto ou fato feito através de abstrações deste objeto ou fato.

capítulo 2 • 43
Um signo: expressa algo de forma geral.
Um indício: pistas.

Um símbolo: algo abstrato representativo de banheiro.

Um sinal é uma percepção associada artifi-


cialmente à ideia de “quero falar, posso?”, por
exemplo. É um signo convencionado artifi-
cialmente ou acidentalmente entre um signo
(o que designa algo) e um fato.

Mas o que podemos afirmar nessa comunicação entre mãe e filho é a desi-
gualdade existente entre ambos. Enquanto a criança emite mais que signos, as
dos adultos são emitidas e percebidas pela criança como sinais.

44 • capítulo 2
ATIVIDADES
01. Faça um relatório detalhado das observações feitas acerca da díade mãe e filho obser-
vada através dos vídeos.

02. Estabeleça, em sala de aula, junto com seus colegas, trocas acerca dessas observa-
ções executadas.

03. Experimente observar bebês e a díade mãe e filho e anote as reações do sorriso social
ou da gestal-sinal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MAHLER, M. O nascimento psicológico da criança. Porto Alegre: Artes Médicas
PAPALIA, Diane; OLDS, Sally. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2000, 7 ed.
RAPPAPORT, C; FIORI, W Rocha; HERZBERG, E. A infância inicial: o bebê e sua mãe. São Paulo:
EPU, 1981. 2 ed.
SPITZ, René. El primer año de vida del niño. Madrid: Aguilar,1972.

capítulo 2 • 45
46 • capítulo 2
3
O desenvolvimento
infantil a partir da
psicanálise
3.  O desenvolvimento infantil a partir da
psicanálise

Este capítulo tem como objetivo abordar a teoria do desenvolvimento dentro


do contexto teórico da Psicanálise. Em primeiro lugar, são expostas as bases
conceituais de Freud para a compreensão do desenvolvimento infantil, o que
nos remete a explicações de caráter dinâmico, com foco nas relações intersub-
jetivas. Em seguida, serão abordadas as teorias de Bowlby e Winnicott, dois
teóricos pós-freudianos que se dedicaram a estudar o desenvolvimento a partir
das primeiras e mais básicas relações objetais. Ambos apostaram na relação
mãe-bebê como fundamental para o desenvolvimento saudável, assinalando a
tenra infância como um período que carece de cuidados específicos e adequa-
dos. O ambiente, compreendido na figura da mãe ou de quem exerça seu pa-
pel, ganha grande importância na abordagem que estudaremos neste capítulo
e que traz uma importante contribuição para a compreensão da construção do
sujeito a partir da Psicanálise.

3.1  O desenvolvimento segundo Freud

A obra de Freud foi consequência de seu trabalho clínico. Freud se formou mé-
dico neurologista, porém um estágio feito junto à Charcot na Salpetriére, em
Paris, chamou a atenção dele para os fenômenos psíquicos. Ao começar a tra-
balhar com as pacientes histéricas, Freud constatou que se tratava de uma en-
fermidade que produzia sintomas reais, mas que não correspondiam a danos
neurológicos. Freud, então, voltou seu interesse para este outro campo, pesqui-
sando o que causava os sintomas. Se não eram de origem fisiológica e não havia
uma compreensão clara e coerente, estes sintomas viriam de “um outro lugar
psíquico”, ideia que culminou no conceito de Inconsciente (TRILLAT, 1991).
A partir da prática clínica, Freud criou as teorias que constituíram a
Psicanálise. Em suas investigações sobre as causas e funcionamento das neu-
roses, descobriu que a grande maioria de pensamentos e desejos recalcados
se referia a conflitos de ordem sexual, localizados nos primeiros anos de vida
dos indivíduos. As experiências de caráter traumático estavam sempre na vida
infantil, o que levou Freud a se preocupar especialmente com o desenvolvi-
mento das crianças. Além disso, as lembranças de seus pacientes colocam a

48 • capítulo 3
sexualidade no centro da vida psíquica e, assim, é desenvolvido o segundo con-
ceito mais importante da teoria psicanalítica4: a sexualidade infantil. A concep-
ção que subvertia a ideia de “infância inocente", vigente na época, causou pro-
fundas repercussões na sociedade puritana da Modernidade.

Puritanismo
O puritanismo foi uma doutrina protestante baseada no Calvinismo, orientada por prin-
cípios morais rígidos e forma simples de adoração praticados na Inglaterra durante o
século XVI, em que os preceitos se pautavam no cristianismo puro, seguindo normas
de condutas mais rigorosas que as ordinariamente vigentes. Nos dias atuais, puritano
é aquela pessoa rigorosa na aplicação dos princípios morais, nas ideias e nos costu-
mes, especificamente quanto ao comportamento sexual.
Disponível em: <http://www.significados.com.br/puritana/>. Acesso em: 26 jun.
2016.

3.1.1  A sexualidade infantil

A descoberta da sexualidade infantil traz alguns desdobramentos importantes


para compreender o desenvolvimento. Em primeiro lugar, Freud causa polê-
mica na comunidade médica ao afirmar, ao contrário do saber que vigorava na
época, que a função sexual não se inicia só a partir da puberdade, mas existe
desde o princípio de vida, logo após o nascimento.
O conceito de libido, nesse âmbito, também precisa ser compreendido.
Trata-se da energia que investe nos objetos externos ou no próprio eu. Sua ori-
gem é sempre sexual, porque é uma energia que, originalmente, visa à satis-
fação de um desejo. Mas todas as ligações que existem entre sujeito e objeto
envolvem o investimento libidinal. O interesse pelos estudos, a compra de um
vestido e a relação sexual estritamente falando são exemplos de investimento
libidinal cuja satisfação se dá através de objetos diferentes.

4  Podemos afirmar que o conceito de Inconsciente é um divisor de águas na Psicanálise, indicando que a
consciência não comanda a maior parte das ações humanas, e sim o Inconsciente. Por essa razão, o Inconsciente
é considerado o principal conceito descrito por Freud, que inaugura uma concepção diferente para a compreensão
do psiquismo.

capítulo 3 • 49
Libido: é o substantivo feminino com origem no latim libido e que é usado para des-
crever o desejo ou impulso sexual de um homem ou mulher. No âmbito da psicologia,
a libido é fundamental para entender o comportamento humano, porque o condiciona
e é vista como a energia que direciona os instintos vitais. Como não está ligada exclu-
sivamente aos órgãos genitais, a libido pode ser direcionada em relação a uma pes-
soa, objeto, ao próprio corpo ou a uma atividade intelectual. No âmbito da psicanálise,
de acordo com Freud, a libido consiste em uma energia psíquica que resulta maiorita-
riamente do instinto sexual e que determina o comportamento da vida do homem.
Disponível em: <http://www.significados.com.br/libido/>.
Acesso em: 26 jun. 2016.

Nos Três Ensaios sobre a Sexualidade (1905/1979) Freud explica que o pe-
ríodo da sexualidade é longo e complexo até chegar à sua conformação adulta.
Isso contraria a ideia predominante de que a sexualidade está associada exclu-
sivamente à reprodução e assinala o caráter “perverso e polimorfo” da sexua-
lidade infantil. Através deste termo, Freud indica que a sexualidade não tem
um objeto definido para a sua satisfação (daí o termo perverso). Perversão vem
do latim – pervertere, que corresponde ao ato ou efeito de perverter. Dentro do
contexto da Psicanálise, é um termo usado para designar o desvio, por parte de
um indivíduo ou grupo, de qualquer dos comportamentos humanos conside-
rados normais e/ou ortodoxos para um determinado grupo social (Laplanche e
Pontalis, 1988). Nesse sentido, a sexualidade humana é originalmente polimor-
fa, uma vez que a satisfação da pulsão pode ser alcançada de formas diversas
com base nas fantasias que direcionam o desejo.
Mas, se a sexualidade humana é construída, como se dá esse caminho?
Trata-se de um assunto muito rico na teoria freudiana, que pode ser aborda-
do através dos conceitos de identificação, narcisismo, fantasia, entre outros.
Mas neste capítulo vamos enfatizar as fases do desenvolvimento. Essas fases
são marcadas pela zona erógena preponderante e por um padrão de comporta-
mento que se adquire na vivência de cada estágio.

3.1.2  As fases do desenvolvimento psicossexual

•  Fase oral (0 a 2 anos) – a zona de erotização é a boca, e o prazer ainda está


relacionado à ingestão de alimentos, à excitação da mucosa dos lábios e da

50 • capítulo 3
cavidade bucal. O objetivo, do ponto de vista libidinal, é descarregar a tensão
causada pela fome e desconfortos similares através de uma relação com o obje-
to nos moldes da incorporação.

Ao longo da fase oral, o bebê vai desenvolver a noção de alteridade, de den-


tro e fora, e vai consolidar a percepção da sua própria imagem em relação à ima-
gem do outro. Mas no início da vida não existe esse registro. A relação se dá em
primeira instância com o seio da mãe, e não com a mãe. A vivência da fase oral
é em grande parte autoerótica, ou seja, o prazer é encontrado no próprio corpo.
O hábito de levar os objetos à boca, comum em crianças nessa idade, é impul-
sionado pelo desejo de alcançar prazer estimulando a zona erógena (boca) e
também reflete uma forma de relação com o mundo. A exploração dos objetos
é, muitas vezes, marcada pela voracidade típica da ausência de simbolização
do objeto. As relações têm um caráter concreto que, aos poucos, começa a dar
lugar à simbolização já no fim da fase oral.
•  Fase anal (entre 2 a 4 anos, aproximadamente) – a zona de erotização é
o ânus, e a característica central de relação com o objeto alterna a satisfação
pulsional por fins ativos e passivos. A necessidade de aprender novos hábitos
de higiene põe em foco, para a criança, o ato de evacuar, principalmente. Do
ponto de vista do corpo como fonte de prazer, a fase anal está ligada ao controle
dos esfíncteres (anal e uretral), sendo este controle uma nova fonte de prazer.
Do ponto de vista dinâmico, a fase anal marca o início das relações simbó-
licas, trazendo o controle como um exercício possível para a criança, que, até
então, tinha um lugar passivo nas relações objetais. O comportamento de usar
o vaso sanitário precisa ser adquirido e trata-se de um aprendizado. A mãe va-
loriza as vezes em que a criança atinge este objetivo proposto, e esta atividade
é colocada no centro da vida infantil. A criança percebe o valor das fezes ou uri-
na como moeda de troca com a mãe e pode, a partir daí, assumir um lugar de
controle nessa relação. É importante ressaltar que a criança precisa experimen-
tar este lugar e que o “cocô” simboliza uma produção pessoal. A fase anal tem
importância fundamental para o desenvolvimento das habilidades relacionais,
o que depende, decerto, da forma como esta fase é vivida dentro da dinâmi-
ca familiar.
•  Fase fálica (3 a 5 anos, aproximadamente) – A fase fálica tem como uma de
suas principais características a descoberta dos órgãos genitais como fonte pri-
vilegiada de prazer. A criança passa a explorar esta área através da masturbação

capítulo 3 • 51
infantil, ou seja, a zona erógena desta fase é constituída pelos genitais infantis.
É também o período em que as crianças descobrem a diferença anatômica e
criam fantasias a partir da ausência/presença do falo. Dentro da lógica infantil,
o falo – representado pelo pênis – indica mais prazer e confere uma valorização
narcísica para quem o porta devido à sua presença. O órgão genital feminino é
compreendido como ausência de falo, o que desencadeia o sentimento de in-
ferioridade nas meninas e a sensação de ansiedade nos meninos, baseada na
fantasia de perder o falo (fantasia de castração).
•  A fase fálica também é marcada pelo Complexo de Édipo, experiência de
fundamental importância para a organização psíquica como um todo. O com-
plexo de Édipo consiste, de forma simplificada, no fato de o menino tomar a mãe
como objeto de amor, tendo o pai como rival. A ambivalência está presente nes-
ses sentimentos, o que torna a fase mais difícil para a criança. O menino vê no
pai um rival, mas também o ama e admira; tem o desejo romantizado de ter a
mãe só para ele, mas também nutre momentos de ódio quando é repreendido ou
frustrado em seus desejos. É muito importante a função do pai como aquele que
impede o desejo incestuoso, impondo limite e promovendo, assim, a internaliza-
ção de uma regra social básica a partir da qual todas as outras serão compreendi-
das. O superego, instância do psiquismo responsável pela censura, é herdeiro do
complexo de Édipo, como afirma Freud em O Ego e o Id, texto de 1923.

Figura 3.1  –  Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/-b6YSNKy1FDo/T4-EmqVmUgI/


AAAAAAAAACs/UTd5UuoMs-c/s1600/Sem+t%C3%ADtulo.png>.

•  Período de Latência (de 6 a 11) – É a fase posterior à dissolução do comple-


xo de Édipo, caracterizada pelo apaziguamento da pulsão sexual. Este período
coincide com a época em que o desenvolvimento cognitivo se torna mais focali-
zado devido às cobranças escolares. Freud não se dedicou a investigar de forma
mais aprofundada esta fase do desenvolvimento.

52 • capítulo 3
•  Fase Genital (de 12 em diante) – A fase genital se consolida a partir da
adolescência e é descrita como um período em que a sexualidade deixaria de
ser distribuída em zonas erógenas diversas para se concentrar na zona genital.
Freud é, certamente, influenciado pela normatividade da época, que associava
sexualidade à reprodução. Entretanto, ele continua a ressaltar a importância da
fantasia para a escolha dos parceiros amorosos e das relações sexuais. Por isso,
o adolescente e o adulto estariam na mesma fase e não há um período posterior
que denote mais maturidade afetiva. As fantasias inconscientes que são cons-
truídas a partir da vivência infantil são a base da vida erótica desde que esta pos-
sa ser compartilhada com outro ser humano, o que acontece na adolescência.
As pessoas podem amadurecer em diversos aspectos, mas sua vida afetiva será
uma consequência de seu desenvolvimento infantil.5

Nos Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud assinala esse caráter
da sexualidade que permanece de certa forma “infantil”, subjugada à fantasia
amorosa e sem uma normatividade predeterminada pela biologia dos corpos.

Somente em raríssimos casos a valorização psíquica com que é aquinhoado o objeto


sexual, enquanto alvo desejado da pulsão sexual, restringe-se à sua genitália; ela se
propaga, antes, por todo o seu corpo, e tende a abranger todas as sensações prove-
nientes do objeto sexual. A mesma supervalorização irradia-se pelo campo psíquico
(...). Assim é que a credulidade do amor passa a ser uma fonte importante, se não a
fonte originária da autoridade (FREUD, 1905, p. 147).

Como vimos, o olhar de Freud para o desenvolvimento humano tem como


recorte a sexualidade e a qualidade das relações afetivas. É por esse prisma que
a Psicanálise vai explicar a construção subjetiva, suas nuances e características
que variam de acordo com a história de cada um.
A obra de Freud, que foi desenvolvida como reflexo de sua clínica, tem como
uma de suas características a amplitude de conceitos e propostas que geraram lei-
turas diferentes por parte de psicanalistas que continuaram seu legado com teo-
rias que enriqueceram a psicanálise. Alguns psicanalistas pós-freudianos dedi-
caram-se a teorizar sobre o desenvolvimento, levando em conta prioritariamente
5  Vale ressaltar que, em casos de fixações da libido que se configuram de forma patológica, a posição do sujeito
em suas relações pode ser transformada através do trabalho clínico, o que possibilita mais satisfação e realização
pessoal.

capítulo 3 • 53
as primeiras relações objetais, correspondentes à fase oral. Dentro dessa pers-
pectiva, serão destacados, a seguir, conceitos de Bowlby e Winnicott, autores que
tomaram o desenvolvimento como objeto de estudo dentro da Psicanálise.

3.2  John Bowlby

Bowlby nasceu em Londres, em 1907. Sua formação acadêmica começou em


1925, na Trinity College, Cambridge, com o estudo das “ciências naturais”. Em
seguida, ele se voltou para as “ciências morais”, com especial interesse na psi-
cologia do desenvolvimento. Depois da graduação, em 1928, Bowlby realizou
trabalhos voluntários em escolas progressistas. Enquanto lecionava, ficou im-
pressionado com a quantidade de crianças que haviam perdido sua mãe pre-
cocemente e seu interesse em desvendar este universo se fez presente desde
então. Bowlby ingressou no curso de medicina, em 1929, com o objetivo de se
especializar em psiquiatria infantil.
Ao mesmo tempo, Bowlby começou a fazer análise com Joan Riviere (que
era fortemente influenciada pelo trabalho de Melanie Klein), sendo aceito na
Associação Britânica de Psicanálise (BPS). Sua primeira análise de criança foi
supervisionada por Melanie Klein, com quem começou a discutir suas ideias.
Aos poucos, Bowlby se afastou da influência kleiniana e preocupou-se em mos-
trar que as experiências reais das crianças, e não somente as fantasias, tinham
efeitos significativos em muitos aspectos do desenvolvimento.
J. Bowlby preocupou-se especialmente em investigar a relação entre o bebê e
sua mãe, compreendida como o suporte provedor de segurança e conforto. Bowlby
desloca o eixo da relação mãe-bebê da amamentação para o sentimento de con-
forto. Dessa forma, ele propõe uma forma diferente de pensar a origem da relação
afetuosa do ser humano. Essa diferença se impõe à Biologia e a um determinado
aspecto da teoria de Freud. Em relação à Biologia, Bowlby tentava descartar a ideia
do “impulso primário”, que dominava o pensamento científico na época. O impul-
so primário explicava, dentro do âmbito biológico, a relação que se construía entre
bebês e suas mães unicamente a partir na necessidade biológica a ser suprida.
Freud enfatiza o princípio do como propulsor dos laços amorosos. De que
forma? A fome causa um desconforto que leva o bebê a buscar sanar este des-
prazer e, ao mesmo tempo, buscar o prazer. Este movimento é libidinal, ou seja,
movido pela necessidade de satisfação sexual que, nesse contexto, significa a
tendência à homeostase. Essa é uma das vertentes assinaladas por Freud, que

54 • capítulo 3
também destaca os registros de prazer que são gerados a partir do aconchego
relacionado à amamentação, registros estes que são buscados nos encontros
subsequentes do lactente com a mãe. Entretanto, o que Bowlby propõe é uma
teoria em que apenas essa sensação de aconchego se sobressai como base do
vínculo amoroso que se desenvolve entre o bebê e a mãe. Esta é a Teoria do
Apego, que ficou conhecida como uma das principais contribuições do autor
para a compreensão do desenvolvimento infantil.

3.2.1  A teoria do apego

Bowlby descreveu o processo de funcionamento interno e de desenvolvimento


com base no modelo de apego. A criança constrói um modelo representacional
interno de si mesma, dependendo de como foi cuidada. Esse modelo internali-
zado permite à criança, quando o sentimento é de segurança em relação àquele
que cuida, acreditar em si própria, tornar-se independente e se aventurar a ex-
plorar a liberdade. Nesse sentido, cada indivíduo forma um modelo interno a
partir das primeiras experiências com as “figuras de apego” (BOWLBY, 1984,
49). Essa imagem interna, instaurada a partir dos cuidadores primários, é con-
siderada a base para todos os relacionamentos íntimos futuros. Sua influência
aparece já nas primeiras interações com outras pessoas na própria infância. Es-
sas representações – que formam a imagem interna – têm sua origem cedo no
desenvolvimento e continuam em uma lenta evolução, sob o domínio sutil das
experiências relacionadas ao apego na infância. “A partir daí, constroem-se os
padrões de apego e de vinculação que o indivíduo apresentará em suas intera-
ções interpessoais significativas” (BOWLBY, 1990, 71).
Sabemos que o desenvolvimento é considerado como um fenômeno multi-
determinado, que sofre a ação de diversas variáveis, como o contexto social no
qual o sujeito se encontra inserido. Entretanto, a teoria do apego se faz impor-
tante para a psicologia do desenvolvimento na atualidade por oferecer elemen-
tos conceituais básicos que permitem pensar os vínculos afetivos do sujeito ao
longo do ciclo de vida. Os postulados de Bowlby assinalam a qualidade da rela-
ção mãe-bebê como fundamental para o desenvolvimento saudável, uma vez
que a confiança em si mesmo é um reflexo da confiança nas figuras de apego.
Logo, temos em Bowlby um alicerce teórico para a valorização das primeiras
interações e para a qualidade desta relação.

capítulo 3 • 55
3.3  Donald Winnicott

Nascido em 1896, na Inglaterra, Donald W. Winnicott formou-se pediatra em


1920 e atuou durante 40 anos em um hospital infantil londrino. Ele foi acei-
to como iniciante na Sociedade Britânica de Psicanálise em 1927 e, durante a
Segunda Guerra Mundial, atendeu crianças que haviam sido retiradas de Lon-
dres e separadas de suas famílias. Essa experiência teve grande importância em
seu estudo sobre o desenvolvimento humano e o papel da mãe na constituição
básica dos indivíduos. Qualificado como analista de crianças em 1935, o trata-
mento de Winnicott junto a crianças com transtornos mentais – e também das
suas mães – forneceu a experiência com a qual ele construiria a maioria das
suas originais teorias.
Para Winnicott, o fundamental para o crescimento de uma pessoa saudável
está concentrado na relação mãe-bebê. Essa fase, correspondente à fase oral de
Freud, será definitiva para o desenvolvimento do self saudável ou não. É impor-
tante ressaltar que a relação com o meio externo exerce papel fundamental na
teoria de Winnicott, em lugar da força pulsional que marca a teoria de Freud e
foi tão valorizada por Melanie Klein.

3.3.1  A mãe suficientemente boa e a importância do holding

A ideia de mãe suficientemente boa significa, em linhas gerais, um ambiente


satisfatório, adequado às necessidades do bebê. De acordo com Winnicott, a
mulher às vésperas de ter um filho encontra-se no ápice de um processo de mu-
danças fisiológicas e psicológicas que a sensibilizam para a função que irá exer-
cer. Se não houver distorções nesse processo de transformações, a mãe sabe-
rá prover satisfatoriamente as necessidades de seu filho, e o desenvolvimento
saudável, para o qual o bebê traz potencial, transcorrerá naturalmente. Assim,
“pode-se dizer que um ambiente satisfatório é aquele que facilita as várias ten-
dências individuais herdadas, de tal forma que o desenvolvimento ocorre de
acordo com elas” (Winnicott, 1996:18).
A atenção dispensada por Winnicott à importância dos cuidados maternos
faz parte de sua concepção acerca da fragilidade egoica do lactente. Apesar de
Winnicott considerar que o bebê nasce provido de uma tendência para um bom
desenvolvimento, ele não deixa de assinalar que o ser humano nasce como um
conjunto desorganizado de pulsões, instintos, capacidades perceptivas e motoras,

56 • capítulo 3
constituindo, assim, um ego frágil que necessita ser apoiado para transformar-se
em uma unidade capaz de diferenciar o “eu” do “não eu”. Winnicott observa, in-
clusive, que não é apropriada a utilização do termo “eu”, ou “self”, para designar
a construção psíquica do bebê em seu início de vida. A noção de self, para o autor,
implica a aquisição de uma imagem unificada de si mesmo e do mundo externo. Se
fizermos um paralelo com Freud, o início de vida é a fase de autoerotismo, pulsões
dispersas, e o self, para se constituir, teria de passar pelo narcisismo primário.
Cabe à maternagem essa tarefa de viabilizar a integração do self. Nos pri-
mórdios do desenvolvimento infantil, quando o bebê ainda não é capaz de ex-
pressar insatisfações e necessidades com clareza, a mãe deve provê-lo no que
ele precisa. Assim, a mãe, através da identificação estabelecida com seu filho
desde que o carregava no útero, funciona como um ego auxiliar, que, acoplado
ao ego frágil do bebê, constitui uma só unidade. Ela deverá manter-se como ego
auxiliar até que a criança consiga desenvolver suas capacidades de síntese. A
essa postura materna, Winnicott referiu-se também através do termo holding,
para o qual a tradução mais adequada nos parece ser a palavra “suporte”. Sob
a noção de holding, Winnicott reuniu todo o conjunto de preocupações e cui-
dados com o bebê, inclusive o próprio ato de segurar a criança nos braços. O
suporte oferecido pela mãe nessa fase tão fundamental é imprescindível para
definir os futuros passos da criança em desenvolvimento.
Entretanto, a experiência clínica revela a Winnicott que nem sempre o am-
biente é capaz de fornecer ao bebê as condições necessárias para a construção
adequada do self. Foi principalmente por ter observado as consequências de
um holding insuficiente ou traumático que Winnicott convenceu-se do valor de
uma interação adequada com o meio para o desenvolvimento saudável.

3.3.2  Verdadeiro self e o falso self

Antes de compreendermos a diferença entre o self verdadeiro e o falso self, é im-


portante entender, de forma sucinta, a diferença entre self e ego. O ego tem sua
origem associada à necessidade de um sistema de proteção. Sua função princi-
pal é possibilitar uma harmonia entre os processos de maturação fisiológica e
sua tradução psíquica. Essa harmonização é indispensável à continuidade da
existência, que o bebê precisa experimentar para desenvolver o verdadeiro self.
Nessa perspectiva, o termo self designa a singularidade, o conjunto de qualida-
des que representa cada sujeito para si mesmo, mas representa, antes de tudo, a

capítulo 3 • 57
capacidade de sentir sua própria existência. Assim, segundo Winnicott, “o ego se
oferece ao estudo bem antes de a palavra self poder se aplicar” (Winnicott, 1983:
55). O ego tem função de integração, o que viabiliza o desenvolvimento do self,
enquanto o self representa a “íntima-intimidade” de cada sujeito. No caso de um
ambiente de privação, em vez de viabilizar a construção do self, o ego vai lançar
mão de mecanismos de defesa (tema desenvolvido por Freud), que configuram
uma reação de proteção, demonstrando a percepção de um ambiente hostil.
Segundo Winnicott, se o cuidado materno não é suficientemente bom, en-
tão “o lactente realmente não vem a existir, uma vez que não há continuidade
do ser; ao invés a personalidade começa a se constituir baseada em reações a
irritações do meio” (Winnicott, 1990: 53). Reagir a situações ameaçadoras não
é desejável na fase precoce da vida infantil, porque, em primeiro lugar, faz com
que o self se desenvolva a partir de experiências de conflito e frustração, e não
com base em vivências gratificantes. Além disso, a reação às falhas ambien-
tais corta a continuidade existencial. Se isso acontece de forma recorrente, a
criança vai contar com um crescimento psíquico baseado num padrão de frag-
mentação da continuidade do ser, o que faz com que ela tenha “uma tarefa de
desenvolvimento que fica, desde o início, sobrecarregado no sentido da psico-
patologia” ( Winnicott, 1990: 59).
Assim, se o bebê não conta com um ambiente facilitador, seu self não pode-
rá ser decorrência do desenrolar natural de seus potenciais herdados. Ao con-
trário, nessa situação, a criança tenta “fabricar” a proteção que se faz ausente,
construindo uma falsa base para o ser.

Constituído em uma época em que o sujeito ainda não pode odiar, o self falsifica-
do testemunha distorções ocasionadas pelas intrusões do ambiente no espaço do
verdadeiro self. Estas intrusões indicam que a mãe (aqui confundida com o ambiente)
não foi suficientemente boa, ou seja, capaz de realizar a função de ego auxiliar para o
recém-nascido. O self falsificado tentará compensar as carências da mãe-ego. E por
ter sua origem no aspecto ‘maternagem’ da associação mãe-recém-nascido, e não do
indivíduo, ele é falso (O’Dwyer de Macedo, 1999: 109).

É importante destacar, da citação acima, a observação de que o falso self de-


senvolve-se a partir da necessidade de defender-se de um ambiente que não fa-
cilita a afirmação do verdadeiro self. Assim, as fantasias defensivas que moldam
o falso self são sempre reações à interação com o ambiente, que, nesse caso,
não é suficientemente bom. Um ambiente que não viabiliza o desenvolvimento

58 • capítulo 3
do verdadeiro self deve ser considerado um ambiente invasor, pois, mesmo que
sua falha seja a ausência de cuidados adequados, as exigências pulsionais in-
ternas que se acumularão exercerão um papel traumático e serão experimenta-
das pelo bebê como falhas do mundo externo, que impedem sua continuidade.
Em contrapartida, se a relação do lactente com o meio externo é satisfatória,
se o meio provê todas as necessidades da criança, variando o grau da adapta-
ção de acordo com cada etapa do crescimento infantil, o que vai se estabelecer
como padrão de desenvolvimento para essa criança é o sentido de existir, de
ser. Essa percepção da própria existência como uma continuidade pacífica evo-
lui para a unidade verdadeira do self, possibilitando um tipo de relação com o
mundo externo baseada em confiabilidade e segurança, e não em posiciona-
mentos defensivos.
Usando os termos de Winnicott, quando tudo transcorre positivamente na
interação mãe-bebê, a primeira fase das relações objetais é vivida sem descon-
tinuidades significativas e sem relação de oposição entre sujeito e objeto. Dessa
forma, o bebê é um com o seio, e não tem que fazer nada para conseguir isso. O
funcionamento lógico dessa relação é, como descreve Winnicott, “muito mais
o caso de ‘estenda a mão, e ele estará lá para você usá-lo, gastá-lo’, do que ‘peça
e lhe será dado’ “ (Winnicott, 1996: 39).
Assim, a mãe suficientemente boa deve, entre outras coisas, viabilizar a uni-
dade do bebê com o seio, caso contrário o bebê tem de se desenvolver sem a ca-
pacidade de ser ou com uma capacidade mutilada de ser. Mais ainda, se o bebê
não pode lançar mão, sempre que deseja, daquele objeto que deveria estar à sua
disposição, ele começa a reagir a esse desconforto e a tentar fazer com que o seio
esteja presente. Essa segunda alternativa Winnicott considera negativa para o
desenvolvimento, já que o Ser tem de se constituir antes do Fazer. Segundo as
observações do autor, a movimentação ativa, o fazer, deve ser gerado a partir do
ser, e não se constituir como um “fazer-reativo”. Assim, o bebê, “precisa crescer
em complexidade e tornar-se um ‘existente’ estabelecido, para que possa experi-
mentar a procura e o encontro de um objeto” (Winnicott, 1996: 33).
Já assinalamos que o ser deve se constituir antes do fazer, e que o desenvol-
vimento do self é possibilitado pela integração do ego, que inicia a unificação
dos núcleos do ego, permitindo um sentimento primitivo de existência. Essa
organização egoica rudimentar se faz acompanhar pelo desenvolvimento da
atividade criativa, que é essencial na afirmação do self verdadeiro. Para que se
dê o crescimento afetivo e intelectual do lactente, é necessário que ele possa

capítulo 3 • 59
sentir, ao relacionar-se com o seio, que este objeto é criado por ele. É muito
importante do ponto de vista teórico que o bebê crie este objeto “e o que a mãe
faz é colocar o mamilo exatamente ali e no momento certo para que seja o seu
mamilo que o bebê venha a criar”. (Winnicott, 1990: 122-123)
Essa criatividade primária, para Winnicott, é correlata à possibilidade de
ser, fornecida pelos cuidados maternos. O fazer-criativo, proporcionado pela
experiência de continuidade do ser, é o oposto do fazer-reativo, que é associa-
do ao falso self. A criatividade, assim, representa a possibilidade de interagir
ativamente com o mundo, tendo como base o sentimento de existência, que
funciona como o alicerce adequado a partir do qual operar.

A criatividade é, portanto, a manutenção através da vida de algo que pertence à


experiência infantil: a capacidade de criar o mundo. Para o bebê isso não é difícil; se a
mãe for capaz de se adaptar às necessidades do bebê, ele não vai perceber o fato de
que o mundo já estava antes que ele tivesse sido concebido ou concebesse o mundo
(Winnicott, 1996:49).

A atividade de criar o mundo é, ao mesmo tempo, uma experiência de ilusão


e uma experiência de onipotência. Esta onipotência é estruturante para o bebê
e diz respeito a uma fase fundamental do desenvolvimento, na qual não há dife-
rença entre o seio como criação psíquica do sujeito e o seio como objeto real co-
locado à disposição pelo ambiente. Assim, a mãe suficientemente boa permite
à criança ter a ilusão de que o seio lhe pertence, que é criação sua. Este estágio
ilusório, no qual a criança se relaciona com um mundo controlado por ela, pre-
para-a para lidar, futuramente, com as imposições do princípio de realidade.
Winnicott refere-se ao princípio de realidade literalmente como uma
“afronta” (Winnicott, 1996:32). Dessa forma, é só a partir de um processo de de-
senvolvimento complexo que a criança pode lidar com as vicissitudes do mun-
do real. Caso tenham sido fornecidas as condições ambientais satisfatórias, ela
encontra meios de absorver as “afrontas” sem que estas atuem como traumáti-
cas, provocando uma reação defensiva. O acesso à realidade, assim, não vai ser
vivenciado como uma interrupção abrupta da ligação original mãe-bebê, mas
será uma aquisição gradativa, que será induzida sutilmente pela mãe.

60 • capítulo 3
Vale a pena, ainda, ressaltar que Winnicott descreve a capacidade de criar o
mundo como uma atividade simples e natural para a qual o lactente traz uma
potencialidade intrínseca e que será tranquilamente desenvolvida uma vez que
a mãe desempenhe adequadamente sua função. O processo se dá da seguinte
forma: diante do desconforto trazido pela fome, o bebê está prestes a conceber
alguma coisa; está pronto a criar uma fonte de satisfação a partir da necessida-
de. Se nesse momento a mãe coloca o seio ali onde o bebê está à espera de algo,
e a experiência é satisfatória, então esse bebê percebe o que está acontecendo
como criação sua, pois sente ter encontrado exatamente o que necessitava.6 O
bebê, então, cria o seio e experimenta uma unidade com ele, cultivando a oni-
potência necessária para sua sustentação nessa fase. Winnicott assinala que,

A partir disso, desenvolve-se uma crença de que o mundo pode conter o que é
desejado e necessitado, com o resultado de que o bebê possui esperança de que há
uma relação viva entre a realidade interna e a realidade externa, entre a criatividade
primitiva inata e o mundo em geral que é compartilhado por todos (Winnicott: 59).

Assim, notamos que, através da valorização da ilusão e do sentimento de


onipotência no lactente, Winnicott nos fala da confiabilidade no mundo ex-
terno, que é fundamental para que a criança possa desenvolver-se sadiamente
e posicionar-se de forma criativa, de acordo com seu verdadeiro self. Adquirir
confiança no meio externo advém do sentimento de continuidade, depende da
presença constante da mãe. É porque sente que o seio está ao seu alcance, o que
se inscreve depois de repetidas investidas bem-sucedidas, que a criança passa a
poder suportar a sua ausência sem que isso comprometa a sua existência.

3.3.3  A importância do objeto transicional

Já assinalamos que o ser deve se constituir antes do fazer, e que o desenvolvi-


mento do self é possibilitado pela integração do ego, que inicia a unificação dos
núcleos do ego, permitindo um sentimento primitivo de existência. Essa orga-
nização egoica rudimentar se faz acompanhar pelo desenvolvimento da ativi-
6  É importante reafirmar que esta aptidão natural para a atividade criadora só se manifestará se o bebê alcançar
a primeira integração egoica, que também é propiciada pelas condições favoráveis do ambiente. A primeira
identificação com as funções maternas é considerada, assim como no caso da criatividade, uma tendência inata do
recém-nascido, que se desenvolverá desde que o meio externo não prejudique este processo.

capítulo 3 • 61
dade criativa, que é essencial na afirmação do self verdadeiro. Para que se dê o
crescimento afetivo e intelectual do lactente, é necessário que ele possa sentir,
ao relacionar-se com o seio, que este objeto é criado por ele. A isso se chama
onipotência infantil, fase importante para a afirmação da criança no mundo.
Entretanto, para que o bebê se desenvolva e torne-se um adulto saudável, é
preciso, decerto, abandonar a primeira forma de relação com mundo, baseada
na onipotência, podendo compreender que a mãe também tem seus próprios
interesses, já que é uma pessoa separada dele. Esse caminho é facilitado pela
mãe também nesse momento de transição, se ela souber, com sensibilidade,
diminuir o grau de adaptação às necessidades do filho de acordo com o fortale-
cimento do self infantil, que o capacita para lidar com a realidade.
Mas a passagem do “mundo criado” para o “mundo real”, além de gradati-
va, deve ser auxiliada pelos objetos transicionais, que, para Winnicott, repre-
sentam uma fase intermediária do desenvolvimento, fundamentalmente ne-
cessária, em que a capacidade de simbolizar o mundo é exercitada. Ele utilizou
o termo “objeto subjetivo” para referir-se ao objeto criado a partir da relação
com o seio, contrastando-o com o objeto “objetivamente percebido”. O obje-
to transicional situa-se numa área intermediária entre essas duas realidades, à
qual Winnicott se refere da seguinte forma:

Entre o subjetivo e aquilo que é objetivamente percebido existe uma terra de ninguém,
que na infância e natural, e que é por nós esperada e aceita. O bebê não é desafiado
no início, não é obrigado a decidir, tem o direito de proclamar que algo que se encon-
tra na fronteira é ao mesmo tempo criado por ele e percebido ou aceito no mundo, o
mundo que existia antes da concepção do bebê (Winnicott, 1990: 127).

Esse processo remete à complexidade que envolve o papel da mãe suficiente-


mente boa. Ela deve providenciar o bem-estar de seu filho, mas, por outro lado,
ajudá-lo a desenvolver a aptidão para estar só. A invasão do espaço psíquico do
bebê é tão prejudicial quando o abandono. A independência da criança com
relação ao entorno é afirmada, aos poucos, quando há a confiança de que a mãe
estará presente se ela precisar. Em outras palavras, uma criança aprende a lidar
com a ausência da mãe, uma vez que acredita na regularidade de sua presença.

62 • capítulo 3
O objeto transicional ocupa justamente esse lugar, entre a ausência e a pre-
sença da mãe. Na medida em que a criança pode apoiar-se e sentir-se segura
na presença do objeto transicional – que pode ser um ursinho de pelúcia, um
cobertor etc. –, isso indica o fato de que ela está começando a poder prescindir
da presença ininterrupta da mãe. É o que Winnicott assinala quando chama a
atenção para a importância tanto do valor simbólico quanto do estatuto de rea-
lidade do objeto transicional. “O fato de ele não ser o seio (ou a mãe) é tão im-
portante quanto o fato de representar o seio (ou a mãe)” (Winnicott, 1975: 19).
A operação simbólica, através da qual a mãe é substituída pelo objeto tran-
sicional, abre para a criança o caminho para a aceitação da diferença e da simi-
laridade, assim como para o intercâmbio entre externo e interno. Trata-se, na
verdade, da aquisição de um novo padrão de relacionamento, no qual o meio
externo começa a tomar forma própria e a criança não é mais a única a ter os
desejos e necessidades levados em consideração. Não é o objeto, naturalmente,
que é transicional. “Ele representa a transição do bebê de um estado em que
está fundido com a mãe para um estado em que está em relação com ela como
algo externo e separado” (Winnicott, 1975: 30).
Winnicott assinala, porém, que, assim como não são todas as mães que con-
seguem fornecer o holding a seu filho recém-nascido, também não são todas
que podem auxiliá-lo nessa tarefa de crescimento, sabendo ausentar-se no mo-
mento propício. Se a adaptação às necessidades do lactente não acompanhar
sua evolução natural, diminuindo gradativamente, a criança não desenvolve a
capacidade de experimentar uma relação com a realidade externa ou mesmo de
formar uma concepção dessa realidade. Por isso, a mãe deve ser suficientemen-
te boa, mas não demasiadamente. Se a mãe puder exercer esse papel delicado,
seu filho deverá transformar-se num adulto saudável, o que não significa um
indivíduo sem conflitos e dificuldades em suas relações com os outros, mas
certamente alguém que saberá lidar com as exigências e as vicissitudes.

ATIVIDADES
01. Faça uma pesquisa e verifique como Freud chegou à teoria da sexualidade infantil.

02. Caracterize o Complexo de Édipo.

capítulo 3 • 63
03. Qual a importância do estudo da Teoria da Sexualidade infantil para a disciplina de Psi-
cologia do Desenvolvimento?

04. Como vai se desenvolvendo a personalidade segundo a teoria freudiana?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOWLBY, J. (1969) Apego e perda: Apego - A natureza do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, vol. 1,
1990
_____ (1973) Apego e perda: Separação. São Paulo: Martins Fontes, vol. 2, 1984
FREUD, S. (1905) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. ESB Vol. VII. Rio de Janeiro, Imago,
1989.
_____ (1916-1917) Conferência introdutória XX (A vida sexual dos seres humanos). ESB Vol. XVI. Rio
de Janeiro: Imago, 1989.
_____ (1923) O ego e o id. ESB Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1989.
_____ (1923) A organização genital infantil. ESB Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1989.
_____ (1924) A dissolução do complexo de Édipo. ESB Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1989.
LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J.B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
O’DWYER DE MACEDO, H. Do Amor ao Pensamento. São Paulo: Via Lettera, 1999.
TRILLAT, E. História da Histeria. São Paulo: Escuta, 1991.
WINNICOTT, D. (1971) O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
_____ (1979) O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
_____ (1986) Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

64 • capítulo 3
4
Desenvolvimento
cognitivo
4.  Desenvolvimento cognitivo
4.1  Introdução

O campo do desenvolvimento humano constitui-se do estudo científico de como


as pessoas mudam, bem como das características que permanecem razoavel-
mente estáveis durante toda a vida. O desenvolvimento humano tem ocorrido,
evidentemente, desde que os seres humanos existem, mas seu estudo científico
formal é relativamente novo. Desde o início do século XIX, quando Itard estudou
Victor, os esforços para compreender o desenvolvimento das crianças gradual-
mente se expandiram para estudos de todo o ciclo vital (Pappalia, 2006).
Sendo mais específico, de acordo com Barros (2008), o filósofo francês Jean-
Jacques Rousseau (1712-1778), considerado o “descobridor da criança”, foi o
verdadeiro iniciador dos estudos do desenvolvimento. Em 1762, foi publicado
seu célebre livro Emílio. Nesse romance, em vários volumes, Rousseau descre-
ve a infância e o desenvolvimento de uma criança imaginária, criada por um
sábio preceptor em contato com a natureza. Através de Emílio – o personagem
em questão –, Rousseau tenta uma descrição dos estágios pelos quais a crian-
ça vai passando, do nascimento à puberdade. Procura dessa maneira desco-
brir como a natureza leva uma criança a desenvolver-se “em suas faculdades e
seus órgãos”.
No prefácio deste romance pedagógico, Rousseau cogita, pela primeira vez,
da necessidade de “estudar a criança antes de querer educá-la”. São suas as pa-
lavras: “Começai por estudar vossos alunos, pois é bem certo que não os conhe-
ceis” (Barros, 2008).
A ideia de que o desenvolvimento continua depois da infância é relativamente
nova. A adolescência não era considerada um período separado de desenvolvi-
mento até o início do século XX, quando G. Stanley Hall (1904-1916), pioneiro
no estudo de crianças, publicou Adolescence (Adolescência), um livro popular,
mas não científico. Hall também foi um dos primeiros psicólogos a se interessar
pelo envelhecimento. Em 1922, aos 78 anos de idade, ele publicou “Senescence:
The Last Half of Life” (Senescência: A Última Metade da Vida). Seis anos depois,
a Universidade de Stanford inaugurou a primeira unidade de pesquisa científica
importante dedicada ao envelhecimento. Mas o estudo do envelhecimento teve
de esperar mais uma geração para florescer. Desde o final da década de 1930,
diversos estudos importantes de longa duração, discutidos na segunda metade

66 • capítulo 4
deste volume, como os de K. Warner Schaie, George Vaillant, Daniel Levinson e
Ravenna Helson, concentraram-se na inteligência e no desenvolvimento da per-
sonalidade na idade adulta e na velhice (Papalia, Olds & Feldman, 2006).
Ao longo da história dos estudos acerca do desenvolvimento humano, é pos-
sível encontrar maior incidência dos que se dedicam à criança e ao adolescente, e
ainda hoje muitos livros de Psicologia do Desenvolvimento focalizam essas etapas
da vida dos indivíduos (Cole & Cole, 2004). O estudo do desenvolvimento infantil é
considerado uma das mais antigas especialidades da Psicologia, em que se procu-
rava descrever e explicar o indivíduo desde o nascimento até a adolescência. Esse
interesse se inicia com a preocupação com os cuidados, os hábitos alimentares, o
sono e a educação das crianças – e com o próprio conceito de infância como um pe-
ríodo peculiar do desenvolvimento. Depois vemos os estudos da infância apresen-
tar uma conotação mais abstrata, como os que envolvem a linguagem, a ansiedade,
a motivação, o afeto e outros. (Piletti, Rossato & Rossato, 2014).
De acordo com Piletti, Rossato e Rossato (2014), no entanto, quando se volta
para o senso comum, para o conhecimento popular sobre o desenvolvimento
humano, versam-se ideias que implicam estágios universais que se sucedem
numa sequência estável, cumulativa, homogênea, irreversível, que, progressiva
e normativamente, “evolui” numa ordem crescente de complexidade rumo à
vida adulta. Isso implica que a infância (a menor e inacabada idade) seja deli-
mitada como uma transição a ser suplantada com a aquisição e o acúmulo de
experiências e de conhecimentos requeridos pelo adulto, já maduro, estável.
Os estudos do ciclo vital nos Estados Unidos, segundo Papalia, Olds e
Feldman (2006), surgiram a partir de programas destinados a acompanhar crian-
ças até a idade adulta. Os Estudos de Crianças Superdotadas da Universidade
de Stanford (iniciados em 1921 sob a direção de Lewis M. Terman) acompa-
nham o desenvolvimento de pessoas (hoje na velhice) que foram identificadas
como especialmente inteligentes na infância. Outros estudos importantes que
foram iniciados em torno de 1930 – o Estudo do Instituto de Pesquisa Fels, os
Estudos de Crescimento e Orientação de Berkeley e o Estudo de Crescimento
(Adolescente) de Oakland – forneceram muitas informações sobre o desenvol-
vimento em longo prazo.
De acordo com a mesma autora, à medida que estes estudos se estendiam
à vida adulta, os cientistas do desenvolvimento começaram a se concentrar em
como determinadas experiências, vinculadas a tempo e lugar, influenciam o
rumo da vida das pessoas. A amostra de Terman, por exemplo, chegou à idade

capítulo 4 • 67
adulta em 1930, durante a Grande Depressão; a amostra de Oakland, durante a
Segunda Guerra Mundial; e a amostra de Berkeley, em torno de 1950, no boom
do pós-guerra. O que significava ser uma criança em cada um desses períodos?
Ser um adolescente? Tornar-se um adulto? As respostas diferem em aspec-
tos importantes.
Atualmente, segundo Barros (2008), a Psicologia do Desenvolvimento pro-
cura descrever, tão completa e exatamente quanto possível, as funções psico-
lógicas das crianças (por exemplo: suas reações intelectuais, sociais e emocio-
nais), em diferentes idades e descobrir como tais funções mudam com a idade.
O que podemos considerar a respeito é que a Psicologia do Desenvolvimento
busca delimitar o surgimento dos comportamentos nas crianças, consideran-
do o momento da vida em que aparece, a maneira como é expresso e suas carac-
terísticas mais marcantes.
Hoje já há normas de desenvolvimento estabelecidas para vários comporta-
mentos, por exemplo: tabelas de desenvolvimento motor (que indicam quando
uma criança consegue levantar o queixo, sentar-se, engatinhar, andar, pular
num só pé etc.); de desenvolvimento da linguagem (pelas quais sabemos de
quantas palavras, aproximadamente, é composto o vocabulário de uma criança
aos 18 meses, com 1 ano, 2 anos etc.). Há também descrições bem claras do
desenvolvimento cognitivo, sexual, moral etc. (Barros, 2008).
Entretanto, ao contrário do que possa parecer, os estudos sobre o desenvol-
vimento, à luz da psicologia, abarcam a ideia que reforça que toda a vida do ser
humano precisa ser estudada.
Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006), essa preocupação com o desen-
volvimento em toda a vida do ser humano se chama desenvolvimento do ciclo
vital. Paul B. Baltes (1987; Baltes, Lindenberger e Staudinger, 1998), líder no es-
tudo da psicologia desse desenvolvimento, identifica os princípios fundamen-
tais de uma abordagem do desenvolvimento no ciclo vital, os quais servem de
estrutura para o seu estudo. São eles:
•  O desenvolvimento é vitalício. Cada período de vida é influenciado pelo
que aconteceu antes e irá afetar o que está por vir. Cada período tem suas pró-
prias características e um valor sem igual; nenhum é mais ou menos importan-
te do que qualquer outro.
•  O desenvolvimento depende de história e contexto. Cada pessoa desen-
volve-se dentro de um conjunto específico de circunstâncias ou condições defi-
nidas por tempo e lugar. Os seres humanos influenciam seu contexto histórico

68 • capítulo 4
e social e são influenciados por eles. Eles não apenas respondem a seus am-
bientes físicos e sociais, mas também interagem com eles e os mudam.
•  O desenvolvimento é multidimensional e multidirecional. O desenvolvi-
mento durante toda a vida envolve um equilíbrio entre crescimento e declínio.
Quando as pessoas ganham em um aspecto, podem perder em outro, e em ta-
xas variáveis. As crianças crescem sobretudo em uma direção – para cima –, tan-
to em tamanho como em habilidades. Na idade adulta, o equilíbrio muda gra-
dualmente. Algumas capacidades, como vocabulário, continuam aumentando;
outras, como a capacidade de resolver problemas desconhecidos, podem dimi-
nuir; alguns novos atributos, como perícia, podem aparecer. As pessoas pro-
curam maximizar ganhos e minimizar perdas aprendendo a administrá-las ou
compensá-las.
•  O desenvolvimento é flexível ou plástico. Plasticidade significa capaci-
dade de modificação do desempenho. Muitas capacidades, como memória,
força e persistência, podem ser significativamente aperfeiçoadas com treina-
mento e prática, mesmo em idade avançada. Entretanto, como aprendeu Itard,
nem mesmo as crianças são infinitamente flexíveis; o potencial para mudança
tem limites.

Outro ponto a ser destacado em relação à Psicologia do Desenvolvimento


tem relação com os métodos utilizados neste campo do conhecimento.
De acordo com Barros (2008), para atingir seus objetivos, a Psicologia do
Desenvolvimento tem usado, além dos métodos de observação e experimenta-
ção comuns a outras áreas da Psicologia, seus métodos básicos: o longitudinal
e o transversal:

São efetuados durante um longo período de tempo, empre-


gando sempre os mesmos sujeitos. Para o estudo do desen-
volvimento do raciocínio, por exemplo, as mesmas crianças
LONGITUDINAL seriam submetidas a testes adequados, semestralmente,
desde 4 até 10 anos. A observação dos resultados destes
testes permitiria ao pesquisador conhecer o desenvolvimen-
to da capacidade de raciocínio.

capítulo 4 • 69
São efetuados em tempo muito menor, empregando su-
jeitos de diferentes idades. Por exemplo: para a finalidade
– estudar o desenvolvimento do raciocínio –, crianças de
TRANSVERSAL idades variando de 4 a 10 anos seriam submetidas a testes
adequados a cada faixa etária. A observação dos resultados
desses testes também levaria o pesquisador a conhecer o
desenvolvimento da capacidade de raciocínio.

Até o momento, já fizemos um breve resumo histórico da Psicologia do


Desenvolvimento, assim como listamos o seu objetivo e os seus principais mé-
todos de estudo. Antes de entrarmos nos autores propriamente ditos, trabalha-
remos ainda alguns fatores que influenciam este campo do saber. O que pode-
mos falar, de antemão, a respeito destes fatores é que existem fatores internos
e externos ao sujeito, além de questões que abordam as diferenças individuais
e os pontos em comum da espécie.
Neste sentido, Papalia, Olds e Feldman (2006) explicam que algumas in-
fluências sobre o desenvolvimento originam-se com a hereditariedade: a do-
tação genética inata dos pais biológicos de uma pessoa. Outras provêm do am-
biente externo: o mundo fora da pessoa, que se inicia no útero. As diferenças
individuais aumentam à medida que as pessoas envelhecem. Muitas mudan-
ças típicas da primeira e segunda infâncias parecem vinculadas à maturação do
corpo e do cérebro – o desdobramento de uma sequência natural geneticamen-
te influenciada de mudanças físicas e padrões de comportamento, incluindo a
prontidão para adquirir novas habilidades, como caminhar e falar. À medida
que as crianças transformam-se em adolescentes e depois em adultos, as di-
ferenças nas características inatas e na experiência de vida desempenham um
papel mais importante.
Portanto, ao tentar compreender as semelhanças e as diferenças no desen-
volvimento, precisamos observar as características herdadas que dão a cada
pessoa um começo especial na vida. Precisamos também considerar os mui-
tos fatores ambientais que influenciam as pessoas, especialmente os contex-
tos mais importantes da família, do bairro, da condição socioeconômica, da
etnicidade e da cultura. Precisamos observar as influências que afetam muitas
ou a maioria das pessoas em uma determinada idade ou em uma determina-
da época na história, além daquelas que afetam somente certos indivíduos.

70 • capítulo 4
Finalmente, precisamos observar como o tempo de ocorrência pode afetar o
impacto de algumas influências (Papalia, Olds e Feldman, 2006).
Com todos esses aspectos bem definidos, abordaremos três teóricos muito
importantes para a Psicologia do Desenvolvimento. Estes estudiosos se cha-
mam: Jean Piaget, Lev Semenovitch Vygotsky e Albert Bandura.

4.2  Jean Piaget


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Jean Piaget

Para que possamos entender de maneira mais ampla a teoria de Jean Piaget,
vamos, de maneira resumida, passar sua história pelo olhar de Cória-Sabini
(2010), para que possamos compreender seu contexto histórico e que influen-
ciou na criação de sua teoria:
Jean Piaget (1896-1980) nasceu em Neuchatel, na Suíça. Apresentou interes-
se pelos estudos da natureza e pelas ciências; foi biólogo de formação, doutor
em ciências, mas dedicou-se a estudar, na Psicologia, as questões epistemo-
lógicas. Em seus estudos, defendeu uma linha teórica representada pelo inte-
racionismo, privilegiando as experiências do indivíduo e os seus processos de
pensamento. Assim, para Piaget, o conhecimento seria o resultado de constru-
ções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas e, desse modo,
não proviria unicamente da experiência com os objetos ou mesmo de uma con-
dição inata pré-formada no indivíduo.

capítulo 4 • 71
Piaget interessava-se em estudar a Epistemologia (estudo do conhecimen-
to) e acreditava que a Psicologia poderia concretizar-se como a ponte neces-
sária entre a Biologia e a Epistemologia. O seu trabalho tem influências de
concepções provenientes da Biologia, da Lógica e da Epistemologia (Biaggio,
2011). Assim, podemos pensar num modelo biológico de desenvolvimento, na
busca pela gênese do desenvolvimento intelectual. Piaget dedicou-se, no perío-
do de 1920 a 1950, ao estudo experimental com crianças, na busca por com-
preender a evolução da inteligência humana. O teórico não apresenta, pelo me-
nos inicialmente, seu foco de interesse na aprendizagem da criança, e sim em
como organiza o conhecimento do mundo real, e para isso a estuda. Para tanto,
Piaget opta pela interrogação clínica e pelo método experimental, faz inúmeras
observações e testagens através de minuciosa observação de crianças, incluin-
do nesse rol seus próprios filhos.
Após lecionar em diversas universidades da Europa e dirigir o Centro
Internacional para Epistemologia Genética, Piaget faleceu no dia 16 de setem-
bro de 1980, aos 84 anos, em Genebra.

4.2.1  Teoria de Jean Piaget

Por mais de quarenta anos ele realizou pesquisas com crianças, visando não so-
mente a conhecer melhor a infância para aperfeiçoar os métodos educacionais,
mas também a compreender o homem. Usando observação direta, sistemática
e cuidadosa de crianças (incluindo os seus três filhos), Piaget chegou a uma
teoria que revolucionou nossa compreensão do desenvolvimento intelectual.
Essa teoria explica o desenvolvimento mental do ser humano no campo do pen-
samento, da linguagem e da afetividade (Barros, 2008).
Segundo o mesmo autor, Piaget propôs, antes de qualquer coisa, que o de-
senvolvimento cognitivo se realiza em estágios. Isso significa que a natureza
e a caracterização da inteligência mudam significativamente com o passar do
tempo. Em linhas gerais, Piaget esquematiza o desenvolvimento intelectual
nos seguintes estágios:
•  Sensório-motor (0 a 2 anos);
•  Pré-operacional (2 a 6 anos);
•  Operações concretas (7 a 11);
•  Operações formais (12 anos em diante);

72 • capítulo 4
Cabe ressaltar que essas idades atribuídas às fases não são rígidas, servindo
apenas como parâmetro geral de comparação.

4.2.2  O período sensório-motor

Como jovem estudante em Paris, Piaget tentou padronizar os testes que Binet e
Simon tinham desenvolvido para avaliar a inteligência das crianças francesas.
Piaget ficou intrigado com as respostas erradas das crianças, vendo-as como
pistas para o que é especial e importante nos processos de pensamento das
crianças. Para examinar esses processos, Piaget observou seus próprios filhos
e outras crianças desde a primeira infância. O modo de pensar das crianças,
concluiu, é qualitativamente diferente (é de uma espécie diferente) do modo
de pensar adulto. Enquanto os psicometristas medem diferenças individuais
na quantidade de inteligência que crianças (ou adultos) têm, Piaget observou
o modo como o pensamento das crianças desenvolvia-se durante a infância e
a adolescência e propôs sequências universais de desenvolvimento cognitivo
(Papalia, Olds e Feldman, 2006).
O primeiro dos quatro estágios de desenvolvimento cognitivo é o estágio
sensório-motor. Durante esse estágio (do nascimento até aproximadamente
os 2 anos), dizia Piaget, os bebês aprendem sobre si mesmos e sobre seu am-
biente – como Doddy Darwin parecia fazer – através do desenvolvimento de sua
atividade sensorial e motora. De seres que reagem basicamente por reflexos e
comportamento randômico, os bebês transformam-se em crianças orientadas
a metas (Papalia, Olds e Feldman, 2006).
Piaget enfatiza a importância do ambiente como essencial ao desenvolvi-
mento. Podemos atribuir à sua influência o reconhecimento, por parte dos psi-
cólogos, da importância de que o bebê, desde os primeiros dias de vida, receba
estimulação visual, auditiva, tátil, tenha uma variedade de objetos para mani-
pular, de possibilidades para se movimentar etc. Isto resulta, na prática, em
atitudes em relação à maneira de lidar com os bebês, da qual o uso de móbiles
no quarto é um exemplo. Psicólogos e pediatras esclarecidos não mais reco-
mendam que o bebê fique num quarto em penumbra, quieto, sem estimulação.
São recomendados brinquedos especiais para sacudir, para chupar, chocalhar
etc (Barros, 2008).
Ainda de acordo com Barros (2008), no primeiro mês de vida, a criança exer-
ce os reflexos presentes no nascimento (sucção, movimentos dos membros,

capítulo 4 • 73
dos olhos e etc.), depois já passa a coordenar reflexos e reações. Os movimen-
tos das mãos passam a coordenar-se com os movimentos dos olhos: olha para
aquilo que ouve, tenta alcançar objetos, agarra-os, chupa-os.
Em seguida, os bebês já elaboraram os poucos esquemas com os quais nas-
ceram. Aprenderam a generalizar a partir das experiências passadas para re-
solver novos problemas e distinguir meios de fins. Engatinham para conseguir
algo que querem pegar ou afastam algo que os atrapalhe (como a mão de al-
guém). Eles experimentam, modificam e coordenam esquemas anteriores para
encontrar um que funcione. Esse estágio, portanto, marca o início do compor-
tamento intencional (Papalia, Olds e Feldman, 2006).
Por fim, chegando perto dos dois anos de idade, as crianças agem na bus-
ca de reações esperadas, ao contrário de outros momentos anteriores, que as
ações são apenas reflexos ou movimentos acidentais. Quando estes proces-
sos se estabelecem, segundo Piaget, as crianças entram num estágio de tran-
sição para a fase seguinte (pré-operacional), em que, segundo Papalia, Olds e
Feldman (2006), desenvolvem a capacidade representacional, isto é, a capaci-
dade de representar mentalmente objetos e ações na memória, principalmente
através de símbolos, como palavras, números e imagens mentais.
De uma forma resumida, pelas palavras de Piletti, Rossato e Rossato (2014),
em relação gênese, ela parte de uma estrutura e chega a outra que é preparada
por estruturas mais elementares ou parciais que apresentam características di-
ferentes da estrutura total e que se sintetizarão numa estrutura final. Assim, as
primeiras estruturas surgem com o nascimento, no nível sensório-motor, em
que há predominância do biológico. Toda estrutura tem uma gênese por ser
construída pouco a pouco. Ha a transmissão hereditária de estruturas físicas,
como o sistema nervoso central, as reações comportamentais automáticas, re-
flexas. Em suma, gênese e estrutura são indissociáveis em sua constituição, e
as alterações que ocorrem em uma estrutura levam a mudanças nos estágios do
desenvolvimento cognitivo: “[...] podemos verificar a formação de estruturas e
sua completude, na qual diferentes estruturas podem suceder umas as outras
ou integrar-se segundo combinações múltiplas" (Leite, 2010: 252) No caso da
inteligência, Piaget dedica-se a revelar o aspecto evolutivo dela, no sentido de
como a criança gradualmente alcança estruturas cognitivas cada vez mais efi-
cientes, processo no qual constrói sua realidade adquirindo o conhecimento de
modo ativo (Biaggio, 2011).

74 • capítulo 4
4.2.3  O período pré-operacional

Jean Piaget chamou a segunda infância de estágio pré-operacional. Neste se-


gundo grande estágio de desenvolvimento cognitivo, que dura aproximada-
mente dos 2 aos 7 anos, as crianças gradualmente se tornam mais sofisticadas
em seu uso de pensamento simbólico, que surge ao final do estágio sensório-
motor. Contudo, segundo Piaget, elas não são capazes de pensar logicamente
antes do estágio de operações concretas na terceira infância (Papalia, Olds e
Feldman, 2006).
O principal progresso desse período (que vai dos 2 aos 6 anos), em relação
ao sensório-motor, é o desenvolvimento da capacidade simbólica. A criança
começa a usar símbolos mentais – imagens ou palavras – que representam ob-
jetos que não estão presentes. Nessa época há uma verdadeira explosão linguís-
tica. A criança, que aos 2 anos tinha vocabulário de aproximadamente 270 pala-
vras, por volta dos 3 já fala cerca de 1.000 palavras; provavelmente compreende
outras 2.000 ou 3.000 e já forma sentenças bastante complexas (Barros, 2008).
De acordo com Papalia, Olds e Feldman (2006), o mundo torna-se mais
organizado e previsível à medida que as crianças desenvolvem uma melhor
compreensão das identidades: a ideia de que as pessoas e muitas coisas são
basicamente as mesmas ainda que mudem de forma, tamanho ou aparência. A
emergência do autoconceito está subordinada a essa compreensão.
Outro ponto a ser destacado por Papalia, Olds e Feldman (2006) tem a ver com
o pensamento espacial. O desenvolvimento do pensamento representacional
permite às crianças fazer julgamentos mais precisos sobre as relações espaciais.
Aos 19 meses, as crianças compreendem que uma fotografia é uma representa-
ção de outra coisa (DeLoache, Pierroutsakos, Uttal, Rosengren e Gottlieb, 1998),
mas, até os 3 anos, têm problemas para entender as relações entre figuras, mapas
ou maquetes e os objetos ou os espaços que eles representam (DeLoache, Miller
e Pierroutsakos, 1998). Em um experimento, crianças de 2 anos e meio que fo-
ram informadas de que uma "máquina de encolher" havia encolhido uma sala
até ela adquirir o tamanho de um modelo em miniatura foram mais bem-suce-
didas para descobrir um brinquedo escondido na sala com base em sua posição
no modelo (e vice-versa) do que as crianças de mesma idade a quem se disse que
a "salinha" era exatamente igual ao "salão" (DeLoache, Mille e Rosengren, 1997).
Segundo a hipótese de “dupla representação”, o que torna a segunda tarefa mais
difícil é que ela exige que a criança represente mentalmente tanto o símbolo (a

capítulo 4 • 75
"salinha") como sua relação com o que ele representa (o "salão") ao mesmo tem-
po. Com a "máquina de encolher", as crianças não precisam realizar essa dupla
operação, pois são informadas de que a sala e o modelo são idênticos. Crianças
de 3 anos não parecem ter esse problema com modelos.
Além desses dados, segundo Barros (2008), Piaget notou várias característi-
cas do pensamento infantil nesta fase:
•  Egocentrismo – É definido como a incapacidade de se colocar no ponto de
vista de outrem. Na teoria de Piaget, egocentrismo não é um termo pejorativo,
é um modo característico de pensamento. De modo geral, as crianças (4 ou 5
anos) são incapazes de aceitar o ponto de vista de outra pessoa, quando dife-
rente do delas;
•  Centralização – Geralmente, a criança consegue perceber apenas um dos
aspectos de um objeto ou acontecimento. Ela não relaciona entre si os diferen-
tes aspectos ou dimensões de uma situação. Isto é, Piaget diz que a criança,
antes dos 7 anos, focaliza apenas uma dimensão do estímulo, centralizan-
do-se nela e sendo incapaz de levar em conta mais de uma dimensão ao mes-
mo tempo.
•  Animismo – A criança atribui vida aos objetos. Nesta fase, as crianças su-
põem que os objetos são vivos e capazes de sentir, que as pedras (e mesmo as
montanhas) crescem, que os animais entendem nossa fala e também podem
falar, e assim por diante.
•  Realismo nominal – É outro modo característico de a criança pequena
pensar. Ela pensa que o nome faz parte do objeto, que é uma propriedade do
objeto que ele representa. Acredita que o nome da lua está na lua, que sempre
chamou lua e que é impossível chamá-la de qualquer outro nome.
Alguns estudiosos notaram que a criança bilíngue parece adquirir bem an-
tes que as outras a distinção entre o objeto e a palavra que o designa, por ter
desde cedo a experiência de que um objeto chama-se de determinada forma em
uma língua, mas de outra forma em outra.
•  Classificação: Colocando diante de crianças pequenas, entre dois e qua-
tro anos, um grupo de formas geométricas de plástico, de várias cores, e pedin-
do-lhes que “coloquem juntas as coisas que se parecem”, elas não usam um cri-
tério definido para fazer a tarefa. Parece que agrupam as coisas ao acaso, pois
não têm concepção real de princípios abstratos que orientam a classificação.
Após os 5 anos de idade, porém, elas conseguem agrupar os objetos com base
no tamanho, na forma ou na cor.

76 • capítulo 4
4.2.4  O período operatório concreto

Nesse período, que se estende dos 7 aos 11 anos, as operações mentais da crian-
ça ocorrem em resposta a objetos e situações reais. A criança usa lógica e racio-
cínio de modo elementar, mas somente os aplica na manipulação de objetos
concretos. No entanto, a criança ainda não pensa em termos abstratos nem ra-
ciocina a respeito de proposições verbais ou hipotéticas. Assim, experimenta
dificuldades com os problemas verbais (Bamos, 2008).

4.2.5  O período operatório formal

Segundo Piaget, os adolescentes entram no nível mais elevado de desenvolvi-


mento cognitivo – as operações formais – quando desenvolvem a capacidade
para o pensamento abstrato. Esse desenvolvimento, geralmente em torno dos
11 anos, proporciona-lhes um modo novo e mais flexível de manipular as in-
formações. Não mais limitados ao aqui e agora, são capazes de compreender o
tempo histórico e o espaço extraterrestre. Podem utilizar símbolos para repre-
sentar outros símbolos (por exemplo, utilizar a letra X para representar um nú-
mero, como 15), e, assim, podem aprender álgebra e cálculo. Podem apreciar
melhor a metáfora e a alegoria e, assim, descobrir significados mais ricos na li-
teratura. São capazes de pensar em termos do que poderia ser, e não apenas do
que é. São capazes de imaginar possibilidades e de gerar e de testar hipóteses
(Papalia, Olds e Feldman, 2006).
O pensamento formal é, portanto, hipotético-dedutivo, isto é, capaz de de-
duzir as conclusões de puras hipóteses, e não somente através de observação
real. O adolescente pode considerar hipóteses que talvez sejam ou não verda-
deiras e examinar o que resultará se essas hipóteses forem verdadeiras. Ele
pode acompanhar a forma de um argumento, embora ignore seus conteúdos
concretos. É desta última característica que as operações formais recebem o
nome (Barros, 2008).
Além das fases citadas acima, a teoria de Piaget também considera o fato
de como a aprendizagem acontece, já que interfere diretamente no desenvolvi-
mento do ser humano. Segundo Cória-Sabini (2010), para Piaget, a inteligência
é uma estrutura biológica e, como as demais, tem a função de adaptar o orga-
nismo às exigências do meio. Essa adaptação se faz por meio de dois proces-
sos complementares:

capítulo 4 • 77
•  Assimilação: processo de incorporação dos desafios e informações do
meio aos esquemas mentais existentes.
•  Acomodação: processo de criação ou mudança de esquemas mentais em
consequência da necessidade de assimilar os desafios ou informações do meio.

Esses processos acontecem porque a criança se encontra em constante de-


sequilíbrio em relação a ela mesma e o objeto observado. Quando a assimilação
acontece, é porque a criança busca adequar o alvo visto a algum conceito que já te-
nha em sua mente. Ao perceber que este novo estímulo não se adapta exatamente
aos conceitos já existentes, a acomodação atua no sentido de adaptar os conceitos
às informações analisadas. Ao efetuar esse fluxo, a criança alcança o equilíbrio.
Por meio desses processos, a adaptação e o desenvolvimento da crian-
ça acontecem.

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4.3  Lev Vygotsky

Neste tópico falaremos sobre a vida –utili-


zando trechos de Oliveira (2010) – e a teoria
de Vygotsky, no intuito de desenvolvermos
um entendimento dos seus pensamentos
e das influências que pode ter recebido e
que permitiram a este autor ser capaz de
desenvolver esta linha de pensamento.
Lev Semenovich Vygotsky nasceu na
cidade de Orsha, próxima a Mensk, capital Lev Vigotsky
da Bielarus, país da hoje extinta União Soviética, em 17 de novembro de 1896.
Viveu, com sua família, grande parte de sua vida em Gomel, na mesma re-
gião de Bielarus. Era membro de uma família judia, sendo o segundo de oito
irmãos. Seu pai era chefe de departamento em um banco em Gomel e represen-
tante de uma companhia de seguros. Sua mãe era professora formada, mas não
exercia a profissão.
Sua família tinha uma situação econômica bastante confortável, moravam
num amplo apartamento e podiam oferecer oportunidades educacionais de
alta qualidade aos filhos. Segundo Semyon Dobkin, a família de Vygotsky era
“das mais cultas da cidade”. A casa tinha uma atmosfera intelectualizada, onde
pais e filhos debatiam sistematicamente sobre diversos assuntos. A biblioteca

78 • capítulo 4
do pai estava sempre disponível aos filhos e de seus amigos para o estudo indi-
vidual e as reuniões de grupo.
A maior parte de sua educação formal não foi realizada na escola, mas, sim,
em casa, por meio de tutores particulares. Apenas aos 15 anos ingressou num
colégio privado, onde frequentou os dois últimos anos do curso secundário,
formando-se em 1913. Ingressou, então, na Universidade de Moscou, fazendo o
curso de Direito e formando-se em 1917. Ao mesmo tempo em que seguia a sua
carreira universitária principal, frequentou cursos de História e Filosofia na
Universidade Popular de Shanyavskii. Embora não tenha recebido nenhum ti-
tulo acadêmico dessa universidade, ali aprofundou seus estudos em Psicologia,
Filosofia e Literatura, o que foi de grande valia em sua vida profissional pos-
terior. Anos mais tarde, devido ao seu interesse em trabalhar com problemas
neurológicos como forma de compreender o funcionamento psicológico do
homem, estudou também Medicina, parte em Moscou e parte em Kharkov.
Do mesmo modo que sua formação acadêmica, sua vida profissional foi mui-
to diversificada. Vygotsky trabalhou, também, na área chamada “Pedagogia”
(ciência da criança, que integra os aspectos biológicos, psicológicos e antro-
pológicos). Ele considerava esta disciplina como sendo a ciência básica do de-
senvolvimento humano, uma síntese das diferentes disciplinas que estudam
a criança.
Criou um laboratório de psicologia na escola de formação de professores
de Gomel e participou da criação do Instituto de Deficiências, em Moscou.
Paralelamente, em sua vida profissional propriamente dita, Vygotsky manti-
nha intensa vida intelectual, fazendo parte de vários grupos de estudos. Ao lon-
go de seus textos, Vygotsky recorre, frequentemente, a situações extraídas de
obras literárias.
Vygotsky casou-se em 1924 com Rosa Smekhova, com quem teve duas filhas.
Desde 1920 conviveu com a tuberculose, doença que o levaria à morte em 1934.

4.3.1  A teoria

O russo Lev S. Vygotsky (1896-1934) é considerado o principal representante da


chamada Psicologia histórico-cultural. Estudioso que, na empreitada por cons-
tituir uma “nova” Psicologia, buscar integralizar uma “nova” concepção de ho-
mem (questiona as concepções e determinismos biológicos e ambientalistas),
que se constitui dialeticamente em suas relações com o outro, mediadas pela

capítulo 4 • 79
cultura construída historicamente. Em seus estudos, empenhou-se em com-
preender a relação entre pensamento e linguagem, o processo de desenvolvi-
mento da criança e o papel da educação formal em sua promoção. Para tanto,
contou com a colaboração de importantes teóricos, como os pesquisadores
russos Alexis Leontiev (1903-1979) e Alexander Romanovich Luria (1902-1977)
(Piletti, Rossato & Rossato, 2014).
Para Vygotsky, o desenvolvimento mental é o processo de assimilação ou
“apropriação” da experiência acumulada pela humanidade no decurso da his-
tória social. No decurso da História, os homens, governados por leis sociais,
desenvolveram características mentais superiores. Milhares de anos de histó-
ria social produziram mais esse respeito do que milhares de anos de evolução
biológica. As conquistas do desenvolvimento social foram gradualmente acu-
muladas e transmitidas de geração em geração. Assim se consolidaram e se tor-
naram um patrimônio da humanidade (Cória-Sabini, 2010).
Ainda de acordo com Cória-Sabini (2010), o processo de apropriação é mui-
to diferente do processo de adaptação. A adaptação é uma mudança dos com-
portamentos e capacidades em função das exigências do ambiente. A apropria-
ção é um processo que tem como consequência a reprodução, pelo indivíduo,
de qualidades, capacidades e características humanas de comportamento. É
um processo de absorção e transformação, pelo indivíduo, das conquistas do
desenvolvimento da espécie.
No entanto, como já podemos imaginar, a teoria vygotskyana não se encer-
ra nestes conceitos. Um conceito central para a compreensão das concepções
vygotskyana sobre o funcionamento psicológico é o conceito de mediação.
Mediação, em termos genéricos, é o processo de intervenção de um elemento
intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser
mediada por este elemento. Quando um indivíduo aproxima sua mão da chama
de uma vela e a retira rapidamente ao sentir dor, está estabelecida uma relação
direta entre o calor da chama e a retirada da mão. Se, no entanto, o indivíduo
retirar a mão quando apenas sentir calor e lembrar-se da dor sentida em outra
ocasião, a relação entre a chama da vela e a retirada da mão estará mediada pela
lembrança da experiência anterior. Se, em outro caso, o indivíduo retirar a mão
quando alguém lhe disser que pode se queimar, a relação estará mediada pela
intervenção dessa outra pessoa (Oliveira, 2010).
Segundo Oliveira (2010), Vygotsky trabalha, então, com a noção de que a rela-
ção do homem com o mundo não é uma relação direta, mas, fundamentalmente,

80 • capítulo 4
uma relação mediada. As funções psicológicas superiores apresentam uma es-
trutura tal que entre o homem e o mundo real existem mediadores, ferramen-
tas auxiliares da atividade humana. Neste contexto, Vygotsky distinguiu dois ti-
pos de elementos mediadores: os instrumentos e os signos. Embora exista uma
analogia entre esses dois tipos de mediadores, eles têm características bastante
diferentes e merecem ser tratados separadamente:
•  Instrumentos – é o elemento interposto entre o trabalhador e o objeto
de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza.
O machado, por exemplo, corta mais e melhor que a mão humana; a vasilha
permite armazenamento de água. O instrumento é feito ou buscado especial-
mente para certo objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para a qual
foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho
coletivo. É, pois, um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e
o mundo;
•  Signos – A invenção e o uso dos signos como meios auxiliares para solucio-
nar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher
etc.) são análogos à invenção dos instrumentos, só que agora no campo psico-
lógico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira
análoga ao papel de um instrumento no trabalho (Vygotsky, 1984, p. 59-60).

Ao longo da evolução da espécie humana e do desenvolvimento de cada in-


divíduo ocorrem, entretanto, duas mudanças qualitativas fundamentais no uso
dos signos. Por um lado, a utilização de marcas externas vai se transformar em
processos internos de mediação; esse mecanismo é chamado por Vygotsky de
processo de internalização.
Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006), a teoria sociocultural de Vygotsky
(1978), como a teoria piagetiana de desenvolvimento cognitivo, enfatiza o en-
volvimento ativo das crianças com seu ambiente. Mas, enquanto Piaget des-
crevia uma mente desacompanhada absorvendo e interpretando informações
sobre o mundo, Vygotsky via o crescimento cognitivo como um processo coo-
perativo. Segundo Vygotsky, as crianças aprendem através da interação social.
Elas adquirem habilidades cognitivas como parte de sua indução a um modo
de vida. As atividades compartilhadas ajudam as crianças a internalizar os mo-
dos de pensamento e comportamento de suas sociedades e a torná-los seus.
Com as informações citadas acima, podemos explicar melhor o processo de
aprendizagem, sob o olhar de Vygotsky, que permite o fluxo do desenvolvimento

capítulo 4 • 81
humano. De acordo com Papalia, Olds e Feldman (2006), a teoria sociocultural
de Vygotsky (1978), como a teoria piagetiana de desenvolvimento cognitivo,
enfatiza o envolvimento ativo das crianças com seu ambiente. No entanto, en-
quanto Piaget descrevia uma mente desacompanhada absorvendo e interpre-
tando informações sobre o mundo, Vygotsky via o crescimento cognitivo como
um processo cooperativo. Segundo Vygotsky, as crianças aprendem através da
interação social. Elas adquirem habilidades cognitivas como parte de sua in-
dução a um modo de vida. As atividades compartilhadas ajudam as crianças a
internalizar os modos de pensamento e comportamento de suas sociedades e
a torná-los seus. De acordo com Vygotsky, os adultos (ou pares mais desenvol-
vidos) devem ajudar a dirigir e organizar a aprendizagem de uma criança até
que ela possa aprender e internalizar o aprendizado. Essa orientação é muito
eficaz para ajudar as crianças a atravessarem a zona de desenvolvimento pro-
ximal (ZDP), a lacuna entre o que elas já são capazes de fazer e o que não estão
totalmente prontas para fazer sozinhas. As crianças na ZDP para uma determi-
nada tarefa quase podem realizá-la sozinhas, mas não totalmente. Com a orien-
tação correta, entretanto, elas podem realizá-la com êxito. Durante o trabalho
em conjunto, a responsabilidade pela direção e pelo monitoramento da apren-
dizagem gradualmente passa para a criança (Papalia, Olds e Feldman, 2006).
Em relação ao seu posicionamento diante da teoria de Piaget, segundo
Cória-Sabini (2010), como Piaget, Vygotsky dá ênfase à ação na produção das
categorias (Classificação e seriação) com as quais a razão opera. No entanto,
diferentemente de Piaget, ele dá fundamentalmente importância à linguagem
na construção da mente.
Vygotsky opõe-se, ainda, a Piaget quanto à existência de processos internos
e e quanto ao desenvolvimento espontâneo dos processos mentais. Ele enfatiza
as origens sociais do pensamento. O pensamento forma-se e evolui com o con-
tato social, ou seja, nas interações grupais. Nos processos de interações sociais,
criam-se os sistemas de signos (a linguagem, a escrita, o sistema de números)
e os instrumentos (os objetos usados para transformar a natureza). A internali-
zação dos sistemas de signos provoca transformações comportamentais e esta-
belece o elo entre as formas iniciais e avançadas do desenvolvimento cognitivo.
Portanto, os processos socioculturais tornam-se parte da natureza psicológica
de cada pessoa (Cória-Sabini, 2010).
A teoria de Vygotsky tem importantes implicações para a educação e para
os testes cognitivos. Testes baseados na ZDP, que focalizam o potencial de uma

82 • capítulo 4
criança, oferecem uma alternativa valiosa para os testes de inteligência padrão
que avaliam o que uma criança já aprendeu; muitas crianças beneficiam-se
com o tipo de orientação especializada prescrita por Vygotsky. De modo geral,
uma importante contribuição da perspectiva contextual tem sido sua ênfase
no componente social no desenvolvimento. A perspectiva contextual também
nos lembra de que o desenvolvimento das crianças em uma cultura ou em um
grupo dentro de uma cultura (como o de norte-americanos brancos de classe
média) pode não ser uma norma apropriada para crianças de outras sociedades
ou grupos culturais (Papalia, Olds e Feldman, 2006).
Em suma, segundo Piletti, Rossato & Rossato (2014), na perspectiva históri-
co-cultural, o desenvolvimento está em relação com os processos de aprendiza-
gem, com os processos e possibilidades de mediação engendradas na apropria-
ção da cultura. Ao olhar para o desenvolvimento do homem cultural, Elkonin
(1987), apoiado nos estudos de Vigotsky, postula as principais atividades nas
diferentes idades, pelas quais os sujeitos se relacionam com o mundo. Assim,
são citadas como primeira infância – a comunicação emocional do bebê – no
primeiro ano de vida; atividade objetal manipulatória da infância – jogo de pa-
péis na idade “pré-escolar”; comunicação íntima pessoal que caracteriza a ado-
lescência e em seguida a atividade profissional/estudo. Já no adulto, de acordo
com Martins e Eidt (2010), a atividade principal é o trabalho. “O trabalho é ati-
vidade vital humana e o desenvolvimento humano é sempre e necessariamente
orientado pela atividade principal”.
Vygotsky também postula a existência alternada de períodos estáveis (com
mudanças qualitativas, pequenas, que vão se acumulando até ocorrer uma
nova formação) e críticos (mudanças e rupturas internas bruscas, rápidas, de-
terminadas pelas condições materiais de seu contexto externo, que produzem
reestruturação das necessidades e motivos da criança, que são os motores de
seu comportamento e de sua relação com o meio). Vygotsky (1996) indica para
o desenvolvimento uma alternância entre os períodos estáveis e críticos, sendo
eles (Piletti, Rossato & Rossato, 2014):
•  Crise pós-natal – Primeiro ano de vida;
•  Crise dos 3 anos de idade – pré-escolar, dos 3 aos 7 anos;
•  Crise dos 7 anos – idade escolar, dos 8 aos 12 anos;
•  Crise dos 13 anos – puberdade;
•  Crise dos 17 anos.

capítulo 4 • 83
Linguagem

Conforme falamos anteriormente, ainda em Vygotsky, uma das diferenças


entre Piaget e Vygotsky é que este último valoriza a linguagem no processo de
desenvolvimento humano. Segundo Oliveira (2010), como a linguagem é o sis-
tema simbólico básico de todos os grupos humanos, a questão do desenvolvi-
mento da linguagem e suas relações com o pensamento ocupam lugar central
na obra de Vygotsky.
Todos os processos mentais superiores (percepção, memória, atenção) ini-
ciam-se com o aparecimento da linguagem. Ela habilita a criança a criar ins-
trumentos auxiliares na solução de problemas, a superar a ação impulsiva e a
controlar seu próprio comportamento. Por exemplo, quando uma criança está
brigando com um amigo, ela pode controlar sua vontade de xingá-lo dizendo
para si mesma: “Não vou fazer isso”. Um exemplo de controle de memória é a
criança repetir mentalmente uma mensagem para não se esquecer dela até que
seja comunicada (Cória-Sabini, 2010).
Segundo a mesma autora, para Vygotsky, uma função psicológica superior
ou comportamento complexo diferente da elementar mediante a existência de
um processo de internalização, que já citamos mais acima, é a reconstrução
mental de uma ação realizada externamente. Sendo que este processo ocorre
em três etapas:

A fala acompanha as ações e reflete uma forma


de raciocínio disperso e caótico. A criança
age mais por tentativas de ensaio e erro e a
MOMENTO 1 linguagem é usada para descrever as idas e
vindas na resolução de problemas colocadas
pelo ambiente;

A fala vai se deslocando cada vez mais na


direção do início do processo de resolução até
MOMENTO 2 que, finalmente, e de modo gradual, começa
a preceder a ação. Nesse momento, a criança
começa a traçar um plano de ação

84 • capítulo 4
Com a função planejadora da fala, a criança
passa a moldar sua atividade dentro de uma
certa estrutura. Daí em diante, a fala dirige, de-
MOMENTO 3 termina e domina o curso da ação. Assim como
(FUNÇÃO PLANEJADORA um molde dá forma a uma massa, as palavras
DA FALA) também modelam a atividade dentro de uma
determinada estrutura. No entanto, a estrutura
inicial pode ser mudada e transformada durante
o planejamento.

– ;À medida que a função planejadora da fala se desenvolve, a criança adqui-


re independência em relação ao seu ambiente concreto e imediato. Também
deixa de agir em função do tempo imediato. Ocorre assim uma mudança radi-
cal no seu campo psicológico, pois o futuro passa a ser parte de suas interações
físicas e sociais.
Vygotsky ainda trabalha com duas funções básicas de linguagem. A princi-
pal função é a de intercâmbio social: é para se comunicar com seus semelhan-
tes que o homem cria e utiliza os sistemas de linguagem. Essa função de comu-
nicação é bem visível no bebê que está começando a aprender a falar: ele não
sabe ainda articular palavras nem é capaz de compreender o significado preci-
so das palavras utilizadas pelos adultos, mas consegue comunicar seus desejos
e seus estados emocionais aos outros por meio de sons, gestos e expressões. É a
necessidade de comunicação que impulsiona, inicialmente, o desenvolvimen-
to da linguagem (Oliveira, 2010).
De acordo com Papalia, Olds e Feldiman (2006), nenhuma teoria de desen-
volvimento humano é universalmente aceita e nenhuma perspectiva teórica ex-
plica todas as facetas do desenvolvimento. Na verdade, a tendência atualmen-
te é de distanciamento das teorias "grandiosas" (como as de Freud e Piaget) e
aproximação às "miniteorias", menores e mais limitadas, para explicar fenô-
menos específicos, como a influência da pobreza sobre as relações familiares.
Ao mesmo tempo, existe um reconhecimento cada vez maior da interação en-
tre os domínios físico, cognitivo e psicossocial – por exemplo, na relação en-
tre desenvolvimento motor e percepção ou entre interação social e aquisição
de habilidades cognitivas. Também existe uma consciência cada vez maior da
importância da mudança histórica e da necessidade de explorar a diversidade
cultural de maneira rigorosa e disciplinada.

capítulo 4 • 85
4.4  Albert Bandura

Albert Bandura, considerado o pai


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da aprendizagem social, nasceu


em Alberta, no Canadá, no ano de
1925. De origem pobre, estudou
em uma escola pouco reconheci-
da, tanto no ensino primário quan-
to no secundário, mas conseguiu
emprego na construção civil no Yu-
kon, consertando buracos sobre o
Alasca Highway.
Sua formação na graduação foi
concluída no curso de Psicologia,
na Universidade da Colúmbia
Inglesa, em 1949, e, três anos de-
pois, precisamente no ano de 1952,
Albert Bandura - O pai da aprendizagem social doutorou-se na Universidade de
Iowa. Durante seus estudos foi influenciado pelo behaviorismo e pela psicolo-
gia da aprendizagem e, em, 1953 foi convidado para lecionar na Universidade
de Stanford.
Sua carreira foi marcada pelo auxílio que recebeu de um dos seus primeiros
alunos, Richard Waters, que o ajudou, em 1959, a escrever o livro “Adolescent
Aggression”. O fruto desta união foi a influência necessária para desenvolver
sua teoria da aprendizagem social, que foi renomeada para teoria cognitiva so-
cial, em 1986.
O alicerce dessa teoria tem elementos do comportamentalismo e da psico-
logia cognitiva, desenvolvendo o conceito de modelagem, em que a imitação é
a chave de tudo, pois, segundo Bandura, as pessoas aprendem ao observarem o
comportamento de outras pessoas.
Durante sua carreira, Bandura foi presidente da Associação Americana de
Psicologia, em 1974, e, atualmente, aos 91 anos, ainda trabalha na Universidade
de Stanford.

86 • capítulo 4
4.4.1  A teoria

Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006), a teoria da aprendizagem social sus-


tenta a tese de que as crianças, em especial, aprendem comportamentos so-
ciais pela observação e imitação de modelos. O psicólogo norte-americano Al-
bert Bandura (nascido em 1925) desenvolveu muitos dos princípios da teoria da
aprendizagem social, também conhecida como teoria sociocognitiva, que hoje
é mais influente do que o behaviorismo.
Diferentemente do behaviorismo, a teoria da aprendizagem social (Bandura,
1977,1989) vê o aprendiz como ativo. Enquanto os behavioristas consideram
que o ambiente molda a pessoa, os teóricos da aprendizagem social acreditam
que a pessoa também atua sobre o ambiente – na verdade, até certo ponto, cria
o ambiente. Embora os teóricos da aprendizagem social, como os behavioris-
tas, enfatizem a experimentação laboratorial, eles acreditam que as teorias ba-
seadas na pesquisa com animais não podem explicar o comportamento huma-
no. As pessoas aprendem em um contexto social, e a aprendizagem humana é
mais complexa do que simples condicionamento. Os teóricos da aprendizagem
social reconhecem a importância da cognição; veem as respostas cognitivas às
percepções, em vez de respostas basicamente automáticas ao reforço ou à pu-
nição, como centrais para o desenvolvimento. Assim, a teoria da aprendizagem
social é uma ponte entre a teoria da aprendizagem clássica e a perspectiva cog-
nitiva (Papalia, Olds e Feldman, 2006).
Em outras palavras, embora Barros (2008) reconheça a importância do con-
dicionamento operante de Skinner, Bandura, também um psicólogo da linha
behaviorista, insiste que nem toda a aprendizagem ocorre como resultado de
um reforçamento direto de respostas.
De particular importância na teoria da aprendizagem social é a observação
e imitação de modelos. As pessoas adquirem novas capacidades através da
aprendizagem por observação ou vicária, ou seja, observando os outros. Elas
demonstram sua aprendizagem imitando o modelo, às vezes, quando o modelo
não está mais presente. Segundo a teoria da aprendizagem social, a imitação de
modelos é o elemento mais importante na forma como as crianças aprendem
uma língua, lidam com a agressividade, desenvolvem um senso moral e apren-
dem comportamentos apropriados ao gênero. Entretanto, a aprendizagem por
observação pode ocorrer mesmo que a criança não imite o comportamento
observado (Papalia, Olds e Feldman, 2006). De acordo com Ramos (2008), as

capítulo 4 • 87
pessoas também aprendem imitando o comportamento de outras pessoas, ou
modelos, e essa aprendizagem ocorre ainda que essas respostas imitadas não
recebam diretamente reforço nenhum. Por exemplo, uma criança pequena
pode levantar-se quando o Hino Nacional é tocado, por ver seus pais se levanta-
rem. Neste exemplo, a resposta da criança não foi imediatamente seguida por
um doce ou algum outro reforçador primário. A criança apenas imitou a reação
apresentada por seus pais.
No exemplo anterior, a habilidade da criança para se levantar já era, natu-
ralmente, uma parte de seu repertório comportamental. Bandura, no entanto,
afirma que as pessoas também podem aprender respostas novas simplesmente
por observarem o comportamento de outros. Uma criança aprende a patinar,
ou um adulto aprende a jogar tênis, simplesmente por imitar o comportamen-
to do instrutor (Barros, 2008).
O que podemos falar a respeito da aprendizagem social é que esta aconte-
ce para todo tipo de acontecimentos, situações e conteúdos. Desta maneira,
o que Bandura afirma é que o ser humano aprende tanto coisas boas quanto
coisas ruins através da observação do comportamento do outro. Inclusive,
Albert Bandura estudou como o comportamento agressivo pode ser aprendido.
Segundo Barros (2008), num estudo que se tornou famoso, Bandura observou
o efeito de expor crianças a modelos adultos em cenas de agressão. Analisou
crianças semelhantes, de 3 a 6 anos de idade, dispondo-as em dois grupos:
•  Grupo experimental: as crianças do grupo experimental foram expostas
ao espetáculo de modelos adultos agredindo um grande boneco plástico inflá-
vel, tipo joão-teimoso. O modelo adulto apresentava agressão física e verbal:
dava socos e pontapés no boneco, batia em sua cabeça com um martelo, senta-
va-se nele, batia-lhe no nariz, atirava-lhe bolas e, além dessas agressões físicas,
gritava com ele e ofendia-o com palavras;
•  Grupo de controle: as crianças do grupo de controle não assistiram a
tais cenas.

Mais tarde, permitiu-se a todas as crianças, tanto as do grupo experimental


(que tinham sido expostas ao modelo agressivo) como as do grupo de controle,
brincarem com o boneco. Observou-se que as crianças do grupo experimental
apresentaram respostas agressivas em quantidade duas vezes maior que as
respostas do grupo de controle. As crianças do grupo experimental imitavam o
modelo em tudo, até nas frases que gritavam: “Toma um soco no nariz!”, “Lá vai
um pontapé!” etc. (Ramos, 2008).

88 • capítulo 4
Em seus estudos sobre a aprendizagem, outro fator foi observado e que ge-
rou grande impacto na comunidade científica. De acordo com Papalia, Olds e
Feldman (2006), as crianças promovem ativamente sua própria aprendizagem
social escolhendo modelos para imitar. A escolha é influenciada pelas caracte-
rísticas do modelo, pela criança e pelo ambiente. Uma criança pode escolher
um dos pais, e não o outro. Ou a criança pode escolher outro adulto (por exem-
plo, um professor, uma personalidade da televisão, um desportista ou um tra-
ficante de drogas) ou um amigo admirado, além de – ou em vez de – um dos
pais. O comportamento específico que as crianças imitam depende do que elas
percebem que é valorizado em sua cultura. Se todos os professores na escola de
Carlos são mulheres, ele provavelmente não imitará o comportamento delas,
pois talvez o considere "indigno de homem". Entretanto, se ele conhecer um
professor do sexo masculino de quem gosta, pode mudar de opinião sobre o
valor dos professores como modelos.
Fatores cognitivos, como as capacidades de prestar atenção e de organizar
mentalmente as informações dos sentidos, afetam o modo como as pessoas
incorporam o comportamento observado ao seu comportamento pessoal.
Processos cognitivos estão em ação quando as pessoas observam modelos,
aprendem "partes" de comportamento e mentalmente reúnem as partes for-
mando novos padrões de comportamento. Rita, por exemplo, imita o cami-
nhar de sua professora de dança, mas modela seus passos de dança pelos de
Carmem, uma aluna um pouco mais adiantada. Mesmo assim, desenvolve seu
estilo próprio de dançar, reunindo suas observações e formando um novo pa-
drão. O desenvolvimento da capacidade de utilizar símbolos mentais para o
comportamento de um modelo permite que as crianças formem padrões para
julgar seu próprio comportamento (Papalia, Olds e Feldman, 2006).
Após essa passagem na teoria sociocognitiva de Albert Bandura, cujo foco
foi o processo de aprendizagem, muitos podem questionar o motivo pelo qual
tais conceitos se encontram em um livro sobre Psicologia do Desenvolvimento.
A resposta é fácil de se alcançar. O desenvolvimento do ser humano só é possí-
vel pelo fato de este ser capaz de aprender. Em outras palavras, o processo de
desenvolvimento, que se caracteriza pela mudança e pelo crescimento, só se
torna possível pela aprendizagem, que permite ao sujeito captar informações
que constituem o desenvolvimento.
Nesse contexto, ao contrário de Piaget, que estruturou as fases do desenvol-
vimento humano, Albert Bandura focou a sua teoria em como este desenvolvi-
mento acontece.

capítulo 4 • 89
ATIVIDADES
01. Explique a diferença entre acomodação e assimilação e cite 3 exemplos que acontece-
ram em sua vida e que podem ser explicados por esses conceitos.

02. Cite um caso que esteja acontecendo em sua vida e que possa ser qualificado e expli-
cado pela ZDP (zona de desenvolvimento proximal).

03. Delimite e explique 3 aprendizados absorvidos por você que foram aprendidos através
de aprendizagem social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Cória-Sabini, Maria Aparecida. Psicologia do Desenvolvimento. 2 ed. São Paulo: Editora Ática, 2010.
Oliveira, Marta Kohl de. Vygotsky, aprendizado e desenvolvimento – Um processo sócio-histórico. 5
ed. São Paulo: Editora Scipione, 2010.
Piletti, Nelson; Rossato, Solange Marques; Rossato, Geovanio. Psicologia do Desenvolvimento. 1 ed.
São Paulo: Editora Contexto, 2014.
Papalia, Daiane E.; Olds, Sally Wendkos; Feldman, Ruth Duskin. Desenvolvimento Humano. 8 ed.
Porto Alegre: Artmed, 2006.
Barros, Celia Silva Guimarães. Pontos de Psicologia do Desenvolvimento. 12 ed. São Paulo: Ática,
2008.
Rabello, E.T. e Passos, J. S. Vygotsky e o desenvolvimento humano.

90 • capítulo 4
5
Da infância à
adolescência:
aspectos
emocionais –
físicos – cognitivos
5.  Da infância à adolescência: aspectos
emocionais – físicos – cognitivos

Nos capítulos anteriores vimos as questões relativas ao conceito de desenvol-


vimento, à psicologia da gestação e do pós-parto e às implicações da relação
mãe X filho e falamos da evolução a partir das teorias do desenvolvimento na
corrente psicanalítica, psicossocial, cognitiva e sociohistórica.
Neste capítulo tentaremos resumir todas as abordagens para que você pos-
sa, de forma clara e bem esquemática, encontrar o entendimento necessário
para compreender quais são os recursos que o jovem tem ao entrar no período
mais crítico de sua elaboração da identidade, segundo o Erich Erikson.

5.1  A idade escolar

O período compreendido entre 6 e 7 anos, aliado à chegada da puberdade, tem


merecido um destaque especial nos capítulos da Psicologia do Desenvolvimen-
to. Alguns autores se referem a essa fase como sendo o período escolar, em fun-
ção de estar relacionada ao momento da entrada na escolarização propriamen-
te dita. A criança já passou pelo período do berçário, da creche; já frequentou
os períodos do maternal e agora inicia a etapa de alfabetização ou do ensino
elementar. A cada etapa desse aprendizado, a criança vai sendo progressiva-
mente introduzida no domínio do letramento e consequentemente inserida na
cultura humana.
O trabalho dos pais, principalmente na atualidade o das “mães fora de casa”,
tem forçado a entrada cada vez mais cedo de seus filhos nas escolas. Apesar de
não termos nenhuma pesquisa relativa aos pais que trabalham e suas reper-
cussões no desenvolvimento infantil, é notória a preocupação dos estudiosos
do desenvolvimento emocional, como também dos profissionais voltados aos
temas da psicologia das organizações e trabalho, o questionamento acerca de
qual o impacto da qualidade dos trabalhos dos pais sobre a vida de seus filhos.
O foco aqui, como podemos subentender, refere-se ao aspecto da realização
e satisfação dos progenitores e as relações emocionais delas derivadas, como
a autoestima e a autorrealização, na criação e ambientação dos seus filhos.
Como vimos com o autor Brofenbrenner, o ambiente familiar também é “um
endereço” social ao qual o indivíduo pertence. Assim, pais insatisfeitos, não

92 • capítulo 5
realizados com baixa qualidade de desenvolvimento profissional, com dificul-
dades de transporte, entre outros aspectos negativos, trariam para o ambiente
familiar uma inibição do grau de interações. O fato de a criança estar na creche,
por exemplo, já lhe ajudaria na percepção dos diferentes papéis dos pais e dos
demais parentes com quem convive, aliados aos repertórios alcançados atra-
vés das estimulações do ambiente alternativo, como, por exemplo, o da creche.
Assim sendo, a criança pode estabelecer parâmetros, comparações e distinções
entre cada aspecto assimilado e acomodado de cada espaço frequentado.
No entanto, falando de pesquisas de pais que trabalham e, mais precisa-
mente, da mãe que trabalha fora, dados colhidos trouxeram a conclusão de que
as meninas cujas mães trabalham crescem mais independentes e admiram
mais suas mães, do que aquelas cujas mães não trabalham. Além disso, tanto
o filho homem como a mulher de mães trabalhadoras aprendem os conceitos
sexuais e de gênero de modo mais igualitário, pois conseguem dividir as tare-
fas domésticas de forma mais homogênea. Contudo, com relação ao desempe-
nho escolar, algumas pesquisas, como as de Hoffman de 1989, sinalizam um
baixo rendimento nos meninos para mães de trabalho com horário integral.
Segundo conclusões levantadas, a dificuldade estaria na falta de supervisão
materna para com os exercícios levados para casa, pois aquelas que conseguem
exercer a supervisão das tarefas escolares com seus filhos, estes têm um rendi-
mento bem satisfatório e nada diferente do aluno cuja mãe não trabalhe fora
de casa. Mas, no geral, os resultados das investigações indicam que os escores
mais negativos se referem a dois subgrupos de crianças: aquelas cujas mães
prefeririam trabalhar, mas estão em casa; e aquelas cujas mães não gostam do
que realizam ou de trabalhar fora (in Bee: Lerner e Galambos, 1986). Em con-
trapartida, as pesquisas em que as mães querem trabalhar fora e gostam do que
fazem revelaram um estilo de educação mais competente (in Bee: Greenberg e
Goldberg,1989).
Retornando ao aspecto da dimensão da idade escolar, vimos em Piaget que
o ingresso nessa modalidade do letramento coincide com o período operatório
concreto e suas principais características: a noção de conservação, de inclusão
de classes e seriação. Se estivermos com o olhar voltado à teoria psicanalítica,
temos a preocupação dirigida à discussão do progressivo desenvolvimento das
relações objetais, também chamado de desenvolvimento emocional. É nesse
momento, chamado por Freud de período de latência, que os impulsos sexuais
reprimidos permanecem latentes e emprestam sua energia ao pensamento e à

capítulo 5 • 93
socialização, pelo salto feito pelo Complexo de Édipo, até que a puberdade os
recupere para o estabelecimento da etapa genital. Os pesquisadores norte-a-
mericanos identificam essa fase como o período da gangue, no qual surgem
grupos sociais externos e em oposição aos familiares.

Figura 5.1  –  Fonte: <http://vignette4.wikia.nocookie.net/aia1317/images/2/20/Comple-


xo_de_%C3%A9dipo_meninos>. Acesso em: 21 mai. 2016.

Complexo de Édipo: “Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a


criança sente em relação aos pais. Sob a sua forma dita positiva, o complexo apre-
senta-se como na história de Édipo-Rei: desejo da morte do rival que é a personagem
do mesmo sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto. Sob a sua forma
negativa, apresenta-se de modo inverso: amor pelo progenitor do mesmo sexo e ódio
ciumento ao progenitor do sexo oposto. Na realidade, essas duas formas encontram-
se em graus diversos na chamada forma completa do complexo de Édipo. Segundo
Freud, o apogeu do complexo de Édipo é vivido entre os três e os cinco anos, durante
a fase fálica; o seu declínio marca a entrada no período de latência. É revivido na
puberdade e é superado com maior ou menor êxito num tipo especial de escolha de
objeto. O complexo de Édipo desempenha papel fundamental na estruturação da per-
sonalidade e na orientação do desejo humano. Para os psicanalistas, ele é o principal
eixo de referência da psicopatologia (Laplanche e Pontalis 1992, p. 77) ”.

Complexo de Édipo: “Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis


que a criança sente em relação aos pais. Sob a sua forma dita positiva, o comple-
xo apresenta-se como na história de Édipo-Rei: desejo da morte do rival que é a
personagem do mesmo sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto.
Sob a sua forma negativa, apresenta-se de modo inverso: amor pelo progenitor
do mesmo sexo e ódio ciumento ao progenitor do sexo oposto. Na realidade,
essas duas formas encontram-se em graus diversos na chamada forma com-
pleta do complexo de Édipo. Segundo Freud, o apogeu do complexo de Édipo é

94 • capítulo 5
vivido entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica; o seu declínio marca
a entrada no período de latência. É revivido na puberdade e é superado com
maior ou menor êxito num tipo especial de escolha de objeto. O complexo de
Édipo desempenha papel fundamental na estruturação da personalidade e na
orientação do desejo humano. Para os psicanalistas, ele é o principal eixo de
referência da psicopatologia. (Laplanche e Pontalis 1992, p. 77) ”.
O desenvolvimento cognitivo e social desse período é sustentado pela pri-
meira aquisição do esquema corporal. Essa dimensão (esquema corporal)
manifesta-se incorporada através do desenho infantil. A criança começa a de-
senhar figuras humanas com formas mais bem definidas, contendo braços e
pernas, e com a subdivisão do corpo em tronco, cabeça e membros, embora
as devidas proporções ainda não estejam garantidas. A cabeça geralmente é
muito grande, contudo com todos os seus elementos fundamentais. A motrici-
dade fina (por exemplo: cortar figuras, segurar um lápis) faz-se a cada dia com
maior desempenho. A dominância lateral também se normaliza, encontrando
um lado – esquerdo (canhoto) ou direito (destro) de preferência manifestada.
Todas essas novas aquisições são fundamentais para a construção do real e o
domínio operatório. Logo, o domínio da lateralidade, das relações espaço-tem-
porais (localização dos objetos verificada nos desenhos), o esquema corporal
vai se sedimentando até atingir, entre os 10 e 12 anos, a prática perfeita do mes-
mo para com as relações com o mundo. Logo, é a definição dos esquemas cor-
porais relacionados com as referências espaço-temporais que será responsável
pela aquisição da reversibilidade do pensamento.
Para Wagner Fiori (1982), “a entrada na escola e a aquisição da leitura ins-
creve a criança no mundo da transmissão formal dos pensamentos e dos co-
nhecimentos. Sai da proteção parental direta e das aquisições estruturadas em
planos lúdicos, para as realizações sociais exteriores e cobranças objetivas de
realização (p. 2)”. A criança necessitará aprender e desenvolver ações, cumprir
com horários, integrar modelos de relações sociais, passando para atitudes
mais de iniciativa e afirmando cada vez mais sua autonomia. Ela terá agora
mais obrigações, deveres e cobranças relativas a ideologias culturais e de rea-
lizações. A escola, os professores e os orientadores serão as figuras que com-
plementarão seu repertório de incorporação de aspectos de autoridade, afir-
mação, limites, acolhimento e cuidados pessoais, fundamentando a aquisição
da moral. A competição estabelecida entre pares, seus colegas de colégio, terá
uma proteção apenas relativa. Se seu desenvolvimento físico, psicomotor, in-
telectual e afetivo estiver dentro de condições normais, a criança estará apta a

capítulo 5 • 95
viver suas próprias conquistas. Em caso negativo, ou em consequência de atra-
sos nesses mesmos quesitos descritos, ela terá dificuldades no letramento, so-
frerá sérias frustrações, estará vulnerável (ou frágil) para os confrontos sociais
e, quase sempre, poderá retornar (ou regredir) a um estado de infantilismo
emocional, em função das cobranças a ela atribuídas.

ATENÇÃO
Nota muito importante!
A evolução do desenho infantil: ilustrações e conceitos fundamentais de identificação
A evolução do desenho infantil nos traz interessantes observações de como o mundo
interior da criança está se organizando. Então, seguindo as observações feitas por vários
estudiosos do desenvolvimento gráfico, temos as seguintes informações, aqui desenvolvidas
e vistas por Viktor Lowenfeld.

96 • capítulo 5
5.1.1  O período de latência

Como vimos no capítulo 3, o homem nasce em um estado psíquico de incom-


pletude, desamparo e carência. É totalmente dependente dos cuidados da figu-
ra materna, ou de um substituto, para suprir suas necessidades e garantir sua
sobrevivência. A criança se acopla à sua mãe, formando com ela uma simbiose,
ou uma nova unidade, fruto de uma necessária embriogênese pós-uterina. A
história dessa unidade facilita a passagem pelas fases da sexualidade infantil,
descritas por Freud como a etapa oral, a anal, a fálica, dá-se o período de la-
tência, e a seguir, e última fase do desenvolvimento para esse autor, chamada
de etapa genital. Durante as etapas, entendemos que a existência de uma zona
erógena dominante contribui com a constituição de modalidades especiais de
fantasias, de relação e de defesas. Assim, vimos, também, que, através da etapa
oral, o modo de relação da criança é pela incorporação, e o objeto de seu prazer
é o seio da mãe. Essa fase pode dotar a criança, pela fixação nessa fase, do cará-

capítulo 5 • 97
ter oral. Esses traços de caráter são construídos a partir das transformações dos
impulsos orais em traços de comportamento, os quais favorecem as caracterís-
ticas do ter e possuir tudo o que for necessário à sua satisfação. Desenvolvem-se
sentimentos de enamoramento pela mãe, sua fonte de prazer. Na etapa anal,
segundo momento do desenvolvimento psicossexual, o controle dos esfíncte-
res traz um prazer ligado à excitação pela evacuação ou pela retenção das fezes.
Por ser um momento de adaptação às normas da sociedade, relativas a não se
sujar com seus excrementos, a realizar excreções em horários estabelecidos, o
narcisismo infantil submete-se a duras provas que poderão favorecer inúme-
ros traços de caráter, como, por exemplo, o retentivo ou avarento, o expulsivo
e destrutivo, entre outros. A criança vivencia conquistas corporais e sociais.
A construção do caráter anal, dada a fixação nesta etapa, é feita por meio das
transformações da sexualidade anal em traços de comportamento e se enqua-
dra em três características básicas: o da ordem, correspondente aos atributos
de classificação, colecionismo, limpeza exagerada, gosto pela simetria, desejo
de estar em paridade com os outros; o da parcimônia, ligado ao prazer de reter,
conservar, avareza, economia exagerada; e o da obstinação, voltado para o ape-
go à retenção de uma ideia, controle, imposição aos outros ou por teimosia, por
perseverança, por afabilidade ou liberalismo. Já a sexualidade fálica, a identifi-
cação do ego infantil com o falo, torna, segundo Freud, a criança orgulhosa de
seu próprio falo e, consequentemente, orgulhosa de seu ego. Se há ameaça ao
falo, o ego se sentirá ameaçado em sua integridade. Desta feita, a construção do
caráter fálico, em função da fixação nessa etapa, dota a criança de aspectos de
segurança, arrogância e vigor, fomentados pela elaboração de papéis e de lei.
A designação do período de latência objetiva um momento intermediário en-
tre as etapas infantis de organização da libido e a etapa adulta configurada pela
fase genital. Por ser um período que não corresponde a nenhuma zona erógena
em específico, não há formação de relações objetais. Portanto, não há formação
de estruturas afetivas, propriamente ditas, em decorrência das trocas estabele-
cidas pelas zonas erógenas, as quais favoreciam fonte de energia às conquistas
cognitivas e afetivas. No entanto, a repressão da libido agora trará à criança a pos-
sibilidade de se preparar para o desenvolvimento social, para as trocas no mundo
da realidade, para quando acontecer o despertar da genitalidade o jovem estar
apto para adequar suas fantasias às realizações no mundo externo. As energias se
voltam à socialização e ao desenvolvimento do pensamento, sendo a sublimação
o mecanismo de defesa mais empregado nesse momento pela preservação pela
busca do conhecimento. Se houver uma inadequação da evolução emocional, a

98 • capítulo 5
motivação para a construção do conhecimento e do pensamento pode ficar in-
dissociada da sexualidade (como fonte de relação objetal). Essa não dissociação
entre ambos poderá acarretar uma repressão sobre ambos os fatores ou os libe-
rará juntos. No primeiro caso, o da repressão, poderá acarretar uma fragilida-
de sobre a forma de um temor ao conhecimento, temor que se manifestará em
comportamentos de incapacitação ou bloqueio real para conhecer. Esse sinto-
ma, embora já pudesse estar presente em decorrência de fixações em fases ante-
riores, só agora se manifesta, no período de latência, em função da cobrança do
momento. Em contrapartida, se o pensamento ficar erotizado, a criança poderá
se tornar um gênio em relações impessoais, tais como a matemática, o jogo de
xadrez, palavras cruzadas, decodificação de enigmas, entre outros. Mas sempre
isoladamente, sem companheiros, coleguinhas, até um agravamento do quadro
geralmente coincidente com a adolescência.

5.1.2  O surgimento das primeiras relações sociais

Apesar de a participação de trocas sociais já acontecer nas fases anteriores, é


no período de latência que elas se intensificam como ações efetivamente exer-
cidas “fora de casa”. Nas etapas anteriores, os jogos sociais sempre ocorriam
sob a proteção vigilante das regras dos pais, permeados das fantasias infantis
que dominavam a realidade. Mesmo que houvesse uma interação com outras
crianças, esses laços nunca se estabeleceram a partir de regras comuns e pró-
prias de cada grupo formado. As brincadeiras se davam na base de “estar jun-
to, mas cada um com seu brinquedo”. Portanto, não há um aprendizado social
a não ser o realizado pelos esquemas adaptativos vindos das regras parentais.
Sendo assim, os conflitos e dificuldades infantis não são resolvidos sozinhos
pelo grupo de crianças. Se há uma agressão, a criança agredida é consolada
pelos pais, enquanto a autora é punida. As conquistas são elogiadas e muitas
vezes supervalorizadas; os erros são ignorados; e esses comportamentos pa-
rentais podem estar associados à ansiedade e à fantasia dos progenitores de
que seus filhos sejam realizadores de seus desejos pessoais não conseguidos e
de serem “crianças maravilhosas”, conceito de Serge Leclaire (Fiori;1982), que
conseguirá transpor as limitações humanas. Segundo Fiori (1982), referindo-
se a Philippe Ariès, essa necessidade parental está associada a uma ideologia
medieval de perceber as crianças como débeis e incapazes. Se, por um lado, há
uma projeção dos pais em querer ver o filho como o portador de uma “extensão

capítulo 5 • 99
mágica do que deveria ser” (Fiori; 1982); por outro lado ele é o mensageiro da
impotência da qual precisamos nos proteger e defender.
A entrada na escola traz agora uma nova realidade, por um lado maravilhosa
e por outra extremamente cruel. Formam-se grupos separados de meninas e
de meninos, formando grupos unissexuados, que, segundo Freud, decorrem
do mecanismo de defesa de formação reativa, em função da incorporação do
superego e da passagem pelo Édipo (já descrito anteriormente na página 3). Os
encontros dos membros do grupo se fazem em clubes, eventos sociais (festas
de aniversário), na escola ou outros espaços comunitários de reuniões. A orga-
nização desse grupamento permite a evolução para um estágio posterior das
relações adultas. Nesse momento, são despertadas as intenções de poder, de
afirmação pessoal, de força, de esperteza, de coragem e liderança. Apesar de o
superego estar agindo no sentido da determinação do bem e do mal, não serão
raros os episódios de agressão, com traços até de crueldade, como também os
de segregação. Contudo, em grupos sadios, a parceria, o companheirismo, o
apoio ao amigo frágil e até a busca por objetos comuns – como nos esportes –
serão comportamentos predominantes.
O grupo de crianças torna-se uma proteção e fortaleza contra as ações dos
adultos e caminha no direcionamento de um progressivo afastamento do nú-
cleo familiar. As crianças começam a ter atitudes de testagem de seus limites,
feitos através de exercícios de checagem dos valores morais, até então incorpo-
rados de seus pais, com a realidade que vivem no momento presente. Fogem
para surfar em praias perigosas; jogam futebol em ruas com trânsito intenso,
ou na praia em horários impróprios, por conta dos banhistas; entre outras aven-
turas. No entanto, qualquer criança mais velha, se estiver acompanhada de ou-
tra menor, aplicará naquela todo o rigor das normas de proteção parentais. Se a
criança estiver em seu desenvolvimento normal, mesmo que sofra influências
das regras grupais, sempre prevalecerão os valores de seus pais. Se houver uma
franca oposição a essas leis, este fato é resultado de um início de organização e
construção de sua ideologia, com os respectivos traços iniciais de identidade.
Fiori (1982) nos coloca a seguinte questão:

Como regra geral, toda vez que uma criança se afasta muito da ideologia dos pais ou
das normas vigentes no grupo social, isto pode ser considerado uma atitude defensi-
va, um sintoma que, ou visa protegê-la de uma defasagem evolutiva que ela percebe,
ou é uma reação sintomática às ambiguidades vividas pelos próprios pais (p. 7).

100 • capítulo 5
Desse modo, podemos compreender quando uma criança com dificulda-
des de movimentos coordenados (dispráxica) ou agitada acima do normal (hi-
perativa) é passível de ganhar o estigma (marca) de delinquente na escola. Ela
pode realmente incorporar esse invólucro, partindo para desafios à autoridade
da professora, agredindo colegas, depredando o espaço escolar, entre outras
manifestações destrutivas. É como se a criança soubesse, em certo nível psí-
quico, de sua limitação e inibisse essa “crença de incapaz” pela apresentação
do mau elemento. A escola pode ser também palco de retaliação pela compen-
sação dos sentimentos de dificuldade de identificação com um pai ambíguo,
em decorrência de estar preso a uma moralidade também infantil, ou de de-
sejar que seu filho realize seus desejos infantis não logrados. Outro fato muito
interessante é a capacidade de colocar apelidos nos companheiros que condi-
zem com traços típicos de cada criança em particular. E aí surgem: “cabeção”,
“comilão”, “frozen”, “rato”, entre outros termos mais ou menos pejorativos,
os quais chegam a assustar os adultos. As crianças transformadas em “bodes
expiatórios” do grupo são, geralmente, segundo pesquisas feitas, portadores
desses sentimentos de depreciação e desvalorização desde seu ambiente fami-
liar. Dados clínicos revelam que muitos preferem manter-se nesse espaço pejo-
rativo a perder a chance de pertencimento ao grupo. As razões psíquicas para
tais disposições negativas de autoestima parecem residir na impressão de não
ameaça às posições de liderança do grupo, de que só pode ser inferior, de não
ocupar nenhum lugar, a fim de permanecer integrado. Pais inseguros de sua
masculinidade ou coléricos também podem estruturar esse tipo de relação de
submissão por inferioridade.

5.1.3  A organização interna para a sexualidade

Durante o período de latência, a sexualidade não desaparece totalmente para


ser reiniciada na puberdade, em função do desenvolvimento hormonal e dos
caracteres sexuais secundários. O que ocorre é que toda a evolução ocorrida
anteriormente permanece igual durante esta etapa. Nenhuma nova estrutura-
ção da libido e de relação objetal ocorre. Assim sendo, nesse período não há
eliminação das fantasias sexuais, só que não as vivencia de modo direto. Essas
fantasias são trabalhadas através de desejos que têm sua satisfação em planos
simbólicos muito semelhantes aos das manifestações oníricas. Podemos citar,
entre eles, por exemplo, os cânticos de roda – como “Terezinha de Jesus”, que
teve uma queda e foi amparada por três cavalheiros (o pai, o irmão e finalmente

capítulo 5 • 101
pelo prometido) – e a história de Chapeuzinho Vermelho, que são representan-
tes dessa elaboração do desejo sexual em um plano simbólico.

Análise de Chapeuzinho Vermelho por Bruno Bettelheim


Maíra Althoff De Bettio

De acordo com Bruno Bettelheim, a versão de “Chapeuzinho Vermelho” escrita pelos


Irmãos Grimm tem – entrelinhas – um apelo e caráter psicológico. Este, muitas vezes
não identificado por um adulto, porém normalmente fácil de ser internalizado por uma
criança. No decorrer do conto é identificado um paradoxo, o da menina pré-adolescente
que consegue assimilar as instruções da mãe a seguir pela estrada e sem sair desta,
todavia é facilmente convencida pelo lobo a optar por outro caminho, no qual ele sugere
que ela observe as flores e ouça o canto dos pássaros (mesmo com a indicação con-
trária da mãe). Quando a menina sai para levar a cesta com doces e vinho para a avó,
“Chapeuzinho deixa o lar voluntariamente. Não teme o mundo externo, e sim reconhe-
ce sua beleza, e aí está o perigo. Se o mundo fora do lar e do dever se torna atraente
demais, poderá acontecer uma volta a um comportamento baseado no princípio do
prazer”. O autor compara “Chapeuzinho Vermelho” com “João e Maria” algumas vezes.
Essa comparação é feita para mostrar a inocência infantil dos irmãos indo de encontro
à “maturidade” (referente às crianças) da menina com capuz vermelho. Essa maturidade,
que se encontra entre a infância e a puberdade da garota, é exemplificada quando ela
nota alguma coisa de diferente na avó –quando o lobo se passa por ela -, mas logo con-
funde-se e não dá importância, tendo em vista que o animal veste as roupas da parente.
Bettelheim cita também a questão masculina, tendo como personagens: o lobo e
o caçador; suas personalidades são relacionadas, respectivamente, com sedução,
violência, proteção e altruísmo. O caçador, de acordo com o autor, “é a figura mais
atraente, tanto para os meninos como para as meninas, porque salva os bons e
castiga o malvado”. Finalmente, como é do caráter dos contos de fadas, a justiça e
a lição estão presentes no momento em que a barriga do lobo é recheada com as
pedras, isto é, como ele colocou indevidamente Chapeuzinho Vermelho e sua avó na
barriga, comendo-as, assim que o caçador as retirou de dentro do animal, este pôs os
pedregulhos no lugar delas.
Fonte: <http://www.scribd.com/doc/9937711/Bruno-Bettelheim-A-Psicanalise-
Dos-Contos-de-Fadas>.

102 • capítulo 5
Conforme vemos pela narrativa do conto, a entrada para a sexualidade foi rea-
lizada. Contudo, a sexualidade externa só será procurada após a adolescência.
Logo, como vemos pelo exemplo dado do conto, o interesse sexual poderá ser
revertido pela formação de grupos unissexuados, os clubes de meninos e os de
meninas, conforme já discutimos anteriormente. Iniciam-se as incorporações
acerca dos papéis de gênero. Será humilhante para uma criança ser apanhada
realizando tarefas que não lhe correspondem. Há uma intensificação para o im-
pulso do companheirismo e para a rivalização para com os membros do sexo
oposto. Brincadeiras maldosas para com as meninas são constantes e se consti-
tuem na sinalização de defesas de rejeição dos meninos pela companhia delas.

5.2  O desenvolvimento emocional do adolescente

Em busca da Identidade
Carlos Drummond de Andrade

Eu desconfiava:
Todas as histórias em quadrinhos são iguais.
Todos os filmes norte americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais.
Todos os partidos políticos são iguais.
Todas as experiências de sexo são iguais. (...)
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais, iguais, iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Ninguém é igual a ninguém.
Todo ser humano é um estranho ímpar.
Disponível em: <https://adolescercomvalores.wordpress.com/2012/10/22/
video-aula-14-projetos/>. Acesso em: 22 mai. 2016.

capítulo 5 • 103
Segundo Stone e Church (1972), a adolescência é uma invenção cultural. Em
algumas sociedades, como nos grupos tribais, por exemplo, não ocorre um pe-
ríodo que separe a integração da criança à vida adulta, considerada pelas carac-
terísticas de ser produtivo e reprodutor. Geralmente, neste tipo de organização
social (como as tribos, por exemplo), o que se observa são rituais de passagem,
às vezes precedidos por um período de recolhimento, que indicarão a entra-
da na vida adulta a partir das manifestações da maturação biológica iniciada
na puberdade.
Na nossa sociedade, a chegada da puberdade e das modificações fisiológi-
cas que ela acarreta trazem dificuldades para o jovem que vão desde se senti-
rem desengonçados, diferentes, com membros desproporcionais ao tamanho
do tronco, enfim, muito estranhos para si mesmos. Do ponto de vista biológico,
estar adolescente implica em modificações corporais pela entrada na puberda-
de, que se iniciam em torno de doze a catorze anos. Essas mudanças se caracte-
rizam pelas mudanças na altura, peso e pela maturidade das funções reprodu-
toras. No plano psicológico, essas mudanças são acompanhadas de emoções
intensas, misturadas a sensações de angústia, alegria, tristeza, desamparo e de
impulsos desconhecidos e muito fortes. É um estranho estado como se alguém
tivesse conseguido aprender a linguagem, os modos adaptados de comporta-
mento, as formas e as regras sociais durante doze anos e, de repente, vê-se jo-
gado em um corpo novo, tendo de elaborar uma nova maneira de ser, tendo um
corpo de adulto e não sendo reconhecido como tal. Para Contardo Calligaris
(2013):

(...) há um sujeito capaz, instruído e treinado por mil caminhos – pela escola, pelos
pais, pela mídia – para dotar os ideais da comunidade. Ele se torna um adolescente
quando, apesar de seu corpo e seu espírito estarem prontos para a competição, não é
reconhecido como adulto. Aprende que por volta de mais dez anos, ficará sobre a tu-
tela dos adultos, preparando-se para o sexo, ou amar; ou então produzindo, ganhando
e amando, só que marginalmente (p.16).

Vemos ser a adolescência uma fase em que, apesar de ser cultural, o indi-
víduo fica em “suspensão” entre a mudança e maturação do corpo e a possível

104 • capítulo 5
autorização de realizar os valores sociais básicos aprendidos até então. Por isso
ela é também considerada como uma moratória7.
Apesar de os jovens se tornarem desejantes e com corpos desejáveis, o que
lhes permite amar, copular, gozar e reproduzir, que possuem energia e for-
ça suficientes para realizar tarefas que lhe tragam sucessos sociais invejáveis
(Calligaris, 2013), eles se veem como que “podados”, castrados, impedidos nes-
se intento por ainda “não ser bem a hora” para esses feitos se realizarem. Frases
como “você já está muito grande para fazer isso, ou você ainda é pequeno para
poder tomar esta decisão” são constantemente ditas pelos pais, professores e
outras figuras de autoridade. E o interessante desta “determinação de falta de
maturidade está no fato exatamente de que só se torna maduro se se enfrentam
as dificuldades e os desafios da vida adulta. Logo, ficar na espera imposta pela
moratória é o que lhe torna imaturo e inadaptado. O adolescente, então, apren-
de que ele é, definindo-se por:
•  Alguém que assimilou os valores de seus pais e sua comunidade, como ter
sucesso em todas as empreitadas, sejam sociais, culturais, financeiras, amoro-
sa e sexuais;
•  Alguém que tem um corpo de adulto que lhe permite ingressar nesse novo
mundo, competindo de igual para igual;
•  Mas alguém a quem a sociedade impõe uma moratória, ou uma posterga-
ção ou adiamento do prazo para se tornar adulto propriamente dito. (Calligaris,
2013)

A confusão psíquica se instala, pois são naturais expectativas como “o que


esperam de mim?”, “Como posso conseguir que me reconheçam e me admi-
tam como adulto?”, “O que posso fazer realmente?” Ou, como poeticamente
nos fala Álvaro de Campos:
Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta

7  Moratória é um termo jurídico que significa: “s.f. Jurídico. Adiamento do prazo estipulado para o pagamento de
uma dívida, concedido pela pessoa que empresta alguma coisa a alguém. P.ext. Aumento do prazo de pagamento
de uma dívida, concedido pela pessoa que empresta o dinheiro, podendo esta ser paga após o seu vencimento.
http://www.dicio.com.br/moratoria/ Acesso em: 24 maio 2016.

capítulo 5 • 105
E deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.

Em outros tipos de cultura, menos exigentes em termos de “preparação para


a vida adulta”, o que se tem são ritos de iniciação, pelos quais algumas duras pro-
vas, podendo ser até dolorosas, são colocadas como exigência definitiva para ser
um adulto. Para Calligaris (2013), mesmo que essas iniciações sejam difíceis, elas
acabam tornando-se mais suportáveis que a moratória de nossa sociedade esta-
belecida ao adolescente. As primeiras – os ritos de passagem – têm definidos seus
propósitos e alcances e indicam ao jovem o que lhe será necessário para se tornar
um membro adulto de sua comunidade. Em contrapartida, em nossa cultura,
fica muito difícil saber qual o caminho a seguir, até porque ninguém realmente o
sabe. Fica em aberto a questão do que se precisa para ser uma mulher ou um ho-
mem, já que o simples critério da maturação biológica foi descartado. Para nós,
ser adulto é ser reconhecido como responsável, já que se pode afirmar e viver de
modo independente e autônomo. Então, não é difícil entender que essa fase seja
repleta de sentimentos e comportamentos reativos, de rebeldia, ambíguos, de es-
quiva, cheios de idealizações, racionalizações, fantasias, entre outros. A ambigui-
dade se vê reforçada através da própria sociedade, a qual se comporta colocando
a adolescência como um tempo particularmente feliz, no qual ele recebe um pra-
zo (moratória) dado pela sociedade para que escolha um caminho, uma perso-
nalidade, uma identidade, uma carreira. Todavia, como é possível, para alguém
que tem sua autonomia restringida, não podendo exercer valores importantes à
sua vida, sem liberdade para ir e vir, sem liberdade de amar, sem liberdade para
trabalhar, ou mesmo expor suas ideias, poder se sentir feliz? É como se também
os “adultos” idealizassem a adolescência como sendo um período ideal e só de
felicidade, quando na realidade é um doloroso momento de privação de reconhe-
cimento e independência.
E quanto tempo deve durar a adolescência? Bem, esses devem ser critérios
difíceis de serem respondidos. Então, vejamos, a entrada é de fácil identifica-
ção. Ela se inicia com a mudança do corpo infantil ocasionada pelas alterações
produzidas pela puberdade, as quais provocam transformações no corpo, sur-
gimento das pulsões sexuais, sob o ponto de vista biológico; como a maneira de
se perceber e de compreender os outros, a formação de uma identidade social
exterior à família e toda uma diversidade e intensidade de mudanças, pelo pon-
to de vista psicossocial.

106 • capítulo 5
Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, essa fase fica determina-
da entre 12 e 18 anos, sendo estendida aos 21 anos em casos especiais. Alguns
estudiosos dividem a adolescência em dois períodos, um que vai dos 12 aos 14-
15 anos e outra que é considerada a adolescência tardia, que vai dos 15 aos 18
anos. Cloutier e Drapeau, 2012)

DIMENSÃO DA ADOLESCÊNCIA O INÍCIO DA ADOLESCÊNCIA O TÉRMINO DA ADOLESCÊNCIA


BIOLÓGICA Início das mudanças físicas Capacidade de ter um filho
Aparecimento dos primeiros
COGNITIVA raciocínios.
Domínio do pensamento formal

Primeiras tentativas de preser- Capacidade para definir-se


var a sua intimidade, guardar enquanto pessoa independente,
EMOCIONAL segredos e afirmar as suas afirmar e assumir suas escolhas
escolhas. pessoais.
Os pais já podem deixar seus
Idade da maioridade, que impli-
filhos sozinhos em casa sem
JURÍDICA serem considerados negligen-
ca, por exemplo, em responder
juridicamente pelos seus atos.
tes, de acordo com o ECA.
Aparecimento dos comporta- Obtenção da autoridade sobre
mentos de participação autôno- si mesmo com o consequente
ma nos papéis coletivos (traba- exercício dos poderes e respon-
SOCIAL lho, engajamentos pessoais etc.) sabilidades perante os outros
e construção de uma rede social (autodisciplina, reciprocidade
pessoal independente da família. etc.)

Tabela 5.1  –  Baseado na tabela de Cloutier e Drapeau, 2012.

ATIVIDADES
01. De acordo com o texto, como você descreve e observa como importante o período de
latência em termos de construção e desenvolvimento da emocional da criança?

02. Explique por que o período de latência não está destinado às relações objetais e o que
acontece com a sexualidade durante esta passagem.

03. Qual a importância de um bom desempenho durante o período de latência?

04. O afastamento da criança da ideologia dos pais pode trazer sérias consequências ao
desenvolvimento emocional, algumas positivas e outras negativas. Explique e exemplifique
esses aspectos.

capítulo 5 • 107
05. A entrada na adolescência não é um período fácil. O jovem sofre muitas pressões. Entre
as questões que envolvem a adolescência, podemos citar estas características: a adolescên-
cia como uma moratória; como uma reação e rebeldia; como uma etapa idealizada, e início e
término da adolescência. Busque fazer um pequeno resumo dessa difícil passagem através
das características acima descritas e apresentadas.

06. O que seriam a puberdade e a adolescência? Estabeleça a diferença entre ambos os


conceitos a partir de suas conceituações iniciais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CALLIGARIS, Contardo – A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2013.
CLOUTIER, R. & Drapeau, S. Psicologia da adolescência. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
LAPLANCHE, J., & PONTALIS, J. B.- Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.
RAPPAPORT, Clara. Encarando a adolescência. São Paulo: Ática, 1998.
RAPPAPORT, C.; FIORI, W.; & DAVIS, C. A idade escolar e a adolescência. São Paulo: EPU, 1991.

108 • capítulo 5
6
A psicologia da
adolescência
6.  A psicologia da adolescência
6.1  As teorias da adolescência

Como já vimos, a adolescência é um período que separa a infância e a idade


adulta. Do ponto de vista psicológico, esse tempo – chamado de moratória –
marca a passagem entre a dependência infantil e a autonomia adulta.
Vimos também, através de um quadro explicativo, entre que processos se
situam o final da adolescência e o início da fase adulta. É claro que estabelecer
os limites entre ambas as fases é muito difícil, em função de eles dependerem
da integração de considerações biológicas, psicológicas e sociais. Mas conse-
guimos estabelecer alguns critérios quando visualizamos o quadro no final do
capítulo 5.
Podemos considerar a adolescência com algumas considerações tais como
sendo uma moratória, um período caracterizado pela reação e rebeldia, por ser
interpretado como período de modo idealizado pela sociedade, como se fosse
um “tempo da felicidade” – já que é pensado que ao adolescente, por alguns,
ser permitido viver situações de adulto, sem as suas respectivas responsabili-
dades. Mas podemos também acrescentar a seguinte designação etimológi-
ca nessa análise simbólica de ser adolescente: adolescência corresponde em
latim à palavra adolescentia, do verbo adolecere, que designa “crescer para”.
Resumindo estas formulações, podemos dizer que ser adolescente é estar em
um estágio intermediário durante o qual o indivíduo, que já não é mais criança
e ainda não é adulto (por isso o emprego usual do termo moratória), não tem
responsabilidades sociais a título pessoal (portanto, um tempo de ser feliz),
que, no entanto, ao lhe ser possível explorar situações distintas das tradições
familiares, exercer-se e experimentar papéis segundo suas próprias ideias e
vontades ser considerado como rebelde e reacionário. Assim, a adolescência se
caracteriza pela diversidade e intensidade das mudanças que ela traz e por três
lutos que o jovem precisa realizar para poder integrar-se à vida adulta: luto pela
perda do corpo infantil, luto pela perda da identidade infantil e luto pela perda
dos pais da infância.
Segundo Steinberg e Morris (2001), o grande interesse que os estudos dos
adolescentes vêm provocando relaciona-se com quatro tendências, a saber:
a influência da (a) perspectiva ecológica de Bronfenbrenner; em função dos
avanços (b) dos modelos de investigação sobre a perspectiva biossocial do

110 • capítulo 6
desenvolvimento humano; (c) o aumento do interesse pelos problemas sociais
e suas consequências – como a delinquência, consumo das drogas, violência,
separação dos pais, gravidez adolescente, entre outros; e (d) os estudos longi-
tudinais feitos ao longo do acompanhamento do crescimento de crianças, e os
que destacam os seguintes temas secundários: a família, a puberdade e os pro-
blemas de comportamento.
Com relação ao modelo ecológico de Bronfenbrenner (a), temos a preocu-
pação e a consideração com a influência dos contextos familiares, escolares, de
formação que grupos exercem no indivíduo e nos quais o desenvolvimento hu-
mano ocorre. O segundo aspecto (b) marca a importância das complexas mu-
danças biológicas e sociais visivelmente reconhecidas. O terceiro (c), e não me-
nos importante, trata dos aspectos psicossociais vivenciados pelo adolescente,
também denominados de aspectos culturais, que apontam para a adolescência
como um período crítico com relação à ocorrência e adesão a tais circunstân-
cias e seus consequentes problemas. A quarta (d) tendência nos traz questões
relacionais e fundamentais vindas do ambiente familiar. Os pais exercem in-
fluência, primordialmente, como primeiro núcleo social do indivíduo, em de-
corrência dos laços e papéis conferidos nas relações pais-adolescentes. O luto
pela perda dos pais da infância retrata inicialmente conflitos marcados pelo
aumento das tensões e de outros pequenos confrontos, os quais provocam um
distanciamento entre as duas gerações. A insegurança gerada pela perda da re-
ferência parental de proteção e solicitude provoca crises pela falta de reconhe-
cimento, ou de um olhar dos pais para uma figura de um outro adulto colocado
diante deles. O jovem não é nem mais a criança amada nem um adulto reconhe-
cido. Ele é simplesmente um nada, um vazio, um ser frágil em sua autoestima,
tentado a atitudes de depressão, de uso de drogas, de comportamentos delin-
quentes e de tentativas de suicídio. Segundo Calligaris:

Grande parte das dificuldades relacionais dos adolescentes, tanto com adultos quanto
com seus colegas, deriva dessa insegurança. Tanto uma timidez apagada quanto o es-
tardalhaço maníaco manifestam as mesmas questões, constantemente à flor da pele,
de quem se sente não mais adorado e ainda não reconhecido (...) (2013; p. 25).

Se as mudanças corporais, pelo marco da puberdade, são imponderáveis


e incontroláveis, do mesmo modo o mundo exterior passa a exigir do jovem

capítulo 6 • 111
novos modos de comportamento e de convivência, que são encarados como
cobranças hostis e invasoras. Como forma de defender-se, o jovem poderá re-
correr a muitas de suas defesas (entendidas como atitudes e comportamentos)
já conhecidas e reagir de modo infantil, mesmo que no seu íntimo prevaleça
uma ânsia de ser adulto. A perda da identidade infantil, instigada, forçada, de-
terminada em decorrência da “imponderável” mudança corporal, gerará a pro-
cura por uma nova identidade, a qual irá se construindo tanto conscientemen-
te quanto inconscientemente. Em sua natural rebeldia, já que tudo lhe parece
hostil (até a mudança de corpo), o jovem não deseja ser como “determinados
adultos” os quais critica e contra os quais se rebela diante de ideologias por
ele consideradas inadequadas, conservadoras, limitadoras, entre outras situa-
ções simbólicas dessa necessidade de “crescer para”, já referida anteriormente
acerca da etimologia da palavra adolescente. Este desejo de “não repetir” os
mesmos valores e modelos traz ao jovem outras referências, outros “espelhos”
(pessoas) através dos quais ele se verá e com quem poderá se identificar.
A perda do corpo infantil acarreta problemas, como a mudança do status de
criança, a imposição de uma determinação sexual, já que meninas menstruam
e os meninos expelem sêmen, a aquisição de um papel social na união com
um parceiro e na questão da procriação. Assim, só quando o jovem consegue
aceitar todas essas imposições uma nova identidade começa a florescer. Essa
característica podemos considerar como universal na adolescência.
Para Knobel (2008), a adolescência é um processo de desprendimento do
mundo da infância. E a define mais precisamente como sendo:

A etapa da vida durante a qual o indivíduo procura estabelecer sua identidade adulta,
apoiando-se nas primeiras relações objeto-parentais internalizadas e verificando a
realidade que o meio social lhe oferece, mediante o uso dos elementos biofísicos em
desenvolvimento à sua disposição e que, por sua vez, tendem à estabilidade da perso-
nalidade no plano genital, o que só é possível quando consegue o luto da identidade
infantil (2008: p.23).

A questão principal do adolescente, como constatamos, está em despren-


der-se da identidade infantil, isto é, fazer o seu luto, para assim poder buscar
uma nova identidade, uma identidade adulta. Um desses lutos está na perda
do corpo infantil; o segundo, e em consequência deste, encontra-se o luto pela

112 • capítulo 6
identidade infantil, conforme já descrevemos. Resumidamente, o jovem deve-
rá – nesse segundo luto – buscar alguma forma de ideologia que substitua a
identidade anterior. Não se trata de um processo linear, mas, antes, uma flu-
tuação de comportamentos caracterizada por uma mistura de características
infantis e adultas, pelas quais o adolescente pode desempenhar vários persona-
gens e versões contraditórias de si. O terceiro luto pela relação com os pais da
infância, o qual é um processo dual, pois os pais também precisam fazer o luto
pela perda do corpo do filho pequeno, pela sua identidade de criança e pela sua
dependência infantil. E o quarto luto é sinalizado pela perda da bissexualidade
infantil. O desenvolvimento da fase genital, vista no capítulo 3 com a Teoria
Psicanalítica, envolve a superação da bissexualidade infantil.
Todos esses lutos configuram a Síndrome Normal da Adolescência, que dis-
cutiremos a seguir, fruto da busca de si mesmo – self – e da identidade; sendo
esta última considerada como um sentimento de continuidade e semelhança
para consigo mesmo. No entanto, só no término da adolescência é que a per-
sonalidade ou identidade irá se estabilizar razoavelmente. O adolescente será
capaz, então, de formar um conceito de si mesmo (self) ou autoconceito.
A princípio – na formação da identidade –, a busca por si mesmo, também
chamada por alguns autores como o desenvolvimento do self, passa por essa
estruturação através da apresentação de vários personagens, também denomi-
nadas identidades transitórias, as quais aparecem, por exemplo, como adesão
passageira a determinados estilos (gótico, por exemplo) e gostos musicais (funk,
axé, rock, eletrônico, samba, pagode). Essa difusão de papéis é considerada por
Erick Erikson, de acordo com o desenvolvimento psicossocial, como correspon-
dente à etapa denominada de Identidade X Confusão de papéis, vista no capítulo
3. As diferentes “versões” de si mesmo trazem confusões acerca, inclusive, de sua
maturidade, posto que seus comportamentos podem aparecer de modos muito
contraditórios. A condução para seu autoconhecimento, a estruturação de seu
self (si mesmo) ou de sua identidade, passará, sem a menor dúvida, por esta expe-
riência múltipla em diferentes experiências de papéis sociais, e seus consequen-
tes afetos e valores deles decorrentes. É claro que o desenvolvimento cognitivo,
segundo Piaget, conforme vimos no capítulo 4, ajudará o jovem a pensar acerca
de si por meio de abstrações e idealizações, pertinentes a um pensamento lógi-
co formal, o qual auxiliará o jovem na organização do sentido de continuidade
e semelhança sobre si mesmo, dando-se a aquisição da identidade. Conforme
vimos, Piaget observou que a inteligência humana é construída na relação entre

capítulo 6 • 113
o sujeito e o ambiente que o cerca. Suas pesquisas o levaram a dividir o desen-
volvimento humano em estágios, nos quais a inteligência assume determinadas
características. No caso em que nos encontramos, a adolescência, a inteligência
está situada no período das operações formais: a cognição se torna capaz do pen-
samento hipotético-dedutivo, e a inteligência pode pensar abstratamente. Trata-
se de uma aquisição importantíssima para a adaptação do ser humano ao mun-
do. Logo, temos o surgir do tempo de comparações entre o self ideal (aquele que
devo ser) e o self real (aquele que sou mesmo). Através desses procedimentos de
diferenciação, o jovem vai integrando, aos poucos, os afetos vivenciados em cada
papel social e se descobrindo como pessoa, através das avaliações e deduções ló-
gicas feitas, por ele mesmo, dos distintos quadros situacionais experimentados.
Conforme estudamos com Vygotsky, sua objetivação se encaminha para o papel
fundamental da linguagem no desenvolvimento cognitivo, posto que o autor
considera o ser humano como aquele que se utiliza de sistemas de representa-
ção para agir sobre a realidade. Deste modo, podemos entender que a chegada
à estrutura de um self possível surgirá das distintas ponderações, ou discussões,
entre self real (o estado em que me encontro), com o self ideal (o que devo ser de
acordo com os valores culturais), e a experiência vivida pelo self “flutuante” (os
distintos modos como me comporto segundo solicitações das situações do mo-
mento). Porque, como contempla Vygotsky, a linguagem – como representação/
simbolização do mundo – é o sistema principal transmitido socialmente, pela
qual aprendemos a falar nos relacionando com outros seres falantes e a nos cons-
truir como pessoas. Em certo sentido, portanto, a adolescência é uma construção
histórico-social.
No contexto social, podemos observar essas diferentes modalidades do self
por meio das mudanças bruscas nas maneiras de se vestir, em produções varia-
das de modelos e estilos que ocorrem em poucas horas. Tudo é muito flutuan-
te, rápido, contraditório.
Contudo, não são apenas os adolescentes que padecem nesse processo. Os
pais – conforme falamos do luto pelos pais da infância – também sentem muita
dificuldade para aceitar essas mudanças do crescimento biológico, em decor-
rência dos sentimentos de rejeição diante da genitalidade do filho, e da ma-
nifestação da personalidade emergente. Muitas vezes a rejeição parental vê-se
disfarçada, ou mascarada, por excessivas concessões e liberdades dadas ao jo-
vem. Este último se sente como que abandonado, desprezado, não olhado, fato
que não deixa de ser verdadeiro. Essas dificuldades relacionais e emocionais

114 • capítulo 6
podem acarretar desvios comportamentais da parte do jovem no sentido de as-
sumir sua genitalidade e a independência total de si mesmo, em um momento
no qual essa dependência ainda se faz necessária. O adolescente se coloca dian-
te de posturas de refúgio em suas fantasias, em flutuações polares entre depen-
dência e independência, e, na ânsia de tornar-se adulto, pode recorrer a defesas
(comportamentos) infantis para se proteger. Estas estratégias de defesa dos
conflitos gerados pelo “sentir-se abandonado, órfão” só dificultam o processo
de luto, em função do rompimento dos necessários momentos estruturantes
de perdas e reparações entre os membros da família.
No entanto, pesquisas feitas com observações do estilo de autoridade dos
pais revelam dados significativos, como os de Diana Baumrind (1970,2005),
como, por exemplo, o estilo dos pais democráticos8 tem em seus filhos compor-
tamentos mais adaptáveis, competentes e maduros em comparação aos pais
descomprometidos, autocráticos e permissivos. (Cloutier e Drapeau, 2012).
Sendo a puberdade um processo biológico caracterizado pela passagem à
fase reprodutiva da vida, as mudanças corporais aparentes, como a altura, as
características sexuais secundárias e a proporção dos tecidos corporais, como
o adiposo e os musculares, causam impacto indiscutível nos aspectos psicos-
sociais. Assim sendo, por exemplo, as meninas sofrem mais cedo essas trans-
formações que os meninos e, portanto, sofrem efeitos diferentes do que os dos
meninos. Nas garotas precoces, há o risco de terem problemas relativos ao pla-
no psicológico, como, por exemplo, por não serem mais populares, podem ter
tendências a alimentar imagens negativas de si mesmas; estar mais sujeitas à
depressão; ansiedade, problemas de comportamento, atividade sexual preco-
ce, dificuldades escolares e consumo de drogas, riscos acrescidos de começa-
rem a frequentar grupos de adolescentes mais velhos.

MULTIMÍDIA
Recomenda-se o filme “Aos Treze”, como uma boa ilustração do que estamos discutindo. Esta
película encontra-se disponível no seguinte site: <https://youtu.be/rlrfybe4NQw>. Você vai
conseguir identificar bem as características que estamos mencionando. O filme se constitui
em um excelente laboratório de observação de comportamento.

8  Pais democráticos: são aqueles que estão comprometidos com o papel de apoio, de supervisão, mas sensíveis e
afetuosos, sem deixarem de ser exigentes e firmes, diante das questões e conflitos dos adolescentes.

capítulo 6 • 115
Com relação aos meninos, a puberdade precoce associa-se a uma autoimagem
positiva e a uma popularidade maior, em comparação com os que têm sua matura-
ção mais tardiamente. Estes últimos correm o risco de apresentar uma autoestima
e um sentimento de capacidade pessoal menores. Verificamos também, como no
caso das meninas precoces, altos riscos como a vulnerabilidade para com compor-
tamentos antissociais, delinquência, sexualidade mal protegida e consumo de dro-
gas. Todos esses riscos de meninos e meninas, estaremos desenvolvendo melhor
no capítulo 7, no qual discutiremos essas complexas questões.
Os problemas de comportamento na adolescência, como vemos, são te-
mas de um número considerável de pesquisas. Contudo, os autores Steinberg
e Morris (2001) consideram que a ideia de que a adolescência seja um período
conturbado e problemático, em vez de vê-la como um processo de desenvolvi-
mento normal, contribui muito para criação de um mito, o qual conserva uma
crise obrigatória entre a infância e a adolescência. O que há, para eles, é uma
disseminação, por parte dos adultos envolvidos, de uma impressão de suas di-
ficuldades em lidar com o novo ‘adulto’, gerando situações graves ligadas ao
consumo de drogas, à sexualidade e à agressividade, como se estes comporta-
mentos estivessem surgindo cada vez mais cedo entre os jovens. O que se ob-
serva na realidade é a existência de duas tendências nessa fase: uma de jovens
que não vivem nenhuma crise grave ao longo da transição para a idade adulta; e
outra daqueles que apresentam, sim, suas dificuldades extremas e ocupam um
grande espaço na mídia.
Para entendermos mais essas colocações, vamos agora abordar o excelen-
te trabalho produzido por Aberastury e Knobel (2008), acerca da “Síndrome da
Adolescência Normal”. Para tanto, precisamos primeiro discutir a adolescência
e a liberdade. Aberastury aceita a entrada na vida adulta como uma circunstân-
cia ambígua, por ser simultaneamente algo desejado e temido. É um momento
de intensa flutuação entre a dependência e a independência só resolvida com
a maturidade no entendimento de que ser independente implica limites de de-
pendência. Por ser um momento de temor ao desconhecido (provocado pelo
novo corpo, pela necessária nova identidade), gera defesas manifestadas em
contradições, confusões, ambivalências e conflitos com os pais. Este quadro
acaba por ser confundido como sendo de crises e estados patológicos, e nesse
aspecto ela concorda com Steinberg e Morris.
Podemos identificar essas flutuações de identidade também nos estilos
de vestimentas escolhidas, as quais se tornam chamativas; nas apresentações
pessoais como em diferentes personagens; na experimentação de genitalidade

116 • capítulo 6
(que acirra o sentimento de serem rejeitados, e não reconhecidos pelos pais, se
estes mascaram sob uma concessão de liberdade, originando sentimentos de
abandono). O adolescente precisa criar uma ideologia ou um sistema de valo-
res próprios que lhe permitam confrontar-se com seu meio e consiga superar
situações consideradas como rejeição, por exemplo, diante de críticas constru-
tivas que lhe são colocadas. Essas circunstâncias se encontram dificultadas no
seu desenvolvimento, porque os pais também precisam realizar seus lutos: “o
luto pelo corpo do filho pequeno, pela sua identidade de criança e pela sua re-
lação de dependência infantil”, conforme já dissemos. (Aberastury, 2008: p.15).

O problema da adolescência tem uma dupla vertente, que, nos casos felizes, pode
resolver-se numa fusão de necessidades e soluções. Também os pais têm de se
desprender do filho criança e evoluir para uma relação com o filho adulto, o que impõe
muitas renuncias de sua parte (2008, p.15).

Os pais terão de enfrentar a aceitação do porvir, de seu processo de envelhe-


cimento e também de sua morte. Assim como terão de rever a imagem idealiza-
da criada de si mesmos, e nas quais o filho se acomodou. Agora os filhos serão
capazes de criticá-los também. E nesse ponto estamos diante de outro impasse
à maturidade do jovem: a ambivalência e a resistência dos pais em aceitar esse
processo de amadurecimento de seu filho. Qualquer estudo sobre a adolescên-
cia estará incompleto, segundo Aberastury, se não se considera essa questão da
importância de se refazer a identidade dos pais. Portanto, estamos diante da
situação que não é somente o adolescente o “ser” difícil; a sociedade também
lhe é hostil, incompreensiva diante de alguém que quer atuar sobre a realidade
social, através de suas próprias ações e transformações.
Temos, assim, a compreensão pela rebeldia e o desprezo do jovem pelos
valores instituídos. Elas são apenas manifestações defensivas diante dos valo-
res dos adultos e que servem para controlar a depressão e a dor de ter de se
desprender do corpo infantil, bem como da afirmação da necessidade de ser
respeitado. Ter de realizar uma desidealização das figuras parentais (luto pe-
los pais da infância) traz como consequência o sentimento de desamparo. Por
sua vez, os pais se ressentem dessas manifestações, e, tentando exercitar sua
autoridade, acabam por reforçar o isolamento e o distanciamento do seu filho,
principalmente quando aqueles executam o poder sobre este através de sua de-
pendência econômica.

capítulo 6 • 117
Enquanto o adulto se agarra aos seus valores, que geralmente podem ser
fruto de um fracasso interno ou de um refúgio diante da sua alienação, por ou-
tro lado o jovem luta pela imposição de seus afetos, desprezando as colocações
dos adultos, procurando ratificar sua afirmação pessoal e seu poder social. As
defesas do adolescente se veem acrescidas de processos de intelectualização
para poder superar a incapacidade de ação a partir de soluções teóricas para
seus problemas transcendentes, como os que ele viverá a curto prazo – por
exemplo o amor, a liberdade, o matrimonio, a paternidade etc.
Realmente, a inserção no mundo social adulto é conseguida através de mo-
dificações internas seguidas de mudanças nos planos de vida que incluem a
integração de valores éticos, intelectuais e afetivos, os quais definirão sua per-
sonalidade pela aquisição de uma estrutura ideológica.

De acordo com Cazuza:


Ideologia
Cazuza

Meu partido/ É um coração partido/ E as ilusões/ Estão todas perdidas/ Os meus so-
nhos/ Foram todos vendidos/ Tão barato que eu nem acredito/ Ah! Eu nem acredito/
Que aquele garoto/ Que ia mudar o mundo/ Mudar o mundo/ Frequenta agora /As
festas do "Grand Monde"/ O meu prazer/ Agora é risco de vida/ Meu sex and drugs/
Não tem nenhum rock 'n' roll/ Eu vou pagar/ A conta do analista/ Pra nunca mais /
Ter que saber Quem eu sou/Ah! Saber/ quem eu sou/ Pois aquele garoto/ Que ia
mudar o mundo/ Mudar o mundo/ Agora assiste a tudo/ Em cima do muro
Em cima do muro!/ Meus heróis/ Morreram de overdose/ Meus inimigos/ Estão
no poder.
Ideologia!/ Eu quero uma pra viver/ Ideologia!/ Pra viver/ Pois aquele garoto/ Que ia
mudar o mundo/ Mudar o mundo/ Agora assiste a tudo/ Em cima do muro/ Em cima
do muro/ Meus heróis/ Morreram de overdose/ Meus inimigos/ Estão no poder/
Ideologia!/ Eu quero uma pra viver
Ideologia!/Eu quero uma pra viver/ Ideologia!/ Pra viver/ Ideologia!/ Eu quero uma
pra viver.
Disponível em: <https://www.letras.mus.br/cazuza/43860/>
Acesso em: 29 mai. 2016.

118 • capítulo 6
De acordo com essa letra, verificamos o problema da juventude inconfor-
mada, que se confronta com a violência, com um estado de entorpecimento de
seu processo, na busca por saídas e o clamor por uma ideologia, por ideais e de
figuras ideais com quem se identificar; pela instituição de seus próprios valo-
res, pela necessidade de reconhecimento social.
O adolescente necessita fazer escolhas para poder sair do “muro”, como se
refere Cazuza. E essas escolhas lhe darão o sentido de sua liberdade. Entre elas
temos a liberdade para escolher o horário de retorno à casa, de ter seus próprios
amigos, de sair e beber com eles, como a expressão da necessidade de ir e vir e
de autocontrole. O jovem necessita aprender a sentir seu mundo interno, seu
crescimento e seu desprendimento sem o controle dos pais. Vemos também
a necessidade de escolher seu modo de agir e de amar, no qual o sexo é visto
como uma real fonte de amor, e não simplesmente uma descarga ou um mero
passatempo ou afirmação de potência. Apesar de sentirem necessidade de ex-
perimentar muitas relações sexuais, mesmo que não sejam completas, para
Aberastury esse exercício da sexualidade não é considerado pelos jovens como
uma promiscuidade. A outra necessidade do jovem é o exercício de sua fala. O
adolescente necessita ter a liberdade de expor suas ideias sem ser criticado por
seus pais. O jovem precisa falar de suas conquistas e, muitas vezes, segundo
queixas dos pais, ele “toma a palavra” impedindo que outros dominem a situa-
ção. Este fato é uma consequência de quando se sente criticado, desqualificado
ou classificado segundo os valores e comparações de seus pais.
No entanto, nesse tão difícil exercício da liberdade, é importante relatar cer-
tas condições. Um dos caminhos é o da liberdade sem limites, aquele no qual o
jovem fica sem referências, sem parâmetros e se sente abandonado e desampa-
rado em suas escolhas. Desse modo, adolescentes muito reivindicativos e bas-
tante crentes de seus direitos, muitas vezes se tornam agressivos com seus pais
e figuras de autoridade. O desamparo pela falta de limites formata uma cultura
de direitos daquilo que lhes é devido, contudo sem a devida responsabilidade e
respeito pelo outro. O outro caminho para a vivência da liberdade é de possibili-
tar escolhas, mas com certas restrições. As figuras parentais precisam sinalizar a
importância do cuidado, da cautela, da observação do que se faz, das consequên-
cias dos atos impulsivos, sem perder o contato afetivo e o diálogo sobre normas,
controles, regras sociais e decisões, como a integração das figuras parentais.

capítulo 6 • 119
6.2  Síndrome da adolescência normal

6.2.1  Normalidade e patologia na adolescência

Knobel (2008) destaca a importância dos fatores culturais na expressão com-


portamental do adolescente; no entanto, ele não descarta as questões biológi-
cas e psicológicas envolvidas nessa fase. Pesquisas realizadas por este autor no
campo clínico indicaram-lhe algumas conclusões que passaremos a discutir.
A adolescência é uma circunstância especial que obriga o jovem a repensar os
seus conceitos a respeito de si mesmo e que determinam o abandono de sua
autoimagem infantil, a fim de lançar-se na vida de adulto.
Diante de um mundo de relações tão mutável e de um adolescente que apre-
senta, segundo Knobel (2008), uma série de atitudes também mutáveis, este jo-
vem só pode se manifestar de modo especial, já que de nenhuma outra maneira
poderia se comparar ao conceito de normalidade dado pelo adulto.
Definir normalidade é uma tarefa bem difícil, pois ela depende de fatores
socioeconômicos, políticos, culturais, portanto segue regras explícitas ou im-
plícitas definidas pela sociedade. É como se este conceito fosse determinado
pela consciência moral, em termos do que é certo ou errado, bom ou mal.
Para Knobel, “a normalidade se estabelece sobre as pautas de adaptação ao
meio, e que não significa um submetimento ao mesmo, mas a capacidade de
utilizar os dispositivos existentes para o alcance das satisfações básicas do indi-
víduo, numa interação permanente que procura modificar o desagradável ou o
inútil através do alcance de substituições para o indivíduo e para a comunidade”
(2008, p. 27).
O adolescente pode falhar nesses atributos acima, em função de sua per-
sonalidade ainda não estar integrada e, com isso, ele não conseguir ter uma
força interior que lhe permita certificar-se e aceitar que, às vezes, circunstân-
cias do meio não lhe permitem realizar seus objetivos em um dado momento.
E que, nessas ocasiões, ele precisará modificar seus comportamentos em fun-
ção dessas situações impeditivas. Com essa dificuldade, o jovem poderá apre-
sentar condutas semelhantes a das personalidades marginais. Como vimos, as
lutas e rebeliões externas são, portanto, o resultado dos conflitos infantis de
dependência que ainda persistem, conforme explicamos anteriormente com
relação ao conceito de normalidade. Desse modo, a passagem pelos três lutos
implica em atuações defensivas, de maior ou menor grau, cujas características

120 • capítulo 6
se assemelham às características fóbicas ou contrafóbicas, psicopáticas, ma-
níacas ou esquizoparanoides. Por isso, Aberastury e Knobel falam de uma
Patologia Normal da adolescência.
O jovem padecerá de desequilíbrios constantes e instabilidades extremas,
podendo passar de momentos de grande extroversão a momentos de uma ex-
trema introversão; alternando audácia, timidez, descoordenação, uma urgên-
cia para que os fatos se deem, desinteresse, às vezes acentuadas apatias, entre
outras emoções que vão se manifestando em função das diferentes situações.
Tais como crises religiosas, ateísmo, ceticismo, intelectualizações, heteroero-
tismo e ocasionalmente até comportamentos ocasionais de homossexualida-
de. À medida que os lutos vão sendo elaborados, desfazendo-se as identifica-
ções infantis, os jovens começam a poder contar com um mundo interior mais
fortificado, e essa “normal anormalidade” (Knobel, 2008) será menos conflitiva
e sem seus incômodos efeitos.

6.2.2  A Síndrome da adolescência normal – sintomatologias

A Busca por si mesmo e pela identidade (já discutimos bastante sobre isso
anteriormente)

Tendência grupal

Podemos considerar a tendência grupal – uma das sintomatologias da Síndrome


da Adolescência Normal – como sendo a manifestação da busca pela identida-
de. Por meio dela o jovem buscará fazer parte de um grupo pelo qual ele desloca
a necessidade de proteção, antes depositada em seus pais, e se defende diante
da perda da identidade infantil. O grupo, de certa forma, torna-se um substituto
para a família, proporcionando uma identidade diferente da do meio familiar.
Knobel (apud Aberastury, 2008) entende que “depois de passar pela experiência
grupal, o indivíduo poderá começar a separar-se da turma e assumir sua identida-
de adulta” (p.37). Por meio desta vivência grupal o jovem conseguirá opor-se aos
membros de sua família, ativar uma identidade diferente da do meio familiar,
pelo reforço que consegue para os aspectos contraditórios e mutáveis de seu ego.
O grupo adquire uma dimensão transcendental, posto que o adolescente trans-
fere para ele parte de sua dependência para com seus pais. A tendência grupal
é fundamental na experiência de transposição necessária ao mundo social e no

capítulo 6 • 121
alcance da individualização adulta. É através de “estar protegido pelo grupo” que
o jovem poderá vivenciar dissociações, projeções e identificações, favorecendo,
inclusive, comportamentos antissociais e psicopáticos no adolescente. Contu-
do, conforme sinaliza Knobel (2008), trata-se de uma psicopatia transitória, que
protege o jovem da culpa decorrente do conflito que vive em torno da perda da
identidade infantil. Portanto, pertencer a um grupo favorece a formação de sua
personalidade e o encontro com o seu self.

Necessidade de intelectualizar e fantasiar:

A fantasia e o pensamento atuam como mecanismos de defesa diante das per-


das experimentadas pelos adolescentes. Como eles têm o mecanismo do pen-
samento abstrato, dado pela inteligência lógica-formal (ver Piaget no capítulo
4), a possibilidade de “abstrair” ou fugir para o mundo interior, nesse senti-
do, pode servir como meio de reajuste emocional. O jovem então tece teorias,
imagina utopias políticas, como será como futuro pai ou mãe, descreve suas
experiências amorosas com jargões filosóficos ou se utilizando de filósofos,
mantendo-se distantes de suas emoções. Mas também essa abstração, esse fan-
tasiar e intelectualizar pode lhe auxiliar, como uma forma de sublimação, na
escrita de romances, poemas, composições musicais, atuações teatrais, pelos
quais o jovem consegue elaborar as emoções em sentimentos.

As crises religiosas

A perda dos pais da infância pode tornar o jovem tanto em um fervoroso crente
quanto em um profundo cético, não acreditando em nada. É comum o adoles-
cente ficar atraído tanto pelo misticismo quanto manifestar uma atitude nii-
lista. Ambos os casos são diferentes formas de defesa contra as perturbadoras
mudanças que ele vivencia. A perda da referência paterna como uma figura de
autoridade, um modelo a ser imitado, traz uma profunda perturbação para com
a questão: quem vai me proteger? Como também surge uma descrença e repú-
dio com relação aos exemplos de poder e autoridade recebidos. A percepção
de que seus pais são falhos, que cometem erros, que não aceitam suas críticas
desenvolve uma necessidade de buscar algo ou alguém que possa transcender
essa constatação. Os pais deixam de ser ídolos e passam a ser vistos como fra-
cos e vulneráveis como ele. Com relação à busca pelo misticismo, ocorre uma

122 • capítulo 6
tentativa de aplacar a angústia diante da morte do corpo de criança, mediante
a identificação com figuras idealizadas. No entanto, o ceticismo e o niilismo
podem ser consequência da integração das projeções de repúdio e destruição
das figuras paternas, configurando um mundo interno constituído de imagens
parentais persecutórias.

A deslocalização temporal

O tempo, como ordenação de uma cronologia, é estabelecido unicamente pelas


motivações emocionais do jovem. Desse modo, o adolescente faz “deslocamen-
to” da temporalidade habitual dos acontecimentos, organizando-os segundo
seu estado emocional. Assim, diante de uma tarefa urgente, como um exame
para o dia seguinte, o jovem age como se tivesse todo o tempo do mundo para
estudar, isto é, adia o estudo. Ocorre também o oposto, como por exemplo uma
jovem poderá querer comprar agora, nesse exato momento, ou o mais rapida-
mente possível, um vestido, um sapato para a festa de aniversário de uma ami-
ga. Só que o detalhe significativo é que a tal festa só acontecerá daqui a três me-
ses. Por ser um tempo regido pelas pulsões de suas emoções, o deslocamento
temporal referencia-se por ser um fenômeno decorrente da irrupção de partes
psicóticas da personalidade. A tendência é que o adolescente consiga “concei-
tuar o tempo”, ou seja, discriminar o passado, o presente e o futuro, para além
de sua vivência pessoal-emocional do tempo.

A evolução sexual: do autoerotismo à sexualidade adulta

O adolescente oscila entre a masturbação (autoerotismo) e o exercício da se-


xualidade genital. Na fase da genitalidade, segundo Freud, as primeiras aproxi-
mações para com o exercício genital têm mais a característica de atos explora-
tórios e preparatórios, como afirma Knobel (2008), do que uma relação genital
adulta e procriativa, que só ocorre quando há uma correspondente capacidade
para poder ser assumida a função paterna, e a vida adulta como um vínculo
afetivo e possível de ser mantido. É notório também o problema da curiosidade
sexual, a qual se expressa por meio de revistas pornográficas, exibicionismo e
voyeurismo presentes nos modos de se vestir, no cabelo, nas escolhas dos tipos
de dança, por exemplo. O complexo de Édipo é reativado e a consumação do
incesto, graças ao amadurecimento dos órgãos sexuais, torna-se uma possibili-

capítulo 6 • 123
dade real. O triângulo edípico se reativa com toda a intensidade, e o adolescen-
te se vê diante do uso de mecanismos de defesa mais persistentes e enérgicos.
Enquanto a masturbação, como fato normal na adolescência, permite ao jovem
desconsiderar seus órgãos genitais primeiramente sentidos como alheios a si
mesmo, e a sua vontade, para passar ao estado de recuperação deles e integra-
ção ao conceito do self, ajudando-o a chegar à genitalidade procriativa. Portan-
to, o estabelecimento da sexualidade adulta, por sua vez, não é um processo
linear, pois o adolescente flutua entre a bissexualidade infantil e uma atitude
de genitalidade adulta.

Atitude social reivindicatória

Se os adolescentes sentem uma dificuldade de separar-se dos pais; estes tam-


bém, como já discutimos, sofrem diante do crescimento e da autonomia dos
filhos. Esta é uma situação de “ambivalência dual”. Este conceito refere-se à
resistência dos adultos em aceitar que aqueles indivíduos até pouco tempo
crianças estão agora começando a atuar na arena social em pé de igualdade
com eles. A atitude social reivindicatória do adolescente costuma assim estar
associada ao sentimento de que o mundo dos adultos não lhe dá espaço para
que ele, adolescente, se realize, exponha suas ideias, coloque seus valores, en-
frente dificuldades sem a ajuda dos pais.

Contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta

São estados determinados pela instabilidade de comportamento, a identida-


de transitória ou circunstancial, a confusão de papéis, a dificuldade de poder
exercer e defender seus ideais, o sentimento de abandono, de nulidade e vazio,
considerados como manifestações normais na adolescência. Se o adolescente
não passasse por essas contradições é que poderíamos considerar como sinal
de patologia.

Separação progressiva dos pais

Conforme nossa ampla discussão, o luto pela perda dos pais da infância é pri-
mordial para o estabelecimento da identidade e a vivência da vida adulta.

124 • capítulo 6
Constantes flutuações do humor e do estado de ânimo

O jovem passa por flutuações constantes de humor. Da extrema mania e con-


dutas efusivas a comportamentos determinados por sentimentos depressivos e
de luto frequentes. Se houver a experiência do fracasso na busca de satisfação,
essa ocorrência pode levar o jovem ao isolamento, ao afastamento do convívio
social, podendo trazer a conclusões dolorosas, como a busca pelas drogas e até
mesmo o suicídio. O sentimento de solidão parece ser um dos traços distintivos
dessa fase, diante do total desconhecimento de si e da busca incessante por sa-
ber quem é e formar o seu self. Infelizmente essa é uma condição que o jovem
terá de realizar sozinho, por si mesmo.

RESUMO
•  A integração das teorias do desenvolvimento objetivando a adolescência.
•  O estudo da adolescência, conceitos, necessidades de liberdade e seus lutos;
•  O aprendizado da síndrome normal da adolescência;
•  O aprofundamento na sintomatologia da adolescência.

ATIVIDADES
01. Procure explicar, realizando uma pesquisa, as muitas facetas do desenvolvimento da
identidade, através das informações de Erikson, das mudanças da identidade, as questões
do contexto social.

02. Determine como se processa o desenvolvimento emocional do adolescente, consideran-


do a influência dos hormônios, experiências, emoções e a competência para lidar com todas
essas questões.

03. Identifique, através de explorações de outras fontes bibliográficas, a natureza da sexua-


lidade do adolescente.

capítulo 6 • 125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABERASTURY, Arminda & KNOBEL, Mauricio. Adolescência normal. Porto Alegre, RS: Artmed,
2008.
CLOUTIER, Richard & DRAPEAU, Sylvie. Psicologia da Adolescência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes,
2012.
PAPALIA, D. E. & OLDS, S. W. Desenvolvimento humano. 7. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2000.
RAPPAPORT, C.R.; ROCHA Fiori, W; DAVIS, C. Teorias do desenvolvimento: conceitos
fundamentais. Vol 4. São Paulo: Epu, 1981.
Rappaport, C.R. Encarando a adolescência. São Paulo: Editora Ática, 1998.
Santrock, J. W. Adolescência. 14. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2014.

126 • capítulo 6
7
As principais
patologias da
adolescência
7.  As principais patologias da adolescência
Este capítulo objetiva incitar a curiosidade sobre o tema proposto, organizar o
assunto a ser tratado e orientar a aprendizagem. Funciona também como um
pequeno resumo do que será estudado, ressaltando os pontos mais importan-
tes da aula.

7.1  Os transtornos alimentares

7.1.1  Aspectos familiares que interferem nos hábitos alimentares

Compreender o comportamento alimentar requer o questionamento e a re-


flexão acerca das seguintes questões: quem come o quê, quando, onde e por
quê? As discussões advindas dessas perguntas se fundamentam em questões
de saúde e psicológicas, além daquelas que envolvem fatores socioeconômi-
cos. Estudos têm mostrado a influência do ambiente familiar para determinar
o comportamento alimentar de crianças e adolescentes e, consequentemente,
o desenvolvimento de transtornos, e preocupação exagerada com o peso e a for-
ma do corpo (GONÇALVES et al, 2013). A individualização das refeições pelos
membros da família com consumo de alimentos diferentes, em locais e horá-
rios distintos, pode ser resultado tanto do excesso de atividades dos adoles-
centes quanto da desordem alimentar no âmbito familiar. Também os meios
de comunicação em massa exercem forte influência sobre o comportamento
alimentar de crianças. Quanto aos adolescentes, as atitudes alimentares e os
TA também estão associados à evolução do peso, ao bem-estar psicossocial
promovido pelos alimentos, ao forte apelo sociocultural de culto à magreza,
ao grupo social ao qual se pertence e aos fatores socioeconômicos e psicológi-
cos familiares.
Diversas mudanças ocorrem na adolescência, com o corpo e a forma física,
sendo observado com maior destaque em meninas quando, na fase de desen-
volvimento, ocorre um acúmulo de tecido adiposo podendo desencadear fato-
res de insatisfação com o corpo. Nessa fase de transição, que compreende dos
10 aos 19 anos de idade, o indivíduo sente-se adulto para tomar suas próprias
decisões, podendo existir várias fontes de influências, como amigos, familia-
res e a mídia, que expressa incessantemente uma forma física magra e deseja-
da pela grande maioria das meninas, gerando uma busca ao corpo designado

128 • capítulo 7
perfeito. Modificações no desenvolvimento sexual e genético acontecem em
decorrência da maturação sexual nos adolescentes: inicia-se a fase do estirão
do crescimento, em que podem ser encontrados diversos distúrbios voltados à
alimentação. Já na fase final da formação estrutural, na conclusão da matura-
ção sexual, o adolescente pode chegar ao ganho de peso de aproximadamente
10 kg em ambos os sexos. O estirão do desenvolvimento causa crescimento dos
depósitos de gordura em especial nas meninas e também propicia aumento
muscular nos meninos. Isso propicia o aumento do anabolismo e da fome, que
faz o adolescente recorrer aos alimentos como forma de suprir suas reservas
de energia, o que pode levá-lo a fazer escolhas por comidas com elevado índice
calórico. Em contrapartida, o adolescente é dominado, de forma indireta, em
seu comportamento alimentar, mais pelo grupo de amigos do que pelos hábi-
tos alimentares da família. O indivíduo passa a consumir produtos antes não
presenciados em sua dieta, somente para agradar ao grupo de seu convívio. As
atitudes alimentares são definidas pela relação que o indivíduo tem com o ali-
mento, abrangendo aspectos como crenças, sentimentos e comportamentos. A
cultura, o ambiente social, pode influenciar nas atitudes alimentares, o que faz
com que se conclua que não são somente as decisões racionais que interferem
no comportamento do indivíduo.
Todos temos o anseio de ser amados, reconhecidos e desejados. É no corpo
que a cultura exerce seu maior efeito, especialmente entre os adolescentes, que
desejam pertencer e ser aceitos por ela. A imagem que temos de nós mesmos
é o centro da nossa identidade e reflete a nossa conduta. Ela é fundamental
para a consciência de quem somos. As cobranças sociais podem comprometer
o processamento da imagem corporal do adolescente, resultando em distúr-
bios na imagem do corpo. Consequentemente, ele passa a ser percebido pelo
adolescente como desproporcional, estranho, o que acarreta ansiedade e frus-
tração ao comparar-se à imagem idealizada de si próprio.
Em contrapartida, a modernidade trouxe mudanças no comportamento
alimentar da população, levando ao estado de obesidade. No final de século
XX e começo do século XXI, o culto ao corpo perfeito foi obsessivamente per-
seguido como estilo de vida. A não aceitação do peso e forma física, o modelo
de beleza imposto pela sociedade, em que adolescentes e crianças com acesso
a televisão e internet são influenciados com imagens de modelos e atrizes com
medidas sempre menores, fazem com que eles se distanciem do seu corpo real
e busquem atingir um corpo idealizado com alimentação e exercícios físicos,

capítulo 7 • 129
iniciando assim um ciclo para perda de peso que afeta a saúde física, mental
e social. Programas na internet distribuem planos alimentares que podem ser
conseguidos por qualquer indivíduo com o intuito de obter o peso imposto por
esses meios, com vistas a atingir um padrão, sem preocupação com a saúde
(CARVALHO, 2014).
Embora a aparência física seja um elemento fundamental da imagem
da mulher em diversas épocas e culturas, a extrema magreza nem sempre
foi o ideal almejado. Uma passagem rápida pela história da arte revela que a
Renascença valorizava mulheres de corpo cheio, com quadris grandes e abdo-
mens avantajados. Nas décadas de 1940 e 1950, estrelas de Hollywood eram
mulheres de seios fartos e corpos curvilíneos, valorizadas por seu sex appeal.
Mesmo em épocas que preconizavam um padrão mais longilíneo, nem sempre
a dieta era o principal recurso para atingi-lo. Em algumas épocas, espartilhos
eram amplamente utilizados para reduzir a cintura das mulheres. Atualmente
dietas e exercícios parecem ser os principais meios para se modificar o corpo.
A discrepância entre o peso real e o ideal levam a um estado de constan-
te insatisfação com o próprio corpo, e as dietas para perder peso tornaram-se
frequentes. Além das mulheres adolescentes e jovens, alguns grupos ocupacio-
nais (modelos, atrizes, bailarinas, atletas) parecem estar particularmente mais
vulneráveis aos transtornos alimentares. Desse ponto de vista, os transtornos
alimentares seriam a expressão máxima, numa relação linear e direta, da "cul-
tura do corpo" predominante em algumas sociedades.
A etiologia dos transtornos alimentares é hoje concebida como multidimen-
sional, e inúmeros outros fatores parecem mediar o impacto da cultura no com-
portamento individual, entre eles as vulnerabilidades psicológica e biológica.
Deve-se notar ainda outro elemento que compõe o panorama sociocultural dos
transtornos alimentares: as transformações dos papéis femininos e masculinos.
As mulheres jovens se deparam atualmente com expectativas sociais novas, e
muitas vezes ambíguas, de autonomia financeira, independência e sucesso pro-
fissional, além do desempenho de seus antigos papéis no lar, o que pode aumen-
tar sua insegurança e intensificar essa busca por perfeição e controle.
Assim sendo, os distúrbios do comportamento alimentar constituem uma
área de crescente interesse médico, nutricional e psicológico, compreenden-
do um amplo espectro de alterações. Essas condutas alimentares vêm sendo
compreendidas por meio de um modelo de etiologia multideterminada, que re-
conhece fatores de diversos níveis, entre eles, os relacionados aos bens de con-
sumo, à família e à cultura (CHIODINI & OLIVEIRA, 2003). Mais recentemente

130 • capítulo 7
tem sido enfatizada a influência dos fatores culturais (padrões de beleza, cul-
to à magreza, mensagens midiáticas) na gênese dos problemas alimentares.
Estima-se que os distúrbios alimentares afetam de 10% a 15% dos adolescen-
tes, sendo 90% do sexo feminino, e a anorexia nervosa acomete em torno de
5% das jovens americanas. O reconhecimento precoce dos transtornos da con-
duta alimentar permite a prevenção de suas formas mais graves e um melhor
prognóstico.
O descontentamento com a imagem corporal está, na maioria das vezes, as-
sociado ao comportamento alimentar inadequado. Estima-se que a prevalên-
cia de anorexia nervosa varia de cerca de 0,3% a 3,7%, e a de bulimia nervosa,
em torno de 1,1% a 4%, ambas em jovens do sexo feminino, e a anorexia é a
terceira doença crônica mais prevalente nos adolescentes (Rocha & Vaguetti,
2010). Acredita-se que, no período que antecede o desenvolvimento da anorexia
nervosa, o indivíduo pode ter sido exposto a fatores predisponentes. Muitos pa-
cientes com transtorno alimentar apresentam histórico de transtornos afetivos
(depressão), dinâmica familiar comprometida, problemas com o peso corporal
e vulnerabilidade a um contexto cultural que se excede na valorização da forma
física. Considerando que toda obsessão pelo controle desemboca no descon-
trole, dietas restritas conduzem ao comer compulsivo e ao vômito.
Na população brasileira, observa-se o reconhecimento crescente de casos
de transtornos alimentares na última década, motivando a criação de serviços
especializados para seu atendimento em centros universitários (MORGAN &
AZEVEDO, 1998).

7.1.2  Definição de anorexia

Recusa em manter o peso corporal em uma faixa normal mínima (permanecen-


do abaixo de 85% do esperado, ou por perda de peso ou pelo fracasso de ganho
de peso durante o período de crescimento). A perda de peso, em geral, é obtida
pela redução do consumo alimentar (dieta cada vez mais restrita), pela purga-
ção (vômitos, laxantes, diuréticos), pelo exercício intenso ou excessivo. A perda
de peso não alivia o medo intenso de engordar, que, ao contrário, aumenta à
medida que o peso real diminui. Assim, surgem as distorções da importância
do peso e da forma corporal.
Pode ocorrer também a avaliação de determinadas partes do corpo como
estando muito gordas, mesmo estando abaixo do peso corporal (abdómen,
nádegas, coxas, bochechas). Ocorrem checagens constantes de peso e forma

capítulo 7 • 131
corporal: uso persistente de espelhos, pesagens repetidas, medições obsessivas
de partes do corpo. A autoestima é quase exclusivamente dependente do peso
e da forma corporais. A perda de peso é vista como grande conquista e sinal
de extraordinária autodisciplina. O ganho de peso é visto como um inaceitável
fracasso de autocontrole. Há a negação das sérias implicações de seu estado
de desnutrição. Presença de amenorreia em mulheres pós-menarca (ao menos
três ciclos) que pode ser consequência da perda de peso ou pode até mesmo
precedê-la. Curso: idade média de início aos 17 anos (picos bimodais aos 14 e
18 anos); raramente se inicia após os 40 anos. Associação com acontecimento
estressante (sair de casa para a Universidade); curso e resultados variáveis; dos
indivíduos que foram hospitalizados, a mortalidade a longo prazo é de mais de
10% (inanição, suicídio ou desequilíbrio eletrolítico).

7.1.3  Definição de bulimia

Episódios recorrentes de compulsão


periódica (ingestão, em período limi-
tado de tempo – geralmente menos
de duas horas – de uma quantidade
de alimento desproporcional ao que
um indivíduo normal comeria nas
mesmas circunstâncias); pequenas
quantidades de comida ingeridas o
dia inteiro não configura um episódio
de compulsão periódica. Geralmente
inclui doces e alimentos de alto valor
calórico (sorvetes e bolos); mas pode
caracterizar-se mais pela anormalidade de quantidades do que pelo tipo de ali-
mento ingerido. Os episódios geralmente ocorrem em segredo e prosseguem
até que o indivíduo se sinta desconfortável e até dolorosamente repleto; podem
ser episódios planejados ou não e é comum que sejam caracterizados por con-
sumo rápido. São tipicamente desencadeados por estados de humor disfóricos,
estressores interpessoais, intensa fome após restrição por jejuns ou dietas, sen-
timentos relacionados a peso, forma do corpo e alimentos. A compulsão pode

132 • capítulo 7
reduzir momentaneamente a disforia, mas autocríticas e humor deprimido
ocorrem logo após. A compulsão é acompanhada por um sentimento de falta
de controle; estados frenéticos são comuns no curso inicial do transtorno; algu-
mas descrições de episódios dissociativos. Uso recorrente de comportamentos
compensatórios inadequados para prevenir o aumento de peso. A indução de
vômito é utilizada por 80% a 90% dos indivíduos com bulimia nervosa que se
apresentam para tratamento; os efeitos imediatos incluem o alívio do descon-
forto físico e a redução do medo de ganhar peso; às vezes o vômito se torna um
objetivo em si mesmo, podendo ocorrer até mesmo após pequenas quantida-
des de alimento; tornam-se hábeis e capazes de vomitar quando querem. Cerca
de 1/3 utiliza laxantes após ataques de hiperfagia. Podem jejuar ou exercitar-se
excessivamente. A compulsão periódica e os comportamentos compensatórios
ocorrem, em média, pelo menos 2 vezes por semana, por 3 meses. Colocam
uma ênfase excessiva na forma ou no peso do corpo como componentes de sua
autoavaliação; são os fatores mais importantes de sua autoestima. Curso: co-
meço no final da adolescência e início da vida adulta; a compulsão periódica
geralmente começa durante ou após um episódio de dieta; o curso pode ser crô-
nico ou intermitente.

capítulo 7 • 133
7.1.4  Definição de vigorexia

É um transtorno no qual as pessoas realizam práticas esportivas de forma con-


tínua, com uma valorização praticamente religiosa (fanatismo) ou a tal ponto
de exigir constantemente seu corpo sem importar com eventuais consequên-
cias ou contraindicações, mesmo medicamente orientadas. A vigorexia está
nascendo no seio de uma sociedade consumista, competitiva, em que o culto à
imagem acaba adquirindo, praticamente, a categoria de religião. A vigorexia é
uma das mais recentes patologias emocionais estimuladas pela cultura e nem
foi ainda catalogada como doença específica pelos manuais de classificação
(CID.10 e DSM.V). A vigorexia, mais comum em homens, caracteriza-se por
uma preocupação excessiva em ficar forte a todo custo. Apesar de os portado-
res desses transtornos serem bastante musculosos, passam horas na academia
malhando e ainda assim se consideram fracos, magros e até esqueléticos.
Os sintomas da vigorexia se evidenciam pela obsessão em tornar-se muscu-
loso. Essas pessoas olham-se constantemente no espelho e, apesar de muscu-
losos, podem ver-se enfraquecidos ou distantes de seus ideais. Sentir-se assim
"incompleto" faz com que eles invistam todas as horas possíveis em exercícios
e ginásticas para aumentar sua musculatura. É difícil estabelecer limites en-
tre um exercício saudável e um exercício obsessivo, mas é bom lembrar que
os vigoréxicos, além da musculação continuada, comem de forma atípica e
exagerada. Esses pacientes se pesam várias vezes por dia e fazem continuadas
comparações com outros companheiros de academia. A doença vai derivando
num quadro obsessivo-compulsivo, de tal forma que eles se sentem fracassa-
dos, abandonam suas atividades e se isolam em academias dia e noite. Alguns
vigoréxicos podem chegar a ingerir mais de 4.500 calorias diárias (o normal
para uma pessoa é 2.500), e sempre acompanhado por numerosos e perigosos
complementos vitamínicos, hormonais e anabolizantes. Tudo isso é feito com
o propósito de aumentar a massa muscular, mesmo tendo sido alertados quan-
to aos graves efeitos colaterais desse estilo de vida.

134 • capítulo 7
Teste de atitudes alimentares
S MF F AV R N
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 1. Costumo fazer dieta.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 2. Como alimentos dietéticos.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 3. Sinto-me mal após comer doces.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 4. Gosto de experimentar novas comidas engordantes.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 5. Evito alimentos que contenham açúcar.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 6. Evito particularmente alimentos com alto teor de carboidratos (pão,
batata, arroz etc.).
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 7. Estou preocupado(a) com o desejo de ser mais magro(a).
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 8. Gosto de estar com o estômago vazio.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 9. Quando faço exercício, penso em queimar calorias.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 10. Sinto-me extremamente culpado(a) depois de comer.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 11. Fico apavorado(a) com o excesso de peso.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 12. Preocupa-me a possibilidade de ter gordura no meu corpo.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 13. Sei quantas calorias têm os alimentos que como.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 14. Tenho vontade de vomitar após as refeições.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 15. Vomito depois de comer.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 16. Já passei por situações em que comi demais achando que não ia
conseguir parar.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 17. Passo muito tempo pensando em comida.
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) 18. Acho-me uma pessoa preocupada com a comida.

capítulo 7 • 135
7.2  As doenças sexualmente transmissíveis (DST)

7.2.1  Aspectos importantes da sexualidade

A sexualidade pode ser abordada por diversos aspectos, dada sua complexida-
de e importância. A sexualidade humana e mesmo a anatomia sexual humana
fazem parte da herança biológica do homem. De uma forma de adaptação bio-
lógica, em todas as culturas humanas, o sexo evoluiu para se tornar um referen-
cial de códigos sociais e até mesmo morais. De um lado, o sexo é o elemento em
que desejos, prazeres e desprazeres interagem, num contexto de profunda in-
timidade. De outro lado, é elemento regulador da economia e da política, uma
vez que está inscrito na dimensão da sexualidade o aspecto da reprodução e do
crescimento da população, cujos efeitos atingem a sociedade de modo signi-
ficativo. Ele frequentemente está ligado aos valores morais, que, por sua vez,
determinam comportamentos, usos e costumes sociais que dizem respeito a
mais de uma pessoa. Na atualidade, já se sabe que nenhuma cultura lida com o
sexo como um fato natural bruto. Ele é considerado em seu contexto simbólico,
dada sua representação de sentidos, valores e as normas relacionadas a ele.
Datam do período paleolítico as primeiras expressões artísticas que refle-
tem a exaltação dos povos antigos à condição sagrada do corpo da mulher, do
homem e, mais precisamente, ao encontro sexual capaz de gerar vida. Essas
noções mais primitivas relacionadas à sexualidade foram incorporadas e man-
tidas por diversas civilizações. Essa maneira de ver o sexo e as práticas sexuais
orientou-se muito mais no sentido de organizar procedimentos e estabelecer
critérios para separar o lícito do ilícito, o socialmente aceito do que é visto com
reservas pela sociedade, o que está de acordo com as normas médicas do que
se caracteriza como anomalia. Com o tempo e devido à influência do pensa-
mento cristão, o sexo tornou-se a base do casamento ou de se viver algum re-
lacionamento. Posteriormente, e devido a uma série de movimentos culturais
e políticos, passou-se a aceitar a sexualidade fora do casamento, a nudez em
público, o aborto e a homossexualidade. Esses movimentos abriram caminho
para novas percepções sobre a sexualidade, entre elas: a rejeição gradativa da
crença de que o sexo por prazer é sujo e pecaminoso, o empenho pela conquista
da independência sexual (expresso pela possibilidade de escolher com quem
manter relações e se elas resultarão numa gravidez ou não) e, em terceiro lu-
gar, o esforço de um número cada vez maior de mulheres que exigiam o direito

136 • capítulo 7
ao prazer sexual e que lutavam pela dissociação entre mulheres sexualmente
ativas e prostitutas. É também nessa época que se popularizaram os métodos
anticoncepcionais. Entre os casais, nasceu a possibilidade de conceber uma fa-
mília sem filhos, e uma autonomia maior é dada à mulher, que pode se valer de
métodos contraceptivos para evitar a gravidez mesmo sem o consentimento ou
a cooperação do companheiro. Mas, se o que se esperava era um momento de
descompressão sexual, o que se viu foi uma leva de conceitos ligados à sexuali-
dade que, daí em diante, passaram a ser: toda propaganda passa a falar de sexo,
a luta da mulher é estigmatizada; torna-se, ela própria e seu próprio corpo, um
símbolo do consumismo. Em contrapartida, o que se viu foi o afrouxamento
dos mecanismos de repressão tradicionais, com certa tolerância às relações se-
xuais pré-nupciais e extramatrimoniais, diminuição dos tabus relacionados à
sexualidade das crianças. Alguns tabus foram afrouxados, em que há a permis-
são do sexo quantitativo e compensador, porém não prevê a humanização e o
sentimento do afeto, que são os aspectos qualitativos relacionados à atividade.

O ciclo da resposta sexual (Masters & Johnson-1970)

Orgasmo
Platô
Excitação
Desejo Resolução

capítulo 7 • 137
7.2.2  A AIDS

O termo AIDS significa síndrome da imunodeficiência adquirida e, como o


próprio nome indica, a doença é caracterizada por um conjunto de sintomas e
sinais que indicam um profundo transtorno no sistema imunológico. Pode-se
dizer que os primeiros casos diagnosticados e registrados nos países desenvol-
vidos datam de 1981. Nesse ano, cinco adultos do sexo masculino, homosse-
xuais e moradores de Los Angeles apresentaram quadro de uma pneumonia atí-
pica e outras infecções oportunistas. Logo, a doença alcançou a Europa e outras
regiões do mundo, terminando a década de 1980 como o mais temido e contro-
vertido dos males. Em razão do fato de uma das principais vias de transmissão
ser a sexual, a doença causou profundo impacto no comportamento sexual da
juventude e de toda a sociedade contemporânea. O uso do preservativo tornou-
se imprescindível, e o discurso do sexo seguro estabeleceu-se como prioridade
em todos os círculos sociais, especialmente os institucionalizados: na escola e
na família. Em muitos casos, travestido de preocupação com a saúde e a higie-
ne, padrões moralistas voltaram à tona e a AIDS, em muitos casos, serviu como
veículo para a discriminação social dos padrões estereotipados, dos preconcei-
tos e de toda a repressão sexual. A AIDS tornou-se o grande problema sociopolí-
tico de nosso tempo, uma linha divisória para grupos religiosos, um campo de
batalha para pesquisadores da área da Medicina e, sobretudo, um campo fértil
para demonstrações de preconceito.

138 • capítulo 7
7.2.3  O herpes genital

É uma doença DST causada por um vírus e transmitido pela relação sexual (oral,
anal ou vaginal) sem camisinha masculina ou feminina com uma pessoa infec-
tada. Em mulheres, durante o parto, o vírus pode ser transmitido para a criança
se a gestante apresentar lesões por herpes. Por ser muito contagiosa, a primeira
orientação a quem tem herpes é maior atenção aos cuidados de higiene: lavar
bem as mãos, não furar as bolhas, evitar contato direto das bolhas e feridas com
outras pessoas, não aplicar pomadas no local sem recomendação profissional.
Após o contágio, os sinais e sintomas podem aparecer em média após seis dias
e geralmente são: pequenas bolhas agrupadas que se rompem e tornam-se fe-
ridas dolorosas no pênis, ânus, vulva, vagina ou colo do útero. Essas feridas po-
dem durar, em média, de duas a três semanas e desaparecem. Formigamento,
ardor, vermelhidão e coceira no local, além de febre, dores musculares, dor ao
urinar e mal-estar. Os sinais e sintomas podem reaparecer, dependendo de
fatores como estresse, cansaço, esforço exagerado, febre, menstruação, expo-
sição prolongada ao sol, traumatismo ou uso de antibióticos. A infecção tem
tratamento e os seus sinais e sintomas podem ser reduzidos, mesmo que não
haja cura (a pessoa permanece com o vírus).

capítulo 7 • 139
7.2.4  O HPV

O condiloma acuminado, causado pelo HPV, é também conhecido por verru-


ga ano genital, crista de galo, figueira ou cavalo de crista. Atualmente, existem
mais de 200 tipos de HPV, alguns deles podendo causar câncer, principalmente
no colo do útero e no ânus. A principal forma de transmissão do HPV é por via
sexual, que inclui contato oral-genital e genital-genital. Embora de forma mais
rara, o HPV pode ser transmitido durante o parto ou, ainda, por determinados
objetos. Sinais e sintomas: verrugas não dolorosas, isoladas ou agrupadas, que
aparecem nos órgãos genitais. Irritação ou coceira no local.
O risco de transmissão é muito maior quando as verrugas são visíveis. As
lesões podem aparecer no pênis, no ânus, na vagina, na vulva (genitália femini-
na), no colo do útero, na boca e na garganta. O vírus pode ficar latente no corpo:
a lesão muitas vezes aparece alguns dias ou anos após o contato. As manifesta-
ções costumam ser mais comuns em gestantes e pessoas com imunidade bai-
xa. Na atualidade já se aplica uma vacina como fator preventivo para essa DST.

O exame preventivo (de Papanicolau ou citopatológico) pode detectar as lesões


precursoras. Quando essas alterações que antecedem o câncer são identificadas e
tratadas, é possível prevenir a doença em 100% dos casos.
O exame deve ser feito preferencialmente pelas mulheres entre 25 e 64 anos, que
têm ou já tiveram atividade sexual. Os dois primeiros exames devem ser feitos com
intervalo de um ano e, se os resultados forem normais, o exame passará a ser realiza-
do a cada três anos. Para mais informações, acesse o link: http://www1.inca.gov.br/
conteudo_view.asp?id=2687

140 • capítulo 7
7.2.5  A sífilis

É uma infecção sexualmente transmissível que pode apresentar várias mani-


festações clínicas e diferentes estágios (sífilis primária, secundária, latente e
terciária). Nos estágios primário e secundário da infecção, a possibilidade de
transmissão é maior. A sífilis pode ser transmitida por relação sexual sem cami-
sinha com uma pessoa infectada, ou da mãe infectada para a criança durante a
gestação ou o parto.
Sífilis primária – ferida, geralmente única, no local de entrada da bactéria
(pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus, boca, ou outros locais da pele), que
aparece entre 10 e 90 dias após o contágio. Não dói, não coça, não arde e não
tem pus, podendo estar acompanhada de ínguas (caroços) na virilha. Sífilis se-
cundária: os sinais e sintomas aparecem entre seis semanas e seis meses do
aparecimento da ferida inicial e após a cicatrização espontânea. Manchas no
corpo, principalmente nas palmas das mãos e plantas dos pés. Não coçam, mas
podem surgir ínguas no corpo.
Sífilis latente – fase assintomática: não aparecem sinais ou sintomas. É di-
vidida em sífilis latente recente (menos de um ano de infecção) e sífilis latente
tardia (mais de um ano de infecção). A duração é variável, podendo ser inter-
rompida pelo surgimento de sinais e sintomas da forma secundária ou terciá-
ria. Sífilis terciária: pode surgir de dois a 40 anos depois do início da infecção.
Costuma apresentar sinais e sintomas, principalmente lesões cutâneas, ósseas,
cardiovasculares e neurológicas, podendo levar à morte.
Sífilis congênita – doença transmitida de mãe para criança durante a gesta-
ção. São complicações dessa forma da doença: aborto espontâneo, parto pre-
maturo, má-formação do feto, surdez, cegueira, deficiência mental e/ou morte
ao nascer. Por isso, é importante fazer o teste para detectar a sífilis durante o
pré-natal e, quando o resultado for positivo, tratar corretamente a mulher e sua
parceria sexual, para evitar a transmissão vertical. Pode-se manifestar logo após
o nascimento, durante ou após os primeiros dois anos de vida da criança. Na
maioria dos casos, os sinais e sintomas estão presentes já nos primeiros meses
de vida. Ao nascer, a criança pode ter pneumonia, feridas no corpo, cegueira,
dentes deformados, problemas ósseos, surdez ou deficiência mental. Em al-
guns casos, a sífilis pode ser fatal. Quando a sífilis é detectada na gestante, o
tratamento deve ser indicado por um profissional da saúde e iniciado o mais
rápido possível.

capítulo 7 • 141
7.2.6  A gonorreia

Causada por bactérias. Na maioria das vezes estão associadas, causando a infec-
ção que atinge os órgãos genitais, a garganta e os olhos. Essas infecções, quan-
do não tratadas, podem causar infertilidade (dificuldade para ter filhos), dor
durante as relações sexuais, gravidez nas trompas, entre outros danos à saúde.
Sinais e sintomas: dor ao urinar ou no baixo ventre (pé da barriga), corrimento
amarelado ou claro, fora da época da menstruação, dor ou sangramento du-
rante a relação sexual. A maioria das mulheres infectadas não apresenta sinais
e sintomas. Os homens podem apresentar ardor e esquentamento ao urinar,
podendo haver corrimento ou pus, além de dor nos testículos. Há possibilidade
de transmissão no parto vaginal, e a criança pode nascer com conjuntivite, que
leva à cegueira se não for prevenida ou tratada adequadamente.

142 • capítulo 7
TUDO O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE DOENÇAS
TRANSMITIDAS PELO SEXO
As doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) são muito frequentes em nosso meio,
bastando dizer que, de cada dez consultas realizadas no Brasil, duas são relacionadas a
esse tipo de doença. As DSTs são doenças que passam de uma pessoa para outra através
da relação sexual sem preservativo, seja de homem com mulher, homem com homem ou
mulher com mulher. Qualquer pessoa pode contrair essas doenças. Portanto, fique atento.
Algumas DSTs, como a sífilis, a hepatite B e a Aids, podem ser transmitidas também
através do sangue contaminado e durante a gravidez para o bebê, se a mãe estiver con-
taminada. Ao contrário do que muitos pensam, as DSTs podem causar doenças graves,
podendo causar problemas sexuais, esterilidade, aborto, nascimento de bebês prematu-
ros, deficiência física ou mental nos bebês de grávidas contaminadas e alguns tipos de
câncer. Além disso, quando uma pessoa apresenta uma DST, tem uma chance maior de
pegar outra DST, inclusive a Aids.
A maioria das doenças sexualmente transmissíveis tem cura, mas deve ser corretamen-
te diagnosticada e tratada por profissionais de saúde. Nunca siga conselhos de vizinhos,
colegas, parentes, balconistas de farmácia ou qualquer outra pessoa. Siga o tratamento até o
final e informe os seus parceiros que está com uma DST, evitando que o problema continue.
O ser humano está sempre em busca do prazer. Podemos percebê-lo através de todos os
nossos sentidos e em diversas situações, como, por exemplo, saboreando uma comida gos-
tosa, vendo uma bela paisagem, sentindo o cheiro de terra molhada pela chuva, ouvindo uma
música, dançando; enfim, prazer é tudo aquilo que dá prazer ao nosso corpo, é bem-estar, é
se sentir feliz naquele momento. Todo nosso corpo é uma grande fonte de prazer.
Todos nós gostamos da sensação de um abraço, de um carinho. Esse prazer tende
a aumentar à medida que conhecemos melhor nosso corpo e o de nossos parceiros.
No entanto, muitos passam a vida inteira convivendo com este corpo sem percebê-lo
integralmente, sem tocá-lo.
Aqui nós vamos falar das principais doenças que podem ser transmitidas através do
relacionamento com parceiros infectados. Para evitar estas doenças e mesmo para
enfrentá-las, cada um precisa conhecer o seu próprio corpo e ter muita garra para viver
com saúde!
Santa Catarina, Secretaria de Estado da Saúde. Diretoria de Vigilância Epidemiológica
do Estado de Santa Catarina. Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST. - Florianó-
polis. SEA/DGAO, 2006.

capítulo 7 • 143
Informações úteis

ATIVIDADES
01. Determine as consequências negativas da sexualidade na adolescência.

02. Pesquise e resuma as atitudes e comportamentos sexuais na adolescência. Faça um


fichamento e apresente ao seu professor.

03. Determine as principais DST – doenças sexualmente transmissíveis.

144 • capítulo 7
04. Disserte acerca da importância da educação sexual.

05. Relacione as questões da busca de si mesmo e do luto pela perda do corpo infantil com
os transtornos alimentares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHIODINI, J. S. & OLIVEIRA, M. R. M. Comportamento Alimentar de Adolescentes: aplicação do
EAT-26 em uma escola pública SAÚDE REV., Piracicaba, 5(9): 53-58, 2003.
GONÇALVES, J. A.; MOREIRA, E. A. M.; TRINDADE, E. B. S. M. & FIATES, G. M. R. Transtornos
alimentares na infância e na adolescência. Rev. Paul Pediat. 2013;31(1):96-103.
MORGAN, C. M. & AZEVEDO, A. M. C. Aspectos Sócio-Culturais dos Transtornos Alimentares.
International Journal of Psychiatry. Psychiatry On-line Brazil - Current Issues (3) 02 1998.
ROCHA, F. O. & VAGUETTI, G. C. Prevalência de Transtornos Alimentares em Adolescentes de um
Colégio Privado do Município De Marialva – Pr. Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.
br/arquivos/File/2010/artigos_teses/EDUCACAO_FISICA/artigos/Prevalencia_Transtornos_
Alimentares.pdf
Santa Catarina, Secretaria de Estado da Saúde. Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado de
Santa Catarina. Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST. - Florianópolis. SEA/DGAO, 2006.
SANT’ANNA, A. C. N. Transtorno Alimentar na Adolescência. Trabalho de Conclusão de Curso.
Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo. 2014

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ANOTAÇÕES

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