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Os desa1os de operacionalização do
processo eletrônico, os crimes
cibernéticos e o pleno acesso à Justiça
Carla Núbia Nery Oliveira
Oliveira,, Rute Cabral Brandão e Terezinha Bernadete Maia Cabral
9/1/2019
Introdução
A ciência evoluiu de tal forma que nossa integração foi rapidamente modi1cada. Hoje,
nos parece mágico e nos faz crer que estamos tão próximos uns dos outros, como se
estivéssemos ligados por uma rede invisível.
Essa grata satisfação nos levou aos patamares que vivemos em se tratando de
comunicação à distância. Estamos de fato intrínseca e irremediavelmente conectados.
Não há mais como imaginarmos nosso cotidiano pessoal e pro1ssional sem uma
comunicação virtual, sem um “aparato”, que nos deixe ligados a toda hora e a cada
instante. Somos cercados de necessidades atreladas à comunicação virtual.
Assim, necessário se faz que todos, em todos os setores, adequem-se à nova realidade,
:
ou seja, à rede mundial de computadores e suas mais diversas formas de
apresentação.
Assim, não foi difícil prevê que o Poder Judiciário não apenas do Brasil, mas de todo o
mundo, utilizasse de sistemas de informações para de certa forma melhorar o acesso à
Justiça.
Todavia, a tecnologia trouxe suas peculiaridades, e com ela veio, também, a questão de
adaptação dos usuários e uma nova modalidade de crimes, dessa vez, num ambiente
chamado virtual, mas que pode afetar um número inimaginável de pessoas.
Tendo como exemplo o caso recente de ciberataque que ocorreu no dia 12 de maio de
2017, prejudicando governos, instituições e cidadãos de vários países, não tínhamos
como deixar de relacionar esse assunto com o acesso à justiça.
O referido ataque ao sistema de informação e dados foi sem precedentes o que exigirá
uma “investigação internacional para identi1car os culpados”, disse a Europol (Serviço
Europeu de Polícia) às redes de comunicação.
Para se ter uma noção exata do impacto no Brasil, empresas e órgãos públicos de 14
Estados mais o Distrito Federal foram afetados, inclusive sites do Poder Judiciário
(Tribunais de Justiça de São Paulo, Sergipe, Roraima, Amapá, Rio Grande do Sul, Mato
Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Piauí, Bahia e Santa Catarina), o site
do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o site da Petrobras, do Itamaraty, do
Ministério Público de São Paulo e do Instituto Brasileiro de Geogra1a e Estatística –
IBGE. A principal medida adotada pelas empresas e pelos órgãos públicos foi tirar os
sites do ar e pedir para que os respectivos computadores fossem desligados.
Por isso, não há como falar de processo judicial eletrônico sem relacioná-lo às
consequências de seu uso, assim veremos adiante tais aspectos trazidos pela inovação
tecnológica.
:
I – O direito fundamental ao acesso à Justiça
E, nesta senda, WATANABE (1988 apud Paroski, 2008, p.139) estudou os elementos
constitutivos do direito ao acesso à justiça, quais sejam:
Ainda sobre a caracterização do referido direito, FONTAINHA (2009, p. 26) a1rma que
deste são extraído outros quatro princípios informadores, a saber, acessibilidade,
operosidade, utilidade e proporcionalidade.
Deixa, portanto, de existir aquilo que antes era considerado “tempo morto” do processo,
este compreendido como lapso temporal empregado com várias atividades acessórias
ao processo físico, que hoje são dispensados com a sua informatização, tal como a
organização dos fólios (numeração, encadernação e paginação), a concessão de vista
dos autos ou a simples paralização do processo. A informatização é fruto de uma
tentativa, ainda que muito incipiente, de aproximar o tempo legal do tempo real do
processo.
Essa novidade foi introduzida no ordenamento brasileiro pela lei 10.259, de 12 de julho
de 2001, inicialmente, restrita ao âmbito dos Juizados Especiais Federais, e hoje
ganhou o seu modelo mais dinâmico e Quente no CPC/15 (lei 13.105/15) cujo
regramento traz desde a possibilidade de recebimento de recurso prematuro –
inadmitido na lei processual anterior – até a adoção de videoconferência para a
realização de instrução, sustentação oral e julgamento. A própria movimentação
processual passou a ser automática, independentemente de ato de serventuário da
justiça (CPC/15, art. 228, § 2o).
Para dar suporte tecnológico ao processo eletrônico, o órgão judicante deve deter um
aparato mínimo de navegador de internet (browsers4), base de dados para
armazenamento em rede, aplicativos, dentre outras ferramentas que auxiliem ou
melhorem o acesso.
Nesse sentido, não são raros os empecilhos enfrentados pelos patronos na utilização
dos sistemas judiciais, compreendendo desde as simples permissões de segurança,
até a diversidade de plataformas de navegação entre os inúmeros sistemas eletrônicos
judiciais existentes, as quais, não raras vezes, são incompatíveis entre si, de modo que
são necessárias mais de uma máquina com con1gurações diferentes para acessá-los.
Sobre o tema, FONTAINHA (2002, p.7 apud ECKHARD, SANTOS, 2008) explica que a
ampliação do acesso a` justiça, seja no campo legislativo, seja na administração da
Justiça, requer, antes de tudo uma transformação da sociedade:
Deste modo, tem-se que as medidas tecnológicas que foram incorporadas ao processo,
embora tenham sido motivadas para aprimorar o seu uso e possibilitar à sociedade
uma prestação jurisdicional mais célere e efetiva, na prática lhe restringe a
acessibilidade. Tal situação é digna de severa reprimenda, já que a tecnologia deve
servir à Justiça e não ser posta como condição para seu acesso.
Devido à globalização, nossa sociedade vem passando por uma espécie de “revolução
informática”, que vem possibilitando, entre outros feitos, a substituição do trabalho
humano por máquinas.
A sociedade moderna teve sua capacidade elevada com a popularização das máquinas
e suas conexões, permitindo que os usuários experimentassem uma liberdade de
informação e de expressão em grau antes inimaginável.
O espaço virtual tão propício à prática dos mais variados crimes encontra no
ordenamento jurídico brasileiro algumas normas, mesmo que de forma esparsa, como
por exemplo: a lei 9.983/00, que tipi1cou os crimes relacionados ao acesso indevido a
sistemas informatizados da Administração Pública; a lei 9.296/96, que disciplinou a
interceptação de comunicação telemática ou informática; e a lei 12.737/12, que dispõe
sobre a tipi1cação criminal de delitos informáticos.
Vale ressaltar que a aplicação da legislação já existente, como o próprio CP, para
enquadrar os crimes cibernéticos ocorre porque os operadores do direito entenderam
que, em alguns casos, a conduta praticada é aquela já tipi1cada pelas nossas leis, e o
que muda é o instrumento utilizado na conduta criminosa: a informática, o computador,
a internet. Isso ocorre, porque como essas normas restringem a liberdade do indivíduo,
é inadmissível que o juízo acrescente outras limitações além daquelas previstas pelo
legislador. E em matéria penal somente é admissível a analogia quando esta bene1cia o
réu.
Portanto, não podemos a1rmar que o espaço virtual não tenha nenhuma proteção
jurídica, apesar da pouca proteção, por ainda faltar tipi1cações que, por exemplo,
criminalize de forma mais dura os atos de quem prejudique os sistemas do Poder
Judiciário.
Dessa forma, a prática de crimes cibernéticos não é sinônimo de impunidade, uma vez
que a autoria e a materialidade são passíveis de comprovação por meio de
investigação criminal. E a esfera penal, sofrendo os impactos dos avanços
:
tecnológicos, criou delegacias especializadas em crimes cibernéticos, capazes de
investigar esses delitos que se mostram cada vez mais frequentes, para assim reduzi-
los.
Diante dos avanços tecnológicos, do uso rotineiro da web7 e dos meios eletrônicos no
cotidiano das pessoas e, consequentemente, da propagação de crimes relacionados a
esse cenário, o Brasil se mostra atrasado por ainda não possuir uma legislação
especí1ca para disciplinar os crimes cibernéticos. Já que vários países apresentam
legislação especí1ca que tratam desses tipos de infrações, como Estados Unidos e
Portugal.
Um exemplo do Brasil de crime digital determinante para a aprovação de uma lei foi o
sofrido por uma atriz, daí porque, a lei 12.737, de 30 de novembro de 2012, também é
chamada de lei Carolina Dieckmann. Esta lei modi1cou o Código Penal Brasileiro,
tipi1cando uma série de condutas no ambiente digital, principalmente em relação à
invasão de computadores, além de estabelecer punições especí1cas.
Nesse sentido, foi alterada a redação dos artigos 266 e 298 do CP para adequá-los a
realidade atual.
O artigo 266 teve a sua titulação alterada para inserir a interrupção quanto aos serviços
informáticos. Esse dispositivo trata do seguinte delito “interrupção ou perturbação de
serviço telegrá1co, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade
pública”.
Quanto ao artigo 298, em seu parágrafo único, o legislador equiparou como documento
particular os cartões de crédito e débito no delito de falsi1cação de documento.
A nova lei classi1ca, portanto, como crime justamente casos semelhantes, em que há a
invasão de computadores, tablets8 ou smartphones9, conectados ou não à internet,
“com o 1m de obter, adulterar ou destruir dados ou informações”.
Importante, ainda citar que a lei 12.737/12 acrescentou ao CP/40, os arts. 154-A e 154-
B, in verbis:
Atente-se que o caráter subsidiário do Direito Penal deve ser sempre buscado,
especialmente com medidas preventivas de inclusão digital, educando e
conscientizando as pessoas quanto ao uso racional dos meios informáticos.
A consciência digital é o caminho mais seguro para o bom uso da internet, sujeita às
mesmas regras de ética, educação e respeito aos usuários.
Embora já tenham sido tomadas certas medidas emergências, como já visto aqui,
como a criação de normas que regulam algumas dessas condutas criminosas e da
aplicação do CP para alguns crimes cibernéticos, é necessária uma legislação própria
que englobe com e1ciência todas essas condutas, até porque o nosso Código é de
1940, época em que não existiam as tecnologias que utilizamos hoje.
Como os crimes cibernéticos ocorrem no mundo inteiro e pelo fato de não respeitarem
fronteiras, além da legislação especí1ca, é necessário à adesão em tratados
internacionais que disciplinam a matéria.
:
Nesse sentido, o Brasil precisa ser signatário de tratados que permitam a colaboração
externa. A adesão à convenção internacional de cibercrime – diploma internacional
assinado em Budapeste, pelos países europeus, Estados Unidos e Canadá – é muito
importante.
Como explicar aos advogados, servidores da justiça e aos cidadãos comuns que o
sistema fora invadido por hackers, e que durante isso não terão prejuízos? Situação
difícil, mas não impossível de ocorrer com maior frequência na atualidade.
Sendo assim, em eventual ocorrência dessas situações, a hipótese mais plausível foi
tornar os prazos suspensos inde1nidamente até que seja retomada a regularidade dos
trabalhos, e o sistema volte a funcionar sem nenhum contratempo. Essa situação é
semelhante ao que ocorre quando, por não poucas vezes, o sistema está
sobrecarregado ou inoperante, mas daí ser um ato criminoso provocado por terceiro
agrava ainda mais a já tão malfadada justiça brasileira.
Conclusão
E no que se refere aos crimes, há de se tipi1car com maior rigor os ditos crimes
cibernéticos próprios, aqueles que só podem ser praticados via sistema de informática,
tipos novos em que o bem jurídico tutelado é a informática, cujos exemplos são:
violação de e-mail, furto de senhas e dados, o dano em arquivos causado pelo envio de
vírus, prejuízo em sistema do Poder Judiciário, entre outros. Assim, os sistemas de
acesso à justiça devem estar preparados contra ataques cibernéticos.
Conclui-se que o Direito não pode 1car alheio à silenciosa (r)evolução que acontece no
mundo. Deve, portanto, ponderar, 1ltrar e equacionar o avanço das tecnologias com a
necessidade de obter algum controle sob o crescente volume de informações que
trafegam a todo instante, atentando-se para a preservação de direitos fundamentais
como a liberdade da informação, a dignidade, e acima de tudo o pleno acesso à justiça.
___________________
1 Modalidade de vírus de computador que causa perda de dados com pedido de
resgate para recuperação destes. Os dados são criptografados por um sistema de alta
:
complexidade, tornando sua recuperação praticamente impossível. Somente quando a
chave criptográ1ca é fornecida, os dados podem ser recuperados.
8 Tablet é um aparelho com tela sensível ao toque. Tem várias funções, como leitor de
textos, navegador e GPS.
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Clique aqui. Acesso em 26 maio 2017.
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*Carla
Carla Núbia Nery Oliveira é advogada. Especialista em Direito Constitucional
Aplicado pela Faculdade Damásio de Jesus e em Direito Tributário pelo IBET - Instituto
Brasileiro de Estudos Tributários.
*Rute
Rute Cabral Brandão é advogada formada pela UFC e especialista em Direito
Tributário pela Fundação Getúlio Vargas.
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*Terezinha
Terezinha Bernadete Maia Cabral é advogada. Especialista em Direitos Humanos e
Fundamentais, em Direito Processual Civil, e na lei Maria da Penha.
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