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Biogeografia da Conservação

Peter Löwenberg Neto


Rafael Dias Loyola

Introdução na interpretação dos padrões de biodiversidade sob as pers-


pectivas de composição e função (principalmente porque
A utilização de teorias, princípios e análises biogeográficas isso determina os critérios de prioridade para selecionar
na perspectiva da conservação da biodiversidade caracteri- ­áreas para se conservar) e no estudo das respostas da biodi-
za a Biogeografia da Conservação. Por sua natureza temáti- versidade diante de rápidas mudanças climáticas tornaram
ca e interdisciplinar, a Biogeografia da Conservação partiu a Biogeografia da Conservação uma ciên­cia conhecida e
da sinergia entre duas disciplinas, a Biogeografia e a Biolo- aplicada dentro da Biogeografia como um todo.
gia da Conservação1. Esse campo de estudo foi formalizado Na América do Sul, a amea­ça à biodiversidade, por
como ­área científica em 2005 e emergiu de um problema atividades humanas, é crescente. Na Amazônia, a taxa de
global: a perda da biodiversidade pela atividade humana. conversão de florestas em á­ reas para pasto de gado e para
A Biogeografia, por definição, é a ciên­cia que estuda a cultivo de soja aumenta ano a ano, e simulações mostraram
distribuição geográfica dos seres vivos. Ela busca entender a que, seguindo a taxa de conversão atual, as ­áreas protegidas
ocorrência espacial e temporal dos seres vivos levando em serão insuficientes para a conservação da biodiversidade na
consideração aspectos ecológicos e evolutivos dos táxons e metade do ­século XXI3. No Cerrado, a taxa de conversão
aspectos geográficos, geológicos e climáticos das á­reas. A tem sido maior que na Amazônia, e apenas 2,2% do bioma
Biologia da Conservação é um conjunto multidisciplinar de está sob á­ rea protegida4; na Mata Atlântica, mais de 80%
ciên­cias que tem como meta obter informações e desenvolver dos fragmentos têm tamanho menor que 50 hectares, o que
abordagens para a prática da preservação da biodiversidade. significa que apenas 9,3% do bioma está protegido sob a
Estudos em ecologia, genética, taxonomia, matemática, entre forma de unidades de conservação5.
outras ciên­cias, são a base para o gerenciamento dos recur- O fato de os paí­ses da América do Sul serem megadiver-
sos naturais, como manejo de populações, manejo de á­ reas sos, associado à crescente utilização das ­áreas por atividades
protegidas e escolha de ­áreas prioritárias para a conservação. incompatíveis com a preservação da biodiversidade, tem im-
Nesse contexto, a Biogeografia é uma das ciên­cias que forne- pulsionado o avanço da Biogeografia da Conservação, unindo
ce informações para que instâncias do gerenciamento pos- escolas mais tradicionais da Biogeografia (focadas na defini-
sam tomar decisões cientificamente fundamentadas2. ção de ­áreas de endemismo e cladística de grupos) a escolas
Após 15 anos, a Biogeografia da Conservação conquis- mais aplicadas da Ecologia e Biologia da Conservação (focadas
tou seu espaço científico ao avançar nos conceitos e méto- em buscar soluções em diferentes escalas para problemas am-
dos para entender a distribuição espacial da biodiversidade bientais prementes). Entretanto, antes de mostrarmos alguns
sob uma perspectiva conservacionista2. Avanços na mode- exemplos desse avanço, apresentaremos alguns conceitos e
lagem de distribuição de espécies (principalmente motiva- problemas gerais, com os quais qualquer cientista que trabalhe
dos pela conservação de espécies amea­çadas de extinção), ou deseje trabalhar nessa á­ rea de atuação deparar-se-á.

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Parte 1 | Teoria e Análise

Conhecimento sobre biodiversidade Os deficit mencionados anteriormente estão presentes


em todos os estudos de Biogeografia da Conservação, em
e estimativas de distribuição especial o deficit wallaceano. Assim, antes que qualquer
geográfica de espécies estudo nesse campo da ciência possa ser efetivamente rea-
Das estimativas atuais sobre o número de espécies terrestres lizado, é necessário ter ao menos uma estimava sobre a
e marinhas em todo o planeta infere-se que há cerca de 5 ± distribuição dos organismos com os quais se pretende tra-
3  milhões de espécies, das quais aproximadamente 1,5  mi- balhar. Há três possibilidades para estimar a distribuição
lhão já foram descritas e formalmente catalogadas6. No Brasil, geográfica de uma espécie, apresentadas e comentadas ra-
estima-se que existe 1,8 milhão ± 500 mil espécies, das quais pidamente a seguir.
apenas algo entre 179 e 226 mil são formalmente conhecidas, A primeira é o uso de registros de ocorrência de uma
segundo o levantamento mais recente7. Há, portanto, uma la- espécie, obtidos em campo ou em coleções depositadas
cuna imensa em nosso conhecimento sobre a biodiversidade, em museus. Esse tipo de dado é bastante usado em eco-
e essa lacuna se desdobra em três diferentes tipos de ignorân- logia e, inclusive, por instituições governamentais para a
cia ou deficit de conhecimento (Quadro 11.1). definição de políticas públicas10. Tais registros, não obs-

Quadro 11.1 Nossa ignorância sobre a biodiversidade: os deficit linneano, wallaceano e darwiniano.
Das 5 ± 3 milhões de espécies que devem existir no planeta, Bini et al.8 realizaram um estudo no Cerrado que desafiava
apenas 1,5 milhão foram descritas por taxonomistas ao redor do os deficit linneano e wallaceano ao mesmo tempo. Os autores
mundo6. Essa lacuna (ou deficit) no conhecimento sobre a criaram modelos capazes de inferir o tamanho e localização das
existência das espécies é denominada deficit linneano, em distribuições de espécies hipotéticas ainda não descritas. Os
homenagem a Carl von Linné (1707-1778), botânico, zoólogo e modelos baseiam-se na informação sobre a distribuição de
médico sueco, criador da nomenclatura binominal e da frequência do tamanho da distribuição de anfíbios anuros
classificação científica, considerado o “pai da taxonomia descritos até aquela época, o número de inventários já reali-
moderna”, ou seja, o deficit linneano diz respeito à quantidade zados para o grupo e indicadores de adequação de habitat.
de espécies que ainda falta descobrir e descrever para que Assim, espécies a serem futuramente descritas teriam
alcancemos o número real provavelmente existente. distribuições geográficas restritas, e a probabilidade de novas
Segundo Costello et al.6, o número de taxonomistas descobertas seria maior em áreas com baixo número de
empenhados em descrever espécies nunca foi tão alto, e a inventários e com habitat adequado. Nesse exemplo, os autores
quantidade desses profissionais vem crescendo a uma taxa mais tentam inferir, por meio de simulações, onde novas espécies
rápida que a de descoberta de novas espécies (embora essa seriam encontradas (diminuindo o deficit linneano) e qual sua
conclusão seja questionável). Esses autores sugerem ações para distribuição geográfica (reduzindo o deficit wallaceano), o que
aumentar ainda mais essa taxa de descrição de espécies que vão possibilitaria, por sua vez, que tomadores de decisão pudessem
desde publicações mais rápidas (online), assim que o trabalho de priorizar ações de conservação para espécies que sequer foram
descrição for aceito por uma revista científica, passando por descritas ainda.
acesso livre a bases de dados depositados na internet e O problema da descrição e catalogação dos táxons e a falta
transferência de recursos, por via governamental, para de amostragem espacial, associados à falta de informação
taxonomistas. O deficit linneano causa um problema básico no sobre o relacionamento evolutivo dos táxons, limitam a
planejamento para a conservação, porque as decisões associadas abordagem composicional da biodiversidade. Recentemente,
ao planejamento e a seleção de locais prioritários, por exemplo, essa falta de conhecimento sobre as relações evolutivas entre as
sempre levam em consideração a distribuição das espécies sobre espécies foi denominada deficit darwiniano9, em homenagem a
as quais há dados disponíveis. Entretanto, pode haver locais Charles R. Darwin (1809-1882), naturalista britânico que, em
habitados por um alto número de espécies desconhecidas que conjunto com Alfred Wallace, propôs uma teoria que explica
não são incluídos como prioritários simplesmente devido à como a evolução biológica se dá ao longo do tempo por meio
nossa ignorância em relação à existência de tais espécies. da seleção natural.
Independentemente do número atual de taxonomistas e da O deficit darwiniano atem três componentes: (1) a falta de
possibilidade de descrever todas as espécies do planeta em um hipóteses filogenéticas abrangentes para a maioria dos grupos
período razoável, atualmente, qualquer análise em Biogeografia taxonômicos; (2) incertezas na estimativa dos comprimentos de
da Conservação é influenciada por esse deficit de conhecimento. ramo e tempo de divergência entre linhagens; e (3)
De maneira similar, em Biogeografia da Conservação, um dos desconhecimento sobre os modelos evolutivos subjacentes à
gargalos mais apertados no momento do planejamento para a evolução dos atributos e à variação de história de vida das
conservação é o fato de que, para uma infinidade de espécies, espécies. Assim, processos evolutivos que dão origem a padrões
as distribuições geográficas são pouco conhecidas e apresentam mais complexos não podem ser descritos e explicados apenas
inúmeras lacunas. Nossa falta de conhecimento sobre a pelas relações evolutivas entre os grupos9. Diniz-Filho et al.9
distribuição das espécies conhecidas é denominada deficit mostram como, na prática, o deficit darwiniano pode influenciar
wallaceano, em homenagem a Alfred R. Wallace (1823-1913), na escolha de áreas prioritárias para a conservação. Segundo os
naturalista, geógrafo e antropólogo britânico, considerado o autores, o uso de espécies na definição de prioridades é mais
“pai da zoogeografia”. Diante da incerteza sobre a distribuição intuitivo justamente devido à ausência de conhecimento sobre a
das espécies, fazemos uma inferência sobre a distribuição. Ao filogenia de diferentes grupos. Assim, caso a seleção de áreas
tentar inferir sobre a distribuição de uma espécie, normalmente fosse feita com base em clados inteiros, e não apenas as
incorremos em dois erros: o erro de omissão e o erro de espécies, a definição das áreas prioritárias seria mais constante
comissão. No primeiro caso, omite-se a ocorrência da espécie ao longo do tempo, porque, mesmo que as espécies se
em um determinado local, quando a espécie ocorre ali de fato. desdobrassem em mais de uma (por uma revisão taxonômica,
No segundo caso, define-se a ocorrência da espécie em um local por exemplo), isso não inflaria o número de áreas necessário
onde ela não ocorre de fato. para conservar as informações evolutivas nos clados originais9.

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Capítulo 11 | Biogeografia da Conservação

tante, são enviesados, e há inúmeros problemas associados Quadro 11.3 Estudo de caso: Reconhecimento das
à amostragem em amplas escalas geográficas (e. g., conti- localidades de climas novos na ecorregião Florestas do
nental). Há também vieses relacionados com a amostra- Alto Paraná.
gem de dados que são amplamente relatados na literatura Sobre a ecorregião Florestas do Alto Paraná foi conduzida
(e. g., coletas em locais de fácil acesso para o coletor e pró- uma análise com o objetivo de reconhecer as localidades
ximo a estradas ou centros urbanos). Finalmente, uma das que estarão sujeitas aos climas novos até a metade do século
(2050) e até o final do século (2100) para o cenário de
maiores limitações desse tipo de dado é que há pouca ou
emissão intermediário (A1b) estimado por um modelo
nenhuma informação sobre a ausência real de indivíduos denominado HadCM3. Utilizou-se a análise de componentes
e populações, ou seja, a informação precisa sobre a não principais (PCA)12 para ranquear 19 variáveis bioclimáticas,
ocorrência dos indivíduos é bastante escassa. Por essas ra- das quais cinco foram selecionadas após rotação pela
zões, esses dados têm poucos erros de comissão e muitos máxima variância, para a obtenção do espaço climático da
ecorregião. Os resultados mostraram que as localidades com
erros de omissão (Quadro  11.2), embora tais problemas climas novos corresponderão a 25% e 82% da ecorregião na
dependam do esforço amostral11. metade e final do século, respectivamente (Figura 11.1). Ao
A segunda alternativa para estimar a distribuição de comparar espacialmente as localidades e as áreas protegidas,
uma espécie consiste no uso de mapas de extensão de observou-se que, ao final do século, 34 áreas protegidas (Ia =
4, II = 14, III = 1 IV = 8, V = 4 e VI = 3) terão localidades com
ocorrência, confeccionados com auxílio de ferramentas climas novos.
de sistema de informação geográfica (e. g., ArcGIS, Quan-
tum GIS) ou disponíveis em bases de dados acessíveis na
internet (e. g., base de dados geográficos da União Inter- de ocorrência; em diferentes graus de conhecimento das
nacional para a Conservação da Natureza, IUCN – ver condições ambientais, estabelecendo limites que seguem
Quadro 11.3). condições ambientais inóspitas para a espécie; ou, ainda,
Mapas de extensão de ocorrência são polígonos geor- na opinião de especialistas em uma abordagem definida
referenciados que tendem a incluir muitos erros de comis- pelo conhecimento prévio.
são (falsas presenças) devido à interpolação geográfica de Uma vantagem do uso de mapas de extensão de ocor-
registros de ocorrência. O procedimento de elaboração rência é que esse tipo de dado costuma estar disponível,
dos mapas começa com o georreferenciamento dos re- em escala global, para alguns grupos taxonômicos, espe-
gistros de ocorrência que se encontram na porção mais cialmente vertebrados (ver Quadro 11.4). Isso possibilita o
periférica da distribuição de uma espécie. A partir daí, in- delineamento de planos de conservação, mesmo em regiões
terpolam-se os dados para delinear os limites de distribui- para as quais a disponibilidade de dados espaciais é escassa.
ção da espécie. Existem diferentes técnicas para a defini- A desvantagem desses mapas, entretanto, encontra-se na
ção do contorno da distribuição. Segundo Lemes et al.11, incerteza envolvida no uso da extensão de ocorrência, além
a interpolação pode ser unicamente baseada em dados dos altos índices de erros de comissão já mencionados. Tal
incerteza é bastante difícil de ser avaliada, e, em geral, esses
mapas não são validados em campo.
Quadro 11.2 Erros comuns ao estimar a distribuição Finalmente, pode-se estimar a distribuição geográfica
geográfica de uma espécie.
de uma espécie por meio de mapas preditivos de distri-
Quando estimamos a distribuição geográfica de uma espécie buição, criados a partir de modelos de distribuição de es-
por qualquer um dos métodos discutidos, confrontamo-nos pécies15,16. Esses modelos vêm sendo usados como dados
com incertezas sobre onde as espécies ocorrem. No processo de entrada em análises de conservação, inclusive em fer-
de delineamento da distribuição de uma espécie, dois erros
fundamentais podem ser cometidos. O primeiro é o erro ramentas de políticas públicas, como nos Planos de Ação
de omissão, quando se omite a ocorrência da espécie em Nacional (PAN) para espécies ameaçadas no Brasil17.
uma determinada área, apesar de ela ocorrer ali de fato. Apesar de seu uso ser cada vez mais frequente, mode-
O segundo é denominado erro de comissão, em que se los de distribuição geográfica, quando aplicados à conser-
pressupõe a ocorrência da espécie em um local onde ela
não ocorre.
vação da biodiversidade, apresentam problemas básicos,
Do ponto de vista conservacionista e de tomada de decisão, como a ausência de consenso sobre a melhor maneira de
esses erros originam cenários de incerteza. O mais crítico deles validá-los (principalmente com uma validação biológica
ocorre quando, devido a um erro de comissão, consideramos empírica, e não apenas estatística) e a elevada incerteza as-
que uma espécie será protegida em um local caso ele seja
sociada a eles18,19. Há diversas fontes de incerteza, como a
demarcado como uma reserva, mas ela não ocorre ali. Esse erro
de julgamento pode levar à extinção de populações dessa natureza dos dados, o método estatístico usado na mode-
espécie em regiões fora das áreas protegidas, onde a espécie de lagem, a combinação de variáveis usadas para calibrar os
fato ocorre. Em um segundo cenário, o número de locais modelos e a estatística de validação utilizada. Alguns auto-
disponíveis para a implementação da ação de conservação é res têm, inclusive, sugerido que não é possível comparar de
substancialmente reduzido, pois a ocorrência da espécie neles é
desconhecida devido a um erro de omissão. Isso pode levar a
maneira definitiva a qualidade de dois ou mais modelos20.
menor eficiência do planejamento e possível extinção das Entretanto, há estudos recentes, com recomendações prá-
populações desconhecidas. Esses problemas crescem ticas importantes para a conservação de diferentes grupos
exponencialmente quando o planejamento é executado para taxonômicos que utilizaram modelos de distribuição de
inúmeras espécies.
espécies17,21-23.

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Parte 1 | Teoria e Análise

Figura 11.1 A ecorregião Florestas do Alto Paraná faz parte do bioma Floresta Atlântica, mais especificamente das florestas
subtropicais de interior. A. Ecorregião Florestas do Alto Paraná em destaque no mapa de ecorregiões da América do Sul. B.
Áreas protegidas em preto. C. Localidades com climas novos na metade do século XXI. D. Localidades com climas novos no
final do século XXI.

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Capítulo 11 | Biogeografia da Conservação

Quadro 11.4 Bases de dados espaciais. A conservação ex situ é uma das mais antigas atividades de
CliMond – Global climatologies for bioclimatic modelling (www.
preservação e pode cooperar com a conservação in situ da
climond.org): disponibiliza dados climáticos atuais, baseados no natureza.
WorldClim (ver adiante), e dados climáticos futuros (2030-2100), Entretanto, é necessário conservar a diversidade biológi-
estimados pelos modelos CSIRO e MIROC-H. São dados em ca em todos os seus níveis de organização e, em particular,
formato matricial em duas resoluções, 10 e 30 arco-segundos, os processos ecológicos e evolutivos que a sustentam. Isso
que cobrem áreas continentais, com exceção da Antártica. Essa
base inclui dados arranjados em 35 variáveis bioclimáticas, só é possível por meio da conservação in situ, estratégia que
sendo 19 variáveis semelhantes ao WorldClim e mais 16 busca assegurar que genes, espécies e ecossistemas sejam pre-
variáveis que combinam temperatura, precipitação, radiação servados em seu local de ocorrência na natureza. Esse tipo
solar e umidade relativa do ar13. de estratégia possibilita que os processos naturais de trans-
Global Biodiversity Information Facility (GBIF, www.gbif.org):
plataforma internacional de compartilhamento de informação
formação, fluxo e transferência de matéria e energia possam
sobre a ocorrência geográfica de espécies. Nela os ser mantidos assim como processos genealógicos de herança,
pesquisadores compartilham a informação da biodiversidade – conservação e modificação da informação biológica.
proveniente de museus de história natural e coleções biológicas A conservação in situ da biodiversidade é feita pelo es-
–, a qual fica gratuitamente acessível aos interessados em um
tabelecimento de áreas protegidas ou unidades de conser-
único portal. Em 2014, o banco de dados acumulou o total de
440.956.578 ocorrências, sendo 85% georreferenciadas. vação, como no caso do Brasil. As unidades de conservação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, http://www. são áreas estabelecidas por lei e regidas sob diretrizes que
ibge.gov.br): O IBGE tem uma base de dados bastante ampla, assegurem a conservação da natureza.
que inclui mapas das mais variadas naturezas, para os mais No Brasil, o Sistema Nacional de Unidades de Conserva-
variados fins, além de materiais a eles relacionados. Além disso,
tem uma base de dados socioeconômicos que pode ser (e vem
ção (SNUC, lei no 9.985 de 18 de julho de 2000) é o con-
sendo) utilizada em inúmeras pesquisas em âmbito junto de unidades de conservação federais, estaduais e
conservacionista no Brasil. municipais. É composto de 12  categorias de unidades de
Species Link (http://splink.cria.org.br): sistema distribuído de conservação, cujos objetivos específicos se diferenciam
informação que integra, em tempo real, dados primários de
quanto à forma de proteção e usos permitidos: aquelas que
coleções científicas. Assim como no GBIF, os pesquisadores
compartilham a informação da biodiversidade – proveniente de precisam de maiores cuidados, pela sua fragilidade e par-
museus de história natural e coleções biológicas –, que também ticularidades, e aquelas que podem ser utilizadas de forma
fica gratuitamente acessível aos interessados em um único sustentável e conservadas ao mesmo tempo. De maneira
portal. Até 2014, o banco de dados do Species Link continha geral, as unidades de conservação no Brasil são classifica-
6.669.446 registros online, provenientes de 337 coleções e
subcoleções diferentes. das em dois grandes grupos: (1) unidades de conservação
The IUCN Red List of Threatened Species (www.iucnredlist.org): de proteção integral – que têm o objetivo principal de res-
página eletrônica da União Internacional para a Conservação da guardar a natureza em seu estado natural –, grupo no qual
Natureza (IUCN) que disponibiliza a distribuição geográfica de estão as categorias de Estação Ecológica, Reserva Biológica,
vários grupos taxonômicos e a respectiva informação sobre o
status de ameaça. Os dados de ocorrência geográfica estão em
Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida
formato vetorial (shapefiles) e estão disponíveis para mamíferos Silvestre; e (2) unidades de conservação de uso sustentável
terrestres e marinhos, anfíbios, répteis, peixes marinhos, corais – que buscam compatibilizar a conservação com uso de re-
recifais, algas marinhas, pepinos-do-mar e gastrópodes. cursos naturais –, grupo no qual estão as categorias de Área
WorldClim – Global Climate Data (www.worldclim.org): de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Eco-
disponibiliza dados climáticos atuais, do passado e do futuro.
Os dados climáticos estão em formato matricial (raster files) em lógico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de
quatro resoluções, 30 arco-segundos, 2,5, 5 e 10 arco-minutos, Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva
os quais podem ser visualizados e analisados em programas de Particular do Patrimônio Natural.
sistema de informação geográfica (SIG). Além dos dados Em âmbito internacional, as áreas protegidas estão orga-
temperatura média, máxima e mínima e precipitação, os dados
estão disponíveis em 19 variáveis bioclimáticas derivadas de
nizadas em seis categorias: I – Reserva Natural/Área Selva-
modo a representar a tendência climática anual, sazonalidade e gem; II – Parque Nacional; III – Monumento Natural; IV –
combinações climáticas biologicamente limitantes ou Área de Manejo de Espécies/Habitats; V – Paisagem Terrestre
extremas14. ou Marítima Protegida; e VI – Área Protegida para Manejo
de Recursos. Elas foram discutidas no Congresso Mundial
de Parques Nacionais e Áreas Protegidas, realizado na Vene-
Áreas protegidas como estratégia zuela em 1992, e são mediadas e atualizadas pela União In-
ternacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos
fundamental de conservação Naturais (UICN). Em um paralelo com o sistema brasileiro,
A manutenção da diversidade biológica pode ser exercida as categorias I, II e III apresentam objetivos e diretrizes com-
sob duas estratégias de conservação: a conservação ex situ patíveis com as unidades de conservação de proteção integral
e a conservação in situ. A estratégia de conservação ex situ (uso indireto), e as categorias IV, V e VI são compatíveis com
preserva genes e espécies fora da natureza ou em lugares as unidades de uso sustentável (uso direto).
especializados para esse fim, que não o seu local de origem; Unidades de conservação de proteção integral encerram
por exemplo: a preservação de genes e espécies em jardins categorias que apresentam maior restrição ao uso dos re-
zoológicos, jardins botânicos, coleções de germoplasma etc. cursos naturais e não admitem a ocupação humana. Apesar

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Parte 1 | Teoria e Análise

de haver discussões em relação a sua efetividade, a unidade planejar a rede de áreas protegidas é priorizar áreas para
de conservação de proteção integral é, atualmente, a me- seleção. A seleção de áreas pode ser feita com base no “zo-
lhor opção para a conservação in situ da biodiversidade. neamento” espacial25.
De fato, as unidades de conservação existem porque os am- O zoneamento enfatiza o mapeamento de atributos da
bientes em seus estados naturais estão sob ameaça. Ações natureza, de modo a criar, em um dado espaço geográfico,
em conservação da natureza competem com outras moda- um mosaico de feições composicionais ou funcionais. Na es-
lidades do uso das áreas, como a agricultura, o extrativismo tratégia que tem como foco priorizar a composição, as uni-
e a ocupação humana. Além disso, os recursos financeiros dades são discriminadas pela composição de espécies, e as
destinados à conservação são sempre limitados. A soma de áreas são escolhidas de modo que contemplem a representa-
todos esses fatores torna o planejamento da rede de áreas tividade, ou seja, uma amostra da composição de formações
protegidas uma etapa crucial para a preservação da biodi- vegetais, comunidades ou províncias biogeográficas. Parale-
versidade. lamente, na estratégia que visa priorizar a funcionalidade, as
unidades são delimitadas com base nos tipos de processos
ecológicos, e as áreas são selecionadas com o objetivo de
Função e composição da biodiversidade
conservar as interações, tais como rotas migratórias, envelo-
O planejamento para conservação da biodiversidade neces- pes climáticos e redes alimentares. É muito comum que, por
sita que o escopo de abordagem seja definido: funcional ou conta da natureza zonal, a prática dessa abordagem resulte
composicional. De acordo com essa dicotomia conceitual, em esquemas hierárquicos, como os mapas de províncias
a abordagem funcional tende a usar como critérios os pro- biogeográficas ou de bacias hidrográficas.
cessos de fluxo e transformação de matéria e energia, como Os esquemas em ecorregiões enfatizam atributos da
os ciclos de nutrientes, polinização, intercâmbio genético e biodiversidade ligados à funcionalidade, manutenção de
termodinâmica, para a delimitação de unidades e padrões fluxos e interações. A relação entre ecorregiões e as provín-
espaciais. A abordagem composicional usa critérios como
cias biogeográficas é facilmente entendida quando se pensa
representatividade e exclusividade de espécies e hierarquia
na Floresta Amazônica, que, sob os critérios de ecorregião,
de interações para delimitação de unidade e padrões geo-
apresenta feições paisagísticas uniformes que possibilitam
gráficos. Do ponto de vista do planejamento, a definição do
delinear toda a floresta tropical como uma única unidade
escopo determinará o resultado esperado da ação conser-
funcional. Entretanto, ao explorar a composição de espé-
vacionista, ou seja, se as áreas protegidas a serem implanta-
cies, verifica-se que a Amazônia é um grande mosaico de
das deverão restaurar e manter processos ecológicos, como
áreas de endemismo26, cada uma delas com sua compo-
manter e melhorar serviços ecossistêmicos, ou se as áreas
sição de espécies. Concomitantemente, entende-se que as
deverão manter a representatividade de espécies da comu-
diferentes espécies, que constituem as áreas de endemismo,
nidade, maximizando a diversidade biológica, protegendo
apresentam redundância em suas funções, já que é possível
uma determinada espécie ou grupo de espécies.
delinear uma unidade paisagística que inclui todas as áreas
O mapeamento da funcionalidade depende do nível
de endemismo. Existem ecossistemas com funções seme-
hierárquico no qual os processos se manifestam. Os mapas
lhantes em continentes com distintas composições, padrão
mais comuns são os de bioma em escalas regional e global,
descrito pela primeira lei da biogeografia, ou Lei de Buffon.
em que o clima é o processo primário. As unidades funcio-
A abordagem azonal desconsidera a compartimenta-
nais são delimitadas pela disponibilidade energética e hí-
lização do espaço geográfico e enfatiza as áreas que criam
drica24, resultando em diferentes tipos de formações vege-
heterogeneidade de habitats. Essas áreas são desconecta-
tais. Os biomas são reconhecidos pelas feições fisionômicas
de sua paisagem, e não por espécies características ou pela das espacialmente e comumente estão associadas a feições
composição de sua comunidade. singulares da biodiversidade e ao alto grau de ameaça pela
O mapeamento da composição da biodiversidade tem a conversão de habitats. O conjunto de Biodiversity Hotspots
característica de compilar e delimitar áreas segundo os cri- propostos pela Conservação Internacional27, que indicam
térios de exclusividade e representatividade das espécies. As áreas de alta riqueza de espécies, alto endemismo e alta con-
unidades composicionais são delimitadas por áreas de en- versão de habitats, é um exemplo de abordagem azonal.
demismo (ver Capítulo 3) – áreas que contêm duas ou mais Na seleção de áreas, utiliza-se a abordagem zonal para
espécies exclusivas –, e estas arranjadas hierarquicamente ter um panorama de como o espaço geográfico, seja terres-
em áreas maiores, como domínios, sub-regiões, regiões e tre ou marinho, está espacialmente estruturado. Nessa eta-
reinos biogeográficos. Nesse caso, as áreas são conhecidas pa delimitam-se as áreas contíguas em unidades discretas
pela composição de suas comunidades, ao passo que a pai- (zonas) conforme o enfoque (composição, função) e cria-
sagem pode variar sem relação com as áreas de endemismo. -se um esquema de classificação. Dependendo do espaço
geográfico em questão, nessa etapa de análise as zonas são
extremamente grandes (p. ex., Floresta Atlântica: cerca de
Seleção de áreas para conservação 106 km2), por isso é necessária uma progressiva redução de
Tendo estabelecido a ferramenta na qual a preservação da escala para adequar o tamanho das áreas selecionadas ao
biodiversidade será feita (áreas protegidas) e o escopo da tamanho das futuras áreas protegidas. O próximo passo é
abordagem (função ou composição), o passo seguinte para priorizar áreas dentro de cada zona conforme os critérios

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Capítulo 11 | Biogeografia da Conservação

de interesse. Nessa etapa há a escolha de paisagens e feições extenso, que conta, atualmente, com livros-texto31,32 que
geográficas que criam heterogeneidade de habitats, como o descrevem, em detalhes, as etapas de execução, a formaliza-
delta de um rio ou uma montanha. Essa etapa poderá criar ção matemática dos problemas e os tipos de priorização que
um mapa de áreas disjuntas, pois é uma abordagem azo- podem ser realizados. Além disso, essa abordagem pode ser
nal. E o passo final é a seleção de áreas dentro das áreas empregada em escala biogeográfica, sendo bastante coeren-
anteriores que apresentam singularidade, de acordo com os te com a Biogeografia da Conservação.
critérios de interesse. Serão ilhas de habitats com tamanho
compatível com áreas protegidas nas quais os esforços serão Dinamismo introduzido pelas
direcionados para a concretização da conservação.
As abordagens de composição e de função na seleção de mudanças climáticas globais
áreas para a conservação não devem competir entre si, mas O grande desafio de conservar a biodiversidade sob mu-
somar contribuições para o sucesso na proteção da biodi- danças climáticas é que o clima é temporalmente dinâmico,
versidade28. Uma abordagem estritamente composicional e as áreas protegidas são fixas no espaço geográfico. Desse
dependeria de contínuos esforços para que a manutenção modo, as áreas protegidas delimitadas na atualidade e de-
funcional das espécies ocorresse, e, no outro extremo, uma signadas para a conservação de composições singulares ou
abordagem estritamente funcional poderia favorecer a domi- de funções específicas podem futuramente deixar de ser
nância de espécies generalistas e redundantes. A abordagem efetivas ou, no melhor cenário, albergar e proteger funções
mais adequada se situa em um ponto intermediário desse e composições diferentes33.
contínuo, de modo a favorecer a representatividade e diversi- Para entender o impacto da mudança climática em uma
dade biológica e os mecanismos que a criam e mantêm. dada área, é necessário comparar o clima atual com o clima
Uma etapa fundamental do planejamento para a con- futuro. Os dados de clima futuro são obtidos por modela-
servação é a avaliação da eficiência atual da rede de áreas gens matemáticas da circulação atmosférica e oceânica e
protegidas já estabelecida (denominada análise de lacu- simulações de emissões de dióxido de carbono para as dé-
nas, gap analysis, em inglês), seguida da indicação de no- cadas futuras. O Painel Intergovernamental de Mudanças
vas áreas prioritárias para a conservação. Desde o trabalho Climáticas estabeleceu cenários de emissões que descrevem
seminal de Margules e Pressey29, o planejamento espacial o mundo no futuro, como velocidade de crescimento eco-
para a conservação da biodiversidade vem sendo feito de nômico, tamanho da população global, desenvolvimento de
maneira sistemática. novas tecnologias, escala do desenvolvimento econômico,
O planejamento sistemático para a conservação visa tipo de bens consumíveis34. Com os dados climáticos atuais
alocar de forma eficiente os escassos recursos disponíveis e futuros de uma determinada região, que podem ser obti-
para diferentes ações de conservação. Por eficiente enten- dos em sítios eletrônicos especializados (ver Quadro 11.4),
de-se que o planejamento entrega soluções com o menor a comparação pode ser feita no espaço climático35.
custo-benefício, ou seja, maximiza a representação dos ele- O espaço climático é composto de duas variáveis climá-
mentos da biodiversidade (e. g., genes, espécies, tipos vege- ticas e seus respectivos valores provenientes do espaço geo-
tacionais) com o menor custo possível. Os custos incluídos gráfico. Se a área de estudo é uma ecorregião, por exemplo,
em análises de planejamento para a conservação são uma obtêm-se valores de temperatura média anual e de precipi-
combinação de restrições à escolha de áreas prioritárias e, tação anual (entre outras variáveis) para cada ponto dentro
muitas vezes, acabam sendo traduzidos em custo econômi- dos limites da ecorregião. Uma vez com os valores associa-
co. Custos diretos podem relacionar-se à aquisição da terra dos à ecorregião, plotam-se os pontos em um gráfico bidi-
ou à restauração de um ecossistema (em R$/ha, por exem- mensional, no qual o eixo × é a temperatura média anual e o
plo). Custos indiretos são mais comuns e, normalmente, eixo y é a precipitação anual. Como resultado será possível
relacionam-se aos custos de oportunidade, como quanto se visualizar no gráfico uma nuvem de pontos que equivale
deixa de arrecadar em um determinando local com um uso ao envelope do clima atual realizado (nesse caso, caracte-
específico da terra (e. g., expansão agrícola, estabelecimento rizado por apenas duas dimensões). Para obter o envelope
de indústria) caso esse local seja convertido em área prote- climático futuro, faz-se o mesmo procedimento descrito
gida e tenha seu acesso impedido para outros fins que não anteriormente, no entanto com os valores de temperatura e
a conservação da biodiversidade. Há um crescente número precipitação estimados para 2100, por exemplo, segundo a
de estudos na América do Sul que utilizam o planejamento projeção de clima futuro a ser utilizada.
sistemático para a conservação para a definição de locais A comparação entre o clima atual e o futuro é feita no
prioritários para a conservação, com inclusão direta de cus- próprio espaço climático, e a primeira interpretação é di-
tos econômicos22,30. reta: a área correspondente à intersecção entre o envelope
O planejamento é também utilizado por ONGs em di- atual e o envelope futuro representa condições climáticas
ferentes países da América do Sul, como Colômbia, Bolí- que irão persistir na ecorregião até 2100, segundo nosso
via, Peru e Brasil, e as áreas prioritárias para a conservação, exemplo; áreas do envelope atual que não apresentam so-
uso sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade breposição com o envelope futuro representam combina-
foram definidos com base nessa abordagem10. O planeja- ções climáticas que desaparecerão no futuro; e áreas do
mento sistemático para a conservação é um tópico bastante envelope futuro que não apresentam sobreposição com o

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Parte 1 | Teoria e Análise

envelope atual representam combinações climáticas novas Quadro 11.5 Estudo de caso: Priorizando locais adequados
(temporalmente não análogas) que aparecerão no futuro33. para a conservação de mamíferos do Cerrado diante de
Essas novas situações climáticas, o desaparecimento mudanças climáticas e de uso de solo.
de climas existentes e climas futuros inéditos que não têm Faleiro et al.41 propuseram a definição de áreas prioritárias por
análogos na atualidade afetarão a distribuição de espécies meio de modelos de distribuição para todas as espécies de
e processos ecossistêmicos (ver Quadro 11.3). Ainda é um mamíferos do Cerrado e de modelos de perda de habitat nesse
ecossistema, com projeções anuais de mudança de cobertura
desafio entender as reais respostas da biodiversidade. As vegetal. Assim, além de apresentarem estimativas acuradas sobre
hipóteses propostas sugerem que novas associações entre as onde as espécies encontram-se hoje e onde estarão no futuro, os
espécies serão promovidas em áreas com climas novos e que autores avaliaram se os locais prioritários de hoje até
o risco de extinção global e local de espécies irá aumentar 2050 teriam habitat nativo disponível para a ocorrência das
espécies.
em áreas cujos climas desaparecerão36.
Combinando essas duas informações, os autores definiram
Potenciais efeitos do impacto das mudanças climáticas áreas prioritárias, que, ao mesmo tempo: (1) são capazes de
na biodiversidade podem ser avaliados por parâmetros cli- representar espécies de mamíferos tanto hoje quanto no
máticos que descrevem mudanças espaçotemporais37. Para futuro; (2) manterão uma porcentagem de habitat adequado
mudanças em escala regional é possível mensurar: (1) mu- suficiente para a sobrevivência das espécies; (3) apresentam
menor incerteza estatística sobre a ocorrência de espécies no
dança do tamanho da área de climas análogos; (2) mudança futuro; e (4) encontram-se em locais aos quais se pode ter acesso
na distância entre climas análogos e (3) climas novos. Ao por meio de corredores e da própria capacidade de
longo do tempo, pode haver aumento ou diminuição da deslocamento/dispersão das espécies na paisagem.
área contínua sujeita a climas análogos, o que representa, Esse trabalho combina diferentes escalas geográficas, a saber:
local, com a avaliação da capacidade de deslocamento das
do ponto de vista da biodiversidade, que as espécies ten-
espécies na paisagem; regional, com os modelos de perda de
derão a mudar suas amplitudes de distribuição. A área de habitat para o Cerrado; e continental, com os modelos de
distribuição da espécie irá se expandir junto com a área de mudança de distribuição geográfica estimados para todo o
climas análogos se houver condições favoráveis de habitat e continente sul-americano, sendo um exemplo interessante de
interações bióticas. Caso a área de clima análogo diminua, a uma abordagem integrada em Biogeografia da Conservação
(Figura 11.2).
área de distribuição da espécie tenderá a se contrair, afetan-
do gravemente as espécies climaticamente mais suscetíveis.
Ainda, ao longo do tempo poderá haver aumento da distân- Diversos autores têm chamado a atenção e proposto
cia entre áreas com climas análogos. Para as espécies, esse soluções para o problema. As soluções vão desde mapear
cenário poderá representar diminuição de conectividade locais adequados no presente e futuro e avaliar se espécies
entre as populações, favorecendo as extinções locais. Áreas seriam capazes de “perseguir” os locais com clima adequa-
que estarão sujeitas a condições climáticas inéditas não en- do à medida que esses locais se movem na paisagem38,39 até
contradas no clima atual hipoteticamente terão o potencial propor conjuntos de áreas prioritárias que levam em consi-
de criar novas comunidades de espécies, formando novas deração, ao mesmo tempo, a distribuição presente e futura
interações bióticas e excluindo outras. de espécies40-44 (Quadro 11.5).
Para a América do Sul, as métricas de disponibilidade O problema não é trivial, pois não se trata de propor
climática indicaram aumento da área de climas análogos um conjunto de locais a ser conservado em um momento
em regiões baixas e tropicais, diminuição da área de clima futuro. Isso faria com que a proposição de políticas públicas
análogo nos Andes e em regiões temperadas e surgimento e a implementação de ações de conservação fossem adia-
de climas novos nas regiões da floresta amazônica e da flo- das, com consequências potencialmente irreversíveis para
resta valdiviana, no Chile. Em relação ao posicionamento a biodiversidade. Portanto, faz-se necessário encontrar um
do clima, foi observado aumento da distância entre áreas conjunto de locais que, se protegidos hoje, continuarão a ser
com climas análogos nos Andes, extremo sul do continente eficientes nessa proteção em um futuro distante.
e na porção sudeste da mata atlântica37. Alguns autores têm demonstrado regiões de grande es-
tabilidade climática que podem, eventualmente, ser indi-
cadas como prioridades de conservação21,44,45. Entretanto,
Seleção de áreas sob cenário de sugerir que essas áreas são importantes para a manutenção
mudanças climáticas da biodiversidade é correto e importante, mas fere o princí-
Como mencionado anteriormente, o desafio de conservar pio básico da eficiência estabelecido pelo planejamento sis-
a biodiversidade sob mudanças climáticas é aumentado temático, por não serem soluções em nada otimizadas para
pelo dinamismo imposto pelo clima. Além disso, as dis- a representação da biodiversidade.
tribuições geográficas das espécies sofrem alterações, e os
deslocamentos de distribuição tornam a seleção de locais Futuro da conservação na
prioritários mais complexa, pois os atributos a serem repre-
sentados nesses locais (nesse caso, as espécies) são móveis. América do Sul
Assim, uma rede de reservas proposta para o tempo pre- A produção científica e sua aplicação no contexto das ciên-
sente pode se tornar bastante ineficiente em 2100, devido à cias ambientais na América do Sul têm aumentado bastante
mudança do clima33. nos últimos anos. O Brasil, em especial, tem um papel como

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Capítulo 11 | Biogeografia da Conservação

Figura 11.2 Os mapas acima mos-


tram o padrão de riqueza de espé-
cies de mamíferos do Cerrado no
presente e no futuro, criados com
base em modelos de nicho ecoló-
gico. Abaixo, apresentam-se mapas
de disponibilidade de habitat re-
manescente no Cerrado para o pre-
sente e futuro. Essas informações
foram combinadas para criar um
mapa com prioridades espaciais
para a conservação. Nesse mapa,
todos os mamíferos estariam repre-
sentados nas unidades de conser-
vação existentes e áreas prioritárias,
com um recorte de 17% da área to-
tal do Cerrado. Para mais detalhes,
ver Faleiro et al.41.

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