Você está na página 1de 4

1

Cena - O país está consternado - de Matéi Visniec

Personagens: O chefe, o subchefe e o prisioneiro.

Entram o chefe, o subchefe e o prisioneiro. O subchefe traz o prisioneiro para


diante do chefe.

SUBCHEFE - Chefe!

CHEFE - Sim?

SUBCHEFE - Ele quer dar um telefonema.

CHEFE - Ele quer o quê?

SUBCHEFE - Ele quer dar um telefonema.

CHEFE - Você quer o quê?

PRISIONEIRO - Quero dar um telefonema.

CHEFE - Ele quer dar um telefonema?

SUBCHEFE - Sim, ele quer dar um telefonema. Ele diz que é um direito dele.

CHEFE - Ah, então ele diz que é um direito dele! Dar um telefonema às oito
horas da noite!

SUBCHEFE - Sim, ele diz que é direito dele.

CHEFE - Então você quer dar um telefonema, é isso?

PRISIONEIRO - É isso.

CHEFE - Bom, não tem problema. Tudo bem. Vai dar seu telefonema. Está
previsto na constituição. Em nosso país, todos os filhos da puta tem o direito de
dar um telefonema. Diga-lhe que em nosso país todos os filhos da puta têm o
direito de dar um telefonema.

SUBCHEFE - O chefe disse que em nosso país todos os filhos da puta tem o
direito de dar um telefonema.

CHEFE - Diga-lhe que nosso país dá direito a todos os lixos e a todas as


podridões de dar um telefonema.

SUBCHEFE - O chefe diz que em nosso país todos os lixos e todas as


podridões tem o direito de dar um telefonema.

CHEFE - Você escutou o que acabo de dizer?


2

SUBCHEFE - Você escutou?

PRISIONEIRO - Sim.

CHEFE - Diga-lhe para repetir o que acabo de dizer.

PRISIONEIRO - Em nosso país, todo filho da puta tem o direito de dar um


telefonema.

CHEFE - Ele repetiu? Não escutei nada.

SUBCHEFE - Repita mais uma vez.

PRISIONEIRO - Em nosso país, todo filho da puta tem o direito de dar um


telefonema.

CHEFE - Ele repetiu? Não escutei absolutamente nada!

SUBCHEFE - O chefe não escutou absolutamente nada.

PRISIONEIRO - Em nosso país...

CHEFE - Mais alto!

SUBCHEFE - Mais alto!

PRISIONEIRO - Em nosso país, todo filho da puta...

CHEFE - Não estou escutando nada! Mais alto!

SUBCHEFE - Mais alto! Você escutou?

PRISIONEIRO (Gritando) - Em nosso país, todos os filhos da puta têm o direito


de...

CHEFE - Ele está de sacanagem com a nossa cara ou o quê? Eu mandei ele
falar mais alto!

SUBCHEFE - Escute aqui, cara, se você quer zoar com a nossa cara vai ter
problemas!

PRISIONEIRO - (gritando a plenos pulmões) Em nosso país, todos os filhos da


puta têm o direito de dar um telefonema!

CHEFE - Bom, assim está bom. Diga a ele que está muito bom.

SUBCHEFE - Está bom.

CHEFE - Diga a ele que este nosso país, apesar de tudo, gosta dele.
3

SUBCHEFE - Você está num país que o ama, cara.

CHEFE - E que neste país, onde todos os filhos da puta tem direitos, ele
também tem todos os direitos.

SUBCHEFE - Vá lá e faça a sua chamada.

O prisioneiro coloca a moeda no aparelho. A moeda cai.

PRISIONEIRO - Não funciona.

CHEFE - Não funciona? O que é que ele disse?

SUBCHEFE - Ele disse que não funciona.

CHEFE - Como não funciona? Fale para ele tentar de novo.

SUBCHEFE - Tente de novo.

PRISIONEIRO - (Tentando) Não funciona.

CHEFE - O que é que ele disse?

SUBCHEFE - Ele disse que não funciona.

CHEFE - Talvez seja essa merda da moeda dele que não deve estar boa.

SUBCHEFE - Será que a sua moeda está boa?

PRISIONEIRO - Está.

SUBCHEFE - Ele disse que a moeda está boa.

CHEFE - E continua a não funcionar? Fale para ele continuar tentando.

O prisioneiro continua tentando diversas vezes e depois para.

PRISIONEIRO - Não funciona.

CHEFE - O quê? Ele parou? Diga a ele para continuar a tentar senão eu frito
os bagos dele.

SUBCHEFE - Pode continuar.

A mesma coisa se repete inúmeras vezes. O chefe e o subchefe ficam olhando


a operação se repetir.

CHEFE - Merda. Não funciona. Que coisa idiota. Fala pra ele que o país onde
todos os filhos da puta têm o direito de fazer uma chamada telefônica está
verdadeiramente consternado porque o telefone não funciona.
4

SUBCHEFE - O país está consternado, cara.

CHEFE - Pronto, e agora ele volta para a cela. Amanhã ele tenta outra vez.

O subchefe leva o prisioneiro de volta para a cela.

Você também pode gostar