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Revista Brasileira de Geociências Lázaro Valentin Zuquette & Janaína Barríos Palma 36(1): 49-60, março de 2006

AVALIAÇÃO DA TAXA DE INFILTRAÇÃO E ESCOAMENTO SUPERFICIAL


FRENTE A DIFERENTES CENÁRIOS DE CHUVAS EM ÁREA DE OCORRÊNCIA
DOS ARENITOS DA FORMAÇÃO BOTUCATU

LÁZARO VALENTIN ZUQUETTE 1 & JANAINA BARRIOS PALMAI

Abstract ASSESSMENT OF THE lNFlLTRATION AND OVERLAND FLOW RATES FOR RAINFALL SCENARIOS lN AREA
CONSTlTUTED OF SANDSTONES OF THE BOTUCATU FORMATION This work presents the results ofthe study carried out
in the córrego do Vaçununga basin, in the city ofLuis Antonio, state ofSão Paulo, Brazil. Ninety percent ofthe basin is constituted
of eolic sandstones ofBotucatu Formation and sandy residual unconsolidated materiaIs. These two geological materiaIs constitute
the main aquifer ofthe region. Laboratorial and in situ tests were performed to characterise the unconsolidated materiaIs in terms
ofbasic physical properties, potential infiltration, suction and hydraulic conductivity. Rainfall data were collected from January of
2,000 to December of2,002 and twelve scenarios were defined considering the intensity and duration. The infiltration and overland
flow rates were obtained according to Chu (1978) adaptation ofthe Green & Ampt (1911) model for transient rainfalls. Despite the
high homogeneity in terms oftexture ofunconsolidated materiaIs the infiltration and overland flow ratio depend on the uses and
associated management techniques.

Keywords: Infiltration, overland flow, aquifer, Botucatu Formation, São Paulo, Brazil.

Resumo Este trabalho apresenta os resultados da avaliação integrada da infiltração e do escoamento superficial e da aplicação
do modelo de Green & Ampt (1911) considerando as modificações de Chu (1978) para chuvas transientes, visando conhecer a
dinâmica da água em áreas constituídas por arenitos e materiais inconsolidados da Formação Botucatu. O estudo foi desenvolvido
na Bacia do Córrego Vaçununga na cidade Luis Antônio (SP) por esta ter o substrato rochoso constituído em 90% por arenitos
da Formação Botucatu com o objetivo de avaliar o comportamento de recarga e conseqüentemente o transporte de poluentes.
Foram realizados ensaios "in situ" e em laboratório para caracterizar os materiais inconsolidados quanto aos índices físicos, ca-
pacidade de infiltração, sucção matricial e condutividade hidráulica. Os dados pluviométricos foram coletados desde janeiro de
2000 a dezembro de 2002, e foram definidos 12 cenários representativos de todos os tipos de precipitações ocorridas no período
considerando a relação entre intensidade e duração efetiva. Observou-se que embora os materiais geológicos da bacia apresentem
homogeneidade textural o comportamento hidrodinâmico sofre significativa influência do tipo de uso instalado e seu estágio em
termos de manejo.

Palavras chaves: Infiltração, Escoamento Superficial, Aqüífero, Formação Botucatu. São Paulo, Brasil.

INTRODUÇÃO Nas regiões sul, sudeste e centro - oeste do riais inconsolidados que recobrem os arenitos, e que apresentam
Brasil ocorrem os arenitos de origem eólica da Formação Botu- distintos comportamentos em função do uso e ocupação.
catu que se comporta como diferentes aqüíferos. Este sistema O conjunto dos materiais inconsolidados e arenitos caracte-
com aproximadamente 106km2, na maior parte de sua extensão rizam-se como uma parte especial do aqüífero geral, considera-
são recobertos por pacotes espessos de diversos materiais ge- do livre e com recarga direta. A espessura do pacote é variável
ológicos (basaltos da Formação Serra Geral e arenitos, siltitos (de poucos metros a ordens de 100m), e em muitos canais de
e argilitos do Grupo Bauru), conferindo-lhes características de drenagem onde foi totalmente erodido, perdendo a continuida-
semi-confinamento. Uma parte aflora, basicamente, de duas for- de, caracterizam-se como zonas de descargas. A relação entre as
mas: (1) como um pacote altamente silicificado e fraturado, ou chuvas e os materiais geológicos, em termos de infiltração (re-
(2) como camadas pouco cimentadas e porosas que são armaze- carga) e escoamento superficial é fundamental para o gerencia-
nadoras de água e geradoras de vazões de até 300m 3/h em poços mento e planejamento da exploração das águas, e principalmen-
profundos. No estado de São Paulo a porção aflorante ocorre te, para avaliar os eventos de contaminação e riscos associados.
em uma faixa NE-SW (Figura 1) que apresenta descontinuida- Devido ao aumento da ocupação urbana e das áreas irrigadas,
des relacionadas aos canais de drenagem, que erodiram todo ou e conseqüentemente do consumo de água do aqüífero surge a
quase o pacote de arenitos, portanto conferindo características necessidade de planejar o uso e orientar quanto aos problemas
de aqüíferos isolados. Os arenitos silicificados ocorrem na me- ambientais. Apesar, da grande importância sócio - econômica
tade inferior das escarpas conhecidas em termos geomorfológi- do aqüífero há poucos estudos integrados destinados a avaliar
cos como cuestas basálticas, com o fluxo de água pelo sistema as características da recarga / descarga baseados em ensaios de
de fraturas. Porém, a parcela dos arenitos fracamente ou não campo e de laboratório, conseqüentemente, não há muitas infor-
cimentados aflora recobertos por um pacote de materiais incon- mações técnicas sobre a dinâmica das águas nestas áreas onde
solidados residuais arenosos e em alguns locais sobrepostos por os arenitos e os materiais inconsolidados são aflorantes. Os tra-
camadas pouco espessas de materiais inconsolidados retrabalha- balhos desenvolvidos até a atualidade são, predominantemente,
dos areno-argilosos (colúvios), resultantes da mistura de mate- sobre o comportamento dos poços profundos que, em decor-
riais inconsolidados argilosos oriundos dos basaltos (Formação rência do grande uso em algumas áreas, apresentam um rebai-
Serra Geral) e arenosos dos arenitos (Formação Botucatu). Des- xamento intenso e diminuição da produção, demonstrando um
ta forma a recarga destes aqüíferos depende diretamente da taxa desequilíbrio entre recarga e explotação. Situação semelhante é
de infiltração e da dinâmica das águas nestes pacotes de mate- observada em canais de drenagem que são perenizados pelo flu-

I - Escola de Engenharia de SãoCarlos- Departamento de Geotecnia - Av. Trabalhador São-Carlense, 400 - 13,566 - 590 - SãoCarlos- Brasil- Fax- 55 16273 9509- email:
lazarus I@sc.usp.br

Arquivo digital disponível on-line no si/e www.sbgeo.org.br 49


Avaliação da taxa de infiltração e escoamento superficial frente a diferentes cenários de chuvas em área de ocorrência dos arenitos da
Formação Botucatu

xo subsuperficial e que depende da taxa de infiltração, que vem


sendo modificada em função dos diferentes usos e ocupações.
Um significativo número de estudos sobre avaliações dos
parâmetros hidrogeológicos, considerando a bacia hidrográfica
como unidade básica, pode ser encontrado na literatura, tanto
nacional como internacional. Trabalhos como de Colenbran-
der (1965) e Dunne & Black (1970) já apresentavam métodos
de mensurar os aspectos envolvidos no ciclo hidrológico e de
avaliar suas relações. Ando et al. (1983) monitorou uma bacia
hidrográfica em termos de precipitação, evapotranspiração,
descarga e infiltração, e a partir dos dados obtidos elaborou
um modelo hidrológico diário. Sullivan et al. (1996) avalia-
ram o comportamento hidrológico de uma bacia hidrografia,
e através de correlações entre estudos de campo e modelos
de infiltração observaram a grande influência do tipo de uso
no comportamento hidrodinâmico. No entanto trabalhos que
envolvem uma análise integrada dos diferentes componentes
de uma bacia, para que sejam possíveis simulações diversas
são raros e normalmente para condições muito diferentes das
citadas anteriormente.
Segundo Dykes & Thornes (2000) a melhor combinação de
técnicas para se obter uma resposta adequada sobre a dinâmica
das águas envolve a obtenção de três grupos de informações: (1)
informações sobre os materiais geológicos; (2) dados referentes
às chuvas; e (3) respostas da interação dos materiais geológicos
com os eventos de chuva.
Com o objetivo de avaliar o comportamento das águas nas
áreas de ocorrência das condições de recarga direta deste aqüí-
fero foi selecionada a bacia hidrográfica do Córrego Vaçunun-
ga, que é constituída em 90% da sua extensão por pacotes de
arenitos recobertos pelos materiais inconsolidados residuais ESCALA
LEGENDA
I()O~Ô'''':'100Õ''20()hlll
arenosos. A baixa heterogeneidade dos materiais geológicos, o LIMITEDA BACIA $PLUV1OGRAFO
11 CURVADENIVEL .MEDIDAS DE vAZÃo
em termos texturais e de gênese, na bacia hidrográfica do Cór- )l DRENAGEM

rego Vaçununga é uma característica comum a parte da área de


afloramento da Formação Botucatu, este fato faz que a bacia
citada represente a condição mais favorável de recarga, e por Figura 1 - Localização da bacia hidrográfica do córrego Vaçu-
estes motivos foi selecionada dentre um grupo de 400 para o nunga (Zona UTM - 238).
desenvolvimento deste estudo.

CARACTERÍSTICAS GERAIS DA ÁREA A Bacia hidro- A medida a sucção matricial dos materiais inconsolidados
gráfica do Córrego Vaçununga está localizada na região de Luís foi obtida pelo método do papel de filtro (Whatman No. 42) se-
Antonio, nordeste do Estado de São Paulo, entre as coordenadas gundo as recomendações de Marinho (1994), e a equação de
7606 e 7616 km latitude Sul, e 218 e 232 km longitude Leste calibração aplicada foi a de Chandler et ai. (1992):
(Figura 1), com 80,53 Km 2, altitudes variando de 620m a 871m.
O clima de acordo com a Classificação de Koeppen está entre
o grupo A e o C, e apresenta características bem definidas com log'ljJ = 6,05 - 2,481ogwf (1)
inverso (seco) e verão (úmido). A temperatura média varia de
13° C a 30° C, com média anual de 23° C, e pluviosidade anual Sendo:
média de 1300mm.
'tjJ: Sucção Matricial (MPa); e
MATERIAIS E MÉTODOS O presente trabalho seguiu, em wf: Umidade do papel de filtro (%).
termos gerais, as sugestões básicas de Dykes & Thornes (2000),
representadas por um conjunto de procedimentos e métodos, a A curva de retenção foi obtida a partir da equação (2) de Van
seguir descritos: Genuchten (1980) e o programa computacional utilizado foi o
CURVARET - Versão 2.16 (1992).
(1) Os materiais geológicos foram mapeados na escala
1:10.000, caracterizados e classificados a partir de trabalhos de
campo e de laboratório. As litologias rochosas e os materiais in-
consolidados (distribuição e espessura) foram individualizados
a partir de fotointerpretação e trabalhos de campo, enquanto a (2)
caracterização geológico-geotécnica foi obtida por ensaios "in
situ" e laboratoriais em amostras deformadas e indeformadas. sendo:
(2) Ensaios específicos para caracterização da sucção, in-
filtração e condutividade hidráulica para diferentes condições 8= Umidade volumétrica (cmvm-);
de umidade foram desenvolvidos em laboratório e "in situ", de 8r= Umidade volumétrica residual (cmvrn');
acordo com os procedimentos descritos a seguir: 8s= Umidade volumétrica de saturação (cmvm');

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Lázaro Valentin Zuquette & Janaina Barrios Palma

'ljJ= Sucção matricial (KPa); chuva frente às características do meio físico foram aplicados
n,m= Parâmetros de ajuste da curva, onde: m= 1 - I/n; modelos de infiltração da água no solo.
a= Parâmetros de ajuste (1/KPa). Existem diversos modelos matemáticos para descrever o pro-
cesso de infiltração e entre eles se destaca o modelo de Green
A taxa de infiltração depende de vários fatores como o tipo & Ampt (1911) que é baseado em equações físicas e têm como
e natureza dos materiais inconsolidados (textura, estrutura, grau vantagens a facilidade de obtenção dos parâmetros necessários
de evolução, composição química e mineralógica); declividade para simular diversos tipos de condições de solo, a simplicidade
do terreno, vegetação e outras formas de ocupação e profun- e a possibilidade de adaptação a diversos cenários. As principais
didade do substrato rochoso, e foi avaliada a partir de ensaios limitações são quanto a considerar apenas solos homogêneos e
de infiltração "in situ" utilizando o infiltrômetro de duplo anel assumir que o movimento da água OCOlTe em forma de frente de
e pelo método do perfil instantâneo modificado por Libardi molhamento com limite bem definido entre a zona saturada e não
(1980). O infiltrômetro de duplo anel é um dos equipamentos saturada (mudança abrupta do valor de umidade). Vários estudos
mais utilizado atualmente para medida de infiltração, e apresenta baseados no conceito da equação inicial de Green & Ampt (1911)
várias vantagens como a de possibilitar o fluxo de água através foram desenvolvidos visando superar as limitações citadas. Bou-
de volumes relativamente grandes de materiais inconsolidados wer (1969) utiliza o conceito para solos com várias camadas e
representando a geometria porosa dos materiais, além de sua com valores de umidade inicial não homogêneo no perfil, Swart-
simplicidade e facilidade de execução. Uma limitação, mesmo zendruber (1974) avalia o comportamento antes e após o material
quando se usa o duplo anel, é a infiltração horizontal induzida atingir a saturação e obteve-se a altura de infiltração acumulada
pelos fortes gradientes hidráulicos de pressão entre o solo muito em função do tempo; Morel- Seytoux & Khanji (1976), além das
úmido sob o infiltrômetro e o solo seco circundante, já que os modificações anteriores, também, consideram valores de sucção,
anéis são cravados poucos centímetros (15 cm) no terreno. Chu (1978) avalia chuvas com intensidades variáveis; além des-
A condutividade hidráulica saturada foi calculada pela equa- tes trabalhos cabe destacar as modificações de Smith & Parlange
ção 3 (para carga constante): (1978), Flerchinger et ai. (1980), Philip (1993) e Salvucci & En-
tekhabi (1994) e Esteves et ai. (2000). A evapotranspiração não
foi considerada nesta análise, pois os eventos de chuvas conside-
(3) rados ocorrem em intervalos de tempos relativamente curtos e a
umidade relativa do ar estar alta.
Os eventos de chuvas podem ser considerados constantes
em um determinado intervalo de tempo ou com intensidades va-
Onde: kfs = Condutividade hidráulica saturada de campo (m/ riáveis ao longo do período da precipitação. Para considerar este
h); Zw = Profundidade da frente saturada (m); A = Area da seção ultimo caso foi aplicado o modelo de Chu (1978), subdividindo
do anel (m'); t = tempo (H); Q = Volume de água infiltrada (m'); o evento de chuva e calculando os parâmetros para cada inter-
H = profundidade da água no anel quando é ensaiada a regime valo de tempo. A equação (6) representativa do modelo de Chu
constante (m). (1978) a partir do tempo de saturação superficial (ponding) é:
Para obter a função de redistribuição da água no solo, além
das coletas iniciais foram amostrados três perfis em tempos tp = {[KSM/(I-K) - P(ln-I) + R('n_,)J/I}+tn-l (6)
subseqüentes que permitiram avaliar a velocidade da drenagem
interna. K: Condutividade hidráulica saturada (m/h);
O ensaio de perfil instantâneo modificado por Libardi (1980) S: Diferença entre a capilaridade potencial no tempo inicial
tem como principal vantagem, em relação ao duplo anel, per- e a final (m);
mitir a definição de equações que correlacionam condutividade M: Diferença entre a umidade volumétrica inicial e a final;
hidráulica com umidade volumétrica segundo a equação: I: Intensidade de chuva (m/h);
P: Precipitação acumulada até t n_ 1 (m); e
Q R: Escoamento superficial até tn_ 1 (m).
k'i' = [H ~---'f.
I __
Z ) Ai (4)
RESULTADOS E ANÁLISES
Zw
Substrato Rochoso A bacia é constituída por arenitos da For-
mação Botucatu (cerca de 90%), e basaltos da Formação Serra
Sendo: K(8) a Condutividade hidráulica não saturada em Geral «10%), que são aflorantes em pontos isolados da área,
função da umidade volumétrica (8), Ko a Condutividade hi- recobrindo os arenitos. Os arenitos são homogêneos quanto à
dráulica saturada, y coeficiente linear do gráfico de umidade textura (fina a média) e mineralogia (basicamente quartzo), de
volumétrica versus tempo, 8 valor de umidade de correlação e origem eólica, com grãos bem selecionados e arredondados,
80 umidade volumétrica saturada. Foram realizados 4 ensaios com superfície fosca, a cor varia de amarelo claro até averme-
buscando caracterizar os tipos de materiais inconsolidados e de lhado e pouco cimentados.A porcentagem de finos é inferior a
usos da bacia, neste trabalho são apresentados os 3 ensaios em 10%, principalmente constituída por caulinita e gibsita. Os po-
material arenoso. ços profundos na bacia indicam que a espessura da Formação
Botucatu na área ultrapassa SOm.
(2) Os dados de precipitação e intensidade de chuva foram ob-
tidos para o período de janeiro de 2000 a dezembro de 2002, por Material Inconsolidado Os materiais inconsolidados (Figura
meio de um pluviográfo com medidas continuas de precisão de 5 2) foram classificados em materiais retrabalhados e residuais.
minutos, e em razão da extensão da bacia os valores foram con- Os materiais inconsolidados residuais dos arenitos ocupam a
siderados homogêneos para toda a bacia. Todos os dados foram maior parte da área, e são caracterizados por apresentarem ele-
analisados e 12 eventos foram selecionados por representar os di- vada porcentagem de areia (Tabela 1), cor predominante varian-
ferentes cenários de chuvas ocorridos neste período de 3 anos. do da amarela a avermelhada em alguns pontos; a espessura é
superior a 5m e inferior a 20m, apresenta alta homogeneidade
(3) Para avaliar o comportamento dos diferentes eventos de vertical e lateral em termos granulométricos.

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Avaliação da taxa de infiltração e escoamento superficial frente a diferentes cenários de chuvas em área de ocorrência dos arenitos da
Formação Botucatu

7616

7612

Ji·············'>:.'-···."'·····..··+···..,,,·.. ,/=······..·.·.· ··I ~ .•••••.•• j./........... 17610


KmN

ENDA
,( Mal.Aluvionar
[@.lRetrabalhado
.Resldual Argiloso
[]Resldual Arenoso
OUmlte da Bacia
II .:
LL. ...•• I•.~:-::~itZfÍft:d::::::::~.L..... _I /' Estrada
'( Drenagem
:,~ ; ~~~~~~ ~~,~_~~~i_~
ESCALA
1000 III O 1000 2000 3000 m

Figura 2 - Mapa de materiais inconsolidados. Figura 3 - Mapa da distribuição dos usos e cobertura vegetal.

Tabela 1 - Resultados de ensaios laboratoriais para os materiais inconsolidados residuais arenosos.

Material Areia Porosida-


Inconsoli- ys * Argila Silte Areia Fina Areia
Grossa de yd **
(KN/m3) (%) (%) (%) Média(%) (%) (%) (KN/m3 )
dado
26,71 a 11,7 a
Botucatu Oa5 8 a 18 35 a 41 38 a49 Oa3 41 a 54
27,60 15,1
27,89 a 14,7 a
Serra Geral 40 a44 30 a35 15 a 21 3a5 Oa4 36 a 51
28,73 16,3
Retraba- 26,70 a 13,1 a
31 a 37 20a25 II a 29 10 a29 3a6 44 a49
lhado Misto 27,99 15,7
14,2 a
Aluvionar 27,10 Oa4 7 a 31 II a 39 15 a41 Oa6 40 a50
15,3
* Peso específico dos sólidos; ** Peso específico aparente seco natural.

Os residuais da Formação Serra Geral são encontrados nos solidados residuais arenosos por serem os predominantes na ba-
topos dos morros apresentando pequenas espessuras. Granu- cia, e os que controlam a dinâmica da água e, portanto a recarga
lometricamente há predomínio da argila e do silte, e sua com- e o transporte de poluentes serão tratados mais detalhadamente.
posição mineralógica engloba argilominerais (destacando-se
a caulinita), quartzo, gibsita, hidróxidos de ferro, magnetita e Uso e Cobertura Vegetal O Mapa de uso e cobertura vege-
ilmenita, além de feldspatos nos horizontes de rochas alteradas tal foi elaborado pela delimitação das unidades a partir de fotos
e saprolitos. aéreas e controle de campo. A bacia é ocupada, basicamente,
Os materiais retrabalhados mistos são originados da mistura por plantações de cana de açúcar e eucaliptos, e secundariamen-
dos residuais argilosos da Formação Serra Geral e dos materiais te aparecem pastagens (Figura 3). O mapa de uso e ocupação
arenosos da Formação Botucatu, e a proporção destes materiais orientou quanto à escolha dos locais para os ensaios de infiltra-
varia em função da proximidade do corpo de basalto. Na bacia ção, pois o tipo de manejo e uso afeta a taxa de infiltração. O
apresenta pequena espessura e distribuição lateral. manejo da cana de açúcar apresenta 2 fases distintas: Primeiro
Outro tipo de material presente na área são os materiais sulcamento do solo para o plantio, e em segundo, manutenção
retrabalhados aluvionares que compreendem os materiais for- durante um período de 5 anos. Durante a fase do sulcamento
mados pela sobreposição de camadas sedimentares recentes, de as estruturas da camada superficial são destruídas e a taxa de
natureza heterogênea, ocupando áreas de baixa declividade (O infiltração é muito alta, após instala-se o processo de selamento
- 2%) próximos ao leito do Córrego Vaçununga, apresentam (sealing) e compactação, e a infiltração diminui consideravel-
espessura variada e coeficiente de permeabilidade da ordem de mente até o final do ciclo.
10-3 cm/s. A Tabela 1 mostra os valores referentes as diferentes Os eucaliptos são plantados nesta área durante aproximada-
frações granulométricas e do peso específico dos sólidos para os mente 30 anos, sendo feita em corredores e ao atingir o tamanho
diversos materiais inconsolidados, Os dados de materiais incon- ideal (com cerca de 8 anos) os eucaliptos são cortados e são

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Lázaro Valentin Zuquette & Janaina Barrios Palma

plantadas novas mudas nos espaços utilizados anteriormente


como corredores.

Hidrogeologia A zona saturada tem seu limite superior inseri-


do no volume de materiais inconsolidados (Figura 4) e apresenta
profundidades variando desde aflorantes na porção final do prin-
cipal canal de drenagem até valores da ordem de 15 metros na
porção média das encostas.
Legenda
Uso do Solo Substrato Rochoso Materlallnconsolldado
Ensaios de sucção A sucção matricial dos materiais inconso- I • Eucalipto A· Arenitos da Fm.Botucaíu 1-Mal.lnconsolldado Residual Arenoso -Llmltee dosmeteríals
...... Nívelde água
lidados (Figura 5) foi obtida pelo ensaio de papel de filtro segun- II· Pasto
III-Cana
B· Basaltos da Fm. SerraGeral 2 • Mal.lnconsolldado Residual Argiloso
3 . Mal.Inconsolldado Retrabalhado Misto
do orientações de Marinho (1994). IV-Aluvião 4 • Mal.Aluvionar

Observa-se que, embora com valores de índices físicos


semelhantes, os materiais inconsolidados residuais arenosos Figura 4 - Perfil NW- SE com disposição dos materiais ge-
apresentam comportamento diferenciado. Os valores de sucção ológicos, e dos usos e cobertura vegetal.
matricial estão relacionados ao tamanho dos poros e as caracte-
rísticas eletroquímicas dos minerais, assim, mesmo com valores
de porosidade total semelhantes, a sucção resultante pode apre-
sentar valores diferentes, importantes para o entendimento da 0,55 1 - - - - - - - - - - -;::=========.1
dinâmica da água no solo. Sullivan et al. (1996) mostram que • Eucaliptos

mesmo uma pequena variação pode afetar de maneira significa- 11 Cana de açucar - ciclo final
tiva o inicio do escoamento superficial. 0,45
o Pastagem
A curva de retenção para a condição com cana de açúcar no
~
;;;
0.40 .. Cana de açúcar- recém sulcada
estágio final do ciclo reflete a compactação, e conseqüente di-
.§,
minuição nos tamanhos dos poros e sua distribuição, devido ao !l 0,35
manejo (uso de máquinas pesadas) e o uso de fertilizante (sais) :ij
que, auxilia na defloculação dos agregados. § 0,10
~
~ 0,25
ENSAIOS DE INFILTRAÇÃO ]
Ensaios de infiltração com duplo anelOs ensaio de infiltra- :J 0,20

ção com duplo anel indicam valores de condutividade hidráulica 0,15


saturada variando de 3,65.10-5 a 1,48.1O-ocm/s para os materiais
inconsolidados residuais de basalto, entre 3,2. 10-3 a 2,01. 10- 0,10
5Cm/Spara os materiais inconsolidados residuais arenosos e 4,52.
0,05 +-+-+++t+Ht---+-++++tl+Illt-I- -+1->1-+-11H J III I I I I II III I I I f t+JHt--+--t--t+-hH+!
10-4cm/s para os materiais inconsolidados aluvionares, o valor O 10 100 1000 10000 100000
obtido para os materiais inconsolidados mistos foi da ordem de Sucção matricial [kPa]
5,18. 1O-5cm/s. Os ensaios, também, permitiram a obtenção da (ua-uw)
capacidade de infiltração (corresponde à taxa de infiltração por
tempo) que indica a capacidade máxima de infiltração do solo, Figura 5 - Curva de retenção para os materiais inconsolidados
determinando o excedente de água que será revertido em escoa- residuais arenosos.
mento superficial. A Figura 6 apresenta os dados referentes aos
valores obtidos nos ensaios em materiais inconsolidados residu-
ais arenosos e observa-se que apesar da relativa homogeneidade
textural os ensaios apresentaram uma significativa variação da
120
capacidade de infiltração em função do uso.
o-Eucalipto ~ f\otIt. Incon. Res..Alenoso
A variação da taxa de infiltração (capacidade de infiltração) • Cana deAçúcar - IvIallncon. Res. Arenoso
com o tempo para o mesmo material inconsolidado e uso é fun- 100
• Cana récem sulcada -1vIa1. Incon. Res. Arenoso
ção, principalmente, da alteração dos valores de umidade volu- • Pasto - mal.Incon. Res. Arenoso
métrica. Os pontos iniciais do gráfico (perfil seco) são chamados ~ ao
- Eueallplo -1vIa1. Incon. Res. Arenoso

de capacidade de infiltração máxima, e o segmento final reflete so X Cana deaçúcar -lvIal.lneonsolldado Mslo

a capacidade de infiltração mínima do material, compatível com .tIl


(,)l 60
a condição saturada. ...l!!
Nota-se que a alteração nos valores de taxa de infiltração não
ocorre de forma linear em função do tempo. No tempo inicial
ii:
.5 40 ~
C1)
'Ii. ... • X ;,
K
--
'tl
ocorre à saturação da camada superior do solo e altos valores til
X •
de potencial mátrico, a partir do ponto de inflexão da curva, a
I-
~ 20

'J2.
......... •.J:_
- - 6 6
•- •- "
frente se comporta como um pistão, como sugerido por Gre-
~.·t. • • • • • . . •
en & Ampt (1911), fazendo com que a taxa de infiltração seja
o •
constante. A curva de infiltração para as condições com cana de O 50 100 150 200 250
açúcar em estágio final refletem as menores taxas de infiltração, Tempo(min)
confirmando as curvas de retenção.
Embora a influência do uso seja mais acentuada nas camadas
superiores observam-se variações nas características de redistri- Figura 6 - Capacidade de infiltração para os materiais incon-
buição da água nas camadas mais profundas, abaixo da zona solidados residuais arenosos com diferentes usos, e misto com
afetada pelas raízes ou manejo (Figura 7). cana de açúcar.

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Avaliação da taxa de infiltração e escoamento superficial frente a diferentes cenários de chuvas em área de ocorrência dos arenitos da
Formação Botucatu

Saturação Relativa (%) Saturação Relativa (%)


o 20 40
60 80 100 O 20 40 60 80 100
O ;--.,----'---,$,=--'-- ----'------'----l1li----, O ;------.;--'-----'-1; ----'-----'---===-l1li---,

50 ;---+----=~C-_T_--------_I 50 ;--+---+-------;I"'-------------j

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'ti 'ti
'6 '6
c
~ 150 ; - - - - { } - - - B ' - - - - - - - - - 4 - Saturação Inicial .2 150 +---HIII----,[, - - - - - I - Saturação Inicial
2 2
o.. o.. ..... Logo após o ensaio
..... Logo após o ensaio
200 + - - - . f f i - - - - - - - - - - - - j 4hapós o ensaio 200 -I-----BB-- 3hapós o ensaio

6hapós o ensaio 6hapós o ensaio


250 -'-- ----.J
250 - ' - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - '
·A· ·6·

Figura 7- Curva de umidade após os ensaios de infiltração para os materiais inconsolidados arenosos - (A) Material ocupado com
cana de açúcar (B) Plantações de eucalipto. Nos dois ensaios o tempo de percolação total foi de 2h.

Verifica-se na Figura 7 que, embora os materiais geológicos dois comportamentos bem distintos durante o ciclo da cultura:
apresentem valores de umidade inicial semelhantes, as formas (I) No primeiro estágio, imediatamente após a aração do solo,
das frentes de molhamento são diferentes. O perfil (A) reflete verificam-se valores muito altos de condutividade hidráulica
um aumento gradual no valor de umidade, enquanto no per- (Ko = lx l O'êcm/s) e de taxa de infiltração (Figura 5); (2) Com
fil (B) aparece um nível definido do posicionamento da frente a evolução da cultura da cana o material inconsolidado torna-
(aproximadamente a 125cm). O volume de água infiltrado foi de se mais compacto devido ao transito de máquinas pesadas e o
aproximadamente 0,210m3 (coluna de água infiltrada durante o uso de fertilizantes favorecendo o escoamento superficial. A pri-
ensaio de 22cm/2h) para o material da Figura 7(A) e de 0,280m3 meira condição não foi ensaiada pelo método de umidade de
(altura da coluna de água infiltrada de 28cm/h) para o material Libardi (1980), pois considerando todos os eventos de chuvas
do perfil da Figura 7(B). Estas variações podem ser atribuídas observados no período, não foram registradas intensidades que
aos diferentes valores de condutividade hidráulica não saturada, geram escoamento superficial indicando que para esta condição
nas diferentes camadas. ocorrerá a infiltração de toda a precipitação.
Os índices físicos indicam, também, a homogeneidade ver-
ENSAIOS DE INFILTRAÇÃO SEGUNDO O MÉTODO tical do pacote (Tabela 3), e os valores de umidade durante a
DO PERFIL INSTANTÂNEO redistribuição encontram-se na Figura 10. O valor de umidade
Material inconsolidado residual arenoso - Plantação de Eu- volumétrica média para as tradagens finais foi de 0,2 mvm",
caliptos A infiltração da água ocorreu por aproximadamente Para esta condição obtiveram-se dois intervalos bem defini-
2 horas e os índices físicos para este material são apresentados dos de valores de condutividade hidráulica (Figura 11):
na Tabela 2, sendo possível observar a alta homogeneidade dos (I) do topo até a profundidade de 80cm obteve-se valores
valores dos índices físicos nas diferentes profundidades. de Ko variando de 0,000113 a 0,00066 cm/s, com as respecti-
Os resultados do ensaio de infiltração (Figura 8) indicam vas equações de correlação (máximo e mínimo obtido): K(8) =
que nos tempos iniciais a velocidade de redistribuição da água 0,00011 x e 26,5252(0-0.3071)e K(8) = 0,000657 x e 62,1118(0-0,35).
é alta, no entanto após 21 horas a umidade volumétrica atinge (2) Em profundidades superiores a 80cm observam-se valo-
valores próximos à capacidade de campo e os valores de umi- res maiores de Ko e com pequena variação de Ko, variando de
dade ficam, praticamente, estáveis durante as demais tradagens 0,00201 cm/s a 0,00298 cm/s, e com as equações de condutivi-
(aproximadamente 0,13 m 3/m3). dade hidráulica não saturada máximas e mínimas em função do
Os valores de condutividade hidráulica (Figura 9) variaram valor de umidade de K(8) = 0,002012 x e 32,0513(0-0,3454) e K(8) =
com a profundidade, sendo que a condutividade hidráulica sa- 0,00298 x e 45,6621 (0-0,3898).
turada (Ko) obtido da superfície até a profundidade de 20cm
foi 0,00771 cm/s, com a equação de correlação com a umida- Material inconsolidado residualArenoso - Pastagem Após a
de volumétrica: K(8) = 0,00771548 x e 46,5116 (0-0,429), no inter- finalização do ensaio 6 tradagens foram realizadas, e os resulta-
valo de 20 a 40cm foi de 0,0099 cm/s e a equação foi K(8) = dos obtidos são apresentados na Figura 12, enquanto os índices
0,00998281 x e 47,6190 (O- 0,372\ e para o intervalo de 60 a 120 cm físicos estão na Tabela 4.
foi de 0,001647 cm/s, com a equação de K(8) = 0,001647715 x
e 52,9101 (O - 0,427). Profundidades maiores que 120cm apresentam Os valores de condutividade hidráulica (Figura 13) deter-
Ko médio de 0,0078236cm/s e a equação K(8) = 0,00782366 x minam 3 intervalos de comportamento hidrodinâmico. O valor
e 41,6667(0-0,442). de Ko até 20cm foi de 0,0024865 cm/s e K(8) = 0,0024865 x e
52,91005(0-0,3079), e para profundidades de 20cm a 80cm têm Ko mé-
Material inconsolidado residualArenoso - Plantação de Cana dio de 0,004615 cm/s e K(8) = 0,0046154 x e 56,4971 (O- 0,3575) e pro-
de Açúcar Quando ocupados com cana de açúcar apresentam fundidades maiores que 80cm com Ko de 0,00162 cm/s e K(8) =

54 Revista Brasileira de Geociências, volume 36, 2006


Lázaro Valentin Zuquette & Janaina Barrios Palma

Tabela 2 Índices Físicos dos materiais inconsolidados residuais arenosos com cultivo de eucalipto.

o 27,419 15,572 0.4321


10 27,580 14,941 0.4583
20 27,475 15,548 0.4341
35 27,490 14,946 0.4563
55 27,490 15,401 0.4398
68 27,491 14,694 0.4655
80 27,491 14,953 0.4561
95 27,520 14,191 0.4902
110 27,520 14,840 0.4602
* Peso Específico dos Sólidos (KN/m 3
), Peso Especifico Aparente Seco Natural (KN/m 3 ) ,
Porosidade (%).

0,001623 x e 31,15265(0,0,3361). O valor de umidade volumétrica nas Os valores de tempo de "ponding" (tp), as taxas de escoa-
tradagens finais foi de aproximadamente 0,15 m-/m", mento superficial e recarga foram obtidos a partir do modelo
O comportamento da condutividade hidráulica para condi- geral de Green & Ampt (1911) aplicando as modificações de
ção não saturada mostrou ser diferente em função do uso, mes- Chu (1978) para situações de chuva transiente (Tabela 5).
mo com materiais inconsolidados com características físicas Na Figura 15 observa-se a relação entre as curvas de infil-
similares, e com variabilidade muito baixa (inferior a 5%). Os tração e os cenários de chuvas constantes e transientes. Nota-se
valores de condutividade hidráulica apresentam maiores varia- que para a condição constante somente 3 cenários apresentam
bilidades quando da ocupação com cultivo da cana de açúcar do intensidades maiores que as taxas de infiltração de todas as con-
que com pastagens e eucaliptos. A influência do tipo de uso e dições de usos, enquanto para a transiente são 6. Por outro lado,
manejo na taxa de infiltração tem sido documentada em vários abaixo de todos as taxas de infiltração são encontrados 2 e 10 ce-
trabalhos como Sharma et a!. (1980) e Gaze et al. (1997) que nários para a condição constante e transiente, respectivamente.
mediu a infiltração através de tensiômetros em uma bacia hi-
drográfica ocupada com plantações de milho e verificou que o O tempo de "ponding" será zero para chuvas com intensida-
valor da infiltração pode ser três vezes maior em um ponto que de igualou maior que a capacidade de infiltração, e o ''ponding''
em outro em função do estágio evolutivo da plantação. Casena- não ocorre se a intensidade de chuva for menor que a capacidade
ve & Valentin (1992) cita que a taxa de infiltração é função da de infiltração. Se a intensidade da precipitação (P em m/h) não
combinação da intensidade de chuva, das condições superficiais exceder a capacidade de infiltração pode se assumir que todo o
do solo e do relevo. volume irá infiltrar e não ocorrerá escoamento superficial. No
entanto, ainda que P seja maior que a capacidade de infiltração o
Precipitação Os valores mensais de precipitação para os anos escoamento superficial pode não ocorrer em função de acúmu-
de 2000, 2001 e 2002 obtidos com pluviógrafos com medidas de los em superfície.
precisão de 5 minutos foram de 946mm, 1665mm e 1220mm, É possível observar que para chuvas com intensidade bai-
respectivamente. Os eventos de chuvas foram analisados e ce- xa existe a tendência que todo volume de água infiltre, prin-
nários (Tabela 5) foram definidos representando a variabilidade cipalmente em solos ocupados com eucalipto e pasto (taxa de
das precipitações ocorridas no período (relação intensidade de infiltração> Intensidade de chuva), como é observado no mo-
chuva e tempo efetivo de chuva). Na Figura 14 estão represen- delo aplicado, principalmente nos cenários 1, 2, 4, 8 e 10. Para
tados os cenários de chuvas definidos a partir da duração e in- as simulações considerando o uso com cana, apenas o cenário
tensidade medidas, considerando a condição constante (único 10 não apresentou tempo de ''ponding'' para o modelo de Chu
evento) e a transiente, obtida a partir da subdivisão dos cenários (1978) devido à baixa intensidade de chuva.
constantes. O cenário 5 apresenta a chuva com maior intensidade, e
representa uma chuva de verão típica, com alta intensidade e
Interação Entre as Chuvas e os Materiais Geológicos Os pequena duração. Observa-se que para este caso o tempo de
cenários foram simulados para os três tipos de uso (utilizando ''ponding'' é muito baixo, indicando um alto escoamento super-
as características hidrológicas especificas para cada condição) ficial. A altura de chuva infiltrada calculada pelo modelo de Chu
gerando 36 modelos de interação entre meio físico e chuvas. Os (1978) reflete a quantidade da chuva que efetivamente infiltra,
parâmetros considerados na simulação foram adotados a partir assim se o evento de chuva não gerou ''ponding'' toda a precipi-
dos ensaios laboratoriais e "in situ" para as diferentes condições tação irá infiltrar.
estudadas: Ksat dos materiais com eucalipto: 5,2 x 10-4 cm/s; Ksat
dos materiais com pasto: 4,52 x 10-4 cm/s; e Ksat dos materiais CONCLUSÕES O tipo de uso e cobertura vegetal afeta pro-
com cana de açúcar: 1,82 xl 0-5 cm/s. O valor de umidade volu- fundamente a dinâmica das águas na bacia, em decorrência do
métrica inicial influi no resultado da simulação e foi considerado manejo. Portanto, a recarga do aqüífero livre depende direta-
igual para todos os cenários (0,2 mvm') permitindo comparar os mente de aspectos do ciclo das culturas ou usos desenvolvidos
valores obtidos. A adoção deste valor buscou representar uma em cada parcela, assim como das práticas de manejo utilizadas.
condição (solo úmido) propícia à formação de "ponding", com Desta forma qualquer simulação de recarga ou transporte de po-
valor de umidade próximo à capacidade de campo. luentes, assim como vazões dependem dos parâmetros relativos

Revista Brasileira de Geociências, volume 36, 2006 55


Avaliação da taxa de infiltração e escoamento superficial frente a diferentes cenários de chuvas em área de ocorrência dos arenitos da
Formação Botucatu

3/m3
Umidade Volumétrica (m )

0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 Eucaliptos


O+---t------t"*"'~-----,..lilk--------'--___o>t___1
0,1 0,2 0,3 0,4 0,5
°
10 .,...-----,---..,....-----.---.,------,
100 +---f'----------.A?--_ik_---r--------'--J

Ê 150 +---+-----=dlF---\-\-,----'F--"'~
~

~ 200 ,-1--=!~=:===t~
=g 250 +--~If_---p!;,q,..,----f7L::._..1
~
o 46 horas
Q: 300 1---tj==~~1{==~-1
-+- 52 horas lE-ll ...L.- --' --'
350 +---fSi;----'fIA--H"----------1 -71 horas

400 +--~---*~r---------1 -tr- 76


horas Umidade Volumétrica (m3/m3)
-+- Umidade Inicial
450 L ~========:::r

Figura 8 - Variação da redistribuição da água no material in- Figura 9 - Variação da condutividade hidráulica não saturada
consolidado residualarenoso com eucaliptos. para o materialinconsolidado residual arenoso com eucaliptos.

Tabela 3 - Índicesfisicos dos materiaisinconsolidados residuais arenososcom cultivo de cana de açúcar.

o 27,400 14,924 0,4553


20 27,474 15,429 0,4384
40 27,547 15,600 0,4337
60 27,516 14,637 0,4680
80 27,231 14,183 0,4792
100 27,231 14,746 0,4585
*Peso Específico dos Sólidos (KN/m ) , Peso Especifico Aparente Seco natural (KN/m 3 )
3

e Porosidade (%).

à dinâmica das águas para cada período de chuva. do valor de umidade volumétrica inicial maior e conseqüente-
Os resultados obtidos demonstram que a recarga destes mente taxas de infiltração menores.
aqüíferos não podem ser avaliada sem considerar o tipo de uso, A bacia apresenta um aspecto muito particular quando a
práticas de manejo e ciclo de ocupação. Em termos de manejo preparação do solo para os plantios (cana de açúcar e outros)
é fundamental que a pratica de sulcamento seja constante, vis- coincide com o período de chuvas, visto que a capacidade de
to que esta representa as melhores condições de infiltração, e infiltração supera as diferentes intensidades pluviométricas, e
portanto de recarga. O ensaio de perfil instantâneo proposto por conseqüentemente há uma infiltração total.
Libardi (1980) gera resultados mais completos, porém devido às As porções da bacia com cana de açúcar sofrem com o uso
características do material inconsolidado arenoso, observou-se intenso de máquinas agrícolas e fertilizantes (que funcionam em
que tempos muito longos (>21horas) não refletem a redistribui- muitos casos como defloculante) que auxiliam na compactação
ção de água no perfil, que ocorre nos períodos iniciais, sendo da camada superficial e no efeito de selamento (sealing). Isto
adequado concentrar as amostragens nas primeiras 5 horas após significa que durante o ciclo da cana de açúcar (6 anos) há uma
a finalização do ensaio. mudança na relação entre recarga e escoamento superficial. As-
As chuvas de alta intensidade e curta duração, necessaria- sim a recarga ocorre basicamente nos 2 primeiros anos do ciclo
mente, não geram os maiores escoamentos superficiais (cenário da cana de açúcar enquanto no restante quase a totalidade da
5) já que a taxa de infiltração é mais acentuada no início da in- pluviosidade torna-se escoamento superficial.
filtração. Os maiores valores de escoamento superficial foram O tipo de uso e estágio de desenvolvimento do manejo afeta
encontrados em cenários transientes (cenários 6 e 12) em função a infiltração. Para a condição de cana de açúcar antiga (3 ou

56 Revista Brasileira de Geociências, volume 36, 2006


Lázaro Valentín Zuquette & Janaina Barrios Palma

Umidade volumétrica (m'/m') Pastagem


o 0,05 O,J 0.15 0,2 0,25
O 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 1,OOE-H)O

-
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O

50
1
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I.OOE-02
+<SOcm
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100
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-II- 2 horas
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IJIIII'
-.-4 horas
a. 300 ti lt'
-é:r- 20 horas
1,008·09

\ (~ '"'*"" 29 horas
Umidade Volumétrica (m3/m3)
350

~
___ 46.5 horas

-52.5 horas
Figura 13 - Variação da condutividade hidráulica não saturada
400
lo \ II - UmidadeInIcial para o materialinconsolidado residual arenoso compastagem.
450

Figura 10 - Variação da redistribuição da água no materialin- ~ 120


consolidado residual arenoso com cana de açúcar.
,g 100
C; 'C' 80
41l ~ 60
Cana de Açucar ~ E
41l- 40
'(ii
c 20
o 0,1 0,2 0,3 0,4 S
.5
1,00E+00
1,00&01 i- + <SOcm- Min, 100 200 300
1,00&02 i - III < SO cm- Max. Duração das Chuvas (min)

..
1,00&03 f- Â > SO cm- Min. PI! 120

, ...
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x> SO cm- Max. ~ >'"
IV

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Umidade Volumétrica(m3/m3) 'c"
S 20
.5
O
Figura 11 - Variação da condutividade hidráulicanão saturada O 100 200 300
para o material inconsolidado residual arenoso com cana de Duração das Chuvas (min)
açúcar.
Figura 14 - Distribuição das chuvas considerando duração e in-
tensidade. (a) Condição constante, (b) Condição transiente.
Umidade Volumétrica (m3/m3)
0,00 0,10 0,20 0,30 0,40 0,50
o
1Z0
o Eucaliptos l'
50 • Cana de Açucar-Final do Cicio l'
m A Cana de açucar-Inlclo do Cicio l'
100
100 • Pastagens 1-
• Eucaliptos l'

150 ~
.§. 80
x Cana de Açucar-Inlclo do Cicio Z'
O Eventosde chuvatranslentes
Ê O + Eventosde chuvasconstantes
.
-!:!. 200 ...o O

ãl -11-1 Hora ~"" 80


O
:5! 250
't.1 "*-3 Horas '"
.5 \ O
c
......5.5 Horas -8 !.'m-. + ;t;
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350

400
-+-51 Horas
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+
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-55,5 Horas O ,.,o-r
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--75 Horas o
450 O 50 100 150 ZOO 250
- Umidade Iniciei
Duração (mln)
500

Figura 15 - Ralaçãodas chuvascom as taxasde infiltração para


Figura 12 - Variação da redistribuição da água no materialin- o materialinconsolidado arenoso da Formação Botucatu e os
consolidado residual arenoso compastagem. diferentes usos.

Revista Brasileira de Geociências, volume 36, 2006 57


Avaliação da taxa de infiltração e escoamento superficial frente a diferentes cenários de chuvas em área de ocorrência dos arenitos da
Formação Botucatu

mais cortes) a maior parte dos cenários (11) são caracterizados Agradecimentos Os autores agradecem o apoio financeiro do
por apresentarem "ponding" menores que a duração das chuvas CNPq/FINEP, Processos N° 62.0031/01-8, 476592/2001 - 1 e da
e, portanto escoamento superficial. Como cerca 30% da bacia Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FA-
(encosta do lado direito) está ocupada com este cultivo, os ca- PESP Processo N° 00/03027-7, 96/1502-2) imprescindíveis à re-
nais de drenagem devem sofrer incremento da vazão. alização deste estudo, assim como a contribuição dos membros da
Comissão Editorial pelas sugestões que aprimoraram o trabalho.

Tabela 4 - Índicesfísicos dos materiais inconsolidados residuais arenososcompastagem.

Profundidade Peso Específico dos Peso Específico Seco Porosidade


(cm) Sólidos (ys) * (yd) * (n) *
O 26,01 15,15414519 0.459552597
20 26,08 14,35500961 0.488052439
35 26,15 15,14894342 0.455661394
50 26,12 16,10599993 0.421272011
60 25,85 16,I0599993 0.4212720 II
80 25,85 14,22594592 0.495175801
100 25,96 14,57774005 0.482691978
120 25,96 14,43700113 0.487686262
* Peso Especifico dos Sólidos (KN/m 3) , Peso Especifico Aparente Seco Natural(KN/m\
e Porosidade (%).

Tabela 5 - Dados considerados e resultados da aplicaçãodo modelo de Chu (1978).

- tp persisteda situação anterior; * não há tp para o periodo, a - intensidade para o intervalo.


Sendo:
tp: tempode "ponding" (horas); F: altura real de chuva infiltrada (01); R: escoamento Superficial (01).

58 Revista Brasileira de Geociências, volume 36, 2006


Lázaro Valentin Zuquette & Janaina Barrios Palma

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Avaliação da taxa de infiltração e escoamento superficial frente a diferentes cenários de chuvas em área de ocorrência dos arenitos da
Formação Botucatu

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