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RELAÇÃO ENTRE A DERIVAÇÃO E A INTEGRAÇÃO

Zeyna Viegas

Julho 2023

1 Uso da derivada e integral na Fı́sica


Até este ponto, somos capazes de identificar uma ampla variedade de problemas que podem ser resolvidos
na natureza através das regras que montamos para analisar a variação de funções. A derivada nos permite
determinar como os valores da imagem de uma função mudam em relação aos valores do seu domı́nio. A
integral nos permite determinar qual é o valor da área delimitada por qualquer curva. A aplicação destes
dois conceitos na fı́sica é imediata, ainda que algumas vezes não intuitiva à princı́pio.

1.1 A derivada para comparar medidas


Aprendemos que a variação no espaço em relação à variação no tempo é a definição da velocidade média.
Usando o conceito da derivada, podemos tornar a variação do tempo cada vez menor, de forma que, quando
∆t → 0, a expressão se transforma em uma maneira de analisar como a velocidade de uma partı́cula muda
em relação a variações infinitamente pequenas na posição. Nesse ponto, a velocidade deixa de ser uma média
e passa a ser um valor exato.

∆x ∆x dx
vm = −→ lim vm = lim = = v(t)
∆t ∆t→0 ∆t→0 ∆t dt
E aqui surge um dos primeiros pontos importantes acerca da análise da natureza. Uma investigação
matemática básica não mostraria nenhum problema com estas definições; mas a matemática que aprendemos
é apenas uma ferramenta. E antes de aplicá-la, devemos aprender o que significa. Os conceitos estudados
ao longo do curso foram consolidados ao longo de mais de 300 anos, desde que Isaac Newton publicou seu
método de análise da natureza. Mas quando estivermos na fronteira do conhecimento cientı́fico e criarmos
nossos próprios modelos matemáticos, devemos estar atentos às suas possı́veis limitações.
O conceito de velocidade é o primeiro cuidado que devemos ter, uma grande lembrança de que o conceito
da derivação como o limite de pequenos intervalos jamais deve perder o seu significado mais elementar: trata-
se, inevitavelmente, de uma pequena variação. É pequena, mas nunca é zero. O que aconteceria se fosse zero?
Não terı́amos movimento. Não haveria variação de espaço. Isto implica que nossas teorias fı́sicas estariam
construı́das sobre um alicerce feito de água: não existiria movimento!
Ao montar nossas próprias teorias, devemos tomar muito cuidado com novos desenvolvimentos. Fre-
quentemente focamos nossa atenção na tentativa de demonstrar um passo matemático com muitas áreas de
pesquisa e estudo trabalhando juntos (isto se torna especificamente verdade quando tentamos montar uma
equação de movimento, resolvê-la e estudar os contornos para aplicar) e acabamos, sem perceber, montando
uma solução que viola muitas leis da natureza.
Esta digressão é um nuance que muitos fı́sicos se esquecem de atentar, até que tentam montar seus modelos
e percebem que não sabem analisar os seus limites. O cálculo das variações deve ser tomado com cuidado e

1
repetidamente analisado para evitar estas contradições: e há muitas delas.
Nosso foco, entretanto, agora é interpretar a utilidade da derivação e da integração na fı́sica. Se compa-
rarmos o intervalo entre duas medidas que evoluem de maneira independente entre si, obtemos uma taxa de
variação. A velocidade média é o primeiro exemplo e uma investigação das unidades revela que a velocidade
é medida em unidades de comprimento (referente ao intervalo de espaço) e de tempo (referente ao intervalo
de tempo). Trata-se de uma comparação do quanto um conjunto de medidas evolui em relação ao outro
conjunto. Tanto espaço, quanto tempo, são parâmetros mensuráveis.
Mas há também a corrente elétrica:
∆q ∆q dq
Im = −→ lim Im = lim Im = = = I(t)
∆t ∆t→0 ∆t→0 ∆t dt

A corrente elétrica é medida em unidades de carga (referente à quantidade relativa de elétrons em um


corpo1 ) e de tempo (referente ao intervalo de tempo que a quantidade de carga “q” atravessa uma área).
Assim como a velocidade média, trata-se de uma comparação do quanto um conjunto de medidas evolui em
relação ao outro conjunto. Mas, ao contrário da velocidade média, a carga elétrica não é uma quantidade
diretamente mensurável2 . O conceito de corrente, então, é inútil? De maneira nenhuma! Ela dá inı́cio a
outros conceitos importantes, como, por exemplo, a resistência elétrica.

1.2 A integral para determinar magnitudes


No ciclo médio de ensino, aprendemos a isolar a variação de espaço na equação da velocidade média e obter
a famosa “equação do sorvete” s(t) − s0 = vm ∆t. Na vida real, esta equação é completamente inútil: não há
nenhuma situação em que ela seja verdade. Isto porque ela é construı́da com premissas que suponham uma
situação idealizada. A utilidade da idealização é ganhar familiaridade com um problema e saber abordá-lo de
um certo jeito para que, futuramente, saibamos aplicar em situações mais reais. E a realidade que a equação
do sorvete nos revela está escondida para os olhos não treinados.
Se fizermos um gráfico de velocidade por tempo, encontrarı́amos uma linha paralela ao eixo do tempo:
ou seja, uma função constante. De fato, derivado o sorvete, encontramos:

d d d
(s − s0 ) = (vm ∆t) −→ v = vm (t − t0 ) −→ v = vm
dt dt dt
CUjo gráfico está desenhado abaixo:
E, assim, podemos tentar determinar qual é a área debaixo da linha: é só um retângulo. Logo:

Ar = vm · (t − t0 ) −→ Ar = vm · ∆t

Olhando novamente para a equação do sorvete, percebemos que os lados direitos são completamente
iguais! E, assim:
Ar = ∆s

A área é igual ao deslocamento! Mas como um problema de área, que é tipicamente medida em metro
quadrado, se transforme em uma medida de comprimento, que é tipicamente medida em metro? A resposta
está nas unidades utilizadas. No eixo x estamos representando a passagem do tempo em unidades de s
e no eixo y estamos representando o conjunto das velocidades para este movimento, nas unidades de ms .
1 Segundo o modelo de eletrodinâmica que estudamos na graduação. Na realidade fı́sica, a carga elétrica é um conceito não

muito bem compreendido, indo muito além do elétron


2 Pode-se argumentar que nenhuma medida fı́sica é realmente medida diretamente; o próprio espaço não é medido, mas sim,

intervalos dentro dele.

2
v(t)

t0 t
vm

t
t0 t

Figura 1: Velocidade vm por tempo

Com isso, concluı́mos que determinar o deslocamento possui a mesma autoridade matemática que encon-
trar a área sob a função de velocidade, que é uma reta inclinada. A área mais genérica seria dada por um
paralelogramo, com base menor v0 , base maior v(t) e altura dada por ∆t, conforme mostra o gráfico abaixo:

v(t)

t0

vm
t
t0 t

Figura 2: Generalização da área

Aplicando a fórmula da área do paralelogramo e expandindo:

[v0 + v(t)]∆t v0 ∆t v(t)∆t


s= = +
2 2 2
Percebemos que a fórmula está somando dois retângulos com alturas diferentes (os valores de velocidade
diferentes) e larguras iguais (o intervalo de tempo), que são cortadas ao meio. Este processo é absolutamente o
mesmo que tomar a soma de retângulos para determinação da área que fizemos para descobrir a integração. A
diferença é que ele utiliza a fórmula de melhor aproximação. Logo, podemos facilmente tomar mais retângulos,
aumentando o número o número n → ∞ e tomando ∆t → 0. Assim, a nova função de deslocamento é dada
por:
n Z
X vi (t)∆ti
∆s = lim = v(t)dt
n→∞
i=1
n

No qual utilizamos a integral indefinida para maior generalização possı́vel3 . Com isto, vemos que a
derivação e a integração são utilizadas na fı́sica para comparar as medidas e para determinarmos a magnitude
dos fenômenos.
3 A integral indefinida tem uma solução dada por uma função somada a uma constante. A constante você sabe porque aparece,

afinal, já demonstrou que ela sempre irá aparecer no material sobre integração. Na fı́sica esta constante nunca deve aparecer,
uma vez que nossas integrais nunca são indefinidas. Nos definimos nossas integrais em termos de um valor que é variável.
Quaisquer constantes são determinadas pelas condições iniciais.

3
E como a magnitude de um fenômeno (como∆s) está intimamente ligada à sua variação (comovm ), então
é de nosso total interesse investigar a ligação entre estas operações matemáticas. A estratégia matemática
utilizada será a construção de uma função de área e investigar como ela muda. Do mesmo jeito que a
velocidade é uma função de deslocamento. Agora nossa abordagem será estudar como esta função varia.

2 Intuição para o cálculo das áreas


Vamos pensar em que consiste achar a área entre dois pontos de um gráfico. Se tivermos uma função
constante f (x) = c e avaliarmos sua área entre a e b, então obteremos A = (b − a)c. O valor (b − a) funciona
como a altura e o valor da função c funciona como a base. Vamos realizar uma digressão em relação a este
passo.
Aplicando a propriedade da distribuição, obtemos A = bc − ac. Ou seja, temos um retângulo grande, de
área bc e um retângulo menor, de área ac. Apenas subtraı́mos, do maior, a área menor, conforme mostra a
figura abaixo.

f (x)

c
f (x) = c

x
a b

Figura 3: A área que buscamos é a colorida mais intensamente, dada pela subtração
da área maior, bc, pela menor ac.

Vamos utilizar o mesmo raciocı́nio para as próximas definições.

3 A função área
Sabemos que a integral retoma a área sob uma curva. Com isto, vamos chamar de A(x) a integral definida
da função f (x) dentro do intervalo I = x ∈ [t, t + ∆t]. Aqui, usamos a variável t no limite da integral com o
único propósito de não confundir, já que também é variável. Assim, A(x + ∆x) = A(t + ∆t). Como vimos
no exemplo anterior, o processo de obtenção da área sob uma região delimitada envolve tomar a área final
subtraı́da da inicial. De maneira semelhante, vamos supor que a integral também obedeça a esta regra:
Z t+∆t
A(x) = f (x)dx −→ A(x) = A(x + ∆x) − A(x) (1)
t

Esta mesma área, entretanto, pode ser obtida se desenharmos um retângulo com a base definida no
intervalo I e a altura dada pelo valor da função f (x) no ponto que quisermos. A área será, então, aproximada,
dada por:
A(x) ≈ f (x)(∆x) (2)

4
Note, pelo gráfico abaixo, que esta aproximação, à princı́pio, gera muito erro devido às partes inclusas
que não pertencem à região debaixo da curva:

f (x)

f (t + ∆t)

x
t t + ∆t

Figura 4: O retângulo delimitado em x ∈ [t, t + ∆t] e em f (t + ∆t) esta porcamente


aproximado à área exata sob a curva f (x) no mesmo intervalo.

É o mesmı́ssimo problema que encontramos tentando definir a integração! Mas aqui, diferente de lá,
vamos diminuir o tamanho do intervalo. Como consequência imediata, a largura do retângulo e, também, o
valor de sua área, diminuirão, como mostram as figuras abaixo.
Apesar de chegarmos mais perto do valor exato da área, pagamos o preço sendo obrigados a trabalhar
com uma área menor. Mas, de fato, quanto menor o intervalo, melhor a equação 2 representa a verdadeira
área. O raciocı́nio nos leva a crer que, conforme o intervalo se aproxima de zero, as áreas se aproximam; e
no limite de ∆x → 0 as áreas são iguais.
Comparando as equações 1 e 2:

A(x + ∆x) − A(x) ≈ f (x)(∆x) (3)

4 Relação entre a derivação e a integração


A este ponto, você sabe saber o que fazemos para aproximar mais ainda as áreas: tomamos o limite
∆x → 0 nos dois lados da equação 3. Mas o que significa tornar este intervalo tão pequeno? Ainda estaremos
calculando uma área? Uma figura geométrica de área nula é uma linha, então com esta redução, paramos
inteiramente de estudar o comportamento de uma área e passamos a analisar o comportamento da linha
vertical definida por y = 0 e y = f (x). Assim:

lim [A(x + ∆x) − A(x)] = lim [f (x)(∆x)] (4)


∆x→0 ∆x→0

Como f (x) não depende do tamanho do intervalo, podemos removê-la do limite e isolamos f (x), que
é exatamente a função que querı́amos determinar. Para isolar, dividimos os dois lados da equação por
lim∆x→0 ∆x. O que significa dividir infinitamente uma linha? Obtemos uma linha de comprimento, área e
volume nulos. O objeto geométrico que tem essas propriedades é um ponto. Então, a partir da análise da
área sob uma curva, na busca por conectá-la á derivada da curva, nos reduzimos à avaliar o comportamento

5
f (x) f (x)

f (t + ∆t) f (t + ∆t)

x x
t t + ∆t t t + ∆t

f (x) f (x)

f (t + ∆t) f (t + ∆t ≈ t)
x x
t t

Figura 5: Conforme ∆t → 0, o intervalo diminui e a área do retângulo se aproxima da área sob a curva.

de um ponto, definido por (x, f (x):

lim [A(x + ∆x) − A(x)] = f (x) lim (∆x) (5)


∆x→0 ∆x→0
lim∆x→0 [A(x + ∆x) − A(x)]
= f (x) (6)
lim∆x→0 (∆x)

O quociente de dois limites é o limite dos quocientes e, assim, reescrevemos a equação 6 como:
 
A(x + ∆x) − A(x)
lim = f (x) (7)
∆x→0 ∆x
A expressão do lado direito pode ser reconhecida como a definição da derivada. a taxa de variação da
área em relação a x é o valor da função f (x) avaliada em x
 
A(x + h) − A(x) d
lim = A(x) = f (x) (8)
h→0 h dx
Agora que vem a primeira grande sacada: vamos recuperar a suposição que fizemos sobre a função área
no inı́cio, a equação 1. Realizando a substituição:
"Z #
t+∆t
d
f (x)dx = f (x) (9)
dx t

O limite superior desta equação, entretanto, representa somente um pequeno incremento em x e, portanto,

6
é um valor constante. Com isto, podemos escrever a integral imprópria somada à sua constante com:
Z  Z 
d d
f (x)dx + C = f (x) −→ f (x) = f (x)dx (10)
dx dx

A equação 10 revela a relação entre a área sob uma curva e a derivada dela: A integral fornece a área,
cuja variação em relação à largura fornece a função original. Em outras palavras, o operador derivação,
quando aplicado ao operador integração, o anula, e o resultado é apenas a função original. Este é o teorema
fundamental do cálculo.

5 Alguns resultados importantes


Tome a função f (x) = 2x2 . Tente derivar a função e, em seguida, integrar ela entre [0, x]. Depois tente
integrar ela em [0, x] e depois derivar. Compare os resultados.
Depois, tente mostrar que: Z  Z  
d df (x)
f (x)dx = dx
dx dx
Este resultado é comumente simplificado para o fı́sico na forma:
Z   Z
df (x)
dx = [df (x)]dx (11)
dx

Interpretado como uma infinita soma de pequenos pedaços da função. Daı́ a interpretação de que a
derivação “picota” a função em infinitos pedaços e a integral “recombina” ela toda.
A operação de “picotação” da função é matematicamente chamada de diferenciação. É definida como:

df
df = dx (12)
dx
Assim como está na equação 11. Saber diferenciar deve ser uma habilidade fundamental do fı́sico. Usamos
quando não sabemos o comportamento geral, mas sabemos o comportamento médio. Mas as aplicações só
vêm mais tarde no curso, no inı́cio a utilidade da diferenciação é avaliar integrais por substituição kkkkkkk.
A partir daqui, a disciplina de cálculo 1 é finalizada quando o estudante aprende algumas técnicas de
derivação mais simples, como a previamente mencionada substituição. Outras técnicas incluem:

• Integral por partes udv = uv − vdu.


R R

• Integral por substituição trigonométrica.

• Integral por frações parciais.

• Integrais impróprias (com infinito).

• Método numérico.

É encorajado que o estudante domine esta técnicas de integração para atacar problemas de fı́sica.

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