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Daniel Gamermann

UFRGS

Fı́sica I-C

Cinemática em 1D

Estamos estudando a descrição de movimento. Vimos até agora que nosso interesse é descrever a posição de uma partı́cula
se mexendo em linha reta e para isto, tendo escolhido o referencial no qual vamos trabalhar (eixo coordenado na direção do
movimento e ponto em relação ao qual mediremos distâncias, a origem), a posição de nossa partı́cula (x) em cada instante de
tempo (t) é uma função:

x = x(t)

Se observamos a posição da partı́cula em dois instantes diferentes de tempo (ti e tf , onde tf > ti ), uma medida que podemos
fazer é a do deslocamento que esta partı́cula sofreu:

∆x = x(tf ) − x(ti )

Sobre o deslocamento, sempre lembrar que é o final menos o inicial. Estamos medindo o quando a coisa se mexeu, de forma
que, se somamos a posição inicial ao deslocamento sofrido, o resultado deve ser o onde a partı́cula está, ou seja, sua posição
final:

x0 + ∆x = xf onde,
x0 = x(ti )
xf = x(tf )

Definimos então a velocidade média, que é a razão entre o deslocamento sofrido e o intervalo de tempo no qual este
deslocamento aconteceu:
∆x
v̄ = ∆t

Esta medida nos diz o ritmo (ou a taxa) média com que a posição mudou ao longo do intervalo de tempo de forma que a
partı́cula tenha sofrido o deslocamento que sofreu. Se temos um gráfico da função x(t) e os pontos iniciais e finais, observamos
que a velocidade média é o coeficiente angular da reta que une os dois pontos.
Vamos considerar a figura 1. Nela mostramos na curva preta as posições de uma partı́cula no intervalo de tempo entre 0s
e 10s. No instante t = 2s a partı́cula se encontra em x = 9m e no instante t = 6s em x = 27m. Entre 6 e 2 segundos temos
um intervalo de tempo de ∆t = 4s e neste intervalo de tempo a partı́cula sofre um deslocamento de ∆x = 18m. Se calculamos
a velocidade média, obtemos v̄ = 4.5 m s que é o coeficiente angular da reta que une os dois pontos. A equação da reta verde na
figura é xv (t) = 4.5t. Note, entretanto, que xv (t) não é a função posição da partı́cula (coloquei o vezinho, de verde, em baixo
do x neste caso para diferenciar esta função da função posição da partı́cula), é apenas a reta verde que une os dois pontos.
Também deixei grifado na figura o intervalo de tempo em amarelo e o deslocamento em azul.
É importante ressaltar que a partı́cula, neste caso, tem uma velocidade variável, que está mudando o tempo todo. Portanto
o valor da velocidade média que calculamos não é a velocidade da partı́cula. O que sim podemos pensar é que em cada instante
de tempo a partı́cula está mudando sua velocidade (ou não) a um ritmo diferente e, da mesma forma que associamos uma
posição à partı́cula em cada instante de tempo, talvez também seja possı́vel associar uma velocidade, uma medida de o quanto
a posição está mudando em cada instante, ou da tendência que esta posição tem em mudar a cada instante.
Esta velocidade instantânea estará associada a cada instante de tempo (assim como a posição) e não a um intervalo. Para
calcular esta velocidade devemos pensar que quanto menor seja o intervalo de tempo no qual calculamos a média, mais a curva
preta e a reta verde serão parecidas no entorno de um ponto especı́fico. O que devemos fazer, então, é aproximar os dois
pontos, tomando um ∆t entre eles tão pequeno quanto possı́vel.
Vamos pensar em um determinado ponto: no instante t a partı́cula se encontra em x(t). Se esperamos um intervalo de
tempo ∆t, a partı́cula irá para a posição x(t + ∆t). Podemos então calcular sua velocidade média como:

1
45

40

35

30

25
x(t) [m]
20
∆x
15

10

5 ∆t

-5
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
t [s]

Figure 1: Posição de uma partı́cula e interpretação da velocidade média associada.

x(t + ∆t) − x(t)


v̄ = ,
∆t
para transformar o cálculo da velocidade média no cálculo da velocidade instantânea, basta tirar o limite do intervalo de tempo
tendendo a zero (menor possı́vel):

x(t + ∆t) − x(t) d


v(t) = lim = x(t).
∆t→0 ∆t dt
d
Este limite é uma operação matemática muito importante conhecida como derivada, cuja notação ( dt ) deixei indicada na última
igualdade. Este “sı́mbolo” indica uma operação (a derivada) que é feita a uma função (no nosso caso a posição). A derivada
de uma função nada mais é do que o cálculo de sua taxa de variação (o quanto o valor da função está está mudando) em cada
ponto. A derivada é portanto um operado que transforma uma função em outra função (transforma uma medida em sua taxa
de variação).
Tomando o mesmo exemplo de movimento mostrado na figura 1, se queremos calcular a velocidade da partı́cula em t = 2s,
o que devemos fazer é aproximar o ponto verde em t = 6s ao ponto verde em t = 2s. Podemos ver isto na figura 2 (e uma
animação no gif que está no moodle).
Com esta figura e a animação podemos apreciar a interpretação geométrica da derivada. Ao aproximarmos os dois pontos,
mais e mais a reta verde se aproxima da curva preta para intervalos de tempo pequenos ao redor do ponto onde queremos
calcular a derivada. No limite em que os dois pontos verdes estão um em cima do outro (∆t = 0), a reta verde estará tocando
a curva preta em um único ponto. Quando isto acontece, dizemos que a reta verde é tangente à curva (a toca em um único
ponto na proximidade de uma vizinhança).
É possı́vel, portanto, inferir o gráfico de uma derivada a partir do gráfico da função. Basta imaginar uma reta tocando a
função e ir imaginando como esta reta deslizaria sobre a função sem cruzar-la. Se a reta está inclinada para cima, a função
está crescendo e quanto mais inclinada, maior seu crescimento. Em pontos de máximo ou mı́nimo da função (cumes ou vales
da curva) onde esta reta ficar horizontal, o valor da derivada é zero (retas horizontais indicam valores constantes e constantes
não mudam, não tem taxa de variação) e se a reta ficar inclinada para baixo, o valor da derivada é negativo, pois a função está
diminuindo seus valores. Para ilustrar isto, mostro, na figura 3, a função posição que estamos usando no exemplo junto com sua
respectiva velocidade (derivada) em vermelho. Vemos na figura que os pontos de máximo ou mı́nimo da posição correspondem
precisamente aos valores onde a velocidade é nula e que sempre que o valor da posição está crescendo, a velocidade é positiva e
que nos intervalos em que a posição decresce a velocidade é negativa. Notem também que, ao redor de t = 2s, ponto ao redor
do qual calculamos a velocidade instantânea e vimos que a reta verde quase coincidia com a curva preta, a velocidade tem um
máximo, ponto onde sua própria derivada seria zero e, portanto, seu valor mais ou menos constante.
Evidentemente, vocês estudarão tudo isto em muito mais detalhes nas aulas de cálculo. Mas é importante aqui que vocês
compreendam os conceitos, entendam de onde eles surgem e criem uma certa intuição a respeito. A derivada de uma função

2
∆t = 4.00000 ∆t = 3.50000 ∆t = 2.50000
35 35 35

30 30 30

25 25 25

20 20 20
∆x ∆x ∆x
x(t) [m]

x(t) [m]

x(t) [m]
15 15 15

10 10 10

5 ∆t 5 ∆t 5 ∆t

0 0 0

-5 -5 -5
0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10
t [s] t [s] t [s]

∆t = 1.50000 ∆t = 1.00000 ∆t = 0.80000


35 35 35

30 30 30

25 25 25

20 20 20
x(t) [m]

x(t) [m]

x(t) [m]
15 ∆x 15 15
∆x
∆x

10 10 10

5 ∆t 5 ∆t 5 ∆t

0 0 0

-5 -5 -5
0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10
t [s] t [s] t [s]

∆t = 0.70000 ∆t = 0.60000 ∆t = 0.50000


35 35 35

30 30 30

25 25 25

20 20 20
x(t) [m]

x(t) [m]

x(t) [m]
15 15 15

∆x ∆x ∆x
10 10 10

5 ∆t 5 ∆t 5 ∆t

0 0 0

-5 -5 -5
0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10
t [s] t [s] t [s]

∆t = 0.40000 ∆t = 0.30000 ∆t = 0.20000


35 35 35

30 30 30

25 25 25

20 20 20
x(t) [m]

x(t) [m]

x(t) [m]

15 15 15

∆x ∆x
10 10 10 ∆x

5 ∆t 5 ∆t 5 ∆t

0 0 0

-5 -5 -5
0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10
t [s] t [s] t [s]

∆t = 0.10000 ∆t = 0.05000 ∆t = 0.04000


35 35 35

30 30 30

25 25 25

20 20 20
x(t) [m]

x(t) [m]

x(t) [m]

15 15 15

10 ∆x 10 10
∆x ∆x

5 ∆t 5 ∆t 5 ∆t

0 0 0

-5 -5 -5
0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10
t [s] t [s] t [s]

∆t = 0.03000 ∆t = 0.02000 ∆t = 0.01000


35 35 35

30 30 30

25 25 25

20 20 20
x(t) [m]

x(t) [m]

x(t) [m]

15 15 15

10 10 10
∆x ∆x ∆x

5 ∆t 5 ∆t 5 ∆t

0 0 0

-5 -5 -5
0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10 0 2 4 6 8 10
t [s] t [s] t [s]

Figure 2: Processo de se tomar o limite ∆t → 0.

3
30
x(t)
v(t)

25

20

15
x(t) [m], v(t) [m/s]

10

-5

-10
0 2 4 6 8 10
t [s]

Figure 3: Posição e velocidade do exemplo, com os máximos e mı́nimos da posição indicados.

4
indica sua taxa de variação. Geometricamente (em um gráfico) a derivada da função em um determinado ponto é o coeficiente
angular da reta tangente à curva naquele ponto e, portanto, podemos saber se a derivada naquele ponto é positiva, negativa
ou nula imaginando ou visualizando esta reta.
Vocês também aprenderão em cálculo que a derivada é um operador linear. Isto significa que a derivada de uma combinação
linear de funções é a combinação linear das derivadas das funções:

d d d
(ax1 (t) + bx2 (t)) = a x1 + b x2 (t),
dt dt dt
onde a e b são constantes (números fixos) e x1 (t) e x2 (t) funções da variável em relação a qual estamos derivando.
Vocês aprenderão em cálculo uma série de regras de derivação. Todas elas derivam de se trabalhar com a expressão do
limite que apresentei a vocês lá em cima, no começo da discussão a respeito de velocidade instantânea. Uma das primeiras
regras práticas de derivação que vocês vão aprender (depois da combinação linear) é derivar uma potência da variável:

d r
t = rtr−1
dt
onde r é qualquer número real (inclusive zero ou números negativos). Note que se r = 0, estamos dizendo que a função é
t0 = 1, uma constante, em cujo caso a deriva é zero (constantes não mudam, portanto tem taxa de variação nula).
Com estas duas regras é possı́vel derivar qualquer função polinomial que vocês encontrem. Pouco a pouco, vocês aprenderão
mais regras, mas, como disse antes, o problema de efetivamente calcular estas derivadas é história para as aulas de cálculo, o
importante aqui é que vocês entendam os conceitos e criem uma certa intuição a respeito do que estas operações significam em
problemas concretos.
Um último conceito que vocês vão encontrar em alguns problemas é a ideia de velocidade escalar (ou rapidez), ve (t). Como
veremos em poucas aulas, a velocidade é um vetor e uma das caracterı́sticas dos vetores é seu módulo (“comprimeto”). Em
inglês se pode usar a palavra velocity para o vetor e speed para seu módulo, sua rapidez. Esta é a ideia por traz de velocidade
escalar: esquecer a direção do vetor (ou o sentido do movimento, quando em uma dimensão) e sempre medir a velocidade na
direção em que o movimento está acontecendo:

ve (t) = |~v (t)|.

Para resolver problemas em 1D associados à velocidade escalar devemos pensar sempre na velocidade como um número
positivo. Por exemplo, saı́mos de um ponto e andamos para frente a 5m/s, então paramos e voltamos ao mesmo lugar de onde
saı́mos andando para trás a 5m/s. Nossa velocidade caminhando para frente era v = 5m/s e andando para trás era v = −5m/s
(não eram iguais!). Nosso deslocamento foi ∆x = 0, pois saı́mos de um ponto e voltamos ao mesmo ponto, portanto, nossa
velocidade média foi nula (v̄ = 0m/s). Porém, nossa velocidade escalar foi ve = 5m/s, pois na direção que andamos, sempre
estivemos avançando e sempre ao mesmo ritmo de 5m/s.
Conceitos que vimos na aula de hoje:

• Velocidade média → se relaciona a um intervalo de tempo.

• Velocidade instantânea → função de cada instante de tempo.

Na próxima aula discutiremos o fato de que, assim como a posição é uma função que varia com o tempo, a velocidade
instantânea, tal como discutimos aqui, também é uma função que está constantemente mudando com o tempo, de forma
que também podemos estudar sua variação: a aceleração. Desta forma, estaremos de posse de todos os conceitos que serão
necessários para o estudo do movimento e de sua variação: posição, velocidade e aceleração. Estudaremos, então, dois casos
particulares de movimento: com velocidade constante e com aceleração constante. Para estes dois casos, muito comuns do
ponto de vista intuitivo, é possı́vel estabelecer precisamente as funções x(t) e v(t) se conhecemos alguns poucos parâmetros da
situação particular de movimento (do problema).

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