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Análise Matemática II

e
Cálculo Diferencial e Integral II

Apontamentos Teóricos
2021/2022

Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

Cursos: Matemática
Matemática Aplicada
Engenharia Biomédica e Biofı́sica
Engenharia Fı́sica
Fı́sica

Conteúdo

Introdução
1. Funções vectoriais de uma variável
2. Cálculo Diferencial em Rn
3. Cálculo Integral em Rn
4. Análise Vectorial

1
Introdução

Este é o segundo curso de Análise/Cálculo para os cursos do DM e do DF da FCUL, onde traba-


lhamos com funções de várias variáveis.
Os pré-requisitos para esta disciplina são as funções reais de variável real (conteúdos da Análise
Matemática I/Cálculo Diferencial e Integral I), com particular destaque para o cálculo de derivadas e
de primitivas/integrais, e as noções básicas de Álgebra Linear.
No primeiro curso tudo se passa em R, um espaço vectorial de dimensão um. Agora vamos trabalhar
em Rn , com n > 1, onde há mudanças significativas. Por exemplo, não temos uma relação de ordem
total. Há duas diferenças essenciais quando se passa da Análise/Cálculo a uma variável para várias
variáveis, uma é o facto da topologia dos subconjuntos de Rn ser mais complexa quando n > 1 e a
outra é necessidade de se usar a álgebra linear para definir alguns conceitos e para demonstrar alguns
resultados. Por exemplo, em dimensão um, uma aplicação linear confunde-se com um número real,
daı́ que em R se considere que a derivada de uma função num ponto é um número real, enquanto que
a derivada de uma função com mais do que uma variável, como veremos, é uma aplicação linear.
Vamos ver extensões dos conceitos estudados em Análise Matemática I/Cálculo Diferencial e In-
tegral I, agora para as funções de várias variáveis, estudaremos propriedades associadas e veremos
algumas das importantes aplicações destes conteúdos.

Introdução Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

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1 Funções vectoriais de uma variável
Motivação
Podemos descrever o movimento de uma partı́cula no espaço associando a cada instante de um certo
intervalo de tempo o ponto do espaço que a referida partı́cula ocupa no referido instante. Esta descrição
constitui uma função vectorial (a imagem de cada objecto é um vector) de variável real (o tempo). No
seu movimento a partı́cula traça um objecto geométrico que corresponde à ideia intuitiva de curva.
Neste capı́tulo estamos interessados neste tipo de funções que nos ajudam, como na situação
anterior, a descrever situações fı́sicas e a estudar alguns objectos geométricos - as curvas. Vamos
formular estes conceitos matemáticos e estudar algumas das suas propriedades.

1.1 Funções vectoriais de uma variável: limites, continuidade, derivadas e inte-


grais
Uma função vectorial de variável real é uma função definida num subconjunto de R e com imagem
em Rn , com n > 1. Seja D um subconjunto de R. Dada uma função vectorial de variável real
r : D ⊆ R → Rn , t 7→ r(t) = (r1 (t), r2 (t), . . . , rn (t)),
ficam definidas n funções reais de variável real ri : D ⊆ R → R, t 7→ ri (t), com i = 1, . . . , n, a que
chamamos funções componentes de r.
O domı́nio natural da função r é a intersecção dos domı́nios naturais de cada uma das suas
funções componentes e é, pois, o maior conjunto onde a expressão que define r está definida.

Exemplo. Seja r(t) = (t3 , √ log(2 − t), 4 t + 5). As funções componentes de r são r1 (t) = t3 ,
r2 (t) = log(2 − t) e r3 (t) = 4 t + 5, cujos domı́nios naturais são, respectivamente, R, ] − ∞, 2[ e
[−5, +∞[. Assim, o domı́nio natural de r é [−5, 2[.
Neste parágrafo vamos estabelecer o conceito de limite para este tipo de funções, e com ele estender
as noções de continuidade, de derivada e de integral que já conhecemos para as funções reais de variável
real.
Definição 1.1 Sejam r : D ⊆ R → Rn uma função vectorial de variável real, t0 ∈ D0 e L um vector
de Rn . Dizemos que o limite de r, quando t converge para t0 , é L ∈ Rn , e escrevemos lim r(t) = L
t→t0
se, e só se, lim kr(t) − Lk = 0, ou seja, se, e só se,
t→t0

∀δ > 0 ∃ ε > 0 : 0 < |t − t0 | < ε ⇒ kr(t) − Lk < δ.


n . Nesta disciplina consideramos, salvo menção
Observamos que k · k denota uma norma em Rq
contrária, a norma euclidiana, i.e., k(x1 , . . . , xn )k = x21 + . . . + x2n .
Assim, dizer que o limite, quando t → t0 , da função vectorial t 7→ r(t) é o vector L é equivalente a
afirmar que o limite da função real t 7→ kr(t) − Lk, quando t → t0 , é 0.

Proposição 1.2 Sejam r : D ⊆ R → Rn uma função vectorial de variável real, t0 ∈ D0 e L ∈ Rn . Se


lim r(t) = L, então lim kr(t)k = kLk.
t→t0 t→t0

Demonstração. Começamos por observar que se tem 0 ≤ kr(t)k − kLk ≤ kr(t) − Lk, para todo o

t ∈ D.
Por definição, dizer que limt→t0 r(t) = L é equivalente a dizer que limt→t0 kr(t)−Lk = 0. Atendendo
à observação efectuada e ao Teorema do Enquadramento, obtemos

lim kr(t)k − kLk = 0,

t→t0

logo limt→t0 (kr(t)k − kLk) = 0, ou seja limt→t0 kr(t)k = kLk, o que termina a prova da proposição. 
Funções vectoriais de uma variável Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

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O próximo resultado reveste-se de uma grande importância prática e diz-nos que os limites das
funções vectoriais se calculam componente a componente, reduzindo-se ao cálculo de n limites de
funções reais de variável real.
Teorema 1.3 Sejam r : D ⊆ R → Rn uma função vectorial de variável real, t0 ∈ D0 e
L = (L1 , . . . , Ln ) ∈ Rn . Então
lim r(t) = L ⇔ lim ri (t) = Li , ∀i = 1, . . . , n.
t→t0 t→t0

!
e2t − 1 t2 + 6 sin t t i h
Exemplo. Seja r(t) = , 2 , , t ∈ − 51 , +∞ \ {0, π}. Temos que
3t t − πt log(1 + 5t)
!
e2t − 1 t2 + 6 sin t t
lim r(t) = lim , lim 2 , lim
t→0 t→0 3t t→0 t − πt t→0 log(1 + 5t)

2t 2t + 6 cos t t 2 6 1
   
= lim , lim , lim = ,− , .
t→0 3t t→0 2t − π t→0 5t 3 π 5

No resultado anterior podemos considerar t0 = ±∞, se t0 ∈ D0 (em R), estendendo-se desta forma
o conceito de limite de uma função vectorial de variável real ao caso em que o ponto é o infinito. Deste
teorema conclui-se também que as propriedades algébricas dos limites de funções de R em R também
são válidas para funções de R em Rn , como se enuncia seguidamente.
Teorema 1.4 Sejam u, v : D ⊆ R → Rn funções vectoriais de variável real, f : D → R uma função
real de variável real e t0 ∈ D0 . Suponhamos que existem os limites lim u(t), lim v(t) em Rn , e lim f (t)
t→t0 t→t0 t→t0
em R. Então tem-se:
i) lim (u(t) + v(t)) = lim u(t) + lim v(t);
t→t0 t→t0 t→t0

ii) lim (cu(t)) = c lim u(t), ∀c ∈ R;


t→t0 t→t0

iii) lim f (t)u(t) = lim f (t) lim u(t);


t→t0 t→t0 t→t0

iv) lim u(t) · v(t) = lim u(t) · lim v(t), onde · representa um produto interno em Rn .
t→t0 t→t0 t→t0

Definição 1.5 Seja r : D ⊆ R → Rn e t0 ∈ D. A função r diz-se contı́nua em t0 se, e só se,


∀δ > 0 ∃ ε > 0 : |t − t0 | < ε ⇒ kr(t) − r(t0 )k < δ.
Em particular, se t0 ∈ D ∩ D0 , r diz-se contı́nua em t0 se, e só se, lim r(t) = r(t0 ).
t→t0

A definição anterior conjugada com o Teorema 1.3 permite trabalhar a continuidade componente
a componente.
Teorema 1.6 Seja r : D ⊆ R → Rn e t0 ∈ D ∩ D0 . Então r é contı́nua em t0 se, e só se, as suas
funções componentes ri forem contı́nuas em t0 , ∀i = 1, . . . , n.

A continuidade das funções que resultam de operações algébricas e da composição entre funções
contı́nuas é descrita no próximo resultado.
Teorema 1.7 Sejam u, v : D ⊆ R → Rn , f : D ⊆ R → R e g : E ⊆ R → R tal que g(E) ⊆ D. Então:
i) se u, v e f são contı́nuas em a ∈ D, o mesmo sucede a kuk, u + v, f u e u · v, onde · representa
um produto interno;
ii) se g é contı́nua em a ∈ E e u é contı́nua em g(a) ∈ D, então u ◦ g é contı́nua em a.
Funções vectoriais de uma variável Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

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Definição 1.8 Dados a, b ∈ R tais que a < b e r : I = ]a, b[ → Rn uma função vectorial de variável
real, a derivada de r no ponto t ∈ I é dada por
dr r(t + h) − r(t)
(t) = r0 (t) = lim
dt h→0 h
se este limite existir. Neste caso dizemos que a função r é diferenciável em t.
De modo análogo, caso r esteja definida em I = [a, b], define-se a derivada lateral à direita em a,
0 (a), e a derivada lateral à esquerda em b, e representa-se por r 0 (b), tomando no
e representa-se por r+ −
limite h → 0+ e h → 0− , respectivamente. É fácil ver que se r é diferenciável em t, então r é contı́nua
em t (exercı́cio).
Atendendo ao Teorema 1.3 é válido o seguinte teorema:
Teorema 1.9 Sejam a, b ∈ R tais que a < b, r : ]a, b[ → Rn uma função vectorial de variável real
e t0 ∈ ]a, b[. Suponhamos que todas as funções componentes de r, ri : ]a, b[ → R, i = 1, . . . , n, são
diferenciáveis em t0 . Então r é diferenciável em t0 e tem-se
r0 (t0 ) = (r10 (t0 ), r20 (t0 ), . . . , rn0 (t0 )).

Este teorema diz-nos que r0 (t) é o vector cujas componentes são as derivadas das funções ri ,
i = 1, . . . , n. Consequentemente todas as fórmulas e métodos usados para calcular derivadas de funções
reais de variável real podem ser usados para calcular derivadas de funções vectoriais de variável real,
aplicados componente a componente, como se ilustra no exemplo que se segue.

Exemplo. Seja r(t) = (t2 + 2 arctan(3t), cos(sin(3t7 ))), com t ∈ R. Então


6
 
r0 (t) = 2t + , −21t6 sin(sin(3t7 )) cos(3t7 ) , ∀t ∈ R.
1 + 9t2

r(t0 + h) − r(t0 )
Demonstração do Teorema 1.9. Por definição temos r0 (t0 ) = lim . Vem então
h→0 h
1
r0 (t0 ) = lim (r1 (t0 + h) − r1 (t0 ), . . . , rn (t0 + h) − rn (t0 ))
h→0 h
r1 (t0 + h) − r1 (t0 ) rn (t0 + h) − rn (t0 )
 
= lim , . . . , lim = (r10 (t0 ), . . . , rn0 (t0 )).
h→0 h h→0 h

As propriedades algébricas da derivação das funções vectoriais de variável real estão reunidas no
próximo teorema.
Teorema 1.10 Sejam Sejam a, b ∈ R tais que a < b, u, v : ]a, b[ → Rn , f : ]a, b[ → R e c ∈ R. Se u, v
e f forem diferenciáveis em ]a, b[ tem-se, para cada t ∈ ]a, b[,
d
i) (u(t) + v(t)) = u0 (t) + v 0 (t);
dt
d
ii) (cu(t)) = cu0 (t);
dt
d
iii) (f (t)u(t)) = f 0 (t)u(t) + f (t)u0 (t);
dt
d
iv) (u(t) · v(t)) = u0 (t) · v(t) + u(t) · v 0 (t), onde · representa um produto interno em Rn ;
dt
d
v) (u(f (t))) = f 0 (t)u0 (f (t)) (derivação da função composta).
dt
Funções vectoriais de uma variável Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

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Também para as funções em estudo neste capı́tulo podemos definir derivadas de ordem superior a
um. Veja-se a definição que se segue.

Definição 1.11 Sejam a, b ∈ R tais que a < b e r : [a, b] → Rn , com r(t) = (r1 (t), . . . , rn (t)), uma
função vectorial de variável real. Dizemos que r é de classe C k , com k ≥ 1, em [a, b], se todas as suas
componentes são funções reais de variável real de classe C k em [a, b].

Definição 1.12 Sejam a, b ∈ R tais que a < b e r : [a, b] ⊆ R → Rn , t 7→ (r1 (t), r2 (t), . . . , rn (t)) uma
função vectorial de variável real contı́nua. Para cada t ∈ [a, b] definimos
Z t Z t Z t Z t 
r(s) ds = r1 (s) ds, r2 (s) ds, . . . , rn (s) ds .
a a a a

Dizemos que a relação


Z Z Z 
t 7→ r1 (t) dt, r2 (t) dt, . . . , rn (t) dt , t ∈ [a, b]
Z
é a famı́lia das primitivas de r e denotamos por r(t) dt.

Z 0
Da definição anterior resulta imediatamente que r(t) dt = r(t), ∀t ∈ [a, b]. Além disso, se R
é uma primitiva de r, então R + C, com C ∈ Rn , também é uma primitiva de r.
Temos também que o integral duma função vectorial de variável real r é o vector cujas componentes
são os integrais das funções componentes de r. Assim, a linearidade do integral de funções vectori-
ais de variável real é uma das suas propriedades naturais e que está listada no próximo teorema,
conjuntamente com outras.

Teorema 1.13 Sejam a, b ∈ R tais que a < b, u, v : [a, b] ⊆ R → Rn funções contı́nuas, α ∈ R e


c ∈ Rn um vector constante. Então tem-se:
Z b Z b Z b
i) u(t) + v(t) dt = u(t) dt + v(t) dt;
a a a
Z b Z b
ii) α u(t) dt = α u(t) dt;
a a
Z b Z b !
iii) c · u(t) dt = c · u(t) dt , onde · representa um produto interno em Rn ;
a a
Z Z
b b
iv) u(t) dt ≤ ku(t)k dt.

a a

Exemplo. Seja r(t) = (t cos t2 , e5t ), t ∈ R. Temos então


Z √π Z √π Z √π √ π  √ π !
1 1 5√ π
!
1 1
  
2 2 2 2 2
2 5t
r(t) dt = t cos t dt, e dt = sin t2 , e5t = , (e 2 − 1) .
0 0 0 2 0 5 0 2 5

Funções vectoriais de uma variável Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

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Demonstração do Teorema 1.13. A prova das propriedades de i) a iii) é um exercı́cio simples.
Vejamos a prova de iv).
Z b
Seja U = u(t) dt ∈ Rn . Se U = 0Rn , o resultado é trivialmente verificado. Vejamos o caso em
a
que U não é o vector nulo. Atendendo à definição de norma e às propriedades dos integrais vem
Z b Z b Z Z
iii)
b b
2
kU k = U · U = U · u(t) dt = U · u(t) dt ≤ U · u(t) dt ≤ |U · u(t)| dt,

a a a a

usando agora a desigualdade de Cauchy-Schwarz no último integral obtemos


Z b Z b
2
kU k ≤ kU k ku(t)k dt = kU k ku(t)k dt,
a a

logo Z Z
Z b b b
kU k ≤ ku(t)k dt ⇐⇒ u(t) dt ≤ ku(t)k dt. 

a a a

1.2 Curvas no plano e no espaço


Todos temos uma ideia intuitiva de curva, ideia essa que informalmente corresponde a um objecto
geométrico de dimensão um. Por exemplo, considerando Γ := {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = 1}, a
circunferência do plano, de centro na origem e raio 1, é usual dizer que Γ é uma curva. Podemos
descrevê-la através de um parâmetro, da forma seguinte:

Γ = {(cos t, sin t) : t ∈ [0, 2π[}.

Dizemos que a descrição anterior é uma parametrização de Γ e temos então uma função vectorial de
variável real, t 7→ (cos t, sin t), t ∈ [0, 2π[, a que chamamos linha parametrizada.
Seja n ∈ N2 . No que se segue vamos considerar funções vectoriais de variável real γ : I ⊆ R → Rn
definidas e contı́nuas num intervalo real I, que consideramos sempre não degenerado (com mais do
que um ponto).

Definição 1.14 Chamamos linha parametrizada ou trajectória parametrizada a qualquer fun-


ção vectorial contı́nua γ : I ⊆ R → Rn . À imagem de I por meio de γ, γ(I), chamamos curva ou
traço da linha γ (também se usam as designações traçado e órbita).
A uma linha parametrizada definida num intervalo compacto I = [a, b] damos o nome de caminho.
Neste caso γ(a) e γ(b) dizem-se as extremidades do caminho, sendo γ(a) o ponto inicial e γ(b) o
ponto final do caminho. Se γ(a) = γ(b), o caminho diz-se fechado.
Chamamos arco ou porção da curva γ(I) de extremos γ(α) e γ(β), com α, β ∈ I e α < β, à
curva γ([α, β]).

Por uma questão de simplificação de linguagem é frequente usarmos apenas os vocábulos linha ou
trajectória, omitido-se a designação parametrizada. Observamos que as designações para os conceitos
anteriores (linha, trajectória, curva, caminho) podem variar de autor para autor.

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Exemplos. 1) γ : R → R3 , γ(t) = (t5 , 8t, et ) é uma linha parametrizada e γ(R) uma curva.
2) γ : [0, 5] → R2 , γ(t) = (cos t, log(t2 + 1)) é um caminho; γ(0) = (1, 0) é o ponto inicial e
γ(5) = (cos 5, log 26) o ponto final.
Definição 1.15 Seja γ : [a, b] → Rn um caminho. Dizemos que γ é simples se
1. γ(t) 6= γ(s), sempre que s, t ∈ [a, b] e s 6= t, ou
2. γ(t) 6= γ(s) sempre s, t ∈ [a, b[, com s 6= t, mas γ(a) = γ(b).
Uma curva C, traço de uma linha γ, diz-se uma curva simples se não se intersectar. No caso de
C ser o traço de um caminho, a curva diz-se simples se não se intersectar excepto possivelmente nos
seus extremos.

Curva fechada e não simples Curva fechada e simples Curva simples Curva não simples

Estamos particularmente interessados nos casos em que n = 2 e n = 3 correspondentes às chamadas


curvas no plano e curvas no espaço, respectivamente. Observe-se, no entanto, que chamamos curva
plana a uma curva que seja traço de uma linha parametrizada γ : I → R3 que esteja contida num
plano de R3 .
Exemplo. Seja γ : [0, 2π] → R3 , γ(t) = (−1, 5 cos t, 5 sin t). Então γ([0, 2π]) está contida no plano
x = −1, logo é uma curva plana.
Como já referimos, as funções vectoriais surgem em inúmeras aplicações, nomeadamente para
descrever o movimento de partı́culas no plano e no espaço. Assim, é frequente usar para a variável
independente a letra t que representa o tempo, interpretando-se γ(t) como o vector posição da partı́cula
no instante t.
Associado a uma linha parametrizada γ : I ⊆ R → Rn , t 7→ γ(t), com γ(t) = (γ1 (t), . . . , γn (t)),
temos um sistema de n equações que descreve a linha (e consequentemente a curva γ(I))


 x1 = γ1 (t)

 x2 = γ2 (t)

..


 .

 x = γ (t),
n n t∈I
a que chamamos equações paramétricas da linha. À variável independente t chamamos o parâme-
tro. Uma curva pode ser descrita por diferentes sistemas de equações paramétricas. Ao definirmos
uma linha parametrizada estamos a considerar uma parametrização do seu traço, daı́ a designação
de linha/trajectória parametrizada.
Dada uma curva C interessa-nos determinar uma linha parametrizada cujo traço seja C. Por
exemplo, considerando C a parábola y = 3x2 + 1 (C = {(x, y) ∈ R2 : y = 3x2 + 1}), temos que
γ(x) = (x, 3x2 + 1), x ∈ R, é uma parametrização de C, ou, dito de outra forma, γ é uma linha
parametrizada cujo traço é C. Vejamos outros exemplos.
Exemplos de linhas parametrizadas e identificação da curva
1) Recta
Uma parametrização da recta, em Rn , n ∈ N2 , que passa no ponto P e tem a direcção do vector ~u é
γ : R → Rn , γ(t) = P + t~u.

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2) Segmento de recta
Uma parametrização do segmento de recta, em Rn , n ∈ N2 , com origem no ponto A e final no ponto
B é
γ : [0, 1] → Rn , γ(t) = A + t(B − A).
3) Gráfico de uma função r.v.r. contı́nua
Sejam a, b ∈ R com a < b e f : [a, b] → R uma função contı́nua. Uma parametrização do gráfico de f

γ : [a, b] → R2 , γ(t) = (t, f (t)).

4) Considere-se o caminho γ : [−2, 2] → R2 , dado por γ(t) = (t, 4 − t2 ). As equações paramétricas
associadas são: (
x=√ t
y = 4 − t2 , t ∈ [−2, 2].

De y = 4 − x2 , vem y 2 + x2 = 4, com x ∈ [−2, 2] e y ≥ 0, ou seja, o traço deste caminho é a
semi-circunferência C de centro na origem, raio 2, contida no semi-plano y ≥ 0. O caminho γ diz-nos
que a curva C é percorrida no sentido dos ponteiros do relógio, com inı́cio no ponto (−2, 0) e final no
ponto (2, 0).
5) Uma parametrização da circunferência em R2 , com centro em (a, b), raio R, descrita no
sentido directo (sentido contrário ao dos ponteiros do relógio), uma única vez é
γ : [0, 2π] → R2 , γ(θ) = (a + R cos θ, b + R sin θ).
6) O traço do caminho
γ : [0, 2π] → R3 , γ(θ) = (1 + 7 cos θ, 5, −7 sin θ).
é a circunferência do plano y = 5, centrada no ponto (1, 5, 0) e de raio 7.
7) O traço da linha γ(t) = (3 cos t, 3 sin t, t), t ∈ [0, +∞[ é uma hélice circular, que não é uma curva
plana (encontra-se sobre um cilindro).
É importante perceber que os conceitos de linha parametrizada (função vectorial) e de traço da
linha (curva) são distintos. A linha parametrizada contém informação que o seu traço não tem. Por
exemplo, sejam γ1 (t) = (cos t, sin t) e γ2 (t) = (cos(10t), sin(10t)), com t ∈ [0, 2π]. O traço de ambas
as linhas γ1 e γ2 é a circunferência de centro na origem e raio 1. No entanto, enquanto que a linha γ1
apenas traça a circunferência uma só vez, a linha γ2 passa 10 vezes em cada ponto da circunferência,
e como o faz no mesmo intervalo, isto significa que o seu “movimento” é dez vezes mais rápido.
Este exemplo ilustra o facto da linha parametrizada conter informação sobre a forma como a curva é
traçada.
Definição 1.16 Chama-se mudança de parâmetro a uma aplicação bijectiva α : J → I, de classe
C 1 , com inversa também C 1 , onde J e I são intervalos de R.
Dadas γ : I → Rn uma linha parametrizada e α : J → I uma mudança de parâmetro, à linha
parametrizada γ ◦ α chama-se uma reparametrização de γ (por meio de α). Também se diz uma
reparametrização da curva γ(I).
Observação. Dada γ : [a, b] → Rn uma linha parametrizada, é sempre possı́vel definir uma parametri-
zação γ̃ com o mesmo  traço de γ, definida num intervalo dado [c, d], considerando
t−c
γ̃(t) = γ a + d−c (b − a) . Assim, γ̃ é uma reparametrização de γ.

Proposição 1.17 Sejam I e J intervalos de R. Uma aplicação bijectiva α : J → I, de classe C 1 é


uma mudança de parâmetro se, e só se, α0 nunca se anula.

Exemplo. Sejam J = [1, 2], I = [0, log 2] e α : J → I, dada por α(t) = log t. Como α é bijectiva, de
classe C 1 e α0 (t) = 1t > 0, para todo o t ∈ J, então α é uma mudança de parâmetro.
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As mudanças de parâmetro de uma mesma linha agrupam-se em dois conjuntos, aquelas cuja
derivada é positiva e aquelas em que a derivada é negativa. Dizemos que a mudança de parâmetro,
no primeiro caso preserva a orientação da linha, e no segundo caso que inverte a orientação da
linha.
Ao conjunto de todas as reparametrizações de uma linha obtidas por uma mudança de parâmetro que
preserva a orientação da linha inicial chama-se uma linha ou trajectória orientada.

Definição 1.18 (Caminho inverso) Seja γ : [a, b] → Rn um caminho. Define-se o caminho in-
verso ou oposto, e representa-se por (−γ) o caminho definido por (−γ)(t) = γ(a + b − t), com
t ∈ [a, b].

O ponto inicial de (−γ) é o ponto final de γ e vice-versa. Geometricamente não há distinção entre o
traço dos dois caminhos. Intuitivamente, (−γ) interpreta-se como sendo o caminho γ percorrido no
sentido inverso.
Exemplo. Seja γ1 : [0, π] → R2 , γ1 (t) = (1 + 2 cos t, −1 + 2 sin t). Atendendo à definição, o caminho
inverso da linha anterior é o caminho dado por (−γ1 ) : [0, π] → R2 ,

(−γ1 )(t) = γ1 (0 + π − t) = (1 + 2 cos(π − t), −1 + 2 sin(π − t)) = (1 − 2 cos t, −1 + 2 sin t).

O traço de uma linha parametrizada pode ser um objecto geométrico que nada tem a ver com
a ideia intuitiva que temos de curva. Peano, em 1890, construiu uma linha parametrizada, definida
no intervalo [0, 1] e cujo traço é todo o quadrado [0, 1] × [0, 1]! Há muitos outros exemplos de linhas
parametrizadas cujo traço não coincide com a noção intuitiva de curva. Quando se impõe mais
regularidade a uma linha parametrizada pedindo, por exemplo, que seja pelo menos de classe C 2 (é
natural supor que a “operação” de traçar uma curva num papel possa ser modelada por uma função
vectorial contı́nua que represente a força que a mão exerce sobre a caneta e é razoável supor que o
movimento da ponta da caneta obedeça à 2.a lei de Newton (F = m · a), descrevendo, portanto, uma
trajectória cuja segunda derivada (aceleração) é proporcional à força) e que a primeira derivada não
se anule, então pode provar-se que o seu traço corresponde localmente à ideia intuitiva que temos de
curva. A discussão formal e rigorosa destas ideias sai fora do âmbito do nosso curso.
Em geral, vamos trabalhar com linhas que tenham alguma regularidade e cujo traço se insere na
noção intuitiva que temos de curva.

Definição 1.19 Uma linha parametrizada γ : [a, b] → Rn diz-se seccionalmente de classe C 1


(abreviadamente secc. C 1 ) ou de classe C 1 por troços se γ é contı́nua em [a, b] e existe um número
finito de pontos a = t0 < t1 < t2 < . . . < tp < tp+1 = b tais que γ|[ti ,ti+1 ] é de classe C 1 , para
i = 0, . . . , p.

Observação. É importante não confundir a regularidade de uma linha parametrizada com a regula-
ridade do seu traço. A primeira diz respeito à regularidade de uma função (a linha parametrizada) e
a segunda ao objecto geométrico que é a imagem da função. Observe-se que o traço de uma linha não
é o seu gráfico. Se γ é uma linha parametrizada com valores em Rn , o seu gráfico é um conjunto de
Rn+1 , enquanto que o seu traço é um objecto de Rn .

Vector tangente, recta tangente


r(t + h) − r(t)
Seja r : I ⊆ R → Rn uma linha parametrizada. Dado h ∈ R \ {0}, o vector é paralelo
h
à corda que liga os pontos r(t + h) e r(t).

Funções vectoriais de uma variável Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

10
À medida que h converge para zero a corda associada ao vector anterior torna-se paralela à recta que
corresponde à noção intuitiva que temos de recta tangente a uma curva, neste caso à curva r(I) no
ponto r(t). Assim, a recta tangente à curva terá a direcção do vector

r(t + h) − r(t)
lim = r0 (t), (1)
h→0 h
supondo que este é não nulo.
Esta interpretação geométrica está na base das próximas definições.

Definição 1.20 Seja r : I ⊆ R → Rn uma linha parametrizada. Se r é diferenciável em t0 ∈ I e


r0 (t0 ) 6= 0, a r0 (t0 ) chamamos vector tangente à linha r em t0 . Também dizemos que r0 (t0 ) é um
vector tangente à curva r(I) no ponto r(t0 ).
A recta tangente à curva traço da linha parametrizada r, diferenciável em t0 , com r0 (t0 ) 6= 0,
no ponto P = r(t0 ), é a recta que passa pelo ponto P e tem a direcção do vector r0 (t0 ).

Exemplos. 1) Determinar uma equação da recta tangente à curva descrita por r(t) = (t, t2 , t3 ), t ∈ R,
no ponto (2, 4, 8) implica, neste caso, determinar em primeiro lugar qual é o instante no qual a linha
assume o valor (2, 4, 8) (a linha em causa é simples, pelo que há um único instante nestas condições) e o
cálculo da derivada de r nesse instante. É fácil ver que temos r(2) = (2, 4, 8). Como r0 (2) = (1, 4, 12),
uma equação da recta referida é

(x, y, z) = (2, 4, 8) + λ(1, 4, 12), λ ∈ R.

2) Considere-se a curva C descrita


√ pela parametrização
√ r(t) = (t2 , t3 − 3t), com t ∈ R. Esta curva não
é simples, observe-se que r( 3) = (3, 0) = r(− 3). Neste exemplo há duas rectas tangentes a C no
ponto (3, 0), que diferenciamos referindo
√ qual
√ é o instante
√ em que√a linha passa naquele ponto. Como
r0 (t) = (2t, 3t2 − 3), temos √
r0 (− 3) = (−2 3, 6) e r0 ( 3) = (2 3, 6), donde uma equação da recta
tangente a C no ponto r(− 3) = (3, 0) é

(x, y) = (3, 0) + λ(−2 3, 6), λ ∈ R

e uma equação da recta tangente a C no ponto r( 3) = (3, 0) é

(x, y) = (3, 0) + λ(2 3, 6), λ ∈ R.

Observamos que há casos de curvas que não são simples e em que há apenas uma recta tangente em
pontos por onde a linha passa mais do que uma vez. Fica como exercı́cio encontrar um exemplo.

Considerando agora a interpretação cinemática das linhas parametrizadas, tomando r(t) o vector
posição do ponto P e h > 0 no limite (1), observe-se que o vector r(t + h) − r(t) tem o mesmo sentido
do movimento; tomando h < 0, o vector r(t + h) − r(t) tem sentido contrário ao do movimento, mas
dividido por h, passa a ter o sentido do movimento.
Então, em qualquer dos casos, r0 (t) aponta na direcção e sentido em que t aumenta, vejam-se as
figuras que se seguem.
Funções vectoriais de uma variável Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

11
Se γ é uma linha parametrizada, definida num intervalo I, tal que existe γ 0 (t) e γ 00 (t) num certo
t ∈ I, é usual usar a seguinte terminologia que vem da Mecânica: a γ 0 (t) chama-se vector velocidade
ou simplesmente velocidade em t, a kγ 0 (t)k chama-se velocidade escalar em t, a γ 00 (t) chama-se
vector aceleração ou simplesmente aceleração em t. Usam-se as notações
v(t) := γ 0 (t), a(t) := v 0 (t) = γ 00 (t).
O próximo exercı́cio exemplifica uma situação relativa à terminologia referida.
Exercı́cio 1.21 Um ponto move-se no plano de  tal modo que a sua velocidade (vectorial) é dada em
log(t − 1)

função do tempo por v(t) = 3e3(t−2) , , com t ∈ [2, +∞[. Sabendo que a sua posição no
t−1
instante t = 2 é (0, 2), determine a trajectória r(t) da partı́cula.
Definição 1.22 Dizemos que uma linha parametrizada γ : I → Rn , diferenciável em I, é regular se
kγ 0 (t)k =
6 0 para todo t ∈ I.
Seja γ : I → R3 uma linha parametrizada regular. Podemos considerar o vector
γ 0 (t)
T (t) = Tγ (t) =
kγ 0 (t)k
que é um vector unitário tangente à curva no ponto γ(t) e que se designa por vector unitário
tangente.

Comprimento de arco
Consideremos agora uma linha parametrizada r definida num intervalo I e seja C = r([a, b]) a porção
da curva r(I), com [a, b] ⊂ I. Vejamos como calcular o comprimento da linha γ := r|[a,b] .

Para esse efeito consideramos uma partição do intervalo [a, b], isto é, consideramos pontos ti tais
que
a = t0 < t1 < t2 < . . . < tn−1 < tn = b.
Para cada ponto ti da partição calculamos γ(ti ) e determinamos Pi , o ponto correspondente na curva.

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12
Seguidamente consideramos os segmentos de recta que unem os pontos Pi−1 a Pi , i = 1, . . . , n. Adi-
cionando os comprimentos de todos estes segmentos obtemos o comprimento de uma linha poligonal
dado por
n
X
kγ(ti ) − γ(ti−1 )k.
i=1
Define-se o comprimento da linha γ, e representa-se por L(γ), como sendo o supremo dos
comprimentos de todas as linhas poligonais assim obtidas. É intuitivo perceber que quanto mais
pontos tiver a linha poligonal melhor o seu comprimento aproxima o comprimento da linha, pelo que
a definição anterior é natural, embora não nos dê uma forma expedita de calcular comprimentos de
Z b
linhas. Prova-se que a soma anterior se relaciona com o valor kγ 0 (t)k dt, como veremos adiante.
a
Dada uma curva C, o comprimento de C, representado por L(C), é definido como o comprimento
de qualquer parametrização simples de C. Esta noção está bem definida, ou seja, não depende da
parametrização simples escolhida, atendendo ao resultado da próxima proposição, que nos diz que o
integral da norma da derivada de uma linha é invariante por reparametrização, e ao Teorema 1.24.

Proposição 1.23 Seja γ1 uma linha de classe C 1 em [a, b] e γ2 : [c, d] → Rn uma reparametrização
de γ1 . Então
Z b Z d
kγ10 (t)k dt = kγ20 (t)k dt.
a c

Demonstração. Como γ2 é uma reparametrização de γ1 , existe uma mudança de parâmetro


α : [c, d] → [a, b] tal que γ2 = γ1 ◦ α. Assim, considerando a mudança de variável t = α(u), no
primeiro integral, e supondo que α0 > 0, obtemos
Z b Z α(d) Z d
kγ10 (t)k dt = kγ10 (t)k dt = kγ10 (α(u))kα0 (u) du.
a α(c) c

γ20 (u)
Como γ20 (u) = γ10 (α(u))α0 (u), então γ10 (α(u)) = . Dos cálculos anteriores resulta que
α0 (u)
Z d 0
kγ20 (u)k 0
Z b Z d Z d
γ2 (u) 0
kγ10 (t)k dt = α (u) du =
α0 (u) α (u) du = kγ20 (t)k dt.
a c c α0 (u) c

O caso em que α0 < 0 é análogo.

Quando a linha é de classe C 1 o resultado anterior permite-nos ter uma forma “simples” (tão
simples quão simples for primitivar kγ 0 (t)k) de calcular o comprimento da linha respectiva, como está
enunciado no próximo teorema.

Teorema 1.24 Seja γ uma linha de classe C 1 em [a, b]. O comprimento da linha γ é dado por
Z b
L(γ) = kγ 0 (t)k dt.
a

Nos casos particulares n = 2 com γ(t) = (x(t), y(t)) e n = 3 com γ(t) = (x(t), y(t), z(t)), o
comprimento da linha é dado, respectivamente, por
Z bq Z bq
[x0 (t)]2 + [y 0 (t)]2 dt e [x0 (t)]2 + [y 0 (t)]2 + [z 0 (t)]2 dt.
a a

Em R2 , a fórmula para o cálculo do comprimento do gráfico C de uma função f : [a, b] → R de


classe C 1 é Z q b
L(C) = 1 + [f 0 (x)]2 dx.
a

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13
2

Exemplo. Vamos calcular o comprimento do gráfico C da função f (x) = x3 , com x ∈ [0, 3]. Como
√ 3
f 0 (x) = x, vem
Z 3√ 3
Z 3q Z 3q
√ 2 14

L(C) = 1+ [f 0 (x)]2 dx = 1+( x)2 dx = 1 + x dx = (1 + x)3/2 = .
0 0 0 3 0 3

Podemos ainda determinar ocomprimentode linhas parametrizadas definidas em intervalos ilimi-


√ 1
tados. Por exemplo, seja r(t) = t, 2 log t, , com t ∈ [1, +∞[ e C = r([1, +∞[). Temos que
t
Z +∞ Z +∞ r +∞
2 1 1

0
L(r) = kr (t)k dt = 1 + 2 + 4 dt = t − = +∞.
1 1 t t t 1

Genericamente, se a linha parametrizada r, secc. C 1 , está definida num intervalo I =]a, b[, com
−∞ ≤ a < b ≤ +∞, então tem-se
Z b
L(r) = kr0 (t)k dt.
a
Existirão linhas parametrizadas definidas em intervalos ilimitados com comprimento finito? (cf.
Exercı́cio 29 da Ficha 1.)

Definição 1.25 Seja γ uma linha parametrizada e de classe C 1 num intervalo I. Dado a ∈ I, define-
se a função comprimento de arco da forma seguinte
Z t
s(t) = kγ 0 (u)k du, a ≤ t, t ∈ I.
a

Esta função dá-nos o comprimento de γ entre os pontos γ(a) e γ(t).

Sejam γ : [a, b] → Rn uma linha parametrizada, de classe C 1 , regular, e C = γ([a, b]). De acordo
com o teorema fundamental do cálculo tem-se
s0 (t) = kγ 0 (t)k, ∀t ∈ [a, b].
Como γ é regular, então s é invertı́vel (s0 > 0). À parametrização
r : [0, L(γ)] → Rn , r(t) = γ ◦ s−1 (t)
chamamos parametrização de γ pelo comprimento de arco.

Proposição 1.26 Nas condições anteriores tem-se kr0 (t)k = 1, para todo o t ∈ [0, L(γ)].

Proposição 1.27 Se γ : [0, b] → Rn é uma linha parametrizada, de classe C 1 , com kγ 0 (t)k = 1, para
todo o t ∈ [0, b], então γ é a parametrização pelo comprimento de arco e b = L(γ).

Proposição 1.28 Seja γ uma linha parametrizada de classe C 1 num intervalo I. Se kγ(t)k é cons-
tante em I, então
γ(t) · γ 0 (t) = 0, ∀t ∈ I.

Proposição 1.29 Seja γ : I → Rn uma linha, de classe C 2 , parametrizada pelo comprimento de arco.
Então γ 0 (t) · γ 00 (t) = 0, para todo t ∈ I. Assim, γ 00 (t) é ortogonal a γ 0 (t).

Os resultados anteriores ilustram as propriedades geométricas que a parametrização pelo compri-


mento de arco tem.
Pode-se também definir a parametrização r pelo comprimento de arco para linhas parametrizadas
definidas em intervalos ilimitados. Caso L(γ) = +∞, r está definida no intervalo [0, +∞[.
Analogamente define-se a função comprimento de arco para uma linha seccionalmente C 1 , sendo
os resultados anteriores válidos também para estas curvas, com as adaptações óbvias. Também a
Proposição 1.23 e o Teorema 1.24 são válidos para linhas secc. C 1 .

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14
2 Cálculo Diferencial em Rn
2.1 Domı́nios, limites e continuidade de funções vectoriais de n variáveis
Sejam m, n ∈ N. Neste capı́tulo trabalharemos com funções

f : D ⊆ Rn → Rm

que a cada x = (x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ Rn fazem corresponder o elemento de Rm dado por

(f1 (x1 , x2 , . . . , xn ), f2 (x1 , x2 , . . . , xn ), . . . , fm (x1 , x2 , . . . , xn )),

que se designa por imagem de x por meio de f .


Quando m = 1 estas funções designam-se por funções ou campos escalares (ou reais), se m ≥ 2
dizem-se funções ou campos vectoriais. Analogamente ao caso n = 1, estudado no Capı́tulo 1, às
funções reais

fi : D ⊆ Rn → R
(x1 , x2 , . . . , xn ) 7→ fi (x1 , x2 , . . . , xn ),

para i = 1, . . . , m, chamamos funções componentes de f .


O nosso objectivo é estender as noções do cálculo diferencial em R a este tipo de funções que,
quando n > 1, dependem de mais de uma variável e, se m > 1, têm mais de uma função componente.
O domı́nio natural da função f é a intersecção dos domı́nios naturais de cada uma das suas
funções componentes e é, pois, o maior conjunto onde a expressão que define f está definida. O
contradomı́nio de f é o conjunto de todas as imagens f (x) para x ∈ D e representa-se por f (D), ou
seja, n o
f (D) = f (x1 , x2 , . . . , xn ) : (x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ D .
Dado um subconjunto A ⊆ D, chama-se imagem de A por meio de f ao conjunto
n o
f (A) = f (x1 , x2 , . . . , xn ) : (x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ A .

Exemplos. 1) O domı́nio natural da função dada por


 √ 
f (x, y, z) = arcsin(x + y + z), log(x2 + y 2 + 1), ez 2xz

é o conjunto n o
D = (x, y, z) ∈ R3 : −1 ≤ x + y + z ≤ 1 ∧ xz ≥ 0 .
2) Considerando a função f : R2 → R2 definida por f (x, y) = (ey cos x, ey sin x), é fácil verificar
que a imagem, por meio de f , da recta de equação y = 1 é a circunferência de centro (0, 0) e raio e.

Definição 2.1 Se f é uma função real de duas variáveis com domı́nio D, o gráfico de f é o conjunto
n o
S = (x, y, z) ∈ R3 : z = f (x, y), (x, y) ∈ D .

Cálculo Diferencial em Rn Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

15
Exemplos. Se f (x, y) = 6 − 3x − 2y, (x, y) ∈ R2 , o gráfico de f é o plano que passa nos pontos
(0, 0, 6), (0, 3, 0) e (2, 0, 0). Para a função definida em R2 por g(x, y) = x2 + y 2 o gráfico é o parabolóide
n o
S = (x, y, z) ∈ R3 : z = x2 + y 2 .
q
Finalmente, para a função h : D ⊂ R2 → R dada por h(x, y) = 9 − (x2 + y 2 ), onde
D = (x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 ≤ 9 , o gráfico é o hemisfério

n o
S = (x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 = 9, z ≥ 0 .
Na figura abaixo encontram-se representados, da esquerda para a direita, os gráficos das funções f , g
e h, respectivamente.

Para a maior parte das funções reais de duas variáveis é muito complicado esboçar o respectivo
gráfico, nesses casos um processo que pode ajudar a visualizar a superfı́cie z = f (x, y) é considerar as
suas chamadas curvas de nı́vel.
Definição 2.2 Dados uma função f : D ⊆ Rn → R e um número real k, chamamos conjunto de
nı́vel k ao conjunto, eventualmente vazio,
Ck = {x ∈ D : f (x) = k} .
No caso n = 2, aos conjuntos de nı́vel é usual dar-se o nome de curvas de nı́vel. Com efeito,
se k ∈ f (D) e (a, b) ∈ D é tal que f (a, b) = k, se f não é constante numa vizinhança de (a, b), e
admitindo mais umas condições de regularidade, prova-se que o conjunto de nı́vel k é o gráfico de uma
função real de variável real, ou é uma união de gráficos de funções reais de variável real, pelo que é
uma curva (imagem de uma linha parametrizada), ou uma união de curvas.

Neste caso, a curva de nı́vel de equação f (x, y) = k obtém-se fazendo a projecção no plano Oxy
do corte do gráfico de f pelo plano horizontal z = k. Assim, se desenharmos algumas curvas de nı́vel
duma função e imaginarmos que as levantamos até à altura indicada, ficamos com uma ideia do gráfico
da função. Supondo que a diferença entre os valores de k de dois cortes consecutivos é constante, a
superfı́cie será inclinada onde as curvas de nı́vel estão mais próximas e será mais plana onde estas
estão mais afastadas.
Cálculo Diferencial em Rn Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

16
Exemplos. Para f (x, y) = 4 − x − y, (x, y) ∈ R2 , as curvas de nı́vel c ∈ R são rectas de equação
4 − x − y = c, já para a função definida em R2 por g(x, y) = xy, as curvas de nı́vel c 6= 0 são hipérboles,
sendo a curva de nı́vel c = 0 uma união de duas rectas.

2 −y 2
A figura que se segue mostra parte do gráfico da função f (x, y) = −xye−x , bem como algumas
curvas de nı́vel.

Para além das curvas de nı́vel, veremos na próxima secção que outras curvas relevantes para o
estudo da função f são as que se obtêm intersectando o gráfico de f com planos da forma x = k ou
y = k, com k ∈ R.
Estudaremos agora algumas noções topológicas em Rn que nos serão úteis para o que se segue,
permitindo-nos enunciar muitos resultados e definições, em particular, o conceito de limite de funções
cujo domı́nio é um subconjunto de Rn .
Dados n ∈ N e dois pontos P = (x1 , x2 , . . . , xn ) e Q = (y1 , y2 , . . . , yn ), recordemos que a distância
euclidiana, em Rn , entre P e Q é dada por
q
d(P, Q) = k(y1 − x1 , y2 − x2 , . . . , yn − xn )k = (y1 − x1 )2 + (y2 − x2 )2 + . . . + (yn − xn )2 .
Definição 2.3 Dado um ponto a ∈ Rn e um número real δ > 0, chama-se bola aberta de centro em
a e raio δ ao conjunto
n o n o
Bδ (a) = x ∈ Rn : kx − ak < δ = x ∈ Rn : d(x, a) < δ ;
chama-se bola fechada de centro em a e raio δ ao conjunto
n o n o
B δ (a) = x ∈ Rn : kx − ak ≤ δ = x ∈ Rn : d(x, a) ≤ δ .
Uma vizinhança do ponto a ∈ Rn é qualquer conjunto que contenha uma bola aberta de centro em a.
Um conjunto Ω ⊆ Rn diz-se limitado se existir uma bola que o contenha.
Assim, se n = 1 a bola aberta de centro em a e raio δ é o intervalo aberto ]a − δ, a + δ[, se n = 2
a bola aberta de centro em a e raio δ é o cı́rculo (ou disco) aberto de centro em a = (a1 , a2 ) e raio δ
dado por n o
Bδ (a) = (x, y) ∈ R2 : (x − a1 )2 + (y − a2 )2 < δ 2 ,
se n = 3 obtemos a esfera aberta de centro em a = (a1 , a2 , a3 ) e raio δ dada por
n o
Bδ (a) = (x, y, z) ∈ R3 : (x − a1 )2 + (y − a2 )2 + (z − a3 )2 < δ 2 .

Cálculo Diferencial em Rn Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

17
disco e esfera de centro x0 e raio δ

Definição 2.4 Dado um conjunto Ω ⊆ Rn , um ponto x0 ∈ Rn diz-se interior a Ω se existe um


número real δ > 0 tal que Bδ (x0 ) ⊂ Ω, ou seja, se existe uma vizinhança de x0 contida em Ω. Um
ponto x0 ∈ Rn diz-se um ponto fronteiro a Ω se qualquer vizinhança de x0 contém pontos de Ω e do
seu complementar. Um ponto x0 ∈ Rn diz-se exterior a Ω se existe um número real δ > 0 tal que
Bδ (x0 ) ∩ Ω = ∅, ou seja, se existe uma vizinhança de x0 contida no complementar de Ω.
Ao conjunto dos pontos interiores (respectivamente, exteriores) a Ω chamamos interior (respecti-
vamente, exterior) de Ω e escrevemos int Ω (respectivamente, ext Ω). A fronteira de Ω, denotada
por fr Ω ou ∂Ω, é o conjunto dos pontos fronteiros a Ω. Chamamos fecho ou aderência de Ω ao
conjunto Ω = int Ω ∪ ∂Ω, os elementos deste conjunto dizem-se pontos aderentes a Ω.

x0 é ponto interior a Ω x0 é ponto fronteiro a Ω

É claro que int Ω ∪ ext Ω ∪ fr Ω = Rn e estes conjuntos são disjuntos dois a dois.
Um conjunto diz-se aberto se todos os seus pontos forem pontos interiores, um conjunto diz-se
fechado se contiver todos os seus pontos fronteiros. Por exemplo, as bolas abertas são conjuntos
abertos e as bolas fechadas são conjuntos fechados. Note-se que muitos conjuntos não são abertos nem
fechados. Um subconjunto de Rn é compacto se for limitado e fechado.

Na figura acima, onde os segmentos de recta representados num tom mais escuro indicam pontos
da fronteira dos conjuntos que pertencem a esses conjuntos, o conjunto mais à esquerda definido por
n o
Ω1 = (x, y) ∈ R2 : 1 < x < 2, 1 < y < 2

é aberto, o do meio dado por


n o
Ω2 = (x, y) ∈ R2 : 3 ≤ x ≤ 4, 1 ≤ y ≤ 2

é fechado (e compacto) e o conjunto mais à direita


n o
Ω3 = (x, y) ∈ R2 : 5 ≤ x ≤ 6, 1 < y < 2

não é aberto nem fechado.


Cálculo Diferencial em Rn Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

18
Definição 2.5 Seja Ω ⊆ Rn . Um ponto x0 ∈ Rn , diz-se um ponto de acumulação de Ω se, e só se,
qualquer vizinhança de x0 contiver infinitos pontos de Ω. O conjunto dos pontos de acumulação de Ω
representa-se por Ω0 e diz-se o derivado de Ω. Os pontos de Ω que não são pontos de acumulação
dizem-se pontos isolados; assim, se x0 ∈ Ω é um ponto isolado de Ω, então existe δ > 0 tal que
Bδ (x0 ) ∩ Ω = {x0 }.

Definição 2.6 Uma sucessão em Rm é uma função cujo domı́nio é Np , com p ∈ N0 , u : Np → Rm ,


e que denotamos por (un )n∈Np ou simplesmente por (un ). Denotamos por un = u(n) a imagem do
valor n, a que chamamos o termo de ordem n ou enésimo termo (respectivamente, termo de
ı́ndice n) da sucessão, se o domı́nio é N (respectivamente, Np com p 6= 1). Note-se que cada termo da
sucessão é um vector de Rm : un = (u1n , u2n , . . . , um i
n ). Às sucessões (un )n∈Np , i = 1, . . . , m, chamamos
sucessões componentes de (un ).
5
 
Por exemplo, un = , (−1)n , 3 cos(nπ) é uma sucessão em R3 cujos quatro primeiros termos
n
são (5, −1, −3), (5/2, 1, 3), (5/3, −1, −3) e (5/4, 1, 3).
Uma sucessão em Rm diz-se limitada se o conjunto dos √ seus termos S = {un : n ∈ N} for limitado.
Assim, a sucessão acima é limitada uma vez que kun k ≤ 25 + 1 + 9, donde S ⊆ B √35 (0).

Definição 2.7 Uma sucessão (un ) em Rm diz-se convergente para u ∈ Rm , e escrevemos lim un = u
ou un → u, se, e só se, a sucessão de números reais kun − uk convergir para zero, ou seja, se, e só se,

∀δ > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ kun − uk < δ.

Teorema 2.8 Seja (un ) = (u1n , u2n , . . . , um m



n ) uma sucessão em R .

1. Se lim un = a e lim un = b, então a = b.

2. Se (un ) é uma sucessão convergente, então (un ) é limitada.

3. A sucessão (un ) converge para u = (u1 , u2 , . . . , um ) se, e só se, uin → ui , i = 1, . . . , m, isto é,
se, e só se, cada uma das suas sucessões componentes (uin )n∈N convergir para a correspondente
componente do vector u.
5
 
Exemplos. A sucessão em R3 ,
un = , (−1)n , 3 cos(nπ) , é um exemplo duma sucessão limitada
n
que não n 2
 é convergente
 pois nem ((−1) ), nem (3 cos(nπ)) são convergentes em R. A sucessão, em R ,
2n + 1 cos n
vn = , é convergente para (2, 0).
n n

Definição 2.9 (Cauchy) Seja f : D ⊆ Rn → Rm e seja a ∈ D0 . Dizemos que o limite de f (x),


quando x tende para a, é b, e escrevemos

lim f (x) = b ∈ Rm
x→a

se, e só se,


∀δ > 0 ∃ ε > 0 : x ∈ D ∧ 0 < kx − ak < ε ⇒ kf (x) − bk < δ.

A definição anterior é análoga à já conhecida para as funções reais de variável real mas com normas
a substituir módulos. Assim, dizer que lim f (x) = b é equivalente a afirmar que lim kf (x) − bk = 0.
x→a x→a
Isto significa que a distância entre f (x) e b pode ser arbitrariamente pequena desde que se tome a
distância entre x e a suficientemente pequena (mas não nula). Note-se que, na definição anterior, o
ponto a pode não pertencer ao domı́nio D de f mas tem que ser um ponto de acumulação de D para
que se possa fazer x tender para a por pontos em D \ {a}. Fazendo a mudança de variável x = a + h,
é claro que lim f (x) = b ⇔ lim f (a + h) = b.
x→a h→0
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19
A noção de limite de uma função vectorial de variável vectorial num ponto também pode ser dada
em termos de sucessões, tendo-se a seguinte definição equivalente.

Definição 2.10 (Heine) Sejam f : D ⊆ Rn → Rm , a ∈ D0 e b ∈ Rm . Então lim f (x) = b se, e só


x→a
se, para toda a sucessão (xk )k∈N de pontos de D \ {a} tal que lim xk = a, se tiver lim f (xk ) = b.

O teorema que se segue diz-nos que, tal como para as funções vectoriais de variável real estuda-
das do Capı́tulo 1, os limites das funções vectoriais de variável vectorial se calculam componente a
componente, reduzindo-se ao cálculo de m limites de funções reais.

Teorema 2.11 Sejam f : D ⊆ Rn → Rm , a ∈ D0 e b = (b1 , . . . , bm ) ∈ Rm . Então

lim f (x) = b ⇔ lim fi (x) = bi , ∀i = 1, . . . , m.


x→a x→a

Recordemos que, para funções de variável real, se lim f (x) 6= lim f (x), então não existe
x→a− x→a+
lim f (x). Para funções de mais de uma variável a análise da existência, ou não, de limite é mais
x→a
complicada uma vez que há uma infinidade de maneiras através das quais x se pode aproximar de a
e o limite, a existir, tem que ser independente do modo como x → a. Portanto, se f (x) → L1 quando
x → a ao longo de uma curva C1 e f (x) → L2 quando x → a ao longo de uma curva C2 , com L1 6= L2 ,
então lim f (x) não existe. Tornamos esta ideia mais precisa com as seguintes definições.
x→a

Definição 2.12 Seja f : D ⊆ Rn → Rm e seja A ⊆ D. A restrição de f ao conjunto A é a função


f|A : A → Rm definida por f|A (x) = f (x), ∀x ∈ A.

Definição 2.13 Sejam f : D ⊆ Rn → Rm , A ⊆ D e a ∈ A0 . Dizemos que o limite de f no ponto


a, relativo ao conjunto A, é b, e escrevemos

lim f (x) = b ∈ Rm ,
x→a
x∈A

se, e só se, lim f|A (x) = b. Se A é a intersecção de D com uma recta passando por a, ao limite
x→a
relativo a A chamamos limite direccional de f em a.

Note-se que quando A = D as definições de limite e de limite relativo coincidem. Além disso, se f
tiver limite em a, todos os limites relativos de f em a existem e são iguais. Isto mostra que no caso
em que existem dois limites relativos distintos de f em a, então não existe lim f (x).
x→a
7x2 − y 3
Exemplos. 1) A função (x, y) 7→ 2 não tem limite quando (x, y) → (0, 0) uma vez que os
x + y2
limites relativos às rectas x = 0 (com y 6= 0) e y = 0 (com x 6= 0) são, respectivamente, 0 e 7.
5x3 y
2) Estudemos a existência do limite lim .
(x,y)→(0,0) x6 + y 2
Neste caso, é fácil verificar que os limites relativos às rectas x = 0 e y = 0, privadas da origem,
são ambos zero. Com efeito,
5x3 y 0
lim 6 2
= lim 2 = 0,
(x,y)→(0,0) x + y y→0 y
x=0, y6=0

e analogamente para a recta y = 0 (com x 6= 0). No entanto, o limite considerado não existe uma vez
2 3

que se considerarmos o conjunto A = (x, y) ∈ R : y = x ∧ (x, y) 6= (0, 0) temos

5x3 y 5x3 y 5x3 x3 5x6 5


lim 6 2
= lim 6 2
= lim 6 3 2
= lim 6
= .
(x,y)→(0,0) x + y (x,y)→(0,0) x + y x→0 x + (x ) x→0 2x 2
(x,y)∈A y=x3 , x6=0

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20
x2 y
3) Mostremos, recorrendo à definição segundo Cauchy, que lim = 0. Para esse efeito
(x,y)→(0,0) x2 + y 2
x2
iremos fazer uso das desigualdades |y| ≤ k(x, y)k, ∀(x, y) ∈ R2 e 2 ≤ 1, ∀(x, y) ∈ R2 \ {(0, 0)}.
x + y2
x2 y
Dado δ > 0 queremos determinar ε > 0 tal que, se 0 < k(x, y)k < ε, então 2 < δ. Ora pelas

x + y2
desigualdades anteriores temos

x2 y x2
= |y| ≤ |y| ≤ k(x, y)k,

2
x + y2 x2 + y 2

pelo que basta tomar ε = δ.

Teorema 2.14 (Enquadramento) Sejam f, g, h : D ⊆ Rn → R funções escalares definidas num


subconjunto D de Rn e seja a ∈ D0 . Suponhamos que f (x) ≤ g(x) ≤ h(x), ∀x ∈ D e que lim f (x) =
x→a
lim h(x) = b ∈ R, então lim g(x) = b.
x→a x→a

Dizemos que uma função f : D ⊆ Rn → Rm é limitada se o conjunto f (D) for limitado, ou seja,
se existe M > 0 tal que kf (x)k ≤ M , ∀x ∈ D. O corolário que se segue é muito útil no cálculo de
limites.

Corolário 2.15 Sejam f, g : D ⊆ Rn → R funções escalares e seja a ∈ D0 . Se lim f (x) = 0 e g é


x→a
limitada, então lim f (x)g(x) = 0.
x→a

x+1
 
Exemplos. 1) Aplicando o corolário anterior podemos concluir que lim xy sin = 0
(x,y)→(0,0) y2
x+1
 
uma vez que a função (x, y) 7→ sin é limitada e lim xy = 0.
y2 (x,y)→(0,0)
2) Retomemos o exemplo 3). O Corolário 2.15 fornece um modo alternativo de provar que se tem
x2 y x2
lim = 0. Com efeito, dado que 0 ≤ ≤ 1, ∀(x, y) ∈ R2 \ {(0, 0)}, e que lim y = 0,
(x,y)→(0,0) x2 + y 2 x2 + y 2 y→0
obtemos
x2 y x2
lim = lim · y = 0.
(x,y)→(0,0) x2 + y 2 (x,y)→(0,0) x2 + y 2 |{z}
| {z } →0
limitada

São válidas as seguintes propriedades algébricas dos limites, que generalizam as já conhecidas para
funções reais de variável real.

Teorema 2.16 Sejam D um subconjunto de Rn , f, g : D ⊆ Rn → Rm funções vectoriais, λ : D → R


uma função real e a ∈ D0 . Suponhamos que lim f (x) = b, lim g(x) = c, onde b, c ∈ Rm , e que
x→a x→a
lim λ(x) = α ∈ R. Então tem-se:
x→a

i) lim (f (x) + g(x)) = b + c;


x→a

ii) lim f (x) · g(x) = b · c, onde · representa um produto interno;


x→a

iii) lim λ(x)f (x) = αb;


x→a

iv) lim kf (x)k = kbk.


x→a

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21
Definição 2.17 Seja f : D ⊆ Rn → Rm e seja a ∈ D. A função f diz-se contı́nua em a se, e só se,
∀δ > 0 ∃ ε > 0 : x ∈ D ∧ kx − ak < ε ⇒ kf (x) − f (a)k < δ.
Se a for um ponto de acumulação de D, então f é contı́nua em a se, e só se,
lim f (x) = f (a) (∈ Rm ).
x→a

f diz-se contı́nua num conjunto S ⊆ D se for contı́nua em todos os pontos de S, f diz-se contı́nua
se é contı́nua em todos os pontos de D.

Atendendo à Definição 2.10, conclui-se que f : D ⊆ Rn → Rm é contı́nua em a ∈ D se, e só se,


para toda a sucessão (xk )k∈N em D tal que xk → a se tiver f (xk ) → f (a). Note-se ainda que qualquer
função é contı́nua num ponto isolado do seu domı́nio.
Resulta imediatamente do Teorema 2.11 o seguinte.

Teorema 2.18 Seja f : D ⊆ Rn → Rm e seja a ∈ D. Então f é contı́nua em a se, e só se, fi é


contı́nua em a, ∀i = 1, . . . , m.

O próximo resultado dá-nos algumas propriedades das funções contı́nuas, análogos aos já conheci-
dos para funções de variável real.

Teorema 2.19 Sejam f, g : D ⊆ Rn → Rm , ϕ : E ⊆ Rp → Rn tal que ϕ(E) ⊆ D e λ : D ⊆ Rn → R.


Então:
f
i) se f , g e λ são contı́nuas em a ∈ D, o mesmo sucede a kf k, f + g, λf , f · g, e ainda a se
λ
λ(a) 6= 0;
ii) se ϕ é contı́nua em a ∈ E e f é contı́nua em b = ϕ(a), então f ◦ ϕ é contı́nua em a.

Demonstração. Faremos apenas a prova de ii). Seja (xk )k∈N uma sucessão em E tal que xk → a.
Como ϕ é contı́nua em a vem ϕ(xk ) → ϕ(a) donde, por continuidade de f em ϕ(a), resulta que
f (ϕ(xk )) → f (ϕ(a)), ou seja, (f ◦ ϕ)(xk ) → (f ◦ ϕ)(a). Atendendo à arbitrariedade da sucessão
(xk )k∈N concluı́mos que (f ◦ ϕ) é contı́nua em a. 
Do teorema anterior resulta, por indução, que somas, produtos e compostas de um número fi-
nito de funções contı́nuas são funções contı́nuas. Assim, temos como exemplos de funções contı́nuas
(nos respectivos domı́nios naturais) funções cujas componentes sejam funções polinomiais, racionais
e funções que resultem de somas, produtos e compostas de um número finito de funções polinomiais,
racionais, trigonométricas, exponenciais, logarı́tmicas, etc.
Exemplos. 1) Determinemos o conjunto dos pontos de continuidade da função

x2 y

(x, y) 6= (0, 0)

 ,
f (x, y) = x2 + y 2

0, (x, y) = (0, 0).
f é contı́nua em R2 \ {(0, 0)} por se tratar de uma função racional. Por outro lado, num dos exemplos
x2 y
da página anterior, mostrámos que lim = 0 = f (0, 0), pelo que f também é contı́nua
(x,y)→(0,0) x2 + y 2
em (0, 0) e, portanto, é contı́nua em R2 .
2) Seja u ∈ Rn e f : Rn → R a função dada por f (x) = u · x, onde · representa um produto interno.
Então f é contı́nua em qualquer ponto a ∈ Rn .
Com efeito, observamos que f resulta do produto interno entre a função constante g(x) = u,
x ∈ Rn , e a função identidade em Rn , i(x) = x, pelo que a sua continuidade é assegurada pelo
Teorema 2.19 i).
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22
/ D. Se existir lim f (x) ∈ Rm podemos definir
Definição 2.20 Sejam f : D ⊂ Rn → Rm , a ∈ D0 e a ∈
x→a
uma nova função f˜ : D ∪ {a} → Rm dada por
(
f (x), se x ∈ D
f˜(x) = lim f (x), se x = a.
x→a

A função f˜ assim construı́da é contı́nua em a. Diz-se, por isso, o prolongamento por continuidade
de f ao ponto a.

sin(x2 + y 2 )
A função f (x, y) = , (x, y) 6= (0, 0), pode ser prolongada por continuidade ao ponto
x2 + y 2
(0, 0) uma vez que lim f (x, y) = 1.
(x,y)→(0,0)

Definição 2.21 Um conjunto S ⊆ Rn diz-se conexo por arcos se quaisquer dois pontos de S podem
ser ligados por uma curva contida em S, isto é, dados x, y ∈ S existe uma linha parametrizada
γ : [a, b] → Rn tal que γ(a) = x, γ(b) = y e γ(t) ∈ S, ∀t ∈ [a, b].

Na figura que se segue, o conjunto U é conexo por arcos mas o conjunto S = A ∪ B não é.

Se f é uma função escalar contı́nua cujo domı́nio é conexo por arcos, é válida uma generalização
do teorema de Bolzano que conhecemos para funções reais de variável real. Com efeito, dado que os
subconjuntos conexos por arcos de R são os intervalos, o resultado enunciado no teorema que se segue,
no caso n = 1, diz que se f for contı́nua em [a, b], então f toma todos os valores entre f (a) e f (b).

Teorema 2.22 (Bolzano) Se f : X ⊆ Rn → R é contı́nua e X é um conjunto conexo por arcos,


então f (X) é um intervalo.

Demonstração. Queremos provar que f (X) é um intervalo, ou seja, que se y1 , y2 ∈ f (X) e k é um


número real entre y1 e y2 , então k ∈ f (X), o que equivale a dizer que existe x ∈ X tal que f (x) = k.
Sejam x1 , x2 ∈ X tais que y1 = f (x1 ) e y2 = f (x2 ). Como X é conexo por arcos, existe uma curva
contida em X ligando x1 e x2 , isto é, existe uma linha parametrizada γ : [a, b] → X tal que γ(a) = x1 ,
γ(b) = x2 e γ(t) ∈ X, ∀t ∈ [a, b].
Por continuidade de f e de γ, a função f ◦ γ : [a, b] → R é contı́nua e tem-se

(f ◦ γ)(a) = f (x1 ) = y1 , (f ◦ γ)(b) = f (x2 ) = y2 .

Assim, como k é um número real entre y1 e y2 , pelo teorema de Bolzano para funções reais de variável
real, existe t ∈ [a, b] tal que (f ◦ γ)(t) = f (γ(t)) = k, logo existe x ∈ X tal que f (x) = k. Portanto
|{z}
x
f (X) é um intervalo. 
Exemplo. Seja f : D ⊆ R2 → R dada por f (x, y) = log(4 − x2 − y 2 ) + y 3 + 6x onde
n o
D = (x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 < 4 .

O conjunto D é a bola√ aberta √ raio 2, logo D


de centro (0, 0) e √ √ é conexo por arcos, e f é contı́nua em
D. Uma vez que f ( 3, 0) = 6 3 > 0 e que f (− 3, 0) = −6 3 < 0, o teorema de Bolzano garante a
existência de (x, y) ∈ D tal que f (x, y) = 0.
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23
2.2 Derivadas parciais e derivadas direccionais
Nesta secção vamos começar por considerar funções com valores reais.
Definição 2.23 Sejam f : D ⊆ R2 → R e (x0 , y0 ) ∈ D ∩ D0 . A derivada parcial de f em ordem
a x no ponto (x0 , y0 ) é dada por
∂f f (x0 + h, y0 ) − f (x0 , y0 )
(x0 , y0 ) = fx (x0 , y0 ) = lim ,
∂x h→0 h
se este limite existir em R. A derivada parcial de f em ordem a y no ponto (x0 , y0 ) é dada por
∂f f (x0 , y0 + h) − f (x0 , y0 )
(x0 , y0 ) = fy (x0 , y0 ) = lim ,
∂y h→0 h
se este limite existir em R.
∂f
Note-se que (x0 , y0 ) = g 0 (x0 ) onde g é a função real de variável real que se obtém, a partir de
∂x
f , fixando y = y0 e deixando variar apenas x: g(x) = f (x, y0 ). Esta derivada parcial dá-nos, pois,
a taxa de variação da função f em ordem à variável x, mantendo y fixo. O gráfico da função g é a
curva que resulta da intersecção do gráfico de f com o plano y = y0 . Sendo P (x0 , y0 , 0), e1 = (1, 0, 0)
e e3 = (0, 0, 1), e fixando no plano y = y0 o referencial ortonormado (P, e1 , e3 ), a derivada parcial de
f em ordem a x no ponto (x0 , y0 ) representa o declive, relativo a este referencial, da recta tangente à
referida curva no ponto (x0 , y0 , f (x0 , y0 )).

Conclusões análogas são válidas para a derivada parcial de f em ordem a y. Neste caso, fixamos o
∂f
valor de x e deixamos variar apenas y tendo-se (x0 , y0 ) = k 0 (y0 ) onde k é dada por k(y) = f (x0 , y).
∂y

Exemplo. Sendo f (x, y) = x2 + 2xy calculemos as derivadas parciais de f em ordem a x e em ordem


a y no ponto (x, y) = (1, 2). Fixando primeiro y = 2, seja g(x) = f (x, 2) = x2 + 4x. Então tem-se
g 0 (x) = 2x + 4 pelo que
∂f
(1, 2) = g 0 (1) = 6.
∂x
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24
Fixando agora x = 1, seja k(y) = f (1, y) = 1 + 2y. Então tem-se k 0 (y) = 2 pelo que
∂f
(1, 2) = k 0 (2) = 2.
∂y

A noção de derivada parcial generaliza-se de forma natural ao caso de funções de mais de duas
variáveis.

Definição 2.24 Dada uma função f : D ⊆ Rn → R, definida numa vizinhança dum ponto a ∈ D, a
derivada parcial de f em ordem a xi , no ponto a, é dada por
∂f f (a1 , . . . , ai−1 , ai + h, ai+1 , . . . , an ) − f (a) f (a + hei ) − f (a)
(a) = fxi (a) = lim = lim ,
∂xi h→0 h h→0 h
se este limite existir em R (onde (e1 , . . . , en ) é a base canónica de Rn ).

Se f : D ⊆ Rn → R tiver derivada parcial em ordem a xi em todos os pontos de um aberto Di ⊆ D


chamamos função derivada parcial de f em ordem a xi à função definida em Di através da relação
x 7→ fxi (x), com i ∈ {1, . . . , n}. Analogamente ao caso n = 2, fxi é a derivada da função real de
variável real t 7→ f (x1 , . . . , xi−1 , t, xi+1 , . . . , xn ).
Note-se ainda que, uma vez que as derivadas parciais de f se obtêm derivando a função em ordem
a uma das variáveis, mantendo as outras fixas, as regras de derivação já conhecidas para funções reais
de variável real permanecem válidas.
Exemplo. Consideremos a função f : R4 → R dada por

f (x1 , x2 , x3 , x4 ) = x4 arctan(x1 + x2 ) + 2 log(x23 + x44 + 7).

Fixando as variáveis x2 , x3 , x4 obtemos, derivando f em ordem a x1 ,


∂f x4
(x1 , x2 , x3 , x4 ) = , ∀(x1 , x2 , x3 , x4 ) ∈ R4 .
∂x1 1 + (x1 + x2 )2
De modo análogo obtemos, ∀(x1 , x2 , x3 , x4 ) ∈ R4 ,
∂f x4
(x1 , x2 , x3 , x4 ) =
∂x2 1 + (x1 + x2 )2
∂f 4x3
(x1 , x2 , x3 , x4 ) = 2
∂x3 x3 + x44 + 7
∂f 8x34
(x1 , x2 , x3 , x4 ) = arctan(x1 + x2 ) + 2 .
∂x4 x3 + x44 + 7

Se as funções derivadas parciais de f puderem por sua vez ser derivadas em ordem a alguma das
variáveis obtemos novas funções chamadas derivadas parciais de segunda ordem de f .
Assim, uma função de duas variáveis tem, caso existam, quatro derivadas parciais de segunda
ordem que se denotam por
∂2f ∂2f ∂2f ∂2f
fxx = , f xy = , f yx = e fyy = .
∂x2 ∂y∂x ∂x∂y ∂y 2
∂2f
Observemos que a notação fxy = significa que derivamos f primeiro em ordem a x e depois
∂y∂x
∂2f
em ordem a y, para fyx = a ordem de derivação é a oposta.
∂x∂y
Analogamente se definem derivadas parciais de ordem superior à segunda. Por exemplo, a derivada
parcial de terceira ordem fyyx obtém-se derivando f duas vezes em ordem a y e depois uma vez em
ordem a x.
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Exemplo. Sendo f (x, y, z) = y 2 ex + z sin x, tem-se fx (x, y, z) = y 2 ex + z cos x, fy (x, y, z) = 2yex ,
fz (x, y, z) = sin x, fxy (x, y, z) = 2yex , fxx (x, y, z) = y 2 ex − z sin x e fxxz (x, y, z) = − sin x.

Definição 2.25 Seja D um conjunto aberto. Uma função f : D ⊆ Rn → R diz-se de classe C k


em D, k ∈ N, e escreve-se f ∈ C k (D), se todas as suas funções derivadas parciais até à ordem k
(inclusive) forem funções contı́nuas em D. Uma função de classe C 0 em D é uma função contı́nua
em D. f diz-se de classe C ∞ em D, e escreve-se f ∈ C ∞ (D), se f ∈ C k (D), para todo k ∈ N0 .
Uma vez que somas, produtos e compostas de funções contı́nuas são funções contı́nuas, resulta que
somas, produtos e compostas de funções de classe C k são ainda funções de classe C k (nos respectivos
domı́nios naturais). É imediato a partir da definição que C k+1 (D) ⊂ C k (D) se k > 0. A inclusão
anterior permanece válida no caso k = 0 e será justificada na próxima secção.
Exemplos. 1) Consideremos a função de classe C ∞ em R2 definida por f (x, y) = 6xey+1 −x2 cos(3xy 2 ).
Usando as regras de derivação de produtos e compostas de funções reais de variável real, as derivadas
parciais de primeira e de segunda ordem de f são as funções definidas em R2 por
fx (x, y) = 6ey+1 − 2x cos(3xy 2 ) + x2 sin(3xy 2 ) · 3y 2 = 6ey+1 − 2x cos(3xy 2 ) + 3x2 y 2 sin(3xy 2 ),
fy (x, y) = 6xey+1 + x2 sin(3xy 2 ) · 6xy = 6xey+1 + 6x3 y sin(3xy 2 ),
fxx (x, y) = −2 cos(3xy 2 ) + 2x sin(3xy 2 ) · 3y 2 + 6xy 2 sin(3xy 2 ) + 3x2 y 2 cos(3xy 2 ) · 3y 2
= 9x2 y 4 − 2 cos(3xy 2 ) + 12xy 2 sin(3xy 2 ),


fxy (x, y) = 6ey+1 + 2x sin(3xy 2 ) · 6xy + 6x2 y sin(3xy 2 ) + 3x2 y 2 cos(3xy 2 ) · 6xy
= 6ey+1 + 18x2 y sin(3xy 2 ) + 18x3 y 3 cos(3xy 2 ),
fyx (x, y) = 6ey+1 + 18x2 y sin(3xy 2 ) + 6x3 y cos(3xy 2 ) · 3y 2
= 6ey+1 + 18x2 y sin(3xy 2 ) + 18x3 y 3 cos(3xy 2 ),
fyy (x, y) = 6xey+1 + 6x3 sin(3xy 2 ) + 6x3 y cos(3xy 2 ) · 6xy
= 6xey+1 + 6x3 sin(3xy 2 ) + 36x4 y 2 cos(3xy 2 ).
Verificamos que se tem a igualdade fxy (x, y) = fyx (x, y) em todo o ponto de R2 .
2) Seja f : R3 → R dada por f (x, y, z) = 4xyz − x2 + 3y − 5z 3 . Sendo uma função polinomial, f é
de classe C ∞ em R3 . Determinemos as funções derivadas parciais de primeira e de segunda ordem de
f . Tem-se, para todo o (x, y, z) ∈ R3 ,
fx (x, y, z) = 4yz − 2x, fy (x, y, z) = 4xz + 3, fz (x, y, z) = 4xy − 15z 2
fxx (x, y, z) = −2, fxy (x, y, z) = 4z, fxz (x, y, z) = 4y,
fyx (x, y, z) = 4z, fyy (x, y, z) = 0, fyz (x, y, z) = 4x,
fzx (x, y, z) = 4y, fzy (x, y, z) = 4x, fzz (x, y, z) = −30z,
pelo que, fxy (x, y, z) = fyx (x, y, z), fxz (x, y, z) = fzx (x, y, z) e fyz (x, y, z) = fzy (x, y, z) em todo o
ponto de R3 .
A igualdade entre as derivadas parciais de segunda ordem observada nos dois exemplos anteriores
é consequência do seguinte resultado.
Teorema 2.26 (Schwarz) Se f é uma função de classe C 2 numa vizinhança do ponto (x0 , y0 ), então
∂2f ∂2f
(x0 , y0 ) = (x0 , y0 ).
∂y∂x ∂x∂y
O resultado anterior pode-se generalizar a funções de mais de duas variáveis e, em caso de continui-
dade destas, pode ser aplicado para concluir a igualdade de derivadas parciais de ordem superior à se-
gunda. Se f ∈ C 4 (R3 ) pode-se mostrar, por exemplo, que fxxyz (x, y, z) = fxyzx (x, y, z) = fyxzx (x, y, z).
Note-se que em qualquer destes casos derivamos f duas vezes em ordem a x, uma vez em ordem a y
e uma vez em ordem a z, a ordem de derivação é que é indiferente.
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Exemplo. Retomando a função do exemplo 2), a generalização do teorema de Schwarz garante
que se tem fxyz (x, y, z) = fxzy (x, y, z) = fyxz (x, y, z) = fyzx (x, y, z) = fzxy (x, y, z) = fzyx (x, y, z),
∀(x, y, z) ∈ R3 . De facto, todas as funções derivadas parciais anteriores são a função constante igual
a 4, definida em R3 .
Como vimos acima, as derivadas parciais de uma função real f dão-nos a taxa de variação de f
nas direcções dos eixos coordenados. A derivada direccional de uma função real f num ponto, que
definiremos de seguida, fornece-nos, por definição, a taxa de variação de f numa direcção arbitrária.

Definição 2.27 Dada uma função f : D ⊆ Rn → R, e a ∈ int D, a derivada de f , no ponto a,


segundo o vector u ∈ Rn é dada por
f (a + hu) − f (a)
fu0 (a) = lim ,
h→0 h
se este limite existir em R.
Se o vector u for unitário, isto é, se kuk = 1, a derivada de f , no ponto a, segundo o vector u
diz-se derivada direccional ou derivada dirigida de f , no ponto a, na direcção e sentido de u.

∂f
Se u = ej , onde ej é o j-ésimo vector da base canónica de Rn , tem-se fe0 j (a) = (a), com
∂xj
j = 1, . . . , n, ou seja, as derivadas parciais de f são derivadas direccionais nas direcções dos eixos
coordenados. Veremos mais adiante que, para muitas funções, todas as derivadas direccionais podem
ser obtidas à custa das derivadas parciais.
A figura que se segue permite-nos interpretar geometricamente o conceito de derivada direccional
no caso n = 2. Com efeito, intersectando o gráfico de f com o plano P, perpendicular ao plano
xy que contém a recta definida pelo ponto P (x, y, 0) e pelo vector unitário u = (u1 , u2 , 0), obtemos
uma curva C que é o gráfico da função real de variável real g(h) = f ((x, y) + h(u1 , u2 )). Fixando
no plano P o referencial ortonormado (P, u, e3 ), onde e3 = (0, 0, 1), a derivada fu0 (x, y) é o declive,
relativamente a este referencial, da recta tangente à curva C (também chamado declive da curva)
no ponto (x, y, f (x, y)), portanto fu0 (x, y) = g 0 (0).

Exemplos. 1) Calcular a derivada direccional da função definida  em R2 por f (x, y) = x2 + 10y, no


ponto (5, 1), na direcção e sentido do vector unitário u = 35 , 45 .

Seja g(h) = f (5, 1) + hu , h ∈ R. Então

3 4 3 2 4
     
g(h) = f 5 + h, 1 + h = 5 + h + 10 1 + h
5 5 5 5
9 2 9 2
= 25 + 6h + h + 10 + 8h = 35 + 14h + h .
25 25
18
Assim, g 0 (h) = 14 + h, logo fu0 (5, 1) = g 0 (0) = 14.
25
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27
Em alternativa, o cálculo da derivada direccional pedida pode ser efectuado recorrendo à definição.
 
f 5 + 35 h, 1 + 54 h − f (5, 1)
fu0 (5, 1) = lim
h→0 h
 2  
3
5+ 5h + 10 1 + 45 h − 35
= lim
h→0 h
9 2 9 2
25 + 6h + 25 h + 10 + 8h − 35 14h + 25 h
= lim = lim = 14.
h→0 h h→0 h
2) Se f : D ⊆ Rn → R admite derivada segundo o vector v num ponto a ∈ int D, então, no ponto
a, f admite derivada segundo o vector λv, para qualquer λ ∈ R, e tem-se
0
fλv (a) = λfv0 (a).
Assim, a derivada direccional de f , no ponto a, na direcção e sentido de um vector não nulo v é dada
1 0 v
por fu0 (a) = fv (a) onde u = (cf. Ficha 2). Em geral, sendo v e w vectores de Rn ,
kvk kvk
0
fv+w (a) 6= fv0 (a) + fw0 (a),
0
mas há casos em que se tem fv+w (a) = fv0 (a) + fw0 (a) (veja-se o Teorema 2.35 e o comentário que se
lhe segue.)
As noções de derivada parcial e de derivada segundo um vector estendem-se de modo natural às
funções vectoriais f : D ⊆ Rn → Rm , com n, m ∈ N2 . Em vez de números reais, estas derivadas são
agora vectores de Rm cujas componentes são exactamente as correspondentes derivadas das m funções
componentes de f . Tem-se assim a seguinte definição.
Definição 2.28 Dada uma função f : D ⊆ Rn → Rm e a ∈ int D, a derivada de f , no ponto a,
segundo o vector u ∈ Rn é dada por
f (a + hu) − f (a)
fu0 (a) = lim
h→0 h
se este limite existir em Rm . Neste caso, fu0 (a) é um vector de Rm .
Se o vector u for unitário, isto é se kuk = 1, a derivada de f , no ponto a, segundo o vector u
diz-se derivada direccional ou derivada dirigida de f , no ponto a, na direcção e sentido de u.
∂f
Nas condições da definição anterior, se u = ej tem-se fe0 j (a) = (a), com j = 1, . . . , n, sendo
∂xj
estas derivadas parciais vectores de Rm .
Exemplo. Seja f (x, y, z) = (ex + y 2 − 3z, xy 3 z 2 ), (x, y, z) ∈ R3 . Então
fx (x, y, z) = (ex , y 3 z 2 ), fy (x, y, z) = (2y, 3xy 2 z 2 ), fz (x, y, z) = (−3, 2xy 3 z)
donde
fx (0, 1, 2) = (1, 4), fy (0, 1, 2) = (2, 0), fz (0, 1, 2) = (−3, 0).
Calculemos ainda a derivada de f , no ponto (0, 1, 2), segundo o vector u = (1, 4, −1). Para esse efeito,
consideremos as funções reais de variável real
 
g1 (h) = f1 (0, 1, 2) + h(1, 4, −1) , g2 (h) = f2 (0, 1, 2) + h(1, 4, −1) , h ∈ R,
onde f1 e f2 são as funções componentes de f . Atendendo a que
g1 (h) = f1 (h, 1 + 4h, 2 − h) = eh + (1 + 4h)2 − 3(2 − h),
g10 (h) = eh + 8(1 + 4h) + 3, g10 (0) = 1 + 8 + 3 = 12,
g2 (h) = f2 (h, 1 + 4h, 2 − h) = h(1 + 4h)3 (2 − h)2 ,
g20 (h) = (1 + 4h)3 (2 − h)2 + 12h(1 + 4h)2 (2 − h)2 − 2h(1 + 4h)3 (2 − h), g20 (0) = 4
resulta que fu0 (0, 1, 2) = (12, 4).
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Podemos ainda generalizar para funções vectoriais a noção de função de classe C k .
Definição 2.29 Seja f : D ⊆ Rn → Rm , f = (f1 , f2 , . . . , fm ). A função f diz-se de classe C k em
D, k ∈ N0 , (respectivamente, de classe C ∞ em D) se fi ∈ C k (D), ∀i = 1, . . . , m, (respectivamente,
fi ∈ C ∞ (D), ∀i = 1, . . . , m).

2.3 Funções diferenciáveis, noção de gradiente e de matriz jacobiana


Vamos ver nesta secção o que se entende por diferenciabilidade de uma função
f : D ⊆ Rn → R.
Recordemos que uma função real de variável real f se diz diferenciável num ponto a do interior do
seu domı́nio quando tem derivada finita nesse ponto. Este facto implica a continuidade de f em a. De
forma a preservarmos esta propriedade para funções de duas ou mais variáveis não podemos definir
diferenciabilidade de f num ponto a ∈ int D ⊆ Rn como sendo equivalente à existência (em R) das
derivadas parciais de f em a. Com efeito, existem exemplos de funções que têm derivadas parciais
finitas num ponto (e que até admitem derivadas direccionais finitas em qualquer direcção) mas que
são descontı́nuas nesse ponto. Isto acontece uma vez que a existência de derivadas parciais reflecte
o comportamento da função apenas em segmentos de recta paralelos aos eixos coordenados enquanto
que a continuidade de f num certo ponto está relacionada com o comportamento da função numa
vizinhança desse ponto.
Exemplo. Seja 
 2xy

, (x, y) 6= (0, 0)
f (x, y) = x2 + y 2 (2)
0, (x, y) = (0, 0).

Então tem-se
f (h, 0) − f (0, 0) f (0, h) − f (0, 0)
fx (0, 0) = lim = 0 e fy (0, 0) = lim = 0,
h→0 h h→0 h
no entanto f é descontı́nua em (0, 0) uma vez que não existe lim f (x, y). Com efeito, os limites
(x,y)→(0,0)
de f relativos às rectas x = 0 e x = y são, respectivamente, 0 e 1.

Definição 2.30 Seja f : D ⊆ Rn → R e seja a um ponto interior de D. Se f tem derivadas parciais


de primeira ordem em a chamamos gradiente de f no ponto a ao vector
∂f ∂f ∂f
 
∇f (a) = (a), (a), . . . , (a) .
∂x1 ∂x2 ∂xn

Exemplos. 1) Sendo f (x, y) = exy , tem-se fx (x, y) = yexy e fy (x, y) = xexy , ∀(x, y) ∈ R2 , donde
∇f (0, −1) = (−1, 0) e ∇f (1, 2) = (2e2 , e2 ).
π
 
2) Sendo f (x, y, z) = y sin x + exz , para (x, y, z) ∈ R3 , determinemos ∇f (x, y, z) e ∇f , 1, 0 .
2
Temos
∇f (x, y, z) = (fx , fy , fz )(x, y, z) = (y cos x + zexz , sin x, xexz ), ∀(x, y, z) ∈ R3 ,
donde
π π
   
∇f , 1, 0 = 0, 1, .
2 2
Uma função real de variável real f é diferenciável num ponto a do interior do seu domı́nio se, e só
se, tem derivada finita f 0 (a) dada por
f (a + h) − f (a)
f 0 (a) = lim .
h→0 h
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Assim, tem-se
f (a + h) − f (a) − hf 0 (a)
lim = 0.
h→0 |h|
A relação anterior ainda se pode escrever na forma

f (a + h) = f (a) + f 0 (a)h + o(h), (h → 0)

o que significa que podemos aproximar a diferença f (a + h) − f (a) pela função, linear em h, f 0 (a)h
sendo o erro cometido nesta aproximação um infinitésimo de ordem superior a h, quando h → 0.
Notemos ainda que, pondo h = x − a, a relação anterior permite concluir que, numa vizinhança do
ponto a, a função f pode ser aproximada pela função g(x) = f (a) + f 0 (a)(x − a) cujo gráfico é a recta
f (x) − g(x)
tangente ao gráfico de f no ponto (a, f (a)), tendo-se lim = 0.
x→a x−a
Para uma função escalar de n variáveis tem-se a seguinte definição.

Definição 2.31 Sejam f : D ⊆ Rn → R e a ∈ int D. A função f diz-se diferenciável no ponto a


se existir um vector y ∈ Rn tal que
f (a + h) − f (a) − y · h
lim =0 (h ∈ Rn ). (3)
h→0 khk

É fácil ver que, quando existe um vector y nas condições anteriores, ele é único. Mostraremos de
seguida que se tem y = ∇f (a).

Teorema 2.32 Sejam f : D ⊆ Rn → R, a ∈ int D e suponhamos que f é diferenciável em a. Então


existem todas as derivadas parciais de primeira ordem de f no ponto a e o vector y de (3) é dado por
y = ∇f (a).

Demonstração. Como f é diferenciável em a sabemos que existe y ∈ Rn tal que


f (a + h) − f (a) − y · h
lim = 0.
h→0 khk
Pondo h = tei , onde t ∈ R é tal que t → 0 e ei é o i-ésimo vector da base canónica de Rn , i = 1, . . . , n,
tem-se khk = |t|, donde a diferenciabilidade de f em a implica que

f (a + tei ) − f (a) − y · (tei )


lim =0
t→0 |t|
o que é equivalente a
f (a + tei ) − f (a) y · (tei )
lim = lim . (4)
t→0 |t| t→0 |t|
Se t → 0− , da igualdade anterior resulta que
f (a + tei ) − f (a) y · (tei )
lim = lim ,
t→0− −t t→0− −t
donde
f (a + tei ) − f (a) y · (tei )
lim = lim .
t→0− t t→0− t
Se t → 0+ é imediato a partir de (4) que

f (a + tei ) − f (a) y · (tei )


lim = lim ,
t→0+ t t→0 + t

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pois, neste caso, |t| = t. Assim, a igualdade (4) conduz a
f (a + tei ) − f (a) t(y · ei )
lim = lim ,
t→0 t t→0 t
pelo que
∂f f (a + tei ) − f (a) t(y · ei )
(a) = lim = lim = y · ei = yi ,
∂xi t→0 t t→0 t
o que mostra que existem no ponto a todas as derivadas parciais de f e que y = ∇f (a). 
Atendendo ao teorema anterior concluı́mos que uma função f : D ⊆ R2 → R é diferenciável num
ponto (a, b) do interior de D se, para |h| e |k| suficientemente pequenos, se tiver
f (a + h, b + k) = f (a, b) + fx (a, b)h + fy (a, b)k + ε(h, k) = f (a, b) + ∇f (a, b) · (h, k) + ε(h, k),
onde ε(h, k) = o(k(h, k)k), (k(h, k)k → 0). Pondo h = x − a e k = y − b vê-se assim que, numa
vizinhança do ponto (a, b), f (x, y) pode ser aproximada pela função
g(x, y) = f (a, b) + fx (a, b)(x − a) + fy (a, b)(y − b)
cujo gráfico é um plano que passa no ponto P (a, b, f (a, b)) pertencente também ao gráfico de f . Este
plano aproxima o gráfico de f em pontos (x, y) próximos de (a, b) uma vez que
f (x, y) − g(x, y)
lim = 0,
(x,y)→(a,b) k(x − a, y − b)k

e dizemos que é o plano tangente ao gráfico de f no ponto (a, b, f (a, b)). Voltaremos a este assunto
mais adiante.

Verificamos deste modo que uma função diferenciável de uma variável real, f , pode ser aproximada
por uma função cujo gráfico é a recta tangente ao gráfico de f , na passagem para duas variáveis a
aproximação é dada por um plano.
O resultado que se segue dá-nos a esperada relação entre diferenciabilidade e continuidade.
Teorema 2.33 Seja f : D ⊆ Rn → R uma função real definida numa vizinhança do ponto a ∈ D. Se
f é diferenciável em a, então f é contı́nua em a.
Demonstração. Queremos provar que lim f (x) = f (a) o que é equivalente a lim f (a + h) = f (a).
x→a h→0
Como f é diferenciável em a, atendendo ao Teorema 2.32, sabemos que
f (a + h) − f (a) − ∇f (a) · h
lim =0
h→0 khk
donde, multiplicando por khk, se conclui que
f (a + h) − f (a) − y · h
lim · khk = 0
h→0 khk
e, portanto,  
lim f (a + h) − f (a) = lim (y · h) = 0
h→0 h→0
como se pretendia mostrar. 
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A diferenciabilidade de uma função num ponto é, por vezes, de verificação morosa. Nalguns casos
pode ser útil ter em conta a seguinte condição suficiente de diferenciabilidade.
Teorema 2.34 Se a função f : D ⊆ Rn → R tem derivadas parciais contı́nuas numa vizinhança do
ponto a, então f é diferenciável em a.
Mencionámos no inı́cio desta secção que o facto de existirem as derivadas parciais de f não é
suficiente para garantir a diferenciabilidade da função, nem sequer a sua continuidade. No entanto,
o teorema anterior mostra que se f tem derivadas parciais contı́nuas numa vizinhança do ponto a,
então f é diferenciável em a. Em particular, toda a função de classe C 1 é diferenciável. Como toda a
função diferenciável é contı́nua, fica assim provado que C 1 (D) ⊂ C 0 (D).

Exemplo. Voltemos a considerar a função definida em (2). Como vimos, fx (0, 0) = 0, fy (0, 0) = 0
e f não é contı́nua em (0, 0), pelo que f também não é diferenciável nesse ponto. Por outro lado, as
derivadas parciais de f existem em qualquer ponto (x, y) 6= (0, 0) tendo-se
2y 3 − 2x2 y 2x3 − 2xy 2
fx (x, y) = e fy (x, y) = .
(x2 + y 2 )2 (x2 + y 2 )2
Resulta então do teorema anterior que pelo menos uma destas derivadas parciais terá que ser des-
contı́nua em (0, 0). De facto, não é difı́cil mostrar que não existe o limite lim fx (x, y), pois
(x,y)→(0,0)
x=0
2
fx (0, y) = , o que prova que fx é descontı́nua em (0, 0).
y
Vejamos agora, para o caso de uma função diferenciável f , qual a relação entre a derivada direc-
cional num ponto e o vector gradiente.
Teorema 2.35 Seja f : D ⊆ Rn → R uma função diferenciável no ponto a ∈ int D. Então f tem
derivada segundo qualquer vector u ∈ Rn , no ponto a, e tem-se
fu0 (a) = ∇f (a) · u.
Vê-se assim que se f é diferenciável em a, então a aplicação T : Rn → R definida por u 7→ fu0 (a) é
linear. De facto, dados v, w ∈ Rn , tem-se
0
f(v+w) (a) = ∇f (a) · (v + w) = ∇f (a) · v + ∇f (a) · w = fv0 (a) + fw0 (a).
Por outro lado, pelo exemplo 2) da página 28, sabemos que
0
fλu (a) = λfu0 (a), ∀λ ∈ R
o que mostra a linearidade da aplicação T .
Demonstração do Teorema 2.35. Dado que f é diferenciável em a tem-se
f (a + h) − f (a) − ∇f (a) · h
lim = 0.
h→0 khk
Fazendo h = tu, onde t ∈ R é tal que t → 0 e u é um vector unitário, como khk = |t|, vem
f (a + tu) − f (a) ∇f (a) · (tu)
lim = lim .
t→0 |t| t→0 |t|
Tal como na prova do Teorema 2.32, analisando separadamente os casos t → 0+ e t → 0− , a igualdade
anterior permite concluir que
f (a + tu) − f (a) ∇f (a) · (tu)
lim = lim
t→0 t t→0 t
donde 
f (a + tu) − f (a) t ∇f (a) · u
fu0 (a) = lim = lim = ∇f (a) · u. 
t→0 t t→0 t
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Exemplo. Consideremos a função polinomial definida em R3 por
f (x, y, z) = 3x2 yz + xz 4 − 4y. (5)
f é diferenciável em R3 e tem-se ∇f (x, y, z) = (6xyz + z 4 , 3x2 z − 4, 3x2 y + 4xz 3 ), ∀(x, y, z) ∈ R3 .
Assim, a derivada de f , segundo o vector v = (6, 1, −2), no ponto (0, 1, −1), é
fv0 (0, 1, −1) = ∇f (0, 1, −1) · (6, 1, −2) = (1, −4, 0) · (6, 1, −2) = 2.
Teorema 2.36 Seja f uma função diferenciável em a ∈ int D. Então o valor máximo da derivada
direccional fu0 (a) é k∇f (a)k e ocorre quando u tem a direcção e sentido do vector ∇f (a).
Assim, k∇f (a)k corresponde ao valor máximo da taxa de variação de f no ponto a e esse máximo
ocorre na direcção e sentido do vector ∇f (a). Esta é, então, a direcção e sentido em que a função f
aumenta mais rapidamente no ponto a.
Demonstração do Teorema 2.36 Se ∇f (a) = 0, todas as derivadas direccionais de f no ponto a
são nulas.
Se ∇f (a) 6= 0, seja u ∈ Rn um vector unitário e seja θ o ângulo entre ∇f (a) e u.

Dado que f é diferenciável em a ∈ int D, pelo Teorema 2.35 obtemos


fu0 (a) = ∇f (a) · u = k∇f (a)k · kuk · cos θ = k∇f (a)k · cos θ.
Como o valor máximo de cos θ é 1, e este valor ocorre quando θ = 0, conclui-se que o valor máximo
de fu0 (a) é dado por k∇f (a)k, e ocorre quando u tem a direcção e sentido do vector ∇f (a). 
Exemplo. Para √ a função f definida em (5) o valor máximo da derivada direccional fu0 (0, 1, −1) é
k∇f (0, 1, −1)k = 17 e ocorre na direcção e sentido do vector ∇f (0, 1, −1) = (1, −4, 0).
Supondo agora que f : D ⊆ Rn → Rm é uma função vectorial, vimos na Definição 2.28 que fu0 (a)
é um vector de Rm que, atendendo ao Teorema 2.11, tem por componentes as derivadas das funções
fi , i = 1, . . . , m, no ponto a, segundo o vector u, isto é,
fu0 (a) = ((f1 )0u (a), (f2 )0u (a), . . . , (fm )0u (a))
onde
fi (a + hu) − fi (a)
(fi )0u (a) = lim , i = 1, . . . , m.
h→0 h
Admitindo que todas as funções fi : D ⊆ Rn → R são diferenciáveis no ponto a, pelo Teorema 2.35,
temos que
(fi )0u (a) = ∇fi (a) · u, i = 1, . . . , m
pelo que
fu0 (a) = (∇f1 (a) · u, ∇f2 (a) · u, . . . , ∇fm (a) · u).
Sendo u1 , u2 , . . . , un as componentes do vector u ∈ Rn , usando a notação matricial podemos escrever
 ∂f1 ∂f1 ∂f1 
∂x1 ∂x2 ... ∂xn

u1
 
∇f1 (a)
 
u1

       
       
 ∂f2 ∂f2 ∂f2    ∇f (a)
 ∂x1

∂x2 ... ∂xn



 u2   2



 u2 

0
     
fu (a) =  · = ·
   

 .
 . .. .. ..  
 ..  
..  
.. 
.
 
.
 
.

 . . . .       
      
       
 
∂fm ∂fm ∂fm un ∇fm (a) un
∂x1 ∂x2 ... ∂xn (a) m×n n×1

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identificando a matriz coluna m × 1, resultante do produto de matrizes anterior, com o vector de Rm
correspondente.
∂fi
Definição 2.37 Seja f : D ⊆ Rn → Rm e seja a ∈ D tal que as derivadas parciais , i = 1, . . . , m,
∂xj
j = 1, . . . , n, existem no ponto a. À matriz
 ∂f1 ∂f1 ∂f1 
∂x1 ∂x2 ... ∂xn

∇f1 (a)

   
   
 ∂f2 ∂f2 ∂f2   ∇f (a)
 ∂x1

∂x2 ... ∂xn

  2


 
Jf (a) =  =
   

 .
 . .. .. ..   .. 
.

 . . . .   
  
   
 
∂fm ∂fm ∂fm ∇fm (a)
∂x1 ∂x2 ... ∂xn (a)

dá-se o nome de matriz jacobiana de f no ponto a.


Quando m = n o determinante da matriz Jf (a) diz-se o jacobiano da função f no ponto a e
representa-se por
∂(f1 , f2 , . . . , fn )
det Jf (a) = (a).
∂(x1 , x2 , . . . , xn )

Exemplos. 1) Seja f : R3 → R3 a função de classe C ∞ (R3 ) dada por


f (x, y, z) = (sin(xyz), x2 − yez , x + yz).
Tem-se
   
yz cos(xyz) xz cos(xyz) xy cos(xyz) 0 0 −8
   
   
Jf (4, −2, 0) =  2x −ez −yez =  8 −1 2 .
   

   
   
1 z y (4,−2,0)
1 0 −2

Assim, det Jf (4, −2, 0) = −8 e, para u = (1, 0, −1), vem


     
0 0 −8 1 8
     
     
fu0 (4, −2, 0) =  8 −1 2 · 0 = 6 
     
     
     
1 0 −2 −1 3
que na forma vectorial é fu0 (4, −2, 0) = (8, 6, 3). Cada componente deste vector é a derivada da
correspondente função componente de f , segundo o vector u, no ponto (4, −2, 0).
2) Seja f : D ⊂ R2 → R2 dada por f (x, y) = (u(x, y), v(x, y)) onde
u(x, y) = x log(x + y) e v(x, y) = sin(xy).
Calcular o jacobiano de f no ponto (1, 0).
n o
Começamos por observar que f tem por domı́nio natural o conjunto D = (x, y) ∈ R2 : x + y > 0 .
Note-se ainda que o ponto (1, 0) pertence a D e que f ∈ C ∞ (D). Assim,
 ∂u ∂u
  x x
  
∂x ∂y log(x + y) + x+y x+y 1 1
Jf (1, 0) =  = =
     
  
∂v ∂v 0 1
∂x ∂y y cos(xy) x cos(xy) (1,0)
(1,0)

Cálculo Diferencial em Rn Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

34
pelo que o jacobiano pedido é
∂(u, v)
(1, 0) = det Jf (1, 0) = 1.
∂(x, y)

Vejamos finalmente como estender a noção de diferenciabilidade a funções vectoriais

f : D ⊆ Rn → Rm .

Definição 2.38 Sejam f : D ⊆ Rn → Rm e a ∈ int D. A função f diz-se diferenciável no ponto


a se existir uma aplicação linear T : Rn → Rm tal que

f (a + h) − f (a) − T (h)
lim = 0. (6)
h→0 khk

Portanto, a função f : D ⊆ Rn → Rm é diferenciável no ponto a se a diferença f (a + h) − f (a)


puder ser aproximada por uma função linear h 7→ T (h), sendo o erro cometido um infinitésimo que
tende para zero mais rapidamente do que h, quando h → 0. À aplicação linear T da definição anterior
chama-se derivada de f no ponto a e denota-se por f 0 (a) ou Df (a). Usamos a notação f 0 (a)(u) para
indicar a imagem do vector u ∈ Rn por meio da aplicação linear f 0 (a).
Note-se que a Definição 2.38 generaliza às funções vectoriais a noção de diferenciabilidade definida
anteriormente para o caso f : D ⊆ Rn → R uma vez que, como vimos, a aplicação

T : Rn → R
h 7→ ∇f (a) · h

é linear.
Denotemos por A a matriz da aplicação linear T relativamente às bases canónicas de Rn e Rm .
Sabe-se da Álgebra Linear que
T (h) = A · h, ∀h ∈ Rn ,
portanto, para cada i = 1, . . . , m, a componente i do vector T (h) é dada por Ai · h, onde Ai representa
a i-ésima linha da matriz A.
À semelhança dos Teoremas 2.11 e 2.18 tem-se o seguinte resultado.

Teorema 2.39 Sejam f : D ⊆ Rn → Rm e a ∈ int D. Então f é diferenciável em a se, e só se, fi é


diferenciável em a, ∀i = 1, . . . , m.

Demonstração. Suponhamos que f é diferenciável em a. Então existe T : Rn → Rm linear tal que

f (a + h) − f (a) − T (h)
lim = 0 ∈ Rm .
h→0 khk

Assim, designando por Ai a linha i da matriz A, para cada i = 1, . . . , m, tem-se

fi (a + h) − fi (a) − Ai · h
lim = 0.
h→0 khk

Atendendo à Definição 2.31 e ao Teorema 2.32 conclui-se que, para cada i = 1, . . . , m, a função fi é
diferenciável em a e que Ai = ∇fi (a).
A implicação contrária pode ser provada refazendo o raciocı́nio anterior por ordem inversa. 
Da demonstração do teorema anterior resulta que a matriz A é a matriz cuja linha i, i = 1, . . . , m,
corresponde ao gradiente da i-ésima função componente de f , ou seja, a matriz A é a matriz jacobiana
de f no ponto a:
Cálculo Diferencial em Rn Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

35
 ∂f1 ∂f1 ∂f1 

∇f1 (a)

∂x1 ∂x2 ... ∂xn
  



  
∂f2 ∂f2 ∂f2
∇f2 (a) 


  
 ∂x 1 ∂x2 ... ∂xn


  
A= = = Jf (a).



 ..   ..
 
.. .. .. 

 .   .
  . . . 

   

∇fm (a) ∂fm ∂fm ∂fm
∂x1 ∂x2 ... ∂xn (a)

É então imediato o próximo teorema, que generaliza ao caso das funções vectoriais resultados já
conhecidos para funções reais.

Teorema 2.40 Sejam f : D ⊆ Rn → Rm e a ∈ int D. Se f é diferenciável em a, então:


1. f é contı́nua em a;
2. existem todas as derivadas parciais de primeira ordem de f no ponto a;
3. a aplicação linear T da expressão (6) é única e a sua matriz relativamente às bases canónicas
de Rn e Rm é a matriz jacobiana Jf (a);
4. a função f tem derivada no ponto a segundo qualquer vector u ∈ Rn e tem-se
fu0 (a) = T (u) = f 0 (a)(u);

5. a aplicação de Rn para Rm definida por u 7→ fu0 (a) é linear.

Exemplo. Consideremos a função f : R2 → R3 definida por f (x, y) = (2x + 3y, y 2 − x3 , exy ). f é


diferenciável em R2 uma vez que as suas funções componentes são de classe C ∞ (R2 ). Assim, f 0 (0, 2)
é a aplicação linear f 0 (0, 2) : R2 → R3 cuja matriz relativamente às bases canónicas de R2 e de R3 é a
matriz jacobiana de f no ponto (0, 2). Como
   
2 3 2 3
   
   
Jf (0, 2) =  −3x2 2y = 0 4 
   

   
   
yexy xexy (0,2)
2 0

concluı́mos que f 0 (0, 2)(x, y) = (2x + 3y, 4y, 2x). Daqui resulta que a derivada de f , no ponto (0, 2),
segundo o vector (−3, 1) é f 0 (0, 2)(−3, 1) = (−3, 4, −6).

2.4 Derivação da função composta

Recordemos a regra de derivação da função composta para funções reais de variável real. Se y = f (x),
onde f é diferenciável em x0 = g(t0 ), e x = g(t), onde g é diferenciável em t0 , então a função composta
y = f (g(t)) é diferenciável em t0 e tem-se
y 0 (t0 ) = (f ◦ g)0 (t0 ) = f 0 (g(t0 ))g 0 (t0 ) = f 0 (x0 )g 0 (t0 ) (7)
ou, usando a notação de Leibniz,
dy dy dx
(t0 ) = (x0 ) (t0 ).
dt dx dt
Vamos agora generalizar este resultado ao caso em que as funções intervenientes são funções vec-
toriais de várias variáveis.
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36
Começamos com um caso simples: suponhamos que y = f (x), onde
f :D⊆R→R
é uma função diferenciável em x0 = g(t0 ), e x = g(t) = g(t1 , t2 , . . . , tp ), onde
g : A ⊆ Rp → R
é diferenciável em t0 e g(A) ⊆ D. Então a função composta
y = f (g(t1 , t2 , . . . , tp ))
é diferenciável em t0 . Atendendo a que, para calcularmos as derivadas parciais de y em ordem a ti ,
i = 1, . . . , p, deixamos variar apenas a variável ti , mantendo fixas as restantes, resulta imediatamente
de (7) que
∂ ∂g
(f ◦ g)(t0 ) = f 0 (x0 ) (t0 ),
∂ti ∂ti
ou
∂y dy ∂x
(t0 ) = (x0 ) (t0 ).
∂ti dx ∂ti
Note-se que nesta última notação y está a representar duas funções diferentes, no primeiro membro
da equação a função composta f ◦ g, e no segundo membro apenas f .
Exemplo. Seja z a função definida em R2 por z(x, y) = f (sin(xy)), onde f : R → R é uma função de
∂z ∂z
classe C 1 . Determinemos (π, 1) e (π, 1), sabendo que f 0 (0) = 2.
∂x ∂y
Pondo u(x, y) = sin(xy), com (x, y) ∈ R2 , obtemos
∂z ∂u
(x, y) = f 0 (u) (x, y) = f 0 (u) y cos(xy)
∂x ∂x
e
∂z ∂u
(x, y) = f 0 (u) (x, y) = f 0 (u) x cos(xy).
∂y ∂y
No ponto (x, y) = (π, 1) tem-se u(π, 1) = sin(π) = 0 donde
∂z
(π, 1) = f 0 (0) cos(π) = −2
∂x
e
∂z
(π, 1) = f 0 (0)π cos(π) = −2π.
∂y

Teorema 2.41 (Regra da Cadeia - Caso 1) Seja


f : D ⊆ Rn → R
x = (x1 , . . . , xn ) 7→ y = f (x)
uma função diferenciável em x0 ∈ int D e seja
g : A ⊆ R → Rn
t 7→ x = (g1 (t), . . . , gn (t))
uma função diferenciável em t0 ∈ int A, tal que g(A) ⊆ D e g(t0 ) = x0 . Então a função composta
f ◦ g : A ⊆ R → R é diferenciável em t0 e tem-se
n
∂f
(f ◦ g)0 (t0 ) = ∇f (x0 ) · g 0 (t0 ) = (x0 )gi0 (t0 )
X

i=1
∂xi
ou n
dy X ∂y dxi
(t0 ) = (x0 ) (t0 ),
dt i=1
∂xi dt
onde usamos, por abuso de notação, y para representar quer a função composta f ◦ g, quer apenas f .
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37
Neste teorema intervêm três tipos de variáveis: a t chamamos a variável independente, x1 , . . . , xn
dizem-se variáveis intermédias e y é a variável dependente. O teorema anterior é conhecido por regra
da cadeia uma vez que há uma cadeia de dependências entre as várias variáveis nele intervenientes.
Com efeito, a variável dependente y depende das variáveis intermédias x1 , . . . , xn , que por sua vez
dependem da variável independente t. O que este resultado nos diz é que para obtermos a derivada
dy
da função composta, , temos que somar as derivadas “sobre todos os caminhos presentes na cadeia,
dt
que vão de y a t”.

Exemplos. 1) Sejam f (x, y) = x2 y, com (x, y) ∈ R2 , e γ : I ⊆ R → R2 uma linha parametrizada de


classe C 1 tal que γ(I) representa a trajectória de uma partı́cula em movimento que no instante t = 5
ocupa a posição (1, 4) e tem vector velocidade (−1, 7). Sendo h(t) = f (γ(t)), calculemos h0 (5).
Uma vez que ∇f (x, y) = (2xy, x2 ), ∀(x, y) ∈ R2 , tem-se

h0 (5) = ∇f (γ(5)) · γ 0 (5) = ∇f (1, 4) · (−1, 7) = (8, 1) · (−1, 7) = −1.

2) Sejam w = f (x, y, z), onde f : R3 → R é de classe C 1 , e x = et , y = sin t, z = 2t − 1, com t ∈ R.


Determinemos w0 (0) sabendo que ∇f (1, 0, −1) = (3, −2, 3).
De acordo com o teorema anterior, tem-se para todo o t ∈ R,

w0 (t) = ∇f (x(t), y(t), z(t)) · (x0 (t), y 0 (t), z 0 (t)) = ∇f (x(t), y(t), z(t)) · (et , cos t, 2)

pelo que

w0 (0) = ∇f (x(0), y(0), z(0)) · (1, 1, 2) = ∇f (1, 0, −1) · (1, 1, 2) = (3, −2, 3) · (1, 1, 2) = 7.

O próximo teorema contempla a situação em que compomos uma função real de variável vectorial
com uma função vectorial de variável vectorial.

Teorema 2.42 (Regra da Cadeia - Caso 2) Seja

f : D ⊆ Rn → R
x = (x1 , . . . , xn ) 7→ y = f (x)

uma função diferenciável em x0 ∈ int D e seja

g : A ⊆ Rp → Rn
t = (t1 , . . . , tp ) 7→ x = (g1 (t), . . . , gn (t))

uma função diferenciável em t0 ∈ int A, tal que g(A) ⊆ D e g(t0 ) = x0 . Então a função composta
f ◦ g é diferenciável em t0 e tem-se
n
∂(f ◦ g) ∂g1 ∂gn ∂f ∂gj
  X
(t0 ) = ∇f (x0 ) · (t0 ), . . . , (t0 ) = (x0 ) (t0 ), i = 1, . . . , p
∂ti ∂ti ∂ti j=1
∂xj ∂ti

ou n
∂y X ∂y ∂xj
(t0 ) = (x0 ) (t0 ), i = 1, . . . , p
∂ti j=1
∂xj ∂ti

onde usamos, por abuso de notação, y para representar quer a função composta f ◦ g, quer apenas f .

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38
Tal como no caso anterior, temos aqui três tipos de variáveis ligadas por uma cadeia de de-
pendências: a variável dependente y depende das variáveis intermédias x1 , . . . , xn , que por sua vez
dependem das variáveis independentes t1 , . . . , tp . Note-se que existem tantas derivadas parciais da
função composta quanto o número de variáveis independentes, cada uma destas é dada por uma soma
de n parcelas, sendo n o número de variáveis intermédias, que representam os n “caminhos na cadeia
que vão de y a ti ”, i = 1, . . . , p.
Usando a notação matricial, as últimas igualdades do teorema anterior ainda se podem escrever
na forma
 
∂x1 ∂x1 ∂x1
∂t1 ∂t2 ... ∂tp
 
 
 
 ∂x2 ∂x2
... ∂x2 
h i h i  ∂t1 ∂t2 ∂tp 
∂y ∂y ∂y ∂y ∂y ∂y  
∂t1 ∂t2 ... ∂tp = ∂x1 ∂x2 ... ·
∂xn (x ,...,xn ) 
  .
(t1 ,...,tp ) 1  .. .. ..


 . . . 
 
 
 
∂xn ∂xn ∂xn
∂t1 ∂t2 ... ∂tp (t1 ,...,tp )

O cálculo de derivadas parciais de ordem superior à primeira para funções compostas faz-se apli-
cando tantas vezes quantas necessário o teorema anterior.
Exemplos. 1) Seja z = f (x, y), onde f : R2 → R é de classe C 1 , e suponhamos que x = s + t,
y = s − t, com s, t ∈ R. Verifiquemos que se tem
∂z 2
2
∂z ∂z ∂z
  
(x, y) − (x, y) = (s, t) (s, t).
∂x ∂y ∂s ∂t
A figura que se segue mostra a cadeia de dependências das variáveis neste caso.

Para simplificar a notação, nos cálculos que se seguem não se indicam os pontos onde são calculadas
as derivadas parciais, estando implı́cito que as derivadas de z em ordem a x e a y são calculadas no
ponto (x, y) e as da função composta z(x(s, t), y(s, t)) em ordem a s e a t são calculadas no ponto
(s, t), tal como as derivadas parciais de x e de y em ordem a s e a t. Assim temos,
∂z ∂z ∂x ∂z ∂y ∂z ∂z
= + = +
∂s ∂x ∂s ∂y ∂s ∂x ∂y
∂z ∂z ∂x ∂z ∂y ∂z ∂z
= + = −
∂t ∂x ∂t ∂y ∂t ∂x ∂y
donde 2 2
∂z ∂z ∂z ∂z ∂z ∂z ∂z ∂z
    
= + − = −
∂s ∂t ∂x ∂y ∂x ∂y ∂x ∂y
como pretendido.
2) Seja u a função definida em R3 por u(x, y, z) = y 2 sin x ez , onde
x = r2 st, y = s + t2 e z = r + s + t, com r, s, t ∈ R. (8)
∂u ∂u ∂u
Calculemos , e no ponto (r, s, t) = (2, 1, 0).
∂r ∂s ∂t
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39
Pela regra da cadeia, e atendendo às relações (8) e ao facto de se ter x(2, 1, 0) = 0, y(2, 1, 0) = 1 e
z(2, 1, 0) = 3, obtemos
 ∂x ∂x ∂x 
 ∂r ∂s ∂t 
 
 
∂u ∂u ∂u
   
∂u ∂u ∂u  ∂y

∂y ∂y 
= ·

∂x ∂y ∂z (0,1,3) 

∂r ∂s ∂t (2,1,0)  ∂r ∂s ∂t 

 

∂z ∂z ∂z 
∂r ∂s ∂t (2,1,0)
2rst r2 t r2 s
 
 
h i  
2 z z 2 z
= y cos x e 2y sin x e y sin x e · 0 1 2t 
 
(0,1,3)  
 
1 1 1 (2,1,0)
 
0 0 4
 
h i   h i
= e3 0 0 · 0 1 0 = 0 0 4e3
 
 
 
1 1 1
∂u ∂u ∂u
donde (2, 1, 0) = 0, (2, 1, 0) = 0 e (2, 1, 0) = 4e3 .
∂r ∂s ∂t
3) Seja z = f (x, y), onde f : R2 → R é uma função de classe C 2 , e suponhamos que x = r2 − s2 ,
∂2z
y = r2 + s2 , com r, s ∈ R. Calcular (r, s).
∂s∂r
∂z
Para o cálculo pretendido, começamos por aplicar a regra da cadeia para obter (r, s), onde,
∂r
por uma questão de simplificação da notação, se omitem os pontos onde são calculadas as derivadas
parciais indicadas:
∂z ∂z ∂x ∂z ∂y ∂z ∂z
 
= + = 2r + .
∂r ∂x ∂r ∂y ∂r ∂x ∂y
∂z ∂z
Temos agora que derivar em ordem a s o que implica derivar cada uma das funções compostas
∂r ∂x
∂z
e em ordem a s. Aplicamos então a regra da cadeia a cada uma destas funções: no primeiro caso
∂y
a cadeia de dependências das variáveis é

donde
∂ ∂z ∂ 2 z ∂x ∂ 2 z ∂y ∂2z ∂2z
 
(x(r, s), y(r, s)) = + = −2s + 2s .
∂s ∂x ∂x2 ∂s ∂y∂x ∂s ∂x2 ∂y∂x
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40
Analogamente,
∂ ∂z ∂ 2 z ∂x ∂ 2 z ∂y ∂2z ∂2z
 
(x(r, s), y(r, s)) = + 2 = −2s + 2s 2 ,
∂s ∂y ∂x∂y ∂s ∂y ∂s ∂x∂y ∂y
pelo que obtemos por fim
!
∂2z ∂ ∂z ∂ ∂z ∂2z ∂2z
   
= 2r + 2r = 4rs − ,
∂s∂r ∂s ∂x ∂s ∂y ∂y 2 ∂x2

∂2z ∂2z
atendendo ao facto de = por f ser de classe C 2 .
∂x∂y ∂y∂x
Finalmente para

f : D ⊆ Rn → Rm
x = (x1 , . . . , xn ) 7→ y = (f1 (x), . . . , fm (x))

g : A ⊆ Rp → Rn
t = (t1 , . . . , tp ) 7→ x = (g1 (t), . . . , gn (t))

podemos aplicar o Caso 2 a cada uma das componentes de f = (f1 , . . . , fm ) e obtém-se o seguinte
resultado:

Teorema 2.43 (Regra da Cadeia - Caso Geral) Seja

f : D ⊆ Rn → Rm
x = (x1 , . . . , xn ) 7→ y = (f1 (x), . . . , fm (x))

uma função diferenciável em x0 ∈ int D e seja

g : A ⊆ Rp → Rn
t = (t1 , . . . , tp ) 7→ x = (g1 (t), . . . , gn (t))

uma função diferenciável em t0 ∈ int A, tal que g(A) ⊆ D e g(t0 ) = x0 . Então a função composta
f ◦ g é diferenciável em t0 e tem-se

(f ◦ g)0 (t0 ) = f 0 (x0 ) ◦ g 0 (t0 )

donde
Jf ◦g (t0 ) = Jf (x0 ) · Jg (t0 ).
Assim, a entrada da linha k e coluna i da matriz jacobiana Jf ◦g (t0 ) é dada por
n
∂yk X ∂yk ∂xj
(t0 ) = (x0 ) (t0 ), i = 1, . . . , p, k = 1, . . . , m,
∂ti j=1
∂xj ∂ti

onde, por abuso de notação, se usa yk para representar a k-ésima função componente quer da função
composta f ◦ g, quer apenas de f .

Exemplo. Sejam f : R2 → R2 e g : R3 → R2 definidas por


 
f (u, v) = (euv , u + v) e g(x, y, z) = x2 − 4y 2 , xz + y .

Calcular Jf ◦g (2, 1, 0).


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41
De acordo com o Teorema 2.43, a matriz jacobiana da função composta f ◦ g no ponto (2, 1, 0) é
o produto das matrizes jacobianas de f no ponto g(2, 1, 0) e de g no ponto (2, 1, 0), isto é,

Jf ◦g (2, 1, 0) = Jf (g(2, 1, 0)) · Jg (2, 1, 0) = Jf (0, 1) · Jg (2, 1, 0).

Como    
v euv u euv 1 0
Jf (0, 1) =  =
   
 
1 1 (0,1)
1 1
e    
2x −8y 0 4 −8 0
Jg (2, 1, 0) =  = ,
   

z 1 x (2,1,0)
0 1 2
conclui-se que      
1 0 4 −8 0 4 −8 0
Jf ◦g (2, 1, 0) =  · = .
     
1 1 0 1 2 4 −7 2
Daqui resulta que a aplicação linear (f ◦ g)0 (2, 1, 0) : R3 → R2 é a aplicação dada por

(f ◦ g)0 (2, 1, 0)(x, y, z) = (4x − 8y, 4x − 7y + 2z), ∀(x, y, z) ∈ R3 .

2.5 Plano tangente e recta normal a uma superfı́cie

A regra da cadeia permite-nos demonstrar a seguinte propriedade geométrica do vector gradiente.

Teorema 2.44 Sejam f : D ⊆ R2 → R uma função de classe C 1 , (x0 , y0 ) ∈ int D e k = f (x0 , y0 ).


Suponhamos que a curva de nı́vel da função f que passa em (x0 , y0 ), Ck = {(x, y) ∈ D : f (x, y) = k},
é a imagem da linha parametrizada γ : I ⊆ R → R2 , γ(t) = (x(t), y(t)), onde γ é diferenciável e
γ(t0 ) = (x0 , y0 ) para algum t0 ∈ I. Então tem-se

∇f (x0 , y0 ) · γ 0 (t0 ) = 0.

Demonstração. Como Ck é a imagem da linha parametrizada γ, qualquer ponto de Ck é dado por


γ(t) = (x(t), y(t)), para algum t ∈ I. Definindo F (t) = f (γ(t)) = f (x(t), y(t)), com t ∈ I, resulta
então que F (t) = k, ∀t ∈ I, donde F 0 (t) = 0, ∀t ∈ I. Pela regra da cadeia (cf. Teorema 2.41) sabemos
que F 0 (t) = ∇f (γ(t)) · γ 0 (t) = 0, pelo que, no ponto t0 vem ∇f (γ(t0 )) · γ 0 (t0 ) = 0, ou seja,

∇f (x0 , y0 ) · γ 0 (t0 ) = 0. 

Observe-se que se γ 0 (t0 ) 6= (0, 0), este vector é tangente a Ck no ponto (x0 , y0 ) = γ(t0 ). Assim, nas
condições do teorema anterior, dizemos que o vector ∇f (x0 , y0 ) é ortogonal (ou normal) à curva de
nı́vel Ck que passa no ponto (x0 , y0 ). Portanto, se ∇f (x0 , y0 ) 6= (0, 0), uma equação da recta tangente
a esta curva no ponto γ(t0 ) = (x0 , y0 ) é dada por ∇f (x0 , y0 ) · (x − x0 , y − y0 ) = 0.

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42
3 1
 
Exemplo. Determinar um vector normal à elipse x2 + y 2 = 1 no ponto (x, y) = ,1 .
4 2
3
A elipse dada é o conjunto E dos pontos (x, y) ∈ R2 tais que x2 + y 2 = 1, pelo que pode ser vista
4
3
como a curva de nı́vel 1, C1 , da função definida em R por f (x, y) = x2 + y 2 ,
2
4
n o
E = C1 = (x, y) ∈ R2 : f (x, y) = 1 .

1 1 3
     
O ponto (x, y) = , 1 pertence a C1 pois f , 1 = 1. Como ∇f (x, y) = 2x, y , ∀(x, y) ∈ R2 ,
2 2 2
1 3 1
     
o vector ∇f , 1 = 1, é normal à elipse dada no ponto (x, y) = ,1 .
2 2 2
Observe-se que o conjunto E pode ser escrito como conjunto de nı́vel de várias funções distintas.
3
Por exemplo, considerando as funções definidas em R2 , respectivamente, por g(x, y) = x2 + y 2 − 1 e
4
2 3 2
h(x, y) = x + y +7, a elipse E corresponde ao conjunto de nı́vel 0 da função g e ao conjunto de nı́vel 8
4
3
da função h, mais geralmente, dado k ∈ R, é o conjunto de nı́vel k+1 da função fk (x, y) = x2 + y 2 +k,
4
com (x, y) ∈ R2 . Este facto não afecta a determinação do vector normal uma vez que as funções
consideradas diferem entre si apenas por uma constante.

Definição 2.45 Um conjunto S ⊂ R3 diz-se uma superfı́cie de classe C1 (respectivamente, de


classe Cp , com p ∈ N2 , de classe C∞ ) se para todo o ponto (x, y, z) ∈ S existe um aberto U ⊆ R3
tal que (x, y, z) ∈ U e U ∩ S é o gráfico de uma função de classe C 1 (respectivamente, de classe C p ,
de classe C ∞ ) de um dos três tipos z = f (x, y), y = g(x, z) ou x = h(y, z), definida num aberto de
R2 .

A definição anterior generaliza-se de forma natural a um subconjunto S de Rn que se designa,


nesse caso, por hipersuperfı́cie.
A proposição que se segue fornece um método simples de verificar se um dado subconjunto de R3
é uma superfı́cie. A sua prova baseia-se no Teorema da Função Implı́cita que estudaremos na próxima
secção.

Proposição 2.46 Sejam D ⊆ R3 um conjunto aberto, f : D → R uma função de classe C p , com


p ∈ N, (respectivamente, de classe C ∞ ), k um número real e

S = {(x, y, z) ∈ D : f (x, y, z) = k} .

Se ∇f (x, y, z) 6= (0, 0, 0), ∀(x, y, z) ∈ S, então S é uma superfı́cie de classe C p (respectivamente, de


classe C ∞ ).

Exemplos. 1) Dado a ∈ R+ , considere-se o conjunto


n o
S = (x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 = a2 .

Recorrendo à Proposição 2.46 podemos comprovar que S é uma superfı́cie de classe C ∞ . Com efeito,
sendo f a função de classe C ∞ definida em R3 por f (x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 , S é o conjunto de nı́vel
a2 de f e tem-se ∇f (x, y, z) = (2x, 2y, 2z) 6= (0, 0, 0), ∀(x, y, z) ∈ S.
Este conjunto S é a superfı́cie esférica de centro (0, 0, 0) e raio a > 0.
2) Consideremos agora o cone definido por
n o
S = (x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 = z 2 .

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43
Podemos afirmar que S é o conjunto de nı́vel 0 da função definida em R3 por f (x, y, z) = x2 + y 2 − z 2 .
Uma vez que ∇f (x, y, z) = (2x, 2y, −2z), ∀(x, y, z) ∈ R3 , e que este vector se anula no ponto (0, 0, 0)
pertencente a S, o cone não satisfaz a condição suficiente dada na Proposição 2.46. Efectivamente,
pode-se mostrar que numa vizinhança do ponto (0, 0, 0) o conjunto S não é o gráfico de qualquer
função nas condições da Definição 2.45 pelo que não é uma superfı́cie.

O resultado do Teorema 2.44 pode ser generalizado para um conjunto de nı́vel em R3 ,

Ck = {(x, y, z) ∈ D : F (x, y, z) = k} ,

onde F : D ⊆ R3 → R é uma função de classe C 1 e k ∈ R. Neste caso, o mesmo argumento usado para
demonstrar o referido teorema, permite mostrar que, para cada ponto (x0 , y0 , z0 ) pertencente a Ck , o
vector n = ∇F (x0 , y0 , z0 ) é ortogonal ao vector tangente a qualquer curva diferenciável do conjunto
Ck que passa por (x0 , y0 , z0 ). Por esse motivo dizemos que o vector n é um vector normal a Ck no
ponto (x0 , y0 , z0 ). Estas considerações motivam as definições que se seguem.

Definição 2.47 Seja F : D ⊆ R3 → R uma função de classe C 1 e seja (x0 , y0 , z0 ) um ponto perten-
cente ao conjunto de nı́vel k de F ,

Ck = {(x, y, z) ∈ D : F (x, y, z) = k} ,

tal que ∇F (x0 , y0 , z0 ) 6= (0, 0, 0). O plano tangente ao conjunto Ck no ponto (x0 , y0 , z0 ) é o plano
de equação  
∇F (x0 , y0 , z0 ) · (x, y, z) − (x0 , y0 , z0 ) = 0.

O vector n = ∇F (x0 , y0 , z0 ) (ou qualquer múltiplo deste) diz-se um vector normal a Ck no mesmo
ponto.

É fácil ver que o plano tangente à superfı́cie esférica de equação x2 + y 2 + z 2 = a2 , com a 6= 0,


num ponto (x0 , y0 , z0 ) dessa superfı́cie, é dado por

2x0 (x − x0 ) + 2y0 (y − y0 ) + 2z0 (z − z0 ) = 0 ⇔ xx0 + yy0 + zz0 = a2

(veja-se o Exemplo 1) da página anterior).

Definição 2.48 Nas condições da Definição 2.47, a recta normal ao conjunto de nı́vel Ck , no ponto
(x0 , y0 , z0 ) desse conjunto, é a recta que passa em (x0 , y0 , z0 ) e que tem a direcção do vector não nulo
∇F (x0 , y0 , z0 ). Assim, as equações paramétricas da recta normal são

 x = x0 + Fx (x0 , y0 , z0 ) t

y = y0 + Fy (x0 , y0 , z0 ) t
 z = z + F (x , y , z ) t, t ∈ R.

0 z 0 0 0

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44
No caso particular em que o conjunto de nı́vel Ck é uma superfı́cie de classe C 1 , gráfico de uma
função g : A ⊆ R2 → R, (x, y) 7→ g(x, y), onde A é um conjunto aberto,
n o
Ck = {(x, y, z) ∈ D : F (x, y, z) = k} = (x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ A ∧ z = g(x, y) ,
(na próxima secção veremos algumas circunstâncias em que isto acontece) o respectivo plano tangente,
no ponto (x0 , y0 , z0 ), é dado por
z − z0 = gx (x0 , y0 )(x − x0 ) + gy (x0 , y0 )(y − y0 ),
e as equações paramétricas da recta normal são

 x = x0 + gx (x0 , y0 ) t

y = y0 + gy (x0 , y0 ) t
 z = z − t, t ∈ R.

0

Com efeito, neste caso podemos tomar k = 0 e F (x, y, z) = g(x, y) − z, para todo o (x, y, z) tal que
(x, y) ∈ A e z = g(x, y), pelo que ∇F (x, y, z) = (gx (x, y), gy (x, y), −1).

Exemplos. 1) Considere-se o conjunto


n o
S = (x, y, z) ∈ R3 : z = 3x2 + y 2 .
Justificar que S é uma superfı́cie de classe C ∞ e escrever equações do plano tangente e da recta normal
a S no ponto (1, 2, 7).
Pondo g(x, y) = 3x2 + y 2 , com (x, y) ∈ R2 , S consiste no conjunto dos pontos (x, y, z) ∈ R3 que
satisfazem z = g(x, y), ou seja, é o gráfico de g, portanto é uma superfı́cie de classe C ∞ . Como para
todo o (x, y) ∈ R2 se tem gx (x, y) = 6x e gy (x, y) = 2y, então gx (1, 2) = 6 e gy (1, 2) = 4, donde o
plano tangente pedido é o plano de equação
z − 7 = 6(x − 1) + 4(y − 2) ⇔ 6x + 4y − z = 7.
O vector n = (gx (1, 2), gy (1, 2), −1) = (6, 4, −1) é normal à superfı́cie S no ponto (1, 2, 7) pelo que a
recta normal tem equações paramétricas

 x = 1 + 6t

y = 2 + 4t
 z = 7 − t, t ∈ R.

2) Determinar o plano tangente ao cone elı́ptico x2 + 4y 2 = z 2 no ponto (3, 2, 5).


O cone em causa é o conjunto de nı́vel k = 0 da função definida em R3 por F (x, y, z) = x2 +4y 2 −z 2 .
Uma vez que ∇F (x, y, z) = (2x, 8y, −2z), ∀(x, y, z) ∈ R3 , tem-se que ∇F (3, 2, 5) = (6, 16, −10) pelo
que uma equação do plano tangente pedido é
∇F (3, 2, 5) · (x − 3, y − 2, z − 5) = 0 ⇔ 6(x − 3) + 16(y − 2) − 10(z − 5) = 0
⇔ 3x + 8y − 5z = 0.

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45
Terminamos esta secção com uma consequência do Teorema de Lagrange cuja prova faz uso da
regra da cadeia.

Teorema 2.49 (Teorema do Valor Médio) Seja f : D ⊆ Rn → R uma função contı́nua no aberto
D, e sejam a, b ∈ D tais que D contém o segmento de recta de extremidades a e b, ou seja, todos os
pontos da forma x = a + t(b − a), t ∈ [0, 1]. Se f é diferenciável em todos os pontos de

S = {x ∈ Rn : x = a + t(b − a), 0 < t < 1} ,

então existe um ponto c ∈ S tal que

f (b) − f (a) = ∇f (c) · (b − a).

Demonstração. Como vimos no Capı́tulo 1, a linha parametrizada γ : [0, 1] → Rn definida por


γ(t) = a + t(b − a) é uma parametrização do segmento de recta de extremidades a e b. Por hipótese,
γ(t) ∈ D, ∀t ∈ [0, 1].
Consideremos a função composta g = f ◦ γ : [0, 1] → R dada por g(t) = f (γ(t)). Então g é
contı́nua em [0, 1], pois f e γ são contı́nuas, e é diferenciável em ]0, 1[, pois f é diferenciável em S e γ
é diferenciável em [0, 1], tendo-se γ 0 (t) = b − a, ∀t ∈ [0, 1]. A função g satisfaz, assim, as condições do
Teorema de Lagrange no intervalo [0, 1].
Por outro lado, pela regra da cadeia (Teorema 2.41), sabemos que para todo o 0 < t < 1 se tem

g 0 (t) = ∇f (γ(t)) · γ 0 (t) = ∇f (a + t(b − a)) · (b − a).

g(1) − g(0)
Portanto, o Teorema de Lagrange garante a existência de λ ∈ ]0, 1[ tal que = g 0 (λ), ou
1−0
seja, existe λ ∈ ]0, 1[ tal que

f (b) − f (a) = f (γ(1)) − f (γ(0)) = g(1) − g(0) = g 0 (λ) = ∇f (a + λ(b − a)) · (b − a).

Como 0 < λ < 1, o ponto c dado por c = a + λ(b − a) pertence a S, donde se conclui o resultado. 

Um conjunto D diz-se convexo se, para quaisquer a, b ∈ D, o segmento de recta de extremidades


a e b estiver contido em D.

conjunto convexo conjunto não convexo

Não é difı́cil mostrar que as bolas (abertas ou fechadas) são conjuntos convexos. É imediato que
qualquer conjunto convexo é conexo por arcos, pois dois quaisquer pontos podem ser ligados por um
segmento de recta contido no conjunto, mas o recı́proco é falso. Por exemplo, uma coroa circular é
um conjunto conexo por arcos que não é convexo.
Algumas funções regulares definidas em conjuntos convexos têm propriedades semelhantes às das
funções reais de variável real, como é ilustrado pelo resultado anterior. Assim, é consequência do
Teorema do Valor Médio que, se D ⊆ Rn é um aberto convexo e se f : D → R é uma função
diferenciável cujas derivadas parciais de primeira ordem se anulam em todos os pontos de D, então f
é constante em D.

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46
2.6 Teorema da função implı́cita

Consideremos em R2 a função f (x, y) = x2 + y 2 − 25 e o seu conjunto de nı́vel C0 que é a circunferência


de centro na origem e raio 5 de equação x2 + y 2 = 25. Note-se que nem sempre para cada x ∈ [−5, 5]
esta equação define uma única função y = g(x). √ Por exemplo, se x = 4 há dois valores de y que
verificam x2 + y 2 = 25: y = 3 e y = −3, pois y = ± 25 − x2 . No entanto, restringindo, por exemplo,
x ∈ ]−5, 5[ e y ∈ ]0, 5[, uma vez que neste último intervalo se tem y √
> 0, podemos resolver univocamente
a equação dada em ordem a y e obtemos como única solução y = 25 − x2 . Por outras palavras, neste
caso, dado o ponto (4, 3), o conjunto de nı́vel C0 contém o gráfico de uma função y = g(x), passando
por (4, 3) e definida para x pertencente a uma certa vizinhança de x = 4.
A questão a que queremos dar resposta nesta secção é a de saber em que condições sobre uma
certa função f se pode garantir que, dado um ponto P pertencente ao conjunto de nı́vel 0 de f , este
conjunto contém o gráfico de uma certa função passando por P .
Contrariamente ao exemplo anterior, em geral, a partir duma equação da forma f (x, y) = 0 pode
não ser possı́vel obter uma fórmula explı́cita para y como função de x (ou de x como função de y).
Por exemplo, não é possı́vel resolver, explicitamente, a equação

xy + ex log y − x sin y = 0

em ordem a y, nem em ordem a x.


Veremos de seguida em que condições é que uma equação da forma f (x1 , x2 , . . . , xn ) = 0 define
implicitamente uma das variáveis como função das restantes e, apesar de em geral não ser possı́vel
explicitar tal função, veremos como calcular as suas derivadas, ou as suas derivadas parciais, consoante
haja duas, ou mais, variáveis presentes na equação.

Teorema 2.50 (Teorema da Função Implı́cita) Seja

f : D ⊆ Rn × R → R
(x, y) 7→ f (x, y),

onde x = (x1 , x2 , . . . , xn ), uma função definida num aberto D ⊆ Rn × R e seja (x0 , y0 ) ∈ D com
x0 ∈ Rn e y0 ∈ R. Suponhamos que
1. f ∈ C 1 (D);
2. f (x0 , y0 ) = 0;
∂f
3. (x0 , y0 ) 6= 0.
∂y
Então existem um aberto W de Rn × R, com (x0 , y0 ) ∈ W ⊆ D, um número real ε > 0 e uma função
g : Bε (x0 ) ⊆ Rn → R, tais que:
a) (x, g(x)) ∈ W e f (x, g(x)) = 0, ∀x ∈ Bε (x0 );
b) se (x, y) ∈ W e f (x, y) = 0, então x ∈ Bε (x0 ) e y = g(x);
c) g ∈ C 1 (Bε (x0 )).
Nestas condições dizemos que a equação f (x, y) = 0 define implicitamente y como função de x numa
vizinhança do ponto (x0 , y0 ), e à função g, tal que y = g(x), chamamos função implı́cita.

Neste resultado, uma das variáveis da equação f (x, y) = 0 tem um papel de destaque face às
outras. A essa variável, no enunciado do teorema, damos o nome y e, por comodidade, aparece em
último lugar na expressão de f . Repare-se ainda que a condição b) garante a unicidade da função
implı́cita g na vizinhança considerada.
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47
Nas condições anteriores, pode-se ainda provar que, se f ∈ C k (D), k ≥ 1, então g ∈ C k (Bε (x0 )).
O teorema anterior mostra assim que o conjunto de nı́vel C0 = {(x, y) ∈ D : f (x, y) = 0} contém o
gráfico de uma certa função y = g(x), definida para x ∈ Bε (x0 ), que passa pelo ponto (x0 , y0 ), isto é,
tal que g(x0 ) = y0 . Portanto, a solução (x0 , y0 ) da equação f (x, y) = 0 não é uma solução isolada.
Apesar de, na maior parte dos casos, não ser possı́vel explicitar a função g, o teorema fornece um
método que nos permite calcular as suas derivadas (ou as suas derivadas parciais, se for n > 1). No
caso n = 1, vejamos como calcular g 0 (x) para x ∈ Bε (x0 ). Por a) tem-se

F (x) = f (x, g(x)) = 0, ∀x ∈ Bε (x0 ),

pelo que F 0 (x) = 0. Pela regra de derivação da função composta, vem


∂f ∂f
F 0 (x) = (x, g(x)) + (x, g(x))g 0 (x)
∂x ∂y
donde
∂f
(x, g(x))
g (x) = − ∂x
0
∂f
(x, g(x))
∂y
∂f
desde que (x, g(x)) 6= 0, o que acontece numa vizinhança de (x0 , y0 ) pela hipótese 3 e por continui-
∂y
dade das derivadas parciais de f , já que f ∈ C 1 (D).
No caso n > 1, um raciocı́nio análogo permite determinar expressões para as derivadas parciais da
função g.
Note-se que o teorema anterior nos dá um resultado local: a função g que se afirma existir está
definida numa vizinhança do ponto x0 , se alterarmos o ponto (x0 , y0 ) a função também pode variar.
Voltando ao exemplo da circunferência x2 + y 2 = 25, vimos que se x ∈ ] − 5, 5[ e y ∈ ]0, 5[, então
p
y = g(x) = 25 − x2 .

No entanto, se x ∈ ] − 5, 5[ e y ∈ ] − 5, 0[ tem-se
p
y = h(x) = − 25 − x2 ,

uma vez que y < 0.


Observemos ainda que o teorema da função implı́cita é aplicável e permite definir univocamente y
como função de x numa vizinhança de qualquer ponto da circunferência à excepção dos pontos (5, 0) e
∂f
(−5, 0) onde, sendo f (x, y) = x2 + y 2 − 25, a derivada se anula. Neste caso, para além do teorema
∂y
não ser aplicável, é impossı́vel resolver a equação x2 + y 2 = 25 univocamente em ordem a y, como
função de x, na vizinhança destes pontos. De facto, qualquer aberto W contendo (5, 0) contém pontos
(x, y) com y > 0 e outros com y < 0. Assim, a intersecção da circunferência com o conjunto W não
pode ser o gráfico de uma função y = ϕ(x), definida para x pertencente a um intervalo da forma
]5 − ε, 5 + ε[, ε > 0. Com efeito, neste intervalo terı́amos pontos sem imagem, e outros com duas
imagens por meio de ϕ, uma vez que, para o mesmo valor de √ x, há uma solução
√ de f (x, y) = 0 com
y > 0 e outra com y < 0, pelo que é impossı́vel escolher entre 25 − x e − 25 − x2 . Portanto, não
2

é possı́vel escrever univocamente y como função de x (mas pode-se escrever x como função de y...).
Um raciocı́nio análogo é válido para o ponto (−5, 0).

∂f ∂f
A condição (x0 , y0 ) 6= 0 no teorema anterior é apenas suficiente. Se (x0 , y0 ) = 0 nada se
∂y ∂y
pode concluir quanto à existência de função implı́cita. Por exemplo, se f (x, y) = (y − x)2 , tem-se

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48
∂f
(0, 0) = 0, e a equação (y − x)2 = 0 define claramente a função y = x. Por outro lado, também
∂y
∂f
para f (x, y) = x2 + y 2 se tem (0, 0) = 0, mas, neste caso, a equação x2 + y 2 = 0 não define y como
∂y
função de x em qualquer aberto de R que contenha o ponto x = 0 porque (0, 0) é a única solução da
equação x2 + y 2 = 0. No segundo exemplo, o conjunto de nı́vel 0 de f é constituı́do por um único
ponto, C0 = {(0, 0)}, e, portanto, não contém o gráfico de qualquer função definida numa vizinhança
de x = 0.

Exemplos. 1) Mostremos que a equação xy + ex + log y − 1 = 0 define implicitamente uma função


y = g(x) numa vizinhança do ponto (x, y) = (0, 1) e calculemos g 0 (0) e g 00 (0).
Consideremos a função f (x, y) = xy + ex + log y − 1 definida no aberto D = (x, y) ∈ R2 : y > 0 .


Então f é de classe C ∞ (D), f (0, 1) = 0 e fy (0, 1) = 1 6= 0. Assim, pelo Teorema da Função Implı́cita,
concluı́mos que existem um aberto W ⊆ R2 tal que (0, 1) ∈ W ⊆ D, ε > 0 e uma função g : Bε (0) → R,
verificando as seguintes condições:
a) (x, g(x)) ∈ W e f (x, g(x)) = 0, ∀x ∈ Bε (0),
b) se (x, y) ∈ W e f (x, y) = 0 então x ∈ Bε (0) e y = g(x),
c) g ∈ C ∞ (Bε (0)),
ou seja, a equação f (x, y) = 0 define implicitamente y = g(x) numa vizinhança do ponto (x, y) = (0, 1).
Dado que g é de classe C ∞ em Bε (0), g tem derivadas de qualquer ordem em Bε (0). Uma vez que
para cada x ∈ Bε (0) se tem
f (x, g(x)) = 0 ⇔ xg(x) + ex + log(g(x)) − 1 = 0,
para calcularmos g 0 (x) derivamos esta igualdade em ordem a x usando a regra da cadeia. Obtemos
g 0 (x)
g(x) + xg 0 (x) + ex + = 0. (9)
g(x)
Substituindo x por 0 em (9), e tendo em conta que y(0) = g(0) = 1, vem g 0 (0) = −2.
Aplicando novamente a regra da derivação da função composta para derivar a equação (9) temos
g 00 (x)g(x) − g 0 (x)g 0 (x)
g 0 (x) + g 0 (x) + xg 00 (x) + ex + = 0,
g 2 (x)
donde, substituindo novamente x por 0, e usando o facto de que g(0) = 1 e g 0 (0) = −2, obtemos o
valor de g 00 (0):
2g 0 (0) + 1 + g 00 (0) − (g 0 (0))2 = 0 ⇔ g 00 (0) = 7.

2) Verifiquemos que a equação arctan(x + y) + xzw − yew + log z = 0 define implicitamente uma
função z = g(x, y, w) numa vizinhança do ponto (x, y, z, w) = (0, 0, 1, 0) e calculemos zx (0, 0, 0),
zw (0, 0, 0) e zwx (0, 0, 0).
Sendo f a função definida no aberto D = (x, y, z, w) ∈ R4 : z > 0 por


f (x, y, z, w) = arctan(x + y) + xzw − yew + log z,


1
tem-se que f é de classe C ∞ (D), f (0, 0, 1, 0) = arctan 0 + 0 − 0 + log 1 = 0 e fz (x, y, z, w) = xw + ,
z
∀(x, y, z, w) ∈ D, pelo que fz (0, 0, 1, 0) = 1 6= 0. Pelo Teorema da Função Implı́cita, concluı́mos que a
equação
arctan(x + y) + xzw − yew + log z = 0 ⇔ f (x, y, z, w) = 0
define implicitamente z = g(x, y, w) numa vizinhança do ponto (0, 0, 1, 0), ou seja, existem um aberto
W ⊆ R4 tal que (0, 0, 1, 0) ∈ W ⊆ D, ε > 0 e uma função g : Bε ((0, 0, 0)) → R, verificando as seguintes
condições:
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49
a) (x, y, g(x, y, w), w) ∈ W e f (x, y, g(x, y, w), w) = 0, ∀(x, y, w) ∈ Bε ((0, 0, 0)),

b) se (x, y, z, w) ∈ W e f (x, y, z, w) = 0 então (x, y, w) ∈ Bε ((0, 0, 0)) e z = g(x, y, w),

c) g ∈ C ∞ (Bε ((0, 0, 0))).

Para o cálculo das derivadas parciais pedidas observamos que para todo o (x, y, w) ∈ Bε ((0, 0, 0))
se tem f (x, y, g(x, y, w), w) = f (x, y, z(x, y, w), w) = 0, isto é,

arctan(x + y) + xz(x, y, w)w − yew + log z(x, y, w) = 0. (10)

Derivando esta equação em ordem a x obtemos


1 zx (x, y, w)
2
+ z(x, y, w) w + x zx (x, y, w) w + = 0.
1 + (x + y) z(x, y, w)
Substituindo (x, y, w) por (0, 0, 0) e z(0, 0, 0) por 1 vem

1 + 0 + 0 + zx (0, 0, 0) = 0 ⇔ zx (0, 0, 0) = −1.

Para o cálculo de zw (0, 0, 0) derivamos agora a equação (36) em ordem a w. Obtemos


zw (x, y, w)
x zw (x, y, w) w + xz(x, y, w) − yew + = 0. (11)
z(x, y, w)
Substituindo (x, y, w) por (0, 0, 0) e z(0, 0, 0) por 1 vem

0 + 0 − 0 + zw (0, 0, 0) = 0 ⇔ zw (0, 0, 0) = 0.

Finalmente, para obtermos zwx (0, 0, 0), derivamos a equação (37) em ordem a x:

zw (x, y, w) w + x zwx (x, y, w) w + z(x, y, w) + x zx (x, y, w)


zwx (x, y, w) z(x, y, w) − zx (x, y, w) zw (x, y, w)
+ = 0.
z 2 (x, y, w)
Substituindo (x, y, w) por (0, 0, 0), z(0, 0, 0) por 1, e tendo em conta os valores já determinados para
as derivadas parciais de primeira ordem de z em ordem a x e em ordem a w no ponto (0, 0, 0),
zx (0, 0, 0) = −1 e zw (0, 0, 0) = 0, vem

0 + 0 + 1 + 0 + zwx (0, 0, 0) − 0 = 0 ⇔ zwx (0, 0, 0) = −1.

3) O Teorema da Função Implı́cita permite provar a Proposição 2.46. Sejam D ⊂ R3 um conjunto


aberto, f : D → R uma função de classe C p , com p ∈ N, (respectivamente, de classe C ∞ ), k um
número real e
S = {(x, y, z) ∈ D : f (x, y, z) = k} ,
e suponhamos que ∇f (x, y, z) 6= (0, 0, 0), ∀(x, y, z) ∈ S.
Consideremos um ponto arbitrário (x0 , y0 , z0 ) ∈ S. Então (x0 , y0 , z0 ) pertence ao conjunto de
nı́vel 0 da função de classe C p , com p ∈ N, (respectivamente, de classe C ∞ ), definida em D por
g(x, y, z) = f (x, y, z) − k. Como ∇g(x0 , y0 , z0 ) = ∇f (x0 , y0 , z0 ) 6= (0, 0, 0), pelo menos uma das três
derivadas parciais de g não se anula no ponto (x0 , y0 , z0 ). Assim, pelo Teorema 2.50 existe um aberto
W ⊆ D contendo (x0 , y0 , z0 ) tal que W ∩ S é o gráfico de uma função de classe C p (respectiva-
mente, de classe C ∞ ), definida num aberto de R2 , de um dos três tipos z = ϕ(x, y), y = ψ(x, z) ou
x = h(y, z), consoante se tenha gz (x0 , y0 , z0 ) 6= 0, gy (x0 , y0 , z0 ) 6= 0 ou gx (x0 , y0 , z0 ) 6= 0, respectiva-
mente. Portanto, de acordo com a Definição 2.45, S é uma superfı́cie de classe C p (respectivamente,
de classe C ∞ ).
Cálculo Diferencial em Rn Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

50
2.7 Fórmula de Taylor

De modo a generalizarmos a fórmula de Taylor para funções de mais de uma variável começamos por
ver como calcular derivadas, segundo um vector, de ordem superior à primeira.
Consideremos uma função f : D ⊆ R2 → R, de classe C 2 no conjunto aberto D, e seja u = (u1 , u2 )
um vector de R2 . Como f é diferenciável em D, sabemos que f tem derivada segundo o vector u em
qualquer ponto (x, y) ∈ D e tem-se

∂f ∂f
fu0 (x, y) = ∇f (x, y) · u = (x, y)u1 + (x, y)u2 .
∂x ∂y

A função assim obtida, fu0 : D ⊆ R2 → R, sendo de classe C 1 em D, pode por sua vez ser derivada,
em qualquer ponto (x, y) ∈ D, segundo qualquer vector de R2 . Em particular, podemos calcular (fu0 )0u
que denotamos por fu00 . Tem-se assim,

∂ ∂f ∂f ∂ ∂f ∂f
   
fu00 (x, y) = ∇fu0 (x, y) ·u= (x, y)u1 + (x, y)u2 u1 + (x, y)u1 + (x, y)u2 u2
∂x ∂x ∂y ∂y ∂x ∂y
" # " #
∂2f ∂2f ∂2f ∂2f
= (x, y)u1 + (x, y)u2 u1 + (x, y)u1 + (x, y)u2 u2
∂x2 ∂x∂y ∂y∂x ∂y 2
∂2f 2 ∂2f ∂2f
= (x, y)u1 + 2 (x, y)u1 u2 + (x, y)u22 ,
∂x2 ∂x∂y ∂y 2

uma vez que, por f ser de classe C 2 , as suas derivadas parciais mistas de segunda ordem são iguais.
Pondo em evidência o operador de derivação podemos escrever
!
∂2 2 ∂2 ∂2 2
fu00 = u + 2 u1 u2 + u f,
∂x2 1 ∂x∂y ∂y 2 2

ou, simbolicamente,
2
∂ ∂

fu00 = u1 + u2 f.
∂x ∂y
Analogamente, se m ∈ N e f : D ⊆ R2 → R é de classe C m no conjunto aberto D podemos
calcular a sua derivada de ordem m, segundo o vector u = (u1 , u2 ) de R2 . Usando a notação simbólica,
introduzida no caso m = 2, escrevemos
m
∂ ∂

fu(m) = u1 + u2 f
∂x ∂y
e, mais geralmente, para qualquer n ∈ N, se f : D ⊆ Rn → R é de classe C m no conjunto aberto D
tem-se m
∂ ∂

fu(m) = u1 + . . . + un f,
∂x1 ∂xn
onde u = (u1 , . . . , un ) ∈ Rn .

Exemplos 2.51 Sejam m, n ∈ N e f : D ⊆ Rn → R uma função de classe C m no conjunto aberto D.

1. Se ei é o i-ésimo vector da base canónica de Rn , com i = 1, . . . , n, então

∂f ∂2f ∂mf
fe0 i = , fe00i = , ..., fe
(m)
= .
∂xi ∂x2i i
∂xm
i

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51
0 = λf 0 . É simples verificar que se tem
2. Se u ∈ Rn e λ ∈ R, já vimos que fλu u

00 (m)
fλu = λ2 fu00 , ..., fλu = λm fu(m) , m ∈ N.

Façamos a prova para o caso n = 2 e para a derivada de segunda ordem (m = 2). Dado λ ∈ R
vem então
2
∂ ∂
 
00
fλu = λu1 + λu2 f
∂x ∂y
∂2f ∂2f ∂2f
= (λu1 ) 2
+ 2 λu 1 λu 2 + (λu2 )2 = λ2 fu00 .
∂x2 ∂x∂y ∂y 2

Exemplo. Sendo f : R2 → R a função polinomial dada por f (x, y) = 1 + 3x2 + xy + y 2 + x3 , e


u = (1, −1), calculemos fu0 (1, 2), fu00 (1, 2) e fu000 (1, 2).
Tratando-se de uma função polinomial, f é de classe C ∞ em R2 pelo que o Teorema de Schwarz
garante a igualdade das derivadas parciais mistas de segunda e de terceira ordem de f . Comecemos
por calcular as derivadas parciais de f até à ordem três num ponto arbitrário (x, y) ∈ R2 :

fx (x, y) = 6x + y + 3x2 , fy (x, y) = x + 2y,

fxx (x, y) = 6 + 6x, fxy (x, y) = 1, fyy (x, y) = 2,


fxxx (x, y) = 6, fyxx (x, y) = 0, fxyy (x, y) = 0, fyyy (x, y) = 0.
Daqui resulta que

fx (1, 2) = 11, fy (1, 2) = 5, fxx (1, 2) = 12, fxy (1, 2) = 1, fyy (1, 2) = 2,

fxxx (1, 2) = 6, fxxy (1, 2) = 0, fxyy (1, 2) = 0, fyyy (1, 2) = 0.


Assim, como u = (1, −1),

fu0 (1, 2) = fx (1, 2)u1 + fy (1, 2)u2 = 11 − 5 = 6,

fu00 (1, 2) = fxx (1, 2)u21 + 2fxy (1, 2)u1 u2 + fyy (1, 2)u22 = 12 − 2 + 2 = 12,
e
fu000 (1, 2) = fxxx (1, 2)u31 + 3fxyy (1, 2)u1 u22 + 3fxxy (1, 2)u21 u2 + fyyy (1, 2)u32 = 6.

Vimos na Secção 2.3 que se uma função f : D ⊆ R2 → R é diferenciável num ponto (a, b) do
interior de D, então f pode ser aproximada pela função polinomial

P1 (x, y) = f (a, b) + fx (a, b)(x − a) + fy (a, b)(y − b),

cujo gráfico é um plano que passa no ponto (a, b, f (a, b)) pertencente também ao gráfico de f .
Mostrámos que este plano aproxima o gráfico de f em pontos (x, y) próximos de (a, b) uma vez
f (x, y) − P1 (x, y)
que lim = 0. Note-se que o polinómio P1 é o único polinómio de grau inferior
(x,y)→(a,b) k(x − a, y − b)k
ou igual a 1 que satisfaz as seguintes condições:
∂P1 ∂f ∂P1 ∂f
P1 (a, b) = f (a, b), (a, b) = (a, b), (a, b) = (a, b).
∂x ∂x ∂y ∂y
O nosso objectivo é estender estas ideias ao caso em que queremos aproximar uma função de várias
variáveis por polinómios de grau maior ou igual a 1.
Recordemos a fórmula de Taylor para funções reais de variável real. Sejam I um intervalo de R e
f : I → R uma função de classe C m+1 em I. Então, para quaisquer x, a ∈ I, tem-se
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52
f (x) = Pm (x) + Rm (x)
onde
f 00 (a) f (m) (a)
Pm (x) = f (a) + f 0 (a)(x − a) + (x − a)2 + . . . + (x − a)m
2! m!
e Rm (x) = o((x − a)m ), (x → a), isto é,
Rm (x)
lim = 0.
x→a (x − a)m

Ao polinómio Pm demos o nome de polinómio de Taylor de ordem m de f em torno do ponto a, e


vimos a seguinte expressão para Rm , a que chamámos resto de Lagrange,

f (m+1) (c)
Rm (x) = (x − a)m+1 ,
(m + 1)!
onde o ponto c está entre a e x. Escrevendo x = a + h tem-se

f 00 (a) 2 f (m) (a) m f (m+1) (c) m+1


f (a + h) = f (a) + f 0 (a)h + h + ... + h + h ,
2! m! (m + 1)!

f (m+1) (c) m+1


onde c está entre a e a + h e h = o(hm ), (h → 0).
(m + 1)!

Vejamos agora a generalização para campos escalares de n variáveis (n ∈ N).

Teorema 2.52 Sejam f : D ⊆ Rn → R, uma função de classe C m+1 no aberto D, e a ∈ D. Então


para todo h ∈ Rn tal que a + h ∈ D, existe um ponto ch , pertencente ao segmento de recta de
extremidades a e a + h, tal que
1 00 1 (m) 1 (m+1)
f (a + h) = f (a) + fh0 (a) + fh (a) + . . . + fh (a) + f (ch ).
2! m! (m + 1)! h

Demonstração. Consideremos a parametrização do segmento de recta de extremidades a e a + h


dada por γ(t) = a + th, com 0 ≤ t ≤ 1, e seja ϕ : [0, 1] → R a função composta definida por
ϕ(t) = f (γ(t)) = f (a + th). Uma vez que f e γ são funções de classe C m+1 , resulta que ϕ ∈ C m+1 [0, 1]
e tem-se, por aplicação sucessiva da regra da cadeia,

ϕ0 (t) = ∇f (γ(t)) · γ 0 (t) = ∇f (a + th) · h = fh0 (a + th)


ϕ00 (t) = ∇fh0 (γ(t)) · γ 0 (t) = ∇fh0 (a + th) · h = fh00 (a + th)
...
(m)
ϕ(m) (t) = fh (a + th)
(m+1)
ϕ(m+1) (t) = fh (a + th)
(m) (m+1)
donde ϕ0 (0) = fh0 (a), ϕ00 (0) = fh00 (a), . . . , ϕ(m) (0) = fh (a), ϕ(m+1) (t) = fh (a + th).
Pela fórmula de Taylor aplicada a ϕ(t) = f (a + th) no intervalo [0, 1], existe 0 < c < 1 tal que
1 00 1 (m) 1
ϕ(1) = ϕ(0) + ϕ0 (0) + ϕ (0) + . . . + ϕ (0) + ϕ(m+1) (c),
2! m! (m + 1)!
ou seja
1 00 1 (m) 1 (m+1)
f (a + h) = f (a) + fh0 (a) + fh (a) + . . . + fh (a) + f (ch ),
2! m! (m + 1)! h

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53
onde ch = a + ch pertence ao segmento de recta de extremidades a e a + h, dado que 0 < c < 1. Fica
assim provada a igualdade pretendida. 
Ao polinómio de grau inferior ou igual a m dado no teorema anterior, cujas variáveis são as
componentes h1 , h2 , . . . , hn do vector h,
1 1 (m)
Pm (h) = f (a) + fh0 (a) + fh00 (a) + . . . + f (a),
2! m! h
damos o nome de polinómio de Taylor de ordem m de f em torno do ponto a e à diferença
f (a + h) − Pm (h) chamamos resto de ordem m e denotamos por Rm (h). Nas condições do Teorema
2.52 tem-se
1 (m+1)
Rm (h) = f (ch )
(m + 1)! h
e a esta expressão chamamos resto de Lagrange de ordem m, tendo-se Rm (h) = o(khkm ), (h → 0),
isto é,
Rm (h)
lim = 0.
h→0 khkm
Observe-se que Pm é o único polinómio de grau menor ou igual a m que satisfaz as condições anteriores.
Para o que se segue, será particularmente útil o caso m = 2 onde
1
P2 (h) = f (a) + fh0 (a) + fh00 (a)
2!"
2 #
1 ∂ ∂ ∂

0
= f (a) + fh (a) + h1 + h2 + . . . + hn f (a)
2 ∂x1 ∂x2 ∂xn
n
1 X ∂2f
= f (a) + ∇f (a) · h + (a)hi hj .
2 i,j=1 ∂xi ∂xj
Vejamos que se tem
f (a + h) = P2 (h) + o(khk2 ), (h → 0), (12)
f (a + h) − P2 (h)
ou seja, que lim = 0. Do Teorema 2.52 temos
h→0 khk2
1
f (a + h) = f (a) + fh0 (a) + fh00 (a + ch)
2!
1 00 1 00 1 00
 
= f (a) + ∇f (a) · h + fh (a) + f (a + ch) − fh (a)
2! 2! h 2!
n 2
1 X ∂ f
= f (a) + ∇f (a) · h + (a)hi hj + R2 (h)
2! i,j=1 ∂xi ∂xj
= P2 (h) + R2 (h)
n
!
1 X ∂2f ∂2f
onde R2 (h) = (a + ch) − (a) hi hj . Como |hi | ≤ khk, ∀i = 1, . . . , n, tem-se
2 i,j=1 ∂xi ∂xj ∂xi ∂xj
n

2 ∂2f
1 ∂ f
X
|R2 (h)| ≤ khk2 (a + ch) − (a)


2 ∂xi ∂xj ∂xi ∂xj
i,j=1
1
= khk2 α(h),
2
onde
lim α(h) = 0
h→0
por continuidade das derivadas parciais de segunda ordem de f (f ∈ C 2 ). Portanto,
R2 (h) = o(khk2 ), (h → 0),
o que prova (12).
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54
Exemplos. 1) Determinemos um polinómio de grau dois que, numa vizinhança do ponto (0, 0),
aproxime a função definida em R2 por f (x, y) = exy+y , a menos de o(k(x, y)k2 ), (x, y) → (0, 0).
Pelo que foi exposto, temos que determinar o polinómio de Taylor de segunda ordem de f , em
torno do ponto (0, 0). De acordo com as notações acima temos a = (0, 0), a + h = h = (x, y) e
pretendemos calcular P2 (x, y). Para esse efeito, começamos por calcular f (0, 0) e as derivadas parciais
de primeira e de segunda ordem de f , no ponto (0, 0).

f (0, 0) = 1, fx (x, y) = yexy+y , fx (0, 0) = 0, fy (x, y) = (x + 1)exy+y , fy (0, 0) = 1,

fxx (x, y) = y 2 exy+y , fxy (x, y) = exy+y + y(x + 1)exy+y , fyy (x, y) = (x + 1)2 exy+y ,
fxx (0, 0) = 0, fxy (0, 0) = 1, fyy (0, 0) = 1.
Daqui resulta que
0
f(x,y) (0, 0) = ∇f (0, 0) · (x, y) = y
e
00
f(x,y) (0, 0) = fxx (0, 0)x2 + 2fxy (0, 0)xy + fyy (0, 0)y 2 = 2xy + y 2 ,
donde

0 1 00 1 y2
P2 (x, y) = f (0, 0) + f(x,y) (0, 0) + f(x,y) (0, 0) = 1 + y + (2xy + y 2 ) = 1 + y + xy + .
2 2 2

2) Escrever a função polinomial f (x, y) = x2 + 3xy − 2, com (x, y) ∈ R2 , como soma de potências
de (x − 1) e (y + 1).
Atendendo a que f é dada por um polinómio de grau dois, todas as derivadas parciais de ordem
maior ou igual a três de f são nulas, logo R2 (h) = 0 e f (x, y) = P2 (h), onde h = (x − 1, y + 1) e P2 (h)
é o polinómio de Taylor de ordem 2 de f em torno do ponto a = (1, −1).
Para determinarmos o polinómio P2 calculamos f (1, −1) e as derivadas parciais de primeira e de
segunda ordem de f , no ponto (1, −1). Para (x, y) ∈ R2 obtemos

fx (x, y) = 2x + 3y, fy (x, y) = 3x,


fxx (x, y) = 2, fxy (x, y) = 3, fyy (x, y) = 0

donde

f (1, −1) = 1 − 3 − 2 = −4, fx (1, −1) = 2 − 3 = −1, fy (1, −1) = 3,


fxx (1, −1) = 2, fxy (1, −1) = 3, fyy (1, −1) = 0.

Portanto

f (x, y) = P2 (x − 1, y + 1)
0 1 00
= f (1, −1) + f(x−1,y+1) (1, −1) + f(x−1,y+1) (1, −1)
2
= f (1, −1) + ∇f (1, −1) · (x − 1, y + 1)
1 
+ fxx (1, −1)(x − 1)2 + 2fxy (1, −1)(x − 1)(y + 1) + fyy (1, −1)(y + 1)2
2
1 
= −4 − (x − 1) + 3(y + 1) + 2(x − 1)2 + 6(x − 1)(y + 1)
2
= −4 − (x − 1) + 3(y + 1) + (x − 1)2 + 3(x − 1)(y + 1).

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55
2.8 Extremos locais e absolutos

Nesta secção vamos estender ao caso das funções reais de várias variáveis as noções de máximos e
mı́nimos locais e absolutos.
Definição 2.53 Seja f : D ⊆ Rn → R e seja a ∈ D. A função f tem um máximo (respectivamente,
um mı́nimo) local ou relativo no ponto a se existe uma vizinhança Bε (a) (ε > 0) do ponto a tal
que
f (a) ≥ f (x), ∀x ∈ Bε (a) ∩ D
(respectivamente, f (a) ≤ f (x), ∀x ∈ Bε (a) ∩ D). Em qualquer destes casos dizemos que f tem um
extremo local ou relativo no ponto a.
O facto de uma função ter um extremo local num ponto a depende do comportamento da função
numa vizinhança de a. Os extremos absolutos de f dependem do comportamento da função em
todo o seu domı́nio.
Definição 2.54 Seja f : D ⊆ Rn → R e seja a ∈ D. A função f tem um máximo (respectivamente,
um mı́nimo) absoluto no ponto a se
f (a) ≥ f (x), ∀x ∈ D
(respectivamente, f (a) ≤ f (x), ∀x ∈ D). Em qualquer destes casos dizemos que f tem um extremo
absoluto no ponto a.
Claro que se f tem um extremo absoluto em a também tem um extremo local nesse ponto, mas o
recı́proco é falso.

No caso das funções reais de variável real, sabemos que se f tem um extremo local num ponto a
pertencente ao interior do seu domı́nio, então f 0 (a) = 0 ou f 0 (a) não existe. O resultado análogo para
funções de mais de uma variável é dado em termos de ∇f .
Teorema 2.55 (Fermat) Se a função f : D ⊆ Rn → R tem um extremo local no ponto a ∈ intD,
então ∇f (a) = 0 ou ∇f (a) não existe.
Demonstração. Suponhamos que f tem um extremo local em a ∈ int D e que existem todas as
derivadas parciais de f em a. Queremos mostrar que fxi (a) = 0, ∀i = 1, . . . , n.
Admitamos que f (a) é máximo local, o outro caso prova-se de forma análoga. Como a é um ponto
interior a D, seja ε > 0 tal que Bε (a) ⊂ D e suponhamos que f (a) ≥ f (x), ∀x ∈ Bε (a).
Dado i = 1, . . . , n, seja ei o i-ésimo vector da base canónica de Rn , e consideremos a função definida
para t ∈ ] − ε, ε[ por g(t) = f (a + tei ) = f (a1 , . . . , ai−1 , ai + t, ai+1 , . . . , an ). Como estamos a supor que
existe fxi (a), então g é diferenciável em t = 0 e tem-se g 0 (0) = fxi (a).
Por outro lado, uma vez que f (a) ≥ f (x), ∀x ∈ Bε (a), resulta, em particular, que g(0) ≥ g(t),
∀t ∈ ] − ε, ε[. Assim, pelo Teorema de Fermat para funções reais de variável real conclui-se que
g 0 (0) = 0, ou seja, que fxi (a) = 0.
Dada a arbitrariedade de i = 1, . . . , n, vem ∇f (a) = 0, como se pretendia mostrar. .
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56
Definição 2.56 Chama-se ponto crı́tico de uma função f : D ⊆ Rn → R a um ponto c do interior
de D para o qual ∇f (c) = 0.
O teorema anterior diz-nos que os únicos pontos, interiores ao domı́nio, onde uma função dife-
renciável f pode atingir extremos locais são os pontos crı́ticos. Note-se, no entanto, que nem todos
os pontos crı́ticos correspondem a extremos locais. Por exemplo, é fácil verificar que o ponto (0, 0) é
ponto crı́tico de ambas as funções f (x, y) = x2 + y 2 e g(x, y) = x2 − y 2 . No primeiro caso, f (0, 0) = 0
é claramente mı́nimo de f mas g não atinge um extremo em (0, 0) uma vez que g(0, 0) = 0 e qualquer
vizinhança de (0, 0) contém pontos onde g > 0 e outros onde g < 0. De facto, g(x, 0) = x2 > 0, para
todo o x 6= 0, e g(0, y) = −y 2 < 0, para todo o y 6= 0.
Definição 2.57 Chama-se ponto de sela a um ponto crı́tico de f onde não é atingido um extremo
local.
Assim, no exemplo da função g anterior, (0, 0) é ponto de sela.

Se uma função real de variável real é diferenciável e atinge um extremo local no ponto x0 interior
ao domı́nio, então a recta tangente ao gráfico de f no ponto (x0 , y0 ), onde y0 = f (x0 ), é horizontal.
Analogamente, resulta do Teorema 2.55 que se f : D ⊆ R2 → R é diferenciável e atinge um extremo
local no ponto (x0 , y0 ) interior ao domı́nio D, então o plano tangente à superfı́cie z = f (x, y) no ponto
(x0 , y0 , z0 ), onde z0 = f (x0 , y0 ), é horizontal. Com efeito, como neste caso se tem ∇f (x0 , y0 ) = (0, 0),
o referido plano tangente é dado por
∂f ∂f
z − z0 = (x0 , y0 )(x − x0 ) + (x0 , y0 )(y − y0 ) ⇔ z = z0 .
∂x ∂y
O mesmo é válido se (x0 , y0 ) é ponto de sela de f .
Exemplo. Determinar os pontos crı́ticos da função f (x, y) = x2 + 4x + y 2 , com (x, y) ∈ R2 , e
classificá-los quanto à existência de extremos.
Por se tratar de uma função polinomial, f é de classe C ∞ em R2 e tem-se ∇f (x, y) = (2x + 4, 2y),
∀(x, y) ∈ R2 . Os pontos crı́ticos de f são as soluções da equação ∇f (x, y) = (0, 0), ou seja, são as
soluções do sistema de equações
  
 fx (x, y) = 0
  2x + 4 = 0
  x = −2

⇔ ⇔

 f (x, y) = 0 
 2y = 0 
 y = 0.
y

A função f tem, portanto, um único ponto crı́tico que é o ponto (−2, 0) e tem-se f (−2, 0) = 4−8 = −4.
Notamos que
f (x, y) = x2 + 4x + 4 + y 2 − 4 = (x + 2)2 + y 2 − 4
≥ −4 = f (−2, 0), ∀(x, y) ∈ R2 ,
logo f (−2, 0) = −4 é mı́nimo absoluto de f .
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57
Qualquer função real de variável real, contı́nua, atinge num intervalo compacto (e não vazio)
máximo e mı́nimo absolutos. A existência destes extremos absolutos é garantida pelo Teorema de
Weierstrass que admite uma generalização ao caso das funções de variável vectorial.

Teorema 2.58 (Weierstrass) Se f : D ⊆ Rn → R é contı́nua num conjunto compacto e não vazio


S ⊆ D, então f atinge máximo e mı́nimo absolutos em S.

Uma vez que pode haver pontos crı́ticos que são pontos de sela, interessa ter um critério que nos
permita determinar se num certo ponto crı́tico é atingido um extremo local. Veremos agora como dar
resposta a esta questão usando a fórmula de Taylor de segunda ordem. Recordemos que se f é uma
função real de variável real duas vezes diferenciável tal que f 0 (a) = 0, então f tem um mı́nimo local
em a se f 00 (a) > 0 e f tem um máximo local em a se f 00 (a) < 0. Este resultado generaliza-se a funções
de várias variáveis do seguinte modo.

Teorema 2.59 Seja f : D ⊆ Rn → R uma função de classe C 2 em D e seja a um ponto crı́tico de f .


Então
1. se fh00 (a) > 0, para todo o vector não nulo h ∈ Rn , f tem um mı́nimo local em a;
2. se fh00 (a) < 0, para todo o vector não nulo h ∈ Rn , f tem um máximo local em a;
3. se fh00 (a) toma valores positivos e negativos para diferentes vectores h ∈ Rn , então a é um ponto
de sela de f .

Demonstração. Dado que a é ponto crı́tico de f , tem-se ∇f (a) = 0 pelo que fh0 (a) = 0, ∀h ∈ Rn .
Assim, da fórmula de Taylor de segunda ordem de f , em torno do ponto a, vem
1
f (a + h) − f (a) = fh00 (a) + o(khk2 ), (h → 0)
2
h
o que, pondo v = , para h 6= 0, e usando o Exemplo 2.51, 2, conduz a
khk
1 1 00
 
f (a + h) − f (a) = khk2 fv00 (a) + khk2 α(h) = khk2 f (a) + α(h) (13)
2 2 v
para uma certa função α : Rn → R verificando lim α(h) = 0.
h→0
A função h 7→ fh00 (a) é contı́nua em Rn , logo pelo Teorema de Weierstrass tem máximo M ∈ R e
mı́nimo m ∈ R no conjunto compacto S = {u ∈ Rn : kuk = 1}.
Caso 1: Suponhamos que fh00 (a) > 0, ∀h 6= 0, então m > 0. De (13), como v ∈ S, obtemos
1
 
f (a + h) − f (a) ≥ khk2 m + α(h) ,
2
1
donde, atendendo a que m > 0 e lim α(h) = 0, existe ε > 0 tal que m + α(h) > 0, ∀h ∈ Bε (0).
h→0 2
Portanto f (a + h) ≥ f (a), ∀h ∈ Bε (0),logo f (a) é mı́nimo local de f .
00
Caso 2: Se fh (a) < 0, ∀h 6= 0, então M < 0. Argumentando como no caso anterior, existe ε > 0
1
tal que M + α(h) < 0, ∀h ∈ Bε (0). Assim, de (13), vem
2
1
 
f (a + h) − f (a) ≤ khk2 M + α(h) ≤ 0, ∀h ∈ Bε (0).
2
Portanto f (a + h) ≤ f (a), ∀h ∈ Bε (0), o que mostra que f (a) é máximo local de f .
Caso 3: Se fh00 (a) toma valores dos dois sinais para diferentes vectores h ∈ Bε (0), como fh00 (a) e
00
fv (a) são sempre do mesmo sinal, resulta de (13) que f (a + h) − f (a) toma valores dos dois sinais.
Portanto a é um ponto de sela de f . 
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58
Para aplicarmos o teorema anterior temos então que estudar o sinal da forma quadrática h 7→ fh00 (a),
com h ∈ Rn , ou seja, da função polinomial do segundo grau nas variáveis h1 , h2 , . . . , hn , componentes
do vector h, dada por
n
∂2f
(a)hi hj = fh00 (a)
X
Q(h) = Q(h1 , . . . , hn ) =
i,j=1
∂xi ∂xj

e que se pode escrever matricialmente na forma


 
h1
h i 
 h2 

Q(h) = h1 h2 . . . h n Hf (a)  .. ,
.
 
 
hn

onde Hf (a) é a matriz dada por


∂2f ∂2f ∂2f
 
∂x21 ∂x1 ∂x2 ... ∂x1 ∂xn
 
 
 
 ∂2f ∂2f ∂2f 
 ∂x2 ∂x1

∂x22
... ∂x2 ∂xn
 " #
 ∂2f
Hf (a) =  = (a) .
 


.. .. .. ..  ∂xi ∂xj i,j=1,...,n
.
 

 . . . 

 
 2

∂ f ∂2f ∂2f
∂xn ∂x1 ∂xn ∂x2 ... ∂x2n (a)

A esta matriz damos o nome de matriz hessiana de f no ponto a. Note-se que, sendo f uma função
de classe C 2 , a matriz hessiana é uma matriz simétrica.
Dado n ∈ N, uma aplicação Q : Rn → R diz-se uma forma quadrática se, ∀i, j ∈ {1, . . . , n},
existem αij ∈ R tais que
n
X
Q(x1 , . . . , xn ) = αij xi xj , ∀(x1 , . . . , xn ) ∈ Rn .
i,j=1
 
x1

x2 
Rn
 
Sendo x = (x1 , . . . , xn ) ∈ e designando por X a matriz coluna X =  .. , sabe-se da Álgebra
.
 
 
xn
Linear que Q é uma forma quadrática se, e só se, existe uma matriz simétrica, de tipo n × n, A, tal que
Q(x) = X T AX, ∀x ∈ Rn . Nestas condições, a matriz A é única e diz-se a matriz da forma quadrática
Q.

Definição 2.60 Uma forma quadrática Q : Rn → R diz-se

1. definida positiva se Q(h) > 0, para todo o vector não nulo h;

2. definida negativa se Q(h) < 0, para todo o vector não nulo h;

3. indefinida se Q(h) toma valores positivos e valores negativos;

4. semidefinida positiva se Q(h) ≥ 0, para todo o vector h, e existe h 6= 0 tal que Q(h) = 0;

5. semidefinida negativa se Q(h) ≤ 0, para todo o vector h, e existe h 6= 0 tal que Q(h) = 0.

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59
É conhecido da Álgebra Linear que, sendo A a matriz simétrica da forma quadrática Q,
i) se os valores próprios de A são todos positivos, então Q é definida positiva;
ii) se os valores próprios de A são todos negativos, então Q é definida negativa;
iii) se existem valores próprios de A positivos e outros negativos, então Q é indefinida.
" #
α β
No caso n = 2, se A = é a matriz (simétrica) de uma forma quadrática Q : R2 → R, e se
β γ
λ1 e λ2 são os valores próprios de A, atendendo a que det A = λ1 λ2 e tr A = λ1 + λ2 , é um exercı́cio
simples verificar que
1. se α > 0 e det A > 0, então λ1 e λ2 são ambos positivos (e, portanto, Q é definida positiva);
2. se α < 0 e det A > 0, então λ1 e λ2 são ambos negativos (e, portanto, Q é definida negativa);
3. se det A < 0, então λ1 e λ2 têm sinais opostos (e, portanto, Q é indefinida).
A tı́tulo de exemplo provemos o primeiro caso. Se α > 0 e det A = αγ − β 2 > 0 vem αγ > β 2 ≥ 0
logo, como α > 0, também γ > 0. Assim, λ1 λ2 > 0 e λ1 + λ2 = α + γ > 0, donde λ1 , λ2 > 0.
Conjugando estes factos com as conclusões do Teorema 2.59 obtemos finalmente o seguinte resul-
tado, que generaliza ao caso das funções de duas variáveis o chamado teste da segunda derivada já
estudado para funções reais de variável real.
Teorema 2.61 Seja f ∈ C 2 (D) e seja (a, b) um ponto crı́tico de f . Consideremos a matriz hessiana
de f no ponto (a, b), dada por
∂2f ∂2f
 

 ∂x2 ∂x∂y 
 
Hf (a, b) = 
 

 ∂2f ∂2f
 

∂y∂x ∂y 2 (a,b)

e seja d = det Hf (a, b). Então:


i) se d < 0, (a, b) é um ponto de sela de f ;
∂2f
ii) se d > 0 e (a, b) > 0, f tem um mı́nimo local em (a, b);
∂x2
∂2f
iii) se d > 0 e (a, b) < 0, f tem um máximo local em (a, b);
∂x2
iv) se d = 0 nada se pode concluir.
∂2f ∂2f ∂2f
Notas 2.62 1) Se (a, b) = 0 obtemos d ≤ 0, uma vez que (a, b) = (a, b).
∂x2 ∂x∂y ∂y∂x
2) Consideremos as funções definidas em R2 por f (x, y) = x4 + y 4 , g(x, y) = −(x4 + y 4 ) e
h(x, y) = x4 − y 4 , respectivamente. É fácil ver que (0, 0) é ponto crı́tico de todas elas e que,
neste ponto, d = 0 para cada uma das funções mencionadas. Além disso, não é difı́cil mostrar
que: (0, 0) é ponto de mı́nimo local (e absoluto) de f , (0, 0) é ponto de máximo local (e absoluto)
de g e (0, 0) é ponto de sela de h. Para justificarmos esta última afirmação basta notarmos que
h(0, 0) = 0 e que h toma valores positivos e outros negativos em qualquer vizinhança de (0, 0).
Com efeito, h(x, 0) > 0, para todo o x 6= 0, e h(0, y) < 0, para todo o y 6= 0.
Estes três exemplos mostram que nada se pode concluir no caso em que d = 0 e que a de-
terminação da natureza do ponto crı́tico em causa envolve o estudo directo da função numa
vizinhança desse ponto.

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60
Exemplo 2.63 Determinar e classificar os pontos crı́ticos da função f (x, y) = x3 − y 3 + xy, com
(x, y) ∈ R2 .
Atendendo a que ∇f (x, y) = (3x2 + y, x − 3y 2 ), ∀(x, y) ∈ R2 , os pontos crı́ticos de f são as soluções
do sistema   
2 2 2
 3x + y = 0
  y = −3x
  y = −3x

⇔ ⇔
 x − 3y 2 = 0
  x(1 − 27x3 ) = 0
  x = 0 ∨ x = 1.

3
 
Obtemos assim os pontos (0, 0) e 13 , − 31 .
Vamos agora classificar estes pontos crı́ticos, isto é, vamos verificar se são pontos de máximo local,
de mı́nimo local ou pontos de sela de f . Para esse efeito usamos o Teorema 2.61 e calculamos a
matriz hessiana de f em cada um dos pontos encontrados. Como para todo o (x, y) ∈ R2 se tem
fxx (x, y) = 6x, fxy (x, y) = fyx (x, y) = 1 e fyy (x, y) = −6y, obtemos
   
2 1 0 1
1 1
 
Hf ,− = e Hf (0, 0) =  .
   
3 3

1 2 1 0
     
Uma vez que fxx 13 , − 31 > 0 e que det Hf 31 , − 13 = 3 > 0, o ponto 13 , − 13 é um ponto de mı́nimo
local de f ; dado que det Hf (0, 0)= −1 < 0, o ponto (0, 0) é um ponto de sela de f .
Notemos ainda que f 13 , − 13 não é mı́nimo absoluto de f pois considerando a restrição de f à
recta y = 0 tem-se
lim f (x, 0) = lim x3 = −∞.
x→−∞ x→−∞

Nem todas as funções admitem extremos locais. Por exemplo, a função de classe C ∞ , de domı́nio
R2 , f (x, y) = 2x + y, cujo gráfico é o plano de equação z = 2x + y, não tem pontos crı́ticos pelo que
não tem extremos locais. Por outro lado, como vimos no Exemplo 2.63, há funções que têm extremos
locais mas não absolutos. O Teorema de Weierstrass garante a existência de extremos absolutos para
funções contı́nuas definidas em conjuntos compactos.
Se f : S ⊆ Rn → R é uma função contı́nua definida no conjunto compacto S, sabemos então que
f atinge um máximo e um mı́nimo absolutos em S. Estes extremos absolutos podem ser atingidos no
interior do conjunto S ou na sua fronteira. Assim, para determinarmos os extremos absolutos de uma
função diferenciável f num conjunto compacto S:
i) determinamos os pontos crı́ticos de f no interior de S;
ii) determinamos os pontos da fronteira de S que podem dar origem a extremos. No caso n = 2,
uma maneira de fazer isto é parametrizar a fronteira de S através de uma função vectorial r(t) e
reduzir o problema ao estudo da função de uma só variável f (r(t)). Veremos na próxima secção
um método alternativo para resolver este passo.
iii) Calculamos o valor de f em cada um dos pontos determinados nos passos anteriores. O maior
destes valores é o máximo absoluto de f em S, o menor é o mı́nimo absoluto.
Exemplos. 1) Determinar os extremos absolutos da função de classe C ∞ , definida em R2 por
f (x, y) = 2x + y, no conjunto compacto (um triângulo)
n o
S = (x, y) ∈ R2 : 0 ≤ x ≤ 1 ∧ 0 ≤ y ≤ 1 − x .

Já mencionámos que f não tem pontos crı́ticos, dado que ∇f (x, y) = (2, 1) 6= (0, 0), ∀(x, y) ∈ R2 ,
pelo que os seus extremos absolutos serão necessariamente atingidos na fronteira de S que é constituı́da
pelos três segmentos de recta
n o
S1 = (x, y) ∈ R2 : x = 0 ∧ 0 ≤ y ≤ 1 ,

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61
n o
S2 = (x, y) ∈ R2 : y = 0 ∧ 0 ≤ x ≤ 1
e n o
S3 = (x, y) ∈ R2 : y = 1 − x ∧ 0 ≤ x ≤ 1 .

Dado que f (0, y) = y, ∀y ∈ R, o valor máximo de f em S1 é 1 e o seu valor mı́nimo neste conjunto
é 0. No segmento S2 o máximo de f é 2 e o mı́nimo é 0, pois f (x, 0) = 2x, ∀x ∈ R. Finalmente,
no segmento S3 o valor máximo de f é 2 e o mı́nimo é 1, uma vez que f (x, 1 − x) = x + 1, ∀x ∈ R.
Concluı́mos assim que os extremos absolutos de f no conjunto S são 0 e 2.
2) Determinar os extremos absolutos nda função de classe C ∞ , definida
o em R2 por f (x, y) = xy, no
conjunto compacto (disco fechado) D = (x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 ≤ 1 .

O primeiro passo na resolução deste exemplo é a determinação dos pontos crı́ticos de f . Estes
pontos são as soluções de ∇f (x, y) = (0, 0). Dado que ∇f (x, y) = (y, x), ∀(x, y) ∈ R2 , f tem um único
ponto crı́tico que é o ponto (x, y) = (0, 0). Observamos que (0, 0) pertence ao interior de D e que
f (0, 0) = 0.
Fazemos agora o estudo de f nos pontos da fronteira de D. Este conjunto é a curva
n o
C = (x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = 1 ;

tratando-se da circunferência de centro em (0, 0) e raio 1, C pode ser parametrizada por


r(t) = (cos t, sin t), 0 ≤ t ≤ 2π.
Assim, os valores de f no conjunto C são dados pela função real de variável real
1
F (t) = f (r(t)) = cos t sin t = sin(2t), 0 ≤ t ≤ 2π.
2
Como F é contı́nua no compacto [0, 2π], F atinge neste intervalo um máximo e um mı́nimo absolutos.
Estes valores podem ser atingidos na fronteira do intervalo, ou seja, em t = 0 ou t = 2π, ou num
ponto interior onde F 0 (t) = 0. Ora, F 0 (t) = cos(2t), ∀t ∈ [0, 2π], pelo que procuramos os valores de
0 < t < 2π para os quais cos(2t) = 0. Dado que 0 < 2t < 4π, obtemos
π 3π 5π 7π
2t = ∨ 2t = ∨ 2t = ∨ 2t = ,
2 2 2 2

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62
ou seja,
π 3π 5π 7π
∨ t=
t= ∨ t= ∨ t= .
4 4 4 4
1
Seguidamente, calculamos os valores de F (t) = sin(2t) nos pontos obtidos:
2
π 5π 1 π 1 5π 1
       
F =F = sin = sin =
4 4 2 2 2 2 2
3π 7π 1 3π 1 7π 1
       
F =F = sin = sin =− .
4 4 2 2 2 2 2
Calculamos ainda o valor de F nos pontos da fronteira do intervalo [0, 2π]: F (0) = F (2π) = 0.
Comparamos todos estes valores com o valor obtido no único ponto crı́tico de f no interior de D:
f (0, 0) = 0.
Desta análise concluı́mos que o mı́nimo absoluto de f em D é − 21 , valor que é atingido nos pontos
  √ √    √  √
3π 2 2 7π 2 2 1
r 4 = − 2 , 2 er 4 = 2 , − 2 , e que o máximo absoluto de f em D é 2, valor que é
√ √     √ √ 
π 2 2
e r 4 = − 22 , − 22 .


atingido nos pontos r 4 = 2 , 2

Se f : D ⊆ Rn → R é uma função de classe C 2 , e D é um conjunto arbitrário, o estudo de


extremos absolutos de f pode ser uma tarefa muito difı́cil. Nesta situação, começamos por determinar
os pontos crı́ticos e identificar os extremos locais, nos casos em que o Teorema 2.61 é conclusivo.
Quando o referido teorema não permite a classificação de um ponto crı́tico, é necessário fazer um
estudo directo da função f numa vizinhança desse ponto. Também para estas funções, o método que
vamos estudar na próxima secção pode ser uma ajuda no estudo de extremos na fronteira de D.

2.9 Extremos condicionados

Veremos nesta secção como determinar extremos de uma função f : D ⊆ Rn → R no caso em que os
pontos x ∈ Rn estão sujeitos a uma condição do tipo g(x) = 0. Chama-se a isto resolver um problema
de extremos condicionados. Este problema resume-se assim a calcular os extremos da função f
restrita ao conjunto, suposto não vazio,

C = {x ∈ Rn : g(x) = 0},

notada por f|C . Vamos usar o chamado método dos multiplicadores de Lagrange.

Teorema 2.64 Sejam D, E ⊆ Rn conjuntos abertos, g : E → R, f : D → R funções tais que


g ∈ C 1 (E), f ∈ C 1 (D) e E ⊆ D, e seja C = {x ∈ E : g(x) = 0}. Se f|C tem um extremo local em
x0 ∈ C e se ∇g(x0 ) não é o vector nulo, então ∇f (x0 ) e ∇g(x0 ) são paralelos, isto é, existe λ ∈ R tal
que
∇f (x0 ) = λ∇g(x0 ).

Ao escalar λ referido no teorema anterior damos o nome de multiplicador de Lagrange.


A demonstração rigorosa do Teorema 2.64 baseia-se no Teorema da Função Implı́cita. No entanto,
a figura que se segue ilustra geometricamente as conclusões do resultado anterior no caso n = 2 e
permite dar uma ideia da prova. Na figura encontram-se representadas a preto algumas curvas de
nı́vel da função f e a azul a curva de nı́vel 0 da função g, que designamos por C.
Nas condições enunciadas, é simples verificar, por aplicação da regra da cadeia, que se f|C tem
um extremo local em (x0 , y0 ) ∈ C, então ∇f (x0 , y0 ) é ortogonal a C no ponto (x0 , y0 ). Com efeito,
sendo γ(t), t ∈ I, uma parametrização de C e t0 ∈ I tal que γ(t0 ) = (x0 , y0 ), como (x0 , y0 ) é ponto de
extremo local de f|C , então f ◦ γ tem um extremo local em t0 . Assim,
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63
d
(f (γ(t))) = ∇f (γ(t)) · γ 0 (t)
dt
tem que se anular em t0 , isto é, ∇f (γ(t0 )) · γ 0 (t0 ) = 0 pelo que os vectores ∇f (γ(t0 )) e γ 0 (t0 ) são
ortogonais. Como γ 0 (t0 ) é tangente a C no ponto γ(t0 ) = (x0 , y0 ), vem que ∇f (γ(t0 )) = ∇f (x0 , y0 ) é
ortogonal a C em (x0 , y0 ).
Mas, por outro lado, como C é a curva de nı́vel 0 da função g, é sabido (cf. Teorema 2.44) que
∇g(x0 , y0 ) é ortogonal a C no ponto (x0 , y0 ). Assim, os dois vectores ∇f (x0 , y0 ) e ∇g(x0 , y0 ) são
paralelos.

Portanto, para determinarmos os extremos locais de f|C recorrendo ao Teorema 2.64, começamos
por determinar as soluções (x, λ) ∈ Rn × R do sistema
(
∇f (x) = λ∇g(x)
g(x) = 0,
os pontos onde são atingidos os extremos locais de f|C estão entre as projecções x ∈ Rn das soluções
(x, λ) ∈ Rn × R encontradas. Notamos ainda que as soluções (x, λ) do sistema anterior são os pontos
crı́ticos da função auxiliar
F (x, λ) = f (x) − λg(x).
Exemplos. 1) Determinar os extremos absolutos da função de classe C ∞ , definida em R2 por
f (x, y) = xy, no conjunto compacto
n o
C = (x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = 1 .

Este exemplo retoma o estudo dos extremos da função f do Exemplo 2) da secção anterior, na
fronteira do conjunto D aı́ considerado.
Definindo g(x, y) = x2 + y 2 − 1, com (x, y) ∈ R2 , o conjunto C é o conjunto de nı́vel 0 de g
e o nosso objectivo é determinar os extremos de f|C . Começamos por observar que a existência de
extremos absolutos de f|C é garantida pelo Teorema de Weierstrass, atendendo a que f ∈ C ∞ (R2 ) e
C é compacto.
Por outro lado, como g ∈ C ∞ (R2 ) e ∇g(x, y) = (2x, 2y) 6= (0, 0) se (x, y) ∈ C, o Teorema 2.64 é
aplicável.
Determinemos então as soluções do sistema

 
 y = 2λx
 ∇f (x, y) = λ∇g(x, y)


 

⇔ x = 2λy

 g(x, y) = 0 



x2 + y 2 = 1.

Da análise das duas primeiras equações notamos que se x = 0, então também y = 0, e reciprocamente,
o que é contrário à terceira equação. Assim, qualquer solução (x, y, λ) do sistema anterior terá que
satisfazer x 6= 0 e y 6= 0, pelo que podemos multiplicar a primeira equação por y e a segunda por x,
obtendo o sistema equivalente
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64
 2  2

 y = 2λxy 
 y = 2λxy

 


 

x2 = 2λxy ⇔ x2 = y 2

 


 

x2 + y 2 = 1 2x2 = 1.

 

1
Temos então 2x2 = 1 ⇔ x2 = 2 ⇔ x = ± √12 portanto há quatro pontos onde podem ser atingidos os
extremos absolutos de f|C :

1 1 1 1 1 1 1 1
       
√ ,√ , √ , −√ , −√ , √ , −√ , −√ .
2 2 2 2 2 2 2 2
Calculamos o valor de f (x, y) = xy em todos eles:
1 1 1 1 1
   
f √ ,√ = f −√ , −√ =
2 2 2 2 2
1 1 1 1 1
   
f √ , −√ = f −√ , √ =− .
2 2 2 2 2
1
Concluı́mos então que o máximo absoluto de f|C é 2 e que o mı́nimo absoluto de f|C é − 12 .

2) Determinar os extremos absolutos da função f (x, y, z) = x2 + 2y 2 − 3z 2 , com (x, y, z) ∈ R3 , no


conjunto n o
S = (x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 ≤ 1 .

f é de classe C ∞ em R3 , consequentemente é contı́nua, e o conjunto S é a esfera de centro (0, 0, 0)


e raio 1, logo é compacto, portanto a existência de extremos absolutos de f em S é garantida pelo
Teorema de Weierstrass.
Começamos por notar que ∇f (x, y, z) = (2x, 4y, −6z), ∀(x, y, z) ∈ R3 , donde

∇f (x, y, z) = (0, 0, 0) ⇔ (x, y, z) = (0, 0, 0),

pelo que f tem um único ponto crı́tico no interior de S tendo-se f (0, 0, 0) = 0.


Procuremos agora os pontos da fronteira de S onde f pode atingir um extremo. Definindo a função
de classe C ∞ em R3 , g(x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 − 1, a fronteira de S é o conjunto de nı́vel 0 de g e tem-se
∇g(x, y, z) = (2x, 2y, 2z) 6= (0, 0, 0) se (x, y, z) é um ponto da fronteira de S, portanto o Teorema 2.64
é aplicável. Determinemos as soluções do sistema
 



2x = 2λx 


x=0∨λ=1

 

 
 

 ∇f (x, y, z) = λ∇g(x, y, z)  4y = 2λy  y =0∨λ=2

 

  
⇔ ⇔
−6z = 2λz z = 0 ∨ λ = −3

 g(x, y, z) = 0 
 


 


 


 

 
 x2 + y 2 + z 2 = 1
  x2 + y 2 + z 2 = 1.

Notemos que se λ = 1, então y = z = 0, donde x2 = 1 ⇔ x = ±1. Se λ = 2 tem-se x = z = 0


e, portanto, y 2 = 1 ⇔ y = ±1. Finalmente, se λ = −3 vem x = y = 0 e logo z 2 = 1 ⇔ z = ±1.
Interessam-nos assim os pontos (±1, 0, 0), (0, ±1, 0) e (0, 0, ±1). Determinando os valores de f nestes
pontos obtemos
f (±1, 0, 0) = 1, f (0, ±1, 0) = 2, f (0, 0, ±1) = −3.
Comparando estes valores com f (0, 0, 0) = 0, concluı́mos por fim que o máximo e o mı́nimo absolutos
de f em S são, respectivamente, 2 e −3.
Cálculo Diferencial em Rn Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

65
Análise Mat. II e Cálculo Dif. e Int. II Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

66
3 Cálculo Integral em Rn
Introdução
O integral de Riemann que definimos para as funções reais de variável real (caso n = 1) é uma
ferramenta que permite, entre outras aplicações, calcular áreas de regiões genéricas do plano, isto
é, permite medir conjuntos em dimensão 2. Recorde-se que dada uma função real de variável real,
positiva e limitada num intervalo limitado I, o seu integral, em I, corresponde ao valor do conceito
que definimos como área da região limitada pelo gráfico da função, pelo eixo do xx e pelas rectas
verticais definidas pelos extremos de I. Também o conceito de integral múltiplo, que vamos definir,
está ligado à noção de medida, permitindo, entre outras aplicações, determinar medidas de conjuntos
em dimensão n (n ∈ N), por exemplo, os chamados volumes para objectos em dimensão 3. A ênfase
do nosso estudo recai nos casos n = 2 e n = 3.
Para além do conceito e das suas propriedades, vamos estabelecer técnicas de cálculo de integrais
múltiplos, recorrendo ao cálculo de integrais unidimensionais. À semelhança do caso n = 1, estudare-
mos também um teorema de mudança de variável no integral múltiplo que, nalguns casos, facilita o
cálculo dos mesmos.
Os tópicos abordados neste capı́tulo inserem-se na chamada Teoria da Medida, cujo estudo rigoroso
e completo é feito em cadeiras avançadas (3.o ano da Licenciatura em Matemática). Não obstante,
faremos um estudo cuidadoso dos conceitos, direccionado para o cálculo e aplicações, recorrendo
algumas vezes à intuição e outras às provas formais, cujas ideias sejam pertinentes para a prossecução
da formação matemática dos alunos.

3.1 Definição e propriedades básicas do integral de Riemann


Neste capı́tulo n representará sempre um número natural, assim n ∈ N.
Dizemos que um conjunto I é um intervalo de números reais (ou intervalo real) se, dados
a, b ∈ I, arbitrários, e se x ∈ R é tal que a < x < b, então x ∈ I.
Dois números reais α e β, tais que α < β, definem quatro tipos de intervalos de números reais, a
saber:
[α, β], ]α, β[, [α, β[ e ]α, β].
O intervalo [α, α], com α ∈ R, diz-se um intervalo degenerado; é o conjunto singular {α}.
Se α > β, ]α, β[ não é um intervalo, é o conjunto vazio.
Denotamos o produto cartesiano de dois conjuntos A e B por A × B e é o conjunto que se segue

A × B = {(x, y) : x ∈ A ∧ y ∈ B}.

Analogamente, o produto cartesiano de n ∈ N2 conjuntos A1 , . . . , An é o conjunto

A1 × . . . × An = {(x1 , . . . , xn ) : xi ∈ Ai , i = 1, . . . , n}.

Exemplos. R2 é o produto cartesiano R × R e R3 é o produto cartesiano R × R × R.


Dizemos que um conjunto I é um intervalo de Rn se I é o produto cartesiano de n intervalos
reais. Dados ak , bk ∈ R, se Ik = [ak , bk ] ou Ik =]ak , bk ] ou Ik =]ak , bk [ ou Ik = [ak , bk [, e ak < bk , para
todo o k = 1, . . . n, o intervalo I = I1 × . . . × In diz-se não degenerado. Um intervalo de Rn diz-se
degenerado se pelo menos um dos intervalos reais envolvidos no produto cartesiano é degenerado.
Seja I um intervalo de Rn . Se I é produto cartesiano de n intervalos reais fechados (resp. abertos),
dizemos que é um intervalo fechado (resp. aberto). No caso em que I é produto cartesiano de n
intervalos reais limitados, dizemos que é um intervalo limitado. I diz-se ilimitado se pelo menos
um dos intervalos reais intervenientes no produto cartesiano não for limitado. As situações nomeadas
enquadram-se nas noções topológicas já definidas, com as caracterizações agora dadas, atendendo às
especificidades dos intervalos.
Cálculo Integral em Rn Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

67
Exemplos.
1) Em R2 os intervalos limitados são rectângulos; exemplo I = [1, 3]×] − 2, 6].

Também [2, +∞[×]3, 5], [−9, 0[×] − ∞, 7] e R2 são exemplos de intervalos (ilimitados) de R2 .
2) Em R3 os intervalos limitados são paralelepı́pedos; exemplo I =] − 3, 4[×]0, 3] × [2, 6[.

Também [0, 3]×[2, +∞[×]3, 5], ]−∞, −1[×[−8, +∞[×[5, 7] e R3 são exemplos de intervalos (ilimitados)
de R3 .
3) O segmento de recta [2, 6] × {0} é um intervalo degenerado de R2 .
4) O rectângulo {1} × [1, 3]×] − 2, 6] é um intervalo degenerado de R3 .

Sejam a, b dois números reais. Dado um intervalo real I limitado, [a, b] ou ]a, b] ou ]a, b[ ou [a, b[,
com a < b (a ≤ b, no caso em que o intervalo é fechado), definimos a medida unidimensional de I
como sendo o valor b − a, denotamos por m1 (I), e chamamos a esse valor o comprimento de I.
Dado I = I1 × . . . × In intervalo em Rn , com Ik intervalo real limitado, k = 1, . . . , n, definimos a
medida n-dimensional de I, e denotamos por mn (I), como sendo o valor
m1 (I1 ) · . . . · m1 (In ).
No caso n = 2, a m2 (I) chamamos área de I. No caso n = 3, dizemos que m3 (I) é o volume de I.
Exemplos.
1) O comprimento de [2, 6[ é m1 ([2, 6[) = 4.
2) A área de [1, 3]×] − 2, 6] é m2 ([1, 3]×] − 2, 6]) = 2 · 8 = 16.
3) O volume de ] − 3, 1[×]0, 3] × [2, 4[ é m3 (] − 3, 1[×]0, 3] × [2, 4[) = 4 · 3 · 2 = 24.
Quando não há necessidade de explicitar a dimensão na medida, em vez de mn , usamos simples-
mente m.
Observe-se que mn (I) = 0 apenas quando I é um intervalo degenerado.

Consideremos I um intervalo não degenerado e limitado de Rn . Chamamos decomposição ou


partição de I a uma famı́lia finita de intervalos não degenerados de Rn , I1 , . . . , Ip , com p ∈ N,
que apenas podem ter em comum pontos das respectivas fronteiras (int Ij ∩ int Ik = ∅, se j 6= k,
j, k = 1, . . . , p) e tais que
I = I1 ∪ . . . ∪ Ip .

I (n = 2) Uma decomposição de I
Cálculo Integral em Rn Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

68
p
X
Dada uma decomposição D = {I1 , . . . , Ip } do intervalo I tem-se que m(I) = m(Ij ), p ∈ N.
j=1
Fixemos I um intervalo fechado, limitado e não degenerado de Rn . Seja f : I → R uma função
(campo escalar) limitada e consideremos D = {I1 , . . . , Ip } uma decomposição de I, com p ∈ N.
Definimos as somas inferior e superior de Darboux de f , relativamente a D, respectivamente,
por
p
X p
X
S(f, D) = (inf f ) mn (Ij ) e S(f, D) = (sup f ) mn (Ij ),
Ij Ij
j=1 j=1

e, escolhidos ξj ∈ Ij , j = 1, . . . , p, a soma de Riemann de f relativamente a D e a ξ = (ξj ) por


p
X
S(f, D, ξ) = f (ξj ) mn (Ij ).
j=1

É imediato que
S(f, D) ≤ S(f, D, ξ) ≤ S(f, D). (14)
No caso n = 2, quando a função f é não negativa, as somas anteriores representam a soma dos
volumes dos paralelepı́pedos cujas bases são os intervalos Ij da decomposição D de I e cujas alturas
são respectivamente inf Ij f , supIj f e f (ξj ), j = 1, . . . , p, tal como ilustram as três figuras que se
seguem.

Sólidos envolvidos nas somas de Darboux: inferior (figura à esquerda) e superior (figura à direita),
para uma dada função, cujo gráfico está representado a azul

Sólidos envolvidos na soma de Riemann, para uma dada função, cujo gráfico está representado a
vermelho

Cada um dos sólidos constituı́dos pela união dos paralelepı́pedos considerados em cada um dos
casos anteriores é uma aproximação da região

S = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ I ∧ 0 ≤ z ≤ f (x, y)}.

Cálculo Integral em Rn Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

69
Assim, as somas consideradas são valores aproximados do volume de S, conceito que pretendemos
definir. Este é formulado a partir do conceito do integral do campo escalar f e segue as ideias do caso
n = 1. Comecemos por dar a definição de diâmetro de um conjunto. Seja ∅ 6= A ⊂ Rn , chamamos
diâmetro de A, e representamos por diam (A), ao valor (em R)

sup kx − yk.
x,y∈A

Ilustração de diâmetros:
n=1 n=2 n=3
Considerando D = {I1 , . . . , Ip } uma decomposição de I, chamamos diâmetro da decomposição D
ao maior dos diâmetros de cada Ij , j = 1, . . . , p (p ∈ N).
Consideremos então todas as possı́veis sucessões (Dm )m de decomposições de I com diâmetro a
tender para zero (no caso n = 1 consideram-se sucessões de partições do intervalo com comprimento
a tender para zero), quando m → +∞, e as respectivas sucessões das somas inferior e superior de
Darboux: S(f, Dm ) e S(f, Dm ).

A figura exemplifica os sólidos envolvidos nalguns termos da sucessão das somas inferiores de
Darboux da função f (x, y) = 16 − x2 − 2y 2 , em I = [0, 2] × [0, 2].

Dizemos que f é integrável à Riemann (ou simplesmente integrável), em I, se existe ` ∈ R tal


que
lim S(f, Dm ) = lim S(f, Dm ) = ` ∈ R, (15)
m→+∞ m→+∞

para qualquer sucessão (Dm )m nas condições descritas. Ao valor comum do limiteZ chamamos integral
de Riemann de f (ou simplesmente integral), em I, e representamos por f. Quando n > 1,
I
referimo-nos ao integral como integral múltiplo. Se n = 1, este conceito coincide com o integral de
Riemann definido em Análise Matemática I/Cálculo Diferencial e Integral I para as funções reais de
variável real.
Se f é integrável, então, atendendo a (14), vem
Z
lim S(f, Dm , ξm ) = f,
m→+∞ I

onde ξm = (ξmj ) é uma sucessão de pontos escolhidos em cada intervalo Imj da decomposição Dm de
I, m, j ∈ N. Prova-se que se o limite anterior (das somas de Riemann) existir, então também existem
os limites em (15) e estes três limites coincidem.
Cálculo Integral em Rn Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

70
Se n = 2, algumas notações para o integral de f , em I, são
Z Z ZZ Z ZZ
f ou f dA ou f (x, y) dA ou f (x, y) dxdy ou f (x, y) dxdy,
I I I I I

e dizemos que temos um integral duplo. Se n = 3, algumas notações para o integral de f , em I, são
Z Z ZZZ Z ZZZ
f ou f dV ou f (x, y, z) dV ou f (x, y, z) dxdydz ou f (x, y, z) dxdydz,
I I I I I

e dizemos que temos um integral triplo. Estas notações generalizam-se para qualquer n sendo a
notação genérica Z
f dx1 dx2 . . . dxn .
I
A ordem dx1 dx2 . . . dxn na notação anterior, em dxdy no integral duplo, e em dxdydz no integral
triplo, de uma forma geral, reflete a ordem das variáveis no sistema de coordenadas adoptado. Porém,
quando esta ordem não é referida, consideramos a ordem crescente da enumeração (x1 , x2 , . . .) ou a
ordem alfabética (x, y, . . .) das variáveis em uso.

Que funções são integráveis à Riemann? No que se segue analisamos algumas situações.

i) As funções constantes são integráveis em intervalos fechados e limitados de Rn .


A prova da asserção anterior é muito simples como vamos ver. Sejam I um intervalo fechado e
limitado de Rn , c uma constante real e f (x) = c, para todo o x ∈ I. Consideremos D = {I1 , . . . , Ik }
uma qualquer decomposição de I, ξ = (ξj ) uma sucessão de pontos tais que ξj ∈ Ij , j = 1, . . . , k
(k ∈ N).
Assim
k
X k
X k
X
S(f, D, ξ) = f (ξj ) mn (Ij ) = c mn (Ij ) = c mn (Ij ) = c mn (I).
j=1 j=1 j=1

Como D e ξ foram tomadas arbitrariamente, então f é integrável e


Z
f = c mn (I).
I

Exemplificamos agora a situação anterior com um caso concreto. Seja f : [2, 5] × [−1, 3] → R, a
função constante dada por f (x, y) = −2. Assim,
Z
f dA = −2 m([2, 5] × [−1, 3]) = −2(5 − 2)(3 + 1) = −24.
[2,5]×[−1,3]

ii) Considerando I = [0, 2] × [0, 2], é fácil ver que a função


(
1, (x, y) ∈ I \ {(1, 1)}
f (x, y) =
0, (x, y) = (1, 1)
Z
é integrável em I e que f dA = 4.
[0,2]×[0,2]
Seja então (Dp )p uma sucessão de decomposições de I, com Dp = {Ip1 , . . . , Ipkp } e ξp = (ξpj )
uma sucessão de pontos tais que ξpj ∈ Ipj , j = 1, . . . , kp , com p, kp ∈ N. Sem perda de generalidade
suponhamos que (1, 1) ∈ Ip1 , para todo o p ∈ N. Se p ∈ N é tal que ξp1 6= (1, 1), então f (ξpj ) = 1,
para todo o j = 1, . . . , kp , donde
kp kp
X X
S(f, Dp , ξp ) = f (ξpj ) mn (Ipj ) = mn (Ipj ) = m(I) = 4.
j=1 j=1

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71
Seja agora p ∈ N tal que ξp1 = (1, 1), então f (ξp1 ) = 0 e vem
kp kp kp
X X X
S(f, Dp , ξp ) = f (ξpj ) mn (Ipj ) = f (ξp1 ) mn (Ip1 ) + mn (Ipj ) = mn (Ipj ).
j=1 j=2 j=2

Considerando agora que as decomposições de I, da sucessão (Dp )p , têm diâmetro a convergir para
kp
X
zero, quando p → +∞, vem mn (Ipj ) → m(I) = 4 (observe-se que mn (Ip1 ) → 0), quando p → +∞.
j=2
Assim, independentemente da sucessão de partições de I, com diâmetro a convergir para zero, e da
escolha da sucessão de pontos nos intervalos de cada partição, tem-se o pretendido.
iii) Com um pouco mais de trabalho do que no caso ii), prova-se que a função
(
1, (x, y) ∈ I, x 6= y
g(x, y) =
0, (x, y) ∈ I, x = y
Z
também é integrável em I = [0, 2] × [0, 2] e que g dA = 1.
[0,2]×[0,2]

Observamos que a função f , do exemplo ii), apenas é descontı́nua no ponto (1, 1) e que a g, do
exemplo iii), apenas é descontı́nua no segmento de recta {(x, x) ∈ R2 : x ∈ [0, 2]}. Nestes dois últimos
casos o conjunto dos pontos de descontinuidade das funções tem um tamanho pequeno e é por esse
facto que são integráveis. Segue-se o conceito que dá significado a esta ideia e que nos vai permitir
responder à pergunta inicial.
Dizemos que A ⊂ Rn é um conjunto desprezável se para cada ε > 0 existe um número finito de
intervalos (limitados) de Rn , I1 , . . . , Ip , p ∈ N, tais que
p
X
A ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ip e mn (Ij ) < ε.
j=1

Também dizemos que A é um conjunto de medida nula e escrevemos mn (A) = 0 (esta terminologia
será explicada mais adiante).

Exemplos e propriedades
1) ∅ é desprezável.
2) Qualquer conjunto finito é desprezável.
3) Um subconjunto de um conjunto desprezável é desprezável.
4) Se X é um conjunto é desprezável, também X (o fecho de X =int X∪ fr(X)) o é.
5) A união finita de desprezáveis é desprezável.
6) A fronteira de um intervalo (limitado) de Rn é desprezável.
A fronteira de um intervalo é a união finita de conjuntos desprezáveis, já que é união de intervalos
degenerados. Trivialmente, estes últimos são conjuntos desprezáveis, já que a sua medida é zero.
Exemplo. A fronteira do intervalo (de R2 ) [1, 2] × [3, 4] é o conjunto

({1} × [3, 4]) ∪ ({2} × [3, 4]) ∪ ([1, 2] × {3}) ∪ ([1, 2] × {4}).
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72
7) Dados K ⊂ Rn compacto e f : K → R uma função contı́nua, então
graf f = {(x, y) ∈ Rn+1 : x ∈ K ∧ y = f (x)}
é um conjunto desprezável.
Exemplo. O gráfico de f (x) = 2 + sin x, com x ∈ [−5, 9], é desprezável.

graf f = {(x, y) ∈ R2 : x ∈ [−5, 9] ∧ y = 2 + sin x}

8) Sejam a, b ∈ R, φ1 , ψ1 : [a, b] → R funções contı́nuas tais que φ1 ≤ ψ1 . Então a fronteira do conjunto


n o
(x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b ∧ φ1 (x) ≤ y ≤ ψ1 (x)

é desprezável (em R2 ).
Exemplo. A fronteira de
n o
(x, y) ∈ R2 : −1 ≤ x ≤ 2 ∧ x − 2 ≤ y ≤ x2 + 2


{−1} × [−3, 3] ∪ {(x, x2 + 2) : −1 ≤ x ≤ 2} ∪ {2} × [0, 6] ∪ {(x, x − 2) : −1 ≤ x ≤ 2},
que na figura acima está representada pelos traços mais escuros (a laranja).
9) Sejam a, b, ∈ R, com a ≤ b, φ1 , ψ1 : [a, b] → R funções contı́nuas tais que φ1 ≤ ψ1 ,
Ω = {(x, y) : x ∈ [a, b], φ1 (x) ≤ y ≤ ψ1 (x)},
φ2 , ψ2 : Ω → R funções contı́nuas tais que φ2 ≤ ψ2 . Então a fronteira do conjunto
n o
(x, y, z) ∈ R3 : a ≤ x ≤ b ∧ φ1 (x) ≤ y ≤ ψ1 (x) ∧ φ2 (x, y) ≤ z ≤ ψ2 (x, y)
é desprezável.
10) Traços de linhas regulares em Rn são conjuntos desprezáveis. Tal como referido na definição,
dizemos que estes conjuntos têm medida nula. O comprimento de uma curva traço de uma linha
seccionalmente C 1 , que é um valor positivo (trata-se uma medida unidimensional), como foi visto no
Capı́tulo 1, não deve ser confundido com esta medida n-dimensional (nula, neste caso).

São válidos os resultados que se seguem.


Teorema 3.1 Sejam I um intervalo de Rn , compacto (conjunto fechado e limitado) e não vazio,
A ⊂ I um conjunto desprezável e f : IZ → R uma função limitada, tal que f (x) = 0, para todo o
x ∈ I \ A. Então f é integrável em I e f = 0.
I
O teorema anterior diz-nos que uma função limitada num intervalo compacto I, que é nula fora de
um conjunto desprezável, é integrável em I e o valor do seu integral, em I, é zero.
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73
Exemplo. Seja I = [2, 5] × [−2, π]. A função h definida por
(
0, (x, y) ∈ I, x 6= y
h(x, y) =
8, (x, y) ∈ I, x = y
Z
é integrável em I e h dA = 0, já que o conjunto {(x, y) ∈ R2 : (x, y) ∈ I ∧ x = y} é desprezável
I
(ver exemplo 7) da página 73).
Teorema 3.2 Sejam I um intervalo de Rn , compacto e não vazio, A ⊂ I um conjunto desprezável e
f : I → R uma função contı́nua em I \ A. Então f é integrável em I.
A função g do exemplo iii) da página 72 é um dos casos a que este teorema diz respeito, já que
{(x, y) ∈ R2 : (x, y) ∈ [0, 2] × [0, 2] ∧ x = y} é o conjunto dos pontos onde g é descontı́nua e é um
conjunto desprezável.
Corolário 3.3 Sejam I um intervalo de Rn , compacto e não vazio e f : I → R uma função contı́nua.
Então f é integrável em I.
Uma prova dos últimos três resultados enunciados pode ser encontrada no livro do Professor Luı́s
Sanchez, a referência [5] da bibliografia recomendada. Observe-se que a prova do corolário resulta
directamente do Teorema 3.2 com A = ∅, dado que f é contı́nua e que ∅ é desprezável.
A caracterização completa das funções integráveis envolve uma extensão da noção de conjunto
desprezável que está fora do âmbito do nosso curso, mas que enunciamos seguidamente, por uma
questão de completude.
Dizemos que um conjunto A ⊂ Rn é desprezável à Lebesgue se para cada ε > 0 existe uma
famı́lia numerável de intervalos de Rn , (In )n∈N , tais que
[ X
A⊂ In e m(In ) < ε.
n∈N n∈N

É imediato que se A é um conjunto desprezável, então também é desprezável à Lebesgue. As


propriedades enunciadas para os conjuntos deprezáveis, na página 72, são válidas para os conjuntos
desprezáveis à Lebesgue.
Teorema 3.4 Sejam I um intervalo compacto, não vazio, de Rn e f : I → R uma função limitada.
A função f é integrável à Riemann em I se, e só se, o conjunto dos seus pontos de descontinuidade
é um conjunto desprezável à Lebesgue.
Vamos agora definir o integral (de Riemann) de uma função f (limitada) definida num conjunto
Ω ⊂ Rn limitado e cuja fronteira seja um conjunto desprezável.
Seja I um intervalo compacto de Rn tal que Ω ⊂ I e considere-se a função g definida por
(
f (x), se x ∈ Ω
g(x) =
0, se x ∈ I \ Ω.

Dizemos que f é integrável à Riemann (ou simplesmente integrável), em Ω, se g for integrável


em I. Nesse caso definimos Z Z
f := g.
Ω I

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74
Observe-se que uma vez que prolongámos a função f por zero fora de Ω, é indiferente qual o intervalo
I que se considera, desde que contenha Ω.

Dizemos que ∅ = 6 Ω ⊂ Rn é um conjunto mensurável (à Jordan) se é um conjunto limitado e se a


sua fronteira for um conjunto desprezável.

Exemplos e propriedades
11) Um intervalo limitado é um conjunto mensurável.
12) Os conjuntos dos exemplos 8) e 9), da página 73, são mensuráveis.
13) Se dois conjuntos são mensuráveis, o mesmo acontece à sua união e à sua intersecção.
14) Os conjuntos desprezáveis são mensuráveis.
15) O interior de um conjunto mensurável é um conjunto mensurável.
Se Ω ⊂ Rn é um conjunto mensurável, em particular é limitado, logo o seu interior também o é
(int Ω ⊆ Ω). Como ∂(int Ω) ⊆ ∂Ω este último conjunto é desprezável, também ∂(int Ω) é um conjunto
desprezável. Temos então a conclusão pretendida: int Ω é um conjunto mensurável.
Podemos agora estender a noção de medida n-dimensional, definida inicialmente para intervalos,
a outros conjuntos. Chamamos medida n-dimensional do conjunto mensurável Ω ⊂ Rn ao número
Z
mn (Ω) = 1.

Também dizemos que mn (Ω) é a medida de Jordan de Ω. Observe-se que, sendo Ω um conjunto
mensurável, a sua fronteira é desprezável pelo que a função f ≡ 1 é integrável em Ω.
À semelhança dos casos dos intervalos, se n = 2, a m2 (Ω) chamamos a área de Ω e, se n = 3,
a m3 (Ω) chamamos volume de Ω. Também neste caso, quando não há necessidade de explicitar a
dimensão na medida, em vez de mn , usamos simplesmente m.
Dizemos que mn (∅) = 0, por comodidade de linguagem.

Com a introdução do conceito anterior justifica-se a terminologia conjunto de medida nula para
os conjuntos desprezáveis. Prova-se que um conjunto A ⊂ Rn é desprezável se, e só se, é mensurável
e se m(A) = 0.
Observe-se que se Ω é um conjunto mensurável e f é contı́nua em Ω, então f é integrável em Ω.
Ora, no prolongamento de f por zero a um intervalo que contenha Ω obtemos uma função que apenas
poderá apresentar descontinuidades na fronteira de Ω, que é um conjunto desprezável, tendo-se então
a conclusão por aplicação do Teorema 3.2. Mais geralmente, é válido o resultado que se segue.
Teorema 3.5 Seja Ω ⊂ Rn um conjunto mensurável e f : Ω → R uma função limitada. Então
f é integrável à Riemann em Ω se, e só se, o conjunto das suas descontinuidades é um conjunto
desprezável à Lebesgue.
Prova. O conjunto Ω é limitado, dado que é mensurável. Seja então I um intervalo fechado
(limitado) de Rn , tal que Ω ⊂ I. A função f é integrável em Ω se, e só se, a função
(
f (x), se x ∈ Ω
g(x) =
0, se x ∈ I \ Ω
é integrável no intervalo I. Do Teorema 3.4, este facto ocorre se, e só se, o conjunto dos pontos de
descontinuidade de g é desprezável à Lebesgue. Observa-se que este último conjunto é a união do
conjunto dos pontos de descontinuidade de f , eventualmente com a fronteira de Ω, que é um conjunto
desprezável. Assim, temos a última asserção se, e só se, o conjunto dos pontos de descontinuidade de
f é desprezável à Lebesgue, tendo presente que a união de dois conjuntos desprezáveis à Lebesgue é
um conjunto desprezável à Lebesgue (cf. Propriedade 5) da página 72). 

O resultado que se segue reúne algumas propriedades do integral múltiplo.


Cálculo Integral em Rn Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

75
Teorema 3.6 Sejam Ω ⊂ Rn um conjunto mensurável, f e g dois campos escalares definidos e in-
tegráveis em Ω e M ∈ R.
Z
1. Se c é uma constante real, então c = c m(Ω).

2. (Linearidade) Se a e b são constantes reais, o campo escalar af +bg é integrável em Ω e tem-se


Z Z Z
(af + bg) = a f +b g.
Ω Ω Ω
Z
3. (Positividade) Se f (x) ≥ 0 para todo x ∈ Ω, então f ≥ 0.

Z Z
4. (Monotonia) Se f (x) ≥ g(x) para todo x ∈ Ω, então f≥ g.
Ω Ω
Z Z

5. A função |f | é integrável em Ω e tem-se f ≤ |f |.
Ω Ω
Z

6. (Majoração) Se |f (x)| ≤ M para todo x ∈ Ω, então f ≤ M m(Ω).

Observações.
1) A propriedade 2. do teorema anterior diz-nos que o conjunto das funções integráveis num con-
junto mensurável
Z Ω é um espaço vectorial e que a aplicação que a cada elemento f deste espaço faz
corresponder f é linear.

Z
2) Se m(Ω) = 0, então f = 0 (onde f é uma função integrável).

Vejamos a prova deste resultado. Como f é integrável,

∃M > 0 : ∀x ∈ Ω, |f (x)| ≤ M.

Da propriedade 6. sai que Z



f ≤ M m(Ω).


Como m(Ω) = 0, da desigualdade anterior temos que
Z

f ≤ M m(Ω) = 0,

donde Z Z

f = 0, o que implica que f = 0.

Ω Ω

Proposição 3.7 (Aditividade dos domı́nios) Seja Ω = Ω1 ∪ Ω2 ⊂ Rn , com Ω1 e Ω2 mensuráveis,


e Ω1 ∩ Ω2 desprezável. Se f é integrável em Ω1 e em Ω2 , então f é integrável em Ω e tem-se
Z Z Z
f= f+ f.
Ω Ω1 Ω2

A propriedade anterior generaliza-se, por indução, ao caso em que Ω pode ser escrito como união
finita de m conjuntos mensuráveis Ωi , com i = 1, . . . , m,

Ω = Ω1 ∪ Ω2 ∪ . . . ∪ Ωm ,

tais que Ωi ∩ Ωj é desprezável, para i 6= j, i, j = 1, . . . , m, m ∈ N.


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76
3.2 Cálculo de integrais em Rn por iteração
Na secção anterior estabelecemos o conceito de integral de um campo escalar definido num subconjunto
mensurável de Rn , assim como algumas das suas propriedades, à semelhança do que estudámos em
dimensão 1. Neste último caso (n = 1) é o Teorema Fundamental do Cálculo que nos fornece um
método prático para o cálculo dos integrais. Nesta secção vamos apresentar uma técnica de cálculo
para os integrais que acabámos de definir; basicamente consiste na redução do cálculo de um integral
múltiplo ao cálculo de n integrais em intervalos reais, a que chamamos integração iterada. Vamos
começar pelo caso dos integrais duplos (n = 2).

Integração iterada em rectângulos


Consideremos números reais a, b, c, d tais que a ≤ b e c ≤ d.
Seja f uma função real definida e contı́nua (para simplificar a abordagem) no rectângulo (intervalo
de R2 ) R = [a, b] × [c, d]. Para cada x ∈ [a, b] fixo, a função
y 7→ f (x, y), com y ∈ [c, d],
é uma função real de variável real, definida num intervalo, para a qual já estabelecemos o conceito de
integral (de Riemann). Assim, podemos escrever
Z d
f (x, y) dy
c

e dizemos que estamos a integrar a função f em ordem à variável y, de c até d, mantendo fixa a
variável x. A este procedimento damos o nome de integração parcial relativamente a y. Em
Z d
geral, f (x, y) dy depende do valor de x; fica então definida uma função que só depende de x, dada
c
por
Z d
g(x) = f (x, y) dy, x ∈ [a, b].
c
Prova-se que a função g assim obtida é integrável em [a, b]. Integrando-a agora nesse intervalo (obvi-
amente que agora a integração é relativa à variável x), obtemos
Z b Z b Z d !
g(x) dx = f (x, y) dy dx. (16)
a a c

Analogamente, é integrável em [c, d] a função


Z b
h(y) = f (x, y) dx
a

que se obtém integrando f em ordem à variável x, de a até b, mantendo fixa a variável y. À semelhança
do caso anterior, a este procedimento chamamos integração parcial relativamente a x. Integrando
agora a função h no intervalo [c, d], vem
Z d Z d Z b !
h(y) dy = f (x, y) dx dy. (17)
c c a

Aos integrais obtidos neste procedimento da integração parcial sucessiva, (36) e (37), damos o nome de
integrais iterados e ao processo em si atribuı́mos a designação de integração iterada. Ao fixarmos
uma das variáveis, o cálculo destes integrais envolve integração de funções de uma só variável, pelo
que podemos aplicar as técnicas estudadas para integração de funções reais de variável real.
Observe-se a analogia na terminologia com o caso das derivadas parciais. Em ambas as situações,
derivação e integração, fixamos uma das variáveis e aplicamos um procedimento parcial, respectiva-
mente, derivar e integrar, em relação à outra variável.

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77
Em (36) integramos primeiro em ordem a y, mantendo x fixo, e depois integramos em ordem a
x; em (37) usamos a ordem contrária. Na maioria das situações omitimos os parênteses, escrevendo
apenas
Z bZ d Z dZ b
f (x, y) dy dx e f (x, y) dx dy.
a c c a
No nosso caso, consideramos que se calcula em primeiro lugar o integral “de dentro” (o integral mais à
Z bZ d
direita) e só depois o “de fora” (o integral mais à esquerda). Por exemplo, escrever f (x, y) dy dx
! a c
Z b Z d
significa f (x, y) dy dx.
a c

Exemplo.
Seja f (x, y) = 12x2 y 3 + 1, com (x, y) ∈ [1, 2] × [0, 1].
A integração parcial de f em ordem a y origina a função g, definida em [1, 2], dada por
Z 1 h i1
g(x) = 12x2 y 3 + 1 dy = 3x2 y 4 + y = 3x2 + 1.
0 0

Integrando g no intervalo [1, 2] obtemos


Z 2 Z 2 h i2
g(x) dx = 3x2 + 1 dx = x3 + x = 8 + 2 − 1 − 1 = 8,
1 1 1

assim Z 2Z 1
f (x, y) dy dx = 8. (18)
1 0
A integração parcial de f em ordem a x origina a função h, definida em [0, 1], dada por
Z 2 h i2
h(y) = 12x2 y 3 + 1 dx = 4x3 y 3 + x = 32y 3 + 2 − 4y 3 − 1 = 28y 3 + 1.
1 1

Integrando h no intervalo [0, 1] obtemos


Z 1 Z 1 h i1
h(y) dy = 28y 3 + 1 dy = 7y 4 + y = 7 + 1 = 8,
0 0 0

donde Z 1Z 2
f (x, y) dx dy = 8. (19)
0 1

No exemplo anterior os integrais (18) e (19) têm o mesmo valor. Este facto não é uma coincidência,
é uma propriedade verificada por um grande conjunto de funções, que, em particular, inclui as funções
contı́nuas. Assim, nestes casos, é indiferente a ordem de integração.
Z Verifica-se ainda que o valor
comum obtido pela integração iterada é o valor do integral duplo f (x, y) dA, já definido.
R
Todas estas ideias são concretizadas no próximo resultado, que é conhecido como o Teorema de
Fubini. O enunciado é rotulado com versão 1, dado que iremos ver um resultado mais geral a que
também nos referiremos como Teorema de Fubini, versão 2.

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78
Teorema 3.8 (Teorema de Fubini - versão 1) Consideremos a, b, c, d ∈ R tais que a ≤ b e c ≤ d.
Seja f um campo escalar integrável no intervalo R = [a, b] × [c, d]. Se

(?) ∀x ∈ [a, b] a função y 7→ f (x, y) é integrável em [c, d],


Z d
então a função x 7→ f (x, y) dy é integrável em [a, b] e tem-se
c
Z Z b "Z d #
f (x, y) dA = f (x, y) dy dx.
[a,b]×[c,d] a c

Se
(??) ∀y ∈ [c, d] a função x 7→ f (x, y) é integrável em [a, b],
Z b
então a função y 7→ f (x, y) dx é integrável em [c, d] e tem-se
a
Z Z d "Z b #
f (x, y) dA = f (x, y) dx dy.
[a,b]×[c,d] c a

Quando as condições (?) e (??) são ambas válidas, tem-se


Z Z b "Z d # Z d "Z b #
f (x, y) dA = f (x, y) dy dx = f (x, y) dx dy.
[a,b]×[c,d] a c c a

Observações.
1) Se y 7→ f (x, y) (resp. x 7→ f (x, y)) é contı́nua em [c, d] (resp. [a, b]), a hipótese (?) (resp. (??)) é
satisfeita.
Z
2) Se f é contı́nua em R, o teorema anterior diz-nos que o valor do integral duplo f (x, y) dA é dado
Z bZ d Z dZ b R

por f (x, y) dy dx e que este valor coincide com o valor f (x, y) dx dy, ou seja, é indiferente
a c c a
a ordem de integração no cálculo do integral duplo. Por esta razão, o Teorema de Fubini é muita vezes
referido como o teorema da troca na ordem de integração.
3) Nos casos em que a ordem de integração pode ser trocada, nem sempre há interesse em fazê-lo,
escolhe-se então aquela em que as integrações parciais são mais fáceis de calcular.
4) No caso particular em que f (x, y) = h(x)g(y) e Ω = [a, b] × [c, d] (a ≤ b e c ≤ d), com h integrável
em [a, b] e g integrável em [c, d], tem-se
Z Z b ! Z d !
f (x, y) dx dy = h(x) dx g(y) dy .
Ω a c

Exemplo.
Z 2 Z π Z 2  Z π  h i2
2
3x sin y dy dx = 2
3x dx sin y dy = x3 [− cos y]π0 = 8(1 + 1) = 16.
0 0 0 0 0

5) Fazemos agora a interpretação geométrica dos integrais iterados. Sejam a, b, c, d ∈ R tais que a ≤ b
e c ≤ d.
Consideremos f um campo escalar, positivo e contı́nuo em [a, b] × [c, d]. Dado x0 ∈ [a, b], a função
Z d
g(x0 ) = f (x0 , y) dy representa a área da região do plano x = x0 , limitada pela intersecção do
c
gráfico de f com este plano, e pelos planos y = c, y = d e z = 0.

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79
A azul está representado o gráfico de f , a cinzento, no plano x = x0 , a região cuja área é dada por
g(x0 ), e no plano z = 0, a cinzento também, o intervalo [a, b] × [c, d].

Veremos que o volume do sólido


n o
(x, y, z) ∈ R3 : a ≤ x ≤ b ∧ c ≤ y ≤ d ∧ 0 ≤ z ≤ f (x, y)
Z b Z bZ d
é dado por g(x) dx, ou seja, pelo integral duplo f (x, y) dy dx.
a a c

Integração iterada em domı́nios do tipo I e do tipo II


Vamos agora estabelecer o conceito de integração iterada quando consideramos campos escalares em
egiões Ω, de R2 , mais genéricas do que os rectângulos.
Consideremos uma região Ω1 ⊂ R2 que possa ser escrita na forma seguinte
n o
Ω1 = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b ∧ φ1 (x) ≤ y ≤ φ2 (x)

onde a ≤ b e φ1 e φ2 são funções r.v.r., contı́nuas, com φ1 ≤ φ2 .


Se o campo escalar f for contı́nuo em Ω1 , para cada x fixo no intervalo [a, b] podemos integrar a
função y 7→ f (x, y) relativamente a y, entre φ1 (x) e φ2 (x), obtendo-se uma função de x
Z φ2 (x)
g(x) = f (x, y) dy.
φ1 (x)

Neste caso, para além da função integranda, também os limites de integração dependem de x, sendo
dados por φ1 (x) e φ2 (x). Prova-se que a função g assim obtida é integrável no intervalo [a, b] e vem
Z b Z b Z φ2 (x) !
g(x) dx = f (x, y) dy dx.
a a φ1 (x)

Exemplo. 
Sejam Ω1 = (x, y) ∈ R2 : 0 ≤ x ≤ 1 ∧ x2 ≤ y ≤ x e f (x, y) = 2xy + 3y 2 , com (x, y) ∈ Ω1 .

Região Ω1
Para cada 0 ≤ x ≤ 1, temos que
Z x h ix
2xy + 3y 2 dy = xy 2 + y 3 = x3 + x3 − x5 − x6
x2 x2

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80
e " #1
x4 x6 x7
Z 1
4
2x3 − x5 − x6 dx = − − = .
0 2 6 7 0
21
Prova-se que
4
Z
f (x, y) dA = . (20)
Ω1 21

Consideremos agora uma região Ω2 ⊂ R2 que possa ser escrita na forma seguinte
n o
Ω2 = (x, y) ∈ R2 : c ≤ y ≤ d ∧ ψ1 (y) ≤ x ≤ ψ2 (y) ,

onde c ≤ d e ψ1 e ψ2 são funções r.v.r., contı́nuas, com ψ1 ≤ ψ2 .


Se f for um campo escalar contı́nuo em Ω2 , integrando a função x 7→ f (x, y), em ordem a x, entre
ψ1 (y) e ψ2 (y) obtemos a função
Z ψ2 (y)
h(y) = f (x, y) dx,
ψ1 (y)

que pode ser integrada no intervalo [c, d] obtendo-se


Z d Z d Z ψ2 (y) !
h(y) dy = f (x, y) dx dy.
c c ψ1 (y)

Exemplo. n
y2
o
Sejam Ω2 = (x, y) ∈ R2 : −2 ≤ y ≤ 4 ∧ 2 − 3 ≤ x ≤ y + 1 e f (x, y) = xy, com (x, y) ∈ Ω2 .

Região Ω2

Para cada −2 ≤ y ≤ 4, temos que


!2
y2
Z y+1
1 h 2 iy+1 1 1
y2
xy dx = yx y2 = y(y + 1)2 − y −3
2
−3 2 2
−3 2 2 2
e
!2  !3 4
y2 1 y4 2 y2 1 y2
Z 4
1
y(y + 1)2 − y −3 dy =  + y 3 + − −3  = 36.
2 −2 2 2 4 3 2 3 2
−2

À semelhança de (20), prova-se que Z


f (x, y) dA = 36. (21)
Ω2

O resultado que se segue conjuga as ideias expostas, fornecendo um método prático para calcular
integrais duplos, para funções reais integráveis em conjuntos como os que acabámos de apresentar,
justificando as afirmações (20) e (21). É a generalização da versão 1 do Teorema de Fubini, à qual já
nos referimos.

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81
Teorema 3.9 (Teorema de Fubini - versão 2) Se a função real f é integrável na região Ω1 dada
por n o
Ω1 = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b ∧ φ1 (x) ≤ y ≤ φ2 (x) ,
onde φ1 e φ2 são funções r.v.r., contı́nuas em [a, b] (com a ≤ b e φ1 ≤ φ2 ), e

(?) ∀x ∈ [a, b] a função y 7→ f (x, y) é integrável em [φ1 (x), φ2 (x)],


Z φ2 (x)
então a função x 7→ f (x, y) dy é integrável em [a, b] e tem-se
φ1 (x)

Z Z b "Z φ2 (x) #
f (x, y) dA = f (x, y) dy dx.
Ω1 a φ1 (x)

Se a função real f é integrável na região Ω2 dada por


n o
Ω2 = (x, y) ∈ R2 : c ≤ y ≤ d ∧ ψ1 (y) ≤ x ≤ ψ2 (y) ,

onde ψ1 e ψ2 são funções r.v.r., contı́nuas em [c, d] (com c ≤ d e ψ1 ≤ ψ2 ), e

(??) ∀y ∈ [c, d] a função x 7→ f (x, y) é integrável em [ψ1 (y), ψ2 (y)],


Z ψ2 (y)
então a função y 7→ f (x, y) dx é integrável em [c, d] e tem-se
ψ1 (y)

Z Z d "Z ψ2 (y) #
f (x, y) dA = f (x, y) dx dy.
Ω2 c ψ1 (y)

Notação. Para os integrais duplos iterados usamos também as seguintes notações


Z b Z φ2 (x) Z b Z φ2 (x) Z d Z ψ2 (y) Z d Z ψ2 (y)
f (x, y) dy dx = dx f (x, y) dy e f (x, y) dx dy = dy f (x, y) dx.
a φ1 (x) a φ1 (x) c ψ1 (y) c ψ1 (y)

Os subconjuntos referidos no teorema anterior têm designações especı́ficas. Assim, um subconjunto


de R2 que possa ser escrito como Ω1 diz-se um domı́nio ou região do tipo I (ou y-normal) e quando
pode ser escrito como Ω2 diz-se um domı́nio ou região do tipo II (ou x-normal). Seguem–se
algumas representações geométricas de exemplos de conjuntos destes tipos, em que o eixo horizontal
é o eixo dos xx e o vertical o dos yy (em todas as figuras).

Domı́nios do tipo I

Os gráficos
√ que delimitam superior e inferiormente as regiões das três figuras são, respectivamente,
x 7→ 4 − x2 e x 7→ 12 (x2 − 4), x 7→ sin x + 4 e x 7→ x + 2, x 7→ x2 + 3 e x 7→ −x + 1

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82
Domı́nios do tipo II

Os gráficos que delimitam à esquerda e à direita as regiões das três figuras são, respectivamente,
y 7→ −3 + |y − 1| e y 7→ 2 − y 2 , y 7→ 1 − y e y 7→ ey y 7→ 1 − y e y 7→ 73 − y3

Informalmente, no plano xy, dizemos que um conjunto é um domı́nio do tipo I se o conjunto dos seus
pontos é limitado inferiormente pelo gráfico de uma função de x e superiormente pelo gráfico de
outra função de x, ambas definidas no mesmo intervalo; e que é um domı́nio do tipo II se o conjunto
dos seus pontos é limitado à esquerda pelo gráfico de uma função de y e à direita pelo gráfico de
outra função de y, ambas definidas no mesmo intervalo (observe-se a direcção das setas nas figuras
dos exemplos anteriores).
Há conjuntos que são simultaneamente do tipo I e do tipo II, sendo, portanto x-normais e
y-normais. Por esse facto designam-se domı́nios normais. Rectângulos, triângulos e cı́rculos são
exemplos de domı́nios normais. Na página anterior, a região mais à esquerda é um conjunto normal.
No topo desta página, todas as regiões consideradas são normais.

Observações à versão 2 do Teorema de Fubini.


1) Se f é contı́nua em Ω1 (resp. em Ω2 ), a hipótese (?) (resp. (??)) é satisfeita.
2) Se Ω1 = Ω2 = [a, b] × [c, d] (isto significa que as funções φ1 , φ2 , ψ1 e ψ2 são constantes), temos a
versão 1 do Teorema de Fubini (Teorema 3.8).
3) Para calcular um integral numa região Ω que não é do tipo I nem do tipo II, mas que pode ser
escrita como união finita de regiões destes dois tipos, conjugamos a Proposição 3.7 com o Teorema 3.9.

Exemplos. Z
1) Calcular 5xy dx dy, onde Ω é a região do semi-plano x ≥ 0, limitada pelas curvas y = 2x e

y = x3 .

Em x ≥ 0, as curvas que definem Ω intersectam-se nos pontos cujas abcissas satisfazem



2x = x3 ⇔ x = 0 ∨ x = 2.
Podemos então escrever Ω como uma região do tipo I, como se segue,

Ω = {(x, y) ∈ R2 : 0 ≤ x ≤ 2 ∧ x3 ≤ y ≤ 2x}.

Região Ω
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83
Temos então
Z √2 Z 2x Z √2 " #2x Z √2
y2 5
Z
5xy dx dy = 5xy dy dx = 5x dx = 10x3 − x7 dx
Ω 0 x3 0 2 x3 0 2
" #√ 2
5x4 5x8
= − = 10 − 5 = 5.
2 16 0
Z 3Z 1
3
2) Consideremos o integral iterado √ ey dy dx. Observamos que a função integranda
0 x/3
3
f (x, y) = ey está definida em todo o R2 e é integrável em qualquer conjunto mensurável de R2 ,
dado que é de classe C ∞ . No entanto, f não é elementarmente primitivável como função de y. Ora,
dada a forma como o integral está escrito, a primeira integração a ser feita é em y. Como podemos
então calcular este integral?
Fazendo a leitura do domı́nio de integração D no integral iterado dado, que está escrito como um
conjunto do tipo I, obtemos
r
x
 
2
D := (x, y) ∈ R : 0 ≤ x ≤ 3 ∧ ≤y≤1 .
3

As setas apontam para as curvas que delimitam superior e inferiormente a região D


As curvas que delimitam D são: r
x
x = 0,
= y, y = 1,
3
que podem ser escritas, de forma equivalente, como se segue
x = 0, x = 3y 2 , y = 1.
Assim, D pode também ser escrito como uma região do tipo II, da forma seguinte
n o
D = (x, y) ∈ R2 : 0 ≤ y ≤ 1 ∧ 0 ≤ x ≤ 3y 2 .

As setas apontam para as curvas que delimitam à esquerda e à direita a região D


Então, pela versão 2 do Teorema de Fubini, sabemos que
Z 3Z 1 Z 1 Z 3y2
y3 3
√ e dy dx = ey dx dy.
0 x/3 0 0

A escrita do integral atendendo à nova tipologia do domı́nio de integração implica que a primeira
integração a ser feita seja em ordem a x, variável da qual a função integranda não depende. Vem
então Z Z 2
Z Z 3 1 3
Z1 3y 3
1 3
h 3
i1
√ ey dy dx = ey dx dy = 3y 2 ey dy = ey = e − 1.
0 x/3 0 0 0 0

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84
Z
3) Calcular 2y + x dx dy, onde Ω é a semi-coroa circular {(x, y) ∈ R2 : 1 ≤ x2 + y 2 ≤ 4 ∧ y ≥ 0}.

Atendendo ao nosso propósito, vamos escrever o integral duplo na forma de integral iterado. Obser-
vando que a função de x (contı́nua) que delimita inferiormente Ω muda de expressão no intervalo [−2, 2]
(ver a representação geométrica de Ω), é útil considerar a decomposição da região de integração (que
é do tipo I) como a união de três domı́nios do tipo I: R1 , R2 e R3 ,

R1 R2 R3

onde p
R1 = {(x, y) ∈ R2 : −2 ≤ x ≤ −1, 0 ≤ y ≤ 4 − x2 },
p p
R2 = {(x, y) ∈ R2 : −1 ≤ x ≤ 1, 1 − x2 ≤ y ≤ 4 − x2 } e
p
R3 = {(x, y) ∈ R2 : 1 ≤ x ≤ 2, 0 ≤ y ≤ 4 − x2 }.
Temos então
Z Z Z Z
2y + x dx dy = 2y + x dx dy + 2y + x dx dy + 2y + x dx dy
Ω R1 R2 R3

Z −1 Z √4−x2 Z 1 Z √4−x2 Z 2 Z √4−x2


= 2y + x dy dx + √ 2y + x dy dx + 2y + x dy dx
−2 0 −1 1−x2 1 0
Z −1 h i√4−x2 Z 1 h i√4−x2 Z 2h i√4−x2
2 2 2
= y + xy dx + y + xy √ dx + y + xy dx
−2 0 −1 1−x2 1 0
Z −1 p Z 1 p p Z 2 p
2
= 4−x +x 4− x2 dx + 3+x 4− x2 −x 1− x2 dx + 4 − x2 + x 4 − x2 dx
−2 −1 1
" #−1 " #1 " #2
x3 (4 − x2 )3/2 (4 − x2 )3/2 (1 − x2 )3/2 x3 (4 − x2 )3/2 28
= 4x − − + 3x − + + 4x − − = .
3 3 −2
3 3 −1
3 3 1
3

Neste exemplo, a escrita da região de integração como a união de três regiões do tipo I, torna o cálculo
do integral duplo trabalhoso. É fácil ver que Ω pode ser escrita como a união de três regiões do tipo II,
mas não há vantagens em trocar a ordem de integração (verifique). Há situações em que este trabalho
de cálculo algébrico pode ser reduzido, mediante o uso de ferramentas adequadas e que iremos estudar
na próxima secção. O cálculo deste integral é um desses casos e será retomado para evidenciar o que
foi descrito.

Vamos agora discutir a forma de calcular, de forma expedita, os integrais triplos.

Cálculo Integral em Rn Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

85
O Teorema de Fubini, na sua versão mais geral, pode ser formulado para integrais (múltiplos)
de funções definidas em subconjuntos mensuráveis de Rn , n ∈ N3 , na qual se encontra a justificação
da afirmação feita na observação 5) à versão 1 do Teorema de Fubini. Considere-se um conjunto Ω
exprimı́vel na forma que se segue

Ω = {(x1 , . . . , xn ) ∈ Rn : a ≤ x1 ≤ b ∧ φ1 (x1 ) ≤ x2 ≤ ψ1 (x1 ) ∧


φ2 (x1 , x2 ) ≤ x3 ≤ ψ2 (x1 , x2 ) ∧ . . . ∧ φn−1 (x1 , x2 , . . . , xn−1 ) ≤ xn ≤ ψn−1 (x1 , x2 , . . . , xn−1 )} ,

onde a ≤ b e as funções φi ≤ ψi , i = 1, . . . , n − 1 (n ∈ N2 ), são funções reais, contı́nuas nas variáveis


indicadas. Então tem-se
Z Z b "Z ψ1 (x1 ) " Z ψn−1 (x1 ,x2 ,...,xn−1 ) # #
f (x1 , . . . , xn ) dx1 . . . dxn = ... f (x1 , . . . , xn ) dxn . . . dx2 dx1 ,
Ω a φ1 (x1 ) φn−1 (x1 ,x2 ,...,xn−1 )

desde que as sucessivas integrações se possam efectuar, o que é possı́vel sempre que f for contı́nua em
Ω. São válidas expressões análogas para outras ordens de integração desde que Ω se possa exprimir
de forma conveniente e que os integrais façam sentido. Vejamos o exemplo que se segue (n = 3).
Dados a ≤ b, consideremos o conjunto
n o
Ω = (x, y, z) ∈ R3 : a ≤ x ≤ b ∧ φ1 (x) ≤ y ≤ ψ1 (x) ∧ φ2 (x, y) ≤ z ≤ ψ2 (x, y) ,

com φ1 ≤ ψ1 , φ2 ≤ ψ2 funções reais contı́nuas. Tem-se


Z Z b Z ψ1 (x) Z ψ2 (x,y)
f (x, y, z) dV = f (x, y, z) dz dy dx.
Ω a φ1 (x) φ2 (x,y)

Não estando presentes os parênteses, subentende-se que o primeiro integral a ser calculado é o mais
à direita e é relativo à variável mais à esquerda, neste caso a z, e assim sucessivamente. Para o mesmo
integral triplo, usamos também a notação
Z Z b Z ψ1 (x) Z ψ2 (x,y)
f (x, y, z) dV = dx dy f (x, y, z) dz,
Ω a φ1 (x) φ2 (x,y)

significando que o integral entre a e b é referente à variável x, que o integral com limites de integração
φ1 (x) e ψ1 (x) é referente à variável y e que o integral com limites de integração φ2 (x, y) e ψ2 (x, y) diz
respeito à variável z.
Supondo que Ω também se pode escrever na forma
n o
Ω = (x, y, z) ∈ R3 : a ≤ x ≤ b ∧ α1 (x) ≤ z ≤ β1 (x) ∧ α2 (x, z) ≤ y ≤ β2 (x, z) ,

com α1 ≤ β1 , α2 ≤ β2 funções reais, contı́nuas, então também se tem


Z Z b Z β1 (x) Z β2 (x,z)
f (x, y, z) dV = f (x, y, z) dy dz dx.
Ω a α1 (x) α2 (x,z)

Voltando agora ao conjunto da Observação 5, da página 79, temos


n o
S = (x, y, z) ∈ R3 : a ≤ x ≤ b ∧ c ≤ y ≤ d ∧ 0 ≤ z ≤ f (x, y)

e, por definição, Z
V (S) = 1 dV.
S
Atendendo ao exposto,
Z Z b Z d Z f (x,y) Z bZ d
V (S) = 1 dV = 1 dz dy dx = f (x, y) dy dx.
S a c 0 a c

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86
Nem sempre os conjuntos onde vamos fazer a integração nos aparecem escritos na forma ideal para
a integração iterada. À semelhança do caso n = 2, no caso n = 3 dizemos que um conjunto Ω é
z-normal quando pode ser escrito na forma seguinte

Ω = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ D ∧ g1 (x, y) ≤ z ≤ g2 (x, y)},

onde D é um conjunto mensurável de R2 (a projecção de Ω sobre o plano xy) e g1 ≤ g2 são funções


reais e contı́nuas em D.

Temos, neste caso, !


Z Z Z g2 (x,y)
f= f (x, y, z) dz dx dy.
Ω D g1 (x,y)

Após a primeira integração ficamos reduzidos ao cálculo de um integral duplo que, de acordo com a
discussão já efectuada, pode ser determinado escrevendo D como um domı́nio ou união de domı́nios
dos tipos I e/ou II.
Analogamente se definem conjuntos x-normais e y-normais. A figura que se segue apresenta exem-
plos dos três tipos de conjuntos a que acabámos de nos referir.

Conjunto z-normal Conjunto x-normal Conjunto y-normal

Neste processo, o cálculo do integral triplo é reduzido, após a primeira integração, ao cálculo de
um integral duplo.

Exemplo.
Z
Calcular x dx dy dz, onde Ω é o tetraedro limitado pelos planos x = 0, y = 0, z = 0 e x + y + z = 1.

É fácil ver que Ω é a região z-normal dada por

Ω = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ D ∧ 0 ≤ z ≤ 1 − x − y},

com D = {(x, y) ∈ R2 : 0 ≤ x ≤ 1 ∧ 0 ≤ y ≤ 1 − x}.


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87
Temos então Ω = {(x, y, z) ∈ R3 : 0 ≤ x ≤ 1 ∧ 0 ≤ y ≤ 1 − x ∧ 0 ≤ z ≤ 1 − x − y}, donde

Ω D

Z Z 1 Z 1−x Z 1−x−y Z 1 Z 1−x


x dx dy dz = dx dy x dz = dx x(1 − x − y) dy
Ω 0 0 0 0 0

" #1−x
(1 − x − y)2
Z 1 Z 1
1 1
= x − dx = x − 2x2 + x3 dx = .
0 2 0
2 0 24

Há uma outra forma de redução dimensional no cálculo destes integrais. Suponhamos que Ω ⊂ R3
é um conjunto mensurável em que z varia num intervalo [α, β] (α < β). Para cada z0 neste intervalo
seja Ωz0 a secção transversal obtida cortando Ω pelo plano z = z0 . Designe-se
Az0 = {(x, y) ∈ R2 : (x, y, z0 ) ∈ Ω}
a projecção da fatia Ωz0 sobre o plano xy (ver a figura que se segue).

Az0 a projecção de Ωz0 sobre o plano xy

Assim,
Ω = {(x, y, z) ∈ R3 : z ∈ [α, β] ∧ (x, y) ∈ Az }.
Supondo agora que cada Az é mensurável (situação que ocorre, por exemplo, quando a fronteira de Ω
é a união de gráficos deZfunções contı́nuas), e considerando f : Ω → R uma função contı́nua, garante-se
que todos os integrais f (x, y, z) dx dy, com z ∈ [α, β], existem e prova-se que
Az
Z Z β Z 
f= f (x, y, z) dx dy dz.
Ω α Az

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88
No caso em que f = 1 o integral anterior dá-nos o volume do sólido Ω. O método que acabámos
de descrever, com a linguagem dos nossos dias, foi usado por B. Cavalieri (1598-1647) para calcular
volumes de sólidos, antes do aparecimento do cálculo de Newton e de Leibniz!
Terminamos a secção com uma observação relativa ao caso particular em que a função integranda
se escreve na forma

f (x, y, z) = h(x)g(y)ψ(z) e Ω = [a, b] × [c, d] × [α, β],

onde a, b, c, d, α e β são números reais tais que a ≤ b, c ≤ d, α ≤ β e h, g e ψ são funções integráveis


em [a, b], [c, d] e [α, β], respectivamente. Neste caso tem-se
Z b ! Z d ! Z !
Z β
f (x, y, z) dx dy dz = h(x) dx g(y) dy ψ(z) dz . (22)
Ω a c α

Exemplo.
Z
Calcular r2 sin ϕ dr dθ dϕ, com (r, θ, ϕ) ∈ Ω = [0, 1] × [0, π] × [0, π2 ].

Temos
π
Z Z 1  Z π  Z !
2
2 2
r sin ϕ dr dθ dϕ = r dr dθ sin ϕ dϕ (23)
Ω 0 0 0
" #1
r3 π π
= π [− cos ϕ]02 = . (24)
3 0
3

No exemplo anterior a função integranda não depende de θ. Ao aplicarmos a propriedade (22), a


função integranda do integral relativo a θ, em (23), é constante e igual a 1. Nestes casos, não é
necessário pôr o 1, daı́ que neste integral apenas esteja dθ e não 1 dθ. Justifica-se assim o valor π que
aparece em (24), dado que é o valor do integral em discussão.

3.2.1 Aplicações dos integrais múltiplos


Atendendo às definições estabelecidas, dado Ω um conjunto mensurável de R2 , temos que:

• a área A de Ω é dada por Z


A= 1 dx dy;

• se f (x, y) ≥ 0 em Ω, o volume V do sólido limitado inferiormente pelo plano z = 0 e superior-


mente pelo gráfico de f , considerada em Ω, (graf f = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ Ω ∧ z = f (x, y)}),
é dado por Z
V = f (x, y) dx dy.

Esquematização do sólido referido

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89
Exemplos.
1) Usando um integral duplo, determinar a área de
Ω = {(x, y) ∈ R2 : |x| ≤ y ≤ 2 − x2 }.
Z
Temos então de calcular 1 dx dy. Para tal, vamos escrever Ω como uma região do tipo x- ou y-

normal. Atendendo a que y já está enquadrado entre duas funções de x (contı́nuas), só precisamos de
determinar o intervalo de variação para x, de modo a que se tenha |x| ≤ 2 − x2 . Com cálculos simples
obtém-se o intervalo [−1, 1]. Podemos então escrever
Ω = {(x, y) ∈ R2 : −1 ≤ x ≤ 1 ∧ |x| ≤ y ≤ 2 − x2 }.


Assim,
Z 1 Z 2−x2 " #1
x3 x2
Z 1 Z 1
7
Z
2 2
1dx dy = dy dx = 2 − x − |x| dx = 2 2 − x − x dx = 2 2x − − = .
Ω −1 |x| −1 | {z } 0 3 2 0
3
par

2) Calcular o volume do sólido limitado superiormente pelo gráfico da função f (x, y) = 4 − x2 − y 2


e inferiormente pelo plano z = 0, quando (x, y) ∈ Ω, sendo Ω a região do plano xy limitada pela
parábola y 2 − x − 1 = 0 e pela recta x = 0.

É fácil ver que as curvas dadas se intersectam nos pontos (0, −1) e (0, 1). Podemos então escrever
Ω como uma região do tipo II, a saber
Ω = {(x, y) ∈ R2 : −1 ≤ y ≤ 1 ∧ y 2 − 1 ≤ x ≤ 0}


e o sólido descrito é o conjunto {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ Ω ∧ 0 ≤ z ≤ 4 − x2 − y 2 }. Assim, o volume
V pedido é dado por
" #0
x3
Z Z 1 Z 0 Z 1
2 2 2 2 2 2
V = 4 − x − y dx dy = 4 − x − y dx dy = (4 − y )(1 − y ) − dy
Ω −1 y 2 −1 −1 3 y 2 −1

(y 2 − 1)3 y6
Z 1 Z 1
1
= 4 − 5y 2 + y 4 + dy = 4 − 5y 2 + y 4 + − y 4 + y 2 − dy
−1 3 −1 3 3
" #1
y6 y6 11y 4y 3 y7
Z 1 Z 1
11 11 100
= − 4y 2 + dy = 2 − 4y 2 + dy = 2 − + = .
−1 |3 {z 3} 0 3 3 3 3 21 0
21
par

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90
Os integrais duplos e os integrais triplos são também utilizados para, por exemplo, determinar a
massa, o centro de massa e o momento de inércia de regiões planas ou de sólidos, pois as definições
destes conceitos fı́sicos envolvem estes integrais, como veremos seguidamente.
Consideremos um sólido cuja medida de comprimento relativa à direcção z é desprezável em relação
às outras medidas nas variáveis x e y, tal como uma placa fina. Seja Ω a secção desse sólido relativa
à direcção z, que passa a ser vista como um conjunto do plano xy. Supondo que (x, y) 7→ µ(x, y) é a
densidade de massa (massa por unidade de área), definida em Ω, então:

1. a massa total M da placa que ocupa a região Ω, do plano xy, é dada por
Z
M= µ(x, y) dx dy;

2. o centro de massa (ou centróide(1) , no caso em que µ é constante) de Ω é o ponto C(xC , yC )


com as coordenadas dadas por
1
Z
xC = xµ(x, y) dx dy,
M Ω

1
Z
yC = yµ(x, y) dx dy;
M Ω
A designação (1) é um conceito matemático, também designado por baricentro, e cuja definição
coincide com a de centro de massa, quando o objecto geométrico a que diz respeito é a secção
de um sólido, como o descrito, e com densidade de massa uniforme.

3. o momento de inércia de Ω relativo a uma recta r (o eixo) é dado por


Z
Ir = d2 ((x, y), r)µ(x, y) dx dy,

onde d((x, y), r) representa a distância do ponto (x, y) à recta r.


(O momento de inércia mede a tendência do sistema girar em torno da recta r.)

Observação. Para o cálculo de momentos de inércia pode ser útil recordar que a distância de um ponto
P (x0 , y0 ) a uma recta r, de equação ax + by + c = 0, onde a, b, c ∈ R com a e b não simultaneamente
|ax0 + by0 + c|
nulos, é o valor d(P, r) = √ . Em particular, a distância de um ponto de coordenadas
a2 + b2
(x, y) ao eixo dos xx é |y| e ao eixo dos yy é |x|.

Analogamente, dado um sólido S de R3 , com densidade de massa (x, y, z) 7→ µ(x, y, z), considerada
em S, define-se a massa total (M ), as coordenadas do centro de massa ((xC , yC , zC )), e o momento
de inércia relativo a r (Ir ), de S, respectivamente por:
Z
M= µ(x, y, z) dx dy dz,
S

1
Z
xC = xµ(x, y, z) dx dy dz,
M S
1
Z
yC = yµ(x, y, z) dx dy dz,
M S
1
Z
zC = zµ(x, y, z) dx dy dz,
M S
Z
Ir = d2 ((x, y, z), r)µ(x, y, z) dx dy dz.
S

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91
Dado um conjunto mensurável Ω, com medida (de Jordan) positiva e f um campo escalar integrável
em Ω, definimos a média de f , em Ω, como sendo o valor
Z
f

m(Ω)

e para o qual usamos a notação f Ω .


Pedindo determinadas caracterı́sticas topológicas adicionais a Ω, para além daquelas que são ne-
cessárias à sua mensurabilidade, e a continuidade de f , é possı́vel mostrar que a média referida é
um dos valores que o campo escalar f assume. Antes de enunciar o resultado que nos descreve esta
situação, recordamos que um conjunto Ω ⊂ Rn é conexo por arcos quando, para quaisquer x, y ∈ Ω,
existe uma linha parametrizada γ : [0, 1] → Ω tal que γ(0) = x e γ(1) = y.

Conjunto conexo por arcos A ∪ B não é conexo por arcos

Teorema 3.10 (Teorema da Média) Seja f um campo escalar contı́nuo em Ω ⊂ Rn , conjunto


compacto, mensurável e conexo por arcos. Então existe um ponto x0 ∈ Ω tal que
Z
f (x) = f (x0 ) m(Ω). (25)

A f (x0 ) damos o nome de média (ou de valor médio) de f em Ω.

O Teorema da Média é um resultado muito importante e tem leituras geométricas interessantes, como
ilustramos nas duas situações que se seguem.

A fórmula em (25) diz-nos que o volume do sólido limitado superiormente pelo gráfico de um
campo escalar f , contı́nuo
R
e não negativo num rectângulo Ω (intervalo de R2 ), e inferiormente pelo
plano z = 0, ou seja, Ω f , é igual ao volume da caixa (um paralelepı́pedo) cuja base é Ω e cuja altura
é o valor médio de f (o volume é igual à área da base - m(Ω), vezes a altura).
Consideremos agora um campo escalar z = f (x, y), com (x, y) ∈ Ω ⊂ R2 , nas condições do Teorema
da Média, que descreve uma região montanhosa, como a que está ilustrada na figura que se segue.

Neste caso, podemos fazer a seguinte leitura da fórmula (25): se cortarmos os topos das montanhas à
altura do valor médio de f , podemos preencher os vales com a parte obtida pelos cortes e obter uma
região plana.

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92
Demonstração do Teorema 3.10. Se m(Ω) = 0, o resultado é imediato. Suponhamos então
que Ω não é desprezável. Como f é contı́nua e Ω é compacto, existem a, b ∈ R, tais que a = minΩ f
e b = maxΩ f (pelo Teorema de Weierstrass - Teorema 2.58). Assim, para todo o x ∈ Ω, tem-se
a ≤ f (x) ≤ b. Pela propriedade da monotonia dos integrais (cf. Teorema 3.6, propriedade 4) vem
Z Z Z
a≤ f≤ b,
Ω Ω Ω

logo (cf. Teorema 3.6, propriedade 1)


Z
Z f

a m(Ω) ≤ f ≤ b m(Ω) ⇔ a ≤ ≤ b.
Ω m(Ω)
Como f é contı́nua e Ω é conexo por arcos, o Teorema de Bolzano (Teorema 2.22) garante a
existência de x0 ∈ Ω, tal que Z
f
f (x0 ) = Ω ,
m(Ω)
(f assume todos os valores entre a e b), logo
Z
f (x) = f (x0 ) m(Ω). 

Exemplos.
1) Determinar a média da função f (x, y) = x cos(xy), no rectângulo Ω = [0, π] × [0, 1].
Calculando o integral de f , em Ω, vem
Z Z πZ 1
f (x, y) dx dy = x cos(xy) dy dx

Z0π 0
= [sin(xy)]10 dx
0
Z π
= sin(x) dx = [− cos x]π0 = −(−1) − (−1) = 2.
0

2
Como Ω é um intervalo de R2 , m(Ω) = π · 1 = π. Assim, a média pedida é π.
2) Determinar a média da função f (x, y, z) = xyz, no cubo Ω que é delimitado pelos três eixos
coordenados e pelos planos x = 2, y = 2 e z = 2.
É simples perceber que cubo em causa é o conjunto Ω = [0, 2] × [0, 2] × [0, 2], cujo volume (medida
3-dimensional) é 23 = 8. Calculando o integral de f , em Ω, vem

Z Z 2Z 2Z 2
f (x, y, z) dx dy dz = xyz dx dy dz
Ω 0 0 0
Z 2  Z 2  Z 2 
= x dx y dy z dz
0 0 0
" #2 3 !3
x2 22
=  = = 8.
2 0
2

8
Neste caso, e usando a notação introduzida, temos f Ω = 8 = 1.

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93
3.3 Mudança de variável no integral múltiplo
No cálculo de integrais de funções reais de variável real temos de lidar com a primitivação da função
integranda, o que nem sempre é uma tarefa simples. A integração por substituição é muitas vezes a
opção que usamos para ultrapassar essa dificuldade. Esta metodologia é regulada pelo Teorema de
Mudança de Variável que nos diz que
Z u(d) Z d Z d
f (x) dx = f (u(t))u0 (t) dt = f ◦ u(t) u0 (t) dt,
u(c) c c

onde u : [c, d] → R é uma função de classe C 1 com c, d ∈ R e tais que c < d. No que se segue, sejam
também a e b números reais tais que a < b.
No caso em que u0 > 0, temos u : [c, d] → [a, b] e u(c) = a, u(d) = b, pelo que
Z b Z u(d) Z d
f (x) dx = f (x) dx = f (u(t))u0 (t) dt.
a u(c) c

No caso em que u0 < 0, temos u : [c, d] → [a, b], com u(c) = b, u(d) = a, donde
Z b Z a Z u(d) Z d Z d
f (x) dx = − f (x) dx = − f (x) dx = − f (u(t))u0 (t) dt = f (u(t))(−u0 (t))dt.
a b u(c) c c
Podemos reunir as duas situações anteriores na identidade seguinte
Z b Z d
f (x) dx = f (u(t))|u0 (t)| dt.
a c
Observamos que nesta última identidade, os limites de integração, em ambos os integrais, aparecem
escritos na ordem natural dos números intervenientes.
Ao passarmos para os integrais de campos escalares (doravante a designação campo dirá respeito
a uma função definida num subconjunto de Rn , com n ∈ N2 ), a primitivação da função integranda
também é um dos problemas (entre outros) que temos de enfrentar, pelo que se antecipa a necessidade
de um Teorema de Mudança de Variáveis, que enunciamos seguidamente.
Teorema 3.11 (Teorema de Mudança de Variáveis no Integral Múltiplo) Sejam U e V dois
abertos de Rn e T : U → V uma bijecção de classe C 1 , tal que det JT (u) 6= 0, ∀u ∈ U . Consideremos
D um conjunto mensurável tal que D ⊂ U , Ω = T (D) e f : Ω → R uma função integrável. Então:
1. (f ◦ T )|det JT | : D → R é integrável e
Z Z
2. f= (f ◦ T )|det JT |,
Ω D
onde |det JT | representa o módulo do jacobiano de T .
Observações.
1) Uma função T nas condições do teorema anterior diz-se uma função de mudança de variáveis
ou de mudança de coordenadas.
2) Nalgumas aplicações iremos trabalhar com transformações que não satisfazem as condições do
teorema anterior. Observamos então que o Teorema 3.11 ainda é válido quando D ⊂ U (ou int D ⊂ U )
e D 6⊂ U , desde que U e V sejam abertos com fronteira desprezável (conjuntos com medida de Jordan
nula). Frequentemente, nos casos de excepção, T estará definida em U , será injectiva em U , com
det JT 6= 0 em U , mas podendo o jacobiano ser zero em ∂U . Ao longo do texto, algumas vezes, a
referência a este teorema dirá respeito às situações referidas nesta observação.
3) Na notação que põe em evidência as “variáveis” de D e de Ω, e considerando as relações
xi = Ti (u1 , . . . , un ), i = 1, . . . , n,
a fórmula em 2. do teorema anterior exprime-se da maneira seguinte

∂(x1 , . . . , xn )
Z Z
f (x1 , . . . , xn ) dx1 . . . dxn = f (T1 (u1 , . . . , un ), . . . , Tn (u1 , . . . , un ))
du1 . . . dun .
Ω D ∂(u , . . . , u )
1 n

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94
Em que situações recorremos a uma mudança de variáveis para calcular um integral múltiplo?
Para além da já referida dificuldade de primitivação da função integranda, agora (n > 1) um novo
quebra-cabeças pode surgir - a escrita da região de integração usando conjuntos normais em relação a
uma das variáveis. Frequentemente, esta situação pode ser resolvida com uma mudança de variáveis.
Z
Como procedemos para efectuar a mudança de variáveis num integral múltiplo f?

Escolhemos uma transformação T , de classe C 1 , bijectiva, cujo jacobiano seja não nulo (ou nas
condições referidas na observação 2) da página 94), e depois aplicamos a fórmula
Z Z
f= (f ◦ T )|det JT |.
Ω D

O cálculo do integral exige o conhecimento do jacobiano de T . Por vezes, é mais cómodo determinar
o jacobiano de T −1 do que o de T . Assim, é útil observar que, se det JT (X) 6= 0, os dois se relacionam
da forma que se segue
1
det JT −1 (Y ) = , com T (X) = Y.
det JT (X)
O resultado que garante esta propriedade é conhecido como Teorema da Função Inversa, mas que não
faz parte do nosso programa.
A estrutura de f e de Ω ditam os critérios da escolha de T , alguns dos quais evidenciaremos ao
longo dos exemplos que vamos estudar.
Nos exemplos e exercı́cios propostos apenas trabalharemos nas dimensões 2 e 3. No que se segue,
apresentamos alguns exemplos de mudança de variáveis que utilizamos frequentemente para o cálculo
de integrais, nas referidas dimensões.

3.3.1 Casos particulares de mudança de variáveis em R2

Sejam Ω e D conjuntos mensuráveis, de R2 , T (u, v) = (x(u, v), y(u, v)) uma transformação nas
condições do Teorema 3.11, tal que T (D) = Ω, e f um campo escalar integrável em Ω. Então, a
fórmula de mudança de variável no integral duplo é

∂(x, y)
Z Z
f (x, y) dx dy = f (x(u, v), y(u, v))
du dv.
Ω D ∂(u, v)

Mudança de Variáveis Linear


Dados a, b, c, d ∈ R, consideremos a aplicação linear

T : R2 → R2

(u, v) 7→ T (u, v) = (au + bv, cu + dv),


com ad − bc 6= 0. A transformação T é de classe C ∞ .
Definindo x = au + bv e y = cu + dv, tem-se
∂(x, y)
= ad − bc 6= 0, (26)
∂(u, v)
logo T é uma aplicação bijectiva, estando, portanto, nas condições do Teorema 3.11. Tomando Ω e D
como no citado teorema, tem-se
Z Z Z
f (x, y) dx dy = |ad − bc| f (T (u, v)) du dv = |ad − bc| f (au + bv, cu + dv) du dv.
T (D) D D

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95
Exemplo. Vamos calcular o integral Z y−x
e y+x dx dy,

onde Ω é a região (poligonal) limitada pelas rectas x + y = 2, x + y = 1 e pelos eixos coordenados.

Região Ω = {(x, y) ∈ R2 : x ≥ 0 ∧ y ≥ 0 ∧ 1 ≤ x + y ≤ 2}

Estamos perante uma região de integração do tipo I, que se escreve como união de dois domı́nios do tipo
I (verifique), adequados ao cálculo da integração iterada, cuja escrita é simples, obtendo-se o integral
dado como soma de dois integrais iterados. No entanto, a função integranda imprime dificuldades
à integração directa, pois a sua primitivação (parcial) não é evidente. Assim, vamos efectuar uma
mudança de variáveis no integral dado. A estrutura da função integranda sugere que consideremos as
novas variáveis u e v, dadas por

u=y−x e v = y + x.

As relações anteriores definem uma mudança de variáveis linear que verifica



∂(u, v) −1 1 ∂(x, y) 1
= = −2, logo = − 6= 0,
∂(x, y) 1 1 ∂(u, v) 2

e, portanto, é admissı́vel (cf. (26)) para os nossos propósitos. Interessa-nos agora escrever as variáveis
x e y em função de u e de v, para identificarmos a função mudança de variáveis. Temos
u+v v−u
=y e = x,
2 2
v−u u+v
 
pelo que a função que procuramos é dada por T (u, v) = , . Assim, a região D do plano
2 2
uv tal que T (D) = Ω (ou seja, D = T −1 (Ω)) é dada por

D = {(u, v) ∈ R2 : 1 ≤ v ≤ 2, −v ≤ u ≤ v}.

Região D

Efectuando a mudança de variáveis no integral e tendo em conta que D está escrita como uma região
do tipo II, vem
Z 2 Z v Z 2h
1 1 1
Z y−x
Z iv
u u u
e y+x dx dy = e du dv =
v e du dv =
v ve v dv
Ω 2 D 2 1 −v 2 1 −v
" #2
e − e−1 v 2 3(e − e−1 )
Z 2
1 −1
= (ve − ve ) dv = = .
2 1 2 2 1
4

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96
Sejam a >Z 0 e f uma função real contı́nua no intervalo Z[−a, a]. Sabemos Z aque se f é uma função
a a
ı́mpar, então f (x) dx = 0; se f é uma função par, então f (x) dx = 2 f (x) dx.
−a −a 0
Para campos escalares com simetria do tipo par ou ı́mpar, nalguma das variáveis, em domı́nios
adequados, são válidos resultados análogos aos anteriores. A próxima proposição considera campos
escalares de duas variáveis e usa as notações seguintes:

{x ≥ 0} := {(x, y) ∈ R2 : x ≥ 0}; {x ≤ 0} := {(x, y) ∈ R2 : x ≤ 0};

{y ≥ 0} := {(x, y) ∈ R2 : y ≥ 0}; {y ≤ 0} := {(x, y) ∈ R2 : y ≤ 0}.

Proposição 3.12 Sejam Ω ⊂ R2 um conjunto mensurável e f : Ω → R uma função integrável.

I. Suponhamos que Ω é simétrico relativamente ao eixo dos yy, ou seja, se (x, y) ∈ Ω, então
(−x, y) ∈ Ω.
ZZ
a) Se f é ı́mpar em x, i.e., se f (−x, y) = −f (x, y), ∀(x, y) ∈ Ω, então f (x, y) dx dy = 0.

b) Se f é par em x, i.e., se f (−x, y) = f (x, y), ∀(x, y) ∈ Ω, então
ZZ ZZ ZZ
f (x, y) dx dy = 2 f (x, y) dx dy = 2 f (x, y) dx dy.
Ω Ω∩{x≥0} Ω∩{x≤0}

II. Suponhamos que Ω é simétrico relativamente ao eixo dos xx, ou seja, se (x, y) ∈ Ω, então
(x, −y) ∈ Ω.
ZZ
a) Se f é ı́mpar em y, i.e., se f (x, −y) = −f (x, y), ∀(x, y) ∈ Ω, então f (x, y) dx dy = 0.

b) Se f é par em y, i.e., se f (x, −y) = f (x, y), ∀(x, y) ∈ Ω, então
ZZ ZZ ZZ
f (x, y) dx dy = 2 f (x, y) dx dy = 2 f (x, y) dx dy.
Ω Ω∩{y≥0} Ω∩{y≤0}

A demonstração (simples) da proposição anterior é uma aplicação do Teorema de Mudança de Variáveis


(linear) no integral duplo e fica ao cuidado do leitor. Vejamos exemplos (muito simples) de aplicação
desta proposição.
Exemplos.
1) Seja f (x, y) = xy 2 , com (x, y) ∈ Ω = {(x, y) ∈ R2 : −2 ≤ x ≤ 2 ∧ x2 ≤ y ≤ 4}. O conjunto Ω é
simétrico relativamente ao eixo dos yy e f é uma função ı́mpar em x.

Então, de I.a) sai que ZZ


xy 2 dx dy = 0.

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97
Considerando agora, em Ω, a função g(x, y) = x2 y que é par em x, de I.b) vem
ZZ ZZ
2
x y dx dy = 2 x2 y dx dy.
Ω Ω∩{x≥0}

Temos Ω ∩ {x ≥ 0} = {(x, y) ∈ R2 : 0 ≤ x ≤ 2 ∧ x2 ≤ y ≤ 4}, logo

Ω ∩ {x ≥ 0}

ZZ Z 2Z 4 Z 2Z 4 Z 2 h i4
2 2 2
x y dx dy = 2 x y dy dx = 2yx dy dx = x2 y 2 dx
Ω 0 x2 0 x2 0 x2
" #2 !
16x3 x7 27 27
Z 2
512
= 16x2 − x6 dx = − = − = .
0 3 7 0
3 7 21

2) Considerando a função polinomial f (x, y) = x2 , com (x, y) ∈ Ω = [−1, 1] × [−1, 1], é evidente que f
é uma função par em x (e também em y e em (x, y)) e que Ω é um conjunto simétrico relativamente
ao eixo dos yy (e dos xx).

Ω = [−1, 1] × [−1, 1]

Neste caso, para calcular o integral duplo de f , em Ω, podemos usar I.b) ou II.b). Usando I.b) vem
ZZ ZZ ZZ
2 2
x dx dy = 2 x dx dy = 2 x2 dx dy. (27)
Ω Ω∩{x≥0} [0,1]×[−1,1]

[0, 1] × [−1, 1]

Ora, o conjunto [0, 1] × [−1, 1] é simétrico relativamente ao eixo dos xx, aplicando agora a propriedade
II. b) ao integral mais à direita em (27) vem
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98
[0, 1] × [0, 1]

ZZ ZZ ! ZZ
2 2
x dx dy = 2 2 x dx dy =4 x2 dx dy
Ω ([0,1]×[−1,1])∩{y≥0} [0,1]×[0,1]
" #1
x3
Z 1Z 1
2 4
=4 x dx dy = 4 = .
0 0 3 0
3
Observa-se assim que, neste caso, a simetria do conjunto e a da função integranda conduzem a
ZZ Z
x2 dx dy = 4 x2 dx dy.
Ω Ω∩{x≥0}∩{y≥0}

3) Vamos agora enunciar as propriedades do integral duplo referentes às funções ı́mpares e às pares,
cuja prova usa a mesma ferramenta que a prova da Proposição 3.12.
Seja Ω ⊂ R2 um conjunto mensurável e simétrico relativamente ao eixo dos xx e ao dos yy. São
exemplos de conjuntos deste tipo os que se seguem

[−2, 2] × [−1, 1] {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 ≤ 4}

{(x, y) ∈ R2 : y 2 − 1 ≤ x ≤ 1 − y 2 } {(x, y) ∈ R2 : |x| + |y| ≤ 3}


e não são simétricos relativamente aos dois eixos os que se ilustram na próxima figura.

[−1, 3] × [−1, 1] {(x, y) ∈ R2 : x2 + (y − 1)2 ≤ 4}


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99
ZZ
Seja f um campo escalar definido e integrável em Ω. Se f é ı́mpar, então f (x, y) dx dy = 0.

Se f é par, então
ZZ ZZ
f (x, y) dx dy = f (x, y) dx dy,
Ω∩{x≥0}∩{y≥0} Ω∩{x≤0}∩{y≤0}
ZZ ZZ
f (x, y) dx dy = f (x, y) dx dy
Ω∩{x≥0}∩{y≤0} Ω∩{x≤0}∩{y≥0}
e ZZ ZZ ZZ
f (x, y) dx dy = 2 f (x, y) dx dy + 2 f (x, y) dx dy.
Ω Ω∩{x≥0}∩{y≥0} Ω∩{x≥0}∩{y≤0}

São exemplos de campos escalares ı́mpares, em Ω, os que se seguem

(x, y) 7→ x + y e (x, y) 7→ xy 2 + yx2 .

Já (x, y) 7→ x2 + y 2 e (x, y) 7→ xy são exemplos de campos escalares pares, em Ω.

Coordenadas polares

Vimos que as coordenadas polares (r, θ) de um ponto P ∈ R2 com coordenadas cartesianas p


(x, y) 6= (0, 0) são tais que r é a distância euclidiana do ponto P à origem (0, 0), ou seja, r = x2 + y 2 ,
e θ é o ângulo, em [0, 2π[, que o vector OP faz com o semi-eixo positivo dos xx, medido a partir deste
no sentido directo (sentido contrário ao dos ponteiros do relógio).

As variáveis dos dois sistemas de coordenadas estão relacionadas, univocamente, entre si, através
das relações (
x = r cos θ
r > 0, θ ∈ [0, 2π[, (28)
y = r sin θ,
e, inversamente, da forma seguinte

arctan xy ,
 

 x>0e y ≥ 0;
π
 2, x=0e y > 0;


q 
arctan xy + π,

r= x2 + y 2 e θ= x < 0; (29)
 3π
 2, x=0e y < 0;



y
2π + arctan , x>0e y ≤ 0.

x

A relação (28) é uma restrição do campo vectorial que se segue, definido em R2 por

T (r, θ) = (x(r, θ), y(r, θ)) = (r cos θ, r sin θ). (30)

No integral duplo, mudar de variáveis cartesianas para coordenadas polares, nas condições do Teorema
3.11, implica considerar a transformação anterior no aberto U =]0, +∞[×]0, 2π[, onde é injectiva, de
classe C ∞ e com jacobiano dado por (cf. exercı́cio 37 da Ficha 2)

∂(x, y)
= r.
∂(r, θ)

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100
Assim, dado f um campo escalar integrável em Ω, o Teorema 3.11 diz-nos que
Z Z
f (x, y) dx dy = f (r cos θ, r sin θ) r dr dθ,
Ω D
onde Ω é a imagem da região mensurável D ⊂]0, +∞[×]0, 2π[, por meio da transformação (28). Temos
T (]0, +∞[×]0, 2π[) = R2 \ {(x, 0) : x ∈ R+
0 },
o que implica que os conjuntos que são atravessados pelo semi-eixo positivo das abcissas não estão
incluı́dos no contradomı́nio da restrição de T , ao aberto U . Observamos também que a fronteira de
U é o conjunto ({0} × [0, 2π]) ∪ ([0, +∞[×{0}) ∪ ([0, +∞[×{2π}) e o semi-eixo positivo das abcissas é
a imagem desta fronteira, por meio de T .
Se Ω é um subconjunto mensurável de R2 , tal que A := Ω ∩ {(x, 0) : x ∈ R+ 0} =
6 ∅, então A é
um conjunto desprezável, tendo-se (T|U )−1 (A) ⊂ ({0} × [0, 2π]) ∪ ([0, +∞[×{0}) ∪ ([0, +∞[×{2π}).
Prova-se que nestas condições, o Teorema 3.11 é válido com Ω = T (D), correspondendo ao que foi
aludido na Observação 2, da página 94.
Assim, no âmbito da mudança de variável no integral duplo, escrevemos
(
x = r cos θ ∂(x, y)
r ≥ 0, θ ∈ [0, 2π], = r.
Coordenadas Polares y = r sin θ ∂(r, θ)
(r2 = x2 + y 2 )

Exemplos.
1) O conjunto {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 ≤ 4}, em coordenadas cartesianas, é o cı́rculo fechado com centro
em (0, 0) e de raio 2, e é o transformado do rectângulo {(r, θ) ∈ R2 : 0 ≤ r ≤ 2, 0 ≤ θ ≤ 2π} através
de (30).

Em coordenadas cartesianas, cı́rculos centrados na origem são os transformados de rectângulos, através


das coordenadas polares.
O uso destas coordenadas é útil para o cálculo de integrais duplos em que a região de integração é
circular, como por exemplo, cı́rculos, porções de cı́rculos e coroas circulares. São também úteis quando
a função integranda envolve a composição do campo escalar (x, y) 7→ x2 + y 2 com outras funções reais
2 2
de variável real, como é o caso dos exemplos seguintes: f (x, y) = ex +y e g(x, y) = 3+x12 +y2 , definidas
em subconjuntos mensuráveis de R2 .
Z
2) Retomamos agora o exemplo da página 85 e vamos calcular 2y + x dx dy, onde Ω é a semi-coroa

circular {(x, y) ∈ R2 : 1 ≤ x2 + y 2 ≤ 4, y ≥ 0}, usando mudança de variáveis no integral.


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101
Começamos por traduzir as condições que definem Ω em coordenadas cartesianas, para condições
em coordenadas polares. Recordando que
(
x = r cos θ
e r 2 = x2 + y 2 ,
y = r sin θ
vem
r≥0
1 ≤ x2 + y 2 ≤ 4 ⇔ 1 ≤ r2 ≤ 4 ⇐⇒ 1 ≤ r ≤ 2
e
r>0
y ≥ 0 ⇔ r sin θ ≥ 0 ⇐⇒ 0 ≤ θ ≤ π.
Assim, Ω é o transformado do rectângulo D = {(r, θ) ∈ R2 : 1 ≤ r ≤ 2, 0 ≤ θ ≤ π}, por meio de
(30). Usando o Teorema 3.11 obtemos
Z Z
I= 2y + x dx dy = (2r sin θ + r cos θ)r dr dθ.
Ω D

Como D é um rectângulo, é muito simples escrever o integral duplo anterior na forma de integral
iterado, como se segue
Z πZ 2 Z π" 3 #2
r
I= 2r2 sin θ + r2 cos θ dr dθ = (2 sin θ + cos θ) dθ
0 1 0 3 1
Z π
7 7 28
= (2 sin θ + cos θ) dθ = [−2 cos θ + sin θ]π0 = .
0 3 3 3
É evidente que a resolução acabada de efectuar é muito mais simples do que a anteriormente apresen-
tada. Observamos ainda que a função (x, y) 7→ x é ı́mpar em x e que Ω é simétrico relativamente ao
eixo dos yy, pelo que a Proposição 3.12 implica que
Z Z Z
x dx dy = 0, donde 2y + x dx dy = 2y dx dy.
Ω Ω Ω

Esta observação permite simplificar a primeira resolução apresentada para o cálculo do integral em
estudo, em coordenadas cartesianas, embora a escrita do domı́nio de integração continue a ser feita
como a união de três conjuntos do tipo I. Assim, nesta situação, o uso da mudança de variáveis para
coordenadas polares é a melhor opção de cálculo. É evidente que podemos tirar partido da simetria
presente na função e no domı́nio de integração, antes de efectuarmos a mudança de variáveis no integral
duplo. O cálculo resultante fica ainda mais simplificado, como se pode verificar no que se segue
Z πZ 2 Z π" 3 #2 Z π
r 7 7 28
Z
I= 2y dx dy = 2
2r sin θ dr dθ = (2 sin θ) dθ = (2 sin θ) dθ = [−2 cos θ]π0 = .
Ω 0 1 0 3 1 0 3 3 3

3.3.2 Casos particulares de mudança de variáveis em R3


Sejam Ω e D subconjuntos mensuráveis de R3 , T (u, v, w) = (x(u, v, w), y(u, v, w), z(u, v, w)) uma
transformação nas condições do Teorema 3.11, tal que T (D) = Ω, e f um campo escalar integrável
em Ω. Então, a fórmula de mudança de variável no integral triplo é

∂(x, y, z)
Z Z
f (x, y, z) dx dy dz = f (x(u, v, w), y(u, v, w), z(u, v, w)) du dv dw.
Ω D ∂(u, v, w)

Nota: Os domı́nios de integração no cálculo de integrais triplos envolvem, muitas vezes, sólidos cujas
fronteiras são superfı́cies como as que figuram no Anexo 1, que se encontra no final deste capı́tulo, pelo
que aconselhamos a sua consulta, de modo a que seja adquirida uma familiarização com as mesmas.

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102
Coordenadas cilı́ndricas em R3
Dado um ponto P de coordenadas cartesianas (x, y, z), em R3 \ {(0, 0, z) : z ∈ R}, dizemos que
(r, θ, z), com r ∈ ]0, +∞[, θ ∈ [0, 2π[ e z ∈ R, são as coordenadas cilı́ndricas de P , se (r, θ) são as
coordenadas polares de (x, y). Assim, tendo em conta os domı́nios considerados para as variáveis, a
relação entre estes dois sistemas de coordenadas é dada por

 x = r cos θ

y = r sin θ

 z=z

e, no sentido contrário, por (29), juntando também a condição z = z, naturalmente.

Interpretação geométrica da relação entre coordenadas cartesianas e cilı́ndricas


Mudar de coordenadas cartesianas para coordenadas cilı́ndricas, nas condições do Teorema 3.11,
implica considerar a restrição da aplicação de classe C ∞ que se segue

T : [0, +∞[×[0, 2π] × R → R3 , (r, θ, z) 7→ (r cos θ, r sin θ, z), (31)

ao aberto U =]0, +∞[×]0, 2π[×R, onde é uma bijecção sobre V = R3 \ {(x, 0, z) : x ≥ 0, z ∈ R} (cf.
exercı́cio 37 da Ficha 3). Além disso, temos que
∂(x, y, z)
= r.
∂(r, θ, z)
Nestas condições, o Teorema 3.11 diz-nos que, dado f um campo escalar integrável em Ω,
Z Z
f (x, y, z) dx dy dz = f (r cos θ, r sin θ, z) r dr dθ dz,
Ω D

com Ω a imagem da região mensurável D ⊂ U por meio da transformação em (31).


À semelhança do que se passa em R2 com as coordenadas polares, também agora alguns conjuntos
mensuráveis Ω ⊂ R3 não estão contidos no contradomı́nio da restrição de (31) a U , nomeadamente
aqueles que são atravessados pelo semi-plano P = {(x, 0, z) : x ≥ 0, z ∈ R}. Observamos agora que
({0} × [0, 2π] × R) ∪ ([0, +∞[×{0} × R) ∪ ([0, +∞[×{2π} × R) é a fronteira de U e o semi-plano P é
a sua imagem por T .
Dado Ω um subconjunto mensurável de R3 , tal que B := Ω∩P 6= ∅, verifica-se que B é um conjunto
desprezável e, além disso, (T|U )−1 (B) ⊂ ({0} × [0, 2π] × R) ∪ ([0, +∞[×{0} × R) ∪ ([0, +∞[×{2π} × R).
Prova-se que estas são condições de excepção, sob as quais o Teorema 3.11 é válido com Ω = T (D),
onde D ⊂ U , mensurável. Neste âmbito, escrevemos então

 x = r cos θ

∂(x, y, z)
y = r sin θ r ≥ 0, θ ∈ [0, 2π], z ∈ R, = r.
Coordenadas Cilı́ndricas 
 z = z, ∂(r, θ, z)
(r2 = x2 + y 2 )

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103
Observações.
1) O cilindro que em coordenadas cartesianas é o conjunto {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 ≤ 4 ∧ 0 ≤ z ≤ 5},

é o transformado, por meio das coordenadas cilı́ndricas, do seguinte paralelepı́pedo


{(r, θ, z) ∈ R3 : 0 ≤ r ≤ 2, 0 ≤ θ ≤ 2π, 0 ≤ z ≤ 5},
que é o tipo de região de integração mais apetecı́vel (intervalos de R3 ) para o cálculo de integrais
triplos.
Genericamente, cilindros cujo eixo coincide com o eixo dos zz são os transformados de parale-
lepı́pedos pela aplicação (31), daı́ o nome deste sistema de coordenadas.
Coordenadas cilı́ndricas são particularmente úteis quando a região de integração é um sólido,
cuja fronteira envolve superfı́cies cilı́ndricas, como as descritas, mas também parabolóides, superfı́cies
cónicas ou porções destas, entre outras.
2) As imagens, por meio de T , de conjuntos que em coordenadas cilı́ndricas têm uma das coordenadas
constantes são uma superfı́cie cilı́ndrica, se r é constante, um semi-plano perpendicular ao plano z = 0,
se é agora o θ que está fixo, e um plano paralelo a z = 0, se a variável constante é a z, respectivamente
dados por
T ({(r, θ, z) ∈ [0, +∞[×[0, 2π[×R : r = r0 }) = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 = r02 },
T ({(r, θ, z) ∈ [0, +∞[×[0, 2π[×R : θ = θ0 }) = {(x, y, z) ∈ R3 : x = r cos θ0 ∧ y = r sin θ0 ∧ r ≥ 0} e
3
T ({(r, θ, z) ∈ [0, +∞[×[0, 2π[×R : z = z0 }) = {(x, y, z) ∈ R : z = z0 },
com r0 ∈ R+ , θ0 ∈ [0, 2π[, z0 ∈ R. A figura que se segue ilustra as três situações que acabámos de
descrever.

3) Em R3 , os pares de condições (x2 + y 2 ≤ 1 e −4 ≤ z ≤ 3) e (y 2 + z 2 ≤ 1 e 2 ≤ x ≤ 7) definem, em


coordenadas cartesianas, cilindros, cujos eixos de simetria são as rectas y = 0 ∧ x = 0 (eixo dos zz) e
y = 0 ∧ z = 0 (eixo dos xx), respectivamente. Observamos que a função (31) é adequada para que o
primeiro cilindro seja imagem de um paralelepı́pedo, mas o mesmo não acontece com o segundo. No
entanto, se considerarmos a transformação dada por

 x=x

y = r cos θ x ∈ R, r ≥ 0, θ ∈ [0, 2π[, (32)

 z = r sin θ,

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104
já obtemos essa relação, isto é, o segundo cilindro é a imagem por meio da aplicação em (32) do
paralelepı́pedo [2, 7] × [0, 1] × [0, 2π]. Assim, o nome “coordenadas cilı́ndricas” não é apenas atribuı́do
à transformação que figura em (31), mas a qualquer uma em que cilindros de R3 , cujo eixo seja um
dos eixos coordenados, sejam os transformados de paralelepı́pedos, como a que está definida em (32).

Exemplos.
1) Seja Ω o sólido limitado pela superfı́cie cilı́ndrica x2 + y 2 = 1, pelo plano z = 4 e pelo
p parabolóide
z = 1 − x2 − y 2 . Sabendo que a densidade de Ω é dada pela função µ(x, y, z) = x2 + y 2 , com
(x, y, z) ∈ Ω, vamos determinar a sua massa M .
Começamos por escrever Ω em coordenadas cartesianas. Temos

Ω = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 ≤ 1 ∧ z ≥ 1 − x2 − y 2 ∧ z ≤ 4}.

Por definição Z Z q
M= µ(x, y, z) dx dy dz = x2 + y 2 dx dy dz.
Ω Ω
Para calcular o integral anterior vamos usar mudança de variáveis. Atendendo ao tipo de superfı́cies
envolvidas (cilı́ndrica e parabolóide), vamos escolher coordenadas cilı́ndricas. Queremos determinar
D, tal que T (D) = Ω, onde T é a função definida em (31). Para tal, traduzimos as condições que
definem Ω em coordenadas cartesianas para o sistema de coordenadas escolhido. Vem então
r≥0
x2 + y 2 ≤ 1 ⇔ r2 ≤ 1 ⇐⇒ 0 ≤ r ≤ 1,

1 − x2 − y 2 ≤ z ≤ 4 ⇔ 1 − r2 ≤ z ≤ 4.
Assim,
D = {(r, θ, z) ∈ [0, +∞[×[0, 2π[×R : 0 ≤ r ≤ 1 ∧ 1 − r2 ≤ z ≤ 4}.
Observamos que não obtivemos nenhuma restrição para θ, o que é natural se observarmos a repre-
sentação geométrica do conjunto Ω. Aplicando então a mudança de variáveis no integral, que também
requer apcomposição da função integranda com a função mudança de variáveis (neste caso a tradução
produz x2 + y 2 = r), vem
Z 2π Z 1 Z 4 Z 1 Z 4 Z 1
∂(x, y, z) 2
M= dθ dr r
dz = 2π dr r dz = 2π (4 − 1 + r2 )r2 dr
0 0 1−r2 ∂(r, θ, z) 0 1−r2 0
" #1
r5
Z 1
2 4 3 12π
= 2π 3r + r dr = 2π r + = .
0 5 0
5

É importante observar que neste caso a ordem pela qual se escrevem os integrais simples não é ar-
bitrária. Da esquerda para a direita, o último integral a escrever (que será o primeiro a ser calculado)
é o relativo à variável z, pois esta varia entre gráficos de duas funções (contı́nuas), dependendo uma
delas da variável r. Quanto aos outros dois não há obrigatoriedade na ordem de escrita, já que θ e r
variam em intervalos reais fixos. Como a função integranda não depende de θ é mais cómodo escrever
em primeiro lugar (o integral mais à esquerda) o integral relativo a esta variável.

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105
2) Calcular o volume do sólido S limitado pelo plano y = 4 e pelo parabolóide x2 + z 2 = y.
Temos que
S = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + z 2 ≤ y ≤ 4}
e Z
V (S) = 1 dx dy dz.
S
Para calcular o integral anterior, interessa-nos considerar a seguinte mudança de variáveis

 x = r cos θ

y=y r ≥ 0, y ∈ R, θ ∈ [0, 2π],

 z = r sin θ,

cujo módulo do jacobiano é r (verifique). Vamos determinar D, tal que T (D) = S, onde T é a função
acabada de definir. Para tal, traduzimos as condições que definem S em coordenadas cartesianas para
o sistema de coordenadas escolhido. Vem então
x2 + z 2 ≤ y ≤ 4 ⇔ r2 ≤ y ≤ 4.
Neste caso há uma condição escondida, que tem de ser tida em conta, a condição r2 ≤ 4. Atendendo
a que temos r ≥ 0, esta condição diz-nos que 0 ≤ r ≤ 2. Mais uma vez não obtivemos restrições para
θ. Podemos escrever
D = {(r, y, θ) ∈ [0, +∞[×R × [0, 2π] : 0 ≤ r ≤ 2 ∧ r2 ≤ y ≤ 4}
e, por aplicação do Teorema 3.11, obtemos
" #2
r4
Z 2π Z 2 Z 4 Z 2
3 2
V (S) = dθ dr r dy = 2π 4r − r dr = 2π 2r − = 2π (8 − 4) = 8π.
0 0 r2 0 4 0
Coordenadas esféricas em R3
Dado um ponto P ∈ R3 de coordenadas cartesianas (x, y, z), com (x, y) 6= (0, 0) (esta condição diz-nos
que o ponto não está no eixo dos zz), definimos as suas coordenadas esféricas (ρ, θ, φ), da forma
que se segue: ρ é a distância euclidiana do ponto P à origem, pelo que é dada por
q
ρ= x2 + y 2 + z 2 ,
designando por OP 0 a projecção do segmento OP no plano xy, θ ∈ [0, 2π[ é o ângulo que o vector OP 0
faz com o semi-eixo positivo dos xx, medido a partir deste semi-eixo no sentido directo, e finalmente,
φ ∈ [0, π[ é o ângulo que o vector OP faz com o semi-eixo positivo dos zz, medido a partir do referido
semi-eixo (ver a figura que se segue). Tem-se então

 x = ρ cos θ sin φ

y = ρ sin θ sin φ ρ > 0, θ ∈ [0, 2π[, φ ∈]0, π[.

 z = ρ cos φ,

Interpretação geométrica da relação entre coordenadas cartesianas e esféricas

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106
Tal como no caso das coordenadas cilı́ndricas, efectuar uma mudança de coordenadas cartesianas
para coordenadas esféricas nas condições do Teorema 3.11, implica restringir a transformação de classe
C ∞,
T : [0, +∞[×[0, 2π] × [0, π] → R3 ,
definida por

T (ρ, θ, φ) = (x(ρ, θ, φ), y(ρ, θ, φ), z(ρ, θ, φ)) = (ρ cos θ sin φ, ρ sin θ sin φ, ρ cos φ), (33)

ao aberto W =]0, +∞[×]0, 2π[×]0, π[, onde é uma bijecção sobre V = R3 \ {(x, 0, z) : x ≥ 0 ∧ z ∈ R},
e cujo jacobiano é (cf. exercı́cio 42 da Ficha 3)

∂(x, y, z)
= −ρ2 sin φ.
∂(ρ, θ, φ)

Nestas condições o Teorema 3.11 diz-nos que


Z Z
f (x, y, z) dx dy dz = f (ρ cos θ sin φ, ρ sin θ sin φ, ρ cos φ) ρ2 sin φ dρ dθ dφ,
Ω D

onde Ω é a imagem da região mensurável D ⊂ W , por meio da transformação (33), e f é um campo


escalar integrável em Ω.
Analogamente ao caso das coordenadas cilı́ndricas, os conjuntos cuja intersecção com o semi-plano
P = {(x, 0, z) : x ≥ 0, z ∈ R} é não vazia, não estão contidos em T (W ). Verifica-se ainda que P é a
imagem, por meio de T , de

({0} × [0, 2π] × [0, π]) ∪ ([0, +∞[×{0} × [0, π]) ∪ ([0, +∞[×{2π} × [0, π])
∪ ([0, +∞[×[0, 2π] × {0}) ∪ ([0, +∞[×[0, 2π] × {π}),

que é a fronteira de W .
Dado Ω um subconjunto mensurável de R3 , tal que B := Ω∩P 6= ∅, verifica-se que B é um conjunto
desprezável e, além disso, (T|U )−1 (B) ⊂ ∂W . Prova-se que estas são condições de excepção, sob as
quais o Teorema 3.11 é válido com Ω = T (D), tendo-se D ⊂ W , mensurável. Escrevemos então, no
âmbito da mudança de variáveis,

 x = ρ cos θ sin φ

∂(x, y, z)

= ρ2 sin φ.

y = ρ sin θ sin φ, ρ ≥ 0, θ ∈ [0, 2π], φ ∈ [0, π],
Coord. Esféricas 
 z = ρ cos φ ∂(ρ, θ, φ)
(x2 + y 2 = ρ2 sin2 φ, x2 + y 2 + z 2 = ρ2 )

Exemplos e observações.
1) As coordenadas esféricas são particularmente úteis para o cálculo de integrais triplos em que o
domı́nio de integração é delimitado por superfı́cies esféricas, cones, ou porções destas superfı́cies.
2) Seja R > 0. A imagem do paralelepı́pedo

[0, R] × [0, 2π] × [0, π],

por meio de T , definida em (33), é a esfera que em coordenadas cartesianas é o conjunto

{(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 ≤ R2 }.

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107
3) A figura que se segue ilustra os transformados, por T , referida no ponto anterior, dos conjuntos
que resultam de fixar a primeira (ρ = ρ0 , ρ0 > 0), a segunda (θ = θ0 , com θ0 ∈ [0, 2π[) e a terceira
(φ = φ0 , com φ0 ∈]0, π[) variáveis, respectivamente.

1
Z
4) Calcular 2 + y2 + z2
dV , onde B ⊂ R3 é a bola unitária, fechada e centrada na origem.
B 4 + x
Vamos calcular o integral usando coordenadas esféricas. Seja D, tal que T (D) = B, onde T é dada
em (33). Como B = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 ≤ 1}, vem
D = {(ρ, θ, φ) ∈ [0, +∞[×[0, 2π] × [0, π] : 0 ≤ ρ ≤ 1}.
Aplicando a mudança de variáveis no integral dado obtemos
ρ2
Z 2π Z π Z 1
1 1
Z Z
dV = ρ2 sin φ dρ dθ dφ = dθ dφ sin φ dρ.
B 4 + x + y2 + z2
2
D 4 + ρ2 0 0 0 4 + ρ2
Podemos usar a propriedade (22) para calcular o integral triplo iterado anterior e vem
!
ρ2
Z 2π  Z π  Z 1 Z 1 Z 1
4 1
dθ sin φ dφ dρ = 2π [− cos φ]π0 1− dρ = 4π 1− ρ 2

0 0 0 4 + ρ2 0 4 + ρ2 0 1+ 2
1
ρ 1
  
= 4π ρ − 2 arctan = 4π 1 − 2 arctan .
2 0 2
Z
5) Calcular o integral x2 + y 2 dV, onde S é dado por
S
1
S = {(x, y, z) ∈ R3 : y > 0 ∧ x2 + y 2 + z 2 < 4 ∧ x2 + y 2 > 1 ∧ z 2 < (x2 + y 2 )}.
3

Vamos usar coordenadas esféricas para calcular o integral pedido. Começamos por traduzir as condições
que definem S para o novo sistema de coordenadas:
(Semi-espaço) y > 0 ⇔ ρ sin θ sin φ > 0 ⇔ sin θ > 0 ⇔ 0 < θ < π;
(Esfera) x2 + y 2 + z 2 < 4 ⇔ ρ2 < 4 ⇔ 0 < ρ < 2;
1
(Cilindro) x2 + y 2 > 1 ⇔ ρ2 sin2 φ > 1 ⇔ ρ > ;
sin φ
1 1 π 2π
(Cone) z 2 < (x2 + y 2 ) ⇔ ρ2 cos2 φ < ρ2 sin2 φ ⇔ < φ < .
3 3 3 3
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108
Na última equivalência (cone) foram usados os cálculos que se seguem
1 π
ρ2 cos2 φ < ρ2 sin2 φ ⇔ tan2 φ > 3 ∨ φ =
3 2
 √ √  π
⇔ tan φ > 3 ∨ tan φ < − 3 ∨ φ =
2
π 2π
⇔ <φ< .
3 3
Observamos ainda que as várias desigualdades obtidas têm em conta as restrições φ ∈]0, π[ e ρ > 0.
Assim, o domı́nio de integração nas novas coordenadas é
π 2π 1
D = {(ρ, θ, φ) : 0 < θ < π ∧ <φ< ∧ < ρ < 2},
3 3 sin φ
pelo que, por aplicação do Teorema 3.11, obtemos
Z Z Z π Z 2π Z 2
3
2 2 2 2 2
x + y dV = (ρ sin φ) ρ sin φ dρ dθ dφ = dθ dφ ρ4 sin3 φ dρ
π 1
S D 0 3 sin φ

" #2 2π
ρ5 π 1
Z Z  
3 3
3 3
=π sin φ dφ = sin φ 32 − dφ
π
3
5 1 5 π
3
sin5 φ
sin φ
2π 2π
!
π 1 π 2π
Z Z
3 3
3 2
= 32 sin φ − dφ = 32 sin φ(1 − cos φ) dφ + [cotan φ] π
3
5 π
3
sin2 φ 5 π
3
3

" # 2π  2π
π 32 cos3 φ 3
π cos φ π 8 2
  
3
= −32 cos φ + + = 32 − − √
5 3 π 5 sin φ π 5 3 3
3 3

π 88 2
 
= −√ .
5 3 3

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109
Anexo 1: Exemplos de Superfı́cies Quádricas

x2 y 2 z 2
Elipsóide + 2 + 2 =1
a2 b c

x2 y 2 z 2
Hiperbolóide de uma folha + 2 − 2 =1
a2 b c

z 2 x2 y 2
Hiperbolóide de duas folhas − 2 − 2 =1
c2 a b

Parabolóide elı́ptico z = a2 x2 + b2 y 2

Parabolóide hiperbólico z = a2 x2 − b2 y 2

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110
Superfı́cies Cilı́ndricas

x2 y 2
Elı́ptica + 2 =1
a2 b

x2 y 2
Hiperbólica − 2 =1
a2 b

Parabólica y = kx2

x2 y 2 z 2
Superfı́cie Cónica + 2 − 2 =0
a2 b c

Que superfı́cies são estas?

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111
Anexo 2: Software
São várias as ferramentas online que permitem o cálculo de integrais múltiplos. Aqui ficam duas
referências.
Wolfram Alpha

https://www.wolframalpha.com/examples/mathematics/calculus-and-analysis/integrals/

Symbolab

http://pt.symbolab.com/solver/double-integrals-calculator

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112
4 Introdução à Análise Vectorial

Introdução
No capı́tulo anterior vimos uma forma de estender a noção de integral de uma função real de variável
real a uma função real de várias variáveis. Vamos agora ver outras formas de definir integral para
estas e outras funções (campos vectoriais), mais precisamente, vamos definir o chamado integral de
linha ou integral de caminho e o chamado integral de superfı́cie. A génese dos conteúdos deste capı́tulo
é a Fı́sica. Muitos dos conceitos surgiram para dar resposta a problemas relacionados com o fluxo de
fluidos, forças, electricidade e magnetismo. Assim, a terminologia adoptada tem em consideração este
facto.
O integral de linha estende o conceito de integral de uma função real de variável real definida num
intervalo a uma função (escalar ou vectorial) definida numa curva (objecto geométrico de dimensão
1, tal como um intervalo). O integral de superfı́cie estende o conceito de integral duplo de funções
definidas em rectângulos ou conjuntos do plano adequados (regiões do tipo I ou do tipo II) a funções
definidas em superfı́cies (objectos geométricos, em R3 , de dimensão 2).
Há três resultados centrais na Análise Vectorial, a saber, o Teorema de Green, o Teorema de Stokes
e o Teorema de Gauss. Embora o primeiro destes resultados seja atribuı́do a Green, já apareceu nos
trabalhos de Gauss e de Lagrange, e a primeira prova completa deve-se a O. Veblen, em 1905. A
sua versão em Rn é conhecida como o Teorema de Stokes, da qual veremos a versão em dimensão 3.
Os três teoremas revelam uma transferência das ideias do Teorema Fundamental do Cálculo Integral
em dimensão um, na medida em que, em todos eles se relaciona um integral sobre um conjunto D
com um outro integral sobre a fronteira de D, modificando adequadamente a função integranda. Têm
aplicações variadas, nomeadamente a nı́vel das equações diferenciais que governam algumas leis da
Fı́sica.

4.1 Integrais de linha

Nesta secção vamos definir integral de uma função ao longo de uma linha parametrizada, a que
genericamente chamamos integral de linha ou integral de caminho ou ainda integral curvilı́neo. A
designação integral de caminho prende-se com o facto de considerarmos linhas parametrizadas definidas
em intervalos compactos, ou seja, aquilo a que chamamos um caminho. Assim, nestas linhas estão
definidos os pontos inicial e final da linha. Consequentemente, em todos os casos está presente o
sentido em que a curva, traço da linha, é descrita. Este é um aspecto relevante em algumas das
situações que vamos tratar.

Recordamos que chamamos linha parametrizada a qualquer função contı́nua γ : I ⊆ R → Rn ,


com n ∈ N2 . A γ(I) chamamos curva ou traço da linha γ. Se I é um intervalo compacto (I = [a, b]),
dizemos que γ é um caminho. Se γ(a) = γ(b), o caminho diz-se fechado. É ainda importante
recordar que o caminho inverso ou oposto de γ : [a, b] → Rn é o caminho que se representa por
(−γ), sendo definido por (−γ)(t) = γ(a + b − t), com t ∈ [a, b]. O comprimento de um caminho γ, de
classe C 1 , ou seccionalmente C 1 , em [a, b], é dado por
Z b
L(γ) = kγ 0 (t)k dt.
a

Por último, fazemos menção ao já estudado conceito de reparametrização de um caminho. Dada uma
mudança de parâmetro, ou seja, uma aplicação bijectiva α : J → I, de classe C 1 , entre intervalos
compactos J e I, tal que α0 6= 0, dizemos que a linha parametrizada γ ◦ α é uma reparametrização
de γ (por meio de α), onde γ : I → Rn é uma linha parametrizada.
Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

113
Dado um caminho γ : [a, b] → Rn , usamos a notação [γ] para representar o conjunto de todas as
reparametrizações de γ que são descritas no mesmo sentido, ou seja, são parametrizações da forma
γ ◦ α, onde α é uma mudança de parâmetro tal que α0 > 0. Representamos por C o conjunto [γ]
e dizemos que é uma linha orientada. Cada elemento deste conjunto é referenciado como uma
parametrização de C. Observe-se que todas as linhas de [γ] têm o mesmo traço. Assim, quando
nos referimos ao traço da linha orientada estamos a referirmo-nos ao traço comum a todas as
parametrizações que a constituem. Além disso, se γ é uma linha parametrizada simples o mesmo
acontece a todas as suas reparametrizações, pelo que, nesse caso, dizemos que C = [γ] é uma linha
orientada simples. Analogamente, se γ é de classe C 1 ou seccionalmente de classe C 1 , o mesmo
acontece a todas as suas reparametrizações, pelo que dizemos que C = [γ] é uma linha orientada
de classe C 1 ou seccionalmente de classe C 1 , consoante o caso. Sem ambiguidade definimos
o comprimento da linha orientada C - L(C), como o comprimento de qualquer uma das suas
parametrizações, ou seja L(C) = L(γ). Em geral, dizemos que uma linha orientada C = [γ] tem
uma determinada caracterı́stica se todas as suas parametrizações a tiverem. É ainda útil referir que
representamos por (−C) o conjunto [−γ], onde (−γ) é o caminho oposto de γ.

4.1.1 Integral de linha de um campo escalar


Sejam γ : [a, b] → Rn (n ∈ N2 ) uma linha C 1 , f uma função cujo domı́nio contém o traço de γ e tal
que f ◦ γ é, pelo menos, seccionalmente contı́nua. Podemos então calcular o integral
Z b
f (γ(t))kγ 0 (t)k dt.
a
Se r : [c, d] → Rn é uma reparametrização de γ, é fácil ver (exercı́cio) que
Z d Z b
0
f (r(t))kr (t)k dt = f (γ(t))kγ 0 (t)k dt. (34)
c a

Definição 4.1 Sejam γ : [a, b] → Rn (n ∈ N2 ) uma linha parametrizada C 1 , C = [γ], f uma função
cujo domı́nio contém o traço de γ e tal que f ◦ γ é, pelo menos, seccionalmente contı́nua. Definimos
o integral de linha de f ao longo da linha orientada C por
Z b
f (γ(t))kγ 0 (t)k dt,
a
Z Z
e denotamos por f ds ou por f ds.
C γ
A definição estende-se naturalmente ao caso em que a linha C é seccionalmente C 1 , usando a
propriedade de aditividade do domı́nio de integração para o integral real.
Observações e exemplos.
1) Atendendo a (34), a definição anterior é coerente, isto é, não depende da parametrização da linha
orientada C.
Z
2) Calcular 3 + x2 y ds, onde o traço de C é a curva
C

Γ = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = 4 ∧ y ≤ 0}
percorrida uma única vez, no sentido directo.
Começamos por escolher uma parametrização de Γ, de acordo com os dados. Seja então
γ : [π, 2π] → R2 , γ(t) = (2 cos t, 2 sin t).
Temos γ 0 (t) = (−2 sin t, 2 cos t) e kγ 0 (t)k = 2, para todo o t ∈ [π, 2π]. Assim, vem
Z 2π 2π
16 32
Z 
2
3 + x y ds = 2
(3 + 8 cos t sin t)2 dt = 6π + − cos3 t = 6π − .
C π 3 π 3
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114
Z
3) Se f = 1, então 1 ds = L(C) (recorde que L(C) é o comprimento da linha orientada).
C
4) Seja γ : [a, b] → R2uma linha parametrizada, seccionalmente C 1 , C = γ([a, b]) e f : D ⊂ R2 → R
uma função contı́nua, não negativa, tal que C ⊂ D.
O integral de linha é o conceito que permite determinar a área da região do espaço que é delimitada
inferiormente pela curva C, superiormente pelo conjunto
{(x, y, z) : (x, y) ∈ C, z = f (x, y)}
e ainda pelas rectas, em R3 , (x, y) = γ(a) e (x, y) = γ(b). Veja-se a figura que se segue para uma
leitura geométrica da situação.

5) Tal como usamos os integrais duplos e triplos para determinar a massa, o centro de massa e os
momentos de inércia de membranas e de sólidos, respectivamente, podemos usar o integral de linha
para determinar certos conceitos fı́sicos relativos a fios com diâmetro desprezável, que modelamos
como o traço de uma linha parametrizada. Por exemplo, se µ for a função densidade de massa de um
fio metálico Γ traço de uma linha orientada simples C, então o comprimento do fio é dado por
Z
L(C) = ds,
C
a sua massa total é o valor de Z
M= µ ds,
C
as coordenadas do seu centro de massa CM , no caso em que C ⊂ R3 , são dadas por
1 1 1
 Z Z Z 
CM = xµ ds, yµ ds, zµ ds .
M C M C M C

Definição 4.2 (Justaposição de caminhos) Sejam γ1 : [a, b] → Rn e γ2 : [c, d] → Rn dois cami-


nhos tais que γ1 (b) = γ2 (c), i.e, o ponto final de γ1 é o ponto inicial de γ2 (n ∈ N2 ). Define-se um
novo caminho γ, designado por justaposição de γ1 e de γ2 , dado por
(
γ1 (t), a≤t≤b
γ(t) =
γ2 (t + c − b), b ≤ t ≤ b + d − c.
Vamos usar a notação γ1 ∨ γ2 para a justaposição das linhas em causa.
Dizemos que uma linha orientada C é a justaposição de duas linhas orientadas C1 e C2 se existir
uma parametrização γ, de domı́nio [a, b], e um instante ξ ∈]a, b[ tal que γ|[a,ξ] é uma parametrização
de C1 e γ|[ξ,b] é uma parametrização de C2 . Nesse caso escrevemos C = C1 ∨ C2 .
Observação. O conceito anterior generaliza-se de forma óbvia ao caso em que temos um número
finito de linhas orientadas. Consideramos então a situação em que C é a justaposição de n ∈ N2 linhas
orientadas C1 , C2 , . . . . Cn , que denotamos por C = C1 ∨ C2 ∨ . . . ∨ Cn . Importa observar que no caso
em que C é de classe C 1 , então o mesmo se passa com cada uma das linhas Ck , com k ∈ {1, . . . , n},
mas que o recı́proco é falso. Neste último caso dizemos que a linha orientada é seccionalmente de
classe C 1 .

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115
Proposição 4.3 Sejam C, C1 , C2 linhas orientadas seccionalmente C 1 , f, g : D ⊆ Rn → R campos
escalares seccionalmente contı́nuos, tais que D contém os traços das linhas consideradas, e k ∈ R.
São válidas as seguintes propriedades:
Z Z Z
1. (f + g) ds = f ds + g ds;
C C C
Z Z
2. kf ds = k f ds;
C C
Z Z
3. f ds = f ds;
C −C
Z Z
4. se f ≤ g no traço de C, então f ds ≤ g ds;
C C
Z Z Z
5. f ds = f ds + f ds;
C1 ∨C2 C1 C2
Z Z

6. f ds ≤ |f | ds;
C C
Z

7. f ds ≤ max |f | L(C), onde max f denota o máximo de f no traço de C.

C C C

Observação. A quinta propriedade generaliza-se, por indução, ao caso em que a linha orientada
C é a justaposição de n ∈ N2 linhas orientadas, C1 , C2 , . . . , Cn , seccionalmente C 1 . Assim, com
C = C1 ∨ C2 ∨ . . . ∨ Cn , tem-se
Z Z Z Z
f ds = f ds + f ds + . . . + f ds.
C1 ∨C2 ∨...∨Cn C1 C2 Cn

Demonstração da Proposição 4.3. Vamos apenas fazer a prova da terceira propriedade.


Consideremos γ : [a, b] → Rn uma parametrização de C. Então (−γ)(t) = γ(a + b − t), com
t ∈ [a, b], é uma parametrização de (−C).
Usando a definição de integral de linha, vem
Z Z b
f ds = f ((−γ)(t))k(−γ)0 (t)k dt
−C a
Z b
= f (γ(a + b − t))k − γ 0 (a + b − t)k dt.
a

Fazendo a mudança de variável a + b − t = u, tem-se dt = −du, para t = a obtém-se u = b, e para


t = b vem u = a, donde
Z Z a
f ds = f (γ(u))kγ 0 (u)k(−1) du
−C b
Z b Z
= f (γ(u))kγ 0 (u)k du = f ds.
a C

Fica então provada a asserção 3. 

A propriedade que acabámos de provar diz-nos que para determinarmos o valor do integral de
linha de um campo escalar ao longo de uma linha orientada, podemos escolher γ uma parametrização
do caminho C ou (−γ), a parametrização do caminho oposto (−C).

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116
4.1.2 Integral de linha de um campo vectorial

Dados F : D ⊆ Rn → Rn um campo vectorial e uma linha orientada C = [γ], dizer que C está contida
em D é dizer que o traço de γ está contido em D e, por abuso de linguagem, vamos escrever C ⊂ D.

Definição 4.4 Sejam C = [γ] uma linha orientada C 1 , γ : [a, b] → Rn , e F : D ⊆ Rn → Rn um


campo vectorial contı́nuo, com C ⊂ D. Definimos o integral de linha do campo vectorial F ao
longo da linha orientada C como sendo o valor
Z b
F (γ(t)) · γ 0 (t) dt
a
Z Z Z Z
e denotamos por F · dr ou por F · dr (ou ainda por F |dr ou por F |dr caso se adopte a
C γ C γ
notação ·|· para o produto interno).
A definição estende-se naturalmente ao caso em que a linha C é seccionalmente C 1 , usando a
propriedade de aditividade do domı́nio de integração para o integral real.

Observações.
1) O conceito anterior está bem definido, pois dadas γ1 , γ2 ∈ [γ], com γ1 : [a, b] → Rn e γ2 : [c, d] → Rn ,
tem-se que
Z b Z d
F (γ1 (t)) · γ10 (t) dt = F (γ2 (t)) · γ20 (t) dt.
a c
A prova é um exercı́cio simples e fica ao cuidado do leitor.
2) Ao integral de linha também chamamos integral curvilı́neo ou integral de caminho.
3) Em Fı́sica, o trabalho realizado por uma força constante F para deslocar um objecto de um ponto
−−→
P até um ponto Q, ao longo de um segmento de recta, é dado por W = F · P Q (força produto interno
com o vector deslocamento).
Consideremos agora um objecto que se move ao longo de uma trajectória Γ sob acção de um
campo de forças F genérico, contı́nuo. Sejam Pi = r(ti ) pontos de Γ, onde r : [a, b] → R3 é uma
parametrização de Γ, com i = 1, · · · , m (m ∈ N2 ). O trabalho realizado por F ao deslocar o objecto
de Pi a Pi+1 pode ser aproximado por F (Pi ) · r0 (ti )∆ti , pois

F (Pi ) · (Pi+1 − Pi ) = F (Pi ) · (r(ti+1 ) − r(ti )) = F (Pi ) · (r0 (ti )(ti+1 − ti ) + o(ti+1 − ti )) ≈ F (Pi ) · r0 (ti )∆ti

se ti+1 − ti → 0, para i = 1, . . . , m − 1, e onde usámos o sı́mbolo ≈ para significar que os valores entre
ele são próximos um do outro, quando a diferença ti+1 − ti é pequena. Somando todas as parcelas e
fazendo ∆ti := ti+1 − ti → 0, obtemos
Z b Z
W = F (r(t)) · r0 (t) dt = F · dr, com C = [r].
a C

Assim, o trabalho realizado por um campo de forças F para deslocar um objecto ao longo de um
percurso Γ é dado pelo integral de linha do campo de forças ao longo da linha orientada C, cujo traço
é Γ. Algumas vezes, por abuso de linguagem, também dizemos “integral de linha ao longo da curva
Γ”, sendo evidente a razão quando se trata do trabalho realizado por uma força nas circunstâncias
anteriores.
Exemplo. Calcular o trabalho realizado pelo campo de forças F (x, y) = (y, −x), (x, y) ∈ R2 , para
deslocar um determinado objecto ao longo da parábola de equação y = x2 , do ponto (−1, 1) ao ponto
(2, 4).
Consideremos a parametrização r : [−1, 2] → R2 , dada por r(t) = (t, t2 ), cujo traço é a curva dada.
Temos que
r0 (t) = (1, 2t), F (r(t)) = (t2 , −t), t ∈ [−1, 2],
Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

117
logo
" #2
t3
Z Z 2 Z 2 Z 2
0 2 2 2
W = F · dr = F (r(t)) · r (t) dt = (t , −t) · (1, 2t) dt = t − 2t dt = − = −3.
C −1 −1 −1 3 −1

4) Na Definição 4.4, considerando γ(t) = (x1 (t), x2 (t), . . . , xn (t)) e F = (F1 , F2 , . . . , Fn ) vem
Z Z b Z b
F · dr = F (γ(t)) · (x01 (t), x02 (t), . . . , x0n (t)) dt = F1 (γ(t))x01 (t) + . . . + Fn (γ(t))x0n (t) dt,
C a a
o que sugere a seguinte notação para o integral de linha de um campo vectorial
Z Z
F · dr = F1 dx1 + . . . + Fn dxn .
C C

À expressão simbólica F1 dx1 + . . . + Fn dxn chama-se forma diferencial.


No caso n = 3, com F (x, y, z) = (P (x, y, z), Q(x, y, z), R(x, y, z)) e γ(t) = (x(t), y(t), z(t)), a
notação anterior tem o aspecto seguinte
Z Z
F · dr = P dx + Q dy + R dz.
C C
Assim, se alguma das componentes de F for nula, no integral do lado direito não aparece a
respectiva parcela. Considerando f um campo escalar definido num aberto de R3 , que contém C, têm
então lugar as seguintes definições,
Z Z b
f (x, y, z) dx = f (γ(t)) x0 (t) dt,
C a
Z Z b
f (x, y, z) dy = f (γ(t)) y 0 (t) dt,
C a
Z Z b
f (x, y, z) dz = f (γ(t)) z 0 (t) dt.
C a

Temos definições análogas quando f está definido em Rn , com n ∈ N2 .


Z
Exemplos. 1) Calcular (x + y) dx + (−z + 1) dy + (xy + 5z) dz, onde C = [γ] e γ(t) = (2t, 3t, −t2 ),
C
com t ∈ [−1, 1].
Temos então γ(t) = (x(t), y(t), z(t)) = (2t, 3t, −t2 ), donde
γ 0 (t) = (|{z}
2 , |{z} −2t)
3 , |{z}
dx dy dz

(dx = 2 dt, dy = 3 dt, dz = −2t dt), pelo que


Z Z 1
(x + y) dx + (−z + 1) dy + (xy + 5z) dz = (2t + 3t)2 + (t2 + 1)3 + (2t3t + 5(−t2 ))(−2t) dt
C −1
Z 1 h i1
= 10t + |3t2{z+ 3} −2t 3
dt = 2 t3 + 3t = 8.
−1
|{z} | {z } 0
ı́mpar par ı́mpar
Z
2) Calcular zey dy, onde C é traço da parametrização γ(t) = (1, t, et ), com t ∈ [0, 2].
C
Temos γ 0 (t) = (0, |{z}
1 , et ), assim
dy
" #2
e2t e4 − 1
Z Z 2
zey dy = et et dt = = .
C 0 2 0
2

Ineltrodução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

118
Proposição 4.5 Sejam C, C1 e C2 linhas orientadas seccionalmente C 1 , F, G : D ⊆ Rn → Rn
campos vectoriais contı́nuos, cujo domı́nio contém os traços das linhas consideradas, k ∈ R, n ∈ N2 .
Tem-se:
Z Z Z
1. (F + G) · dr = F · dr + G · dr;
C C C
Z Z
2. kF · dr = k F · dr;
C C
Z Z
3. F · dr = − F · dr;
−C C
Z Z Z
4. F · dr = F · dr + F · dr;
C1 ∨C2 C1 C2
Z Z

5. F · dr ≤
kF k ds;
C C
Z

6. F · dr ≤ max kF k L(C).

C C

Demonstração. Vejamos uma prova das propriedades 3 e 5.


Prova de 3. Consideremos γ : [a, b] → Rn uma parametrização de C. Então (−γ)(t) = γ(a + b − t),
com t ∈ [a, b], é uma parametrização de (−C). Por definição de integral de linha de um campo vectorial
vem
Z Z b
F · dr = F ((−γ)(t)) · (−γ)0 (t) dt
−C a
Z b
= F (γ(a + b − t)) · γ 0 (a + b − t)(−1) dt.
a
Fazendo a mudança de variável a + b − t = u, tem-se dt = −du, para t = a obtém-se u = b, e para
t = b vem u = a, donde
Z Z a
F · dr = F (γ(u)) · γ 0 (u)(−1) (−1)du
−C b
Z b Z
0
=− F (γ(u)) · γ (u) du = − F · dr.
a C
Prova de 5. Seja γ : [a, b] → Rn uma parametrização de C. Temos
Z Z b

0

F · dr = F (γ(t)) · γ (t) dt



C a
Z b
F (γ(t)) · γ 0 (t) dt,


a
usando a desigualdade de Cauchy-Schwarz (e a monotonia do integral real), obtemos
Z b
≤ kF (γ(t))k kγ 0 (t)k dt
a
e da definição de integral de linha de um campo escalar vem
Z
= kF k ds.
C
Observação. A quarta propriedade generaliza-se, por indução, ao caso em que a linha orientada
C é a justaposição de n ∈ N2 linhas orientadas, C1 , C2 , . . . , Cn , seccionalmente C 1 . Assim, com
C = C1 ∨ C2 ∨ . . . ∨ Cn , tem-se
Z Z Z Z
F · dr = F · dr + F · dr + . . . + F · dr. (35)
C1 ∨C2 ∨...∨Cn C1 C2 Cn

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

119
4.2 Campos vectoriais conservativos
Definição 4.6 Seja Ω um aberto de Rn . Um campo vectorial F : Ω → Rn diz-se um campo
gradiente se existe um campo escalar ϕ : Ω → R, de classe C 1 , tal que F = ∇ϕ. A ϕ damos o nome
de potencial de F . Também dizemos que ϕ é uma primitiva de F .

Observe-se que se ϕ é um potencial para um determinado campo gradiente, então também ϕ + C, com
C ∈ R, é um potencial para o mesmo campo.

Observação. Em Fı́sica é usual dizer que um campo vectorial F é gradiente quando existe um
potencial U tal que ∇U = −F (esta notação com o sinal menos prende-se com a forma como se
escreve o Princı́pio da Conservação da Energia Mecânica).

Exemplo. O campo vectorial F (x, y) = (y 2 , 2xy − e2y ), com (x, y) ∈ R2 , é um campo gradiente.
Vamos determinar um potencial para F , isto é, vamos determinar ϕ : R2 → R, de classe C 1 , tal que
se verifiquem em simultâneo, em R2 , as duas identidades seguintes
∂ϕ
(x, y) = y 2 (36)
∂x
∂ϕ
(x, y) = 2xy − e2y . (37)
∂y
Primitivando (36) em ordem a x obtemos
∂ϕ
Z Z
ϕ(x, y) = dx = y 2 dx = y 2 x + h(y), (38)
∂x
onde h é uma função (apenas de y) de classe C 1 . Derivando (38) em ordem a y e comparando com
(37) vem
∂ϕ
(x, y) = 2yx + h0 (y) = 2xy − e2y ,
∂y
donde concluı́mos que
e2y
h0 (y) = −e2y ⇐⇒ h(y) = − + k, k ∈ R.
2
e2y
Introduzindo esta informação em (38), obtemos finalmente ϕ(x, y) = y 2 x − , um potencial para F ,
2
onde se escolheu a constante k = 0.

Sabemos que todas as funções reais de variável real contı́nuas são primitiváveis, admitindo portanto
uma função primitiva. Este resultado não tem paralelo entre os campos vectoriais F : Ω ⊆ Rn → Rn
(n ∈ N2 ) mesmo que sejam de classe C ∞ . Por exemplo, F (x, y) = (2x, x), com (x, y) ∈ R2 , não é um
campo gradiente, pois não existe nenhum campo escalar ϕ, definido em R2 , de classe C 1 e tal que
∂ϕ ∂ϕ
(x, y) = 2x e (x, y) = x, ∀(x, y) ∈ R2 .
∂x ∂y

Dizemos que um conjunto A ⊂ Rn é conexo se não pode ser escrito como a união de dois conjuntos
abertos disjuntos. Os conjuntos conexos por arcos são exemplos de conjuntos conexos. Todos os
conjuntos abertos e conexos são conexos por arcos.

Exemplos.
1. ] − 2, 5[ ∪ ]7, 8[ não é conexo;

2. {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 < 7} é conexo e, como é aberto, é conexo por arcos;

3. {(−8, 1)} ∪ {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 < 7} é conexo, mas não é conexo por arcos.
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120
Proposição 4.7 Duas primitivas do mesmo campo vectorial definido num aberto conexo Ω diferem
por uma constante, ou seja, se F = ∇ϕ e F = ∇ψ em Ω, então ϕ − ψ é constante em Ω.

e2y
Exemplo. ϕ(x, y) = y 2 x − + 5 é um potencial para F (x, y) = (y 2 , 2xy − e2y ), em R2 , tal como
2
e2y
ψ(x, y) = y 2 x − − 17. Temos
2
ψ − ϕ = −22.
É válida a seguinte versão do Teorema Fundamental do Cálculo para Integrais de Linha.

Teorema 4.8 (Teorema Fundamental do Cálculo para Integrais de Linha) Sejam C = [r] uma
linha orientada seccionalmente de classe C 1 , com r : [a, b] → Rn , e f um campo escalar, de classe C 1 ,
definido num aberto de Rn que contém C. Então
Z
∇f · dr = f (r(b)) − f (r(a)).
C

Em particular, este resultado diz-nos que o integral de caminho de um campo gradiente só depende dos
pontos inicial e final. Dizemos por esta razão que o integral do campo é independente do caminho
(independente da linha orientada que liga os mesmos pontos inicial e final).
Quando o integral de caminho é calculado ao longo de uma linha orientada fechada também usamos
a seguinte notação I
F · dr,
C
e é usual designar este valor por circulação do campo F ao longo de C.

Demonstração do Teorema 4.8. Seja C = [r] uma linha orientada. Comecemos por ver o caso
em que C = [r] é de classe C 1 , com r : [a, b] → Rn . Temos então
Z Z b
∇f · dr = ∇f (r(t)) · r0 (t) dt
C a
Z b Z b
d
= (f ◦ r)(t) dt = (f ◦ r)0 (t) dt
a dt a
= [(f ◦ r)(t)]ba
=(f ◦ r)(b) − (f ◦ r)(a) = f (r(b)) − f (r(a)).

Seja agora C uma linha orientada seccionalmente C 1 . Então C é a justaposição de p ∈ N2 linhas


orientadas C 1 , tendo-se

C = C1 ∨ C2 ∨ . . . ∨ Cp , Ci = [ri ], com ri : [ai , bi ] → Rn , i = 1, . . . , p,

ri (bi ) = ri+1 (ai+1 ), i = 1, . . . , p − 1 (o ponto final de uma linha é o ponto inicial da seguinte). Usando
(35) vem
Z p Z
X
∇f · dr = ∇f · dr
C i=1 Ci
Xp
= [f (ri (bi )) − f (ri (ai ))]
i=1

= [f (r1 (b1 )) − f (r1 (a1 ))] + [f (r2 (b2 )) − f (r2 (a2 )] + . . . + [f (rp (bp )) − f (rp (ap ))]
= f (rp (bp )) − f (r1 (a1 )).
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121
Observamos que as parcelas da soma da penúltima linha dos cálculos anteriores são simétricas
duas a duas, atendendo a que o ponto final de uma linha é o ponto inicial da seguinte, sobrando
apenas a segunda e a penúltima. Defina-se r a justaposição dos caminhos r1 , . . . , rp , de acordo com
a generalização da Definição 4.2 a um número finito de linhas, tendo-se então r : [a, b] → Rn , com
a = a1 e b = bp , onde se considerou ai+1 = bi , com i = 1, . . . , p − 1 (p ∈ N2 ). Os cálculos efectuados
provam então que
Z
∇f · dr = f (rp (bp )) − f (r1 (a1 )) = f (r(b)) − f (r(a)).
C
Exemplos.Z
2 −1 √
1) Calcule ∇f · dr, onde f (x, y) = yex + 4(x + 1) y + 4, com (x, y) no domı́nio natural de f , e
C
C = [γ], com γ(t) = (1 − t, 2t2 − 2t), t ∈ [0, 2] (o traço de C está contido no domı́nio natural de f ).
Pelo Teorema Fundamental para o Integral de Linha vem
Z
∇f · dr = f (γ(2)) − f (γ(0)) = f (−1, 4) − f (1, 0) = 4 − 16 = −12.
C
2) Seja C a linha orientada cujo traço é a linha poligonal representada na figura que se segue

Z
Calcule ∇f · dr, onde f (x, y) = y 3 − x2 + exy , com (x, y) ∈ R2 .
C
Os pontos inicial e final da linha orientada são (−2, 0) e (0, −2), respectivamente. Assim, pelo
Teorema Fundamental para o Integral de Linha obtemos
Z
∇f · dr = f (0, −2) − f (−2, 0) = −7 + 3 = −4.
C

Corolário 4.9 Sejam C uma linha orientada fechada, seccionalmente de classe C 1 , com traço num
aberto Ω ⊂ Rn e F um campo gradiente em Ω, então
I
F · dr = 0,
C

ou seja, para todo o campo escalar ϕ de classe C 1 , tem-se


I
∇ϕ · dr = 0.
C

Demonstração. Consideremos um potencial para F , ϕ : Ω → R, de classe C 1 . Pelo Teorema 4.8


vem I I
F · dr = ∇ϕ · dr = ϕ(ponto final) − ϕ(ponto inicial) = 0,
C C
pois a linha orientada é fechada, donde os pontos inicial e final coincidem. 

Em geral, o trabalho realizado por um campo de forças no deslocamento de um objecto depende


do caminho que é traçado. Como acabámos de ver, há casos em que o trabalho só depende do ponto
inicial e do ponto final, independentemente do caminho que os une. Em Fı́sica diz-se que estes campos
de forças são conservativos. Os campos gradientes são, portanto, exemplos de campos conservativos.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

122
Definição 4.10 Seja D ⊂ Rn um aberto. Um campo vectorial F : D ⊂ Rn → Rn diz-se conservativo
se o integral de F ao longo de linhas orientadas seccionalmente C 1 , em D, depende apenas dos pontos
inicial e final, ou seja, dadas duas linhas orientadas seccionalmente C 1 , C1 e C2 , cujos pontos inicial
e final coincidam, tem-se que Z Z
F · dr = F · dr.
C1 C2
Proposição 4.11 Seja D ⊂ Rn um conjunto aberto. Um campo vectorial F : D ⊂ Rn → Rn é
conservativo se, e só se, o seu integral ao longo de qualquer linha orientada fechada, seccionalmente
C 1 é zero.
Demonstração. Comecemos por provar a implicação directa. Suponhamos então que o campo F é
conservativo. Seja C uma linha orientada fechada, seccionalmente C 1 , arbitrária. Consideremos P0 o
seu ponto inicial (e final). Defina-se agora a linha orientada constante Γ = [γ], com γ(t) = P0 , para
todo o t ∈ [a, b] (e γ 0 (t) = 0Rn ). Como F é conservativo (o integral de linha não depende do caminho)
e C e Γ têm os mesmos pontos inicial e final, então:
Z Z Z b Z b
F · dr = F · dr = F (γ(t)) · γ 0 (t) dt = F (γ(t)) · 0Rn dt = 0.
C Γ a a
Assim, o integral ao longo de qualquer linha orientada fechada, seccionalmente C 1 é zero.
Vejamos agora a implicação recı́proca. A nossa hipótese é agora o que acabámos de provar, ou
seja, vamos supor que o integral de F ao longo de qualquer linha orientada fechada, seccionalmente
C 1 é zero.
Queremos mostrar que o integral de F tem o mesmo valor ao longo de qualquer caminho que ligue
os mesmos dois pontos. Sejam C1 e C2 duas linhas orientadas, seccionalmente C 1 , que ligam A e B,
dois pontos distintos arbitrários (ver figura em baixo).

Z
A linha orientada C = C1 ∨ (−C2 ) é fechada e seccionalmente C 1, logo F · dr = 0. Usando as
C
propriedades 3 e 4 da Proposição 4.5 vem
Z Z Z Z Z
0= F · dr = F · dr + F · dr = F · dr − F · dr,
C C1 −C2 C1 C2
logo Z Z
F · dr = F · dr.
C1 C2
Proposição 4.12 Todo o campo gradiente é conservativo.
A demonstração do resultado anterior é uma consequência óbvia da conjugação do Teorema Fun-
damental para o Integral de Linha com a Proposição 4.11.
Proposição 4.13 Seja F : D ⊂ Rn → Rn um campo vectorial contı́nuo, onde D é um conjunto
aberto e conexo. Então F é um campo conservativo se, e só se, F é um campo gradiente.
Observação. Em Matemática é usual definir campo conservativo como um campo gradiente. Como
nos diz a propriedade anterior, se o domı́nio é aberto e conexo, as noções são equivalentes (resulta do
Teorema de Schwarz).
Como se caracterizam os campos gradientes? A última propriedade antecipa que a topologia do
domı́nio será relevante nesta resposta. Vamos precisar de introduzir mais alguns conceitos.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

123
Definição 4.14 Um conjunto Ω ⊂ Rn diz-se estrelado se existe c ∈ Ω tal que para todo o x ∈ Ω o
segmento de recta de extremos c e x está contido em Ω.
As figuras que se seguem mostram exemplos de conjuntos estrelados em relação a algum ponto do
próprio conjunto e exemplos de conjuntos não estrelados, em R2 .

Conjunto estrelado relativamente a P0

Conjunto não estrelado

Conjunto estrelado em relação a qualquer ponto P que lhe pertence


Em Rn , com n ∈ N2 , os conjuntos convexos, de que as bolas e os intervalos são exemplos, são conjuntos
estrelados relativamente a qualquer ponto, assim como o próprio Rn .

Teorema 4.15 (Teorema de Poincaré) Seja Ω um aberto estrelado de Rn e F : Ω → Rn um


campo vectorial de classe C 1 . Então F = (F1 , . . . , Fn ) é conservativo em Ω se, e só se, a sua matriz
jacobiana é simétrica, ou seja, para todo (x1 , . . . , xn ) ∈ Ω
∂Fk ∂Fi
(x1 , . . . , xn ) = (x1 , . . . , xn ), i, k = 1, . . . , n. (39)
∂xi ∂xk
No caso n = 2 com F (x, y) = (F1 (x, y), F2 (x, y)), as condições anteriores reduzem-se a
∂F1 ∂F2
(x, y) = (x, y).
∂y ∂x
No caso n = 3 com F (x, y, z) = (F1 (x, y, z), F2 (x, y, z), F3 (x, y, z)), (39) traduz-se por
∂F1 ∂F2 ∂F1 ∂F3 ∂F2 ∂F3
(x, y, z) = (x, y, z), (x, y, z) = (x, y, z), (x, y, z) = (x, y, z).
∂y ∂x ∂z ∂x ∂z ∂y

Observações. 1) Para a implicação directa basta que Ω seja aberto, isto é, num aberto a matriz
jacobiana de um campo gradiente de classe C 1 é simétrica.

2) Por definição, o campo rotacional de um campo vectorial F : D ⊂ R3 → R3 , F (x, y, z) =


(F1 (x, y, z), F2 (x, y, z), F3 (x, y, z)) é dado por
∂F3 ∂F2 ∂F1 ∂F3 ∂F2 ∂F1
 
rot F = ∇ × F = − , − , − .
∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

124
No caso em que n = 3, o Teorema de Poincaré diz-nos que num aberto estrelado um campo é
conservativo se, e só se, é irrotacional, isto é, se o seu rotacional é nulo. Veremos mais tarde uma
interpretação geométrica desta situação.
3) O Teorema de Poincaré é válido em conjuntos mais gerais, nomeadamente nos chamados con-
juntos simplesmente conexos (abreviadamente s.c.). Muito informalmente, em R2 , os conjuntos
s.c. são aqueles que não têm “buracos”. Por exemplo, um cı́rculo é um conjunto s.c., mas uma coroa
circular não o é. A definição rigorosa diz que Ω é um conjunto s.c. se é conexo e se qualquer caminho
pode ser deformado continuamente em Ω, até se reduzir a um ponto (uma deformação é um conceito
estabelecido matematicamente).
Uma meia-coroa circular não é um conjunto estrelado, mas é um conjunto simplesmente conexo.

4) É útil observar que R2 \ {(0, 0)} é um conjunto aberto, mas não é estrelado. Para compreender
este facto basta observar que dois pontos que estejam sobre rectas que passam na origem não podem
ser ligados, entre si, por um segmento de recta contido em R2 \ {(0, 0)}. Também não é simples-
mente conexo. Analogamente, se a R2 retirarmos um ponto qualquer, o conjunto resultante não é
simplesmente conexo.

Exemplos. No exemplos que se seguem calculamos várias derivadas parciais, para verificar se a matriz
jacobiana dos campos vectoriais envolvidos é simétrica. Na indicação da derivada parcial omitimos o
ponto genérico em que são calculadas ((x, y) ou (x, y, z)), de modo a que as notações sejam mais leves.
1) Considere-se em R3 o campo vectorial
F (x, y, z) = (F1 (x, y, z), F2 (x, y, z), F3 (x, y, z)) = (xyz, y, x).
Vamos averiguar se F é conservativo, recorrendo ao Teorema de Poincaré. Temos
∂F1 ∂F2
= xz 6= 0 = ,
∂y ∂x
logo F não é conservativo (basta que uma das identidades não se verifique).
2) Vejamos que o campo
F (x, y, z) = (F1 (x, y, z), F2 (x, y, z), F3 (x, y, z)) = (yz, xz, xy − 2)
é conservativo em R3 . Calculando as derivadas parciais das componentes de F (apenas as necessárias
para verificar que a matriz Jacobiana de F é simétrica) vem
∂F1 ∂F2 ∂F1 ∂F3 ∂F2 ∂F3
=z= , =y= , =x= ,
∂y ∂x ∂z ∂x ∂z ∂y
 ∂F 
1
z y
 ∂x ∂F2
JF (x, y, z) =  z ∂y x 

∂F3
y x ∂z
donde se conclui que F é um campo conservativo.
y x
 
3) Consideremos o campo F (x, y) = − 2 , 2 , em R2 \ {(0, 0)}.
x + y x + y2
2

Representação do campo F
Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

125
Designando por F1 e por F2 as primeira e segunda componentes de F , respectivamente, temos que

∂F1 ∂ y y 2 − x2 ∂ x ∂F2
   
= − 2 = 2 = = ,
∂y ∂y x + y2 (x + y )2 2 ∂x x + y2
2 ∂x
então a matriz jacobiana de F é simétrica. Neste caso o Teorema de Poincaré não permite dizer se
o campo F é conservativo, apesar do que acabámos de ver, dado que o conjunto R2 \ {(0, 0)} não é
estrelado. Então, de que forma devemos proceder para saber se o campo é conservativo? Vamos fazer
um estudo directo, analisando o valor do integral de linha sobre curvas fechadas em torno do buraco.
Seja C = [γ] uma linha orientada, com γ(t) = (cos t, sin t), t ∈ [0, 2π] (a circunferência de centro
(0, 0) e raio 1 percorrida no sentido directo). Temos então:
y x
I I
F · dr = − dx + 2 dy.
C C x2 +y 2 x + y2
Como
γ 0 (t) = (− sin t, cos t), t ∈ [0, 2π],
vem I Z 2π Z 2π
F · dr = − sin t(− sin t) + cos t cos t dt = 1 dt = 2π6= 0,
C 0 0

logo F não é conservativo em R2 \ {(0, 0)}, dado que existe uma linha fechada sobre a qual o integral
de caminho de F não é zero (cf. Proposição 4.11).
4) Seja agora Γ a linha orientada fechada, de classe C 1 , cujo traço está representado na próxima figura

e seja F o campo vectorial do exemplo 3). É então imediato que


I
F · dr = 0,
Γ

pois facilmente nos apercebemos que existe B uma bola aberta (conjunto estrelado) que contém o
traço de Γ no seu interior e tal que (0, 0) pertence ao seu exterior (ver figura seguinte).

Como a matriz jacobiana de F é simétrica e B é um aberto estrelado, o Teorema de Poincaré garante


que F é conservativo em B. Atendendo a que Γ é fechada, concluı́mos que a circulação de F sobre
esta linha é zero.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

126
Corolário 4.16 Seja D um aberto estrelado de Rn e F : D → Rn um campo vectorial de classe C 1 .
São equivalentes as asserções que se seguem:
1. F é conservativo (em D);
2. F é gradiente (em D);
3. a circulação de F ao longo de qualquer linha orientada fechada, seccionalmente C 1 , contida em
D é zero;
4. a matriz jacobiana de F é simétrica (em D).
Tal como o Teorema de Poincaré, também este corolário é válido quando se considera D um
conjunto simplesmente conexo, pelo que é neste contexto que o consideramos.
Como vimos nesta secção, os campos conservativos desempenham um papel importante na teoria
dos integrais de linha, pelo que reconhecê-los é fundamental. Segue-se uma súmula, na forma de
pergunta-resposta sobre o estudo efectuado.
Como saber se um campo vectorial F : D ⊂ Rn → Rn é conservativo?
Se estamos num aberto estrelado (em rigor, num conjunto simplesmente conexo), aplicamos o teste
da matriz jacobiana (Teorema de Poincaré). Noutros conjuntos não temos uma regra geral para obter
a conclusão.
Para provar que um campo vectorial não é conservativo basta encontrar uma linha fechada ao
longo da qual o integral de caminho não seja nulo, ou dois caminhos distintos ligando os mesmos
pontos inicial e final e tais que os respectivos integrais de linha tenham valores diferentes.
Como determinar o integral de caminho de um campo conservativo?
• Se o caminho é fechado, então o integral é zero (Corolário 4.11).
• Se a linha não é fechada, atendendo ao que estudámos até agora, podemos escolher (teoricamente)
entre duas abordagens:
(1) determinar um potencial e usar o Teorema Fundamental para o Integral de Linha (Teorema
4.8);
(2) fazer o cálculo directo usando a definição. Neste caso é possı́vel escolher o caminho que liga
os mesmos pontos, dado que o integral é independente do caminho; a escolha recai sobre
aquele que permite ter cálculos mais simples.

Como determinar o integral de caminho de um campo não conservativo?


Com o que aprendemos até agora, apenas a definição nos permite fazer o seu cálculo. Na próxima
secção vamos estudar um método alternativo, aplicável nalgumas situações.

Terminamos esta secção com mais alguns exemplos.


Exemplos.
1) Considere as linhas orientadas C1 e C2 cujos traços estão representados na figura que se segue

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

127
Também está representado o campo vectorial F (x, y) = (3 + 2xy, x2 − 3y 2 ), definido em R2 .
Justifique que Z Z
F · dr = F · dr
C1 C2
e determine o valor comum dos integrais anteriores.
∂P ∂Q
Sejam P (x, y) = 3 + 2xy e Q(x, y) = x2 − 3y 2 , com (x, y) ∈ R2 . Temos (x, y) = 2x = (x, y)
∂y ∂x
2
e como estamos em R , o Teorema de Poincaré permite concluir que o campo F é conservativo, donde,
pela conjunção da Propriedade 4.13 com o Corolário 4.9, obtemos o pretendido e o valor dos integrais
é zero, dado que as linhas são fechadas.
2 2 2 −y 2
2) Sejam F (x, y) = (2yexy + 2xex −y , 2xexy − 2yex ), com (x, y) ∈ R2 , e C a linha orientada cujo
traço está representado na figura seguinte

Z
Calcule F · dr. Começamos por aplicar o teste da matriz jacobiana (Teorema 4.15), dado que o
C
campo F está definido em R2 . Designando por P e Q as primeira e segunda componentes de F , temos
então
∂P 2 2 ∂Q
(x, y) = 2exy + 2xyexy − 4xyex −y = (x, y).
∂y ∂x
O Teorema de Poincaré permite concluir que o campo é conservativo. Dado que a linha não é fechada,
temos duas opções para o cálculo do integral: usar a definição, após a parametrização da linha dada, ou
de uma outra que una os pontos inicial e final, ou determinar um potencial para F e usar o Teorema
Fundamental para o Integral de Linha. Atendendo a que C é a justaposição de três segmentos de
recta, parametrizar a linha dada implica que tenhamos de considerar três parametrizações, uma para
cada segmento, e calcular os respectivos integrais de linha, o que não é muito convidativo (embora o
procedimento seja simples). Podemos escolher um único segmento de recta a unir os mesmos pontos ou
outro caminho, mas uma rápida análise da função integranda permite concluir que não há vantagem
2 2
nesta via, pelo que vamos optar pelo segundo método. É fácil ver que ϕ(x, y) = 2exy + ex −y é um
potencial para F , em R2 . Assim, e observando que os pontos inicial e final de C são, respectivamente,
(0, 1) e (5, 0), o valor do integral pedido é
Z
F · dr = ϕ(5, 0) − ϕ(0, 1) = 2 + e25 − 2 − e−1 = e25 − e−1 .
C

4.3 Teorema de Green


Nesta secção vamos ver o primeiro dos três teoremas fundamentais da Análise Vectorial a que nos
referimos na introdução do capı́tulo - o Teorema de Green. Este resultado relaciona um integral duplo
num domı́nio limitado com um integral de linha ao longo da fronteira desse domı́nio - uma curva
de Jordan orientada positivamente. A formulação deste resultado advém de trabalhos associados ao
electromagnetismo e à mecânica de fluidos, tendo também aplicações à reflexão e refracção de som e
luz. Do ponto de vista da Matemática, pode ser utilizado para simplificar alguns cálculos de integrais,
duplos ou de linha, permitindo, por exemplo, determinar áreas de regiões planas, cujo cálculo através
de integrais duplos se torna complicado (por envolver funções cuja primitivação é complexa), usando
integrais de linha adequados. Vamos então introduzir os conceitos necessários para estabelecer este
teorema.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

128
Uma classe importante de conjuntos em R2 , e que estará em evidência no que se segue, é a que
resulta de considerar linhas parametrizadas, fechadas e simples, cujos traços são as fronteiras desses
conjuntos. Estas linhas são designadas por Curvas de Jordan. Atendendo à nomenclatura adoptada
no Capı́tulo 1, temos um abuso de linguagem. Assim, Curva de Jordan será uma designação usada
para referenciar uma linha orientada assim como o seu traço.
Uma curva de Jordan é uma curva plana C, fechada e simples. Prova-se que uma curva de
Jordan divide o plano em duas regiões conexas e abertas, uma limitada, a que chamamos o interior
da curva, e a outra, ilimitada, a que chamamos o exterior da curva. Tem-se assim
R2 = int C ∪˙ C ∪˙ ext C.

C Ext C a branco
Int C a azul
Nas três imagens que se seguem temos três curvas, A é uma curva de Jordan, B não é uma curva de
Jordan, dado que não é fechada, e C também não é uma curva de Jordan, pois não é simples.

A B C
Sabemos que podemos associar duas orientações a um caminho fechado e simples. Vamos atribuir
uma designação a cada uma destas orientações e estabelecer o conceito de orientação. Informalmente,
dizemos que uma curva de Jordan está orientada positivamente se um observador tridimensional
que caminhe ao longo dela de acordo com essa orientação (do ponto inicial para o ponto final), “vê”
o interior da curva (a região limitada) do seu lado esquerdo.

No caso da circunferência, que já trabalhámos, corresponde ao que chamámos sentido directo ou sentido
contrário ao dos ponteiros do relógio. Caso contrário dizemos que a curva de Jordan está orientada
negativamente. Na circunferência corresponde ao que chamámos sentido retrógrado ou sentido dos
ponteiros do relógio.

Orientação positiva Orientação negativa


É usual a notação C+ para significar que a curva de Jordan C está orientada positivamente e C −
no caso contrário.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

129
Teorema 4.17 (Teorema de Green, 1828) Seja C uma linha orientada plana, seccionalmente de
classe C 1 , simples, fechada (Curva de Jordan), orientada positivamente, cujo traço também é
representado por C, e seja D = C ∪ int C. Se P e Q são campos escalares de classe C 1 num aberto
que contém D, então
∂Q ∂P
ZZ I
− dA = P dx + Q dy.
D ∂x ∂y C

Observações. 1) Na fórmula de Barrow (Teorema Fundamental do Cálculo Integral), o integral da


derivada de uma função r.v.r. f é dado através dos valores da função na fronteira do intervalo de
integração,
Z b
f 0 (x) dx = f (b) − f (a).
a
Observe-se a analogia deste resultado com o Teorema de Green, onde temos um integral duplo, numa
região D, de derivadas (parciais) de certas funções, dado por um integral de linha com os valores dessas
funções na fronteira do domı́nio de integração. Esta é a transferência de ideias a que nos referimos na
introdução deste capı́tulo.
2) Se o campo (P, Q) for conservativo no int C, que é um conjunto simplesmente conexo ( ∂Q ∂P
∂x = ∂y ),
o Teorema de Green diz-nos algo que já sabı́amos, ou seja, que a circulação deste campo ao longo da
curva de Jordan é zero.
3) A prova do teorema anterior é bastante simples nos casos em que D é um conjunto normal. No
caso geral, a prova é mais exigente e faz uso do chamado Teorema da Curva de Jordan.
4) Se a curva estiver orientada negativamente, obtemos
∂Q ∂P
ZZ I
− dA = − P dx + Q dy.
D ∂x ∂y C

5) Dada a orientação da curva considerada no Teorema de Green, podemos escrever


∂Q ∂P
ZZ I
− dA = P dx + Q dy
D ∂x ∂y C+
e a observação anterior pode ser formulada como se segue
∂Q ∂P
ZZ I
− dA = − P dx + Q dy.
D ∂x ∂y C−

Exemplos.
1) Seja D o rectângulo representado na figura que se segue

e seja C a linha orientada positivamente, cujo traço é a fronteira de D. Queremos calcular o integral
de linha I
(−7 + 10xy 5 ) dx + (25y 4 x2 + 3x) dy.
C
Começamos por verificar se é conservativo o campo vectorial (P, Q)(x, y) = (−7 + 10xy 5 , 25y 4 x2 + 3x),
numa vizinhança do traço de C. Temos (em R2 )
∂P ∂
(x, y) = (−7 + 10xy 5 ) = 50xy 4
∂y ∂y
Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

130
e
∂Q ∂
(x, y) = (25y 4 x2 + 3x) = 50y 4 x + 3.
∂x ∂x
Como as derivadas parciais anteriores são distintas em R2 , que é um aberto estrelado, o Teorema
de Poincaré permite concluir que o campo não é conservativo. Assim, temos duas opções para calcular
o integral dado: usar a definição de integral de linha de um campo vectorial ou usar o Teorema de
Green, dado que C é uma curva de Jordan, e as restantes condições estão asseguradas, dada a natureza
dos objectos intervenientes. A escolha da primeira opção implica determinar quatro parametrizações
(neste caso, muito simples), pois C é a justaposição de quatro segmentos de recta e, consequentemente,
há lugar ao cálculo de quatro integrais de linha (verifique). Aplicando o Teorema de Green teremos
apenas de determinar um integral duplo que é muito simples, como vamos ver. Assim,
Z 5Z 2 Z 5Z 2
∂Q ∂P
ZZ
4 4
− dA = 50y x + 3 − 50xy dy dx = 3 dy dx = 3 · (5 − 1) · (2 − 0) = 24.
D ∂x ∂y 1 0 1 0

Podemos agora concluir,


∂Q ∂P
I ZZ
(−7 + 10xy 5 ) dx + (25y 4 x2 + 3x) dy = − dA = 24.
C D ∂x ∂y
1
I
2) Calcular x dy − y dx, onde o traço de C é a fronteira do conjunto
2 C

D = {(x, y) ∈ R2 : 1 ≤ x2 + y 2 ≤ 4, y ≥ 0},

orientada positivamente.

O traço de C é a fronteira de uma semi-coroa circular. Assim, para calcular o integral de linha
dado, por definição, é necessário parametrizar os quatro caminhos cuja justaposição constitui C. Mais
uma vez, vamos recorrer ao Teorema de Green para calcular o integral de linha usando um integral
duplo, observando-se que todas as hipóteses do mesmo são satisfeitas. Temos então

1 1 ∂x ∂(−y)
I ZZ
x dy − y dx = − dx dy =
2 C 2 D ∂x ∂y
1 π22 π12 3π
ZZ ZZ
1 − (−1) dx dy = 1 dx dy = m2 (D) = − = .
2 D D 2 2 2
3) No exemplo anterior, o integral de linha pedido tem o valor da área da semi-coroa circular,
ou seja, do interior da curva C. Vejamos que obtemos o mesmo resultado em situações mais gerais.
Seja D um subconjunto limitado de R2 , cuja fronteira ∂D = C é uma curva de Jordan, orientada
positivamente, e cujo interior seja o interior da curva C. Sendo A a sua área, temos que
1
ZZ I
A= 1 dx dy = x dy − y dx.
D 2 C

Nas mesmas condições temos ainda


ZZ I
A= 1 dx dy = x dy.
D C
e ZZ I
A= 1 dx dy = −y dx.
D C

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

131
A fronteira de uma coroa circular não é uma curva de Jordan, pelo que não podemos usar o Teorema de
Green em integrais duplos cujo domı́nio de integração seja uma destas regiões. O próximo resultado
lida com conjuntos com buracos, como as coroas circulares, entre outros conjuntos, manipulando
adequadamente o Teorema de Green.
Corolário 4.18 Sejam Ω ⊂ R2 um aberto tal que C1 ∪ int C1 \ int C2 ⊂ Ω, onde C1 e C2 são curvas
de Jordan, seccionalmente C 1 , estando C1 orientada positivamente, C2 negativamente e
D = C1 ∪ int C1 \ int C2 .

Se P e Q são campos escalares de classe C 1 em Ω, então


∂Q ∂P
ZZ I I
− dA = P dx + Q dy + P dx + Q dy.
D ∂x ∂y C1 C2

Atendendo à orientação das curvas e à notação introduzida, a fórmula anterior pode ainda ser
escrita na forma
∂Q ∂P
ZZ I I
− dA = + P dx + Q dy + − P dx + Q dy.
D ∂x ∂y C1 C2

A ideia da prova deste corolário é decompor adequadamente o conjunto Ω de forma a podermos


usar o Teorema de Green, tirando partido do facto de um integral de linha de um campo vectorial
mudar de sinal, se trocarmos a orientação do caminho. A ideia está esquematizada na figura que se
segue.

É agora intuitivo que o corolário anterior pode ser generalizado a conjuntos D com mais do que
um buraco

desde que a curva que constitui a fronteira exterior de D - Ce , esteja orientada positivamente, e
as curvas que delimitam os buracos interiores Γi , com i = 1, . . . , s (s ∈ N2 ), estejam orientadas
negativamente. Obtém-se então a fórmula
s
∂Q ∂P
ZZ I X I
− dA = + P dx + Q dy + P dx + Q dy.
D ∂x ∂y Ce i=1 Γ−
i

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132
Exemplo. Calcule o integral de linha
I
(1 + y + 2xy) dx + (x2 + y 2 ) dy,
C

onde C é o contorno exterior do castelo plano da figura em baixo, orientada positivamente, estando as
fronteiras das janelas orientadas negativamente. Consideramos que todos os quadrados da figura são
iguais e o lado de cada um mede uma unidade.

Sejam J0 a fronteira da janela maior e Ji a fronteira de cada uma das janelas menores (são todas
iguais), para i = 1, . . . , 4. Sejam P (x, y) = 1 + y + 2xy e Q(x, y) = x2 + y 2 , com (x, y) ∈ R2 .

∂Q ∂P
ZZ
− dA
castelo ∂x ∂y
I 4 I
X
= (1 + y + 2xy) dx + (x2 + y 2 ) dy + −
(1 + y + 2xy) dx + (x2 + y 2 ) dy. (40)
C+ i=0 Ji

Vem então ZZ
(2x − 1 − 2x) dA = −m2 (castelo) = −68.
castelo
Para i = 0, 1, 2, 3, 4 temos que
I I

(1 + y + 2xy) dx + (x2 + y 2 ) dy = − (1 + y + 2xy) dx + (x2 + y 2 ) dy
Ji Ji+

e aplicando o Teorema de Green a cada janela (conjunto que representamos por janelai , com i =
0, . . . , 4) obtemos
I ZZ
2 2
− (1 + y + 2xy) dx + (x + y ) dy = − (2x − 1 − 2x) dA = m2 (janelai ).
Ji+ janelai

Da análise da figura vem que

m2 (janela0 ) = 6, m2 (janelai ) = 1, i = 1, 2, 3, 4.

Atendendo a (40), temos


I ZZ 4 I
X
... = ... − −
...
C+ castelo i=0 Ji

donde I
(1 + y + 2xy) dx + (x2 + y 2 ) dy = −68 − 6 − 4 = −78.
C+

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

133
O próximo corolário é muito útil, pois permite-nos mudar a curva no cálculo de integrais de linha
de campos vectoriais com matriz jacobiana simétrica, desde que não haja buracos entre a curva original
e a curva escolhida.
Corolário 4.19 Sejam Ω ⊂ R2 um aberto conexo,

Ω → R2 , (x, y) 7→ (f (x, y), g(x, y)),


∂f ∂g
um campo vectorial de classe C 1 , tal que = , em Ω. Considerem-se C1 e C2 curvas de Jordan,
∂y ∂x
seccionalmente C 1 , orientadas positivamente e tais que C1 ⊂ int C2 e (C2 ∪ int C2 ) \ int C1 ⊂ Ω.
Então I I
f dx + g dy = f dx + g dy.
C1 C2

Figura ilustrativa do corolário anterior

Demonstração. Seja D = (C2 ∪ int C2 ) \ int C1 . Atendendo a que C1 está orientada positiva-
mente, pelo Corolário 4.18 vem
∂g ∂f
ZZ I I
− dA = f dx + g dy + f dx + g dy.
D ∂x ∂y C2 −C1

∂f ∂g
Como = , em Ω, o integral duplo é zero, assim
∂y ∂x
I I I I
0= f dx + g dy + f dx + g dy ⇔ f dx + g dy = − f dx + g dy
C2 −C1 C2 −C1

O integral de linha de um campo vectorial troca de sinal se a orientação da linha for trocada, logo
I I
f dx + g dy = f dx + g dy. 
C2 C1

Observação. O resultado anterior continua válido se as curvas estiverem orientadas negativamente.


No caso em que as curvas têm orientações opostas, então os valores dos respectivos integrais têm sinais
contrários, ou são zero.

Exemplo. Seja F o campo vectorial definido no exemplo 3) da página 125. Vimos que
y x
I I
F · dr = − dx + 2 dy = 2π,
C C x2 +y 2 x + y2
onde o traço de C é a circunferência de centro (0, 0) e raio 1, orientada positivamente. Também
constatámos que a matriz jacobiana de F é simétrica, tendo-se, portanto,

∂ y y 2 − x2 ∂ x
   
− 2 = 2 = , (x, y) ∈ R2 \ {(0, 0)}.
∂y x + y2 (x + y )2 2 ∂x x + y2
2

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134
Seja Γ a linha orientada, cujo traço é a elipse de equação
x2 y2
+ = 1,
16 25
percorrida no sentido directo. Qual é o valor de
y x
I I
F · dr = − dx + 2 dy?
Γ Γ x2 + y 2 x + y2
Ora, C e Γ são curvas de Jordan, orientadas positivamente e tais que

C ⊂ int Γ e (Γ ∪ int Γ) \ int C ⊂ R2 \ {(0, 0)},

então, pelo corolário anterior,


y x y x
I I
− 2 2
dx + 2 dy = − dx + 2 dy = 2π.
Γ x + y x + y2 C x2 + y 2 x + y2

Observações. Com a introdução da noção, ainda que intuitiva, de interior e exterior de uma curva,
podemos tornar mais rigorosa a noção de conjunto simplesmente conexo. Assim, dizemos que um
conjunto Ω ⊂ R2 é simplesmente conexo se Ω é conexo e se para qualquer curva fechada C ⊂ Ω,
se tem int C ⊂ Ω. O Teorema de Green permite então estender o Teorema de Poincaré a conjuntos
simplesmente conexos, em R2 .

Quadro resumo relativo às notações para os integrais de linha (γ : [a, b] → Rn , C = [γ])

Notação Significado Designação


Z Z b
f ds f (γ(t)) kγ 0 (t)kdt Integral de linha de um campo escalar
C a

Z Z b
f · dr f (γ(t)) · γ 0 (t) dt Integral de linha de um campo vectorial
C a

Z Z b
f dxk f (γ(t)) x0k (t) dt Parcela de um integral de linha de um campo vectorial
C a
relativo à k-ésima componente f do campo vectorial

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135
4.4 Superfı́cies Parametrizadas em R3

Uma superfı́cie em R3 , de classe C 1 , é um conjunto que localmente é o gráfico de um campo escalar,


de classe C 1 , definido num aberto de R2 . Este conceito foi introduzido no Capı́tulo 2. Assim, um
elipsóide e um parabolóide
p são exemplos de superfı́cies, mas uma superfı́cie cónica, como a seguinte
3
{(x, y, z) ∈ R : z = x + y 2 }, não o é, dado que tem uma singularidade em (0, 0, 0).
2

x2 y 2 z 2
{(x, y, z) ∈ R3 : + + = 1} {(x, y, z) ∈ R3 : z = 4 + x2 + y 2 }
16 9 4
Informalmente, as superfı́cies são objectos de dimensão dois, sem bicos, sem auto-intersecções e
que em cada ponto têm um plano tangente, sendo, portanto, a contrapartida bidimensional das curvas
regulares, definidas no primeiro capı́tulo. As curvas estão para as superfı́cies, assim como as linhas
parametrizadas estão para as superfı́cies parametrizadas, conceito que vamos estabelecer.
A sistematização dos tópicos aqui tratados é delicada. Avançaremos de acordo com as nossas
necessidades deixando o tratamento geral e global para a Geometria Diferencial, onde este assunto
pertence.

Seja D ⊂ R2 um conjunto com interior não vazio. A uma função r : D ⊂ R2 → R3 contı́nua


chamamos parametrização ou superfı́cie parametrizada e a r(D) chamamos o traço da para-
metrização. Também dizemos que r é uma parametrização do conjunto S := r(D).
O gráfico de qualquer campo escalar f contı́nuo e definido num aberto U de R2 é o traço de uma
superfı́cie parametrizada r, dada por

r(x, y) = (x, y, f (x, y)), (x, y) ∈ U. (41)


p
Por exemplo, a função r : R2 → R3 , com r(x, y) 2 2
p= (x, y, x + y ) é uma superfı́cie parametrizada e o
seu traço é a superfı́cie cónica de equação z = x2 + y 2 . Como já observámos, o traço desta superfı́cie
parametrizada não é uma superfı́cie.

q
{(x, y, z) ∈ R3 : z = x2 + y 2 }

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136
Exemplo 4.20 Gráfico de uma função contı́nua

Dados subconjuntos de R2 , Ω, W e D, com interior não vazio, e funções contı́nuas f : Ω → R,


g : W → R, h : D → R, às seguintes superfı́cies parametrizadas
Ω → R3 , (u, v) 7→ (u, v, f (u, v)),
W → R3 , (u, v) 7→ (u, g(u, v), v),
3
D→R , (u, v) 7→ (h(u, v), u, v),
chamamos parametrizações do tipo gráfico. Se a função (f , g ou h) envolvida na definição deste
tipo de parametrização é de classe C 1 , num aberto de R2 , então o traço de r, definida nesse aberto, é
uma superfı́cie de classe C 1 .

Exemplos de gráficos de funções contı́nuas (x, y) 7→ z = f (x, y) parametrizáveis por (41)

p
Traço de (y, z) 7→ ( y 2 + z 2 + 2, y, z) Traço de (x, z) 7→ (x, 2x2 + 1, z)
Exemplo 4.21 Plano
A imagem da parametrização r(u, v) = (u, v, −2u + 3v + 5), com (u, v) ∈ R2 , é o plano de equação
cartesiana 2x − 3y + z = 5. (Observe-se que um plano é o gráfico de uma função contı́nua definida
em R2 , pelo que temos um caso particular do exemplo anterior.)

Mais geralmente, se a e b são dois vectores de R3 , linearmente independentes dados, respectivamente,


por (a1 , a2 , a3 ) e (b1 , b2 , b3 ), o plano gerado por a e b e que passa no ponto c de coordenadas (x0 , y0 , z0 )
pode ser parametrizado por
r(u, v) = ua + vb + c = (x0 + ua1 + vb1 , y0 + ua2 + vb2 , z0 + ua3 + vb3 ), u, v ∈ R.

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137
Exemplo 4.22 Superfı́cie esférica
Seja ρ > 0. A imagem da parametrização

r(θ, φ) = (ρ cos θ sin φ, ρ sin θ sin φ, ρ cos φ), θ ∈ [0, 2π], φ ∈ [0, π],

é a superfı́cie esférica de centro na origem e raio ρ (cf. coordenadas esféricas), que é uma superfı́cie.

Exemplo 4.23 Hemisfério


O traço da parametrização
q
r1 (y, z) = (− 1 − y 2 − z 2 , y, z), com y2 + z2 < 1

é a metade da superfı́cie esférica de equação cartesiana x2 + y 2 + z 2 = 1, com x < 0, que também é


uma superfı́cie.

Exemplo 4.24 Superfı́cie cilı́ndrica


Do conhecimento das coordenadas cilı́ndricas, sabemos que a imagem da parametrização

r(θ, z) = (2 cos θ, 2 sin θ, z), 0 ≤ θ ≤ 2π, −3 ≤ z ≤ 3,

é a superfı́cie cilı́ndrica (sem “tampas”) {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 = 4 ∧ −3 ≤ z ≤ 3}. Considerando


a parametrização
r1 (θ, z) = (2 cos θ, 2 sin θ, z), 0 ≤ θ ≤ 2π, z ∈ R,
obtemos a superfı́cie cilı́ndrica ilimitada {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 = 4}.

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138
Definição 4.25 Seja D ⊂ R2 um conjunto com interior não vazio. A função r : D ⊂ R2 → R3 ,
(u, v) 7→ r(u, v) contı́nua diz-se uma parametrização regular se

1. r é de classe C 1 no interior de D e
∂r ∂r
2. se os vectores (u, v) e (u, v) são linearmente independentes, para todo (u, v) ∈ int D.
∂u ∂v
∂r ∂r
×
A condição 2 da definição anterior é equivalente a dizer que (u, v) 6= (0, 0, 0) ((u, v) ∈
∂u ∂v
int D). Recordamos que o produto externo pode ser calculado, em cada ponto, usando o determinante
simbólico
 
e1 e2 e3
 
 
 ∂x ∂y ∂z 
∂r ∂r  = ∂y ∂z − ∂z ∂y , ∂z ∂x − ∂x ∂z , ∂x ∂y − ∂y ∂x ,
 
 
× = det 
 ∂u ∂u ∂u 
∂u ∂v   ∂u ∂v ∂u ∂v ∂u ∂v ∂u ∂v ∂u ∂v ∂u ∂v
 
 ∂x ∂y ∂z 
∂v ∂v ∂v
com r(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)).

Exemplos.
1) Seja Ω ⊂ R2 um conjunto com interior não vazio e f : Ω → R um campo escalar contı́nuo, de classe
C 1 no interior de Ω. Consideremos a parametrização

r : Ω → R3 , (u, v) 7→ r(u, v) = (u, v, f (u, v)).

A condição 1 da definição anterior verifica-se trivialmente. Determinemos então as derivadas parciais


de r para a constatação da condição 2. Seja (u, v) ∈ int Ω. Temos

∂r ∂f ∂r ∂f
   
(u, v) = 1, 0, (u, v) e (u, v) = 0, 1, (u, v) . (42)
∂u ∂u ∂v ∂v

É então imediato que os vectores anteriores são linearmente independentes. Assim, concluı́mos que
r é uma parametrização regular. Observe-se ainda que esta parametrização é injectiva.
2) As parametrizações dos restantes quatro exemplos das duas páginas anteriores são regulares, ficando
a prova como exercı́cio.
Introduzimos agora uma definição que iremos necessitar para estabelecer um outro conceito.

Definição 4.26 Sejam n, m ∈ N e A ⊂ Rn . Dizemos que uma função f : A → Rm é um homeo-


morfismo de A sobre f (A) se é injectiva, contı́nua e se a sua inversa, f −1 : f (A) → A, também é
uma função contı́nua.

Exemplo. A função x 7→ arctan x é um homeomorfismo de R sobre ] − π2 , π2 [, dado que é contı́nua,


bijectiva e que a sua função inversa x 7→ tan x é uma função contı́nua em ] − π2 , π2 [.

Definição 4.27 Um subconjunto S de R3 diz-se uma superfı́cie regular se, para cada ponto p ∈ S,
existe um aberto V de R3 , um aberto U de R2 e uma parametrização regular bijectiva

r : U ⊂ R2 → V ∩ S ⊂ R3 , (u, v) 7→ r(u, v),

que é um homeomorfismo de U sobre V ∩ S. A r também se chama um sistema de coordenadas


local em p.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

139
Os gráficos de campos escalares de classe C 1 em abertos de R2 são, portanto, superfı́cies regulares.
Também as superfı́cies esféricas são exemplos de superfı́cies regulares, tal como os hiperbolóides de
duas folhas, como o ilustrado na próxima figura, entre outros conjuntos (estes dois últimos exemplos
não são gráficos de campos escalares).

z 2 = 2 + x2 + y 2

Definição 4.28 Um conjunto D ⊂ R2 limitado, não vazio e com D ⊂ int D, diz-se uma região ou
domı́nio admissı́vel se

1. D é um conjunto conexo por arcos, cuja fronteira é a união finita de curvas de Jordan que não
se intersectam;

2. as curvas de Jordan referidas no ponto anterior são uniões finitas de gráficos de funções reais
contı́nuas definidas em intervalos compactos de R.

Rectângulos, triângulos, cı́rculos, coroas circulares, sectores circulares, conjuntos x ou y−normais são
domı́nios admissı́veis. Alguns exemplos concretos destas regiões são os seguintes conjuntos:

]0, 2] × [3, 4[, {(x, y) ∈ R2 : 1 ≤ x2 + y 2 < 4}, {(x, y) ∈ R2 : −2 ≤ x ≤ 6 ∧ −x2 − 2 ≤ y ≤ x4 + x2 }.

Definição 4.29 Seja D ⊂ R2 uma região admissı́vel. Chamamos parametrização admissı́vel ou


superfı́cie parametrizada admissı́vel a uma função contı́nua r : D → R3 , (u, v) 7→ r(u, v), tal que

1. r é um homeomorfismo de int D sobre r(int D);

2. r é regular, isto é,

(a) r ∈ C 1 (int D);


∂r ∂r
(b) × (u, v) 6= (0, 0, 0), para todo (u, v) ∈ int D;
∂u ∂v
3. r prolonga-se a um aberto Ω ⊃ D, de tal forma que r ∈ C 1 (Ω).

Uma parametrização admissı́vel é, portanto, uma superfı́cie parametrizada regular cujo domı́nio é
admissı́vel e à qual se impõe a condição 3. Observamos que este tipo de função só permite parametrizar
conjuntos limitados, pelo que as situações descritas no Exemplo 4.21 e no segundo caso do Exemplo
4.24 ficam excluı́das.
O que faz uma parametrização admissı́vel r? A função r deforma domı́nios admissı́veis (subconjun-
tos de R2 ), de forma contı́nua obtendo-se subconjuntos de R3 que correspondem à nossa ideia intuitiva
de superfı́cie, e permite “voltar para trás”, i.e., permite saber como era o interior do conjunto original,
antes de ser sujeito à deformação (condição 1).
Prova-se que se r é uma parametrização admissı́vel de domı́nio D, então r(int D) é uma superfı́cie.

Definição 4.30 Um subconjunto S de R3 diz-se uma porção de superfı́cie se existem D, região


admissı́vel, e r, parametrização admissı́vel, tal que S = r(D).

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

140
Exemplos. 1) Vejamos que é uma superfı́cie parametrizada admissı́vel a seguinte função:

r(θ, φ) = (2 cos θ sin φ, 2 sin θ sin φ, 2 cos φ), θ ∈ [0, 2π], φ ∈ [0, π].

O domı́nio de r é o rectângulo D = [0, 2π] × [0, π], logo é um domı́nio admissı́vel e r é uma função de
classe C ∞ em D. Atendendo ao nosso conhecimento das coordenadas esféricas, sabemos que r é uma
bijecção do int D sobre a respectiva imagem, e prova-se que a função inversa também é contı́nua.
No interior de D temos
∂r
(θ, φ) = (−2 sin θ sin φ, 2 cos θ sin φ, 0)
∂θ
e
∂r
(θ, φ) = (2 cos θ cos φ, 2 sin θ cos φ, −2 sin φ),
∂φ
logo
∂r ∂r
× (θ, φ) = −4 sin φ(cos θ sin φ, sin θ sin φ, cos φ) 6= (0, 0, 0).
∂θ ∂φ
As três componentes de r são funções cujo domı́nio natural é todo o R2 e são aı́ funções de classe C ∞ ,
pelo que r se prolonga, naturalmente, a R2 , como função de classe C ∞ .
Assim, a superfı́cie esférica centrada na origem e de raio 2 é o traço de uma superfı́cie parametrizada
admissı́vel, logo é uma porção de superfı́cie.
2) Retomamos a parametrização do hemisfério dada no Exemplo 4.23, considerada agora num domı́nio
fechado, ou seja, q
r1 (y, z) = (− 1 − y 2 − z 2 , y, z), com y 2 + z 2 ≤ 1.
O conjunto D = {(x, y) ∈ R2 : y 2 + z 2 ≤ 1} é um cı́rculo, logo é um domı́nio admissı́vel. Trata-se de
uma parametrização regular que não é admissı́vel. Vejamos a prova.
1. É imediato que r1 é uma função injectiva em D, logo é uma bijecção sobre a sua imagem,
epa sua inversa é a função cuja expressão designatória é dada por r1−1 (x, y, z) = (y, z) (x =
− 1 − y 2 − z 2 , dado que (x, y, z) ∈ r1 (D)). É então imediato que r1 e a sua inversa são funções
contı́nuas, pelo que r1 é homeomorfismo, neste caso de D sobre r1 (D);
2. Também é simples provar que r1 é regular, pois
(a) r1 ∈ C ∞ (int D), já que
! !
∂r1 y ∂r1 z
(y, z) = p , 1, 0 e (y, z) = p , 0, 1 ,
∂y 1 − y2 − z2 ∂z 1 − y2 − z2

para todo o (y, z) ∈ int D = {(x, y) ∈ R2 : y 2 + z 2 < 1};


∂r1 ∂r1
(b) × (y, z) 6= (0, 0, 0), para todo (y, z) ∈ int D, dado que
∂y ∂z
!
∂r1 ∂r1 −y −z
× (y, z) = 1, p , p .
∂y ∂z 1 − y2 − z2 1 − y2 − z2

3. Da análise das derivadas parciais de r, deduz-se facilmente que não são funções prolongáveis por
continuidade à fronteira de D, pelo que r1 não é prolongável de forma C 1 a um aberto Ω ⊃ D.
O facto de r1 não ser uma parametrização admissı́vel não significa que o hemisfério não seja uma
porção dehsuperfı́cie.
i Efectivamente, considerando a restrição da parametrização do Exemplo 4.22 ao
π 3π
conjunto 2 , 2 × [0, π] e tomando ρ = 1, obtemos uma parametrização admissı́vel cujo traço é o
hemisfério em estudo.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

141
Dada S = r(D) uma porção de superfı́cie descrita por uma parametrização admissı́vel r, com
r(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)), (u, v) ∈ D, ao conjunto das equações do sistema

 x = x(u, v),

y = y(u, v),
(u, v) ∈ D

 z = z(u, v),

chamamos as equações paramétricas da superfı́cie parametrizada r. Quando conseguimos eliminar


as variáveis u e v do sistema anterior, obtemos uma relação algébrica entre as variáveis x, y e z a
que chamamos equação cartesiana de S = r(D), com um determinado domı́nio de validade. Por
exemplo, considerando a parametrização admissı́vel

r(u, v) = (2v cos u, 3v sin u, v), (u, v) ∈ [0, 2π] × [0, 4],

obtemos, no domı́nio considerado, 


 x = 2v cos u,

y = 3v sin u,

 z=v

e eliminando u e v (somando o quadrado das duas primeiras equações e subtraı́ndo o quadrado da


última), reconhecemos que a porção de superfı́cie r([0, 2π] × [0, 4]) é a porção da superfı́cie cónica de
x2 y 2
equação cartesiana + − z 2 = 0, com 0 ≤ z ≤ 4.
4 9
Em geral, temos um subconjunto de R3 dado por relações cartesianas e o objectivo é obter uma
parametrização bidimensional para esse conjunto, e que seja admissı́vel (assim é desejável para as
aplicações, embora haja excepções, como veremos), de modo a obtermos porções de superfı́cie, tal
como em 4.22 e 4.24 (a imagem de r).

Exemplo. Determinar uma parametrização admissı́vel para o elipsóide de equação cartesiana


4x2 + 9y 2 + z 2 = 36 (representado na figura em baixo).

Podemos escrever
 2  2  2
x2 y 2 z2 x y z
+ + =1 ⇔ + + = 1.
9 4 36 3 2 6
Usando coordenadas esféricas vem
x y z
= cos θ sin φ, = sin θ sin φ, = cos φ, θ ∈ [0, 2π], φ ∈ [0, π].
3 2 6
Então
r(θ, φ) = (3 cos θ sin φ, 2 sin θ sin φ, 6 cos φ), θ ∈ [0, 2π], φ ∈ [0, π],
é uma parametrização admissı́vel, cujo traço é o elipsóide dado.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

142
4.4.1 Plano tangente
Considere r(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)) uma parametrização admissı́vel, com (u, v) ∈ D, onde D
é um domı́nio admissı́vel. Então os vectores, calculados em (u, v) ∈ int D,

∂r ∂x ∂y ∂z ∂r ∂x ∂y ∂z
   
ru = = , , e rv = = , ,
∂u ∂u ∂u ∂u ∂v ∂v ∂v ∂v

são linearmente independentes, pelo que ru ×rv (u, v) é um vector ortogonal a ambos. Faz então sentido
a definição que se segue.

Definição 4.31 Seja S = r(D) uma porção de superfı́cie. Dado (u0 , v0 ) ∈ int D definimos o plano
tangente a S, em P0 = r(u0 , v0 ), como sendo o plano gerado pelos vectores (linearmente indepen-
dentes) ru (u0 , v0 ) e rv (u0 , v0 ) e que passa em P0 , admitindo, portanto a equação

((x, y, z) − P0 ) · (ru × rv )(u0 , v0 ) = 0.

Nas condições anteriores, dizemos que o vector (ru × rv )(u0 , v0 ) é um vector normal a S, em
P0 = r(u0 , v0 ), com (u0 , v0 ) ∈ int D. Denotamos por N (P0 ) o vector (unitário)
ru × rv
N (P0 ) = N (r(u0 , v0 )) = (u0 , v0 ),
kru × rv k

que designamos por vector normal unitário. Assim, associada a uma parametrização admissı́vel
(basta que seja regular e injectiva no interior do domı́nio) temos dois vectores normais unitários em
P0 : N (P0 ) e −N (P0 ).

4.5 Área de superfı́cie. Integral de superfı́cie de um campo escalar

Definição 4.32 Seja S uma porção de superfı́cie descrita por uma parametrização admissı́vel r, de-
finida em D. Definimos a área de S ou área de superfı́cie de S, e denotamos por A(S), como
sendo o valor do integral duplo ZZ
kru × rv k du dv.
D

Prova-se que o valor do integral da definição anterior é o mesmo para todas as parametrizações
admissı́veis, cujo traço seja S.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

143
Também definimos a área de S = r(D) quando r é uma parametrização regular, definida num
domı́nio admissı́vel, injectiva (no interior do domı́nio), usando a fórmula dada na definição anterior,
sem ambiguidade.

No caso particular em que S é o gráfico de uma função f de classe C 1 , definida no domı́nio


admissı́vel D, vejamos que a área de superfı́cie de S é dada por
ZZ q
A(S) = 1 + (fx )2 + (fy )2 dx dy. (43)
D
Consideremos S = r(D), com r(x, y) = (x, y, f (x, y)), (x, y) ∈ D. Já vimos que as parametrizações do
tipo gráfico de funções de classe C 1 são regulares e injectivas. Usando o conhecimento das derivadas
parciais de r, obtidas em (42), calculamos
 
e1 e2 e3
 
 
 (x, y) = − ∂f , − ∂f , 1 (x, y) = (−fx , −fy , 1)(x, y).
 
 ∂f 
rx × ry (x, y) = det 
 1 0 ∂x  (44)
  ∂x ∂y
 
∂f
0 1 ∂y
q
Então krx × ry k = 1 + (fx )2 + (fy )2 , donde se conclui o pretendido.
A fórmula (43) é válida para qualquer parametrização do tipo gráfico, independentemente da
componente onde está a função f .

Exemplo. Determinar a área de superfı́cie da porção do parabolóide S de equação z = x2 + y 2 que


se encontra abaixo do plano de equação z = 9.

Temos
S = {(x, y, z) ∈ R3 : z = f (x, y) e z ≤ 9},
onde f (x, y) = x2 + y 2 . S é o gráfico da função f de classe C ∞ , considerada no cı́rculo x2 + y 2 ≤ 9.
Assim, designando por D o cı́rculo mencionado, a área de superfı́cie de S é dada por
ZZ q ZZ q ZZ q
A(S) = 1 + (fx )2 + (fy )2 dx dy = 1 + (2x)2 + (2y)2 dx dy = 1 + 4(x2 + y 2 ) dx dy.
D D D
Usando coordenadas polares para calcular o integral anterior vem
Z 2π Z 3 p Z 3 p Z 3  1/2
A(S) = dθ r 1 + 4r2 dr = 2π r 1 + 4r2 dr = 2π r 1 + 4r2 dr
0 0 0 0
π √
Z 3 3
1 π 2
 1/2  3/2 
2
= 2π · 8r 1 + 4r dr = 1 + 4r2 = 37 37 − 1 .
8 0 4 3 0 6

A fórmula para o cálculo da área de superfı́cie é um caso particular do cálculo de um integral de


superfı́cie de um campo escalar que seguidamente definimos.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

144
Definição 4.33 Seja S uma porção de superfı́cie, descrita por r : D ⊂ R2 → R3 , uma parametrização
admissı́vel, e seja f um campo escalar contı́nuo e limitado, definido
Z sobre S. Definimos
Z o integral
de superfı́cie do campo escalar f em S, que denotamos por f dσ ou por f dσ, como sendo
S r
ZZ
(f ◦ r) kru × rv k du dv.
D

Escrevemos simbolicamente dσ = kru × rv k du dv e designamos esta expressão por elemento de


área, tendo-se assim Z ZZ
f dσ = (f ◦ r) kru × rv k du dv.
S D
Prova-se que a definição anterior é coerente, ou seja, dadas duas parametrizações admissı́veis r e
r1 de S, é válida a identidade Z Z
f dσ = f dσ.
r r1

É fácil ver que se verificam as habituais propriedades algébricas básicas também para este conceito
de integral, em particular, a linearidade.
Em termos de aplicações, este conceito de integral permite calcular grandezas fı́sicas como por
exemplo a massa total e o centro de massa de membranas com espessura desprezável modeladas por
superfı́cies, com uma certa função de densidade de massa.

Z q
Exemplo. Seja L > 0. Calcular x2 + y 2 dσ, onde S é o helicóide traço da parametrização
S
admissı́vel
r(u, v) = (u cos v, u sin v, 3v), com (u, v) ∈ [0, L] × [0, 2π].

Um helicóide
p
Queremos calcular o integral de superfı́cie do campo escalar definido por f (x, y, z) = x2 + y 2 ,
com (x, y, z) ∈ S = r([0, L] × [0, 2π]), contı́nuo e limitado. Começamos por determinar kru × rv k.
Temos
ru (u, v) = (cos v, sin v, 0) e rv (u, v) = (−u sin v, u cos v, 3),
logo
p
ru × rv (u, v) = (3 sin v, −3 cos v, u) e kru × rv (u, v)k = 9 + u2 , ∀(u, v) ∈ [0, L] × [0, 2π].

Da definição vem
Z q Z L Z 2π p Z L Z 2π √ p
x2 + y 2 dσ = f (u cos v, u sin v, 3v) 9 + u2 dv du = u2 9 + u2 dv du
S 0 0 0 0
" √ #L
( 9 + u2 )3/2
Z L p

= 2π u 9 + u2 du = π = ((9 + L2 )3/2 − 33 ).
0 3/2 0
3

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145
No cálculo de um integral de superfı́cie, podemos tomar S como a união finita de porções de su-
perfı́cies, desde que as intersecções destas duas a duas estejam contidas numa união finita de curvas de
classe C 1 , definindo-se o integral por aditividade, isto é, calcula-se o integral em cada uma das porções
de superfı́cie e somam-se os resultados.

4.6 Orientação de superfı́cies. Fluxos


Seja S uma porção de superfı́cie descrita por uma parametrização r : D ⊂ R2 → R3 , (u, v) 7→ r(u, v).
Como já vimos, em cada ponto P0 = r(u0 , v0 ), com (u0 , v0 ) ∈ int D, temos duas normais unitárias a
S:
ru × rv
±N (r(u0 , v0 )) = ± (u0 , v0 ).
kru × rv k
Quando a normal se desloca continuamente sobre qualquer curva fechada, volta ao ponto inicial sem
mudar de sentido, então diz-se que S é orientável. Numa porção de superfı́cie S = r(D) orientável,
temos então dois campos vectoriais (contı́nuos)
ru × rv
P 7→ ± (u, v), ∀P = r(u, v), (u, v) ∈ int D.
kru × rv k

Orientar uma porção de superfı́cie S é escolher um campo normal contı́nuo em S. Uma porção de
superfı́cie orientável admite apenas duas orientações, sendo os campos simétricos.

Exemplos. 1) A superfı́cie esférica x2 + y 2 + z 2 = a2 é orientável (a > 0).

Considerando a parametrização (admissı́vel)

r(θ, φ) = (a cos θ sin φ, a sin θ sin φ, a cos φ), θ ∈ [0, 2π], φ ∈ [0, π],

temos que
rθ × rφ (θ, φ) = −a2 sin φ(cos θ sin φ, sin θ sin φ, cos φ) = −a sin φ r(θ, φ).
Assim, em [0, 2π]×]0, π[ obtemos

rθ × rφ −a sin φ r(θ, φ) −r(θ, φ) −r(θ, φ)


(θ, φ) = = = .
krθ × rφ k ka sin φ r(θ, φ)k kr(θ, φ)k a

A expressão anterior é válida em [0, 2π] × [0, π], pelo que temos um campo normal unitário, contı́nuo,
definido em S, dado por

N : S → R3
1
(x, y, z) 7→ N (x, y, z) = (x, y, z). (45)
a
Observe-se que este campo “aponta” para fora da superfı́cie esférica.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

146
2) A banda de Möbius não é orientável (cf. Exercı́cio 41 da Ficha 4).

(
x2 + y 2 = 4
3) Consideremos a superfı́cie cilı́ndrica (sem “tampas”) e vejamos que é orientável.
0≤z≤5

A superfı́cie dada é o traço da parametrização

r(θ, z) = (2 cos θ, 2 sin θ, z), 0 ≤ θ ≤ 2π, 0 ≤ z ≤ 5,

que é admissı́vel, pois r está definida num rectângulo D = [0, 2π] × [0, 5], que é um domı́nio admissı́vel
e

1. prova-se que r é um homeomorfismo de int D sobre r(int D) (a injectividade e continuidade de


r são imediatas; o mais delicado é provar a continuidade da inversa);

2. r é regular, dado que

(a) r ∈ C ∞ (D);
(b) as derivadas parciais de primeira ordem de r são

∂r ∂r
(θ, z) = (−2 sin θ, 2 cos θ, 0), (θ, z) = (0, 0, 1),
∂θ ∂z
logo
∂r ∂r
× (θ, z) = (2 cos θ, 2 sin θ, 0) 6= (0, 0, 0), ∀(θ, z) ∈ D;
∂θ ∂z
3. r prolonga-se a R2 como função de classe C ∞ .

Pelo que acabámos de ver

rθ × rz (θ, z) = (2 cos θ, 2 sin θ, 0) e krθ × rz (θ, z)k = 2,

logo o campo n(θ, z) = (cos θ, sin θ, 0) está definido em todo o domı́nio da parametrização. Seja

S = r(D) = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 = 4 ∧ 0 ≤ z ≤ 5}.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

147
Então

N : S →R3
x y
 
(x, y, z) 7→N (x, y, z) = , ,0
2 2
é um campo normal unitário, contı́nuo definido na superfı́cie cilı́ndrica dada, pelo que S é orientável.
4) No caso em que a superfı́cie S é um gráfico de uma função de classe C 1 , z = f (x, y), com
(x, y) ∈ U , U domı́nio aberto admissı́vel, um campo normal unitário, contı́nuo definido em S é (cf.
(44))
(−fx , −fy , 1)
(x, y, z) 7→ q .
(fx )2 + (fy )2 + 1
Os campos normais unitários associados às parametrizações do tipo gráfico quando as superfı́cies são
da forma x = h(y, z) e y = g(x, z) são, respectivamente,
(1, −hy , −hz ) (gx , −1, gz )
(x, y, z) 7→ q e (x, y, z) 7→ p .
1 + (hy )2 + (hz )2 (gx )2 + 1 + (gz )2

Vamos dizer que uma porção de superfı́cie S está orientada quando estiver escolhido um dos
dois campos normais unitários contı́nuos, possı́veis. Dizemos que uma parametrização admissı́vel
σ : D1 ⊂ R2 → R3 , com S = σ(D1 ), é coerente com a orientação (fixada) se o campo normal unitário
σu × σv
P 7→ (u, v), ∀P = σ(u, v), (u, v) ∈ int D1 ,
kσu × σv k
coincide com o campo normal unitário da orientação fixada para S. Caso contrário diz-se que tem a
orientação oposta.
Por vezes escrevemos (S, n) para significar que a superfı́cie S está orientada e que o campo normal
unitário escolhido é n.
As superfı́cies ditas fechadas, conceito matemático que apenas abordamos do ponto de vista intui-
tivo, têm um lado interno e um lado externo, analogamente às curvas de Jordan. São exemplos de
superfı́cies fechadas a superfı́cie esférica e o toro. Nestes casos, as duas normais são denominadas por
normal externa ou exterior, se aponta para o exterior da superfı́cie, e por normal interna ou
interior, caso contrário.

No sentido acabado de descrever, o campo normal unitário para a superfı́cie esférica considerado
em (45) dá-nos, em cada ponto, a normal exterior.
Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

148
Definição 4.34 Sejam (S, n) uma porção de superfı́cie orientada e F : Ω ⊂ R3 → R3 um campo
vectorial contı́nuo no aberto Ω que contém S. Definimos o integral do campo vectorial F sobre
S ou fluxo de F através de S como sendo
Z
F · n dσ.
S
Assim, o fluxo de F através de S é o integral de superfı́cie do campo escalar F · n.

Nas condições anteriores, seja r : D ⊂ R2 → R3 uma parametrização admissı́vel tal que S = r(D). Da
definição de integral de superfı́cie de um campo escalar vem
Z ZZ
F · n dσ = (F ◦ r) · (n ◦ r) kru × rv k du dv.
S D

Dado que só existem duas orientações possı́veis para S, então, para cada (u, v) ∈ int D,
ru × rv ru × rv
n(r(u, v)) = (u, v) ou n(r(u, v)) = − (u, v).
kru × rv k kru × rv k
Assim, no primeiro caso,
ru × rv
Z Z ZZ
F · n dσ = (F ◦ r) · kru × rv k du dv = (F ◦ r) · ru × rv du dv,
S D kru × rv k D

e no segundo
ru × rv
Z Z ZZ
F · n dσ = − (F ◦ r) · kru × rv k du dv = − (F ◦ r) · ru × rv du dv.
S D kru × rv k D
Z
O que acabámos de ver diz-nos que F · n dσ se mantém invariante sempre que se considera
S
r1 : D1 ⊂ R2 → R3 uma parametrização admissı́vel para S coerente com a orientação fixada, e
muda de sinal caso contrário, ou seja
Z Z
F · (−n) dσ = − (F · n) dσ.
S S
Para calcular um fluxo podemos usar a fórmula
ZZ
(F ◦ r) · ru × rv du dv
D
atribuindo-lhe o sinal adequado. Vejamos um exemplo.

Exemplo.
Calcular o fluxo do campo F (x, y, z) = (y, −x, z), (x, y, z) ∈ R3 , para o exterior da superfı́cie esférica
centrada na origem e de raio 5.
De uma forma geral, o cálculo de um fluxo implica passar pelos pontos que listamos seguidamente.
1. Escolher uma parametrização admissı́vel r, para a superfı́cie.
2. Verificar se a orientação que advém da parametrização escolhida é coerente com a pretendida.
3. Calcular o integral ZZ
(F ◦ r) · ru × rv du dv.
D

4. Indicar o valor do fluxo, que será igual ao do valor do integral calculado no ponto anterior, caso
ru × rv
n(r(u, v)) = (u, v)
kru × rv k
ou o valor simétrico, em caso contrário.
Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

149
Seja S a superfı́cie esférica dada. De acordo com o que vimos em (45), a orientação pretendida
(“aponta” para o exterior) em S é a dada por
1
n(x, y, z) = (x, y, z), (x, y, z) ∈ S.
5
A superfı́cie esférica dada admite a parametrização admissı́vel que se segue

r(θ, φ) = (5 cos θ sin φ, 5 sin θ sin φ, 5 cos φ), (θ, φ) ∈ D = [0, 2π] × [0, π],

tendo-se que rθ × rφ (θ, φ) = −5 sin φ r(θ, φ). Atendendo a que este campo de vectores nos dá a
orientação “interior” (não é coerente com a pretendida), o fluxo pedido é então dado por
Z ZZ
F · n dσ = − (F ◦ r) · rθ × rφ dφ dθ.
S D

Como

F (r(θ, φ)) · rθ × rφ (φ, θ) = − (5 sin θ sin φ, −5 cos θ sin φ, 5 cos φ) · 5 sin φ(5 cos θ sin φ, 5 sin θ sin φ, 5 cos φ)
= − 53 sin φ cos2 φ,

vem
Z Z 2π Z π
F · n dσ = 53 sin φ cos2 φ dφ dθ
S 0 0
" #π
3 cos3 φ 4π
=2π · 5 − = 125 · .
3 0
3

Z
Para este conceito também se costuma usar a notação F · n dS. Para evitar equı́vocos, já que
S
no integral de linha de um campo escalar usamos “ds” (s minúsculo), usaremos preferencialmente a
notação do integral de superfı́cie com “dσ”.
Podemos calcular o integral de um campo vectorial contı́nuo sobre o traço de qualquer parame-
trização regular e injectiva. É fácil ver que são válidas as habituais propriedades algébricas básicas
também para este conceito de integral.

Observe-se ainda que na definição de fluxo podemos tomar S como a união finita de porções de
superfı́cies, desde que as intersecções destas duas a duas estejam contidas numa união finita de curvas
de classe C 1 , definindo-se o integral por aditividade, isto é, calcula-se o integral em cada uma das
porções de superfı́cie e somam-se os resultados.

A designação fluxo advém das suas aplicações à dinâmica de fluidos. Suponha-se que a superfı́cie S
está preenchida, ou imersa, por um fluido constituı́do por partı́culas, ocupando cada uma delas em cada
instante um determinado ponto de S. Seja F o campo de velocidade do fluido. Determinar o volume
do fluido que atravessa S num dos dois sentidos possı́veis (determinado pela normal) por unidade
de tempo, é determinar o fluxo de F que passa através de S. Este conceito é também importante
para calcular fluxos de campos eléctricos, de calor, entre outros, através do qual se formulam algumas
importantes e conhecidas leis fı́sicas, como por exemplo, a lei de Gauss (electrostática)
Z
Q = ε0 E · n dσ,
S

onde Q é carga, ε0 a constante de permissividade do meio e E o campo eléctrico.

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150
4.7 Os operadores rotacional e divergência
Os teoremas mais sonantes da Análise Vectorial envolvem, nas suas formulações, operadores diferen-
ciais de primeira ordem que definimos nesta secção (ver também o Exercı́cio 16 da Ficha 2).
Definimos o operador diferencial ∇, em R3 , pondo
∂ ∂ ∂
 
∇= , , .
∂x ∂y ∂z
Dado um campo escalar f , definido num subconjunto de R3 , o operador ∇ opera sobre f obtendo-se
o nosso já conhecido gradiente de f :
∂f ∂f ∂f
 
∇f = , , .
∂x ∂y ∂z
Sobre campos vectoriais, definidos em subconjuntos de R3 , F = (F1 , F2 , F3 ), definimos a divergência
de F ,
∂F1 ∂F2 ∂F3
divF = + + ,
∂x ∂y ∂z
que corresponde ao traço da matriz jacobiana de F . Simbolicamente, encarando o operador diferencial
∇ como um vector, escrevemos
div F = ∇ · F.
Definimos também o rotacional de F ,
∂F3 ∂F2 ∂F1 ∂F3 ∂F2 ∂F1
 
rot F = − , − , − .
∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y
Voltando a encarar o operador diferencial ∇ como um vector, simbolicamente, escrevemos
rot F = ∇ × F.
Esta última simbologia é particularmente útil em termos práticos, pois quando pretendemos de-
terminar o rotacional de um campo F , recorremos então ao determinante simbólico


e1 e2 e3


∂ ∂ ∂
rot F = .


∂x ∂y ∂z


F1 F2 F3

Exemplo.
O rotacional e a divergência do campo F (x, y, z) = (yz, x2 − z 2 , y + ez ), com (x, y, z) ∈ R3 , são
dados, respectivamente, por


e1 e2 e3



∂ ∂ ∂
rot F =

∂x ∂y ∂z




z
x2 − z 2

yz y+e

!
∂(y + ez ) ∂(x2 − z 2 ) ∂(yz) ∂(y + ez ) ∂(x2 − z 2 ) ∂(yz)
= − , − , −
∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y
=(1 + 2z, y, 2x − z);
e
∂ ∂ 2 ∂
divF = (yz) + (x − z 2 ) + (y + ez ) = ez .
∂x ∂y ∂z
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151
Em inglês este operador é designado e representado por curl. Em vários paı́ses europeus a notação
e definição advém da palavra rotor que é a parte móvel de motores eléctricos, de turbinas, de com-
pressores, etc.
Quanto calculamos rot F (P ) · ~v medimos, de alguma forma, a tendência que o fluido F tem para
rodar, em torno do vector ~v , junto ao ponto P .
Se F representar o campo de velocidades de um fluido em movimento, a divergência de F num
ponto P indica-nos se o fluido tem tendência a acumular-se junto a P (divergência negativa) ou a
afastar-se de P (divergência positiva). Por exemplo, se divF (P ) = 2, isto significa que, junto do ponto
P , cada unidade de volume do fluido duplica em cada unidade de tempo. Tudo se passa como se no
ponto P existisse uma fonte de fluido.

Se divF (P ) = −4, então junto do ponto P desaparecem quatro unidades de volume de fluido em
cada unidade de tempo. Neste caso poderı́amos dizer que se processa um escoamento do fluido no
ponto P .

Algumas propriedades importantes dos operadores divergência e rotacional são listadas seguida-
mente (cf. Exercı́cio 24 da Ficha 2).
Propriedades. Sejam f : D ⊆ R3 → R e F : D ⊆ R3 → R3 um campo escalar e vectorial,
respectivamente, ambos de classe C 2 num aberto D de R3 . Então tem-se
1. ∇ × (∇f ) = rot(∇f ) = (0, 0, 0);
2. ∇ · (∇ × F ) = div(rotF ) = 0;
3. ∇ · (f F ) = (∇f ) · F + f (∇ · F );
4. ∇ × (f F ) = (∇f ) × F + f (∇ × F ).
Vejamos a prova da primeira propriedade. Em cada ponto de D temos


e1 e2 e3


∂ ∂ ∂ !
∂2f ∂2f ∂2f ∂2f ∂2f ∂2f
∇ × (∇f ) = rot(∇f ) = ∂z = − , − , − .

∂x ∂y

∂y∂z ∂z∂y ∂z∂x ∂x∂z ∂x∂y ∂y∂x
∂f ∂f ∂f



∂x ∂y ∂z
Como f é de classe C 2 , a conclusão sai por aplicação do Teorema de Schwarz.

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152
4.8 Superfı́cies com bordo. Teorema de Stokes
Topologicamente as porções de superfı́cies não são todas equivalentes e podem ser agrupadas de acordo
com várias caracterı́sticas. É evidente, por exemplo, que a superfı́cie esférica e os seus hemisférios,
considerados em separado apresentam caracterı́sticas diferentes. O lado interior dos hemisférios é
alcançável sem ser necessário furá-los, enquanto que na superfı́cie esférica não é possı́vel aceder ao seu
interior sem furar ou cortar. Os hemisférios pertencem a uma classe que denominamos por superfı́cies
com bordo e que têm um papel importante na Análise Vectorial.

Sejam D um domı́nio admissı́vel compacto e r : D ⊂ R2 → R3 uma aplicação contı́nua, regular e


injectiva. Dizemos S = r(D) é uma superfı́cie com bordo. Designamos por bordo de S (ou de r)
o conjunto
∂S = r(∂D),
onde ∂D denota a fronteira topológica de D.

Superfı́cies com bordo


Prova-se que o bordo de uma superfı́cie parametrizada é um conceito intrı́nseco, ou seja, não
depende da parametrização r, nas condições anteriores.
Observe-se que a restrição nas porções de superfı́cie, como as anteriores, reflete-se na imposição da
injectividade da parametrização até à fronteira de D e no facto do domı́nio ser compacto. Assim, uma
superfı́cie cilı́ndrica de equação cartesiana x2 + y 2 = 1, com 0 ≤ z ≤ 1, não é englobada na definição
anterior (cf. Exemplo 4.24). Por outro lado não é imposta a condição 3) da Definição 4.29.
Um hemisfério e uma porção de superfı́cie cilı́ndrica (limitada) são superfı́cies com bordo. Estas
porções de superfı́cie, com que iremos trabalhar, são uma subclasse das superfı́cies com bordo, que
por uma questão de completude definimos seguidamente.
Tal como anteriormente, sejam D um domı́nio admissı́vel compacto e r : D ⊂ R2 → R3 uma
aplicação contı́nua, regular, injectiva no interior D, e tal que se dois pontos têm a mesma imagem,
então ambos pertencem à fronteira de D. Seja ainda S = r(D). Dizemos que um ponto P ∈ S é
simples se existe um único ponto (u, v) ∈ D tal que P = r(u, v). Seja Ssim o conjunto dos pontos
simples. O bordo de S, ∂S, é o fecho do conjunto dos pontos simples de r(∂D) (onde ∂D é a fronteira
de D), ou seja
∂S = r(∂D) ∩ Ssim .
Se ∂S = ∅, dizemos que S é uma superfı́cie sem bordo.

Superfı́cies (seccionalmente C 1 ) sem bordo

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153
Rumamos agora ao teorema mais importante da Análise Vectorial, o chamado Teorema de Stokes,
que vamos formular para as superfı́cies como as que descrevemos seguidamente.
Seja S uma superfı́cie com bordo, orientada e que satisfaz as condições que se seguem:

1. S é descrita por uma parametrização r : D ⊂ R2 → R3 , contı́nua, regular e injectiva, coerente


com a orientação, e onde D é compacto;

2. a fronteira ∂D de D e o bordo de S, Γ = ∂S = r(∂D) são constituı́das por um número finito de


curvas de Jordan, secc. C 1 ;

3. Γ é descrito no sentido induzido pelo sentido positivo de ∂D, isto é, considerando a orientação
positiva em ∂D, obtemos em ∂S a orientação que coincide com a orientação induzida por r.

Informalmente, isto significa que um observador colocado sobre Γ (C na figura que se segue) no
sentido da normal, a descreve deixando à sua esquerda os pontos de S.

Teorema 4.35 (Teorema de Stokes) Seja S uma superfı́cie com bordo Γ nas condições anteriores
e F : Ω ⊂ R3 → R3 um campo vectorial de classe C 1 , no aberto Ω que contém S. Então
Z Z
(rot F ) · n dσ = F · dr.
S Γ

Observações.

1. O trabalho realizado pelo campo F ao longo de uma curva Γ iguala o fluxo do campo vectorial
rot F através de qualquer superfı́cie S cujo bordo seja essa curva Γ, nas condições consideradas
no Teorema de Stokes.

Assim, para calcular um determinado integral de caminho, usando o Teorema 4.35, podemos
tomar a superfı́cie que nos pareça mais conveniente, desde que esteja nas condições indicadas.

2. A prova do teorema na versão enunciada é complicada e fora do âmbito deste curso. No en-
tanto, considerando o caso em que o bordo da superfı́cie é constituı́do por uma única curva de
Jordan seccionalmente C 1 , e que a superfı́cie é descrita por uma parametrização de classe C 2
(nas condições anteriores) e definida num domı́nio de parametrização simplesmente conexo e
compacto, então a prova é relativamente elementar.

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

154
3. O teorema é válido quando S é um conjunto conexo, resultante da união de superfı́cies com
bordo, orientáveis, S1 , . . . Sn , descritas por parametrizações admissı́veis injectivas e definidas em
compactos, que se justapõem pelos bordos, não tendo outras partes comuns, e com uma ori-
entação especı́fica. Muito informalmente, juntamos superfı́cies com bordo comum, por exemplo,
duas faces de um cubo (cada face é uma superfı́cie com bordo), e considera-se uma orientação
no objecto matemático resultante (que se designa por superfı́cie seccionalmente C 1 ), que des-
crevemos seguidamente. Em cada Si escolhe-se uma orientação Ni , de modo a que, se Si e Sk
são contı́guas (têm bordo comum), a orientação induzida em ∂Si ∩ ∂Sk é contrária à induzida
por Nk em ∂Si ∩ ∂Sk . Também se define o bordo para estas superfı́cies seccionalmente C 1 e que
podemos ver como o fecho da parte do bordo das superfı́cies Si que não é comum a nenhuma
das outras.

Superfı́cies seccionalmente C 1 com bordo


Um cubo, uma meia-superfı́cie esférica à qual se junta a “tampa” correspondente ao “equador”,
uma superfı́cie cilı́ndrica com “tampas” são exemplos que podem ser considerados no Teorema
de Stokes. O último corresponde ao caso de uma superfı́cie seccionalmente C 1 sem bordo. Para
estas situações o teorema diz-nos que
Z
(rot F ) · n dσ = 0.
S

Observe-se a analogia com I


∇F · dr = 0.
C

4. Se o campo F é conservativo, o Teorema de Stokes não nos diz nada de novo, pois tem-se F = ∇f
para um certo f , donde rot F = 0.

5. O teorema anterior foi sugerido a George Stokes (1819-1903) por William Thompson (1824-1907),
mais conhecido por Lord Kelvin, numa carta que este último enviou ao primeiro.

6. O Teorema de Green pode ser visto como um caso particular do Teorema de Stokes. Considere-
mos o campo vectorial F (x, y, z) = (P (x, y), Q(x, y), 0), onde (P, Q) é o campo considerado no
Teorema de Green e S a superfı́cie plana S := {(x, y, 0) : (x, y) ∈ D, z = 0}, com D = int C ∪ C.
∂Q ∂P
Ora rot F = (0, 0, − ) e (0, 0, 1) é a normal exterior a S, assim
∂x ∂y
∂Q ∂P ∂Q ∂P
Z Z ZZ
(rot F ) · n dσ = (0, 0, − ) · (0, 0, 1) dσ = − dx dy.
S S ∂x ∂y D ∂x ∂y

Por outro lado, como a curva Γ (bordo de S) está no plano z = 0 (dr = (dx, dy, dz) = (dx, dy, 0)),
Z I I
F · dr = (P, Q, 0) · (dx, dy, 0) = P dx + Q dy.
Γ C C+

O exemplo que se segue ilustra a observação 1.

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155
Z
Exemplo. Calcular o integral de linha F · dr, onde F (x, y, z) = (−y 2 , x, z 2 ), com (x, y, z) ∈ R3 ,
C
e C é a curva de intersecção do plano y + z = 2 com a superfı́cie cilı́ndrica de equação x2 + y 2 = 1,
orientada positivamente.

A curva C é a eplise representada na figura. O integral pedido pode


ser calculado directamente, escolhendo uma parametrização de C
e usando a definição de integral de linha de um campo vectorial.
Neste exemplo é mais simples recorrer ao Teorema de Stokes para
obter o valor do integral pedido.

Começamos por calcular o rotacional de F . Temos então



e1 e2 e3



∂ ∂ ∂
rot F (x, y, z) = = (0, 0, 1 + 2y) .

∂x ∂y ∂z


−y 2 z2

x
A curva C é o bordo de várias superfı́cies nas condições do Teorema de Stokes. Neste caso estão
em evidência a porção da superfı́cie cilı́ndrica, considerada com base (z = 0 e x2 + y 2 ≤ 1) e sem
“tampa”, cortada pelo plano dado, e o conjunto x2 + y 2 ≤ 1 desse mesmo plano. A escolha mais
conveniente é esta última superfı́cie referida. Considerando então a parametrização do tipo gráfico
(com z = f (x, y) = 2 − y)

r : D = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 ≤ 1} → R3 , r(x, y) = (x, y, 2 − y),

sabemos que é uma parametrização admissı́vel. Além disso, é injectiva e está definida num compacto,
sendo, portanto, uma superfı́cie com bordo. Temos ainda que rx × ry (x, y) = (−fx , −fy , 1)(x, y) =
(0, 1, 1). É óbvio que ∂S = r(∂D) = r({x2 + y 2 = 1}) = C. Assim, a orientação para S que advém da
parametrização induz em C a orientação considerada, então, pelo Teorema de Stokes, tem-se que
Z Z
F · dr = (rot F ) · n dσ
C ZS
= (rot F )(r(x, y)) · (0, 1, 1) dx dy
ZD
= (0, 0, 1 + 2y) · (0, 1, 1) dx dy
ZD
= 1 + 2y dx dy.
D

Atendendo a que D é o cı́rculo centrado na origem e de raio 1, vamos usar coordenadas polares para
calcular o integral anterior. Vem então
Z 2π Z 1
= dθ (1 + 2r sin θ)r dr
0 0
Z 2π " 2 #1
r 2r3
= + sin θ dθ
0 2 3 0
Z 2π
1 2
= + sin θ dθ = π.
0 2 3

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156
4.9 Teorema de Gauss ou da divergência
Nesta secção chegamos ao último dos teoremas importantes da Análise Vectorial que foram referidos
na introdução - o Teorema de Gauss ou da divergência, que envolve um sólido T , um subconjunto de R3
com determinadas caracterı́sticas. Assim, sem muito rigor, designamos por sólido um subconjunto
de R3 , que seja a aderência de um aberto conexo de R3 , e que se encontre numa das classes que
mais à frente descrevemos e exemplificamos. À fronteira topológica do sólido, desde que orientável,
chamamos bordo de T . O conceito de normal exterior também não será formalizado com rigor,
mas é facilmente compreensı́vel atendendo ao que já trabalhámos nas secções anteriores.
Vamos considerar T um subconjunto de R3 que se encontre numa das classes que passamos a
descrever.

1. T = U , com U aberto limitado de R3 , cuja fronteira topológica ∂U = S é uma superfı́cie fechada.


Por exemplo T pode ser uma bola fechada de R3 . Neste caso, ∂U é o bordo de T e a normal
exterior a T é a normal exterior à superfı́cie S.

2. T é um subconjunto de R3 cuja fronteira topológica é a união de superfı́cies fechadas, sendo o


seu bordo constituı́do pela união destas. Por exemplo,
T = {(x, y, z) ∈ R3 : 1 ≤ x2 + y 2 + z 2 ≤ 4},
é um sólido, tendo-se neste caso que a normal exterior a T , no bordo exterior é a normal exterior
a x2 + y 2 + z 2 = 4, e no bordo interior é a normal interior a x2 + y 2 + z 2 = 1.

3. T é um subconjunto de R3 cuja fronteira topológica é a justaposição de superfı́cies S1 , . . . , Sp ,


com bordo, orientáveis, disjuntas duas a duas, à excepção possı́vel dos seus bordos. Assim, se
fr T \ ∂S1 ∪ . . . ∪ ∂Sp está orientada de tal forma que ni é a normal a Si que “aponta” para o
exterior de T , dizemos que o bordo ∂T está orientado com a normal exterior.

Entre outros, são exemplos de sólidos nas condições anteriores, os paralelepı́pedos,


[a, b] × [c, d] × [e, f ],

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157
e as porções de cilindros (com “tampas”)

{(x, y, z) ∈ R3 : (x − a)2 + (y − b)2 ≤ r2 , 0 ≤ z ≤ h}.

Para alguns destes sólidos podemos descrever com um pouco mais de rigor o bordo e a normal
exterior. Se T é descrito por um número finito de desigualdades

f1 (x, y, z) ≤ 0, . . . , fp (x, y, z) ≤ 0,

onde cada fi é uma função de classe C 1 num subconjunto aberto de R3 , e para cada i, ∇fi (x, y, z) 6= 0,
sempre que fi (x, y, z) = 0, então, chamamos bordo de T e representamos por S = ∂T , a união das
superfı́cies de nı́vel
∂T = S1 ∪ . . . ∪ Sp ,
onde cada Si é definida por

fi (x, y, z) = 0, fk (x, y, z) ≤ 0, e k ∈ {1, . . . , p} \ {i}.

A normal unitária exterior em cada Si é dada por


∇fi
n= .
k∇fi k

Teorema 4.36 (Teorema de Gauss ou Teorema da divergência) Seja T um sólido pertencente


a alguma das classes anteriores, ∂T o seu bordo orientado pela normal exterior a T . Considere-se
F : Ω ⊂ R3 → R3 um campo vectorial de classe C 1 no aberto Ω que contém T . Então
ZZZ Z
div F dx dy dz = F · n dσ.
T ∂T

Observações. 1) Quando T é um conjunto simultaneamente x-normal, y-normal e z-normal a


prova do teorema anterior é elementar.
2) O Teorema de Green pode ser visto como a versão do Teorema da divergência em duas di-
mensões. Seja C uma curva de Jordan orientada positivamente, T = int C ∪ C(= D), e seja
F (x, y) = (Q(x, y), −P (x, y)), onde (P, Q) é o campo considerado no Teorema de Green. Temos
∂Q ∂P
div F = − . Assim,
∂x ∂y
∂Q ∂P
ZZ ZZ
div F dx dy = − dx dy.
T D ∂x ∂y
Considerando (x(t), y(t)), com t num determinado intervalo compacto I, uma parametrização seccio-
nalmente regular de C, temos que (y 0 (t), −x0 (t)), com t ∈ I, é normal exterior à curva, pelo que
Z I I I
F · n ds = (Q, −P ) · (dy, −dx) ds = Q dy + (−P )(−dx) = P dx + Q dy.
∂T C+ C+ C+

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158
Z
Exemplo. Vamos usar o Teorema de Gauss para calcular o integral de superfı́cie F · n dσ,
S
2
onde F é campo definido em R3 por F (x, y, z) = (xy, y 2 + exz , sin(xy)) e S é a fronteira do sólido
T limitado pelo cilindro parabólico de equação z = 1 − x2 e pelos planos de equação z = 0, y = 0 e
y + z = 2 (ver a figura que se segue).

Sólido T

Calcular directamente o integral de superfı́cie pedido implica parametrizar quatro superfı́cies (cada
uma das faces de T ). Por outro lado, é fácil escrever S como uma região y−normal, pelo que neste
caso a opção de cálculo recai sobre a fórmula do referido teorema. Temos então

T = {(x, y, z) ∈ R3 : −1 ≤ x ≤ 1, 0 ≤ z ≤ 1 − x2 , 0 ≤ y ≤ 2 − z}

e também
∂ ∂ 2 2 ∂
div F (x, y, z) = (xy) + (y + exz ) + (sin(xy)) = y + 2y = 3y.
∂x ∂y ∂z
Aplicando então o Teorema da divergência vem
Z ZZZ ZZZ
F · n dσ = div F dx dy dz = 3y dx dy dz
S T T
Z 1 Z 1−x2 Z 2−z
=3 y dy dz dx
−1 0 0
Z 1 Z 1−x2
(2 − z)2
=3 dz dx
−1 0 2
Z 1 " #1−x2
(2 − z)3
=3 − dx
−1 6 0
1 1
Z
=− (1 + x2 )3 − 8 dx
2 −1
1 1 6 184
Z
=− x + 3x4 + 3x2 − 7 dx = .
2 −1 35

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159
Quadros resumo

Objecto geométrico Designação Integral


(com f escalar)

Z b
Integral em R f (x) dx
a

Z
Integral de linha f ds
C

ZZ ZZ
Integral duplo f dx dy ou f dA
R R

Z
Integral de superfı́cie f dσ
S

ZZZ ZZZ
Integral triplo f dx dy dz ou f dV
P P

Notação Significado Designação


Z Z b
f ds f (γ(t)) kγ 0 (t)kdt Integral de linha de um campo escalar
C a

Z Z b
f · dr f (γ(t)) · γ 0 (t) dt Integral de linha de um campo vectorial
C a

Z Z b
f dxk f (γ(t)) x0k (t) dt Parcela de um integral de linha de um campo vectorial
C a
relativo à k-ésima componente f do campo vectorial

Z ZZ
f dσ f (r(u, v)) kru × rv k du dv Integral de superfı́cie de um campo escalar f
S D

Z ZZ
f · n dσ f (r(u, v)) · ru × rv du dv Integral de superfı́cie de um campo vectorial f
S D

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

160
Objecto geométrico Teorema Formulação

Z
Teorema Fundamental ∇f · dr = f (r(b)) − f (r(a))
C

∂Q ∂P
ZZ I
Teorema de Green − dA = P dx + Q dy
D ∂x ∂y C

Z Z
Teorema de Stokes (rot F ) · n dσ = F · dr
S Γ

ZZZ Z
Teorema de Gauss div F dx dy dz = F · n dσ
T ∂T

Introdução à Análise Vectorial Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

161
Referências
[1] Apostol, T., Cálculo, Blaisdell Publishing Company

[2] Courant, R., John, F., Introduction to Calculus and Analysis,

[3] Lima, E.L., Curso de Análise, Vol. 2, Projeto Euclides, IMPA.

[4] Salas, Hille, Etgen, Calculus, One and Several Variables, John Wiley and Sons

[5] Sanchez, L., Análise em Rn , Vol. I: Métodos do Cálculo Diferencial, A.E.F.C.L., 1997; Vol. II:
Integração e Análise Vectorial, A.E.F.C.L., 1994.

[6] Sarrico, C., Cálculo Diferencial e Integral para Funções de Várias Variáveis, Esfera do Caos.

[7] Stewart, J., Calculus, Brooks/Cole

FCUL Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

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