Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Figura 1.
No efeito Casimir, duas placas
metálicas paralelas
perfeitamente condutoras
Marcus Venicius Cougo-Pinto, atraem-se mutuamente apesar de
Carlos Farina eletricamente descarregadas
e Alexandre Tort,
Instituto de Física,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
2 6 • CCIIÊÊNNCCIIAA HHOOJJEE • v o l . 2 5 • n º 1 46
F Í S I C A
e o efeito Casimir
Um décimo de confete qualquer interferência externa, como vibrações me-
Primeiramente, vamos descrever o cenário em que o cânicas espúrias.
efeito Casimir se manifesta. Imagine duas placas me- Sendo as placas eletricamente neutras, espera-se,
tálicas eletricamente neutras, isto é, nelas o número então, que o ponteiro do medidor de força não se mo-
de cargas elétricas positivas é igual ao de negativas e va. Mas surpreendentemente não é o que acontece: o
seus efeitos se cancelam mutuamente. Imagine que ponteiro do medidor se move, indicando a existência de
elas sejam quadradas (1 cm de lado) e estejam separa- uma força atrativa entre as placas!
das por uma distância da ordem de micrômetros (1 E quanto vale essa força? Quando a separação en-
micrômetro equivale à milésima parte do milímetro). tre as placas é de meio micrômetro, a força equivale
Esse conjunto (figura 1) está dentro de uma câma- ao peso de uma massa de 2 décimos de miligrama
ra perfeitamente selada, na qual uma bomba de vá- (mais ou menos, o peso de um décimo de um con-
cuo retirou todo ar e poeira, deixando a câmara com- fete). Esse é o efeito Casimir, previsto teoricamente
pletamente vazia. Lá está também um medidor muito em 1948 pelo físico holandês Hendrik Brugt Gerhard
sensível, capaz de medir forças diminutas que sur- Casimir, hoje com cerca de 90 anos. O efeito foi com-
jam entre as placas. Mas sendo as placas eletricamen- provado experimentalmente pela primeira vez 10
ILUSTRAÇÃO A PARTIR DE QUADRO DE MARK ROTHKO (1954)
te neutras, não surge entre elas a força elétrica, a mes- anos mais tarde, por seu compatriota M. Sparnaay.
ma que une corpos de sinais elétricos contrários e Recentemente, o efeito foi confirmado em uma
afasta os de mesmo sinal. experiência de grande confiabilidade feita pelo físi-
Podemos também desprezar a força gravitacional co norte-americano Steve Lamoreaux, na época pro-
entre elas, já que ela é proporcional ao produto das fessor na Universidade de Washington, nos Estados
diminutas massas das placas. Por outro lado, dois Unidos. Tudo indica que seus resultados, publica-
suportes cancelam o peso (na verdade, a força de dos em janeiro de 1997 na renomada revista Physical
atração gravitacional que a Terra exerce sobre as pla- Review Letters, afastam qualquer sombra de dúvida
cas). Também tomamos o cuidado de neutralizar sobre a existência do efeito. 4
Pequenas e rápidas flutuações dizemos que no vácuo perfeito não há campo eletromag-
Mas fica a pergunta: como duas placas eletricamen- nético. Mas é importante salientar que as pequeninas e
te neutras podem exercer algum tipo de influência normalmente imperceptíveis flutuações estão lá! Para
uma sobre a outra? Mas antes de responder vale entender a origem dessas flutuações, vamos fazer uma
relembrar um pouco de história. outra parada, agora para relembrarmos alguns concei-
Estamos de volta a 1926. Naquele ano, os físicos tos básicos da física.
alemães Max Born (1882-1970), Werner Heisenberg
(1901-1976) e Pascual Jordan (1902-1980) uniram a
então recém-criada teoria quântica, que lida com os Beija-flor, avião e átomos
fenômenos em escala atômica e molecular, ao ele- Um dos fenômenos físicos mais comuns e impor-
tromagnetismo, área da física clássica na qual os tantes que a natureza exibe é a vibração. No mundo
fenômenos da eletricidade e do magnetismo já esta- macroscópico que percebemos com nossos senti-
vam unificados desde 1864 pelos trabalhos do físi- dos e aparelhos de medida, muitas coisas parecem
co escocês James Clerk Maxwell (1831-1879). vibrar, da asa do beija-flor à asa do avião. E isso vale
Mas o que é preciso saber agora é que a nova para vários dispositivos mecânicos, eletromagnéti-
teoria, a chamada teoria quântica do eletromagne- cos e eletromecânicos de nosso dia-a-dia.
tismo, previu que o vácuo perfeito, sem nenhuma Mesmo no mundo das coisas extremamente pe-
onda eletromagnética (ou qualquer tipo de maté- quenas, a vibração está presente. As moléculas e os
ria), deve ser visto não como um espaço absoluta- átomos vibram sem cessar. Os núcleos atômicos
mente vazio e inerte, mas como um espaço no qual vibram. Os prótons e nêutrons no interior dos
pequenas e rápidas flutuações do campo eletromag- núcleos vibram. De fato, logo veremos que mesmo
nético ocorrem a todo momento e em toda parte. o vácuo é capaz de vibrar.
Na média, essas flutuações geram um campo eletro- Ao estudar um fenômeno natural, o físico procu-
magnético que pode ser considerado nulo e, por isso, ra sempre começar com um modelo simples e idea-
lizado, mas que ainda assim retenha suas caracte-
rísticas mais importantes. No caso da vibração, o
(a)
modelo ideal é o oscilador harmônico simples
(OHS). Um exemplo de OHS é o sistema formado
por uma mola elástica com uma de suas extremida-
des presa a um suporte fixo e a outra a um bloco,
cuja massa é bem maior do que a massa da mola.
Para pequenos afastamentos da posição de equi-
líbrio (a posição de equilíbrio é aquela na qual o
bloco permaneceria parado se nela fosse posto), a
força sobre o bloco, dada pela chamada lei de
Hooke, é proporcional ao esticamento ou encurta-
mento da mola. Uma força, no caso a força elástica,
é responsável por puxar ou empurrar o bloco para
a esquerda e para a direita da posição de equilíbrio,
na qual a mola estaria com seu tamanho natural
(figura 2a).
O movimento do bloco sob a ação da mola é uma
oscilação em torno da posição de equilíbrio, com
uma freqüência (número de oscilações por unidade
de tempo) que só depende da massa do bloco e da
elasticidade da mola. É possível mostrar que a
energia de um sistema desses é proporcional ao
quadrado da amplitude do movimento do bloco (a
amplitude é a distância máxima que ocorre entre o
bloco e a posição de equilíbrio).
Mais ainda, pode-se mostrar que há movimentos
com qualquer valor para a amplitude. Isto é, o OHS
pode oscilar com uma energia que pode ter qual-
quer valor acima de zero. É o mesmo que dizer que
a energia de um OHS, cujas leis são explicadas pela
chamada mecânica clássica, pode assumir con-
2 8 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 2 5 • n º 1 46
F Í S I C A
janeiro/fevereiro d e 1 9 9 9 • C I Ê N C I A H O J E • 2 9
F Í S I C A
f5
3 0 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 2 5 • n º 1 46
F Í S I C A
experimento
realizado por
Sparnaay para
verificar o
efeito Casimir;
em (b),
resultado
experimental
obtido por
Sparnaay
janeiro/fevereiro d e 1 9 9 9 • C I Ê N C I A H O J E • 3 1
F Í S I C A
3 2 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 2 5 • n º 1 46