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PUC Minas / ICH / Departamento de História / 2º semestre 2013

Disciplina Civilizações e Culturas na América II / 5º período / Prof.: Marcus Lage


HOBSBAWN, Eric J.. Hannah Arendt e a Revolução. In.: Revolucionários. Ensaios
contemporâneos. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1973, p. 201-208. (Coleção Pensamento
Crítico, volume 43).
[...] O estudo científico das revoluções não significa estudo desapaixonado. É razoavelmente certo
que as principais realizações neste campo estarão ‘comprometidas’ em geral com a simpatia pelas
revoluções, se considerarmos a historiografia da Revolução Francesa como um exemplo. Um estudo
comprometido não é necessariamente mera panfletagem [...]
[...] tais trabalhos podem naturalmente despertar grande interesse para o especialista. A questão a
ser posta à obra de Hannah Arendt é se realmente ela desperta tal interesse.
A resposta [...] deve ser não. [...] O livro, portanto, sobrevive ou sucumbe [...] pelo interesse de suas
ideias e interpretações gerais. [...] não se baseiam em um estudo adequado da matéria [...] carecem
de fundamentação sólida. A autora tem seus méritos [...] estilo lúcido, [...] retórica intelectual, [...]
transparente genuína paixão; [...] inteligência vigorosa; [...] vasta cultura e percepções ocasionais
sumamente penetrantes, [...] ao terreno difuso que existe entre a literatura, a psicologia e o que, na
falta de uma palavra melhor, poderia chamar-se profecia social, do às ciências sociais [...].
A primeira dificuldade encontrada em Hannah Arendt pelo historiador ou sociólogo [...] é um certo
matiz metafísico e normativo do seu pensamento, que se combina com um antiquado idealismo
filosófico às vezes plenamente explícito. Ela não considera suas revoluções tal qual ocorrem, mas
constrói ela própria um tipo ideal [...] exclui tudo que não esteja situado na zona clássica da Europa
Ocidental e do Atlântico Norte [...]. Sua ‘revolução’ é uma grande mudança política [...] que inclui
[...] incidentalmente [...] a abolição da pobreza e que se expressa em termos de uma ideologia
secular. Seu tema é a ‘emergência da liberdade’ [...]
[...] exclui do estudo todas as revoluções e todos os movimentos revolucionários anteriores a 1776
[...]. [...] parte principal de seu trabalho [...] consiste numa extensa comparação entre a revolução
americana e a francesa, com grande vantagem para a primeira. A segunda é considerada paradigma
de todas as revoluções subseqüentes, embora pareça que a autora pense, principalmente, na
Revolução Russa de 1917. A ‘liberdade’ [...] é um conceito essencialmente político. Embora não
muito claramente definida [...] é bastante distinta da abolição da pobreza [...] fator que corrompe
toda revolução [...]. Daí, pode-se concluir que qualquer revolução e que os elementos social e
econômico desempenham um papel mais destacado foge ao interesse da autora, o que elimina em
maior ou menor grau toda revolução suscetível de interessar ao estudioso do tema. [...] a revolução
americana [...] teve a sorte de irromper em um país sem uma população livre muito pobre, nenhuma
revolução foi ou teria sido capaz de instituir a liberdade, e que, inclusive nos Estados Unidos do
século XVIII, a escravidão situou-a em um dilema insolúvel. [...]
A ‘liberdade’ [...] é mais do que a simples ausência de repressões [...] ou garantias para as
‘liberdades civis’ [...]. Ela parece consistir no direito e na possibilidade de participação ativa nos
assuntos da coletividade, nas alegrias e recompensas da vida pública [...]. Entretanto [...] neste
sentido permanece um sonho [...]. O ponto essencial da genuína tradição revolucionária é que
conserva esse sonho vivo e o tem conseguido [...] gerar órgãos espontâneos capazes de realizar a
liberdade pública [...]. Sendo o governo e a administração coisas distintas, a tentativa de usá-los, por
exemplo, para a administração dos assuntos econômicos (‘controle operário’) é indesejável e
destinada ao fracasso [...]. Sou incapaz de descobrir a opinião de Hannah Arendt relativas a quem
deva dirigir a ‘administração das coisas no interesse público’, tal como a economia, ou como esta
deva ser dirigida.
[...[ Seus méritos como afirmação geral sobre ideais políticos não estão em discussão aqui. Por
outro lado, [...] a natureza de suas afirmações não só impossibilita sua utilização na análise das reais
revoluções [...], mas também elimina a possibilidade de um diálogo significativo entre ela e aqueles
interessados nestas revoluções. [...]
O historiador ou o sociólogo, por exemplo, ficarão irritados, [...] por uma certa ausência de interesse
pelos simples fatos. [...]
[...] É até difícil descobrir exatamente o que ela pensa, porque fala ao mesmo tempo a respeito de
organizações politicamente muito distintas. [...]
Portanto, não há praticamente qualquer ponto em que o exame do que Hannah Arendt considera
como a instituição básica da tradição revolucionária tenha contato com os fenômenos históricos
reais que se propõe descrever, instituição sobre cuja base elabora generalizações. [...] Sua
inteligência penetrante, às vezes, lança luzes sobre a literatura, incluindo-se nela os clássicos da
teoria política. A autora demonstra notável percepção sobre as motivações e os mecanismos
psicológicos dos indivíduos [...] faz afirmações que, embora particularmente não sejam bem
assentadas em evidência ou argumentos, impressionam o leitor como verdadeiras e reveladoras.
Mas isto é tudo. E não basta. Haverá leitores, sem dúvida, que acharão a obra de Hannah Arendt
interessante e proveitosa, mas é, improvável que entre eles se incluam os estudiosos das revoluções,
sejam eles historiadores ou sociólogos.
(1965)

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