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UNIVERSIDADE FEDERAL TECNOLÓGICA DO PARANÁ – UTFPR

DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE LETRAS

TÁSSIA CASTELLI

A Linguagem Literária

PATO BRANCO
2022
A Linguagem Literária
Carlos Reis

O autor Carlos Reis divide o capítulo II em três subcapítulos. No primeiro, A


Dimensão Estética da Literatura, o autor caracteriza a linguagem literária como um
fenômeno autônomo, cuja a criação literária é uma atividade intencional e finalística:
quando o escritor escreve um texto, ele sabe que a intenção e a finalidade deste, será
compreendido como uma escrita literária.
Escrever um texto literário é comprovadamente um ato estético, pois o escritor
necessita de competência técnico-artística, sendo ele, o primeiro a reconhecer a escrita
literária como um ato estético. Tal competência garante ao escritor a retomada e
reelaboração de textos que foram escritos em um outro momento, podendo aperfeiçoar
de diversas formas.
Para Reis (2013), para escrever literatura é necessário formar um discurso com
características e funções específicas que são diferentes dos discursos jurídico,
publicitário, cinematográfico, etc. Entretanto, não significa que não há interação entre
esses discursos. O discurso literário recorre a procedimentos dominantes no discurso
cinematográfico, ou o discurso político que frequentemente se utiliza de obras literárias
para exemplificar as questões socioeconômicas que afligem a população local.
Para exemplificar essa interação, o autor cita o poeta Alexandre O´Neil que
inúmeras vezes utilizou linguagem publicitária em seus poemas. Arriscamos aqui a citar
como outro exemplo: a música Dom Quixote, composta por Humberto Gessinger e
Paulinho Galvão. Ao comporem essa canção, se inspiraram na obra de Miguel de
Cervantes, para discursar através da música sobre o homem, a má remuneração e,
consequentemente, a exploração do trabalho.
Desta forma, a escrita literária é compreendida como prática que contém
particularidades técnicas somada com a bagagem cultural que o escritor carrega. Carlos
Reis nos atenta que o mesmo escritor, a exemplo de José Saramago, interpretam
diversas atitudes discursivas. Quando Saramago escreve crônicas publicadas em
jornais se diferenciam das demais obras escritas por ele, como a exemplo de O Ano da
Morte de Ricardo Reis ou Memorial do Convento.
Na obra, Viagens na minha terra, de Almeida Garret comprova que é inseparável
o escritor literário do homem de cultura, bem como colocando-se como “orador e poeta,
historiador e filósofo, crítico e artista, jurista e administrador, homem sábio e homem de
Estado”. Dessa forma, Garret assegura a pluridiscursividade à escrita literária através
da relação entre as diversas áreas de conhecimento com a produção discursiva.
A linguagem literária possui funcionalidade própria, a qual garante sua
autonomia estético-discursiva. Porém, tal autonomia, não isola o discurso literário frente
a outros discursos que também possuem autonomia própria.
De acordo com o teórico Roland Barthes, o escritor e o escrevente possuem
propósitos divergentes: o escritor executa uma função, pois é aquele que trabalha, que
se inspira, que vive a palavra; já o escrevente cumpre uma atividade, demandam um
fim (ensinam, explicam) em relação ao qual a palavra é apenas um meio.
Há, também, o trabalho desenvolvido pela crítica genética, a qual se interessa
pela descrição dos atos da escrita dando importância, em suma, pela técnico-artística.
A crítica genética observa o todo na escrita, analisando e caracterizando os processos
que a compõem e estabelecendo as ocorrências na forma definitiva do texto literário
O reconhecimento na escrita literária, para Reis (2013) está relacionada
diretamente com uma oposição declarada: há uma oposição entre concessão artesanal
e uma concessão expressiva da escrita literária. Na concessão artesanal, o escritor
elabora longamente a escrita através de planos, exercícios estilísticos, rascunhos e
persistentes reformulações na escrita, como por exemplo, Marcel Prost, Eça de Queiroz
que deram aos seus escritos, uma elevada exigência ético-artística, reescrevendo
incansáveis vezes até atingirem o clímax artístico.
Na concessão expressiva, a atitude do escritor é completamente oposta, pois há
espontaneidade e expressividade artística, onde a escrita é um ato sincero, não
premeditado. Para comprovar essa tese, Reis (2013) cita o escritor Ernesto Sábato, o
qual explica que Dostoievski ao escrever um folheto contra o alcoolismo na Rússia, que
seria intitulado como “Os Bêbados”, acabou sendo chamado de Crime e Castigo,
caracterizando um comportamento com raízes românticas, expressando assim, um ato
não calculado, não irreversível.
No segundo subtítulo, A Linguagem Literária, Reis (2013) expõe que a
composição da linguagem literária e do discurso é o resultado de um ato discursivo
próprio. O autor, analisa também a importância de compreender o conceito de
literariedade, bem como a importância das propostas teóricas enunciadas pelos
Formalistas Russos, dando destaque a Roman Jakobson. O formalista russo Jakobson,
fundou uma poética inspirada em descrever as propriedades linguísticas do discurso
literário conectado a definição de literariedade. Buscava-se uma renovação da poética
clássica que fosse orientada para a constituição de uma teoria da linguagem literária.
Tal teoria é importante, porém não suficiente para definir linguagem literária. Entretanto,
a transformação linguístico-formal possibilitou entender que o discurso verbal e o
discurso literário envolvem elementos que vão além da valorização da mensagem,
referenciada por Jakobson no que tange à função poética da linguagem. Jakobson
atribuiu um modelo global de comunicação linguística, incluindo ato de produção
linguística não comunicativo e a centralidade no texto numa teoria baseada na
mensagem.
Reis (2013) analisa também quais fatores e circunstâncias determinam a
linguagem literária. Nos últimos vinte anos, ocorreu um deslocamento da questão de
literariedade para a área de recessão literária, refutando as teorias formalistas e
valorizando o contexto pragmático em que ocorre a comunicação literária, havendo,
também, a necessidade de elaboração de um teoria global e empírica da literatura.
Há a tentativa de definir a teoria literária em decorrência da teoria dos atos
discursivos. Se analisa o caráter ativo e interativo dos atos linguísticos, análise essa
ligada aos teóricos Peirce e Morris (estabelecimento da tripla dimensão – sintática,
semântica e pragmática) relacionada com a teoria da linguagem de Bühler (função de
apelo), com a reflexão filosófica e linguística de Wittgenstein (comunicabilidade) e a
filosofia da linguagem corrente de Austin e Searle. Para Austin, há três atos discursivos:
os atos locutórios (articulação de fonemas), atos ilocutórios (enunciam frases e realizam
uma ação através do enunciado) e, atos perlocutórios (atingem fins extralinguísticos).
Para Reis (2013), o discurso literário não enuncia verdadeiras afirmações, a voz
do narrador ou do sujeito em um romance ou poema, apenas é uma imitação do ato de
produzir essas afirmativas, sendo necessário que o leitor tenha a capacidade e a
consciência para participar desse jogo discursivo. Esses atos se tornam concretos
(ilocutórios) permitindo que o leitor concretize a catarse (perlocutórios).
Observar a disposição gráfica do texto poético, escutar as rimas ou o ritmo
poético, compreender a dinâmica de certas imagens que podem provocar o
reconhecimento do texto como um texto literário: é o que entendemos por leitura
literária, pois esse proporciona o encontro de prazer da leitura que o leitor busca e lê
em uma obra literária.
Outros aspectos que Reis (2013) trabalha na caracterização da linguagem
literária é a questão da ambiguidade através das propriedades semânticas nos
discursos, bem como o fenômeno da polissemia, pela compreensão dos vocábulos
através de diversos significados, obrigando o leitor a compreender o contexto para dar
sentido a um vocábulo e assim, interpretar a mensagem tal discurso literário queira
transmitir.
A ambiguidade provocada pela polissemia enriquece num todo os aspectos
semânticos e culturais de um discurso literário, pois desafia o leitor a ter capacidade de
aprender, numa obra literária, os efeitos e os sentidos que ela proporciona a ele.
Recentemente, o estudo acerca da teoria da ambiguidade se relaciona com o ponto de
vista do leitor e da sua relação com o discurso literário, se transformando no conceito
de indeterminação. A indeterminação está relacionada a interpretação, havendo a
impossibilidade ou injustificabilidade de escolha e decisão, dependendo do leitor a
consolidar, através da leitura, sentidos possíveis possibilitados pela sua interpretação.
Em Obra Aberta, de 1962, Umberto Eco trabalha com o conceito de abertura
estética. Seguindo nesse sentido, Reis apresenta trechos de um texto publicado no
Diário de São Paulo, por Haroldo de Campos, o qual cita várias obras de renomados
autores, que não são fechadas, que dependem dos leitores se envolverem nos
significados, na reconstrução de formas e sentidos em aberto. Eco analisou
brilhantemente, que a obra não convida o leitor para uma recriação, não autorizando
qualquer leitura, mas que haja um complemento interpretativo levando em
consideração, vetores formais e semânticos. É o conceito de obra em movimento, com
a permissão de dar margem de disponibilidade semântico-interpretativa, sendo um
grande desafio ao leitor.
No terceiro item, Reis (2013) traz a questão da Semiose Literária, a qual é
explicada como um processo de enunciação de uma mensagem literária somada com
a representação de sentidos nela articulados (as técnicas estilísticas utilizadas), os
quais não se esgotam o processo comunicativo que o texto traz.
A concretização da comunicação literária se dá pela transmissão da mensagem
estruturada pelo conjunto de signos que sejam comuns ao emissor e ao receptor. O
emissor é aquele que enuncia a mensagem através da ativação de códigos e signos
transmitidos ao receptor, cuja capacidade condiciona ao sucesso ou ao insucesso desse
processo semiótico. Se o receptor não compreender algum vocábulo, ele pode recorrer,
por exemplo ao dicionário da Língua Portuguesa. Porém, se mesmo assim, ainda for de
difícil compreensão, pode procurar em tratados de versificação, dicionários de símbolos,
ou instrumentos que explicam o hipercódigo de onde o texto deriva. Sendo conhecedor
do hipercódigo, o receptor terá condições de compreender outros textos simbolistas.
Entretanto, devemos considerar que tanto o autor como o leitor vêm carregados
de circunstâncias extratextuais, como por exemplo, as questões sociais, política-
ideológicas, que acabam interferindo na forma como o leitor lê o texto.
Consideramos, também, na comunicação de nível intratextual, o sujeito poético
ou narrador, os quais são responsáveis pela enunciação ao destinatário intratextual,
chamado de narratário. São os emissores e o receptores, que relacionado a mensagem,
com característica ficcional. Reis (2013) exemplifica através do romance Eurico o
presbítero de Alexandre Herculano. O autor, ao narrar a história, interviu através de sua
formação em História somada com a cosmovisão relacionada aos valores do
Romantismo. A obra narrada, deve ser levada em conta pelo leitor, a questão de que foi
escrita há mais de cem anos, que os valores e as circunstâncias eram outras naquele
momento comparadas ao período atual. A enunciação literária é uma prática dotada de
história, de cultura, de ideologia, mesmo que o receptor seja alienado a isso tudo.
Os códigos literários são instáveis e podem, como já foram, superados
historicamente, porém, nenhum escritor é obrigado a seguir a risca ou aceitar os códigos
literários em vigor. Os códigos podem interagir entre si e se articularem, formando o
hipercódigo, que detém motivação e importância sociocultural (romance, epopeia,
comédia, tragédia, o Naturalismo, o Parnasianismo).
Compreendemos a função do código literário através do entendimento do signo
literário e seu funcionamento. O signo é, de acordo com Reis (2013), um veículo da
semiose e um substituto representativo: ele significa e comunica. O signo encerra uma
tripla dimensão, de acordo com Charles Morris: dimensão semântica (relação do signo
com o que designa); dimensão sintática (relações formais dos signos entre si) e; uma
dimensão pragmática (os efeitos provocados em quem os utiliza). Essas dimensões se
integram em sistemas mais amplos, formando regras específicas, ou seja, os códigos.
É possível considerar, a três níveis fundamentais, certos signos literários: os
signos-objetos, que há um certo investimento semântico, através das rimas, dos ritmos;
por seguinte, há categorias literárias de grande alcance e dimensão, onde os signos
possuem maior representação semântica e; por último, o signo pode clamar a obra
literária no todo.
Com relação ao conceito de discurso, Reis (2013) se utiliza da teoria de Michel
Foucault, o qual teoriza que o discurso se apoia na concessão institucional de
transidividual dos fenômenos discursivos, tendo relações com práticas de poder, com
fatores socioculturais e psicoculturais que fundamentam as formações do discurso. Há
regras anônimas e históricas, sociais, relacionadas ao espaço e ao tempo, que definem
as condições do enunciado. O discurso é formado por um grupo limitado de enunciados
que definem o conjunto de condições de sua existência e organizados de acordo com
os sistemas de poder: há discurso econômico, jurídico, cultural, clínico, social, etc.
O discurso literário, como explica Reis (2013), é um enunciado com regras
essenciais que oscilam, progridem, se modificam indiretamente condicionadas pelo
contexto histórico, social e ideológico o qual pertence tal comunidade. O discurso
literário possui, também, dimensão institucional, o qual o dota de um certo poder. O
discurso literário, também pode promover o fenômeno de estranhamento, que causa
certa estranheza no leitor que contraria a rotina, que descreve algo embaraçoso para o
leitor.
Também há as famosas obras que possuem qualidade inferior, são
automatizadas, com um alto nível de redundância, que são previsíveis (romances
policiais, cor-de-rosa). A automatização pode ser quebrada quando o autor quebra a
rotina recorrendo a códigos e signos inovadores.
Por fim, Reis (2013), conceitua dois modos de informação: a informação
semântica e a informação estética. A informação semântica possui natureza lógica, com
estrutura e tem utilidade. Já a informação estética é qualitativa, pois provoca no leitor o
efeito surpresa, pois é inovador e inesperado ao leitor. Ou seja, é original.
Quando relemos um livro, podemos descobrir algum elemento, sentido,
sensações que havia nos escapado na leitura anterior. Nos possibilita, também,
complementar com novas informações estéticas que a nova leitura e interpretação até
onde a obra nos permite.

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