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FICHAMENTO DO TEXTO IDEOLOGIA E APARELHOS IDEOLÓGICOS DO

ESTADO

João Vitor Algeri Somavila1

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa: Editorial


Presença/Martins Fontes, 1980.
Em seu livro Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado, o autor Louis Althusser se
propôs a analisar o Estado e os Aparelhos Ideológicos de Estado, como o título da obra sugere.
Por meio de uma base marxista no que tange à concepção de Estado, Althusser apresenta os
aparelhos pelos quais esse corpo estatal impõe a forma como a sociedade é estruturada, em
termos de valores morais, normas, leis, deveres e direitos. Dentro dessa apresentação, é
imperioso distinguir, assim como o autor, os Aparelhos Repressivos de Estado (AE) dos
Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE). Nesse sentido, aqueles dizem respeito aqueles
aparelhos que funcionam majoritariamente pela violência e pela repressão, enquanto estes
funcionam por meio – majoritário – da ideologia (Althusser, 1980). Dadas essas distinções, é
possível avançar a discussão do texto, elucidando que o foco da obra está no desvelamento
dessa ideologia apontada desde o começo da obra como sendo um elemento coesivo da classe
dominante via poder do Estado.

Do ponto de vista estrutural, a obra está dividida em capítulos que seguem um raciocínio
linear. O primeiro capítulo lido diz respeito aos próprios Aparelhos Ideológicos de Estado, com
uma primeira descrição do objeto. A seguir, Althusser apresenta o papel dos AIEs na reprodução
da estrutura produtiva. Nos quatro capítulos que se seguem, o autor dá um passo atrás na
intenção de dar as bases de uma teoria da Ideologia em geral, sempre a relacionando com a
ideia já estabelecida de Aparelhos Ideológicos de Estado. O objetivo desses últimos capítulos é
dar o substrato das estruturas que perpetuam a dominação ideológica e material da classe
dominante sobre a classe dominada. Inserido dentro da tradição marxistas e com características
estruturalistas, Louis Althusser (1980) objetivou uma gradação de ideias que possibilitasse ao
leitor uma compreensão de como os elementos Estado, ideologia e sociedade interagem para
perpetuar o controle de uma classe sobre a outra.

1
Trabalho realizado pelo acadêmico como requisito da avaliação semestral da disciplina Sociologia da Educação,
ministrada pelo professor Dr. Rodrigo da Rosa Bordignon, do curso de Ciências Sociais, da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), campus Florianópolis. E-mail: Somavilajoaov@gmail.com.
Avançando o presente trabalho nos moldes da estrutura textual de Althusser, é
necessário, em primeiro lugar, aprofundar a questão própria dos Aparelhos como um todo, bem
como a distinção entre os Repressivos e os Ideológicos. Assim, o livro introduz primeiro a tese
de que a dominação do Estado perpassa o campo material da coerção e da dominação física por
meio da violência – entendida aqui como imposições, restrições, obrigações, sem ser
necessariamente agressão –, mas também pela coerção ideológica. Aqui está enunciado que
existem diferentes estruturas, ou nesse caso aparelhos, que permitem ao Estado manter o status
quo vigente na sociedade. No tocante ao conteúdo dessa diferença entre aparelhos, Althusser
(1980, p. 46) diz o seguinte: “o Aparelho Repressivo de Estado funciona pela violência,
enquanto os Aparelhos Ideológicos de Estado funcionam pela ideologia”. Nota-se que a
diferença principal entre os aparelhos é o seu modo de funcionamento, ou seja, a sua função
dentro do corpo social. É importante citar aqui que Althusser refere-se ao “principal” modo de
funcionamento do aparelho, posto que eles funcionam simultaneamente pelas duas formas.

Por conseguinte, a definição própria do que são os AIEs também é dada em termos de
sua função, como sendo o aparelho que garante a reprodução das relações de produção. Em
outras palavras, é pela transmissão de ideologias – por meio de aparelhos como a escola, a
igreja, a família, o sistema burocrático e jurídico, entre outros – que moldam as percepções
individuais para o sistema de produção, de acordo com os interesses de uma classe dominante
(Althusser, 1980). Nesse contexto, Althusser apresenta o aparelho escolar como o dominante,
pelo fato de que transmite sua ideologia desde as primeiras fases da vida de um indivíduo,
momento em que a consciência ainda não está desenvolvida, e por isso mesmo pode ser
“preenchida” de acordo com os interesses de quem controla o aparelho. As relações de produção
são reproduzidas por meio do ensinamento de saberes práticos envolvidos na ideologia
dominante (Althusser, 1980). O autor fecha o capítulo evidenciando que o sucesso desse
empreendimento ocorre somente se a escola for revestida por um caráter neutro, não ideológico.

Avançando na discussão, Althusser dá um passo para trás, em um movimento de análise


aprofundada sobre a matéria própria da Ideologia. Nesse movimento, o autor apresenta a noção
de ideologia como posta nas obras de Karl Marx, como sendo “o sistema das ideias, das
representações, que domina o espírito de um homem ou de um grupo social” (Althusser, 1980,
p. 69), para então propor uma outra teoria, dessa vez geral, que contraponha as especificidades
da teoria marxiana, como a tese de que as ideologias não tem história própria, posto que a única
história existente é a história dos indivíduos materiais, que daria o substrato externo à ideologia
em um movimento dialético de espelhamento do mundo real para o mundo das ideias. Partindo
dessa interpretação marxiana, Althusser (1980) empreende uma teoria da ideologia em geral,
considerando dois pontos: a ideologia tem uma história própria, embora determinada pela luta
de classes; a ideologia em geral não tem uma história, no sentido positivista de que a sua
estrutura e o seu funcionamento fazem dela uma realidade não histórica.

Dando sequência às ideias sobre sua teoria geral, Althusser (1980) propõe duas teses
que embasem a noção central do funcionamento e da estrutura da ideologia: a primeira tese
aborda a ideologia como a representação da relação imaginária dos indivíduos com as suas
condições reais de existência, sua história concreta. A segunda propõe uma existência material
à ideologia. Em um primeiro olhar, as duas teses parecem se contrapor, e por isso o autor
aprofunda cada uma delas em um capítulo denominado a ideologia é uma ((representação)) da
relação imaginaria dos indivíduos com as suas condições de existência.

Na primeira tese, que embasa o título do capítulo, Althusser (1980) apresenta um


argumento marxista clássico de que a ideologia não passa de uma correlação imaginária das
projeções reais do homem, que encontram respaldo na realidade concreta via interpretação. A
quebra do autor com o marxismo clássico surge em um questionamento acerca do porquê de os
homens precisarem transpor sua realidade para um plano imaginário. A resposta dada pelo autor
vai em contraposição à resposta encontrada por Feuerbach e Marx:

[...] não são as, condições de existência reais, o seu mundo real, que «os homens se
representam» na ideologia, mas é a relação dos homens com estas condições de
existência que lhes é representada na ideologia. (Althusser, 1980, p.81)

O que Althusser fez foi localizar a causa de toda a deturpação ideológica presente nos
aparelhos estatais dentro do fenômeno de representação imaginária das relações humanas com
suas condições de existência.

No que concerne à segunda tese, Althusser (1980) expõe o materialismo das ideologias
dentro dos próprios Aparelhos Ideológicos do Estado, os AIEs. Não uma existência material
como a de uma pedra ou a de uma árvore, mas uma existência que está em última instância
amarrada a algo material e físico. Teorizando o exemplo que o autor do livro utiliza para
explicar a diferença de materialidades, pode-se explicar a existência material de uma ideia
através do poder que ela tem sobre a ação concreta dos indivíduos que estão submetidos ao
aparelho que regula e transmite esse conjunto de ideias ou valores no corpo social. A ideologia,
através dos AIEs, molda a ação dos indivíduos; há um dever envolvido, um dever que não é
arbitrário ou negociável. Ele é, antes de tudo, necessário para que o indivíduo se inscreva no
mundo; o aparelho faz com que essa noção de cumprimento do dever seja algo obrigatório.

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