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VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro.

Introdução; Capítulo 1: Um novo roteiro para a


mesma peça. In: O teatro das oligarquias : uma revisão da "política do café com leite". -
2.ed. - Belo Horizonte : Fino Traço, 2019.

“Lima Barreto, indo além dos limites de seu próprio tempo, abusou do ofício, intrinsecamente
nacional, de caricaturar seu próprio país, ao caracterizar a Primeira República Brasileira com
a metáfora de um país inexistente, “A República dos Bruzundangas”. Para Assis Barbosa
(1993:8), o termo expressaria um país de trapalhadas e encrencas, confusamente
manifestadas, através da construção de um sistema institucional, inspirado no modelo
norte-americano, e exercido pelos grandes estados: o dos bois (Minas Gerais), o dos rios (Rio
de Janeiro), o da cana (Pernambuco) e o do “Kaphet” (São Paulo).” (p.23)

“Segundo Pedro Fonseca (1989:133), foi durante o período que intermediou a divulgação dos
resultados eleitorais e a deflagração do movimento revolucionário que Vargas começou a
alterar o seu discurso, quando se referia ao regime republicano.” (p.24)

“A estratégia escolhida para a contestação da tese da política do café com leite foi a análise
das sucessões presidenciais. Elas consistiam nos arranjos políticos mais importantes da
Primeira República.” (p.25)

“No decorrer da leitura, o leitor perceberá o enfoque privilegiado sobre uma das unidades
federativas a compor a aliança café com leite, qual seja, Minas Gerais, o que se deve a várias
razões. Minas desempenhou fundamental papel na organização e implementação do modelo
político em vigor no período. Participou com a mesma ênfase em sua desagregação. Além de
possuir a maior representação eleitoral no cenário federal, durante toda a Primeira República,
era o segundo maior estado em importância econômica, por meio de sua produção de café.”
(p.26)

“Como o leitor poderá perceber, este texto se constitui em uma narrativa segundo a pensa
Lawrence Stone. Para o autor, tal estilo consiste em organizar materiais em sequência
cronológica, concentrando o conteúdo em uma única história coerente, embora envolvendo
subtramas.” (p.27)
“Pode parecer estranho ao leitor o fato de nos utilizarmos de parte das prerrogativas
metodológicas gramscianas, ao mesmo tempo que optamos pelo uso do conceito de elite e
não de classe, categoria adotada por Gramsci. Acreditamos que o conceito de elite - o qual
parte do pressuposto de que em toda a sociedade existe uma minoria que detém o poder em
contraposição a uma maioria que dele está privada - seja mais apropriado para o
entendimento das relações de poder que queremos analisar na República Velha. Por estarmos
mais interessados nos conflitos que se dão no interior da própria elite e não nas relações entre
elite e massa, a teoria das elites nos oferece instrumental teórico mais propício.” (p.28)

“Conforme afirmamos na Introdução deste livro, o nosso objetivo primordial é contestar a


existência da aliança café com leite como o eixo de sustentação da República Velha.” (p.31)

“Nos trabalhos acerca da Primeira República, produzidos a partir do seu término, ou seja, no
pós-30, é comum encontrarem-se algumas tendências recorrentes. A primeira delas diz
respeito à hierarquia dos estados na Federação.” (p.31-32)

“Uma segunda tendência recorrente na historiografia tem a ver com o papel do Rio Grande
do Sul na Federação. O estado foi sempre associado ao cumprimento de um papel
desagregador da ordem estável do regime. Todas as vezes em que a aliança Minas–São Paulo
vivenciava uma crise, o Rio Grande do Sul era apresentado como um tertius.” (p.33)

“Uma outra tendência, encontrada nos trabalhos acadêmicos, diz respeito ao papel
desempenhado pelo governo Campos Sales sobre o regime republicano. As referências ao seu
governo estiveram voltadas para o êxito do presidente paulista em conferir estabilidade ao
regime, através das mudanças institucionais por ele realizadas (Lessa, 1988:142).” (p.34-35)

“A partir das reformas de Campos Sales, o Presidente da Câmara Federal deixou de ser o
membro mais idoso, passando a ser o mesmo Presidente da legislatura finda. Esta mudança
foi fundamental, na medida em que cabia ao presidente da Câmara nomear os cinco membros
que compunham a “comissão de verificação de poderes”, ou seja, em suas mãos, estava o
controle sobre a renovação do Poder Legislativo.” (p.36)

“O exemplo que denota mais veementemente o fato de que não houve esvaziamento do
Parlamento, enquanto locus de hegemonia, encontra-se no poder de decisão sobre as
intervenções federais nos estados. As consequências das lutas entre facções no interior dos
estados eram: a duplicidade de atas eleitorais, de assembleias legislativas e até de
presidências de estado. Tais duplicidades eram resolvidas no âmbito do Parlamento e do
Judiciário Federais.” (p.37)

“A mais sedimentada das tendências entre os historiadores foi construída em torno da


aceitação da hegemonia da aliança mineiro-paulista sobre o regime oligárquico. Embora
existam divergências acerca de alguns aspectos relativos a essa aliança, todos concordam que,
até 1930, a estabilidade do regime foi garantida pela associação hegemônica entre os dois
maiores estados da Federação.” (P.37)

“Existem divergências entre os historiadores acerca dos eventos fundadores da citada aliança.
A este respeito, quatro grupos podem ser delimitados. O primeiro afirma que a aliança foi
construída na primeira década republicana, justamente com o fim de conferir um novo
ordenamento institucional ao regime que se iniciava.” (p.38)

“Há um terceiro grupo de historiadores que atestam a origem da aliança Minas–São Paulo
entre os governos de Rodrigues Alves e Afonso Pena (1902-1909). Embora não se refiram ao
fato, provavelmente o que motivou o marco foi a ocorrência, no período, do Convênio de
Taubaté, evento que terá uma análise destacada no capítulo terceiro, do presente trabalho.”
(P.39)

“Há um quarto grupo que atrela a emergência da aliança à sucessão de Hermes da Fonseca,
ou seja, ao chamado “Pacto de Ouro Fino”, ocorrido em 1913. Tais autores partem do
pressuposto de que, até então, vencidos vinte e quatros anos de regime (mais de 50% dele), a
aliança entre Minas e São Paulo ainda não havia ocorrido.” (p.40)

“A hegemonia mineiro-paulista, segundo os pesquisadores, era fundamentada em pilares


bastante sólidos. Reconhecem-se pelos menos dois deles. O primeiro era o grande potencial
econômico, representado pela produção cafeeira de ambos os estados. O segundo era a união
interna de suas elites em torno de partidos monolíticos regionais.” (p.41)

“Caminhando nesta mesma direção, alguns estudos tenderam a destacar a ação nacional
mineira como conservadora ou obsoleta, contraposta à ação paulista, considerada mais aberta,
dinâmica e modernizadora. Estes diferentes comportamentos tinham clara relação com o grau
de desenvolvimento de suas economias.” (p.42)

“Embora seja incontestável a superioridade econômica de São Paulo em relação a Minas


Gerais, não se pode atribuir o distanciamento paulista do governo federal, ocorrido durante
alguns governos da Primeira República, à falta de interesse de suas elites em interferirem
sobre os rumos do Estado Nacional.” (p.43)

“Contrapondo-se à estabilidade mineiro-paulista, foram relevadas as instabilidades próprias a


estados como Bahia e Rio de Janeiro, normalmente alçados como focos de disputas
intra-oligárquicas, prejudiciais a um desempenho político nacional satisfatório.” (p.44)

“Faoro, em seu clássico trabalho, muito embora defendesse a ideia de que uma aliança café
com leite tivesse sido formulada a partir do governo Campos Sales, destacou os
inconvenientes resultantes desse acordo para São Paulo, ao dar destaque às rivalidades
predominantes entre os dois estados. Segundo Faoro (1984:584-585), ao estabelecer um
acordo com Minas, São Paulo teria que amargar um ostracismo de doze anos e ter
condicionada a sua prosperidade ao apoio mineiro.” (p.45)

“Estudos mais recentes procuraram relativizar a hegemonia da aliança mineiro-paulista sobre


a nação. Entre eles destacaram-se trabalhos já citados, que tentaram resgatar a importância
política das oligarquias de “segunda grandeza”, realçando seu poder de intervenção sobre o
jogo oligárquico. Introduzindo a noção de “eixo alternativo” ao poder dominante de Minas e
São Paulo, foram resgatadas as atuações do Rio de Janeiro e do próprio Rio Grande do Sul,
como estados que cumpriram um papel desestabilizador sobre a ordem oligárquica,
conduzida pela aliança hegemônica.” (p.46)

“Um outro pilar que serviu de base aos estudos da aliança Minas–São Paulo foi o de sua
relação com o café.” (p.47)

“O segundo grupo é composto por trabalhos que privilegiam o papel do Estado na relação
Estado-Sociedade, subestimando o seu caráter classista, bem como o potencial organizativo
das associações de classe, no encaminhamento e na defesa de suas aspirações.” (p.48)

“O terceiro grupo, no qual este livro se insere, engloba pesquisas, em sua maioria produzidas
a partir da década de 80, que trazem como ponto comum a autonomia relativa do Estado, em
relação aos interesses econômicos hegemônicos, sem desconsiderar a forte presença desses
setores, na definição das políticas públicas implementadas.” (p.49)

“Pelo que observaremos, os princípios estabilizadores do regime em vigor foram definidos


por ocasião da sucessão de Rodrigues Alves. Mantiveram-se ao longo dos processos
sucessórios posteriores. O início de seu progressivo esgotamento se deu a partir da década de
vinte.” (p.50)

“A estabilidade do regime republicano baseou-se, sobretudo, na garantia de que seu elemento


motor estivesse nas mãos das oligarquias regionais, cujo peso político era diretamente
proporcional ao tamanho de suas bancadas e das suas potencialidades econômicas.” (p.51)

“O princípio da distribuição desigual do poder, entre os diferentes estados da Federação, fazia


com que eles se diferenciassem, não só pelo tamanho de suas bancadas, mas também pelo
grau de autonomia econômica em relação aos cofres da União.” (p.52)

“Nota-se que, embora os grandes estados tenham tido crescimento em números absolutos,
nem todos o tiveram em termos relativos. Pela ordem, São Paulo foi o estado que mais
lucrou, em termos de representação nacional, com o novo regime, seguido pelo Rio Grande
do Sul e Minas Gerais.” (p.53)

“Outro instrumento de hegemonia do Estado Nacional tratava-se do recurso intervencionista,


a ele disponibilizado pela Constituição de 1891. O princípio geral era o da não intervenção,
consistindo-se no direito das situações estaduais gerirem a política local, sem intervenção do
governo federal.” (p.54)

“Os grandes estados eram os que corriam o menor risco de intervenção federal, embora não
estivessem dela isentos.” (p.55)

“Como se pode notar, entre os seis maiores estados, Minas Gerais foi o que ocupou mais
cargos ministeriais, seguido pelo Rio Grande do Sul e por São Paulo.” (p.56)

“Em relação à ocupação da cadeira presidencial, Minas Gerais e São Paulo foram os mais
hegemônicos, na medida em que, dos treze presidentes eleitos pelo regime, 70% vieram
desses dois estados.” (p.57)

“Como se pode observar, houve um grande predomínio de Minas sobre as comissões do


Congresso Federal. Mesmo na primeira década republicana, em que o estado encontrava-se
assolado por disputas internas, sua participação, apesar de ter sido a menor de sua história,
ainda era uma das maiores do Brasil.” (p.58)
“A garantia da renovação parcial dos atores implicava na ocupação do poder Executivo e
Legislativo pelos estados hegemônicos, impedindo-se a monopolização dos cargos e abrindo
espaço à participação parcial dos estados que compunham o grupo hegemônico.” (p.59-60)

“Isto implica em dizer que elementos não confiáveis, por parte dos atores políticos
hegemônicos, eram sumariamente excluídos. Daí se explicam as reações negativas em
relação às candidaturas não só de Nilo Peçanha, como de Rui Barbosa, de Pinheiro Machado
e de David Campista.” (p.61)

“As sucessões presidenciais obedeciam a um ritual próprio. Vencido o primeiro biênio da


gestão, iniciavam-se as articulações, com vistas à escolha de um nome. Este processo durava,
em média, seis meses.” (p.62)

“Os nomes dos candidatos deveriam ser alçados por outros estados, e não aquele de origem
do candidato. Esta formalidade visava levar ao mundo político uma informação: a de que por
trás do nome alçado havia uma aliança construída entre, pelo menos, dois estados-atores.”
(p.63)

“Uma importante válvula inibidora da monopolização da Presidência da República era o


mecanismo que proibia a reeleição presidencial. Os estados tinham que necessariamente
barganhar, a cada quatro anos.” (p.64)

“Até 1906, a Presidência da República foi monopolizada por militares e paulistas. A partir
desse período, impediu-se que um estado se repetisse na ocupação do cargo.” (p.65)

“O fato de os atores hegemônicos julgarem como natural a exclusão das maiorias fazia com
que rejeitassem, com todo vigor, qualquer reação contrária por parte dos excluídos.” (p.66)

“A partir da observação dessas tabelas torna-se claro que as sucessões eram contestadas, em
sua grande maioria (75%) gerando instabilidade política. Ao mesmo tempo, o mecanismo de
contestação mais usado foi a disputa eleitoral, seguida da denúncia da fraude eleitoral pela
imprensa, as duas formas, muito relacionadas, quase consecutivas.” (p.67-68)

“O fortalecimento da ação alternativa-oposicionista – que foi avançando progressivamente,


do mero protesto à ação armada – contribuiu para o paulatino desgaste das bases do regime.
A alternativa oposicionista derivou do desgaste dos dois princípios norteadores anteriormente
analisados.” (p.69

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