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“Lima Barreto, indo além dos limites de seu próprio tempo, abusou do ofício, intrinsecamente
nacional, de caricaturar seu próprio país, ao caracterizar a Primeira República Brasileira com
a metáfora de um país inexistente, “A República dos Bruzundangas”. Para Assis Barbosa
(1993:8), o termo expressaria um país de trapalhadas e encrencas, confusamente
manifestadas, através da construção de um sistema institucional, inspirado no modelo
norte-americano, e exercido pelos grandes estados: o dos bois (Minas Gerais), o dos rios (Rio
de Janeiro), o da cana (Pernambuco) e o do “Kaphet” (São Paulo).” (p.23)
“Segundo Pedro Fonseca (1989:133), foi durante o período que intermediou a divulgação dos
resultados eleitorais e a deflagração do movimento revolucionário que Vargas começou a
alterar o seu discurso, quando se referia ao regime republicano.” (p.24)
“A estratégia escolhida para a contestação da tese da política do café com leite foi a análise
das sucessões presidenciais. Elas consistiam nos arranjos políticos mais importantes da
Primeira República.” (p.25)
“No decorrer da leitura, o leitor perceberá o enfoque privilegiado sobre uma das unidades
federativas a compor a aliança café com leite, qual seja, Minas Gerais, o que se deve a várias
razões. Minas desempenhou fundamental papel na organização e implementação do modelo
político em vigor no período. Participou com a mesma ênfase em sua desagregação. Além de
possuir a maior representação eleitoral no cenário federal, durante toda a Primeira República,
era o segundo maior estado em importância econômica, por meio de sua produção de café.”
(p.26)
“Como o leitor poderá perceber, este texto se constitui em uma narrativa segundo a pensa
Lawrence Stone. Para o autor, tal estilo consiste em organizar materiais em sequência
cronológica, concentrando o conteúdo em uma única história coerente, embora envolvendo
subtramas.” (p.27)
“Pode parecer estranho ao leitor o fato de nos utilizarmos de parte das prerrogativas
metodológicas gramscianas, ao mesmo tempo que optamos pelo uso do conceito de elite e
não de classe, categoria adotada por Gramsci. Acreditamos que o conceito de elite - o qual
parte do pressuposto de que em toda a sociedade existe uma minoria que detém o poder em
contraposição a uma maioria que dele está privada - seja mais apropriado para o
entendimento das relações de poder que queremos analisar na República Velha. Por estarmos
mais interessados nos conflitos que se dão no interior da própria elite e não nas relações entre
elite e massa, a teoria das elites nos oferece instrumental teórico mais propício.” (p.28)
“Nos trabalhos acerca da Primeira República, produzidos a partir do seu término, ou seja, no
pós-30, é comum encontrarem-se algumas tendências recorrentes. A primeira delas diz
respeito à hierarquia dos estados na Federação.” (p.31-32)
“Uma segunda tendência recorrente na historiografia tem a ver com o papel do Rio Grande
do Sul na Federação. O estado foi sempre associado ao cumprimento de um papel
desagregador da ordem estável do regime. Todas as vezes em que a aliança Minas–São Paulo
vivenciava uma crise, o Rio Grande do Sul era apresentado como um tertius.” (p.33)
“Uma outra tendência, encontrada nos trabalhos acadêmicos, diz respeito ao papel
desempenhado pelo governo Campos Sales sobre o regime republicano. As referências ao seu
governo estiveram voltadas para o êxito do presidente paulista em conferir estabilidade ao
regime, através das mudanças institucionais por ele realizadas (Lessa, 1988:142).” (p.34-35)
“A partir das reformas de Campos Sales, o Presidente da Câmara Federal deixou de ser o
membro mais idoso, passando a ser o mesmo Presidente da legislatura finda. Esta mudança
foi fundamental, na medida em que cabia ao presidente da Câmara nomear os cinco membros
que compunham a “comissão de verificação de poderes”, ou seja, em suas mãos, estava o
controle sobre a renovação do Poder Legislativo.” (p.36)
“O exemplo que denota mais veementemente o fato de que não houve esvaziamento do
Parlamento, enquanto locus de hegemonia, encontra-se no poder de decisão sobre as
intervenções federais nos estados. As consequências das lutas entre facções no interior dos
estados eram: a duplicidade de atas eleitorais, de assembleias legislativas e até de
presidências de estado. Tais duplicidades eram resolvidas no âmbito do Parlamento e do
Judiciário Federais.” (p.37)
“Existem divergências entre os historiadores acerca dos eventos fundadores da citada aliança.
A este respeito, quatro grupos podem ser delimitados. O primeiro afirma que a aliança foi
construída na primeira década republicana, justamente com o fim de conferir um novo
ordenamento institucional ao regime que se iniciava.” (p.38)
“Há um terceiro grupo de historiadores que atestam a origem da aliança Minas–São Paulo
entre os governos de Rodrigues Alves e Afonso Pena (1902-1909). Embora não se refiram ao
fato, provavelmente o que motivou o marco foi a ocorrência, no período, do Convênio de
Taubaté, evento que terá uma análise destacada no capítulo terceiro, do presente trabalho.”
(P.39)
“Há um quarto grupo que atrela a emergência da aliança à sucessão de Hermes da Fonseca,
ou seja, ao chamado “Pacto de Ouro Fino”, ocorrido em 1913. Tais autores partem do
pressuposto de que, até então, vencidos vinte e quatros anos de regime (mais de 50% dele), a
aliança entre Minas e São Paulo ainda não havia ocorrido.” (p.40)
“Caminhando nesta mesma direção, alguns estudos tenderam a destacar a ação nacional
mineira como conservadora ou obsoleta, contraposta à ação paulista, considerada mais aberta,
dinâmica e modernizadora. Estes diferentes comportamentos tinham clara relação com o grau
de desenvolvimento de suas economias.” (p.42)
“Faoro, em seu clássico trabalho, muito embora defendesse a ideia de que uma aliança café
com leite tivesse sido formulada a partir do governo Campos Sales, destacou os
inconvenientes resultantes desse acordo para São Paulo, ao dar destaque às rivalidades
predominantes entre os dois estados. Segundo Faoro (1984:584-585), ao estabelecer um
acordo com Minas, São Paulo teria que amargar um ostracismo de doze anos e ter
condicionada a sua prosperidade ao apoio mineiro.” (p.45)
“Um outro pilar que serviu de base aos estudos da aliança Minas–São Paulo foi o de sua
relação com o café.” (p.47)
“O segundo grupo é composto por trabalhos que privilegiam o papel do Estado na relação
Estado-Sociedade, subestimando o seu caráter classista, bem como o potencial organizativo
das associações de classe, no encaminhamento e na defesa de suas aspirações.” (p.48)
“O terceiro grupo, no qual este livro se insere, engloba pesquisas, em sua maioria produzidas
a partir da década de 80, que trazem como ponto comum a autonomia relativa do Estado, em
relação aos interesses econômicos hegemônicos, sem desconsiderar a forte presença desses
setores, na definição das políticas públicas implementadas.” (p.49)
“Nota-se que, embora os grandes estados tenham tido crescimento em números absolutos,
nem todos o tiveram em termos relativos. Pela ordem, São Paulo foi o estado que mais
lucrou, em termos de representação nacional, com o novo regime, seguido pelo Rio Grande
do Sul e Minas Gerais.” (p.53)
“Os grandes estados eram os que corriam o menor risco de intervenção federal, embora não
estivessem dela isentos.” (p.55)
“Como se pode notar, entre os seis maiores estados, Minas Gerais foi o que ocupou mais
cargos ministeriais, seguido pelo Rio Grande do Sul e por São Paulo.” (p.56)
“Em relação à ocupação da cadeira presidencial, Minas Gerais e São Paulo foram os mais
hegemônicos, na medida em que, dos treze presidentes eleitos pelo regime, 70% vieram
desses dois estados.” (p.57)
“Isto implica em dizer que elementos não confiáveis, por parte dos atores políticos
hegemônicos, eram sumariamente excluídos. Daí se explicam as reações negativas em
relação às candidaturas não só de Nilo Peçanha, como de Rui Barbosa, de Pinheiro Machado
e de David Campista.” (p.61)
“Os nomes dos candidatos deveriam ser alçados por outros estados, e não aquele de origem
do candidato. Esta formalidade visava levar ao mundo político uma informação: a de que por
trás do nome alçado havia uma aliança construída entre, pelo menos, dois estados-atores.”
(p.63)
“Até 1906, a Presidência da República foi monopolizada por militares e paulistas. A partir
desse período, impediu-se que um estado se repetisse na ocupação do cargo.” (p.65)
“O fato de os atores hegemônicos julgarem como natural a exclusão das maiorias fazia com
que rejeitassem, com todo vigor, qualquer reação contrária por parte dos excluídos.” (p.66)
“A partir da observação dessas tabelas torna-se claro que as sucessões eram contestadas, em
sua grande maioria (75%) gerando instabilidade política. Ao mesmo tempo, o mecanismo de
contestação mais usado foi a disputa eleitoral, seguida da denúncia da fraude eleitoral pela
imprensa, as duas formas, muito relacionadas, quase consecutivas.” (p.67-68)