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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ 1

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS
SOCIAIS

LEILA CRISTINA LEITE FERREIRA

“E AI, VAI FICAR DE TOCA? COLA COM NÓS!”:LATA


NA MÃO, GRAFITEIROS NA RUA, ARTE NAS PAREDES:
A JUVENTUDE GRAFITEIRA EM BELÉM

BELÉM

2013
2

Leila Cristina Leite Ferreira

“E AI, VAI FICAR DE TOCA? COLA COM NÓS”: LATA


NA MÃO, GRAFITEIROS NA RUA, ARTE NAS PAREDES:
A JUVENTUDE GRAFITEIRA EM BELÉM

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais (PPGCS), área de
concentração em Antropologia, junto ao Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal do Pará, como pré-requisito para obtenção
do grau de Mestre em Ciências Sociais, sob a
orientação do Prof. Dr. Antonio Mauricio Dias da
Costa.

Belém

2013
3

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)

Ferreira, Leila Cristina Leite


“E ai, vai ficar de toca? Cola com nós”: lata na mão, grafiteiros na rua, arte nas
paredes: a juventude grafiteira em Belém / Leila Cristina Leite Ferreira. - 2013.

Orientador (a): Antonio Mauricio da Costa

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará. Instituto de Filosofia e


Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Belém, 2013.

1. Grafitos - Belém (PA). 2. Arte de rua - Aspectos sociais - Belém (PA). 3.


Juventude - Artes - Belém (PA). 4. Hip-hop (Cultura popular) - Belém (PA). 5.
Sociabilidade. I. Título.

CDD - 22. ed. 302.22098115


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Leila Cristina Leite Ferreira

“E AI, VAI FICAR DE TOCA? COLA COM NÓS”:LATA


NA MÃO, GRAFITEIROS NA RUA, ARTE NAS PAREDES:
A JUVENTUDE GRAFITEIRA EM BELÉM

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais (PPGCS), área de
concentração em Antropologia, junto ao Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal do Pará, como pré-requisito para obtenção
do grau de Mestre em Ciências Sociais, sob a
orientação do Prof. Dr. Antonio Mauricio da Costa.
Banca examinadora

__________________________________
Prof. Dr. Antonio Mauricio da Costa (Orientador- PPGCS-UFPA)

___________________________________
Profª. Drª. Carmem Izabel Rodrigues (Examinadora Interna-PPGCS-UFPA)

_______________________________________
Profª. Drª Denise Machado Cardoso (Suplente-PPGCS-UFPA)

___________________________________
Prof. Dr. Alexandre Barbosa Pereira (Examinador Externo-UNIFESP)

Aprovada em: ___/___/__

Belém

2013
5

AGRADECIMENTOS
A todas as energias positivas para que esse trabalho fosse possível.

A CAPES pela bolsa que ajudou a financiar essa pesquisa.

A meus pais Dona Célia e Sr. Léo pela paciência e eterna colaboração.

A meus irmãos, André, Lucélia, Kito e Wellington pela paciência e colaboração


científica, financeira e questionadora.

A Ariana, Suelem, Felipe, Sérgio, Paixão, Val, Nádia, Julia, Rosa, Geise, Raida,
Socorro, Euzalina, pela amizade e força antes e durante o mestrado.

Ao Coletivo Marginalia, Karaduraproduções e Churume Literário.

Aos meus amigos antigos e recentes que tornaram possível a minha estada em campo.
Especialmente ao Rui Costa, Juliene, Augusto Poeta e André Leite pela companhia ao
campo para que não ficasse sem rumo.

A meus professores e professoras. Especialmente ao Mauricio Costa e Denise Cardoso


por sua orientação.

A todos os artistas que me ofereceram conhecimento, amizade e confiança durante toda


a pesquisa.

A Cosp Tinta Crew, a Ratinhas Crew, a Nóis in Tinta Crew, Conexão Visual Crew, a
Escarnio Social Crew, Control Crew, ao Coletivo Casa Preta, aos poetas Preto Michel
e Augusto Poeta, a Mc Mana Josi, ao Dudu do Skate, a Nação de Resistência Periférica,
ao Sérgio, ao Micheu, ao D‟Pádua, ao Dj Rg, ao Dj Morcegão.

Obrigada!
6

DEDICATÓRIA

Para meus pais.

Para a arte e todos os artistas


que tornaram possível esse
trabalho.
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RESUMO
A juventude grafiteira de Belém mobiliza uma imensa rede de sociabilidade para
realizar seus projetos, principalmente o “Mutirão de Grafite”. Esse projeto leva o grafite
e o Movimento Hip Hop para as ruas dos bairros periférico de Belém. E esse trabalho
toma esse projeto como ponto de partida para analisar essa juventude e sua rede de
sociabilidade. Para isso faço todo um estudo em torno de alguns conceitos como
juventude, pichação, grafite, rua, galeria para que assim consiga compreender como se
dar essa dinâmica no complexo mundo do grafite. Então, realizei uma pesquisa em
espaços importantes para os grafiteiros em todo o processo que antecipa e concretiza o
“Mutirão de Grafite”, são esses espaços a “Casa Preta”, a “Casa do Grafite” e o próprio
“Mutirão” que se concretiza na rua. Nessas casas os grafiteiros e todos aqueles que
fazem parte de sua rede se reúnem para diversos fins, a elaboração de projetos, a
discussão em torno de perspectivas para o desenvolvimento desses projetos e
simplesmente para conversas e socialização.

Palavras-chave: juventude grafiteira, grafite, hip hop, sociabilidade, rua.


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ABSTRACT

The graffiti artists‟ youth from Belém mobilizes a huge network of sociability to realize
their projects, especially the "Mutirão de Grafite". This project takes graffiti and Hip
Hop Movement to the streets of peripheral neighborhoods of Belém. And this work
takes this project as a starting pointto examine thatyouth andits network of sociability.
For that it‟s done a whole study around someconcepts such asyouth, graffiti, street, and
gallery so Ican understandhow to getthis dynamicin the complexworldof graffiti. So, I
conducted a research inimportant spacesfor the graffiti artiststhroughout the process that
anticipates and implements the "Mutirão de Grafite", these spaces are the "Casa Preta",
the "Casa do Grafite" and even the "Mutirão" which is realized in street. In these
housesgraffiti artistsand all those whoare part ofyour networkgatherfor various
purposes, project design, the discussionofprospects for the developmentof these projects
and just for conversation and socializing.

Keywords:graffiti artists‟ youth, graffiti, hiphop, sociability,street.


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SUMÁRIO
Introdução ...........................................................................16
Capitilo I: preparando o muro............................................ 24
1.1- A juventude na história............................................... 25
1.2- Pichação e grafite........................................................ 44
1.3- A galeria e a arte de rua.............................................. 60
1.3.1- A galeria....................................................... 60
1.3.2-A rua e a arte: arte de rua.............................. 68

Capitulo II- Pesquisando com imagens.............................. 81


2.1- Fotografia.................................................................... 81
2.3-O vídeo etnográfico “lata na mão, grafiteiro
na rua, arte na parede........................................................ 86
2.3-Fotoetnografia............................................................. 90
2.3.1- Pichação nas ruas de Belém......................... 90
2.3.2- O grafite nas ruas de Belém......................... 94
2.3.3- A juventude grafiteira nos mutirões............. 97
2.3.4-“Colando” com a juventude grafiteira..........101
2.3.5- Juventude grafiteira fora
dos Mutirões......................................................... 105
2.3.6- Exposição efêmero..................................... 106
2.4- Vídeo “lata na mão, grafiteiro na rua,
arte na parede”.................................................................. 109
Capitulo III -“E ai, vai ficar de toca? Cola com nós!”..... 111
3.1-“Colar” com a galera....................................................112
3.1.1- A Casa Preta.................................................115
3.1.2- A Casa do Grafite.........................................131
3.1.3 DiaNacional do Grafite..................................137
3.1.4 O Mutirão de Grafite......................................140
Capitulo IV-Quem cola com os grafiteiros.........................152
4.1- Nação de Resistência Periférica (NRP).......................154
4.1.1- Dj Morcegão.................................................158
4.1.2-Dj Rg..............................................................161
4.2- “Coletivo Casa Preta”..................................................164
4.2.1- Don Perna......................................................166
4.2.2- Negro Lamar..................................................171
4.2.3-Rui...................................................................174
10

4.3- Punk..............................................................................177
4.3.1-Zangado...........................................................179
4.4-Poetas Marginais............................................................184
4.4.1- Preto Michel...................................................187
4.4.2 Augusto Poeta...................................................191
4.5- Trançadeira....................................................................194
4.5.1- Rubia...............................................................195
4.6-Skate................................................................................198
4.6.1 Dudu do Skate...................................................199

Capítulo V-Lata na Mão.........................................................203


5.1-Crews...............................................................................204
5.1.1-Cosp tinta crew.................................................206
5.1.1.1- George...............................................208
5.1.1.2-Marcelo Bocão....................................211
5.1.1.3-Ed........................................................214
5.1.1.4-Graf......................................................217
5.1.1.5-Rog Cosptinta.......................................219
5.1.1.6-Gaspar...................................................220

5.1.2-Nóis in tinta crew.................................................223


A-Osga...............................................................224
5.1.3-Conexão Visual Crew (CVC)...............................225
A- Zang...............................................................226
5.1.4- ESC (Escarnio Social Crew)................................227
A- Dime..............................................................227
5.1.5- Ratinhas Crew......................................................229
A- Cely...............................................................231
5.1.6-Control Tri............................................................233
A- Metal.............................................................234
5.2- Grafiteiros sem crew...........................................................237
5.2.1-D‟Pádua.................................................................237
5.2.2-Micheu...................................................................241
5.2.3-Débora...................................................................243
5.3 Companheiras.......................................................................245
5.3.1-Rafaela...................................................................246
5.3.2-Ester .......................................................................248
11

Considerações Finais..................................................................252
Referências.................................................................................256
12

LISTA DE FIGURAS

Capitulo I

Imagem 1: Pichação no centro de Belém.....................................................44

Imagem 2: Muro pichado por vários grupos no centro de Belém...............44

Imagem 3: Pichação em muro de um banco no centro da cidade.................45


Imagem 4: Grafites próximo a praça da república no centro de Belém........45
Imagem 5:Grafite em muro próximo a praça da república em Belém...........46
Imagem 6: Grafite em galeria de Belém..........................................................46
Imgem7: Grafite iniciado de Gaspar no “I Mutirão de Grafite” no
bairro do Tapanã em Belém..............................................................................49
Imagem8: Gaspar (de óculos escuro) grafitando no “I mutirão de
grafite” no bairro do Tapanã em Belém............................................................50
Imagem 9: Grafite iniciado de Rogercosptinta no “IX Mutirão
de Grafite”.........................................................................................................51
Imagem 10: Rogecosptinta no “VIII Mutirão de Grafite” no
bairro do Guamá em Belém................................................................................52
Imagem 11: Cely grafitando na Praça da República...........................................54
Imagem 12: Grafite de Cely.................................................................................55
Imagem 13: Don Perna e alguns grafites de Graf e Ed na casa preta..................57
Imagem 14: A frente da galeria Gotazkaen............................................................61
Imagem 15: Grafite em exposição na galeria Gotazkaen........................................62
Imagem 16: Grafite e latas de spray trabalhadas na exposição na
galeria Gotazkaen.....................................................................................................63
Imagem 17: Quadros dos grafiteiros na exposição na galeria Gotazkaen...............63
Imagem 18: Espaço da galeria todo grafitado para a exposição de
grafite, estou em pé no lado direito da imagem.........................................................64
Imagem 19: Rua no bairro do Tapanã durante o “I Mutirão de Grafite” .................68
Imagem 20: Rua dos Pretos no bairro do Guamá durante
o “II Mutirão de Grafite”..............................................................................................65
Imagem 21: Rua durante o “V Mutirão de Grafite” no bairro
13

da Cidade Velha..................................................................................................69
Imagem 22: George no “I Mutirão de Grafite no bairro do Tapanã...................72
Imagem 24: Marcelo Bocão pensando seu grafite durante o
“V Mutirão de Grafite”.........................................................................................74
Imagem 25: Grafite de Marcelo Bocão em muro no centro de Belém.................74
Imagem 26: Rogercosptinta pensando seu grafite no “IX mutirão
de grafite” no bairro de Fátima.............................................................................76
Imagem 27: Cely pensando seu grafite na Praça da República.............................77
Capitulo II
Imagem 1: Trabalho comercial de Dedeh e Graf realizado
no centro da cidade.................................................................................................82
Imagem 2:negro Lamar (na porta) e Sergio na exposição
“Efêmero” na Casa Preta..........................................................................................84
Fotoetnografia ...........................................................................................................90
Capitulo III
Imagem 1: Don Perna oficina no quintal da Casa Preta.............................................112
Imagem 2: Casa do grafite”.........................................................................................113
Imagem 3: Rui na bancada localizada no pátio da Casa Preta....................................116
Imagem 4: Cristina no espaço da oficina na Casa Preta..............................................117
Imagem 5: Materiais usados nas oficinas.....................................................................118
Imagem 6: Cobertura da oficina....................................................................................118
Imagem 7: Imagem da página da “Casa de Cultura Tainã” na internet.........................121
Imagem 8: Imagem da marca da Rede Mocambos .......................................................124
Imagem 9: Imagem da marca do CEDENPA ...............................................................126
Imagem 10: Lateral do quiosque do CEDENPA todo grafitado ..................................128
Imagem 11:Lrafites no quiosque do CEDENPA ..........................................................129
Imagem 12: A frente do quiosque do CEDENPA e alguns produtos à venda.............129
Imagem 13: Dentro da casa do grafite no bairro do Tapanã 2......................................132
Imagem 14: A hora do almoço durante o “I Mutirão de Grafite”.................................133
Imagem 15: Dia Nacional do Grafite em 2010 no bairro da Terra Firme....................138
Imagem 16: Mapa das fronteiras entre os bairros da
Terra Firme, Guamá e Canudos.....................................................................................142
Imagem 17: Juliene trançando os cabelos de Gaspar e
dona Ana Guedes esperando sua vez no “II Mutirão de Grafite”...............................143
14

Imagem 18: Grafite dentro do bar do Fumaça..............................................................144


Imagem 19: Almoço dentro do bar do Fumaça.............................................................144
Imagem 20: No II Mutirão de Grafite crianças observando..........................................146
Imagem 21: Ed no “V Mutirão de grafite” no bairro da cidade velha..........................148
Imagem 22: Dj Rg no I Mutirão de Grafite...................................................................149
Capítulo IV
Imagem1: NRP no Encontro Metropolitano de Hip Hop
no IAP (Instituto de Arte do Pará).................................................................................157
Imagem2: Dj Morcegão no VII Mutirão de Grafite no bairro da Terra Firme.............158
Imagem3: Dj Rg no “VIII Mutirão de Grafite” no bairro do Guamá...........................161
Imagem4: Don Perna no “VIII Mutirão de Grafite” no bairro do
Guamá em Belém..........................................................................................................166
Imagem 5:Negro Lamar no IX Mutirão de Grafite no bairro de Fátima......................171
Imagem 6: Rui na “Casa Preta”.....................................................................................174
Imagem 7: Zangado entre seus livros em sua casa........................................................179
Imagem 8: Banda Histeria coletiva no Centro Comunitário Bom Jesus......................183
Imagem 9: Preto Michel no “IX Mutirão de Grafite” no bairro de Fátima..................187
Imagem 10: Banca de vendas de Cd‟s, Dvd‟s, fanzines,
livros durante o “VIII Mutirão de Grafite”....................................................................190
Imagem 11: Augusto e Preto Michel no “I Mutirão de Grafite”..................................191
Imagem 12: Juliene trançando o cabelo de dona
Ana Guedes durante o “II Mutirão de Grafite”.............................................................194
Imagem 13: Rubia trançando o cabelo de Negro
Lamar no “VIII Mutirão de Grafite” no bairro do Guamá............................................195
Imagem 14: Skatistas no “V Mutirão de Grafite” na
Praça do Carmo no bairro da Cidade Velha em Belém.................................................198
Imagem 15: Dudu do skate (de camisa xadrex) e
Ed no “IX Mutirão de Grafite” no bairro de Fátima.....................................................199
Capitulo v
Imagem 1: Exposição de grafite na Galeria Gotazkaen...............................................205
Imagem 2: George no “VIII Mutirão de Grafite” no bairro do Guamá......................208
Imagem 3: Marcelo Bocão no “I Mutirão de Grafite” no bairro do Tapanã..............211
Imagem 4: Ed no “VIII Mutirão de Grafite no bairro do Guamá em Belém..............214
imagem 5: Graf no “VIII Mutirão de Grafite” no bairro do Guamá...........................217
15

Imagem 6: Rog no “VIII Mutirão de Grafite” no bairro do Guamá.......................219


Imagem 7: Gaspar no “dia nacional do grafite” no bairro da terra firme.................220
Imagem 8: Grafite na Praça do Carmo durante o V Mutirão de Grafite..................223
Imagem 9: Osga no “VIII Mutirão de Grafite” no bairro do Guamá.......................224
Imagem 10: Dime no “IX Mutirão de grafite” no bairro de Fátima..........................227
Imagem 11: Cely na Praça da República....................................................................231
Imagem 12: Metal na Praça da República no Congresso
da juventude do PSOL................................................................................................234
Imagem 12: Micheu na UFPA vendendo suas camisas...............................................243
Imagem 13: Débora no “V Mutirão de Grafite” no bairro da Cidade Velha...............245
Imagem 14: Rafaela, companheira do Graf durante o
“VIII Mutirão de Grafite” no bairro do Guamá em Belém..........................................248
Imagem 15: Ester no “IX Mutirão de Grafite” no bairro de Fátima.............................250
Imagem 16: Detalhe do grafite de Ester a ao lado Marcelo Bocão
16

INTRODUÇÃO

A minha história com a arte começou de fato como uma militância em 2002.
Nesse ano comecei a fazer parte do “Coletivo Churume Literário”. Esse coletivo era
formado por vários artistas, grafiteiros, escritores, poetas, performeres, cantores,
músicos, atores. Atuava dentro do bairro da Terra Firme na periferia de Belém com a
maioria de seus integrantes sendo de lá. Mas não só, também havia pessoas de outros
bairros que faziam parte do coletivo e outras que eram simpatizantes do coletivo e
também faziam parte das programações organizadas por nós.
Dentro do coletivo nós organizamos uma coletânea denominada “Mórficos”,
com escritos de todos que se arriscavam a dizer algo através da palavra escrita dentro do
“Churume”. Mensalmente nós organizávamos a programação denominada “Varal de
Poesia”. Essa programação ocorria dentro do bairro da Terra Firme na Praça Tenente
Souza. Por uma questão ideológica nós descordamos do nome dessa praça e resolvemos
rebatizá-la com um nome mais artístico, Praça Augusto dos Anjos. Nos dias de
programação chegávamos cedo, por volta de duas da tarde, falávamos com o dono da
mercearia que fica bem em frente a praça, o Seu Chico do Pedral e ele sempre
colaborava conversando com os vizinhos, emprestando vassouras, comprando nossos
livros e qualquer coisa que fosse possível.
A programação começava entre quatro e cinco horas da tarde com tudo voltado
para as crianças, oficina de desenhos, depois o varal desses desenhos, distribuição de
lanches, contação de histórias, leitura de histórias infantis, apresentação de palhaços.
Heliana Barriga, Juraci Siqueira, Clei Souza são alguns dos poetas que colaboraram
conosco. Quando a noite começava era hora de iniciar a programação com os adultos.
Exposição de poesias nos varais, quadros, apresentação de bandas, recitais, conversas e
tudo o que podiam pedir uma boa noite de arte. Mas, a violência nos afastou desse
espaço, fomos ameaçados de assalto se continuássemos nos apresentando ali e nossas
armas não podem contra as que nos ameaçavam. Então, deixamos de organizar o “Varal
de poesia” em praça pública.
E como tínhamos outros contatos fora do bairro e também estávamos atuando
dentro do espaço “Na Morada da Arte”, um espaço de artistas e anarquistas que ficava
no centro da cidade, levamos todas as nossas atividades para lá. Mas, em Belém o
“Churume” acabou cinco anos depois. E apenas Augusto Poeta ficou com o coletivo e
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levou para a cidade onde mora Marituba e até hoje ele existe e talvez ninguém nunca
tenha deixado de ser “churumista”. E nessa pesquisa, além de Augusto Poeta ainda
havia Zangado e Rui que também eram do “Coletivo Churume Literário” e que até hoje
estão atuando na arte também em outros coletivos.
Em Belém algumas pessoas do “Churume Literário” em 2007 organizaram o
“Coletivo Marginalia” e esse existe até hoje. O “Marginalia” é formado por Zangado,
por Sérgio, por Geysi e por mim. Nossa atuação nesse novo formato iniciou dentro da
Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), no pátio do sindicato dos servidores
da universidade que fica localizada dentro do bairro da Terra Firme. Nesse espaço
ficamos alguns meses realizando programações com performance, vídeos, bandas,
poesia, etc.
Agora em 2013 estamos realizando nossas atividades num espaço que alugamos
denominado “Qasa Utopia” que fica localizada no centro da cidade, na Travessa
Frutuoso Guimarães. Nesse espaço funciona o “Sebo Elefante Branco” e também são
desenvolvidas programações. Lá moram o André, sua companheira e um amigo artista
plástico que também é churumista. E foi a partir desse envolvimento com a arte que me
aproximei do grafite e dos grafiteiros que, em 2004, estavam em atividade no projeto
“Celpa em Grafite”. Desse projeto participava Pardal, grafiteiro e que fazia parte do
“Churume Literário”. Nesse período eu estava finalizando minha graduação e precisava
de um local para fazer meu estágio obrigatório e como já estava sabendo do “Celpa em
Grafite” e da participação do Pardal, conversei com ele e fui apresentada ao
coordenador que me aceitou dentro do projeto.
Nesse momento comecei a entrar em contato com uma nova perspectiva da arte.
Pois os jovens ali envolvidos e que teoricamente seriam aprendizes de grafiteiros, na
verdade já eram grafiteiros. No entanto, participavam do projeto para ter acesso ao
material disponibilizado e para ganhar uma ajuda de custo. O “Celpa em Grafite”, pelo
que conversei com o coordenador, tinha como objetivo tornar jovens pichadores em
grafiteiros para que abandonassem o crime e se tornassem artistas. Isso era muito
contestado pelos jovens porque diziam que já eram grafiteiros e que não estavam ali
para aprender a ser grafiteiros, mas para grafitar.
Mas, de 2004 para 2013 o mundo do grafite em Belém mudou bastante. Naquele
período os jovens que faziam parte do “Celpa em Grafite” não estavam organizados em
crews e apenas se esboçava essa possibilidade. Hoje a maioria dos grafiteiros em Belém
estão envolvidos em crews. Crews são grupos de grafiteiros que deixam sua marca pela
18

cidade através de uma assinatura coletiva, como no caso da Cosp Tinta Crew. Essa é a
crew que está em maior destaque dentro de Belém e por organizar o maior evento de
grafite que ocorre dentro da cidade até agora, se tornou alvo principal da minha
pesquisa. A Cosp Tinta Crew organiza o “Mutirão de Grafite”, um evento mensal que
mobiliza uma imensa rede de sociabilidade onde estão envolvidos artistas do
Movimento Hip Hop e de outros movimentos também. O “Coletivo Casa Preta” é o que
está mais envolvido nessa organização.
O “Coletivo Casa Preta” é formado por pessoas que estão envolvidas em
diversos outros coletivos, como na NRP (Nação de Resistência Periférica), uma
organização do Movimento Hip Hop, grafiteiros da Cosp Tinta Crew e outros artistas e
também pessoas envolvidas no “Movimento Negro”, etc. E minha aproximação com
esses coletivos se deu na minha busca por entender de que maneira estava se dando esse
processo de mudança no mundo do hip hop e assim conseguir atualizar minha pesquisa.
Nesse ano de 2010 dei continuidade na minha pesquisa para elaborar meu projeto de
mestrado e acompanhar o que estava ocorrendo, o que estavam pensando e como
estavam organizados os grafiteiros em Belém.
Então, como Pardal não estava em Belém, procurei outro amigo, Gaspar, que
também era do “Coletivo Churume Literário” e que estava participando da Cosp Tinta
Crew. Ele me avisou que haveria um mutirão em um muro no bairro da Terra Firme
para comemorar o “Dia Nacional do Grafite”. Esse dia é uma homenagem ao grafiteiro
Alex Vallauri que morreu em 26 de março de 1987 e seus amigos resolveram
homenagea-lo no dia seguinte fazendo uma grafitagem e instituindo aquele dia 27 de
março como o dia nacional do grafite. Esse dia é comemorado em todo o país. E em
Belém, o ano de 2010 foi o primeiro ano que houve essa comemoração com um evento
organizado.
Eu fui e como não estava ainda no mestrado e apenas querendo organizar meu
projeto peguei algumas informações e realizei uma pesquisa visual com fotografias e
vídeos que depois resultou no vídeo “Dia Nacional do Grafite na Terra Firme” e a partir
de então consegui me aproximar de outros grafiteiros que não mais os do projeto “Celpa
em Grafite”, mas os da Cosp Tinta Crew. Em 2011 passei na seleção do mestrado e
intensifiquei minhas leituras e fui novamente ao “Dia Nacional do Grafite”, mas dessa
vez foi menos produtivo devido à chuva que impediu por um bom tempo o evento ser
desenvolvido. No ano de 2012, quando iniciei meu campo já para a produção da
dissertação, a Cosp Tinta Crew deu inicio ao projeto “Mutirão de Grafite”.
19

Esse projeto tem como objetivo levar o grafite aos bairros periféricos de Belém
para que crianças e jovens consigam ver o grafite e mesmo todos os outros elementos do
hip hop, que são o Break, o Mc e o Dj, como uma alternativa de sair da violência e das
drogas que as ruas oferecem. Pois, segundo os grafiteiros, é preciso perceber que o hip
hop permite que os jovens se tornem compositores de suas próprias músicas,
dançarinos, Dj’s, que aprendam sobre o grafite e através dessas artes possam dizer o que
pensam e o que querem para sua vida.
Então, participei de alguns “Mutirões”, conversei com muitas pessoas e consegui
me aproximar um pouquinho desse complexo universo que pretendo explorar melhor
em pesquisa posterior. Minha chegada em campo já como estudante do mestrado foi
bem diferente de antes. Pois, fui para lá com a intenção de ver ali coisas que não
conhecia. Minha curiosidade ganhou novas perspectiva a partir das novas leituras e de
novos acontecimentos em campo. O “Mutirão de grafite” se organizou em torno do
grafite sem deixar que os outros elementos do hip hop ficassem separados ou
esquecidos. E desde o inicio de minha pesquisa essa foi a primeira vez que vi ocorrer
essa reunião de todos os elementos (grafite, Mc, Dj, B’Boy) com o propósito de levar o
hip hop para as ruas. E até mesmo o fato de grafiteiros estarem se dizendo do
Movimento Hip Hop foi uma novidade para mim como pesquisadora já que até então os
grafiteiro estavam distantes do movimento realmente.
O “Mutirão de Grafite” ocorre nas ruas dos bairro da periferia de Belém e por
isso eu estive nelas enquanto fiz meu campo. Mas, pesquisar nas ruas não é muito fácil.
As ruas eram de difícil acesso e eu sempre precisei e pude contar com a ajuda de alguns
amigos para chegar e sair do campo. E como usei bastante as câmeras, tanto fotográficas
quanto de celular e estava sempre apreensiva com a possibilidade de perder meus
arquivos para alguma atitude violenta nas ruas. Mas, no contato com os jovens tive uma
certa facilidade para me aproximar e fazer minhas observações e entrevistas. O fato de
ter feito as minhas primeiras observações com a colaboração de algum amigo que fazia
parte do meio facilitou a minha movimentação em campo no sentido de que fui
apresentada aos outros jovens como uma pessoa amiga que estava ali pesquisando.
A pesquisa com imagens foi realizada também nos mesmos espaços. E minha
presença com a câmera em mãos não pareceu em nenhum momento incomodar aos
grafiteiros ou mesmo aos outros jovens que estavam nos “Mutirões de Grafite” já que
eram muitas as câmeras que estavam voltadas para eles naquele momento. Porém, é
preciso que diga que o fato de estar ali pesquisando e todos saberem disso não era algo
20

que passasse despercebido, pelo contrário, as pessoas sabiam que minhas imagens não
seriam para colocar numa rede de relacionamentos na internet, mas sim para minha
pesquisa. Quanto aos vídeos também não tive muita dificuldade na aceitação das
pessoas nem mesmo para gravar seus depoimentos, apesar de algumas negativas a
maioria com quem conversei para isso se disponibilizou e até mesmo gostou de saber
que seria feito um vídeo onde poderia falar de seu trabalho.
E essa dissertação está construída a partir de minha pesquisa dentro do projeto
“Mutirão de Grafite” tendo como foco a juventude grafiteira e a sua rede de
sociabilidade. Por isso o título „“E aí, vai ficar de toca? Cola com nós”: Lata na mão,
grafiteiros na rua, arte nas paredes: a juventude grafiteira em Belém‟. O “Colar”
significa na gíria estar junto, produzir junto, pensando as possibilidades ou
simplesmente se socializando, pois, como afirma Mafesoli (2006) as pessoas,
principalmente os jovens têm a necessidade de se manterem próximas aos seus iguais,
se socializar. Simmel (2006) fala da sociabilidade no mesmo sentido. As pessoas
buscam estar em sociabilidade para trocar informações, para conversar, para organizar
seus grupos. E no caso dos jovens com quem pesquiso, eles se mantém juntos,
“colando” uns com os outros justamente nesse sentido. É a partir do momento em que
estão em contato através da rede social facebook, de telefone, de e-mail ou
presencialmente. Assim os jovens criam seus projetos, se divertem, organizam seus
projetos e os executam.

O primeiro capítulo deste trabalho é conceitual e composto por tópicos, o


primeiro é “A juventude na história”, o segundo é “Grafite e pichação”, o terceiro é “A
galeria e a arte de rua”. Neste capítulo em seu primeiro tópico trabalho conceitos como
a juventude, que Savage (2009) mostra que veio sendo forjado desde o século XIX a
partir de mudanças no comportamento das pessoas a partir dos quinze anos dentro de
um contexto social que percebeu isso e começou a se preocupar com elas. E foi a partir
dos anos de 1950, com o fim da Segunda Grande Guerra, Canevacci (2005) afirma que
foi o consumismo que mudou a maneira como as pessoas se comportam em sociedade e
principalmente fez com que a juventude fosse um conceito da maneira como se conhece
hoje em dia, ou seja, ser jovem não está mais atrelado a uma questão cronológica, mas
sim a comportamentos específicos. E a juventude grafiteira está inserida neste contexto.
É importante ressaltar que não existe uma única juventude, mas sim várias juventudes
21

com suas características diversas e a juventude grafiteira é uma dentre tantas outras e é
em quem foco meu trabalho.

No segundo tópico do primeiro capítulo falo dos conceitos de grafite e


pichação, dois conceitos caros ao entendimento do que faz a juventude grafiteira e
principalmente do que essa juventude entende do que está sendo produzido por ela.
Pois, esses dois conceitos se confundem e provocam uma polêmica muito rica no meio e
conseguem ter visões muito distintas. A pichação para alguns é arte tanto quanto o
grafite é arte, mas para outros são diferentes e a pichação chega mesmo a ser um tipo de
coisa menor que precisa ser aperfeiçoada até chegar ao grafite a partir de estudos. Para
alguns autores como Arce (1999) e Figueiredo (2004) a pichação e o grafite são a
mesma coisa se diferenciando apenas pelo uso da cor pelo grafite.

No terceiro tópico do primeiro capítulo trato da galeria e da rua, dois espaços


utilizados pelos grafiteiros para expor seus trabalhos. Faço essa análise a partir de uma
pergunta, “o grafite quando vai para a galeria continua sendo grafite?” Cheguei a tal
questão a partir de pesquisa de campo em conversas com os grafiteiros que sempre
afirmavam que “grafite é rua”. Em março de 2012, a Cosp Tinta Crew realizou uma
exposição em uma galeria e isso reforçou ainda mais a importância da minha indagação
para esse entendimento. As respostas assim como sobre no tópico anterior foram
diversas com alguns afirmando que grafite só é grafite se estiver na rua e que na galeria
depende. Ou mesmo dizendo que tanto faz na rua ou em qualquer lugar se é produzido
por um grafiteiro é grafite.

No Capítulo II discuto o trabalho de pesquisa com imagens, a fotografia e o


vídeo que foram trabalhados por mim dentro da perspectiva da antropologia visual. Nele
relato de que maneira se deu meu trabalho em campo e quais as dificuldades que
encontrei principalmente no que diz respeito a produção de vídeos. Mas, também busco
discutir a utilização desse material como texto. Pois, tanto fotografias quanto vídeos são
textos que devem ser lidos com cuidado para que assim possam ser entendidos tanto em
seus objetivos quanto em seu contexto. Assim, faço uma fotoetnografia e anexo meu
vídeo ao final do capítulo com o objetivo de colocar a discussão a partir do texto visual
com ênfase nesses dois recursos.

No Capítulo III “ E aí vai ficar de toca? Cola com nós”, faço uma etnografia dos
espaços de sociabilidade da juventude grafiteira e sua rede de sociabilidade. Trago aqui
22

a discussão sobre o conceito de sociabilidade e de que maneira os coletivos utilizam


cada espaço para fazer concretizar essa sociabilidade. Esses espaços são a “Casa Preta”,
“Casa do Grafite” e “Mutirão de Grafite” que ocorre na rua. A “Casa Preta” é uma casa
do coletivo de mesmo nome onde as pessoas se reúnem para oficinas, conversas,
organização de projetos e eventos. Ela fica localizada no bairro de Canudos próximo a
Terra Firme. A “Casa do Grafite” fica localizada no bairro do Tapanã e é utilizada com
objetivos parecidos com os da “Casa Preta” além de lá funcionar a loja onde são
vendidas as roupas e objetos produzidos pela Cosp Tinta Crew, que é quem a organiza.
O “Mutirão de Grafite” é um projeto da Cosp Tinta Crew em parceria com o coletivo
“Casa Preta” e é o momento em que toda a rede da juventude grafiteira está reunida para
concretiza o projeto de levar o hip hop para as ruas dos bairros da periferia de Belém.

No Capítulo IV “Quem cola com os grafiteiros”, faço uma análise a partir da


história oral dos grupos e artistas que estão envolvidos na rede da juventude do hip hop
assim como na rede da juventude grafiteira. E assim faço um levantamento da história
do hip hop em Belém tomando como partida a história oral dos integrantes do
movimento. A NRP (Nação de Resistência Periférica) foi o coletivo que tomou a
iniciativa ainda nos anos de 1990 para tornar o hip hop um movimento organizado e a
partir daí mobilizou todos os elementos que estavam dispersos e conseguiu, a exemplo
do que já estava ocorrendo em outros estados brasileiros, organizar o Movimento Hip
Hop em Belém.

O “Coletivo Casa Preta” é formado por pessoas envolvidas com arte, Dj‟s,
poetas, Mc‟s, grafiteiros. Ele é coordenado por Negro Lamar e Don Perna, que moram
no espaço e estão trabalhando com tambor, software livre, ancestralidade e hip hop e
organizam também o “Mutirão de Grafite” junto com a Cosp Tinta Crew. O Movimento
Punk, fez parte do inicio da organização do Movimento Hip Hop e na década de 1990
estava inserido no bairro da Terra Firme assim como a NRP e usava o mesmo centro
comunitário que esse coletivo além de ensaiar junto com a banda de rap MBGC (Manos
da Baixada de Grosso Calibre). Os poetas marginais também fazem parte dessa rede
Augusto Poeta e Preto Michel colaboram com suas poesias e sua militância com a
literatura dentro do “Mutirão de Grafite” e estão dentro da rede de sociabilidade do hip
hop e do grafite. Preto Michel também faz parte da NRP e milita também pelo hip hop.
23

As trançadeiras fazem parte dessa rede participando dos “Mutirões” e trançam


gratuitamente, principalmente os cabelos das crianças. Elas também carregam a relação
étnica com os cabelos e, no caso de Rubia, uma descoberta de si mesma através das
tranças que valorizam e não escondem seus cabelos. Os skatatistas são representados
por Dudu do Skate que colabora com os “Mutirões” doando camisas e outros objetos
para serem prêmios nas batalhas de Mc. Ele também colabora com a ajuda no transporte
de objetos e mesmo na militância do skate como parte integrante do hip hop.

No Capítulo V faço uma análise da juventude grafiteira e do grafite a partir da


história de vida dos grafiteiros. Assim, busco a rede de sociabilidade que ocorre entre as
crew’s. Mas, também trago alguns grafiteiros que não fazem parte de crew’s, mas que
nem por isso estão longe dessa rede, fazem parte da história do grafite e estão
produzindo e discutindo o grafite da mesma maneira que os outros. Entre as crew’s
estão as que fazem parte dos “Mutirões de Grafite” e também algumas que não estão
dentro desse cenário, mas que assim como os que estão fora das crew’s também estão
construindo a história do grafite, debatendo e repensando as formas de fazer a arte do
grafite. Além das companheiras de alguns grafiteiros que participam dos “Mutirões de
Grafite”.
24

CAPITULO I: PREPARANDO O MURO


Nesse capítulo faço uma breve discussão da história da juventude. E para tal
tomo como ponto de partida a segunda metade do século XIX, um momento em que as
pessoas que haviam deixado de serem crianças e ainda não eram adultas, não tinham
ainda uma denominação. Porém, já estavam demonstrando através de seu
comportamento que algo estava diferente e que não aceitavam mais ser tratados como
crianças, isso no contexto do mundo ocidental do século XIX. Na Inglaterra, França e
Estados Unidos foram muitas as ações de controle realizadas pelo governo na tentativa
de conter os jovens que estavam nas ruas das cidades reunidos em bandos como os
Apaches na França e os Hooligans na Inglaterra.
A juventude burguesa nesse período também estava se posicionando de maneira
diferente diante da sociedade e buscava seu lugar e seu caminho. A literatura, a música
e outros acontecimentos artísticos e políticos demonstravam e influenciavam cada vez
mais algum tipo de reação da juventude nesse sentido. E durante a Segunda Guerra
Mundial os jovens trabalhadores estavam buscando diversão e os de classe média
envolvidos no consumismo.
E foi a partir de então que os jovens começaram a vivenciar experiências que os
diferenciam dos adultos. Eles criaram um mundo que é só seu onde se pretende que os
adultos não consigam penetrar. E é dentro deste contexto que a juventude grafiteira de
Belém está inserida.
Aqui também trago uma discussão em torno das definições de grafite e pichação.
As definições são importantes para que se entenda a arte que os grafiteiros produzem e a
discussão que travam dentro do mundo do grafite como uma realidade muito particular
dessa juventude e de toda a sua rede de sociabilidade. No entanto, é importante perceber
que o grafite e a pichação são temas pensados dentro dessa rede de maneira mais
aprofundada por aqueles que estão envolvidos diretamente com eles. Ou seja, é um tema
de quem pega na lata de spray e se posiciona diante das paredes para colocar a público
aquilo que produz.
Ainda exponho aqui uma breve discussão em torno do conceito de arte a partir
do ponto de vista das pessoas com quem pesquiso. Pois, é necessário que fique claro o
que esse conceito significa para eles para que assim fique clara até mesmo a sua
definição de grafite. Pois, uma questão está perpassando a outra sempre. E esses jovens
estão sempre na linha do que é considerado por terceiros como crime ou como arte. e a
25

antropologia estuda a arte tendo em vista o contexto social em que essa arte está sendo
produzida e não na sua estética, pois a estética não diz muito sobre os motivos sociais
da produção e circulação dessa arte (Gell, 1998). E é desse ponto que esse capítulo
parte.
É importante salientar que todas essas discussões se fazem necessárias para que
possamos amadurecer um debate que no caso de Belém ainda deixa muito a desejar,
sobre juventudes e mais especificamente a juventude grafiteira. Pois, são jovens que
vem produzindo e discutindo a arte dentro da cidade além de serem os jovens que estão
também discutindo a situação social de jovens através de suas ações, que serão
discutidas nos próximos capítulos, tendo na arte uma importante ênfase.

1.1-A JUVENTUDE NA HISTÓRIA

Juventude. Esse é um termo que ganhou o significado que está estabelecido


apenas em meados do século XX no mundo ocidental (CANEVACCI, 2005). No
entanto é importante perceber que isso não veio do nada, mas sim de todo um processo
histórico que envolveu guerra, miséria, questionamentos de todas as formas a respeito
do comportamento da sociedade e que está além das questões biológicas de
determinação das fases da vida humana (CAMPOS, 2007). Para Aquino (2009) a
juventude sempre tematizada a partir da violência, das drogas, enfim de problemas que
precisavam de alguma resposta. Além do que essa também sempre é colocada como
uma fase transitória em que família e escola precisam tomar conta desses indivíduos e
entender como essa passagem da vida adulta pode se dar de maneira tranquila e sem
grandes dificuldades por ambas as partes.
Segundo Savage (2009) esse processo teve inicio ainda no século XIX quando o
comportamento das pessoas que se encontravam num período da vida entre a infância e
o mundo adulto ainda não tinha uma denominação. O autor se propõe a fazer um
levantamento histórico justamente desse período entre 1875 e 1945, quando na Europa e
nos Estados Unidos a juventude começava a se fazer mostrar. E isso ocorria através de
diários, como no caso de Marie Bashkirtseff, ou mesmo provocando o terror através da
violência, como no caso de Jesse Pomeroy, os dois personagens que o autor usa para
falar sobre aspectos extremos que estavam ocorrendo nas sociedades europeia e
americana.
26

Savage fala dos Teenagers, uma denominação americana para o grupo de jovens
dos anos de 1940 que o comércio percebeu como potenciais consumidores e passaram a
investir neles de forma exclusiva. Eles pensaram e fabricaram revistas, música, roupa e
comidas, o que fez com que assim se tivesse uma imagem do que hoje é reconhecido
como sendo um jovem. Porém, Savage (2009) chama a atenção para o fato de que isso
não veio do nada, pelo contrário, ocorreu de maneira lenta e gradual conforme os fatos
históricos se sucediam e o número de jovens crescia no meio urbano.
Savage (2009) narra a história de dois jovens que vivem em mundos distantes,
não apenas fisicamente, mas também socialmente. Marie Bashkirtseff e Jesse Pomeroy.
Ela com dezessete anos, morava na Europa, era uma jovem que sonhava dentro de seu
quarto de menina rica, em ser famosa. E ele, um menino de quinze anos, era um
assassino em série que os Estados Unidos não sabiam o que fazer para punir. Pois nunca
havia ocorrido de uma criança, como era chamado na época, ser pego por algo tão cruel.
Ela possuía um diário no qual escrevia todos os seus segredos e angustia e esperava que
ele fosse publicado e ela se tornasse famosa. Ele estava preso e condenado a pena de
morte (SAVAGE, 2009).
A vida dela ficou conhecida após sua morte aos vinte e cinco anos, de
tuberculose. E seu diário foi publicado e se tornou um campeão de vendas. Esse livro
influenciou outros jovens e mesmo cientistas que buscam entender as pessoas que estão
vivendo nesse período da história e mostrará que não é mais possível tratar essas
pessoas como crianças. A vida de Pomeroy ficará conhecida através de algumas cartas
que escreveu para outro garoto preso. Ele ao contrário dela não ficaram famoso, mas
sim pegou quarenta e um anos de prisão (SAVAGE, 2009).
Essas duas histórias ocorreram no mesmo período e o autor as usa como
exemplo para enfatizar que elas evidenciam uma mudança importante na sociedade e
isso precisava ser percebido. Não havia mais uma passagem da infância para a vida
adulta, mas entre essas duas havia uma terceira que ainda não possuía uma
denominação, mas que estava se mostrando a todos e precisava ser pensada como tal
para ser entendida. Pois, a literatura já estava anunciando a sua existência havia tempo.
No final do século XIX as mudanças politicas, econômicas e sociais pelas quais passava
o mundo trouxeram consigo a ideia da diferença de gerações (SAVAGE, 2009).
Nesse período a juventude representava dois extremos. De um lado o futuro e do
outro a ameaça à ordem estabelecida. E aí é que os jovens pobres e revolucionários são
vistos pela primeira vez e isso evidencia as diferenças que havia entre jovens pobres e
27

ricos. Na Inglaterra a forma que encontraram para controlar a juventude rica foi o
militarismo. Os jovens eram colocados em escolas públicas que cuidavam da sua
educação como num exército. E aqueles que não queriam se enquadrar eram vistos
como decadentes. Esses jovens eram contra o capitalismo. Eram eles, artistas,
intelectuais, boêmios. Os pobres também estavam fora das escolas militares, pois elas
eram caras e mesmo o exército só era oferecido para quem pertencia a uma família de
posses. A juventude era o principal alvo dos nacionalistas que queriam a qualquer custo
mantê-los sob controle. Eles chegaram até a mandar alguns da classe média morar nos
bairros pobres para ensinar como se comportar e viver. Era preciso purificar a raça
(SAVAGE, 2009).
Nessa mesma época dois importantes artistas estavam atuando na Europa.
Rimbaud e Oscar Wilde. Os dois eram jovens que escandalizaram a sociedade européia
com seu comportamento fora dos padrões. O primeiro com suas poesias e a maneira
como se vestia e debochava de tudo que a sociedade impunha. O segundo por ser gay e
assumir a sua homossexualidade em público, além de seu romance “O Retrato de
Dorian Gray” onde o autor exalta a juventude eterna ao mesmo tempo em que a
condena. Os dois são condenados pela sociedade e são chamados de “degenerados”
(SAVAGE, 2009).
Nos Estados Unidos e na Europa o alvo na juventude pobre que se fazia
evidenciada diante do cenário de miséria e fome em que vivem e são consideradas como
um grande problema social que precisa ser controlado. Esses jovens do final do século
XIX estavam se organizando em gangues e provocando o pavor nas pessoas que não
conseguem identifica-los e por isso temiam encontrar a qualquer momento com algum
deles. Esses jovens que eram chamados de “delinquentes” estavam na imprensa sendo
taxados de várias maneiras e sendo colocados em evidência através de descrições
físicas, retratos e fotos que colocavam em destaque a sua figura estigmatizada pela
aparência (SAVAGE, 2009).
Em Manhatan, a juventude pobre que estava nas gangues dividiam territórios e
estabeleciam preços de serviços, encenavam peças teatrais e possuíam casas de jogos.
Além do que, ali ocorria uma “permissividade sexual” que apenas era dos homens. As
meninas eram vistas como prostitutas, porém elas também estavam se organizando em
gangues apenas de meninas que também partiam para o combate nas ruas. Esses jovens
viviam em meio à miséria, eram desnutridos e se utilizavam de álcool e outras drogas e
não se submetiam às ordens dos adultos (SAVAGE, 2009).
28

Segundo Savage (2009) Jacob Riis, foi um dos repórteres que fotografou uma
das gangues de Manhatan, chamada “Guardas de Montgomery” em 1890 trazendo assim
à tona os jovens pobres que estavam reunidos em gangues pelas ruas de Nova Iorque. E
assim ele chamou a atenção da sociedade para esses jovens e o problema social que
representavam e que precisa de atenção do governo para ser solucionado. Esse foi o
inicio da relação entre os meios de comunicação e a juventude.
Riis queria fazer com que algo fosse feito por aquela juventude que precisava ser
olhada pelo governo que deveria achar uma solução, pois o número de jovens que eram
presos era grande e torna-los visíveis foi uma maneira de conseguir colocar esses jovens
em pauta. Uma juventude urbana que era invisibilizada e que estava numa situação
oposta a que vivia a juventude de classe média que nascia com seu futuro todo
planejado, os homens para o trabalho e as mulheres para o casamento (SAVAGE,
2009).
Savage (2009) afirma que os Estados Unidos foi o local onde, no final do século
XIX e início do XX, a “delinquência juvenil” se fez mais presente. O aumento
populacional se deu com a vinda das pessoas do campo para a cidade e o crescimento de
imigrantes fez também crescer os problemas sociais e o governo não estava tentando
solucionar. Então, a imprensa através de Riis e Jane Adams, fez com que as atenções se
voltassem para os jovens que eram as maiores vitimas desses problemas. As crianças
pobres, filhas de imigrantes eram abandonadas nas ruas e morriam ou conseguiam
emprego como jornaleiro ou vendedor de flores. As dificuldades econômicas eram
muitas e as pessoas buscavam sobreviver como podiam.
As gangues se organizavam para tomar conta do crime em seu bairro e era nos
diversos clubes da cidade que buscavam os rapazes para se juntar a eles. No inicio de
1890 os Whyos cobravam por seus mais diversos serviços que iam de um soco por dois
dólares ao assassinato. Esses preços eram registrados em uma tabela. As gangues de
Manhatan dividiam o território e além de cobrar por seus serviços também encenavam
peças teatrais e possuíam casas de jogos (SAVAGE, 2009).
Ocorria entre eles também uma permissividade sexual que só era permitida aos
homens, às mulheres só era permitida a prostituição. No entanto, jovens mulheres
também formaram gangues que se originaram de clubes. “Lady Locust, Lady Liberties
of the Fourth Ward, Lady Truck Driver’s Association”, essas são algumas das gangues
de mulheres que combatiam diretamente com a polícia nas ruas de Manhatan. Os jovens
das gangues viviam em meio a miséria, eram desnutridos e utilizavam álcool e outras
29

drogas. E Riis conseguiu passar com suas fotos exatamente o que eles representavam
em suas gangues e do que eles eram capazes para não serem confundidos com inocentes
(SAVAGE, 2009).
Os jovens de rua eram vistos como selvagens que deveriam ser domados. Na
Inglaterra os jovens estavam nas ruas e causavam medo na sociedade, mas nada
parecido com o que havia nos Estados Unidos. Pois, ali havia alguns trabalhadores que
ganhavam bem e conseguiam ter uma vida mais confortável do que a maioria nos
Estados Unidos. Os Scuttlers de Manchester eram uma gangue que foi descrita nos
jornais pela imprensa e até fez moda a partir dos desenhos que foram publicados.
Savage (2009) colocou uma dessas descrições onde mostra a maneira como os Scuttler e
suas namoradas se vestiam(SAVAGE, 2009).

Segundo relatórios da época, o „Scuttler profissional‟ usava „boné de pugilista‟,


calças de „boca larga‟, sapatões com ponteira de metal e bico fino, cintos
pesados e personalizados com desenhos, ressaltados com pinos de metal, que
incluíam serpentes, estrelas e corações perfurados. O „especialista em
meninos‟, Charles Russel, observou que a variante de Manchester usava „um
cachecol branco frouxo‟, os cabelos „bem gomalinados caídos sobre a testa‟,
um boné pontudo um pouco tombado sobre o olho‟ e calças „cortadas - como
as de um marinheiro – com „bocas de sino‟. A namorada dele „em geral usava
sapatões, um xale e uma saia com listas verticais. (SAVAGE, 2009, P. 59)

Esses jovens estavam por várias cidades inglesas. E Savage (2009) afirma que o
tipo de descrição acima foi uma tentativa de ironizar com o estilo jovem. No entanto, as
coisas estavam bem mais complicadas do que a imprensa poderia pensar e esses jovens
estavam matando pessoas inclusive por motivos racistas. Em 1898 a imprensa inventa
uma nova denominação “o hooligan”. O autor diz que não se tem certeza de onde essa
denominação veio, mas ele diz que os próprios jovens das gangues assumiram para si
esse nome e saiam gritando em suas ações que eram a gangue dos hooligans. E a partir
de então a imprensa se preocupou em fazer várias descrições desses jovens, que não
importava a que gangue pertenciam agora eram todos hooligans. E na tentativa de
acabar com esse problema pensaram em mandar todos os jovens pobres para as
colônias, mas essa proposta era inviável. Então, pensaram em fazer com que eles
aprendessem uma profissão onde fosse possível ganhar dinheiro.(SAVAGE,2009)
30

Na França os grupos de jovens delinquentes foram denominados de “Apaches”


pela imprensa francesa. Esse termo também foi criado pela imprensa e também
generalizava todos os jovens que estavam em gangues nas ruas. Savage (2009) afirma
que isso ocorreu no ano de 1900 e Perrot (1988) que foi em 1902. Esses grupos foram
preocupação da imprensa e da policia da mesma maneis que os Scuttler e os Hooligans.
Savage (2009) afirma que as roupas dos apaches era o que os destacava, ele faz a
seguinte descrição,
Era possível que o termo „Apache‟ fosse um jogo de palavras com Paris, a sua
cidade de origem, mas foram as suas roupas extravagantes que deram destaque
aos Apaches. Elas consistiam de um paletó preto com uma camisa colorida por
baixo, às vezes usada com um cachecol foulard. O elemento mais
surpreendente dos seus trajes eram as calças „dor de estômago‟. Eram calças de
feltro de confecção grosseira com relógios de bolso grandes o suficiente para
os valentões amontoá-los, como se todos tivessem graves doenças estomacais.
Todo o conjunto era completado com uma boina, tatuagens e um sarcástico ar
de superioridade burguesa. (SAVAGE, 2009, P. 62)

Essas descrições ajudavam a criar o estereótipo do jovem perigoso e que ameaça


a segurança da sociedade. Segundo Perrot (1988) os Apaches foram um bando de
jovens que estavam nas ruas tomando o espaço da cidade que havia sido retirado de seus
pais. No entanto, as mulheres estavam em menor número e eram cobiçadas pelos
homens que as amavam, protegiam e espancavam. Essa juventude não estava disposta a
repetir o que seus pais haviam sofrido como operários e estavam voltando para as
cidades de onde seus pais foram expulsos. Essa falta de obediência assustava os adultos.
Então, a maioridade foi elevada para os dezoito anos e esses jovens passaram a ser
considerados como incapazes de tomar qualquer decisão. E a lei consegue acabar com
os Apaches.
No ano de 1893, uma feira denominada de Word’s Columbian Exposition foi
montada em Chicago. Ela era uma verdadeira cidade branca e lá havia cinquenta mil
expositores de cinquenta países, foi um evento que deixou a juventude encantada e
inspirou o escritor do livro “O Mágico de Oz”, L. Frank Baum, assim como o seu
ilustrador, W.W. Denslow. Esse livro, assim como a feira mexeu com a imaginação de
crianças e adultos. E nesse período a imagem está em alta e o consumo também, as
pessoas, segundo Savage (2009) são o que consomem (SAVAGE, 2009).
31

A propaganda passa a partir de então a ser muito organizada e forte dentro do


país onde vários produtos de saúde eram oferecido as pessoas que estavam sempre
preocupadas com “saúde e vitalidade”. E a juventude de classe média alta, tanto homens
quanto mulheres, são usados como símbolos da nova ideologia do país onde consumir é
o que importa. As mulheres eram muito importantes nesse processo, pois estavam no
mercado de trabalho e diziam o que deveria ser comprado ou não com sua imagem
sendo usada na divulgação de diversos produtos voltados para o universo que lhes era
reservado o lar. E tudo isso não era uma realidade que fizesse parte da Europa daquele
período, início do século XX (SAVAGE, 2009).
Segundo Savage (2009) a música popular ganhou força no inicio do século XX,
a música negra ganha destaque. E todos eram incentivados a compor. A juventude negra
viu ai a sua primeira chance de fazer algo que os dava alguma esperança de futuro. No
período da feira o ragtime já estava sendo tocado e em 1898 ele “explodiu como uma
loucura nacional”. Ele era, “um tipo de música que unia os ritmos desiguais dos honk
tonks com o pulsar em dois tempos da clássica marcha de John Philip Sousa, ele acabou
incluindo uma dança como estilo de vida (a novidade chamada de cakewalk), moda e
até linguagem.” (p. 72). E essa música contagiou a todos os jovens brancos e negros que
estavam se comportando de uma maneira diferente e que os adultos estavam
estranhando. Pois, a maneira como os jovens reagiam a essa música negra, inclusive os
brancos de classe média era diferente da que havia ocorrido até então. Chicago havia
dobrado em número de pessoas e a miséria e as drogas estavam nas ruas, tudo, segundo
o autor, acobertado pela facilidade de organizar grandes produções que os americanos
tinham (SAVAGE, 2009).
Porém, os problemas existiam e muitas pessoas estavam preocupadas com eles e
como encontrar uma solução para eles. E através de fotografias e textos fizeram suas
denuncias. Foi a partir de então que o governo americano começou a olhar para a
juventude pobre que estava nas fábricas desde a infância e começou a investir em
educação. O psicólogo Stanley Hall dividiu e denominou a fase que ainda não tinha uma
denominação de adolescência, ele não a criou, ela já estava se configurando social e
historicamente, mas seu trabalho foi importante para que o governo americano
começasse a olhar para essa juventude (SAVAGE, 2009).
Esse cientista era a favor do aumento do tempo escolar principalmente para os
meninos. E muitas foram as manifestações nesse sentido tanto na imprensa quanto por
parte dos estudiosos do assunto. Assim, o governo aumenta o tempo escolar e muitos
32

são os jovens que saem das indústrias fugindo das condições de exploração e
humilhação. Porém na corrida por dinheiro os industriais, que o autor chama de
“homens de negócios”, criam uma proposta de escola onde os jovens homens fossem
treinados para o trabalho nas indústrias e as jovens mulheres fossem treinadas para o lar
(SAVAGE, 2009).
No entanto os jovens que antes trabalhavam nas indústrias não viram muito
sentido nessa escola, pois, já estavam estudando para fugir do trabalho forçado das não
queriam receber uma educação para voltar para lá e era isso que esses cursos
profissionalizantes visavam. Então, as ruas eram mais interessantes. E sem nenhum
interesse na escola e sem querer voltar para o trabalho que consideravam desumano, os
jovens foram para as ruas achar uma maneira de ganhar algum dinheiro e conseguir sua
autonomia longe dos controles do governo e dos “homens de negócio” e até mesmo
distante do controle de suas famílias. Pois, nas ruas tinham sua liberdade para andarem
em bandos e fazerem o que bem entendiam (SAVAGE, 2009).
E é nesse cenário que Whyte (2005) faz uma pesquisa com jovens imigrantes
italianos moradores de um dos bairros americanos denominado de Corneville. Ali o
autor chama atenção para a imagem que os jornais faziam daquele espaço, porém ele diz
que é preciso viver ali para perceber que tudo é considerado dentro de uma organização
e sim há pessoas vivendo e fazendo a realidade daquele lugar.
Seu trabalho foi realizado especificamente com jovens e ele pôde conviver com
eles e entender como sua maneira de pensar o mundo se dava. Esses jovens estavam
organizados no bando dos “Norton” que tinha como figura central Doc, o jovem ao
redor do qual a gangue se organizou. Nesse contexto o autor descreve de que maneira se
dar a rotina desses jovens e mostra, como ele mesmo diz, as pessoas que estão
envolvidas nesse processo.
No caso do Brasil é possível perceber esse mesmo tipo de organização juvenil,
mas já em um período histórico mais recente como no caso pesquisado por Xavier
(2000). Ele pesquisou com grupos de jovens da periferia de Belém que se encontravam
organizados em gangues, ou melhor, galeras, pois, nesse caso as pessoas se
denominavam de galeras e o governo através da polícia os denominava de gangues. Ele
consegue através de sua pesquisa mostrar que esses jovens têm rostos e são apenas os
números que a imprensa coloca como dados da violência.
Esses dois exemplos mesmo que distantes no tempo, um na primeira metade do
século XX e o outro na década de 1990, estão muito próximos em suas realidades. Pois,
33

esses jovens conviviam com uma realidade de exclusão e marginalidade, que os autores
aqui citados criticam e mostram que apenas tenta encobrir um fato que precisava de
respostas positivas e não de mais mortes e repressão policial. E foi enquanto a juventude
pobre, do final do século XIX e início do XX, passava por esses acontecimentos que os
Estados Unidos estão buscando estratégias para conseguir conquistar os jovens de classe
média para se tornarem consumidores e cada vez mais voltados para seu próprio mundo.
Mundo esse separado do mundo dos adultos onde não cabe nenhuma responsabilidade a
não ser com o fato de ser jovem.
E já na década de 1940 a juventude inglesa estava sendo fortemente influenciada
pela americana através do cinema, das músicas, das revistas. Nessa época os jovens
estavam com excesso de ocupações, ao contrário do que ocorria em períodos anteriores,
eles trabalhavam fora e no caso das mulheres dentro de casa também. Mas em 1943 os
soldados americanos chegaram a Inglaterra e a sua presença naquele país representou
uma novidade. Porém, eles não encontraram ali o que pensaram achar, uma segunda
pátria, mas sim um país estrangeiro com outra cultura e mesmo uma linguagem
diferente da sua (SAVAGE, 2009).
Segundo Savage (2009) no período entre 1943 e 1945 os Estados Unidos
conseguiu americanizar totalmente a juventude britânica. A consequência para as
mulheres entre 19 e 23 anos foi a gravidez, um grande número de jovens que ficaram
grávidas e solteiras. Porém, o autor chama a atenção para o fato de que o tratamento
com essas mulheres mudou e as crianças receberam apoio. E nessa influência americana
o consumo foi muito importante. Pois, com os jovens soldados levaram consigo alguns
produtos que rapidamente se espalharam entre os britânicos e que se tornaram comuns.
Nesse mesmo período as jovens americanas estavam gritando, beijando fotos de
Frank Sinatra, seus shows ficavam superlotados, elas passavam o dia todo assistindo o
show repetidas vezes e se recusando a sair do local, o Paramount Theatre de Nova York.
E Sinatra já era casado, tinha uma filha e já tinha 29 anos em 1944, no entanto, o autor
diz que ele se identificava com os jovens e falava de dentro do mundo dos jovens e
distante do mundo dos adultos e ele ainda sofria as críticas por ter sido rejeitado pelo
exercito americano. E essa imagem que o cantor representava não agradava em nada os
GIs (soldados) que haviam voltado da Guerra e que não despertavam o interesse das
adolescentes. Eles não encontraram em sua volta o mesmo país de sua partida
(SAVAGE, 2009).
34

E as mulheres eram a maioria nos Estados Unidos, pois sete milhões de jovens
entre 18 e 30 anos haviam sido levados para a Guerra e essas jovens entre 14 e 18 anos
que ficaram estavam trabalhando e consumindo. E uma delinquência juvenil foi
apontada não como um problema, mas como vítimas de uma situação. Essa juventude
queria trabalhar e fazer algo de útil. E então clubes foram criados para que eles se
divertissem. O governo e a justiça achavam que esses jovens estavam tempo demais “a
deriva” e algo precisava ser feito. E então Teen Canteen, centros onde “em geral tinham
uma jukebox, mesas de pingue-pongue, pista de dança e uma máquina de refrigerantes:
alertada para este potencial de marketing, a Coca-Cola distribuía panfletos ensinando
como abrir um centro” (SAVAGE, 2009).
Uma revista denominada de Seventeen, voltada exclusivamente para as jovens de
escola secundarista. Nessa revista tudo estava ditado como deveria ser o comportamento
dessas meninas. A escola era colocada como um espaço importante que poderia ser
também onde se mostraria os vestidos costurados pelas próprias meninas. O consumo
era incentivado, diziam que as meninas não deveriam aceitar um não como resposta,
mas sim insistir até que seus pais comprassem tudo o que queriam. Essa revista
conseguiu o seu objetivo. E o termo Teenager estava forjado, o mundo dos jovens
americanos estava definido. Nesse mundo os adultos não tinham vez nem voz, eles
tinham seus próprios desejos e faziam o que queriam para satisfazê-los. (SAVAGE,
2009)
E é a partir desse contexto que Canevacci (2005) vai falar a respeito dos
teenager. O que dá origem a esses jovens como uma categoria são três elementos, “ a
escola de massa, a mídia, a metrópole”, esses eixos se cruzaram e construíram essa
juventude. E nesse período com essa categoria firmada se tem a configuração da
contracultura e da subcultura que o autor acentua como importante dentro do processo
para se entender os grupos juvenis. E durante os anos de 1950 o que fazia com que se
passasse para o mundo dos adultos era o trabalho assalariado, esse era um caminho sem
volta, a partir do momento em que se estava no mundo do trabalho automaticamente se
estava no mundo do adulto.
E essa juventude vivenciou uma realidade do pós-guerra querendo uma outra e
se impondo como donos de sua própria vida. Esses jovens estão espalhados por todo o
mundo ocidental e estão dizendo o que pensam através das mais diversas manifestações
culturais e de rebeldia, organização e pensamento. E muitas questões foram rompidas
35

nesse cenário onde ser jovem não é mais uma questão de faixa etária, mas sim uma
questão de identidade (Canevacci, 2005).
Canevacci (2005) nos chama a atenção para essas juventudes que estão
espalhadas nas ruas das Metrópoles e que estão criando novas formas de vivenciar o
mundo diante das novas realidades encontradas a partir da década de 1950 e que não
estão ligadas ao mundo dos adultos. Esses jovens estão reunidos em coletivos, tem na
música um meio importante para dizer o que pensam, usam seu visual para se opor ao
que os adultos ditam como sendo o certo. Assim instalaram a contracultura e a
subcultura. Mas, é importante saber que essas duas formas de falar da cultura juvenil
vieram mudando no tempo. O autor afirma que foi ai que o que entendemos por
juventudes hoje começou. O jovem hoje não tem mais um limite de idade, esse jovem
que está aqui presente diz quando não quer mais ser jovem, isso não é mais uma coisa
coletiva, mas individual.
E ainda dentro do contexto dos anos de 1950, o documentário “A Inspiração”
traz a história da Beat Generation. Allen Ginsberg, Willian Burroughs, Jack Kerouac,
Lawrence Ferlinghetti e muitos outros jovens faziam parte desse movimento que
conseguiu se destacar pela não aceitação do mundo do consumo imposta pela sociedade
américa a juventude. Segundo o poeta Amiri Baraka, Beat Generation é, “A chamada
Geração Beat era um bando de pessoas de diversas nacionalidade que concluíram que a
sociedade não prestava.” (frase no documentário “A Inspiração 1”). Kerouac foi quem
inventou essa denominação para o seu movimento, numa entrevista para a televisão nos
anos de 1950 mostrada no documentário Kerouac afirma o seguinte,

-Sim, ouvi dois velhos no Sul, negros, dizerem „beat‟


- No sentido de batidos?
- Sim, pobres.

Ed Sanders afirma o seguinte,


Beat, você tem a batida do bebop, então tem noção do tempo. E há o aspecto
católico de beatitude, do que é sagrado, santo. (Documentário “A Inspiração”,
Disponível em: Mauro Wermelinger, http://www.youtube.com/watch?v=Ik-

1
YAMAGATA, Hiro. A inspiração. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Ik-4B2_QdsU.
Acessado em: 02-05-2013
36

4B2_QdsU&list=UUQxFNnMcGvPvGHXB5edCyDQ&index=7, acesso em:


02/05/2013)

Esses jovens com suas viajaram pelas estradas dos Estados Unidos durante
muitos anos e influenciaram o comportamento de muitos jovens. Eram poetas e ousaram
também aí mudando a maneira como se escrevia. Tudo teve inicio quando Jack
Kerouac, que era um jogador de futebol em Massachusets e era de classe operária,
conheceu Allen Ginsberg e William Burroughs ainda na década de 1940 e a partir de
então começaram a falar em literatura, escrever, usar drogas e mudar a literatura e muito
do comportamento que ficará visível nos anos de 1960/70 com os hippies.
Os jovens do século XXI vivenciam todas essas influências e ainda são muito
influenciados na sua maneira de fazer arte e de se envolverem em coletivos, em
movimentos culturais e políticos diversos, vivenciam de novas e velhas maneiras as
coisas que descobrem e que chegam até eles como sendo uma novidade ou mesmo
como sendo algo histórico e inesquecível, que mesmo nunca tendo vivenciado sentem
muita nostalgia. Em Belém um exemplo desses coletivos é o “Marginalia” um coletivo
que atua dentro da cidade com música, produção de vídeos e poesias, organizando
atividades e um espaço cultural denominado “Qasa Utopia”. Esse coletivo tem na
Geração Beat um grande referencial vivenciando a nostalgia de algo que não fez parte
de suas vidas.
Canevacci (2005) fala a respeito das contraculturas e das subculturas e diz que
elas acabaram, pois não faz mais sentido o jovem se organizar em uma contracultura por
não existir uma politica homogeneizante para ele ser contra. Juventude não é um
conceito que tem a ver com faixa etária. Pelo contrário, ser jovem significa uma posição
ocupada dentro da sociedade obedecendo a comportamentos específicos, roupas, falas,
atitudes que são diretamente relacionados ao mundo dessa juventude, um mundo que se
separa do mundo dos adultos a partir do momento em que possui outros interesses,
geralmente interesses contrários aqueles que são colocados pelos adultos. Canevacci
(2005) chama a atenção para o fim da faixa etária, ele diz que ela se dissolveu e perdeu
o sentido dentro da Metrópole onde o ser jovem ganhou novas configurações.
Esses adultos representam a maioria da sociedade, uma sociedade que impõe
regras, que diz como as pessoas devem se vestir, falar, andar, se comportar e que é
contrariada pelos jovens como algo que não condiz com sua ideia do que é certo. E isso
os torna fora do contexto dessa sociedade e ai criam para si outras formas de vivenciar
37

aquilo que estão tendo como realidade, tentando sempre criar uma nova realidade.
Canevacci chama a atenção para esses jovens que não tem mais no trabalho, como era
antes, a porta de entrada para esse mundo dos adultos. Pois tudo pode ser temporário,
inclusive esse trabalho que não lhe impõe mais a responsabilidade de lhe dar com o
mundo dentro da perspectiva esperada pelos adultos, se tornando forçosamente um
adulto.
Segundo Aquino (2009), essa fase de transição era completada com o
casamento, o trabalho e as responsabilidades que finalmente significavam que já se
tinha alcançado a estabilidade e estava dentro dos padrões da sociedade. Para ela a visão
de que a juventude é um problema a ser resolvido permanece por mais que o contexto
seja outro. O jovem ainda é visto como o “estudante” e, portanto, como aquele que não
tem e não pode ter responsabilidades. Pois, ainda está em fase de transição. Partindo
desse ponto Campos (2007) indaga de maneira pertinente:

Seremos todos crianças, adultos ou jovens, quando atravessamos determinado


limiar etário? A partir de que momento passamos de um estado infantil para
um estado juvenil? E deste para o estado adulto? Seremos todos crianças,
adultos ou jovens, quando atravessamos determinado limiar etário? A partir de
que momento passamos de um estado infantil para um estado juvenil? E deste
para o estado adulto? (Campos, 2007, p.104)

O autor afirma que olhar através do viés estatístico e biológico para essas
questões é uma forma reducionista mesmo admitindo que ai está um importante critério
para a marcação do tempo e outras questões que envolvem os seres humanos dentro do
contexto cultural. Porém, ele acentua que a juventude é uma invenção histórica e que é
necessário que o contexto onde esses indivíduos se encontram precisa ser levado em
consideração para que assim se possa entender o que é essa juventude de que se está
querendo tratar. Segundo ele, juventude é um processo que exige determinadas
características que distinguir esses indivíduos de outros para que assim possam ser
colocados dentro desse contexto. Porém um ponto muito importante que ele aponta é o
fato de que nem todas as sociedades têm essa diferenciação na fase entre a infância a
vida adulta.
E é tendo em vista todos esses critérios históricos da teorização da juventude que
Aquino (2009) mostra que o olhar sobre a juventude mudou e o jovem hoje passou a ser
visto como um “ator estratégico do desenvolvimento” e “protagonista juvenil”. Pois,
esses jovens estão inseridos em questões politicas e que buscam por sua melhoria diante
38

do contexto social. A autora também chama atenção para o fato de que durante os anos
de 1980/90 a crise econômica que trouxe o desemprego também trouxe um
prolongamento na juventude do contexto ocidental. Então a juventude ganhou um
tempo maior e novas característica como no caso da maior escolaridade, a necessidade
de continuar sendo dependente econômica da família por seu emprego não conseguir
suprir suas necessidades. Mas, também ocorre como no caso de famílias abastadas em
que os jovens não veem necessidade de partir em busca de independência por um longo
período.
E, segundo Aquino (2009), isso ocorre justamente porque hoje os jovens querem
viver a realidade do ser jovem. E dentro dos critérios para ser um jovem está o fato de
que as diversas formas de culturas juvenis não são consideradas como algo de valor,
mas são denominadas de subculturas, o que é possível justamente por ser esse jovem
dependente de instituições como a família e a escola.(CAMPOS, 2007; AQUINO,
2009), o que os torna muito mais ligados a discussões que envolvam a cultura, a arte e a
convivência em coletivos diversos dentro da realidade urbana.
Campos (2007) afirma que as culturas se universalizaram para o mundo dos
jovens no contexto ocidental e urbano e aquilo que para o adulto possa parecer muito
estranho aos jovens é reconhecido como no caso dos grafite, fanzines, roupas, músicas e
todas as coisas que estão envolvidas nesse mundo juvenil que faz com que seja possível
um imediato reconhecimento por aqueles que li estão se relacionando, que são jovens.
E é isso que, por exemplo Caiafa (1989) mostra ao falar dos punks que na época de sua
pesquisa, inicio dos anos de 1980 estavam começando a se organizar em São Paulo e se
utilizavam de roupas, corte de cabelo moicano, coturno, arrebites nas roupas, cintos e
braceletes e fanzines. Esses elementos são importantes para que se reconheça um
“visual punk” e são os mesmos utilizados pelos punks de outros países como na
Inglaterra e nos Estados Unidos países onde o movimento teve inicio (COSTA, 2000;
O‟HARA, 2005) como uma resposta às dificuldades encontradas por jovens que se
encontravam, assim como os que Caiafa (1989) pesquisou, desempregados e morando
em áreas pobres da cidade, enfrentando dificuldades e resistindo através de uma
manifestação cultural e também social.
Esses jovens punks são postos em oposição aos jovens que Costa (2000)
pesquisou, os “carecas do subúrbio”. Esse movimento é diretamente relacionado aos
nazistas e carregam consigo a marca da revolta contra todos aqueles que estão agindo de
maneira diferente deles. A pesquisa de Costa (2000) se deu no contexto de São Paulo. A
39

autora mostra que punks e carecas estavam juntos no inicio e que apenas mais tarde suas
ideologias se distanciaram muito a ponto de se tornarem inimigos mortais. Os carecas
são posteriores aos punks e alguns deles já haviam participado do Movimento Punk e
por esse motivo existia uma certa proximidade entre eles. Porém, é importante observar
que os carecas também são grupos de jovens e que esse movimento também não é uma
ideologia nacional. Pelo contrário, veio de outros países e se tornou forte no Brasil.
Segundo Costa (2000) os skinheads se originaram na Grã-Bretanha logo após a
copa do mundo de 1966. Antes do surgimento dos skinheads existiam já no inicio da
década de 1950, jovens da classe operária que se reuniam em gangue e que gostavam de
rock-and-roll. Eles eram denominados de teddy-boys. Esses jovens chamaram a atenção
da mídia, do governo e da polícia a partir de seu comportamento que assim como de
outros grupos juvenis já vistos até aqui, fugia do que a sociedade considerava normal. E,
Costa (2000) afirma que foi nesse mesmo período que “se multiplicaram as denúncias,
através da imprensa, do comportamento violento dos „torcedores de futebol‟. E junto
com outras gangues como os rockers e os mods tornavam as partidas de futebol cada
vez mais violenta e foi então que surgiu os skinheads.
Costa (2000) afirma que os skinheads mostravam ter “simpatia com a extrema-
direita, aversão aos imigrantes, principalmente os do norte da África e judeus” (p.26),
faziam a saudação nazista “Heil Hitler”. E para eles o futebol tinha um significado
ligado a violência, virilidade e força. Suas roupas eram iguais as dos operários “calças
com suspensórios, botas e jaquetas, cabeça raspada, procurando passar uma imagem de
jovens que adotavam um estilo „limpo‟ e „não sujo‟.” (p.27), eram violentos, machistas.
Esses jovens eram influenciados pela cultura negra dos imigrantes ao mesmo tempo em
que os rejeitava com seu nacionalismo exacerbado.
Salas (2006) diz que esses imigrantes negros eram jovens jamaicanos que
levaram para a Inglaterra a sua música, o ska, durante a década de 1960. Esses jovens
levam consigo também o estilo rude boy (“rude boys ou meninos redes, que não eram
muito aceitos pela sociedade devido a seus contatos com o baixo mundo, seus
enfrentamentos com a polícia”) que está nas roupas elegantes, nas músicas e na maneira
como se organizam em gangues. E entre outros grupos de jovens já apontados aqui, eles
encontraram os mods. Os mods eram de classe média baixa e havia entre eles uma
preocupação com sua roupa sempre elegante e também eram muito violentos. Eles se
reunião em clubes onde ouviam jazz e ska. Mais tarde ocorreu uma divisão entre os
40

mods e formaram os hard mods se envolvendo cada vez mais com o futebol e a
violência.
Segundo Salas (2006),

“Os mais duros raspavam o crânio com o objetivo de expressar seu objetivo de
expressar seu profundo desprezo contra as cabeleiras do movimento hippie.
Logo aqueles pioneiros começaram a ser denominados hooligans, supporters
ou skinheads.”(p.32)

Nesse mesmo período jovens imigrantes antilhanos estavam chegando a


Inglaterra, esses jovens, assim como os hard mods eram violentos e eram negros e
tinham um outro estilo musical. E segundo Salas (2006) além de todas essas influências
ainda houve as questões da crise econômica vivenciada pela Inglaterra, a violência nas
torcidas de futebol e a reação da policia e da justiça reprimindo as torcidas, tudo isso
influenciou o surgimento dos skinheads na Inglaterra.
Em Belém, também é possível encontrar os punks e durante minha pesquisa
conversei com dois que estão seguindo essa ideologia desde a década de 1990. Aqui
também as pessoas, segundo eles, Zangado e Serjão, andavam e ainda andam de visual.
Ou seja, moicano, arrebite, roupas estilizadas dentro daquilo que os punks usavam tanto
em São Paulo como em outros países. Além do que Zangado e Serjão, que serão melhor
apresentados nos próximos capítulos, chamaram a atenção para o estabelecimento do
contato através de cartas com outros grupos tanto de dentro quanto de fora do país. Os
punks buscavam ter as informações do que estava ocorrendo em outros locais e também
mantendo os outros grupos atualizados do que ocorria em sua cidade. Isso era
importante para as trocas de músicas, de fanzines, de discussões políticas, etc. Esse fato
também é narrado por Caiafa (1989). Um outro ponto importante nesses grupos é o fato
da ligação com a música fato possível de ser observado no mundo todo como acentuam
Caiafa (1989), Costa (2000) e O‟Hara (2005) assim também como Zangado e Serjão.
A música sempre esteve presente como forma de contestação desses coletivos
que em suas letras expõem todas as dificuldades que enfrentam enquanto jovens
moradores de áreas pobres e sem vislumbrar muitas chances de melhoras. Pois, em sua
maioria são desempregados e vivem apenas da pouca renda da família. Então em suas
letras dizem o que pensam do governo, dos patrões e de toda a realidade que enfrentam
com muita dificuldade, (CAIAFA, 1989; COSTA, 2000; O‟HARA, 2005).
41

E dentro desse contexto ainda há o hip hop, que é fruto do mesmo contexto
histórico, ou seja, as guerras, as crises econômicas, o desemprego, no final dos anos de
1960. Ali também estão envolvidos jovens moradores de áreas pobres que buscam
através desse movimento relatar as suas criticas, as suas dificuldades sociais.
(SANTOS, 2007; RECKZIEGEL, 2004). Esse movimento como aqueles também
chegou a Belém e também coincidiu com o momento em que o movimento punk
chegou por aqui. Assim, quando o hip hop se torna um movimento consolidado em
Belém ele estva em contato com os punks. E isso faz com que ocorra um apoio dos
punks nesse momento histórico de consolidação do hip hop em Belém. Pois, esse
processo foi mais tardio que o dos punks. (BORDA, 2008; DJ RG, em conversa;
ZANGADO, em conversa).
O que quero mostrar com isso é que o Brasil e em especial Belém também passa
pelos processos de globalização do ser jovem que Campos (2009) e Canevacci (2005)
apontam em seus trabalhos. E foi assim que o grafite chegou a Belém. Pois, ele também
é uma cultura vinda dos Estados Unidos como um dos elementos do Movimento Hip
Hop (BORDA, 2008) e a partir de então se torna uma arte que ganha características
locais com uma juventude que desde a década de 1990 está cuidando para que ele venha
ganhando outros contornos e conquistando cada vez mais jovens para a sua produção.
A juventude grafiteira de Belém está inserida nesse contexto onde jovens não
são mais aqueles que o biológico determina e nem mesmo o que a sociedade possa vir a
impor como tal. Porém é aquele que vivencia em coletivos juvenis maneiras de estar
presente na sociedade por mais que essa sociedade ainda o olhe como a um estranho. Ou
seja, como alguém que não está dentro dos padrões de normalidade impostos por ela
para que se encontre encaixado na sociedade como alguém aceitável. (CAMPOS, 2007;
BECKER, 2008; CAIAFA, 1989; COSTA, 2000; CANEVACCI, 2005; ARCE, 1999).
Os grafiteiros em Belém estão em diversos grupos organizados para criar e
pensar a arte de rua como algo que pode ser visto a partir de um ponto de vista também
social. No entanto, é importante dizer que não se pode generalizar, pois nem todos estão
com essa preocupação e se preocupam apenas em produzir seu grafite, mas são uma
minoria entre os que pesquisei. Porém, estão em número suficiente para fazer com que o
grafite e a cultura hip hop se destaque dentro da cidade como algo que tem significado
para a juventude que faz parte do meio artístico, não só da cultura hip hop, mas de
outras articulações artísticas também. Eles conseguem trazer a possibilidade de a arte se
fazer presente em um suporte que não exige muitos custos e que deixa seus desenhos
42

visíveis a um número de pessoas bem maior do que a maioria das artes consegue. Pois,
mesmo sendo uma arte efêmera o grafite consegue permanecer visível por muito mais
tempo do que uma performance realizada na rua.
Em sua maioria, a juventude grafiteira é formada por homens e poucas mulheres
são encontradas. O que não foge a regra do que é possível encontrar em outros estudos
mesmo em outros países como acentua Campos (2007) que realizou sua pesquisa em
Portugal com jovens grafiteiros. Essa discussão eu coloco com mais ênfase em capitulo
à frente. Mas, é importante salientar isso aqui para que se esclarecer o porque sempre
estou me referindo aos grafiteiros no masculino e raramente no feminino.
Esses jovens estão aqui organizados em crews. Ou seja, em grupos de
grafiteiros. Esses grupos se comunicam entre si para que possam assim realizar
programações culturais, seus projetos. É importante dizer aqui que essa relação ocorre
não apenas entre os grafiteiros locais, mas também entre esses e jovens de outros
estados por onde ocorrem também outros eventos. O que significa dizer que a rede de
sociabilidade (SIMMEL, 2006) é muito ampla e é cada vez maior com a facilidade de
comunicação que as redes de relacionamento da internet proporcionam. Pois, a partir
delas conseguem manter um contato permanente com outros jovens não apenas
grafiteiros, mas também outros artistas que junto com eles estão envolvidos nesse
processo de construção da arte.
A juventude grafiteira de Belém assim como os punks e outros grupos juvenis da
cidade, se encontram moradores de periferia, a grande maioria está trabalhando de
forma autônoma com o grafite ou a areografia. A areografia, segundo George, um
desses jovens, é uma técnica em que se usa pistola de ar comprimido e um compressor
para realizar desenhos que se diferenciam do grafite por serem em sua maioria
encomendados e por não usarem spray. Pois, a partir do momento em que alguém
contrata um grafiteiro para fazer um desenho ele deixa de ser grafite e segundo os
grafiteiros ele é um desenho feito com a técnica do grafite, mas não é grafite.
É necessário dizer que esses jovens em sua maioria já estão fora da faixa etária
estabelecida pelo Governo brasileiro como sendo a do jovem, que é de 15 a 29 anos.
Segundo Aquino (2009) essa faixa etária é de quinze a vinte e nove anos para que sejam
beneficiados com as politicas públicas realizadas no pais para a juventude. Esse fato é
importante para que se perceba que esses jovens grafiteiros em sua maioria não são
vistos pelo poder público como jovens. Pois, mesmo colocando em seus vários
documentos a partir da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) a necessidade de
43

perceber que essa questão da faixa etária já foi quebrada e que as juventudes são
múltiplas em sua diversidade as politicas públicas não conseguem englobar nem mesmo
aqueles que estão envolvidos em movimentos juvenis realizando o que Aquino (2009)
chama de “protagonismo jovem”.

No entanto, é importante reconhecer que a partir da criação da SNJ os jovens


ganharam uma visibilidade diferenciada. Pois, como Aquino (2009) coloca esses jovens
apenas eram vistos como um problema social que precisava ser solucionado e a
secretaria através de seus projetos, como no caso do “Plano Juventude Viva 2”. Esse
plano é do Governo Federal e visa o número crescente de homicídio entre os jovens
brasileiros, principalmente entre os jovens negros. Ele está sendo implantado em sua
primeira fase em Alagoas com a coordenação da Secretaria Geral da República.
E nesse sentido a juventude grafiteira assim como os jovens envolvidos no hip
hop como um todo em Belém estão realizando uma campanha assim como discussões
no sentido de por em destaque essa questão. E essa campanha está sendo realizada
principalmente no facebook, uma rede de relacionamentos amplamente utilizada por
esses jovens. Todos esses aspectos vem a mostrar que a juventude grafiteira consegue
além de se preocupar com a sua arte também estar envolvida com questões sociais
importantes. Principalmente no que diz respeito a juventude negra onde muitos se
enquadram a partir de um processo de identificação cultural.

2
Mais informações a respeito do plano “Juventude Viva” no site
http://www.juventude.gov.br/juventudeviva/o-plano
44

1.2-Pichação e grafite

IMAGEM 1: PICHAÇÃO NO CENTRO DE BELÉM


FOTO:LEILA LEITE MAIO/2012

IMAGEM 2:MURO PICHADO POR VÁRIOS GRUPOS NO


CENTRO DE BELÉM
FOTO: ANDRÉ LEITE JAN/2013
45

IMAGEM 3: PICHAÇÃO EM MURO DE UM BANCO NO


CENTRO DA CIDADE
FOTO: ANDRÉ LEITE JAN/2013

IMAGEM 4: GRAFITES PRÓXIMO A PRAÇA DA


REPÚBLICA NO CENTRO DE BELÉM
FOTO:ANDRÉ LEITE JAN/2013
46

IMAGEM 5:GRAFITE EM MURO PRÓXIMO A PRAÇA DA


REPÚBLICA EM BELÉM
FOTO:LEILA LEITE JAN/2013

IMAGEM 6: GRAFITE EM GALERIA DE BELÉM


FOTO:LEILA LEITE

Nas fotos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 acima estão algumas pichações, nas três primeiras,


realizadas em muros no centro de Belém. Nessas pichações é possível observar que
existem diferenças marcantes entre elas, pois cada pichação está ligada a algum grupo
de pichadores e simbolizam mensagens que apenas esses grupos conseguem decifrar. As
três últimas fotos são de grafite também no centro da cidade e são ou de grafiteiros
47

individuais ou de crews que se reuniram para grafitar algum muro, como o que ocorre
com um muro que fica localizado próximo à Praça da República. Esse muro tem seus
grafites constantemente renovados pela Cosp Tinta Crew. Mas, é preciso que se discuta
o que vem a ser pichação e o que vem a ser grafite e onde eles se encontram e se
separam, por esse motivo aqui trago essa discussão.
Na busca de entender o que significa grafite, o que significava pichação e o que
significava arte para as pessoas com quem eu estava pesquisando não tive escapatória se
não perguntar diretamente: o que é grafite para você? O que é pichação para você? O
que é arte para você? E sempre antes da resposta um longo silêncio e um olhar para
cima e para os lados. Os grafiteiros respondiam às vezes de maneira prolongada e às
vezes de maneira muito resumida e sempre fazendo uma relação entre as três coisas.
Porém isso não significa que foi fácil obter essas respostas deles, pois essas questões
são muito polêmicas mesmo entre eles. Os não grafiteiros titubeavam ainda mais e
quase sempre diziam “mas eu nem sou grafiteiro”. Mas, no final todos tinham respostas.
Para o Governo Federal, essas questões também são muito polêmicas e foi
pesquisando esse ponto de vista que descobri que não são apenas os grafiteiros e os que
estão ao seu redor que estão preocupados com esse assunto. Pelo contrário, esse tema
faz parte da lei de crimes ambientais. E lá diz o seguinte.

Art.65.Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:


(Redação dada pela Lei nº 12.408, de 2011)
§1º Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu
valor artístico, arqueológico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de
detenção e multa.
§2º Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de
valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística,
desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou
arrendatário do bem privado e, no caso de bem público com a autorização do
órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas
editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e
conservação do patrimônio histórico e artístico nacional. (incluído pela Lei nº
12.408, de 2011) (disponível em:
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104091/lei-de-crimes-ambientais-lei-
9605-98#art65, acesso em: 20-02-2013)

A partir desse artigo a lei vem estabelecer o que é arte e o que é crime. Porém
ela não esclarece o que é pichação e o que é grafite assim separando um do outro em
seus formatos, pelo contrário. Pichar está relacionado à falta de uma autorização prévia
e grafitar está diretamente ligado a essa autorização. Então, segundo a lei, o que
realmente é grafite e o que realmente é pichação? A lei também proíbe a venda de latas
48

spray para menores de dezoito anos. No entanto, todos os projetos institucionais


elaborados pelos Governo tanto Federal quanto os governos estaduais e municipais
envolvem jovens que estão na faixa etária de 15 a 29 anos. Esse critério de idade não
leva em conta as pesquisas realizadas pelas ciências sociais que mostram que essa
questão etária já não é o mais o relevante para dizer quem é ou não jovem.
Nesse sentido ainda falta muita coisa ser repensada. Mas, o que aqui pretendo
discutir são o grafite, a pichação e a arte a partir do ponto de vista de pesquisadores,
grafiteiros e pessoas que estão diretamente envolvidas nesse meio. Pois, suas visões se
cruzam e se distanciam tornando essa discussão interessante e prolongada a ponto de
não se chegar realmente a uma conclusão, o que torna a arte cada vez mais intrigante e
cheia de questionamentos.
Em Los Angeles, EUA, o grafite também enfrenta vários problemas nesse
sentido e muito se discute a respeito de seu conceito. Seria ele arte ou vandalismo? As
pessoas tacham os grafiteiros de criminosos e acham que devem ser controlados pelo
governo para que aprendam a não sujar uma propriedade que não é sua. Assim, entram
em um embate com os grafiteiros que dizem que sua comunidade deve ter orgulho de
ter suas paredes grafitadas por eles e a sua comunidade que acha que não podem fazer
esse tipo de vandalismo. Mas, segundo Docuyanan (2000) sendo chamado de arte ou de
vandalismo as pessoas estão se referindo a mesma coisa, o grafite e ele chama a atenção
e provoca as discussões em torno de si e de seus produtores. (DOCUYANAN, 2000)
Segundo Daniell (2011), na Inglaterra o grafite também não é visto como arte,
pelo contrário, ele é considerado um crime e o estado gasta milhões na limpeza das
paredes na tentativa de limpar a cidade das marcas dos grafiteiros que tanto incomodam
a sociedade. No entanto, o autor chama a atenção para o fato de que se o grafiteiro for
famoso como no caso de Banksy, as coisas mudam e ele não é tratado da mesma
maneira que qualquer grafiteiro e suas obras são vendidas por milhares de euros. No
entanto essas duas visões são usuais dentro da Inglaterra, sem autorização um desenho
realizado em uma parede é grafite, com autorização é arte, o mesmo ocorre no Brasil,
como mostra a lei colocada acima e com autorização é grafite e sem autorização é
pichação e se configura em um crime passivo de punição.
Kane (2009) fala do stencil ( stencil é um grafite realizado com uma máscara
vazada onde se joga a tinta e o desenho aparece) que observou em sua pesquisa na
Argentina na pós-crise em 2007. Ela afirma que esse stencil não deve ser consisedar o
um crime, mas sim visto como uma forma de protesto que pode ter sido construído por
49

qualquer pessoa, inclusive pelas que estão cansadas de viverem na pobreza. Assim, esse
grafite passa a ser uma maneira de dizer o que se pensa a respeito da situação social e
econômica pela qual o país está passando naquele momento. O stencil ao qual ela se
refere é um rato vestido de paletó e sapatos como se fosse uma pessoa e foi feito em
fontes de água na argentina. Esse grafite lhe chamou a atenção pelo fato de ser uma arte
muito bem elaborada dentro da cidade, mas isso não muda a visão do governo de que o
grafite é algo ilegal também na Argentina.
Nas imagens 7 e 8, abaixo é possível observar um grafite de Gaspar, uma
imagem do folclore paraense que representa uma dançarina de carimbó iniciado e ainda
quase indefinido na primeira foto. Na segunda foto já é possível ver o grafite quase
finalizado e o colorido da roupa da dançarina começa a ficar visível. Essas fotos foram
feitas durante o “I Mutirão de Grafite” no bairro do Tapanã. O grafite para ele tem um
significado que envolve a comunicação e a dedicação dos grafiteiros com ele.

IMGEM7: GRAFITE INICIADO DE GASPAR NO “I MUTIRÃO DE


GRAFITE” NO BAIRRO DO TAPANÃ EM BELÉM
FOTO:LEILA LEITE JAN/2012
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IMAGEM8:GASPAR (DE ÓCULOS ESCURO) GRAFITANDO


NO “I MUTIRÃO DE GRAFITE” NO BAIRRO DO TAPANÃ
EM BELÉM
FOTO:LEILA LEITE JAN/2012

O grafite é,
Cara, comunicação geral, de cara mesmo, estampada, todo tipo de
comunicação pra mim é isso. Um estilo de vida também já. Tem gente que vive
dessa forma só pra isso mesmo e só disso. E esse que é o mundo e tal. Eu num
sei se eu vivo dessa forma. Eu me envolvo com uma pá de coisas, tinha uma pá
de coisa pendente. Mas, to tentando viajar, continuar, acompanhar a galera.
(Gaspar, 28 anos, Mc e grafiteiro, entrevista em: 08-12-2011)

E a pichação,

Pichação pra mim cara, pichação, na verdade acho que é o puro. Puxada. O
primeiro impulso. O primeiro impulso assim, tipo, puxada mesmo, chamada.
Mas ai eu acredito que tipo se tiver adquirindo as informações no decorrer do
tempo ou se quiser ficar só naquilo sei lá uma questão muito particular né.
Mas, pra mim num deixa de ser arte também. Tem gente que diz que é
vandalismo, num sei. (Gaspar, 28 anos, Mc e grafiteiro, entrevista em: 08-12-
2011)

O grafiteiro afirma que a pichação pode ser um momento passageiro que só


depende de querer para deixar ela de lado e mesmo não expressando abertamente é
como se para chegar ao grafite bastasse ter mais informações. E mesmo não dizendo
abertamente que grafite é arte ele afirma que pichação “...pra mim num deixa de ser arte
51

também”. Ou seja, a pichação para ele deve ser vista sempre em comparação com o
grafite como se fosse um processo de “evolução” que da pichação as pessoas passassem
para o grafite.
Para Rogercosptinta,

Grafite pra mim é uma manifestação popular que acaba se tornando uma
manifestação cultural. Através do grafite a gente pode expressar os nossos
sentimentos de formas adversas. Dessas formas mais importantes que o grafite
proporciona que a gente pode se expressar é indo atrás de políticas públicas e
diminuindo a desigualdade social. É agregando valores na cultura periférica.
Então, o grafite realmente, pra mim ele tem um valor muito grande. Eu posso
resumir como amor mesmo. Porque a gente muitas vezes faz o grafite sem ser
por dinheiro ou sem ser por ibope. Muitas das vezes mesmo acontece por amor.
Muitas a gente não recebe nada. Não recebe nenhum recurso. Acaba tirando do
seu próprio bolso pra se expressar na rua dessa forma maravilhosa que é o
grafite. (Rogercosptinta, 25 anos, grafiteiro, conversa em: 25-02-2012)

IMAGEM 9: GRAFITE INICIADO DE ROGERCOSPTINTA


NO “IX MUTIRÃO DE GRAFITE”
FOTO:LEILA LEITE OUT/2010
52

IMAGEM 10: ROGECOSPTINTA NO “VIII MUTIRÃO DE


GRAFITE” NO BAIRRO DO GUAMÁ EM BELÉM
FOTO: LEILA LEITE SET/2012

As imagens 9 e 10, acima são dois grafites de Roger, a primeira é de um


rascunho de grafite sendo iniciado, um recurso usado quase sempre pelos
grafiteiros para que façam o preenchimento depois. Na segunda é um grafite
sendo finalizado, ele já está apenas fazendo os detalhes. Esse segundo grafite foi
realizado em cima de uma propaganda política.
Roger vê no grafite uma possibilidade de trabalhar com questões sociais
e a partir daí diminuir um pouco as desigualdades. No entanto, para que isso seja
possível é preciso que as pessoas briguem por politicas públicas. Na verdade isso
significa correr atrás de investimentos para que o grafite possa ocorrer com mais
facilidade, ou seja com financiamento para a compra de materiais, de
alimentação, de água e até mesmo o pagamento para os grafiteiros que possam
vir a ministrar oficinas ou dentro ou fora dos “Mutirões3”. Rogério em momento
nenhum disse nessa fala que o grafite é uma arte, mas uma “manifestação
cultural” da qual ele fala com verdadeira paixão. Porém é importante perceber
que o sentido de cultura colocado por ele é o que indica popularmente a arte para
a maioria das pessoas.
Já a pichação tem um outro significado,

3
“Mutirão de Grafite” é um projeto da Cosp Tinta Crew que leva o grafite e o Movimento Hip Hop para
crianças e jovens nos bairros da periferia de Belém.
53

Pichação nada mais é do que a manifestação de alguns indivíduos a margem da


sociedade, uma manifestação periférica também. Através da pichação alguns
elementos buscam uma identidade. A pichação é como se fosse um grito de um
individuo excluído da sociedade pra dizer: „Olha, eu tô aqui eu posso. Já que eu
não posso de forma linda, já que eu não posso desfilar, exibir dinheiro, o quê
que eu vou fazer? Eu vou fazer uma pichação em forma de protesto‟. Muitas
vezes, eu, como eu vivo esse movimento também, apesar de ser grafiteiro eu
tiro minhas horas pra pichar. E quando eu picho não é algo só por pichar, vai
um pensamento, vai um conceito antes de pichar. Porque muitas vezes eu num
vou pegar e pichar na casa de uma tiazinha que eu sei que vai passar um
sacrifício pra pintar, pra comprar uma tinta. Não, eu vou pichar nas grandes
casas, nas casas dos barões, dos burgueses que tem dinheiro pra pintar. No
outro dia vou pichar em sedes da nossa prefeitura que deixa muito a falhar, vou
pichar em sedes do governo, se possível na delegacia fazendo assim também a
pichação como uma forma de protesto. (Rogercosptinta, 25 anos, grafiteiro,
entrevista em: 25-02-2012)

Para ele essa é a importância da pichação, o protesto. Pois, os pichadores tem aí


uma maneira de dizer que estão insatisfeitos com a sua condição de “marginalidade” em
que se sentem, pois, não tem condições financeiras de ter o que a sociedade oferece
como símbolo de riqueza, então, usam a pichação para dizer o que pensam. A pichação
assim acaba sendo como um grito para que a sociedade veja que eles existem e tem o
que dizer. Aqui é importante perceber que Roger fala da marginalidade no sentido que
trabalha Becker (2008), ou seja, no sentido em que são excluídos da sociedade e que
não tem oportunidade de se manifestar de uma outra maneira. No entanto, ele se coloca
como um deles e narra as possibilidades desse protesto feito de maneira direta em
prédios institucionais que tornam essa manifestação ainda mais visível. Pois, como é
possível ler no Artigo 65 da Lei N° 12.408 de 2011, citado acima,

Art.65.Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:


(Redação dada pela Lei nº 12.408, de 2011)
§1º Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu
valor artístico, arqueológico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de
detenção e multa.

E isso leva, segundo a lei a pichação para o outro lado da marginalidade,


ou seja, aquele que coloca o pichador na condição de um criminoso. E isso para
54

Roger é o que toca na ferida do governo que, segundo ele, não faz nada de bom
pelo povo e precisa ver esses protestos, como a pichação, de perto.
E do ponto de vista de uma grafiteira importante dentro do cenário de
Belém, pichação é ,
A pichação é, algumas eu considero arte. Depende do conceito de quem tá
fazendo. Pode ser arte e pode não ser arte. Assim, olhando não dá pra ti saber a
diferença. Mas quem conhece, tu olhando dá pra saber pelo traço qual a
intenção daquele pichador. (Cely, 27 anos, grafiteira, entrevista em: 04 de
novembro de 2011)

IMAGEM 11: CELY GRAFITANDO


NA PRAÇA DA REPÚBLICA
FOTO:LEILA LEITE OUT/2012
55

IMAGEM 12:GRAFITE DE CELY


FOTO: LEILA LEITE OUT/2012

A foto acima mostra o grafite sendo realizado em uma folha de compensado.


Pois, foi em um evento no período da campanha para Edmilson Rodrigues para a
prefeitura de Belém na Praça da República. Como não tem nenhum muro onde realizar
o grafite foi preciso colocar alguns compensados para que os grafiteiros realizassem sua
arte e isso é organizado dessa maneira sempre que não tem um muro ou uma parede
onde realizar os grafites. Cely tem uma visão mais distanciada da pichação, pois não é e,
segundo ela, nunca foi pichadora. Então, seu olhar para a pichação é realmente de algo
que se opõe em alguns aspectos ao grafite. Pois, ela afirma que nem toda pichação é arte
ao contrário do que ela afirma a respeito do grafite, que para ela é, porém ela tem uma
maneira muito subjetiva de falar da arte, como quando fala dos traços da pichação,

Grafite é tu chegar no muro e não se preocupar se as pessoas vão gostar ou não


do teu trabalho. O que tu faz é uma satisfação própria, o sentido do artista que
tá ali naquela hora. Tu não tá te preocupando em conceito. Muita gente aqui na
56

UFPA agora diz „ah, tu tem que conceituar teu trabalho‟. Grafite é imagem. Por
mais que a escola não entenda. As pessoas da academia não entendem. Grafite
é imagem não é conceito, não tá preocupado com conceito. Ele não se prende a
padrões.
Grafite é pra tá na rua. Grafite é uma coisa livre. É pra fugir do que essa
sociedade te prende, botar dentro da linha, de padrões. A busca de fugir de
padrões, fugir mesmo disso e deixar a tua marca na cidade. Passar e dizer „olha
o meu grafite ali, tá fazendo parte da cidade‟. Tu é meio excluído. É uma forma
das pessoas estarem te vendo, ser mais visível. (Cely, 27 anos, grafiteira,
entrevista em: 04-11-2011)

Cely é estudante universitária do curso de Artes da UFPA e por isso sua


narrativa passa tanto assim pela academia. Nesse período em que conversamos ela
estava iniciando o curso e sua fala demonstra claramente o choque que sentiu no
confronto do que diz a academia a respeito do grafite e aquilo que ela já estava fazendo
há algum tempo. Pois, ela foi uma das fundadoras, em 2007, de uma das crew’s mais
conhecidas de Belém na atualidade, a Cosp Tinta Crew, de onde mais tarde saiu para
fundar a Ratinhas Crew. E, como ela mesma afirma, o grafite se faz nas ruas e com a
liberdade que esse espaço permite. O grafite realizado nas ruas para Cely é arte, pois se
expressa de maneira imagética e artística. E sua experiência não coincidiu com aquilo
que ela, enquanto estudante, encontrou na universidade e por isso mesmo as criticas que
faz a tentativa da academia de conceituar o que para ela deve ser realizado na prática.

No entanto é importante perceber em sua fala uma definição clara e direta do


que é grafite,
Grafite é pra tá na rua. Grafite é uma coisa livre. É pra fugir do que essa
sociedade te prende, botar dentro da linha, de padrões. A busca de fugir de
padrões, fugir mesmo disso e deixar a tua marca na cidade. Passar e dizer „olha
o meu grafite ali, tá fazendo parte da cidade‟. Tu é meio excluído. É uma forma
das pessoas estarem te vendo, ser mais visível. (Cely, 27 anos, grafiteira,

conversa em: 04-11-2011)

O grafite é rua. Ele é liberdade e ele é a visibilidade daquele que a produz.


Então, enquanto artista Cely pode definir o que é grafite. Mas, na opinião de Cely, a
academia com sua visão fechada não pode querer enclausurar em algum conceito o
57

grafite, a arte que ela produz com tanta paixão e da qual ela fala com tanta paixão. Mas,
ela também tem no grafite uma maneira de protestar contra a invisibilidade que a
sociedade, segundo ela, “te impõe”. E nesse ponto ela chega próximo daquilo que Roger
coloca como a pichação que protesta e deve ser usada para isso mesmo, protestar contra
o governo e suas injustiças. Os dois falam do grafite e da pichação como manifestações
que podem ser a voz daqueles que estão postos a margem, excluídos da sociedade,
outsiders (Becker, 2008), que querem e conseguem fazer seu protesto utilizando o spray
tanto para pichar quanto para grafitar.

IMAGEM 13: DON PERNA E ALGUNS


GRAFITES DE GRAF E ED NA CASA
PRETA
FOTO: LEILA LEITE JAN/2012

E do ponto de vista de alguém que não grafita como Don Perna, o grafite

O grafite é uma manifestação de rua, o grafite é um dos elementos do hip-hop.


O hip-hop pra poder existir não é só a música, ele não é só a dança, ele não é só
o DJ. O hip-hop é um conjunto de elementos. Então, o grafite pra mim, ele é
uma tradução da arte gráfica, é uma tradução da arte, da imagem do hip-hop. E
o grafite pra mim tá muito conectado a rua. Pra mim isso que é grafite, grafite é
rua e hip-hop, ele pertence a um coletivo chamado hip-hop.(Don Perna, 33
anos, Dj, entrevista em: 21-01-2012)
58

Para Don Perna o grafite passa pelo hip hop. É importante que se diga que Don
Perna é Dj, faz parte do Movimento Hip Hop e é um dos coordenadores do “Coletivo
Casa Preta”. E ele acentua a importância do grafite enquanto um dos elementos desse
movimento e enquanto uma arte que é da rua e que precisa dessa rua, o que coincide
com o que afirma Cely. Ou seja, o grafite é rua, precisa da rua para existir. Mas, Don
Perna vai além ao afirmar que o grafite “pertence a um coletivo chamado hip hop”. Ele
atrela de maneira definitiva o grafite ao hip hop, o que não é percebido na fala dos
grafiteiros e o que não foi mostrado em minhas pesquisas em nenhum momento. Pode
acontecer de um grafiteiro não fazer parte do hip hop e não ter nele suas referências.
Mesmo reconhecendo que o grafite é um dos elementos desse movimento, não se
percebe aí uma amarra.
Quanto à pichação,

Pichação eu acho, eu acho não, eu tenho certeza assim, pichação também é


uma manifestação de rua. É uma manifestação de arte. Arte é de acordo como
cada um interpreta, você entendeu. Tem gente que mata nego por ai e acha que
tá fazendo um trabalho pra Deus, né mano. A interpretação de arte fica por
conta da academia ou por conta de quem tá na rua vendo as coisas acontecer. A
pichação tem uma importância na história do grafite como tem importância na
história da contestação através da arte e que ela representa a indignação de
alguém e tal. Cada lugar se adaptou a pichação de uma forma própria, em São
Paulo você vê que a treta por causa da pichação é grande. Pichou por cima do
outro dá morte e tal, né. Cada lugar adaptou de uma forma própria. Mas, eu não
vejo a pichação com maus olhos, eu vejo a pichação como parte de um
processo de amadurecimento. Muitos pichadores se tornaram grafiteiros, ou
seja, então a pichação faz parte de um estágio da arte de rua. E depois um
próximo estágio de evolução seria o grafite. Não discrimino não. Acho que a
rua tá ai e tem tanta porcaria na rua meu que a pichação pode ser só uma
manifestação de indignação. O cara tá mordido com a vida, foi lá e pichou e
fez alguma situação assim. Mas é marginal do mesmo jeito que é o grafite, é
rua. (Don Perna, 33 anos, Dj, entrevista em: 21-01-2012)

Don Perna fala da pichação sempre comparando ao grafite. Para ele a pichação
passa por um processo de evolução. Ela é apenas um “estágio”, que talvez seja
necessário para que se chegue ao grafite. No entanto ele diz que assim como o grafite
ela também é uma arte de rua. Então, ele costura grafite e pichação em sua fala ao
mesmo tempo em que os separa. Pois pichação evolui para grafite ao mesmo tempo em
que ela é o mesmo que o grafite, “arte de rua”. E nesse sentido grafite e pichação talvez
tenham como grande diferencial a ideologia do Movimento Hip Hop, um movimento
59

preocupado com questões amplas como política, arte, problemas sociais e dentro desse
contexto se encontra o grafite.
E é importante o aspecto da violência que ele também aponta como estando
ligado a pichação. Aspecto esse que Xavier (2000) chama a atenção ao falar das
gangues que nos anos de 1990 estavam organizadas em Belém e que se utilizavam da
violência caso sua pichação fosse “queimada”, ou seja, se alguém de outra gangue
fizesse a sua pichação por cima da sua. Esse fato poderia gerar a morte de quem fizesse
a pichação ou de mesmo de outra pessoa do seu grupo ou gangue. Mas, Cely em uma
conversa narrou um fato muito próximo em que foi ameaçada por um pichador que
parou para observar o que ela estava grafitando e mostrou uma arma dizendo que queria
ver se ela passaria por cima de sua pichação. Ou seja, mesmo nos dias atuais, na década
de 2010, a violência ainda é uma constante na realidade de grafiteiros e pichadores.
E assim, grafite e pichação vão sendo separados e misturados conceitualmente
por todos aqueles que estão ao seu redor. Os jovens artistas definem o grafite como arte
e além disso, grafite é arte de rua. Mas, também é uma forma de expressão. É uma
maneira de o artista protestar. E a maioria fala da pichação como sendo um momento
inevitável pelo qual uma pessoa ainda muito sem referencial, sem experiência passa
antes de chegar ao grafite. Porém, todos reconhecem que grafite e pichação estão
interligados e não se dividem no momento em que é preciso conceituar um ou outro.
Assim também os pesquisadores Figueiredo (2004) e Arce (1999), falam do
grafite como uma arte e para eles a única coisa que separa um do outro são as cores
usadas no grafite e que estão ausentes na pichação. Para Duarte (2010), esse conceito é
uma discussão complicada, pois existem muitos pontos ai envolvidos e que precisam ser
analisados com cuidado. Os conceitos ao mesmo tempo em que se aproximam se
separam a começar pela análise que a própria lei estabelece como sendo um ou outro,
grafite ou pichação e ao mesmo tempo não esclarecendo o que é grafite e o que é
pichação.
De certa maneira é o mesmo que os grafiteiros, que em sua maioria também
picham, fazem quando define que grafite e pichação são arte da mesma forma. Porém,
esse mesmo grafiteiro diz que o grafite se difere da pichação por ser algo que tem algum
estudo enquanto que a pichação é algo feito por alguém que ainda está muito perdido.
Ou seja, alguns grafiteiros pensam no pichador como sendo um jovem que ainda não
sabe muito bem o que quer e por se ver dentro de um contexto onde não é visto como
alguém que tem algo a dizer ele busca na pichação a sua maneira de expressar o que
60

pensa e sente, mas sem muita consistência. Pois, o pichador, segundo alguns grafiteiros
como Micheu, afirmam que os pichadores precisam ver que o que estão fazendo está
errado. Eles falam no mesmo sentido que Don Perna, como se o pichador precisasse
deixar a pichação para se tornar um grafiteiro e assim fazer o certo encontrando seu
caminho.
Em minhas pesquisas pude perceber que é possível tentar definir o grafite como
uma arte de rua que teve inicio na década de 1970 nos Estados Unidos dentro do
contexto do Bronx com jovens pobres que estavam na mesma situação de silêncio em
que se encontram os pichadores de Belém. E que é um dos elementos do Movimento
Hip Hop. Ele pode ser produzido, pensado e analisado por quem está fazendo parte das
crews, ou seja, grupos de grafiteiros. Ou por quem não está nesses grupos e sozinho
grafita sua arte. No que diz respeito a pichação tem um histórico muito parecido com o
do grafite até mesmo por ter essa denominação apenas aqui no Brasil.
Pois na verdade, o grafite tem inicio nos Estados Unidos onde grafiteiros como
Taki 183 já realizavam tags, ou seja assinaturas que os tornava visíveis diante da
sociedade que os havia apagado durante todo o processo histórico aqui estudado, ou seja
do final do século XIX ao século XX. Os grafiteiros por assinarem com letras cada vez
maiores e mais chamativas queriam a fama e faziam isso riscando o maior número
possível de trens da cidade de Nova York. (GANZ,2008; DANIELL, 2011). No entanto,
dentro do contexto brasileiro a pichação é diferente do grafite também por está em
muitos momentos ligada a violência das gangues e o grafite está ligado as crew‟s que,
no caso de Belém, não estão ligados a essa característica.
Abaixo discutirei o conceito de arte de rua para os grafiteiros e a utilização da
galeria como espaço de exposição dos grafites e que se contrapõe a rua enquanto espaço
de definição do grafite.

1.3-A galeria e a arte de rua

1.3.1-A galeria

Em 2012 os grafiteiros da Cosp Tinta Crew fizeram uma exposição numa galeria
no centro da cidade. O nome da galeria é “Gotagazkaen” e fica localiza na Rua Ó de
Almeida próximo à Praça da República, área central da cidade. Então, aqui discuto
como se dar essa relação do grafiteiro com esse espaço. Mas, vou antes relatar como foi
61

minha ida até lá. Nesse dia fui com minha amiga Júlia para fazermos algumas fotos dos
campos de nossas pesquisas, que por coincidência alcançam duas categorias geracionais
diferentes, a minha com juventude e a dela com velhos. Como Júlia pesquisa sobre
velhice e gênero na “Vila Bolonha”, então fomos primeiro para lá para fazermos a
pesquisa fotográfica de seu trabalho .
Depois de fotografarmos lá saímos para fotografarmos algumas pichações na
Avenida José Malcher e caminhamos fotografando até a galeria. Ao chegarmos lá
encontramos com uma das responsáveis pela galeria, Diana Figueiredo. Ela afirmou que
a exposição foi uma iniciativa do amigo de Diana, que é fotografo e trabalha com grafite
3D. Ele convidou os grafiteiros da Cosp Tinta Crew que aceitaram fazer a exposição.
Ela ocorreu de março a junho de 2012 e teve o patrocínio da Colorgin, que é uma marca
de tinta spray. Eu fui até lá no dia 24 de maio.

IMAGEM 14: A FRENTE DA GALERIA


GOTAZKAEN
FOTO: LEILA LEITE MAIO/2012

Acima a imagem 14 é da faixada da casa antiga que comporta a galeria. Ela tem
um salão sem divisórias e os grafites estavam espalhados por toda a parte. Eles estavam
nas paredes, nos quadros, no muro do lado de fora, nas latas de spray trabalhadas, nos
móveis, enfim, a galeria se tornou uma imensa obra de arte como é possível observar
nas fotos abaixo. Porém aí cabe uma discussão: Quando o grafite está nas galerias ainda
é grafite, já que o grafite é das ruas, depende da rua para ser grafite? Quando fiz essa
62

pergunta aos grafiteiros percebi que ai, assim como entre os conceitos de grafite e
pichação, existia uma polêmica entre os grafiteiros.

IMAGEM 15:GRAFITE EM EXPOSIÇÃO NA GALERIA “GOTAZKAEN”


FOTO:LEILA LEITE MAIO/2012
63

IMAGEM 16: GRAFITES E LATAS EM EXPOSIÇÃO NA GALERIA


GOTAZKAEN
FOTO:LEILA LEITE MAIO/2012

IMAGEM 17: QUADROS DOS GRAFITEIROS NA EXPOSIÇÃO NA


GALERIA GOTAZKAEN
FOTO: LEILA LEITE MAIO/2012
64

IMAGEM 18: ESPAÇO DA GALERIA TODO GRAFITADO PARA


A EXPOSIÇÃO DE GRAFITE, ESTOUEM PÉ NO LADO DIREITO
DA IMAGEM
FOTO: JULIA SOUZA MAIO:2012

As imagens 15, 16, 17 e 18 acima, mostram a exposição que ocorreu dentro de


uma galeria no centro de Belém denominada “Gotazkaen”. Os grafites para a exposição
foram produzidos nas próprias paredes da galeria e em mesas sofá e também estava
exposto em quadros e outros suportes encontrados dentro da galeria. Ela foi pensada e
organiza junto com a Cosp Tinta Crew e a coordenação da galeria. Os grafiteiros
consideraram positiva a exposição e realizaram a sua divulgação na rede social
facebook. Mas, isso não invalida a discussão em torno da contradição entre galeria e
rua. Pois, talvez o fato de exporem seu trabalho em uma galeria seja o que Williams
(2000) chama de “sinal da arte”. Para o autor o sinal da arte está em determinados
pontos como no caso da galeria, pois ela é imediatamente ligada ao que é arte e ao ouvir
o seu nome “Galeria” todos esperam encontrar ali algo que seja arte. E como o próprio
autor coloca uma arte realizada em uma parede não oferece os sinais necessários para
que de imediato ela seja considerada uma arte por todos é preciso para isso um
momento de observação e de reflexão e ousadia. E talvez seja aí que os grafiteiros
tenham visto na galeria uma importância como espaço onde seus grafite fossem
considerados arte sem que houvesse dúvidas.
65

Então, aqui algumas opiniões,


A partir do ponto que ele passa a ir pra galeria, acredito que por uma parte
continua sendo, porque cultura de rua. Mas ai vai ter o preço, vai ter seu preço
pra pessoa adquirir ele. Você fazendo o grafite na rua já num tem aquele preço
porque você faz por espontânea vontade, então acho que não tem muita
diferença entre a galeria e a rua até porque a galeria é a rua, é isso ai. (Zang, 24
anos, grafiteiro, entrevista em: 23-09-2012)
A galeria é um espaço. Eu me aproprio, o grafite me dá liberdade pra me
apropriar de todo e qualquer espaço, de toda e qualquer superfície, o grafite dá
pra mim essa liberdade de eu pintar tudo e onde quiser. Dependendo de por
quem ele tá sendo feito, acho que o problema não é nem a galeria em si, acho
que é quem que tá fazendo ele. Acho que talvez nem seja um problema. Eu
acho que o grafite é o grafite independente de onde ele tá sendo feito, agora é
por quem é que ele tá sendo feito. Se ele tá sendo feito por alguém que tem um
formato acadêmico que é denominado artista plástico, ele tem que provar
dentro do seguimento dele o que ele é. Se ele tá na galeria feito por alguém da
rua esse alguém da rua tem que atestar que ele é da rua, só a rua pode dizer
quem é quem e só a formação acadêmica vai dizer quem é um artista plástico e
quem é grafiteiro. A rua vai dizer também, entendeu. Não tem como você
entrar numa galeria e dizer eu sou grafiteiro, eu to grafitando dentro da galeria
se você não veio da rua. Então você pode ser um artista plástico desenvolvendo
o grafite dentro de uma galeria ou um artista plástico desenvolvendo um grafite
na rua experimentando uma intervenção urbana como eles costumam dizer
dentro de algumas formas de estudos da arte. Nós somos da rua, nós viemos da
rua, vivemos a rua. Eu acho que o grafite depende de quem tá fazendo ele não é
nem de onde ele tá, acho que é isso. (Ed, 32 anos, grafiteiro, conversa em: 22-
01-2012)
Cara. É a maior polêmica né cara. Grafite tem que ser na rua. Para mim se
torna um grafite porque foi feito com spray. Conforme, se a tua tela foi pintada
com spray pra mim ela é um grafite, só que tá dentro da galeria. Tanto faz
grafite em galeria, grafite na rua, mas primeiro o grafite que eu digo assim tá
na rua, mas quem quiser ficar na galeria num tenho nada contra não entendeu.
Num vou ficar, „ah porque grafite é na rua‟, não deixa o cara, com liberdade
né, cada um vive a sua loucura, eu vivo a minha. (Marcelo Bocão, 39 anos,
grafiteiro, entrevista em: 22-01-2012)

Para todos esses grafiteiros, como podemos ler em suas falas, o grafite é rua. Ed
coloca a discussão que diferencia o mundo acadêmico do mundo da rua, do grafite. Para
ele a academia vai formar artistas plásticos e a rua os grafiteiros e isso é importante para
se entender toda essa discussão. Quanto a galeria o grafite que for realizado lá só pode
ser considerado como grafite caso esse seja produzido por um grafiteiro. Caso contrário,
ele deixa de ser grafite. Pois, é preciso que mesmo estando dentro da galeria ele esteja
relacionado diretamente com a rua. E isso se faz através do seu artista que deve ser um
grafiteiro. O que significa dizer que para ser um grafiteiro é preciso que esse artista
venha das ruas, caso contrário, ele não se configura em um grafite.
66

Então sendo assim, a galeria é um espaço que se opõe ao grafite. Porém, ela é
um espaço utilizado por grafiteiros que a utilizam para expor seus grafites. Isso se
caracteriza em uma contradição. No entanto, eles mesmo em suas falas não conseguem
definir muito bem o que esse espaço significa para eles. Pois, como diz Marcelo Bocão,
é uma “polêmica”. Então ele diz que o grafite tem que ser das ruas. Porém, não faz
diferença se ele está nas ruas ou na galeria.
Ed coloca ainda a “polêmica” da academia. Segundo ele, se o que foi produzido
dentro da galeria for por um artista ligado a academia ali, mesmo que se utilize das
técnicas do grafite, ele não é grafite. Pois, lhe falta a rua para ser considerado um
grafiteiro e sua arte um grafite. Segundo Ed, no máximo o que ele pode ser é um artista
plástico. E a partir do momento em que ele é assim definido pela academia por mais que
ele vá para as ruas não será um grafiteiro. Então, o grafite e o grafiteiro estão
intimamente ligados a rua. Mas, o que define se o que está na academia para Ed é o fato
de quem o produz. Ou seja, ser ou não ser grafite depende se o artista era um grafiteiro
de rua ou um artista plástico ligado a academia. Ao se referir a academia, assim como
Cely, Ed está se referindo a universidade e seus pesquisadores.
Então no caso de grafiteiros que já eram das ruas como Cely e D‟Pádua, ela
como estudante de graduação do curso de artes e ele como mestre em artes, perderam o
seu titulo de grafiteira e grafiteiro ao institucionalizarem seu conhecimento? Até onde a
academia pode influenciar nesse tipo de discussão? Quem pode dizer quem é ou não
grafiteiro? Nesse ponto se abre uma nova discussão que apenas deixo para um próximo
trabalho. Mas, acentuo que isso é importante que se entenda como as discussões podem
fazer pensar o papel de cada um, artista e universidade dentro da própria construção da
arte.
Zang toca no fato de haver uma comercialização da arte dentro da galeria o que
seria completamente diferente do que ocorre nas ruas onde o grafite é produzido sem
que se vise esse ponto econômico. No entanto, ele acentua que não faz muita diferença
se o grafite está na galeria ou não e de certa maneira mistura os dois espaços dizendo
que a rua é a galeria do grafite. Porém, ele chama atenção para a questão da
espontaneidade que para ele as ruas têm. Mas quando o artista passa para dentro da
academia ela é perdida justamente por conta desse processo que a relação econômica do
custo da arte consegue levar dentro desses espaços. Williams (2000) discute esse
momento em que a arte passa a ser negociada através de um patrocinador, segundo ele
67

uma espécie de patrono que mantém uma relação comercial com o artista ainda na
chamada era elisabetana e uma relação que vai se prolongar ao longo dos séculos.
Ainda se tratando de galeria o grafite esteve em janeiro de 2013 dentro de uma
galeria em São Paulo onde estavam envolvidos mais de cinquenta grafiteiros do mundo
todo. Ali, o grafite foi exposto como qualquer outra obra de arte e seu caráter de
marginalidade, que faz parte do grafite e de sua história desde a década de 1960 quando
foi iniciado nos Estados Unidos, ficou esquecido pela mídia. Até mesmo a maneira
como foi mostrado pelo telejornal “Jornal Hoje” da Rede Globo foi diferente do que
geralmente se ver nos telejornais a respeito dos grafiteiros e dos pichadores. Eles são
tratados como criminosos na maior parte do tempo. Esse evento é intitulado “2ª Bienal
Gaffiti Fini Art” e ocorreu no MUBE (Museu Brasileiro da Escultura) em São Paulo
(http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2013/01/bienal-do-grafite-reune-trabalho-de-
50-artistas-de-varios-paises-em-sao-paulo.html acesso em: 14-02-2013).
E ao assistir a entrevista do curador da mostra ao citado jornal mostra que em
seu discurso também está presente a mesma contradição que encontrei no discurso dos
grafiteiros com quem pesquisei ao analisarem o grafite como necessariamente da rua,
mas que pode estar dentro da galeria e continuar ou não sendo grafite dependendo de
quem está produzindo esse grafite.
No próximo item trato da discussão da rua em contraponto com esse espaço da
galeria. De que maneira ela está distante e de que maneira ela está próxima da rua. Além
do que discutirei o que significa essa arte de rua para os grafiteiros através dos conceitos
dos próprios.
68

1.3.2 A rua e a arte: arte de rua

Campos (2009) afirma que o grafite precisa das ruas, precisa da visibilidade para
existir, para ter sentido, é preciso que ele tenha um contato direto com as pessoas e isso
é algo imprescindível. O grafite, segundo o autor está em todas as grandes metrópoles e
faz parte das marcas que aqueles que não são familiarizados passam sem perceber o que
significam.

IMAGEM 19: RUA NO BAIRRO DO TAPANÃ DURANTE O


“I MUTIRÃO DE GRAFITE”
FOTO: LEILA LEITE JAN/2012
69

IMAGEM 20: RUA DOS PRETOS NO BAIRRO DO GUAMÁ


DURANTE O “II MUTIRÃO DE GRAFITE”
FOTO:LEILA LEITE FEV/2012

IMAGEM 21: RUA DURANTE O “V MUTIRÃO DE GRAFITE”


NO BAIRRO DA CIDADE VELHA
FOTO:LEILA LEITE JUN/2012

Nas imagens 19, 20 e 21, acima é possível observar algumas das muitas ruas dos
bairros de Belém por onde o grafite já passou levando seu “Mutirão” desde janeiro de
2012. A primeira mostra a rua onde ocorreu o “I Mutirão de Grafite” e nela é possível
observar que a condição da rua durante uma chuva, mas também podemos observar a
70

sociabilidade dos jovens durante o evento que estava inaugurando o projeto. A próxima
imagem mostra a rua onde ocorreu o “II Mutirão” ela ao contrário da primeira rua já é
asfaltada e os moradores não têm problemas com a lama na rua durante ou após a chuva
e aqui também é possível observar as pessoas conversando, mas nesse caso são os
moradores da rua observando o evento e participando a distância. Na última foto é a
Avenida Almirante Tamandaré no bairro da Cidade Velha durante o “V Mutirão” no
muro os grafiteiros se preparam e preparam o muro para iniciar as pinturas.
O “Mutirão de Grafite” é um projeto da Crew Cosp Tinta que tem como
objetivo levar o grafite e o hip hop aos bairros para fazer com que os jovens e crianças
despertem seu interesse por essa arte. Adiante discutirei com mais detalhes sobre ele.
Esses mutirões ocorrem na maneira comum de se produzir grafite, ou seja, na rua e se
utilizando de spray, paredes e muros, todos com a autorização dos proprietários. E para
os grafiteiros é isso que é grafite.

Existem trabalhos feitos por grafiteiros, quando é encomendado. Não é rua.


Aliás, quando é encomendado não é grafite. Independente de se tá pintando
com lata ou não. A essência do grafite é a rua. Mas é claro que o grafite chegou
a um patamar que as pessoas querem ter o grafite dentro da sua residência.
Muitas vezes no seu comércio geralmente. O artista do grafite ele é um
profissional que trabalha com tudo relacionado a propaganda e geralmente ele
vai, ele encara e é isso. Mas, a essência do grafite é a rua tem que ser a rua
sempre, começou na rua e vai permanecer na rua.(George, 39 anos, grafiteiro,
entrevista em: 08-12-2011)

Essa resposta foi dada quando eu perguntei a George, um dos fundadores da


Crew Cosp Tinta se o grafite existe sem a rua. Ele foi enfático, o grafite sem a rua não
existe. Então, diante dessa e de outras respostas fui pesquisar o que é rua e o que ela
significa. Pois, ele diz que para que um grafite seja grafite ele precisa da rua. Ainda
escutei muitas vezes os grafiteiros afirmarem que não existe grafiteiro sem a rua. Então,
o que é esse espaço tão importante para o grafiteiro e que está em intima relação com
ele e sua arte?
DaMatta (1997; 1997) fala sobre a rua, a casa, o trabalho e o outro mundo.
Segundo ele, no Brasil a rua e a casa ultrapassam o aspecto geográfico. “São modos de
ler, explicar e falar do mundo” (p. 29). A casa é o local onde as pessoas se sentem
seguras, onde está sua família, seus amigos, servidores e agregados. Nesse espaço cada
um tem um valor diferenciado e o tempo é medido de uma maneira diferente ao do
relógio. Esse tempo pode ser medido pela morte de alguém, pelo nascimento ou por
algum outro acontecimento que tenha marcado a família. A casa é um refúgio de todos
71

aqueles que fazem parte de um seleto ciclo de pessoas que ali podem estar sem medo de
dizer o que lhes aflige. No caso brasileiro é o lugar da pessoalidade.
Para o autor, a rua é um lugar onde as pessoas estão em movimento sempre.
“Mas como é o espaço da rua? Bem já sabemos que ela é local de „movimento‟.” Na rua
estão todos aqueles que se misturam e são chamados de massas. Ali se encontram os
bandidos e os vagabundos, as mulheres quando ali estão são vistas como “mulheres da
vida”. Na rua ao contrário do que ocorre na casa não existem „pessoas‟, lá é o lugar do
trabalho, a casa não. Na casa não se fala de trabalho, não se negocia. Isso é algo que
pertence à rua. Ocorre entre esses dois espaços uma separação ao mesmo tempo em que
ocorre um afastamento. Na rua se está exposto a autoridade de quem está representando
a lei e ai se corre o risco de ser tratado como um ninguém. E o autor chama a atenção
para o fato de que ninguém gosta de ser tratado como se não fosse nada.
No caso dos grafiteiros eles afirmam ter nas ruas uma intimidade revelada a
partir de sua arte que segundo eles afirmam precisa da rua para existir como grafite.
Pois, a partir do momento em que se encontram na rua com seu spray eles sentem como
se estivessem dentro do espaço que lhes pertence e ao qual eles também pertencem. E
no momento em que grafitam e assinam o seu nome, deixam a sua marca na cidade e
fazem com que esse anonimato, de uma certa forma desapareça ao mesmo tempo em
que ele permanece. Pois, o grafite, por exemplo do George, na imagem abaixo, é muito
significativo no histórico da criação do artista.
72

IMAGEM 22: GEORGE NO “I MUTIRÃO DE GRAFITE NO


BAIRRO DO TAPANÃ
FOTO:LEILA LEITE JAN/2012

Nesse grafite (imagem 22), é possível observar uma marca que está espalhada
por toda a cidade e que desperta a curiosidade de muitas pessoas, um olho aberto e o
outro fechado. No entanto, apenas quem já o viu grafitando sabe quem realmente ele é e
como é seu rosto ou o que pensa. Esse fato faz com que permaneça no anonimato.
Porém sua assinatura é reconhecida por todos os transeuntes do centro da cidade e isso o
torna identificável como artista e passa a ser identificado no espaço que ocupa como se
fosse sua casa.
Pois DaMatta (1997) acentua que tanto a casa possui aspectos da rua como no
caso das janelas e corredores como a rua possui aspectos de casa como no caso daqueles
que a ocupam e estabelecem limites para o seu uso como no caso das gangues tanto as
trabalhadas por Whyte (2005) em um gueto americano, quanto as pesquisadas por
Xavier (2000) em um bairro periférico de Belém, que se utilizam das ruas como se
fossem suas propriedades e dizem quem pode ou não circular por elas. Os grafiteiros de
uma certa forma fazem isso ao deixar seus grafites nos muros como uma marca, mas
também por manterem com as ruas uma relação de permanência e de criação.
Além do que esses artistas levam para as ruas, ou melhor, seria dizer, tiram das
ruas as sus discussões, as suas duvidas e as suas vivências com relação a sua arte. O
grafite está nas ruas não apenas por estar nas ruas, mas ser das ruas e sem ela não
existir. Ai está uma questão muito importante, pois, para o grafiteiro por mais que
73

alguém se utilize das técnicas do grafite se ele não tiver a relação com a rua, a
experiência da rua ele não vai ser um grafite e nem seu criador um grafiteiro. Existe ai
uma mútua dependência.
Então aqui é preciso que se abra uma outra discussão a respeito do conceito de
arte, pois, afinal estou sempre falando de arte, de grafite e de rua e afirmo que no caso
do grafite tudo se mistura e se torna interligado de maneira a não haver uma maneira de
o grafite ser visto sem a rua, ou seja, ele é uma arte de rua. Assim, o grafiteiro está
ocupando esse espaço que DaMatta (1987) afirma ser uma concepção sócio-cultural
assim como a casa, para seu grafite poder se tornar arte. E é nele que elabora e executa
suas festas, seus projetos e discute seu posicionamento diante do mundo, da sociedade
em que vive e das realidades que encontra.
Então, é importante que aqui entendamos o que é arte, de que maneira essa arte é
vista e analisada do ponto de vista daqueles com quem pesquisei, grafiteiros ou não,
mas que estão envolvidos de alguma maneira com eles e sua rede de sociabilidade.

Arte pra mim, arte, rapa, são os desenhos que a pessoa vai imaginando né. Arte
pra mim, tudo é arte, onde eu olho tudo vira arte. Num é querendo me gabar,
mas o eu olho. As vezes assim eu to no médico, fico olhando pras paredes em
forma de uns desenhos dá vontade de riscar, entendeu. Então, pra mim tudo o
que eu olho vira arte, se eu tivesse mais tempo, mais disponibilidade eu tava
pintando tudo por ai. (Marcelo Bocão, 39 anos, grafiteiro, entrevista em 22 de
janeiro de 2012)
74

IMAGEM 24: MARCELO BOCÃO PENSANDO SEU GRAFITE DURANTE O “V


MUTIRÃO DE GRAFITE”
FOTO: LEILA LEITE JUN/2012

IMAGEM 25: GRAFITE DE MARCELO BOCÃO EM MURO


FOTO:LEILA LEITE JAN/2013

Marcelo Bocão é grafiteiro desde 2000. Ele começou com a pichação e na


imagem 24 é possível observar um momento em que ele está criando o seu grafite que
tem traços bem diferentes dos seus amigos. Ele não cria algo muito realista. Ele mesmo
define seu estilo como surrealista. E na imagem 25 é possível perceber o que ele quer
dizer com surrealista. Seu grafite, segundo ele, transmite aquilo que ele está sentindo.
75

Para ele a arte está em todos os lugares. Qualquer parede é a possibilidade de um


grafite ser realizado. Seu sorriso é permanente ao falar de grafite, de arte, desse
universo que lhe é tão particular, tão intimo. Ele afirma que qualquer coisa pode ser arte
e ele já imagina como ficaria se seu grafite estivesse ali. A arte está diretamente
relacionada a imaginação. Roger tem uma outra opinião que ao mesmo tempo em que
parece se distanciar a de Marcelo se une, como é possível ler em sua fala,

Arte pra mim é uma necessidade. A arte ela surge através da necessidade do ser
humano tanto de conseguir acalantar um desejo físico, como de conseguir
acalantar um desejo interior, um desejo mental, espiritual porque através da
arte a gente pode se expressar, fazer uma arte subjetiva simplesmente pra se
expressar, mas também a gente pode fazer uma arte objetiva com o propósito
de uma melhoria de um bem físico, se eu sou um deficiente físico, eu posso
pegar um monte de pedaço de bicicleta soldar e fazer uma arte com que vai me
proporcionar algo de inovador, eu fiz uma arte, mas ela é usual, casual, vai
servir pro meu dia a dia, eu também posso me expressar de outras formas,
pintando um quadro, fazendo uma costura, fazendo um origami, que já se torna
uma arte um pouco mais subjetiva onde as pessoas acabam buscando uma
terapia, uma forma de relaxamento e uma forma de se expressar também.
(Rogercosptinta, 25 anos, grafiteiro, entrevista em: 25-02-2012)

Pois, ele apresenta uma paixão pela arte muito semelhante à paixão de Marcelo.
Roger é grafiteiro há menos tempo que Marcelo. Roger é grafiteiro desde 2007. Os dois
fazem parte da Cosp Tinta Crew. Conversei com Roger durante o “II Mutirão de
Grafite” que ocorreu no bairro do Guamá, na Rua dos Pretos. Seu grafite vai das letras
estilizadas que a imagem 27, abaixo mostra até uma imagem mais realista como o que
fez no “VIII Mutirão” também no bairro do Guamá. Para ele a arte tem uma dupla
função, ela está relacionada tanto com a subjetividade quanto com a objetividade. Pois,
para ele a arte pode até mesmo ajudar alguém com alguma necessidade especial assim
como pode fazer pensar através de sua subjetividade, ou seja de uma arte mais voltada
para a própria criação artística.
76

IMAGEM 26: ROGERCOSPTINTA PENSANDO SEU GRAFITE NO “IX MUTIRÃO DE


GRAFITE” NO BAIRRO DE FÁTIMA
FOTO:LEILA LEITE OUT/2012

Cely é uma grafiteira que está nas ruas desde 2005 aproximadamente produzindo
sua arte e discutindo qual a melhor maneira de fazer sua arte. Ela já foi da Cosp Tinta
Crew, mas por vários motivos que serão discutidos nos próximos capítulos. Ela saiu e
montou a Ratinhas Crew, uma crew formada apenas por mulheres grafiteiras. Para ela a
arte não tem um conceito fechado e está diretamente ligada ao grafite, ao produzir o
grafite. Ela não aceita que alguém queira fechar o grafite em um conceito e é muito
firma ao afirmar que para ela a arte está ligada a vivência. Sem essa vivência não há
arte. E sua vivência está diretamente relacionada a rua, a relação com outros grafiteiros
e seus coletivos assim como a participação nos eventos, nos projetos e tudo o que
envolva a arte do grafite. Como se apenas quem produzisse arte conseguisse entender o
que ela significa.
Cely tem uma marca em seu grafite que faz com que seja possível identificá-la
nas ruas da cidade assim como os outros grafiteiros e ao mesmo tempo a mantem
anônima, os olhos dos seus desenhos tem o estilo mangá. Essa marca está no grafite que
ela está construindo na imagem 28, abaixo e está espalhada por vários muros da cidade.
77

Olha, é meio complicado falar sobre arte. O meu jeito que eu vejo arte? Arte
falando de grafite não é coisa de ficar botando conceito. Não precisa ter nada
disso, a gente quer liberdade. Ninguém vai ver entender mesmo se conceituar,
põe um conceito ali, a outra pessoa nunca vai ver da mesma forma. Arte é
experiência de vida mesmo. (Cely, 27 anos, grafiteira, entrevista em: 04-11-
2011)

IMAGEM 27: CELY PENSANDO SEU GRAFITE NA PRAÇA DA REPÚBLICA


FOTO:LEILA LEITE OUT/2012

Mas, em minha pesquisa também conversei com outros artistas que não são
grafiteiros, porém que estão dentro da rede de sociabilidade (SIMMEL, 2006) desses
artistas do spray. Esse é o caso do Dj Rg, que faz parte da NRP (Nação de Resistência
Periférica) e “Coletivo Casa Preta”. Ele é Dj há mais de quinze anos e pensa o
Movimento Hip Hop e o seu papel dentro da cidade como a arte que representa e algo
além dela. Isso será melhor discutido nos próximos capítulos.

Ai, tipo, tem vários tipos de expressão de arte, sobre o grafite que é a
entrevista, tem essa forma e várias outras tendências. Tipo a música, fazer arte,
fazer movimentos corporais é arte, eu acho que é infinito. A arte, se tu expor
uma camiseta com talento e tal, é fazer arte, expressão corporal é dividida em
face, membros e corpo, então, tudo é arte. Eu acho que não dá pra definir em
poucas palavras a expressão artística de um povo nem de uma cultura, que vai
até por ai. Cultura, etnia, que ai aquilo dali, essa história vai ser expressada em
arte também já que se o artista for...tiver isso pra interpretar.(Dj Rg, 36 anos,
entrevista em: 22-01-2012)
78

Para Rg a arte não é algo fácil de conceituar, ela está em tudo, no grafite, na
dança, na música. Ele afirma que é impossível falar de uma cultura sem falar de sua
arte. E essa arte está em tudo. Sua resposta coincide com a resposta dos grafiteiros. De
forma resumida é possível dizer que para esses artistas a arte está em tudo e é tudo.
Mas, que tudo é esse?
A arte a partir da década de 1960 ganhou uma nova perspectiva com a pop art e
Andy Warhol, um artista que mudou a maneira de produzir arte a partir do momento
que viu na possibilidade da reprodução em massa uma outra forma de produzir arte.
Então, ele começou a criar visando essa reprodução e utilizou a fotografia pela primeira
vez como uma arte e publicidade se utilizando de vários recursos disponíveis como a
citação, onde ele evidencia algo produzido por outra pessoa e que pode estar na integra
ou apenas em parte (Moutinho, 2000).
Essa “reprodutibilidade técnica” da arte realizada por Andy Warhol foi analisada
por Walter Benjamin. Para ele a Xilogravura, na Idade Média foi a grande responsável
pelo inicio dessa reprodução em massa da arte, mais tarde veio a Litografia, uma técnica
que já no século XIX possibilitou a reprodução e a constante inovação da arte. Porém,
ela foi ultrapassada pela fotografia e colocou no lugar da utilização das mãos para criar
a arte o olho e a sua rapidez para apreender o que está ao seu redor aproximou a arte da
oralidade. E nesse processo de reprodução da arte ela perde o seu “aqui e agora”. A
autenticidade da obra de arte, o seu ineditismo fica perdido a partir da reprodução.
O que é reproduzido é a aura da obra de arte e essa reprodução substitui a sua
“existência única”. As massas querem a cópia, a reprodução cada vez mais perto e as
diferenças entre a cópia e a imagem ficam cada vez mais visível. Segundo Benjamin
(1996), a reprodução da arte lhe retirou o caráter ritual ligado a magia e a religião. E a
arte passou a ser cada vez mais a reprodução da arte feita para ser reproduzida. E foi a
partir dessa reprodutibilidade técnica da arte que Andy Warhol pensou e produziu a sua
arte ganhando destaque internacional e colocando outros artistas como no caso de Jean
Michel Basquiat em destaque.
Jean Michel Basquiat foi um grafiteiro americano que na década de 1980 se
tornou internacionalmente conhecido graças ao trabalho desenvolvido por Andy Warhol
em cima de sua imagem, que de artista de rua se tornou um artista que estava nas
grandes galerias. Quando adolescente ele fugiu de casa várias vezes até que com 17
anos ele fugiu de vez e foi viver nas ruas de Nova Iorque. Ele passou fome, pediu
esmolas, catou dinheiro no chão. Mas, sua assinatura nas paredes da cidade como
79

“Samo” chamou a atenção de muitas pessoas e mesmo sendo anônimo todos sabiam que
ele existia e queriam saber quem ele era. Basquiat conhece Warhol vendendo cartões
postais. Ele saiu das ruas e foi produzir em telas, ganhou fama expondo suas telas e
também por seu comportamento fora dos padrões4.
Basquiat como artista e como grafiteiro não estava envolvido dentro do
Movimento Hip Hop, mas, seu trabalho não deixou de ser grafite mesmo quando foi
para as telas. O documentário mostra que as pessoas que conviveram com ele,
admiraram sua arte e até hoje o tem como referencia, denominam seu trabalho como
uma arte de rua colocada sobre telas. Ele experimentou um contexto na história da arte
diferente do que os grafiteiros do século XXI em Belém vivem. E por mais que esses
artistas estejam próximos a ele como artistas de rua estão distantes no que diz respeito a
fama. Pois, mesmo com a reprodutibilidade técnica reproduzindo o grafite através de
vídeos e fotos que os torna ainda mais multiplicados, os grafiteiros em Belém não
vivenciam uma atmosfera intelectual próxima ao que Basquiat viveu.
Basquiat ficou rico vendendo suas telas, foi reconhecido internacionalmente, um
filme sobre sua vida foi produzido e um documentário. No entanto, é importante
acentuar que assim como os grafiteiros com quem pesquiso ele era jovem, vivia seus
conflitos internos e se entregou as drogas. A fama fez com que entrasse cada vez mais
em uma confusão interior a partir das críticas e isso o levou a um afastamento de Andy
Warhol e cada vez mais as drogas e a morte. Ele morreu com 28 anos.
E a arte e o artista dentro do contexto aqui apresentado veio ganhando novas
formas não apenas na maneira como são produzidas como no caso do grafite, mas
também no o que é produzido. A maneira como esses artista são ou não são vistos pela
sociedade também é fruto desse contexto onde o artista se mostra como alguém
inconformado, questionador e querendo entender o mundo como algo em que ao mesmo
tempo em que se ver inserido está afastado. A partir do momento em que o grafiteiro
questiona a sua própria produção tentando entender se o que faz é ou não é arte isso o
torna crítico também além de produtor. No entanto, é preciso perceber que o grafite por
estar exposto nas ruas fica mais vulnerável as criticas do que qualquer outra arte mesmo
as produzidas dentro do Movimento Hip Hop, pois as outras se expõem por um

4
Documentário Jean Michel Basquiat. The Radiante Child. Disponível em: Ozzilost
http://www.youtube.com/watch?v=z2KJvPLULys&list=UUt9EljtsrODsEnW1sc5ZQw&index=2, acesso
em: 02/05/2012)(nota de rodapé)
80

determinado tempo e se retiram, no entanto, o grafite permanece e mesmo com toda a


sua efemeridade está sendo observado por mais tempo.
E assim como as pessoas não sabiam quem era “Some”, a assinatura de
Basquiat nas ruas embaixo de suas frases polêmica, também não sabem quem são
muitas das assinaturas que estão nos muros de Belém. E isso ajuda os grafiteiros a
manterem um anonimato, não total, pois muitos são conhecidos com suas entrevistas em
telejornais e em jornais impressos, mas mantém uma das características caras para quem
está nas ruas temendo a tudo e a todos. Mas, que mesmo tentando se esconder se põem
em evidência através das imagens que estão nos muros, através dos “Mutirões de
Grafite”, jovens que se deixam fotografar e que assim tornaram possível a realização
dessa pesquisa através de fotos e vídeos. E no próximo capítulo faço uma discussão em
torno do trabalho visual que desenvolve em campo e de que maneira a antropologia
visual contribui para a análise do campo.
81

CAPITULO II- PESQUISANDO COM IMAGENS


Neste capitulo discuto a pesquisa visual que realizei em campo, a maneira como
isso foi realizado e as dificuldades que encontrei ao fazer uso da máquina digital tanto a
fotográfica quanto a do celular para que fizesse as fotografias e os vídeos que me
permitiram conversar com a antropologia visual. Na primeira parte falo a respeito da
fotografia como e porque foram feitas e utilizadas no desenvolvimento do trabalho,
além da forma como a fotografia digital facilitou o acesso das pessoas, inclusive o meu,
nos dias de hoje e fez com que os registros fossem realizados mais facilmente.

Na segunda parte falo do trabalho com vídeo, as dificuldades que encontrei com
a máquina, problemas com o áudio, por exemplo e que só mais tarde percebi, mas que
não impediram a produção de diversos pequenos vídeos que editados resultaram no
vídeo “Lata na mão, grafiteiro na rua, arte na parede” e que está anexado a este capitulo.
Na terceira parte faço uma fotoetnografia onde as fotografias são o texto e devem ser
lidas como tal para um entendimento da pesquisa visual.

2.1- Fotografia

A fotografia faz parte do que Walter Benjamin (1955) chama de “era da


reprodutibilidade técnica”. Foi ela quem possibilitou pela primeira vez que uma obra de
arte fosse reproduzida várias vezes sem que para isso fosse preciso fazer uma cópia
dessa obra de arte. E isso permitiu que um número muito maior de pessoas pudessem
conhecer as obras que estavam nos museus e apenas seus frequentadores conheciam. E é
a fotografia que faz com que um número cada vez maior de observadores possam
conhecer os grafites realizados nas ruas, além de os torna um pouco menos efêmeros do
que eram ao ficar apenas nos muros e paredes.

Os grafiteiros com a facilidade de obter uma câmera digital fotografam seu


trabalho e tem também seu trabalho fotografado por outras pessoas como os amigos e
curiosos ali presentes, mas também por pesquisadores que utilizando da mesma
facilidade de acesso ao equipamento e também dessa “reprodutibilidade técnica”
82

conseguem fazer uma pesquisa visual onde é possível trazer à tona as discussões
necessárias a pesquisa e a sua análise.

Barthes (2009) afirma que a fotografia é algo inclassificável. Pois todas as


tentativas de classificar não dizem nada a respeito da foto, falam apenas do que ela
possa representar, mas não realmente dela, a foto. As classificações a ela aplicadas
podem ser também aplicadas a “outras formas, antigas, de representação” (p.12). Para
ele, a fotografia registra um momento único que nunca mais se repetirá.

Como no caso das fotografias realizadas pelos próprios grafiteiros de seus


trabalhos e publicadas na rede de relacionamentos facebook onde utilizam sua página
pessoal para divulgar sua arte ou seu trabalho comercial como na foto abaixo. Essa foto
foi feita por Graf logo após finalizado. Essa é uma arte que eles não consideram um
grafite porque mesmo tendo sido feita na rua foi um contrato com uma empresa e não
um desenho livre como deve ser o grafite.

IMAGEM 1: TRABALHO COMERCIAL DE DEDEH E


GRAF REALIZADO NO CENTRO DA CIDADE
FONTE: REDE SOCIAL ABR/2012

O tema nessa foto (imagem 1) é a moda, uma preocupação da loja. Esse tema foi
desenvolvido aí por Graf e Dedeh e os dois foram remunerados por isso. Mas, a foto
83

registrou um momento de interação entre as pessoas que estavam passando naquele


momento e o desenho colocado sobre a parede e que naquele momento era uma
novidade já que havia acabado de ser finalizado. Esse momento se tornou único através
dessa foto. Pois, mesmo com a tecnologia digital que torna possível fazer mil fotos em
poucos minutos cada uma continua sendo única. E o mesmo ocorre com a pesquisa
etnográfica onde cada imagem capturada pelo pesquisador é única por registrar um
momento que não se repetirá jamais daquela mesma maneira. E essas fotos etnográficas
são um texto que dizem sobre a pesquisa aquilo que o olho humano não percebeu para
descrever com palavras (Collier Jr., 1973).
Segundo Collier Jr. (1973) a etnografia se utiliza da câmara para realizar seus
trabalhos de maneira mais minuciosa, essas fotos podem substituir o caderno de
anotações e são registros realistas. Essas fotos são documentos que podem ser
organizados, guardados e analisados como tal durante toda a pesquisa e posteriormente
mesmo por outros pesquisadores. No entanto, é preciso saber o que, como, quando e
porque fotografar. Do contrário não se poderá realizar uma analise antropológica desse
material visual. Assim como Samain (1995; 2001), Collier Jr. (1973) também fala a
respeito da dificuldade da antropologia aceitar o uso da fotografia como um registro
documental. Porém, ele cita vários exemplos de pesquisas realizadas com fotos e que
são de qualidade inquestionável já que foram realizadas com objetivos específicos para
as pesquisas.
Collier Jr. (1973) fala da maneira como a fotografia pode aproximar o
pesquisador do pesquisado e de como o fotógrafo pode chamar atenção. Em minha
pesquisa de campo onde sempre estive portando uma máquina fotográfica digital,
percebi que mesmo havendo outras pessoas fotografando os grafiteiros e sua produção
durante os “Mutirões de grafite” quando eu estava fotografando a reação das pessoas era
diferente. Pois, a maioria dos grafiteiros ali estavam cientes de que eu não fotografava
apenas por fazer um registro para postar nas redes sociais na internet, como é comum na
atualidade, mas sim para uma pesquisa. Então, assim como no exemplo usado pelo
autor onde o pesquisador é cobrado por suas fotos, eu também fui. Os grafiteiros,
principalmente um, George, começou a perguntar onde estavam as fotos que eu tanto
fazia dele.
Isso me levou a pensar em como colocar esses grafiteiros a par de minha
pesquisa e como já havia lido Collier Jr. (1973) a respeito dessa relação. Conversei com
a professora Denise Cardoso a respeito de uma possível exposição desse trabalho. Eu
84

pensei em fazer após a conclusão do trabalho, mas a professora achou que não haveria
nenhum problema em fazer antes. Então, assim como o pesquisador de Collier, Jr., levei
minha pesquisa visual a eles, não apenas os grafiteiros, mas uma exposição aberta a
todos e em caráter itinerante. E também obtive respostas nesse processo.
A exposição foi denominada “Efêmero” e ocorreu a primeira vez na “Casa
Preta”. A divulgação foi ampla e realizada na rede social facebook e no contato direto
com as pessoas. Na “Casa Preta” eu e as pessoas presentes na exposição, realizamos
uma roda de conversa onde pude ouvir a opinião das pessoas sobre a minha pesquisa e a
minha presença entre grafiteiros e outros artistas como antropóloga.

IMAGEM 2:NEGRO LAMAR (NA PORTA) E SERGIO NA


EXPOSIÇÃO “EFÊMERO” NA CASA PRETA
FOTO: LEILA LEITE FEV/2013

A imagem 2, acima mostra a exposição no pátio da “Casa Preta” onde ela foi
exposta em varal, como em todos os outros lugares, para que assim facilitasse a retirada
e a exposição em outros espaços como ocorreu na “Qasa Utopia”, um espaço cultural no
centro da cidade e no LAANF (Laboratório de Antropologia Napoleão Figrueiredo-
UFPA). As pessoas começaram a chegar aos poucos e nesse momento já estavam
presentes algumas pessoas que já haviam observado as fotos, comentado o quanto
acharam interessante a iniciativa e gostaram das fotos e de perceber um olhar diferente
sobre os grafiteiros. O retorno na roda de conversa para mim foi muito positivo. As
85

pessoas deixaram clara a confiança que depositam em minha pesquisa e falaram do


diferencial que foi esse retorno. Mas, também consegui perceber a expectativa em torno
de meu trabalho, o que me deixou feliz e apreensiva ao mesmo tempo. Todas essas
características são percebidas por Collier Jr. (1973) que além do mais fala da
necessidade das pessoas saberem que estão sendo fotografadas e permitirem o uso de
sua imagem. Pois, ele chama atenção para o fato de que nem todas as pessoas estão
dispostas a serem fotografadas.

Em minha pesquisa, não tive esse problema de rejeição da fotografia. Talvez


pelo fato de estarem em espaço público e sendo fotografados por muitas pessoas
diferentes, conhecidas e não conhecidas, observados por todos. Mas, também por
quererem ter seus grafites registrados e quanto mais pessoas fazendo isso, melhor. Ou
mesmo porque vivemos num momento em que as pessoas mantêm uma relação mais
íntima com a fotografia, pois todos têm um celular com câmera ou uma câmera digital
onde podem fotografar e filmar a si e a todos ao seu redor. E diferente do que ocorria na
época em que Barthes (2009) falou de sua impaciência para ser fotografo por não poder
ver de imediato o resultado, as pessoas tem isso hoje de pronto e podem tirar quantas
fotos acharem necessárias para mais tarde selecionar as que sejam preferíveis.
No que diz respeito à fotografia como uma narrativa Achutti (1997) defende que
é preciso ter cuidado, pois no texto fotográfico as pessoas têm um amplo caminho para
realizar as suas interpretações. E, mais uma vez aqui é chamada a atenção para o
cuidado que o fotógrafo pesquisador deve ter com aquilo que ele pretende passar com
seu registro fotográfico para as pessoas. O autor diz que é preciso ter certeza daquilo
que está sendo dito para que seja realizado com coerência. Ele trabalha com a
fotoetnografia e afirma que através dela é possível criar narrativas com o devido
envolvimento em campo e o treino do olhar antropológico.
E é levando em conta tudo que aqui está exposto que faço uma fotoetnografia
nesse capítulo buscando uma narrativa visual fotográfica que esclareça o tema e
possibilite uma interpretação ampla aqueles que se ponham a ler essas imagens.
86

2.3-O vídeo etnográfico lata na mão, grafiteiro na rua, arte na parede

A relação entre cinema e antropologia é tão antiga quanto suas histórias. Desde o
seu inicio, ainda no século XIX, que os antropólogos vêm fazendo uso do cinema como
forma de registrar as sociedades que estavam interessados em pesquisar. Segundo
Peixoto (2011) ao realizarem filmes com suas famílias e com seus empregados os
irmãos Lumière já estavam fazendo um registro etnográfico, pois, eram registros do
cotidiano e do comportamento humano. Assim tinha inicio o cinema. E as câmeras
filmadoras ganharam rapidamente o lar das famílias burguesas para o registro familiar.
Peixoto (1999) aponta como primeiro arquivo pessoal para pesquisa o material
recolhido pelo empresário Albert Kahn ainda no inicio do século XX na França, que,
interessado pela ciência, promovia várias maneiras de ajudar no crescimento dos
cientistas através de bolsas de estudo para que os professores das escolas pudessem ter
uma boa formação. Mas, seu arquivo pessoal de fotografias e filmes foi montado
durante um longo período de viagens suas e de seus colaboradores pelo mundo
registrando lugares e eventos que pudessem interessar. Assim, Kahn foi pioneiro no
registro de imagens etnográficas. Os arquivos de Kahn foram os primeiros a constituir
um arquivo pessoal para pesquisa social.
No entanto, não existe entre os pesquisadores um consenso de quando e nem
quem iniciou o uso cientifico do cinema. Mas, os cientistas mais citados como
precursores desse uso na antropologia são Margart Mead e Gegory Bateson (1936-38),
que realizaram um extenso trabalho fílmico e fotográfico em Bali resultando em
"Balinese Character". Eles conseguiram registrar milhares de fotos e filmes. No
entanto, seu trabalho não é unanime entre os antropólogos e muitas criticas foram feitas
(Samain, 1996).
Peixoto (2011) assinala que o custo do material para a produção do filme e a
facilidade de acesso ao material videográfico e do transporte e baixo custo desse, o
vídeo passou a ser utilizado pela maioria dos antropólogos que trabalham com a
imagem em movimento. Reyna (SD) chama atenção para o fato de que o vídeo permite
que o pesquisador e o pesquisado possam voltar as imagens várias vezes para verificar
o que está esquecido ou que passou batido. E falando de seu trabalho com o vídeo em
sua pesquisa Reyna (SD) diz que foi o campo quem decidiu de que maneira seu vídeo
seria realizado.
87

E foram os motivos apontados por Peixoto (2011) que me fizeram optar pelo
vídeo para fazer o registro dos momentos de sociabilidade dos grafiteiros. A
acessibilidade ao vídeo que pode ser realizado até mesmo com um celular. E isso torna
mais viável a sua utilização e também não exige uma formação cinematográfica da
antropóloga. Em campo eu encontrei a dificuldade de estar sempre na rua onde os
eventos ocorrem e com o receio de que fosse abordada por alguém que pudesse levar a
máquina mesmo estando no meio de um evento com tantas pessoas conhecidas. Uma
outra dificuldade era o clima de Belém, uma cidade onde o sol e o calor são
perturbadores e quase nunca tinha uma sombra onde as imagens fossem captadas com
um pouco mais de facilidade. Mas, tudo foi contornado e as possibilidades aproveitadas.
Em campo trabalhei com a realização de vídeos que foram registrados dentro
dos eventos realizados pelos grafiteiros como o “Dia Nacional do Grafite”, “I Mutirão
de Grafite”, “II Mutirão de Grafite”, “V Mutirão de Grafite”, “VIII Mutirão de Grafite”
e “IX Mutirão de Grafite”. Esses eventos ocorreram em bairros diversos de Belém. E os
registros das imagens em movimento foram realizados em máquinas diferentes e com
diversos problemas técnicos como os apontados por Peixoto (2011), Simonard (2011),
Rodrigues (2011), Fonseca (1995), Reyna (SD).
Assim como Reyna (SD) e Rodrigues (2011) fiz meus registros videográficos
sozinha, sendo eu a antropóloga. Todo o resto necessário para a produção dos vídeos,
inclusive a montagem e edição final do vídeo “Lata na mão, grafiteiro na rua, arte na
parede”, que é o resultado final da pesquisa videográfica, ficaram por minha conta. E a
tecnologia vem proporcionando cada vez mais facilidades para que esse tipo de
processo seja possível. No entanto, é importante acentuar que isso não retira da
antropóloga/videasta, como bem coloca Rodrigues (2011) as dificuldades encontradas
em campo.
Em campo iniciei minha pesquisa visual, com fotografias e vídeos ainda na
elaboração do pré-projeto de pesquisa para a seleção de mestrado. O primeiro passo foi
em 2009 quando fiz alguns registros numa exposição de grafite que ocorreu em
instituição pública denominada “Casa da Linguagem”, no bairro de Nazaré, consegui ali
fazer algumas fotos e alguns vídeos inclusive com algumas entrevistas dos grafiteiros
ali presentes que faziam parte da Cosp Tinta Crew e que naquele momento já estavam
começando a se destacar entre as crew’s da cidade. Naquele momento e em muitos
outros utilizei uma câmera fotográfica digital e consegui captar o áudio com certa
qualidade também durante as falas.
88

Em 2010 fiz o registro o “Dia do Grafite” que era comemorado pela primeira
vez com um grande evento em Belém. Ele foi organizado pela Cosp Tinta Crew, que
nesse momento já era a mais visível e maior em número de integrantes. O evento
ocorreu no bairro da Terra Firme e por ser um ambiente aberto e o áudio da câmera
fotográfica que usei não ser muito bom, optei por não registrar nenhuma fala. Mas,
registrei por toda a manhã o que estava acontecendo desde o momento de preparação
dos muros até o momento em que o grafite teve inicio.
Meu vídeo final, “Lata na mão, grafiteiro na rua, arte da parede” tem inicio com
esse evento. Pois, ai se iniciou o momento em que uma crew, a Cosp Tinta Crew no
caso, começou a tomar a frente das atividades realizando seus eventos com o mínimo de
apoio e com os sprays tirados do seu próprio material. Então tomei como inicio de
minha análise esse momento e registrei o máximo que o vídeo me permitiu e no
resultado final decidi deixar o som ambiente por menos qualidade que ele tenha.
Porém, é importante dizer que isso não foi possível em todo o filme. Pois,
quando em 2012 inicie meu campo já dentro do curso de mestrado, e os grafiteiros e sua
rede de sociabilidade iniciaram os “Mutirões de Grafite”, utilizei dois instrumentos para
registro videográfico, o celular e a câmera fotográfica digital e o péssimo áudio do
celular e a falta de áudio na fotográfica, que depois descobri estava com o microfone
queimado, dificultaram bastante o uso do som ambiente. Enfrentei assim um problema
parecido com o que enfrentou Fonseca (1995), que apenas depois de ter realizado um
bom tempo de filmagem percebeu que estava sem áudio.
A aceitação dos grafiteiros e dos demais presentes nos eventos da minha
presença e dos vídeos não foi muito complicada. Pois, assim como a fotografia muitos
ali também estavam fazendo algum vídeo para documentários e com câmeras de vídeo
mais especificas. No meu caso se tornava até difícil saber quando eu estava gravando
vídeo ou fotografando, pois tudo era realizado na mesma máquina, o que facilitou
bastante meu trabalho. O maior obstáculo que encontrei com relação a produção do
vídeo foi no momento em que comecei a pedir para que dessem seu depoimento, nesse
momento alguns se recusaram e pediram para que quem sabe numa outra oportunidade.
Mas, muitos concordaram e consegui depoimentos importantes para a
construção do vídeo e o todo da pesquisa. Porém, apesar de usar um celular com uma
câmera que possuía um bom áudio ainda tive alguns problemas com relação ao som.
Pois, no momento em que estão ocorrendo os eventos um som muito alto está tocando e
muitas pessoas estão circulando e não consegui marcar em outros momentos com eles
89

por uma questão de agenda. Mas, alguns depoimentos foram feitos longe do som dos
eventos e o que impediu um bom som foram outros barulhos externos ao nosso controle.
Mas, o vídeo ficou pronto com todas as dificuldades enfrentadas e está anexado a este
trabalho escrito.
O vídeo tem, no entanto, um alcance de público bem maior do que o texto
escrito e assim é preciso atentar para o que ali está exposto, de que maneira está sendo
colocada a narrativa e como tudo isso pode ser repassado para o público. Esse público,
no caso envolve não apenas o público acadêmico como geralmente ocorre com o texto
escrito, mas também as pessoas todas envolvidas na pesquisa, no caso aqui os
grafiteiros e sua rede, mas também outras pessoas que possam ver o vídeo e fazer suas
observações e suas criticas. (FONSECA, 2005)
O desenvolvimento do trabalho visual como um todo em minha pesquisa se deu
sem que as pessoas presentes nos “Mutirões de Grafite” conseguissem prestar muita
atenção na minha presença. Pois, as ruas onde esses eventos estão ocorrendo ficam
muito movimentadas e com muitas câmeras tanto fotográficas quanto filmadoras
voltadas para os grafiteiros, trançadeiras, B’boys, skatistas, Dj’s, Mc’s e todos os que
estiverem realizando alguma atividade relacionada à arte ali no meio. E foram muitas as
pessoas que observei e fotografei ou gravei em video realizando algum tipo de registro
dizendo que seria para um documentário sobre o grafite em Belém. Os grafiteiros
sempre apostos para alguma eventual entrevista.
Porém, não consegui conversar com essas pessoas para saber realmente o que
estavam fazendo, se alguma pesquisa acadêmica como a minha ou se alguma outra
produção de vídeo. Nem mesmo com os produtores da “Traumas”, uma produtora de
Belém que registra há alguns anos os eventos dos grafiteiros para um documentário, foi
possível essa conversa por uma incompatibilidade de agendas. Mas, eles estão em meu
texto visual assim como tudo o que foi possível registrar dos grafiteiros, grafites e toda
a sua rede de sociabilidade presente naqueles espaços onde o grafite é o foco principal.
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2.3-Fotoetnografia
2.3.1 Pichação nas ruas de Belém
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2.3.2- O grafite nas ruas de Belém


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2.3.3- A juventude grafiteira nos mutirões


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2.3.4-“Colando” com a juventude grafiteira


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2.3.5- Juventude grafiteira fora dos mutirões


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2.3.6- Exposição efêmero


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2.4- Vídeo “Lata na mão, grafiteiro na rua, arte na parede”


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O trabalho com a fotografia e o vídeo torna possível uma maneira de ler a


pesquisa através da imagem. Pois, em todo este trabalho essas imagens foram utilizadas
como um texto que possibilita um maior entendimento da pesquisa através de sua leitura
atenta. Assim, realizei também uma fotoetnografia onde é possível fazer uma leitura da
pesquisa a partir das fotografias sem a presença do texto escrito. E o vídeo etnográfico
que produzi também foi trabalhado na perspectiva da imagem enquanto texto.
No próximo capítulo faço uma etnografia dos espaços de sociabilidade onde a
juventude grafiteira se reúne para planejar seus projetos, principalmente o “Mutirão de
Grafite”, que ocorre mensalmente nos bairros da periferia da cidade e que estão nas
ruas, o espaço privilegiado do grafite como visto no capítulo anterior.
111

CAPITULO III -“E AI, VAI FICAR DE TOCA? COLA COM NÓS!”

O título desse capítulo é uma frase do grafiteiro de Belém que faz parte da Cosp
Tinta Crew, Graf. Ele escreveu esse chamado durante a divulgação do “I Mutirão de
Grafite” de 2013. “Ficar de toca” significa na gíria ficar sem fazer nada, perder uma
oportunidade, então por isso a pergunta, “E ai, vai ficar de toca?” no sentido de “E ai vai
perder essa oportunidade e não participar?”. E “Cola com nós!” na gira significa um
chamamento para que as pessoas se juntem. Pois, o “colar” tem justamente esse sentido
de estar junto. E por isso essa frase cabe como titulo tanto da dissertação quanto desse
capitulo. Pois aqui está a etnografia dos espaços de sociabilidade da juventude
grafiteira.

O “colar” tem uma importância dentro do contexto dessa juventude que está
relacionada em rede igual o que o conceito de sociabilidade tem dentro da teoria
sociológica. Pois, Sociabilidade para Simmel (2006) é o estar juntos, é o estar em
contato com outras pessoas buscando interação com outros individuo que tem a mesma
condição social, os mesmos interesses, as mesmas preocupações e que por isso mesmo
conseguem interagir. E isso é o “colar” também, apenas as pessoas que tem esse
interesse comum “colam” para agir em conjunto, pensar aquilo que lhes interessa a
partir de uma realidade comum. É a partir do “colar” que os coletivos são possíveis e a
organização como o “Mutirão de Grafite” também. É preciso que muitas pessoas
estejam colando para que as coisas estejam acontecendo nas ruas e em todos os espaços
de sociabilidade ou espaços de “colar”.
E esses espaços são: a “Casa Preta”, a “Casa do Grafite” e os “Mutirões de
Grafite”. Assim, discuto aqui o conceito de sociabilidade de Simmel (2006) e a partir
dele busco fazer a analise de como esses espaços são utilizados pela juventude grafiteira
e por sua rede de sociabilidade, de que maneira essa sociabilidade se dá e onde ela
começa que venha a se configurar nos “Mutirões de Grafite”.
112

3.1-“Colar” com a galera

Os espaços de sociabilidade dos grafiteiros são muitos, a “Casa Preta”, a “Casa


do Grafite” e principalmente as ruas. A “Casa Preta” fica localizada no bairro de
Canudos e é o espaço de moradia de alguns integrantes do “Coletivo Casa Preta” e
também o espaço onde são desenvolvidas oficinas, debates e o desenvolvimento de
projetos como o “Mutirão de Grafite” e o “Tambor Firme”, esses são projetos que estão
sendo desenvolvidos pelo coletivo. O primeiro, “Mutirão de Grafite”, que é um projeto
da Cosp Tinta Crew em parceria com o “Coletivo Casa Preta” e que começou a ser
desenvolvido em janeiro de 2012 e continua em 2013. A “Casa do Grafite”, é um
espaço localizado no bairro do Tapanã que está conectada a “Casa Preta” e também e
assim como esta é usado para oficinas, discussões, pesquisas e estudos dos grafiteiros e
de outros artistas. O que essas duas casas têm de diferente é que a “Casa do Grafite” não
é a moradia de ninguém.

IMAGEM 1: DON PERNA OFICINA NO QUINTAL DA CASA PRETA


FOTO:LEILA LEITE JAN/2013
113

IMAGEM 2: “CASA DO GRAFITE”


FOTO: LEILA LEITE JAN/2012

Nas fotos acima é possível perceber o espaço onde ocorrem as oficinas na “Casa
Preta”. Aí ficam guardados os materiais utilizados na construção dos tambores e
também é o local onde as pessoas se reúnem para a realização das oficinas de
construção de tambor. E na segunda foto o espaço da “Casa do Grafite” durante o “I
Mutirão de Grafite”. As pessoas estão aí se escondendo um pouco do forte sol que fazia
pela manhã antes de começar a chover. Adiante estão detalhados esses espaços. No que
diz respeito aos tambores Don Perna diz o seguinte,

Os tambores assim como os livros ou computadores são as nossas armas,


discutimos sobre música negra e ancestralidade a partir deles. É fundamental
que haja tambores no nosso grupo. É nosso símbolo sagrado. (Don Perna,33
anos, Dj, articulador cultural e fabricante de tambor, entrevista em:
06/05/2013)

Como se pode perceber na fala de Don Perna, os tambores são essenciais no


trabalho e mesmo na existência do coletivo “Casa Preta”. E isso se justifica no
envolvimento que tem com a cultura negra e a questão da ancestralidade que atravessa
toda a sua mobilização.
Essas “Casas” são importantes para a rede de sociabilidade da juventude
grafiteira de Belém, pois, aí estão sempre reunidos seja apenas para conversar ou para
pensar e fazer funcionar os projetos. Porém, o local onde os grafiteiros se sentem a
114

vontade e põem a sua arte em prática é a rua. Pois, como foi dito em capítulo anterior, o
grafiteiro tem a rua como local privilegiado para o suporte do grafite, pois, é aí que
estão os muros e paredes e aí que conseguem manter seu nome e o de suas crew‟s em
evidência.

E para que se possa entender o que é essa sociabilidade utilizo aqui o conceito de
Simmel (2006). Para ele sociabilidade é a livre interação entre indivíduos. O que faz
com que as pessoas se socializem são os interesses que existem por trás dessa
aproximação. Ela é a “forma lúdica da sociação” (p.65). Nela os problemas da
sociedade se resolvem. Na sociabilidade não ocorre uma relação formal entre os
indivíduos. O que ela exige é o tato no tratamento com as pessoas. Michel Mafesoli
(2006) também trata da questão da socialização e fala justamente da busca que as
pessoas tem para procurarem por seus iguais para se manter em contato.

Além do mais, a sociabilidade não é formal e dela não devem fazer parte o que
as pessoas possuem de objetivo, ou seja, seu status social, sua formação acadêmica ou
qualquer outra característica que possa vir a tornar esses indivíduos de alguma maneira
superiores entre os outros. A sociabilidade deve ser uma relação de trocas onde as
pessoas devem oferecer umas as outras o máximo de “valores”, ou seja, o máximo de
descontração. Ela também deve ser democrática e por isso deve ocorrer entre pessoas do
mesmo nível social para que assim elas possam conversar entre iguais, pois do contrário
seria impossível (SIMMEL, 2006).

Segundo Simmel (2006) para que a sociabilidade seja possível é preciso que
ocorra também a cortesia. Ou seja, é preciso que os mais fortes se igualem aos mais
fracos e até mesmo o trate como se ele fosse mais forte. Isso possibilita que os dois se
tornem iguais e possam manter uma sociabilidade. A conversa é importante para a
sociabilidade e ela não deve ser séria, deve apenas ter o objetivo da sociabilidade, do
contrário, ela vai acabar se tornando algo da realidade e deixando de ser um momento
de sociabilidade. E essa sociabilidade para os grafiteiros é muito importante desde o
momento em que se reúnem nas casas até o momento em que estão nas ruas pondo em
prática seus projetos onde o grafite é o privilegiado.
115

3.1.1-A Casa Preta

Antes de começar a falar da “Casa Preta”, preciso contar como consegui chegar
até lá naquele sábado ensolarado, (dia 21 de janeiro de 2012), nublado e chuvoso. Toda
a indicação de onde ficava essa casa era a Rua Roso Danin, uma rua que simplesmente
passa pelos bairros da Terra Firme, Canudos e chega ao Guamá, bem longa como se
pode imaginar. Mas a localização exata não tinha nenhuma ideia, estava confiando e ao
mesmo tempo duvidando do meu amigo Rui para que me levasse até lá já que mora
perto de minha casa e faz parte do coletivo. Porém, preferi não arriscar e fui atrás de
informações na internet com outras pessoas e não consegui obter uma resposta
satisfatória nem mesmo do Don Perna, a pessoa com quem estava indo conversar e que
tinha certeza seria muito importante para meu trabalho.

Então, busquei informações com meu irmão que por fazer parte do meio artístico
marginal sempre tem um certo direcionamento dos espaços culturais espalhados pela
cidade. Assim consegui o caminho e ainda com a ajuda da minha mãe consegui ter o
endereço muito bem explicado e ai percebi o quanto sou uma pessoa geograficamente
sem direção. Na dúvida que me corroía sobre meu amigo Rui para o qual já havia
mandado mensagem de texto para o celular, fui a casa dele, ele estava se arrumando e
cuidando dos detalhes para deixar a companheira grávida por alguns minutos.

Ao chegar à casa de Rui combinamos que ele iria de bicicleta e eu de ônibus e


nos encontraríamos na parada de ônibus bem próximo a casa do coletivo, mas a
bicicleta estava com o pneu furado, o que não foi muito bom para ambos diante daquele
sol. Então, sem dinheiro para as passagens, (eu tinha só a minha!), decidimos ir
andando. O espaço não fica muito longe da minha casa, que fica no bairro da Terra
Firme. A Casa Preta ou o Casa Preta fica localizado no bairro de Canudos na rua Roso
Danin, mas bem perto da Terra Firme, dependendo do caminho que se faz apenas uma
rua de distancia.

A caminhada até lá foi bem menos cansativa do que eu poderia esperar.


Conversando sobre coisa nenhuma, Rui e eu fomos bem rápido e sem interrupções.
Mas, ao chegarmos lá, mais ou menos às onze horas da manhã, Don Perna ainda não
tinha chegado de uma “ação” que havia ido fazer fora dali, ou seja ele havia saído para
resolver alguns problemas. O Rui abriu os portões com sua chave e me deu um copo
d‟água e uma cadeira para sentar. E conheci ali uma das moradoras da casa, a Cristina,
116

que, conversando fiquei sabendo que é antropóloga e alemã e está no Pará fazendo parte
de um projeto como assessora de imprensa em um quilombo. Então me apresentaram o
quintal onde fica uma cobertura de lona azul, muito quente e onde funciona a oficina da
casa.

IMAGEM 3: RUI NA BANCADA LOCALIZADA NO PÁTIO


DA CASA PRETA
FOTO: LEILA LEITE JAN/2012

A foto (imagem 3) acima mostra a entrada da “Casa Preta”, aí são desenvolvidos


os projetos envolvendo o software livre. Pois esse é um dos objetivos desenvolvidos
pelo coletivo “Casa Preta”, segundo me informou Don Perna que é um dos
coordenadores do coletivo e mora na casa junto com Negro Lamar e Guinê. Nesse pátio
ocorrem os momentos em que a sociabilidade entre o coletivo e seus amigos fica mais
visível fora da rua, sendo a rua o lugar onde estão os homens, mas não sendo lá um
espaço para se fazer negócios, ou como no caso, projetos (DAMATTA, 1997). Pois ai
se reúnem para ouvir música, beber e colocar a conversa em dia, além de planejarem as
suas ações e fazer com que elas sejam colocadas no papel.

Simmel (2006) chama atenção para o fato de que quando algum grupo se reúne
com seu grupo, clube, associação nem sempre o que vai ocorrer ali são apenas
conversas sobre os assuntos relacionados a suas organizações, mas alguns momentos
em que as pessoas irão conversar pelo simples interesse na conversa. E é isso que ocorre
117

naquele pátio, momentos de descontração, mas que também estão interligados com os
momentos de prazer pela companhia uns dos outros.

E assim, enquanto esperava o Don Perna, do qual já tinha muito ouvido falar e
ao qual já tinha sido apresentada numa roda de carimbó, mas com quem nunca tinha
conversado realmente, aproveitei para fotografar o espaço e os dois integrantes do
espaço que ali se encontravam, Rui e Cristina. E também para conversar com eles a
respeito do funcionamento do espaço e da dinâmica das oficinas, principalmente com a
Cristina que eu ainda não conhecia, pois o Rui já tinha me falado muito de lá.

IMAGEM 4: CRISTINA NO ESPAÇO DA OFICINA NA CASA PRETA


FOTO: LEILA LEITE JAN/2012
118

IMAGEM 5: MATERIAIS USADOS NAS OFICINAS


FOTO:LEILA LEITE JAN/2012

IMAGEM 6:COBERTURA DA OFICINA


FOTO: LEILA LEITE JAN/2012

As fotos acima mostram o espaço onde ocorrem as oficinas de construção de


tambores desenvolvidas pelo “Coletivo Casa Preta” dentro do projeto “Bloco Firme”.
Esse projeto é realizado com o financiamento do projeto é do programa “Território de
Paz-PRONASCI 5”.

5
O PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com cidadania) é desenvolvido pelo Governo
Federal. Ele é voltado para a valorização dos trabalhadores da segurança pública e também para jovens de
119

Os instrumentos de percussão são de Pernambuco, Maranhão e Pará onde o


“Bloco Firme” tem como proposta através da cultura desses três estados
trabalhar um conceito musical chamado de AFROBEAT. Devido a seu
trabalho junto ao Movimento Hip Hop, a proposta é unificar a linguagem
musical e técnica do Hip Hop, a proposta é unificar a linguagem musical e
técnica do Hip Hop; mixando samples, scratch, ritmos e poesia junto com os
tambores de Pernambuco, São Luiz do Maranhão e Pará.” (Disponível em:
http://www.coletivocasapreta.com.br/afro-bloco-firme, acesso em: 01-03-2013)

O texto acima encontrado no site do coletivo diz respeito aos objetivo do


coletivo com o projeto. O bairro da Terra Firme é o local onde esse coletivo procura
está com seus projetos. Porém, a “Casa Preta” não está localizada dentro do bairro,
mesmo estando na fronteira e em alguns momentos se dizendo localizar ali, ela fica no
bairro de Canudos. O bairro da Terra Firme é um dos maiores da periferia de Belém e
considerado pela imprensa como sendo um dos mais perigosos e precários 6.

Cristina não se negou a conversar, mas também não quis fazer uma entrevista
formal com ela por ainda não conhece-la bem e por isso mesmo não consegui as
informações necessárias. Além disso, há o fato de que ela ainda tem um sotaque bem
carregado e mesmo falando bem português é possível se perder em algumas coisa que
ela diz.

Quando Don Perna finalmente chegou veio de carro com um amigo e trouxe
algumas esteiras para usar nas oficinas e na casa. Então nos cumprimentamos, ele
respirou um pouco e nos sentamos no espaço da oficina para conversarmos. Essa
conversa foi produtiva. Ele me deu muitas informações a respeito do movimento negro
no Brasil e de sua rede, além de muitas informações a respeito do Movimento Hip Hop e
sua ligação com o movimento negro também. E durante essa conversa o tempo fechou e
choveu um pouco, mas não demorou muito a passar.

Então, vamos agora a casa realmente. A “Casa Preta”, é uma casa grande com
um pátio grande onde está uma bancada na qual se localiza um computador coletivo.
Bem na chegada encontramos uma grade que encerra toda a casa e é sua maior proteção.

15 a 24 anos que estão vulneráveis a criminalidade. (portalmj.gov.br) Esse programa chegou ao Pará em
2011 e foi nesse ano que o “Coletivo Casa Preta” foi contemplado no edital aberto para ações nos bairros
da Terra Firme e Guamá. O projeto “Bloco Firme” é realizado dentro da Terra Firme. O dinheiro ganho
foi destinado à construção dos instrumentos necessários a oficina.
6
Nas últimas décadas há trabalhos dentro das ciências sociais sobre a Terra Firme, são eles:
SILVA (2001), COSTA, (1999), COUTO (2008), ALVES (2010), ALVES (2006), SILVA (2011).
120

Ao entrarmos encontramos uma cortina preta que provavelmente é usada para esconder
o pátio da visibilidade dos passantes no momento de algumas atividades. No pátio
também encontramos alguns materiais usados nas oficinas e nele é possível acessar a
porta do quarto de Don Perna que também tem uma saída para a cozinha, que é um
espaço pequeno e que serve a todos os moradores. Há ainda junto ao espaço da cozinha
um pequeno corredor que dá acesso a dois outros quartos onde dormem outros
integrantes do coletivo. A cozinha tem também uma porta que permite que saia para o
quintal onde fica a oficina e a coberta de lona azul, um espaço que tem muitos materiais
guardados e onde ocorreria naquele dia uma oficina de construção de tambor.

Entrevistando o Rui descobri que a “Casa Preta” é uma casa cultural que está se
tornando importante no meio artístico marginal que se localiza principalmente nas
periferias da cidade e estão ligados aos movimentos Hip Hop e negro dentro da cidade
de Belém. Nesse espaço moram alguns militantes desses movimentos que costumam dar
oficinas diversas a respeito de tecnologia, dança afro, fabricação de tambor e pessoas
como a Cristina que trabalham com o Quilombo. Essas pessoas também ministram
palestras sobre esses temas e realizam todas essas atividades fora da casa em
instituições do governo como o “Instituto de Artes do Pará” (IAP) através de projetos
que são financiados por essas instituições.

Don Perna me contou como teve a ideia de montar a “Casa Preta” e porque,

“Casa Preta”, né, bom essa história deu querer, querer não, me mudar pra uma
casa de cultura7 quando eu tinha quinze anos, isso mexeu com a minha cabeça
pro resto da minha vida, faz 17 anos que eu to nessa pegada ai. Eu não
consegui sair disso ai, eu trabalho com isso desde os quinze. Eu sai de casa e
falei: „mãe eu não vou fazer universidade, eu vou entrar numa casa de cultura e
vou aprender a tocar tambor‟. Ela disse „ah meu filho num dou uma semana pra
tu voltar‟, demorou oito anos nega. Eu voltei, mas não pra morar, pra morar
com a minha mãe eu fui morar depois de oito anos. Eu passei por uma escola,
uma universidade mesmo. E ai quando eu vim morar aqui na Amazônia, aqui
em Belém, eu falei: „po vou montar uma casa de cultura aqui‟. Não aqui, mas
eu vim pensando nessas coisas assim em transformar o lugar onde eu moro, eu
morava em Campinas e participava da Tainã, essa casa de cultura, então ajudei
a Tainã a ser o que ela é hoje, eu participei eu dei o meu axé lá. Aqui em
Belém eu considero que eu também to dando meu axé aqui, que é participar da
construção, de uma construção que seja bacana que seja coletiva, que
sobretudo pela minha ideologia. A gente é pan africanista que pensa na questão
do negro dentro do Pará, não só do Pará, mas dentro do Brasil, de você poder
se enxergar como negro dentro do Brasil.
Eu tinha uns amigos aqui que eu acabei trazendo pra cá alguns parceiros que
fizeram parte desse processo com a gente, que vieram pra cá em função de

7
Don Perna morou durante alguns anos na adolescência na “Casa de Cultura Tainã” localizada em
Campinas, São Paulo.
121

outros projetos e aqui me bati com um cara chamado Guine, que já é do


movimento negro que já tem ai pelo menos uns quinze quase vinte anos de
história aqui dentro da cidade, que trabalhava com movimento negro, que é
professor de dança afro, que nossa aproximação possibilitou dele tá mexendo
com tecnologia, po é o cara que monta rádio, é um negro que o nosso encontro
possibilitou vários avanços assim porque a gente acredita nas mesmas coisas. E
a gente começou a montar. Então o “Casa Preta” começou acontecer através de
ações, a gente já fez algumas festas, já fizemos alguns eventos, participamos de
alguns debates, algumas discussões, a gente é convidado pra alguns processos
sobre tecnologia, sobre educação, sobre africanidade. Então, hoje o “Casa
Preta” a gente conseguiu, a gente tá no processo agora de conseguir o nosso
cnpj, agora a gente vai ser uma, a principio era “Coletivo Casa Preta” né, agora
ele vai ser “Associação de Afro Desenvolvimento Casa Preta” pra poder
justamente a gente ter um nome jurídico pra poder fazer correria de recurso pra
poder manter os projetos, pra gente pensar em projetos.(Don Perna, Dj, 33
anos, entrevista em: 21-01-2012)

O “Coletivo Casa Preta” tem vários parceiros entre eles a Cosp Tinta Crew, a
“Casa Tainã” e CEDENPA (Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará). Assim ela
está ligada ao Movimento negro e a manifestações negras dentro e fora do estado. Essa
relação permite um amplo debate entre o coletivo e outras instituições que estão se
mobilizando dentro do Brasil. A “Casa de Cultura Tainã” é um espaço cultural que
funciona de maneira muito próxima ao que funciona a “Casa Preta” e a aproximação
entre eles, como é possível perceber na fala acima, é facilitada através de Don Perna que
morou e militou na casa durante vários anos.
A “Casa de Cultura de Tainã” foi fundada em 1989 com o nome de “Associação
de Moradores Vila Castelo Branco”. O nome mudou a partir de um concurso. Ela fica
localizada na Vila Padre Manoel da Nobrega em Campinas, São Paulo.

IMAGEM 7: IMAGEM DA PÁGINA DA “CASA DE CULTURA


TAINÔ NA INTERNET
FONTE: http://www.taina.org.br/projetos.php# EM: 29/03/2013
122

Sua missão é possibilitar o acesso à informação, fortalecendo a prática da


cidadania e a formação e a formação da identidade cultural, visando contribuir
para a formação de indivíduos consciente e atuantes na comunidade.
A casa de cultura Tainã apresenta-se, oje, como uma das poucas opções de
ação comunitária efetiva, sendo reconhecida como a única referencia cultural
numa região onde se registram todos os tipos de carências, resultantes da falta
de políticas sociais que assegurem a sobrevivência e qualidade de vida de
crianças e jovens. Ela atende hoje em média 450 crianças e adolescentes/mês e
1.350 pessoas indiretamente através de atividades, oficinas e shows realizados
fora da entidade. (Casa de cultura Tainã. Caminho das Estrelas. Disponível em:
http://www.taina.org.br/casa.php. Acessado em: 29-03-2013)

Os projetos da “Casa Tainã” são: Nação Tainã, Fábrica de Música, Lidas e


Letras, Projeto Tambor Menino, Projeto Orquestra e Tambores de Aço.
Na imagem 7, acima é possível observar as marcas de cada projeto desenvolvido
dentro da “Casa Tainã”. Ao clicar em Download é possível baixar documentos relativos
aos projetos da casa. O projeto Lidas e Letras,

Parte da Casa de Cultura Tainã, o Projeto Lidas e Letras organiza e administra


uma biblioteca comunitária, que conta com um acervo de 3.000 títulos, além
de uma discoteca de mais de 300 títulos e documentos da história da
comunidade. Um dos principais objetivos da biblioteca é realizar atividades na
comunidade que possibilitem a integração e o desenvolvimento de projetos
estimulando a cultura e a capacitação para trabalho em comunidade, além de
estreitar vínculos com outras bibliotecas da região via rede e através da
automação do atendimento e digitalização dos acervos. (Casa de Cultura
Tainã. Caminho das Estrelas. Disponível em:
http://www.taina.org.br/download.php. Acessado em: 29-03-2013)

O projeto “Nação Tainã”,


Com o intuito de desenvolver um estudo direcionado aos ritmos de percussão e
as danças brasileiras na Casa de Cultura Tainã, nasce o projeto “Nação Tainã”,
que reúne pessoas de diversos pontos da cidade e entidades, afins de buscarem
no passado e trazer para os dias de hoje os ritmos existentes no nosso país e
que foram se apagando com o passar dos tempos.
A idéia principal do projeto “Nação Tainã” é ser um núcleo de formação de
agentes da cultura popular, trabalhando os ritmos e danças de nossa
“NAÇÃO”, tais como:
O maracatu, O tambor de crioula, O Bumba-Meu-Boi, O Samba de bumbo,
Batuque de Umbigada, Samba Lenço, Jongo e outros talvez ainda até fora dos
nossos conhecimentos. (Casa de Cultura Tainã Caminho das estrelas.
Disponível em: http://www.taina.org.br/download.php. Acessado em: 29-03-
2013)

O projeto “Tambor Menino”,


123

O projeto tem como ferramenta maior à arte como um todo e busca-se dentro
dele a afirmação da identidade destas crianças e adolescentes, algumas vezes
perdida, outra esquecida, caminhando para a construção da cidadania e da
cultura dos mesmos.
Neste viés almeja-se resgatar e valorizar traços de manifestações que ainda
resistem, como os ritos afro-brasileiros, o rap, a capoeira, o maracatu, o jongo,
ou seja, as tradições do povo. (Casa de cultura Tainã. Caminho das estrelas.
Disponível em: http://www.taina.org.br/download.php. Acessado em: 29-03-
2013)

O projeto “Tambores de Aço”,

Este projeto tem por objetivo oferecer para crianças e jovens a possibilidade de
identificar por legitima vivência a arte através de suas manifestações
expressivas e criativas que deverão ocorrer num ambiente favorável para que
os mesmos possam utilizar forma potencial e construtivo seu tempo livre. A
expressão de sentimentos, sensações e as constatações desenvolvidas nos
trabalhos individuais e coletivos, poderão ter significados fundamentais frente
aos princípios pelos quais deverão ser pautadas as mais básicas atitudes destes
jovens diante da vida, nas mais diversas situações. Este trabalho artístico de
caráter formativo propõe o fortalecimento do jovem como fonte de
determinação de sua trajetória facilitando seu reconhecimento e
posicionamento diante de si mesmo e do mundo. (Casa de Cultura Tainã.
Caminho das Estrelas. Disponível em: http://www.taina.org.br/download.php.
Acessado em: 29-03-2013)

A “Casa de Cultura Tainã” oferece aos jovens e crianças da comunidade onde


fica, oficinas em seus projetos com arte para que assim possam introduzi-los em um
conhecimento a respeito de questões raciais e artísticas que podem levar a um
conhecimento que de alguma forma ficou perdido na concepção deles. E todas essas
características são encontradas dentro da “Casa Preta” e em seu projeto “Tambor
Firme”. Na página da “Casa Preta” na internet se encontra o seguinte texto,

Noiz
A Casa Preta é uma associação de afro desenvolvimento que reúne
articuladores do Movimento Negro e da Cultura Hip-Hop, produtores culturais
e educadores. Sua sede está localizada no bairro de Canudos, na fronteira com
o bairro Terra Firme em Belém do Pará.
A Casa discute e atua em diversas áreas que abordam a tecnologia e a
ancestralidade, identidade e auto-estima da população pobre e negra no intuito
de aprofundar o desenvolvimentos de uma metodologia própria sobretudo afro-
brasileira.
Integrante da Rede Mocambos, como Núcleo de Formação Continuada, a
atuação desse coletivo promove no Estado do Pará, Maranhão, Manaus, Amapá
e Porto Velho uma rede que vem conectando através das tecnologias da
informação e comunicação comunidades quilombolas rurais e urbanas. Aliada
a essa apropriação tecnológica, há uma articulação permanente na construção
de ações afirmativas. (Noiz. Coletivo Casa Preta. Disponível em:
http://www.coletivocasapreta.com.br/pagina-exemplo. Acessado em: 01-03-
2013)
124

Nesse texto mais uma vez a “Casa Preta” reforça a sua ligação com a “Casa
Tainã” através da sua ligação com a “Rede Mocambos”, que é mais um dos projetos
dessa casa e talvez seja o seu maior espalhado por várias partes do Brasil.

IMAGEM 8: IMAGEM DA MARCA DA


REDE MOCAMBOS
FONTE: http://www.mocambos.org/sobre EM: 29/03/2013

Na imagem 8, acima está a representação da ligação que a Rede Mocambos tem


no Brasil. Esse é mais um projeto da “Casa Tainã” e se preocupa com as questões
relacionadas a informação e a questão racial também.

É uma rede de negras e negros de âmbito nacional. Conectando através das


tecnologias da informação e comunicação comunidades quilombolas rurais e
urbanas. Para isso buscamos parcerias de diversos segmentos para que de
forma colaborativa e coletiva possamos reunir diferentes programas, projetos e
ações voltados para o desenvolvimento humano, social, econômico, cultural,
ambiental e preservação do patrimônio histórico-memória dessas comunidades.
É uma rede solidária de comunidades, no qual o objetivo principal é
compartilhar ideias e oferecer apoio recíproco. Os eixos principais que a Rede
enxerga são a identidade cultural, o desenvolvimento local, apropriação
tecnológica e a inclusão social. A ideia da Rede nasceu em quilombos, em
particular em um quilombo urbano8, a Casa de Cultura Tainã. (Rede
Mocambos. http://www.mocambos.org/sobre, acesso em: 25-03-2013)

8
Segundo Don Perna “Quilombo urbano é um aglomerado de pessoas na sua maioria negros e negras. E
logicamente como você tá no Brasil, você vai ter outras etnias que também compõem esse cenário, esse
local, essa comunidade e são valores que certamente a sociedade negra em geral nega esses valores, não
trabalha no protagonismo e nem trabalha na emancipação de uma ideologia, de um pensamento, de uma
cosmologia africana. A África não tá presente no nosso cotidiano brasileiro. E isso é uma manobra
utilizada pelo eurocentrismo, é uma manobra utilizada pelo sistema que realmente quer nos distanciar da
nossa origem, enfim do que realmente é importante, do nosso berço, da nossa mãe África”. (Don Perna,
33 anos, Dj, conversa em: 20-10-2012)
125

Como diz o texto a “Rede Mocambos” desenvolve trabalhos que estão


preocupados não com a arte, como são os outros projetos da “Casa Tainã”, mas sim com
questões mais voltadas para o meio digital, a inclusão digital, o desenvolvimento de
software livre, sem perder de vista as questões sociais que envolvem os coletivos que
fazem parte da rede em todo o país. A rede também busca um envolvimento com o
governo vendo nisso um importante passo para o desenvolvimento de seus projetos. São
seus parceiros:

Programas e instituições
- Ministério das Comunicações/Gesac - Governo Eletrônico Serviço de
Atendimento ao Cidadão
- Ministério da Cultura/SPPC - Secretaria de Programas e Projetos Culturais
- Banco do Brasil/Inclusão Digital/Fome Zero
- Comitê de Democratização de Informática - CDI
- Instituto de Computação - IC/Unicamp
- Serpro
- Unicamp/ Pcq
- Centro de Referência DST/AIDS
- Instituto Sócio-Ambiental - ISA
Apoios governamentais
- Ministério da Cultura - SPPC Cultura Viva - Ponto de Cultura
- Ministério da Cultura - SPPC Cultura Viva - Pontão de Cultura
- Ministério da Cultura - Pronac - Lei Rouanet
- Ministério das Comunicações - GESAC
- Prefeitura Municipal de Campinas - Orçamento Participativo
(Disponível em: http://www.mocambos.org/parcerias. Acessado em: 29-03-
2013)

E é se articulando com todas essas parcerias que a rede consegue desenvolver


seus projetos. No site não há muitas informações de como esses projetos estão sendo
desenvolvidos no momento, ele está desatualizado e não é muito explicativo. Mas, é
possível ler um texto intitulado “Rede Mocambos. Uma rede de comunicação social”
onde estão algumas informações sobre a rede. São 27 comunidades (12 pontos de
cultura e 15 quilombos). A rede existe desde 2001, ano da “III Conferência Mundial
Contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas” que ocorreu na África do Sul
de 31 de agosto a 8 de setembro de 2001.

Outro parceiro do “Coletivo Casa Preta” é o CEDENPA (Centro de Estudos e


Defesa do Negro do Pará),

O Cedenpa é uma Entidade sem fins lucrativos, sem vínculos políticos-


partidários, fundada em 10 de agosto de 1980 e legalizado em 27 de abril de
1982, que, a partir do Estado do Pará, vem contribuindo no processo de
superação do racismo, preconceito e discriminação, que produzem a
desigualdades sócio-raciais, de gênero e outras, prejudicando, sobretudo, a
população negra e indígena, em todos os aspectos da sociedade brasileira.
126

Trata-se de uma associação composta por um bocado de negras e negros, de


diferentes faixas etárias, níveis de escolaridade, níveis de informação,
profissões/ ocupações, orientações sexuais, níveis de renda, religiões, estaturas,
volume corporal, vícios, e outros aspectos da individualidade .
Junto com esse punhado de negras e negros, estão, também, um punhado de
pessoas não-negras, as quais, de diferentes maneiras, apoiam esse difícil
trabalho de protagonizar ações voltadas a remover obstáculos antigos e novos,
impostos pelo segmento racial-racista hegemônico. (Quem somos. CDENPA.
Disponível em: http://www.cedenpa.org.br/Quem-somos. Acessado em: 29-03-
2013)

O CEDENPA fica em Belém no bairro da cremação e tem as questões raciais


como preocupação principal. Os projetos e eventos dos quais participam são:

Construção da Sede do Cedenpa, Educação Interracial, Escola Sem Racismo,


Bigus e Erês, Zumbi 300 Anos, Projetos de Articulação /Projetos de Leis,
Encontro de Comunidades Negras Rurais, Encontro de Mulheres Quilombolas
(seis versões), Fórum Social Mundial, Conferência Mundial contra o Racismo ,
Xenofobia e outras formas de Discriminação, Projeto Escola Ori de Erê-ECOE,
Amazônia Canta Zumbi (duas versões), Ações afro-culturais : Banda Afro Axé
Dùdù, Grupo de Capoeira, de Rap, de Dança afro, de Brega, de Teatro, de
Afro-estética/Grife, etc. ( Principais projetos. Disponível em:
http://www.cedenpa.org.br/Principais-Projetos#. Acessado em: 29-03-2013)

Seus projetos todos visam às questões sociais e raciais mesmo os que estão
voltados para o trabalho com a arte. E sua ligação com o “Coletivo Casa Preta” é na
discussão de todas essas questões.

IMAGEM 9: IMAGEM DA MARCA DO CEDENPA


FONTE: http://www.cedenpa.org.br/ 29/03/2013
127

Na imagem 9, acima a marca encontrada na página da internet do CEDENPA


com dois machados duplos d divindade yorubá Xangô. No site também estão uma
biblioteca digital, livretos e livros à venda e vários artigos publicados no próprio site.
Essa página está atualizada. O trabalho dessa instituição é importante para o movimento
negro dentro do estado enquanto esclarecedor dessas questões e realizador de atividades
que denunciam o preconceito e buscam a luta pela igualdade racial e social. A “Casa
Preta” desenvolve um trabalho parecido dentro do que diz respeito à questão racial.
Além disso dentro do CEDENPA tem um infocentro que onde estão envolvidos os
membros da “Casa Preta”. Perna explica da seguinte maneira essa relação entre
CEDENPA e “Casa Preta”:

A gente tem parcerias com o CEDENPA e parcerias com a MALUNGU.


Então a gente acaba se envolvendo em alguns processos ligados a tecnologia,
por exemplo, a gente tem um infocentro no CEDENPA. A gente procura dá
manutenção e correr atrás de recursos pra poder o CEDENPA ser um núcleo de
formação continuada da “Rede Mocambos”. Então, aqui o “Casa Preta” acaba
se tornando uma perna da “Rede Mocambos”, formando uma perna física
vamos dizer assim, porque dai eu to aqui, o Guine tá aqui, Lamartine tá sempre
aqui e a gente acabou dando oficinas ligado a área de tecnologia ou ligada a
essas construções com quilombolas tanto urbano quanto rural. (Don Perna, 33
anos, Dj, conversa em: 21-01-2012)

MALUNGU significa,

MALUNGU é uma palavra de origem africana que significa companheiro. Esta


palavra foi escolhida para nomear a coordenação das “Associações das
comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará”.
A representação estadual foi criada em Santarém em novembro de 1999 em
caráter ainda provisório. Em 2002, a Coordenação Estadual realizou a sua
primeira assembleia geral no Município de Baião. Em março de 2004, a
MALUNGU foi oficialmente criada com a aprovação de seu estatuto, a eleição
do Conselho Diretor e da Coordenação Executiva e a definição das prioridades
de trabalho da organização. (Comunidades Quilombolas. Disponível em:
http://www.cpsisp.org.br/comunidades. Acessado em: 01/03/2013)

Assim, é possível visualizar melhor a rede que existe entre todas essas
instituições e que a “Casa Preta” representa um importante membro de toda essa
movimentação entre os que estão pensando novas alternativas pelo país. E tudo sem
que esqueçam seus interesses locais que fazem com que cada coletivo consiga
desenvolver seus trabalhos separadamente e em conjunto. Segundo Don Perna a relação
com da “Casa Preta” com o CEDENPA se dá
128

A relação com o CEDENPA é tranquila e funciona de forma ancestral. Elas são


nossas mestras. O CEDENPA é dirigido por mulheres e temos o respeito que
elas buscam e nós também realizamos algumas ações e apoios no sentido de
fortalecer a luta de combate ao racismo. (Don Perna, 33 anos, Dj, articulador
cultural e fabricante de tambor, conversa em: 28-04-2013)

IMAGEM 10: LATERAL DO QUIOSQUE DO CEDENPA TODO


GRAFITADO
FOTO: LEILA LEITE ABR/2013

E em conversa com Dona Eliana, que estava cuidando do quiosque “Ingá.


Quilombo da República” do CEDENPA que fica localizado na Praça da República ela
me falou também dessa relação da “Casa Preta” com o CEDENPA e ela apenas me
confirmou as informações de Don Perna, uma relação com as mulheres do espaço que
se concretiza na realização dos eventos realizados ou pelo coletivo ou pela instituição
em apoio mutuo.
129

IMAGEM 11:GRAFITES NO QUIOSQUE DO CEDENPA


FOTO:LEILA LEITE ABR/2013

IMAGEM 12: A FRENTE DO QUIOSQUE DO CEDENPA E


ALGUNS PRODUTOS À VENDA
FOTO: LEILA LEITE ABR/2013

As imagens 11 e 12, acima mostram o quiosque do CEDENPA onde são


vendidos alguns produtos como roupas, revistas, livros relacionados a questão negra. A
minha visita foi ao quiosque e não a sede do CEDENPA porque ela estava fechada para
manutenção. Então fui até a Praça da República onde fica localizado o quiosque que
abre todo final de semana e conversei com Dona Eliana que estava ali para vender os
130

produtos e que se disponibilizou a me passar as informações que eu estava precisando,


segundo ela essa relação entre “Casa Preta” e CEDENPA é boa e sempre que necessário
um colabora com o outro. Mas, no que diz respeito aos grafiteiros ela afirmou que não
trabalham juntos a não ser que queiram ter algum espaço grafitado então entram em
contato com eles e o grafite é feito. Don Perna tem nessa relação um processo de
aprendizado e respeito pela experiência que essas mulheres tem como Movimento
Negro dentro do Pará, um conhecimento que ele diz ser de ancestralidade e que o ajuda
a entender e se posicionar nessas questões.

Don Perna me contou que a oficina que está ocorrendo agora com o apoio do
Governo Federal, que é o “Bloco Firme” e está sendo realizado no “Polo São Pedro”,
um espaço voltado para oficinas artísticas localizado no bairro da Terra Firme. Esse
projeto está levando a oficina de construção de tambores para jovens do bairro da Terra
Firme durante algumas tardes por semana, oficialmente como disse Don Perna, a faixa
etária vai dos quinze aos vinte e nove anos, no entanto, não tem uma idade definida e
abrange da criança ao adulto. Nessa oficina estão envolvidos Rui e Perna.

Dentro da casa também está ocorrendo esta oficina, no entanto isso não é
comum e elas ocorrem geralmente fora de lá e a casa fica sendo o ponto de apoio dos
oficineiros. A intenção dos integrantes do coletivo é de fazer com que esse coletivo
consiga se tornar uma associação, “Associação de Afro Desenvolvimento Casa Preta” e
Don Perna acentua que isso é necessário para que seja possível fazer o que eles chamam
de“corre”, ou seja, sair atrás de patrocínio para os projetos.

Mas, por enquanto o “Coletivo Casa Preta”, ou simplesmente “Casa Preta”, é


composta por grafiteiros da crew “Cosp Tinta”, por Guiné, que é professor de dança
afro; Cristina, que é antropóloga; Rui, que é artesão e construtor de tambor, Don Perna,
que é dj, articulador político e fabricante de tambor. E conta com uma vasta rede de
relacionamentos a qual começarei a falar mais um pouco nas próximas linhas

Na conversa com Rui e Perna descobri que os grafiteiros estão ali também a
partir da participação do Ed, do Graf e do Rogério, que são grafiteiros da “Cosp Tinta” e
que trabalham juntos com a “Casa Preta” participando de suas reuniões diversas e
discutindo as suas ações em conjunto buscando uma colaboração no envolvimento com
essas pessoas para que também seja possível como enfatizou o grafiteiro Ed, fortalecer a
organização das atividades e os meios de sobreviver cada um daquilo que realmente
131

sabem fazer. Os grafiteiros e o “Coletivo Casa Preta” se conheceram a partir de pessoas


e atividades das quais participavam juntos e com esse contato começaram a realizar
projetos, festas, reuniões e organizações de eventos.

E nesse processo se dá a relação da “Casa Preta” com o Movimento Hip Hop, ou


seja com a participação de pessoas ligadas aos elementos do movimento dentro da casa
fazendo parte do coletivo ou mesmo como amigos dentro de uma relação de organizar
os eventos, os projetos e tornar o hip hop constantemente sendo pensado dentro de
Belém. É importante perceber que a “Casa Preta” é um espaço onde a grande
preocupação é com a arte. Então é nessa direção que o grafite, o Mc, o B’boy, o Dj, a
poesia marginal e os tambores estão presentes como elementos da cultura negra e que
estão pensando e produzindo a arte marginal e de rua dentro da cidade.

3.1.2-A Casa do Grafite

A “Casa do Grafite” é um espaço que funciona como sede dos grafiteiros da


Cosp Tinta Crew e também daqueles que estão dentro da sua rede de sociabilidade e que
produzem e discutem arte. Ela é usada também como biblioteca e como a loja da marca
da crew que tem o seu nome em roupas como camisas, bonés, bermudas e objetos
reciclados produzidos com latas usadas de spray, esses produtos são consumidos
principalmente pelas pessoas que fazem parte do meio hip hop e seus preços são
variados. Esses objetos são comercializados para que os grafiteiros ganhem algum
dinheiro e assim colabore para o seu sustento. E eu conheci esse espaço no inicio do ano
de 2012 e a partir daí pude acompanhar o desenvolvimento do projeto “Mutirão de
Grafite” e todas as mudanças ocorridas com o grafite e a juventude grafiteira de Belém.

A minha caminhada até a “Casa do Grafite” foi um pouquinho mais complicada


do que para a Casa Preta. Primeiro que mais uma vez fiquei na dependência de que
alguém fosse comigo. Pois, eu não sabia onde era a casa exatamente apenas que ficava
no bairro do Tapanã 2, o outro extremo da cidade, principalmente porque eu moro no
bairro da Terra Firme. Mas, enfim, Augusto Poeta, que se comprometeu de ir até lá
comigo, cumpriu com o prometido e nós fomos. Eu me equipei além da câmera e do
caderno de anotações, levei também minhas frutas e pastéis para garantir que não
ficaríamos com fome. Enfim, pegamos o primeiro ônibus e até ai tudo normal.
132

Descemos no bairro de São Brás e ficamos um longo tempo esperando o próximo


ônibus que nos levaria direto ao bairro do Tapanã 2, onde fica a casa. E naquele dia 22
de janeiro de 2012 estava acontecendo o “I Mutirão de Grafite”.

E nossa ida até lá nesse dia estava programada justamente por esse motivo.
Assim eu conseguiria observar a programação, conversar com as pessoas e conseguir
dar uma boa caminhada em minha pesquisa. Isso foi possível mesmo. Conversei com
Ed, Marcelo Bocão e Dj Rg, fotografei e peguei chuva e sol, andei na lama da piçarra
que se formou na rua esburacada e sem saneamento básico onde se localiza a casa. A
“Casa do Grafite” fica no mesmo terreno em que fica a casa da mãe do grafiteiro Ed. É
um espaço grande, sem divisórias e com três portas, uma lateral, uma de entrada e uma
nos fundos que dá acesso ao quintal, dentro da casa estão as camisas produzidas para a
venda e com a marca da crew, assim como as bermudas que também carregam essa
marca. Confesso que eu esperava encontrar um espaço bem diferente, pois tinham me
descrito uma casa pequena e aos fundos da casa do Ed, mas não é assim.

IMAGEM 13: DENTRO DA CASA DO GRAFITE NO BAIRRO DO


TAPANÃ 2
FOTO: LEILA LEITE JAN/2012
133

IMAGEM 14: A HORA DO ALMOÇO DURANTE O “I


MUTIRÃO DE GRAFITE”
FOTO: LEILA LEITE JAN/2012

A imagem 13, mostra o espaço dentro da casa e as portas lateral e de fundos


dando uma ideia de como ela é por dentro. A casa tem acesso direto à rua, a porta de
entrada é larga, logo na chegada encontrei o poeta Preto Michel, que se autodenomina
poeta marginal. Ele estava com uma mesa expondo alguns livros e objetos que estavam
a venda, mas a chuva não deixou que ficasse ali por muito tempo e ele foi obrigado a
retirar de lá. E imediatamente a mesa se transformou em mesa para o almoço.

Na imagem 14, acima o momento do almoço. Esse almoço é financiado pelas


pessoas que participam dos “Mutirões”, cada um oferece o que pode ou quanto pode e
quem não tem dinheiro não coleta com nada. Como a casa foi o ponto de apoio desse “I
Mutirão de Grafite”, foi então onde o almoço foi servido. Esse almoço possibilita a
permanência das pessoas no evento durante todo o dia. Pois, o evento tem inicio as 9h
da manhã e só encerra as 18h. E a maioria das pessoas consegue permanecer até o final.

Na porta da casa me deparei com um balcão, alguns materiais de costura e logo


ali uma máquina de costura industrial onde fabricam suas roupas. Ao olhar para cima
adiante, alguns grafites e uma bandeira do Pará pendurada. Entrando na casa, percebi a
existência de uma estante onde,mais tarde fui informada, está o inicio de uma pequena
134

biblioteca onde pretendem armazenar a história do grafite e do Movimento Hip Hop no


mundo, principalmente.

Na casa também há um armário com muitas pichações e um desenho do


revolucionário Che Guevara, tem também um computador e uma cadeira. Naquele dia
em especial há também um cachorro que não saia do local de maneira nenhuma e
acompanhou fielmente todo o “Mutirão”. Aquele é o novo point dos grafiteiros e do
Movimento Hip Hop como um todo. Esse espaço foi conseguido com o prêmio do edital
do governo federal voltado para os grupos de hip hop, o “Prêmio Preto Ghóez9”. Preto
Ghóez foi um importante integrante e pensador do hip hop no estado do Maranhão. Ele
morreu em 2004 aos 33 anos em um acidente de carro em Santa Catarina. Era membro
do “Clã Nordestino 10”, foi do grupo “Quilombo Urbano 11” e saiu para militar no
“Favelafro12", quando morreu estava organizando o MHHOB (Movimento Hip Hop
Organizado). (http://www.rapnacional.com.br/portal/voce-sabe-quem-foi-preto-ghoez-
entao-fique-sabendo, acesso em: 24-04-2013)

A Cosp Tinta Crew participou dele já com algum favoritismo segundo me


contou o Ed, mas ele afirma que mesmo assim ainda não se sentia muito confiante e que
o importante era que todos da crew soubessem o que tinha que ser feito com o dinheiro.
E foi construída a “Casa do Grafite”. Um detalhe muito importante com relação ao
prêmio é que o “Coletivo Casa Preta” estava participando da banca de avaliação dos
projetos. Será que ajudou em alguma coisa a vitória da Cosp Tinta Crew?

A “Casa do Grafite” é um espaço que pertence a Cosp Tinta Crew, ela o pensou
e organizou. É um espaço novo, mas anteriormente, existia outro espaço que se
localizava no bairro da Sacramenta. O grafiteiro Marcelo Bocão me contou em conversa
que era um espaço que não tinha nenhuma estrutura, sempre que chovia alagava e as
goteiras apareciam de monte, o que não deixava que as coisas tivessem um mínimo de
qualidade e de organização. Bocão relatou que estava doente e não teve condições

9
“Prêmio cultura hip hop 2010 - Edição Preto Ghóez: é uma realização das Secretarias da Identidade e da
Diversidade Cultural (SID) e de Cidadania Cultural (SCC) do Ministério da Cultura, em parceria com o
instituto Empreender e com a Ação Educativa. O concurso distribuiu R$ 1,7 milhão em prêmios
contemplando 135 iniciativas de pessoas físicas, instituições e grupos informais nas categorias:
Reconhecimento, Escola de Rua, Correria, Conhecimento (5º elemento) e Conexões.” (prêmio cultura hip
hop-edição preto ghóez: http://www.cultura.gov.br/rss/-/assetpublisher/JFlTlaL2UN/content/premio-
cultura-hip-hop-edicao-pretoghoez/, acesso em: 24-04-2013)
10
Grupo de rap do Maranhão
11
Grupo de hip hop do Maranhão
12
Grupo de hip hop do Maranhão organizado por alguns ex-membros do “Quilombo Urbano”
135

físicas de participar da construção da casa nem mesmo de conhecer esse espaço antes
daquele dia do “I Mutirão”, o que lamentou.

Mas, Bocão disse que o espaço era perfeito, que ajudaria muito na propagação
do grafite e nas relações com outros artistas que quisessem produzir. Tudo isso
coincidiu com o que me disse Ed, que é o responsável direto pela casa, já que ela fica no
mesmo terreno onde mora com sua família e pode ficar ali trabalhando e observando o
lugar dia e noite. Esse cuidado com o espaço é necessário devido ao perigo de roubo dos
objetos que existe se ele ficar sozinho, pois essa é uma realidade em bairros periféricos
como no caso do bairro do Tapanã.

Ed e Perna fizeram questão de dizer que entre a Casa do Grafite e a Casa Preta
existe uma relação muito forte e que isso se evidencia nos momentos de organizações
quando uma casa colabora com a outra tanto para as discussões quanto para o momento
do evento em si, com o som, a estrutura física e todo o resto necessário a uma boa
organização, com inicio e fim sem grandes problemas. Mas, não é só, elas estão
envolvidas também dentro da questão social.

Ed como um participante do Movimento Hip Hop me falou muito das “lutas


sociais” que são necessárias e que ele encara como sendo obrigação do movimento,
como brigar por uma melhor condição de vida para os jovens que estão nos bairros
periféricos, brigar por segurança e saúde usando o hip hop como arma onde a arte é o
foco. Ele vê ali na “Casa do Grafite” um lugar com maiores probabilidades de favorecer
esse engajamento que ele diz poder colaborar para a mudança de muitas pessoas em
termos sociais. Dom Perna enfatiza que essa luta é necessária e põe em questão a cultura
negra dizendo que o Hip Hop é parte dela e deixando claro que são esses movimentos
que podem fazer a diferença, por isso a “Casa Preta” se envolve com eles.

Para DaMatta (1997) a casa se opõe à rua. Pois, na casa está o conforto e a
segurança que não é encontrada na rua onde as pessoas são consideradas como
ninguém. Na casa pelo contrário, as pessoas se sentem especiais. É nesse espaço que
estão as mulheres de sua família, suas filhas, mães, irmãs e que são mulheres de respeito
e se opõem as mulheres que estão nas ruas. É na casa que as pessoas realizam suas
negociações. E no caso das duas casas é lá que pensam e organizam seus projetos para
que mais tarde sejam concretizados ou na casa mesmo ou nas ruas da cidade. Porém, é
importante esclarecer que essas casas não se opõem à rua no mesmo sentido em que
136

uma casa que apenas serve de moradia. Pois, essas casas estão em uma relação direta
com a rua a partir do momento em que seus membros e moradores concretizam sua arte
nesta.

E são utilizadas no sentido que DaMatta (1997) coloca de refugio. Pois são
nessas casas que eles conseguem se reunir para conversar, para se manter em
sociabilidade com seus amigos. Esses são espaços em que os artistas estão protegidos
do sol, da rua e dos perigos de violência em que ficam expostos dentro desta. Porém,
eles falam desses espaços como pontos de refugio que são importantes, mas que não
conseguem fechar todo o seu ciclo de produção artística. Para isso eles precisam da rua.
Pois, o grafite e o hip hop são da rua, como foi colocado em capítulo anterior, e
precisam dela para existir como arte de rua. Mas, no caso da “Casa Preta” ela também é
refugio por ser moradia dos coordenadores do coletivo, Don Perna e Negro Lamar.
Então nesse caso se pode dizer que ela é o lugar onde as pessoas dos coletivos que ali
se reúnem se sentem mais importante por mais que na rua não se sintam anulados junto
a outras pessoas quando estão participando das programações se colocam em destaque e
são destacados pelos que estão participando com eles e mesmo por quem apenas está
passando pelo evento e matando a curiosidade.
A “Casa do Grafite” não se distancia disso, pois, mesmo não morando dentro do
espaço da casa Ed mora ao seu lado já que ela é construída dentro do terreno de sua mãe
e ao lado de sua casa. Isso faz com que a sua relação nesses dois espaços seja também a
relação de uma residência. Mas, nessas casas a presença feminina é muito rara, são
poucas as mulheres que fazem parte do “Coletivo Casa Preta” e nenhuma da Cosp Tinta
Crew e até mesmo Cristina, que morava na “Casa Preta” quando fui a primeira vez lá e
de quem falo nesse capitulo, não mora mais lá. E as mulheres que fazem parte de
alguma forma desses espaços não mantém com o espaço a mesma relação que seus
donos por não serem suas donas e sua relação com as casas é mais como uma visita.
Porém, esses espaços se aproximam do que Magnani (1992) chama de pedaço, já
que pedaço é algo que não é nem a casa nem a rua, mas um lugar onde as pessoas que
por ele circulam, permanecem por algum tempo e se sentem a vontade. Como o que
ocorre nos bares dos bairros de periferia. Assim, a “Casa Preta”, a “Casa do Grafite” e
mesmo o “Mutirão do grafite” podem ser chamados de pedaço. Pois, são casas onde as
pessoas circulam e permanecem para pensar, criar, discutir sobre arte, sobre projetos e
também para a socialização com seus amigos. Ali as pessoas se sentem confortáveis,
137

protegidas, mas em sua maioria chega um momento em que vão embora e apenas os que
ali moram permanecem.
Abaixo faço uma etnografia de dois momentos importantes para o grafite e para
a juventude grafiteira de Belém, o “Dia do Grafite” e o “Mutirão de Grafite”. Esses dois
momentos ocorreram na rua.

3.1.3 Dia Nacional do Grafite

O “Dia do Grafite” é uma homenagem dos grafiteiros do Brasil a um grafiteiro


de São Paulo chamado Alex Vallauri13, um artista que mudou o grafite e a arte de rua na
década de 1980. Ele trouxe o stencil14, para as ruas de São Paulo, uma técnica que
estava esquecida, mas que já tinha sido usada nos anos de 1930, segundo um texto
encontrado na internet sobre o trabalho desse artista escrito por um curador, Spinelli, em
2001. Ficou conhecido por seus grafites que estavam sempre pondo a sociedade em
evidencia e criticando seu comportamento.
Esse grafiteiro morreu no dia 26 de março de 1987 e seus amigos saíram para
grafitar em sua homenagem no dia 27 de março de 1987 e essa data se tornou especial e
virou o dia do grafite. Em Belém apenas no ano de 2010 foi realizado o primeiro evento
em comemoração a essa data. Foi um dia de sociabilidade do Movimento Hip Hop para
homenagear o grafite. A maioria dos presentes na verdade nem ao menos tinham
conhecimento do que se tratava aquela festa. Apenas estavam ali como participantes ou
mesmo público de uma festa que ocorreu ao ar livre.

13
Alex Vallauri, foi um artista que esteve em várias outras artes além do grafite. Ele trabalhou com
gravura, com audiovisual criou um vídeo registrando azulejos em bares o título é “Arte para todos” , fez
exposições com seus grafites no MAM em São Paulo, aperfeiçoou sua técnica com grafite através do
stencil. Ele também trabalhou com a arte postal, com a xerox colorida, etc. (texto: Alex Vallauri:
trajetória passo a passo, encontrado em: http://www.stencilbrasil.com.br/textos_2.htm, acesso em 08-05-
2013). Ele morreu em 26 de março de 1987 e no dia 27 os artistas que eram seus amigos saíram para
grafitar em sua homenagem e desde então ficou marcado o “Dia Nacional do Grafite” ( texto: Grafiteiros
passo a passo rumo a virada do milênio. Disponível em :http://www.stencilbrasil.com.br/textos_3.htm,
acesso em: 08-05-3013)
14
No texto de autoria de João Spinelli, intitulado “StencilArt na contemporaneidade: uma homenagem a
Alex Vallauri”, encontrado em:www.stencilbrasil.com.br, ele diz o seguinte: “Alex Vallauri nos anos 70
recupera para a arte contemporânea a técnica do StencilArt, utilizada na modernidade, nos anos 30, pelos
artistas da Ècole de Paris. Vallauri retoma este antigo procedimento de impressão - utilizado pelos
grandes pintores, inclusive no renascimento - adaptando-o às artes plásticas contemporâneas.” (Stencil
Brasil. Disponível em: http://www.stencilbrasil.com.br/textos_1.htm, acesso em: 02-03-2012)
138

IMAGEM 15: DIA NACIONAL DO GRAFITE EM 2010


NO BAIRRO DA TERRA FIRME
FOTO:LEILA LEITE MAR/2010

O bairro da Terra Firme foi o local escolhido para a realização desse primeiro
evento e (o grafiteiro que ficou responsável pela organização foi Gaspar por morar no
bairro). O evento estava marcado para começar às 9h da manhã, mas atrasou bastante,
Quando eu cheguei por lá com um amigo, estavam apenas alguns grafiteiros como o
MPRIS e o Tarta que são de Marituba e esperavam que Gaspar chegasse para começar a
tomar as devidas providências, como o som e o preparo da feijoada, além de ter que
falar com o dono do muro para que pudesse começar a grafitagem. Esse é o mesmo tipo
de organização que mais tarde foi adotado nos “Mutirões”.
Mas os outros grafiteiros da Cosp Tinta Crew, que era a responsável e a
idealizadora do evento, chegaram e foram preparar o muro, ou seja foram pintar um
fundo no muro para que começassem a grafitagem. A foto (imagem 15) acima mostra os
grafiteiros reunidos preparando a tinta para fazer o fundo do muro. O sol como sempre,
estava de matar, a pele ardia, não havia quase nenhuma sombra e as pessoas se
aglomeravam numa pracinha ali perto em baixo das arvores para tentar fugir de seus
efeitos e o Gaspar nada de aparecer. Esse muro já estava todo grafitado, resultado de
uma ação que ocorreu durante o “Fórum Social Mundial15”que foi em 2009 aqui em
Belém, na Terra Firme e no Guamá.

15
“Fórum Social Mundial” é um evento internacional onde várias instituições, coletivos e pessoas físicas
participam para discutir questões sociais que estão preocupando o mundo.
139

Eu procurei registrar os grafites anteriores antes de serem apagados e mais tarde


comecei a registrar o trabalho que estava acontecendo naquele dia. Como ainda não
estava cursando o mestrado, minha intenção ali na verdade, era fotografar e preparar um
vídeo, coisas que ainda não havia feito dentro da pesquisa por não ter uma câmera. Mas,
naquele dia isso foi possível e quase não conversei com as pessoas, apesar de ter feito
algumas entrevistas, nada foi muito oficial, apenas as imagens que consegui captar e
que hoje fazem parte de meu material de pesquisa, pois ali estão as pessoas que
participaram do evento e quase todos os momentos importantes para a sua realização.
Gaspar chegou, o som também e tudo foi providenciado para que ele fosse
ligado e a feijoada fosse preparada. Mas o tempo havia se aproximado do meio dia e as
pessoas que já começavam a beber um vinho, refrigerante, água, tudo para se divertir e
também se hidratar, nesse horário já não existia mais nenhuma sombra para proteger os
corpos do imenso calor que fazia naquele dia. A manhã acabou com os grafiteiros
apenas começando o fundo do muro. Como estava perto de casa, eu fui almoçar e tomar
água, mais tarde voltei, não demorei muito e a grafitagem já havia começado. Os Dj‟s
Rg e Gustavo tomavam de conta do som e todos pareciam gostar da música.
As pessoas ali presentes eram jovens, homens e mulheres que, pelo que observei,
não pregaram em momento nenhum a violência como a solução para os problemas
contra o “sistema”16, mas falavam de uma “luta” onde a cultura é a maneira mais
coerente de se lutar para que jovens e crianças consigam ampliar seus conhecimentos no
contato direto com o hip hop através da música e de todos os elementos do Movimento.
Nesse mesmo dia conheci a Mana Josi, uma menina que tinha um grupo de rap formado
apenas por meninas e que estava pretendendo se expandir. Também conversei com a
Cely, grafiteira que naquele momento fazia parte da crew “Cosp Tinta” e que hoje faz
parte da Ratinhas Crew, um grupo apenas de meninas grafiteiras.

O dia foi tranquilo e o grafite e a música transcorreram sem nenhum problema e


sem a participação da comunidade também que apenas olhava de longe e apenas pela
manhã tentando entender o que acontecia e depois se retirou. O contato com os
moradores foi quase nulo, pois não percebi nenhuma disponibilidade em ninguém de se
aproximar para tentar entender o que estava acontecendo e também não houve interesse
por parte dos grafiteiros em se aproximar dos moradores para tentar explicar o que era

16
O sistema é uma expressão usada pelos jovens grafiteiros e do hip hop para falar dos governantes do
país e a maneira como ele percebem a política sendo realizada.
140

aquele evento. O muro que estava sendo grafitado fica na Avenida Perimetral próximo
ao Museu Emilio Goeldi o que significa que em frente não mora ninguém e poucos
moram nas ruas laterais, o que diminuiu ainda mais a possibilidade do evento contar
com a presença dos moradores ali.
Esse modelo de evento continuou sendo seguido pelos grafiteiros para o seu
projeto “Mutirão de Grafite”. Em 2011 o “Dia do Grafite” foi comemorado também,
mas a partir de 2012 os grafiteiros se concentraram na organização dos “Mutirões” dos
quais falo com mais detalhes abaixo e nesse ano a comemoração do “Dia do Grafite” foi
incluída no “Mutirão de Grafite”, assim não ocorreu nada especifico sobre o dia 27 de
março.

3.1.4 O Mutirão de Grafite

O “Mutirão de Grafite” é um projeto da Cosp Tinta Crew, a mesma que organiza


a “Casa do Grafite”, em conjunto com outros artistas e coletivos como o “Coletivo Casa
Preta” e outras crew’s que se mobilizam para levar o grafite até os bairros da periferia 17
de Belém. E, para que o “Mutirão” possa ir para as ruas a rede de sociabilidade dos
grafiteiros é mobilizada. O som precisa de transporte e então todos os que tenham um
carro são convocados para que isso seja possível. O almoço também precisa da
colaboração de todos tanto financeiramente quanto para que seja preparado, geralmente
é uma feijoada bem preparada e numa quantidade grande para que todos possam comer
e permanecer no local.
Os grafiteiros são chamados para grafitar através de telefonemas, redes sociais,
contatos diretos em reuniões e conversas. Cada um consegue suas tintas e se
disponibiliza a se deslocar até o local do evento para que ele possa ocorrer. As
trançadeiras se mobilizam para chegar ao local e conseguir chamar a atenção de adultos
e crianças, principalmente do sexo feminino para se embelezar e até mesmo aprender a
trançar. Os b’boys também comparecem para dançar, o que nem sempre é possível
porque não tem um local adequado. Os skatistas estão sempre representados por Dudu
do Skate, que também é empresário e patrocina algumas coisas com o prêmio dado ao

17
Magnani (2003) chama atenção para o fato de que os moradores da periferia a algum tempo deixaram
de ser considerados “massas marginais” para serem “classes populares”. O autor diz que é preciso ter um
olhar atento para o que está ocorrendo dentro desses espaços para que se possa entender a maneira como
as pessoas ali dentro estão se relacionando e estão trabalhando e se divertindo. É preciso tomar cuidado
com o olhar preconceituoso que se tem com esses lugares que seja possível também perceber as maneiras
como estão organizados em movimentos sociais. É na periferia que encontramos o pedaço, um espaço
detinado ao lazer e onde as pessoas se reconhecem e não ser do pedaço pode causar estranhamento.
141

vencedor da “Batalha de Mc”, que não são muitas porque ele é um pequeno empresário,
mas que ajuda a fazer funcionar a movimentação. Os Dj’s estão dispostos a tocar e
sempre conseguem puxar um gato da rua ou uma extensão de alguma casa para fazer o
som funcionar.
E há sempre uma casa que serve de ponto de apoio e em frente a essa casa fica o
som, o Dj e seus vinis. O som é ligado e os grafiteiros pedem de casa em casa para
grafitar as paredes, mas o que pude observar é que as pessoas se isolam em suas casas
trancadas mesmo quando dizem sim ao grafite. As crianças estão na rua e chegam
sempre em grupo para observar e perguntar o que está acontecendo.
Vou falar aqui um pouco a respeito do “II Mutirão de Grafite”. Ele ocorreu no
bairro do Guamá, na Rua Bom Jesus 2, mais conhecida como “Rua dos Pretos”. Essa
denominação é dada de forma pejorativa 18 por morar naquela rua uma maioria de
pessoas negras e oriundas do estado do Maranhão. Segundo Dona Ana Guedes, uma
líder comunitária, nem mesmo os motoristas de taxi querem entrar na rua, pois, alegam
que é muito perigosa e que não vão se arriscar. Mas, ela busca na história de sua família
exemplos de pessoas trabalhadoras, como ela e seus irmãos que vieram ainda jovens do
estado do Maranhão para Belém, e que nunca roubaram ou enganaram ninguém e
sempre viveram na honestidade.
Esse é o tipo de olhar comum voltado para a periferia onde as pessoas são
estigmatizadas (Gofman, 1988) assim como o lugar onde moram. E mesmo quem
também mora na periferia lança esse olhar preconceituoso sobre outras pessoas que
estão em ruas onde o acesso é mais difícil e as condições de iluminação e saneamento
são mais precárias. E a “Rua dos Pretos”, como até mesmo os próprios moradores já se
referem a ela, é uma rua de difícil acesso para quem mora no bairro da Terra Firme ou
de Canudos. No entanto, é uma rua asfaltada, com saneamento e a maioria das casas são
de alvenaria. Quanto à iluminação não pude observa-la, pois a programação ocorreu
durante o dia e quando começou a noite fui embora com meus amigos.

18
O tratamento pejorativo ao se referirem a rua está relacionado às duas questões, por seus moradores
serem pessoas negras e serem maranhenses.
142

Eu fui até a “Rua dos Pretos” na companhia de Rui, meu amigo da “Casa Preta”,
Juliene, sua esposa que é trançadeira e Meire Helém, uma amiga comum. A rua fica na
fronteira dos bairros da Terra Firme, Canudos e Guamá, mas o bairro onde fica seu
endereço é o do Guamá, apesar da confusão que os grafiteiros fizeram e que segundo
dona Ana Guedes é muito comum, até mesmo entre os moradores da rua e do bairro
como um todo, de achar que o endereço da rua é no bairro da Terra Firme, mas dona
Ana me esclareceu que fica mesmo no bairro do Guamá.

IMAGEM 16: MAPA DAS FRONTEIRAS ENTRE OS BAIRROS DA TERRA FIRME, GUAMÁ E
CANUDOS
FONTE:maps.google.com.br ABR/2013

Acima um mapa (imagem 16) que dá uma ideia das fronteiras entre os três
bairros. Mas, nós chegamos e já havia iniciado a programação. Alguns grafites estavam
prontos e as pessoas já estavam organizando o espaço dentro do “Bar do Fumaça” para
o almoço. Além disso alguns grafiteiros estavam grafitando as paredes internas do bar e
o som estava sendo ligado, as trançadeiras estavam organizando o espaço em frente ao
bar para começar os trabalhos, o sol estava quente, mas o céu começava a ficar nublado.
Encontrei com Augusto assim que cheguei e falei com algumas pessoas que já estavam
por ali. Mas, já cheguei por lá procurando saber quem era dona Ana Guedes de quem já
haviam me falado tanto e quem não demorei a encontrar, ou melhor, ela me encontrou.
143

IMAGEM 17: JULIENE TRANÇANDO OS CABELOS DE GASPAR


E DONA ANA GUEDES SUA VEZ NO “II MUTIRÃO DE GRAFITE”
FOTO:LEILA LEITE FEV/2012
144

IMAGEM 18: GRAFITE DENTRO DO BAR DO FUMAÇA


FOTO:LEILA LEITE FEV/2012

IMAGEM 19: ALMOÇO DENTRO DO BAR DO FUMAÇA


FOTO:LEILA LEITE FEV/2012

As fotos (imagens 17, 18 e 19) acima permitem entender melhor como estava
organizado o espaço do bar durante o “II Mutirão de Grafite 19”. Na primeira foto Juliene

19
Um fato importante que ocorreu durante o “II Mutirão de Grafite” na “Rua dos Pretos” foi um assalto
de um grupo de jovens integrantes do Movimento Hip Hop e que chegaram pelo lado oposto do que
estava ocorrendo a programação. Então tiveram de pedir a ajuda da policia que estava fazendo a ronda no
local a pedido dos organizadores do evento e chegaram de carona em seu carro. A presença desse carro de
145

trançando os cabelos de Gaspar e dona Ana esperando sua vez. Esse espaço foi
organizado em frente ao “Bar do Fumaça” onde também estava o som. Na segunda foto
Graf está finalizando seu grafite e na terceira as mesas com bacias de arroz e a panela de
feijão e as duas jovens estão esperando para começarem a servir o almoço. Esses
momentos são um conjunto de ações que tornam o evento possível. Eles são exemplos
de maior sociabilidade entre os jovens grafiteiros e os outros artistas que estão
envolvidos no evento, mas também com a comunidade, principalmente as crianças, que
estão sempre por perto observando os grafites e querendo ter seus cabelos trançados.
Essas crianças estão sempre presentes nas ruas da periferia de Belém. Elas estão
ali ocupando o seu pedaço, brincando, se divertindo e colocando a prova os riscos que a
rua oferecem em oposição ao conforto da casa como bem coloca DaMatta (1997) e
enfatiza Magnani (2007) ao falar do pedaço da criança em São Paulo. Esse pedaço
segundo Magnani (2007) é um espaço intermediário entre a casa e a rua, possuindo
assim características das duas. E é ai que o autor diz que as crianças entram em contato
com regras e sociabilidades lúdica onde as crianças irão aprender o que é cidadania. E
isso ocorre com as crianças dos bairros de Belém que estão nas ruas e brincam e entram
em contato com adultos e crianças que fazem parte de seu pedaço. Elas realizam o que o
autor diz ser necessário para que a rua deixe de ser um espaço de perigo, a sua
ocupação.

policia naquele momento gerou muitas criticas, as pessoas diziam não entender como eles queriam que a
juventude se aproximasse se a policia estava ali e muitos jovens poderiam ter medo pelo seu
envolvimento com o tráfico.
146

IMAGEM 20: NO II MUTIRÃO DE GRAFITE CRIANÇAS OBSERVANDO


FOTO:LEILA LEITE FEV/2012

E essas crianças que estão na foto acima estão observando a organização dos
Mc’s durante o “II Mutirão de Grafite” na “Rua dos Pretos”. A concentração deles é
total em algo que para eles é uma novidade. Assim também ocorre com os outros
elementos que estão presentes nos “Mutirões”. No entanto, não consegui observar
nenhum momento em que essa juventude se socializasse com essas crianças no sentido
de satisfazer a sua curiosidade e de se aproximar para que eles sejam os próximos
grafiteiros, B’boy’s , Mc’s ou Dj’s cumprindo assim o objetivo do projeto “Mutirão de
Grafite” que foi relatado por Ed.

Mas, as crianças estão presentes e talvez apenas o fato de observar e fazer alguns
questionamentos já despertem neles um interesse maior por conhecer o novo, a arte e o
próprio Movimento Hip Hop. Quanto à juventude que mora nessas ruas percebi que não
se aproximam muito da movimentação que está ocorrendo apenas observam a distância
e nem mesmo se aproximam para perguntar o que está acontecendo. Apenas quando
esses são os responsáveis pela presença do “Mutirão” em sua rua eles conseguem,
através de sua rede de sociabilidade fazer com que essa aproximação seja possível de
alguma maneira. Eu consegui observar isso durante o “VII Mutirão de grafite” esse sim
no bairro da Terra Firme, na Rua Nova, uma das ruas com esse nome, pois nele há
várias. Essa especialmente fica localizada próximo ao canal do Tucunduba e é preciso
147

muita atenção para encontra-la, pois parece mais com a entrada de uma vila pequena.
No entanto atravessa quase toda a dimensão do bairro naquela região.

Nesse “Mutirão” em especial não fiz nenhuma foto, pois me avisaram que não
levasse nenhuma máquina, celular e nem fosse vestida diferente dos moradores, ou seja,
deveria ir de bermuda, camiseta e sandália e no máximo levar o caderno de anotações,
pois se percebessem qualquer tipo de ação diferente com certeza me assaltariam. Mas,
mesmo sem o registro das imagens foi um dia produtivo. A dona da casa se chamava
dona Lucinete, uma jovem senhora, negra, cabelos trançados, com quatro filhos e um
neto. Ela conseguiu que os filhos fizessem oficina no projeto “Tambor Firme” através
do contato que seu namorado tinha com Don Perna. Então seus quatro filhos estão na
oficina, são duas meninas dançarinas e dois meninos B’boy’s. E foi através desse
contato que o “VII Mutirão de Grafite” chegou até sua rua.

Ela abriu sua casa para ser usada como ponto de apoio dos participantes do
evento, forneceu água e preparou uma comida especial para o almoço, que dessa vez foi
bem diferente da “tradicional” feijoada, mas que da mesma maneira foi oferecida a
todos. Ela foi muito simpática e deixou todos à vontade em sua casa. E seus filhos e
seus amigos da rua estavam presentes, uma juventude que se interessou e participou do
evento de maneira mais próxima e que conseguiu mobilizar toda a sua rede de
sociabilidade, inclusive sua mãe para a organização e participação no evento. Esses
contatos são necessários para que “Mutirão” ocorra, pois é preciso que os artistas
envolvidos nele tenham algum espaço onde possam colocar o som, usar o banheiro,
servir o almoço e ligar o som. Mas, principalmente esse contato é importante para que
as pessoas da rua, de alguma maneira, também se envolvam no evento e aceitem com
maior facilidade que suas paredes sejam grafitadas.
E em todos os “Mutirões de Grafite” a mobilização ocorre da mesma maneira,
com um envolvimento menor dos moradores da casa, mas, o objetivo é o mesmo e a
funcionalidade é muito parecida. Porém, o envolvimento dos moradores é pequeno e
ocorre um distanciamento entre os artistas e eles, o que impede a concretização dos
objetivos do projeto. Mas, o “Mutirão de Grafite” é um projeto inédito em Belém que
desde a sua primeira edição veio passando por um processo de crescimento, de
elaboração e sendo cada vez mais posto em destaque por outros movimentos e pelas
diversas pessoas que se aproximam para fotografar ou produzir algum tipo de vídeo a
respeito.
148

Outra característica importante a ser observada na juventude grafiteira e sua rede


de sociabilidade é a maneira como se movimentam e como se vestem. Esses detalhes
influenciam o olhar que as pessoas têm sobre eles. Eu pude observar em várias
oportunidades isso, mas em especial durante o “VII Mutirão”, no bairro da Terra Firme,
em setembro de 2012. Ao chegar no evento sentei e fiquei atenta aos detalhes em que a
juventude do hip hop está se colocando dentro da organização e do desenrolar da
programação e como todos têm uma forma parecida de se vestir.

IMAGEM 21: ED NO “V MUTIRÃO DE GRAFITE”


NO BAIRRO DA CIDADE VELHA
FOTO:LEILA LEITE JUN/2012
149

IMAGEM 22: DJ RG NO I MUTIRÃO DE GRAFITE


FOTO: LEILA LEITE JAN/2012

Seus movimentos são soltos, leves, seus ombros são mais caídos do que o
normal para os lados, como que alongando os braços que se posicionam de maneira
mais solta, suas mãos se posicionam e se movimentam de maneira diferente do que
fazem outras pessoas até mesmo quando cumprimentam alguém. O andar tem um
balanço especial como se estivessem sempre dançando. Como dá para perceber na foto
acima as roupas são largas, bem maiores do que o número que precisariam para se
vestir. As camisas são grandes no comprimento, na largura e as mangas bem grandes.
As calças ou bermudões também são num número bem maior e são vestidos sobre
outras bermudas em um número normal e ficam presas à cintura numa altura
considerada normal enquanto que o bermudão fica bem abaixo, o que exige um imenso
cuidado para não perder as calças ao caminhar.

E em todo esse conjunto ainda há um boné, que não pode ser qualquer um nem
em qualquer modelo, mas sim um boné grande, arredondado e que passa por cima das
orelhas, a aba fica virada para o lado. Ainda há o tênis que também não é qualquer um,
mas um tênis de skatista que, como é possível observar na primeira foto, são grandes
também. E é assim que a maioria dos jovens, não só do grafite, mas de todo o
Movimento Hip Hop se vestem. E esse tipo de roupa os coloca em comum com a
maioria dos jovens desse movimento que a mídia mostra pelo mundo. A presença de
150

chinelos é algo excepcional e o guarda sol que Bocão na foto acima está segurando se
justifica pelo forte sol e logo depois pela chuva e ele é quem mais usa.
A presença feminina é uma constante principalmente para observar o que os
homens estão fazendo, elas são namoradas, esposas, companheiras ou mesmo amigas
dos grafiteiros e dos outros artistas, grafiteiras é difícil ter alguma. Mas, nesse dia estava
lá a Débora, uma grafiteira que está ainda aprendendo a arte e que mora no bairro da
Terra Firme e no “VII Mutirão de Grafite” estava lá com seu grupo de amigos, que
ainda não formam uma crew, mas que estão também aprendendo a ser grafiteiros e estão
em alguns eventos. Débora geralmente está de calça jeans, camiseta e tênis e ao
contrário dos meninos ela não usa suas calças folgadas, mas ao contrário, elas ficam no
tamanho certo. Ela é muito magra, como a maioria das mulheres ali presentes, tem
longos cabelos lisos e caminha com delicadeza, sem os ombros caídos, como as outras.
E entre as outras mulheres, a maioria tem cabelos curtos, no estilo que marca a sua
identidade negra, ou estão também usando tranças coloridas, algumas são trançadeiras,
usam saias compridas no estilo hippie e sandália rasteira, outras usam shorts jeans. Elas
ao contrário deles não são tão uniformizadas e suas roupas variam a pesar da presença
muito forte da identidade negra na maioria delas.
Os “Mutirões de Grafite” são os momentos em que a sociabilidade ganha a
conotação colocada por Simmel (2006) ao afirmar que a sociabilidade é um momento
lúdico. Pois é aí que as pessoas que se mobilizaram para tornar esses eventos possíveis,
estão dispostas a conversar entre elas e com outras pessoas que de alguma maneira estão
participando daquele projeto. “Casa do Grafite”, “Casa Preta” e o projeto “Mutirão de
Grafite”, que está nas ruas ao mesmo tempo em que está nas casas, são espaços onde a
juventude grafiteira está em contato com sua rede de sociabilidade não apenas para se
divertir, mas uma sociabilidade que visa objetivos artísticos e sociais.
Essa rede assim como a que Rodrigues (2006) observa em sua pesquisa sobre o
carnaval e as festas religiosas dentro do bairro do Jurunas em Belém, tem uma
preocupação com a organização do evento, em fazer com que ele funcione e para isso
precisa que todos se mobilizem e consigam tornar possível o ir para a rua com todos os
meios possíveis, o som, as latas de spray, os poetas e tudo e todos que são necessários
para que o grafite e o hip hop estejam nas ruas e concretizem seus objetivos. E é assim
que praticamente durante todos os meses do ano de 2012 e já iniciado em seu primeiro
número no ano de 2013, a juventude grafiteira consegue colocar o grafite em destaque e
praticar o seu contato mesmo que inicial com outros jovens e crianças.
151

Os “Mutirões de Grafite” lembram a rua de lazer, que Costa (1999) pesquisou no


bairro da Terra Firme, pois, assim como aquelas estão nas ruas. No entanto são
diferentes por não serem, como aquelas, organizados pelos moradores da rua. Mas, é
uma ação que vem de fora, ou seja, que é levada por pessoas que em primeiro lugar não
moram na vizinhança. Pelo contrário, são pessoas moradoras de diversos outros bairros
da cidade e em segundo lugar são artistas que participam de diversos coletivos e que
buscam a divulgação de suas artes e também estão visando questões sociais. Essas
questões não são apontadas como presentes na rua de lazer por Costa (1999).
O “Mutirão de Grafite” não deixa de ser uma festa que está nas ruas e para
Brandão (1989) a festa é o momento em que o cotidiano é um dado e que alguém é
posto em evidência. No caso aqui é algo, o grafite, mas também não deixa de ser o
grafiteiro. E o fato de ser na rua não anula a importância da casa (BRANDÃO, 1989)
tanto que é dentro da “Casa do Grafite”, da “Casa Preta” e da casa que serve como
ponto de apoio durante a programação que os artistas se concentram para discutir a
realização do evento, para almoçar, para descansar do sol quente, para se proteger da
chuva, etc. Assim, a casa e a rua se completam para tornar um dia inteiro de ações na
rua possível.
Os espaços de sociabilidade da juventude grafiteira são importantes para que
suas ações e projetos possam ser concretizados, pensados, analisados e postos em
prática. Mas, também são importantes por serem usados para a socialização das pessoas
que se reúnem para conversar e se divertir como amigos. No próximo capítulo faço um
breve histórico do Movimento Hip Hop em Belém a partir da história de vida de seus
integrantes. E também faço uma breve história dos outros movimento que também
fazem parte da rede de sociabilidade do hip hop e do grafite dentro de Belém.
152

CAPITULO IV- QUEM COLA COM OS GRAFITEIROS

Neste capítulo busco fazer uma abordagem histórica do Movimento Hip Hop a
partir da trajetória de cada indivíduo com quem pesquisei. Pois, são eles que constroem
os caminhos que esse movimento faz dentro de Belém. E foram eles que organizaram o
hip hop enquanto um movimento tomando como exemplo o que estava ocorrendo no
restante do país. E são eles que ainda estão à frente do movimento organizando ações
sociais e culturais como os “Mutirões de Grafite” e os bailes de hip hop. Além disso
também pesquiso a trajetória daquelas pessoas que fazem parte dessa história e que não
necessariamente são do movimento, mas que de alguma maneira estão envolvidas nesse
contexto.
A história do hip hop interessa nesse trabalho como um todo a partir do
momento em que o grafite é um dos elementos do Movimento Hip Hop. E esse
movimento é composto ainda pelo Mc, O Dj e o B‟Boy. E em Belém esses elementos
estão ligados em uma rede de sociabilidade (Simmel, 2006) que torna possível as ações
que são realizadas nas ruas dos bairros periféricos da cidade assim como nos bailes
realizados em bares no centro e em outras ações onde estão envolvidos esses elementos.
O Movimento Hip Hop teve inicio na década de 1960 nos Estados Unidos. Ele
foi iniciado como uma manifestação musical que levava a juventude negra e hispânica
que morava no Bronx, Nova Iorque para as festas nas ruas. E assim as mantinha distante
da violência que fazia parte de seu cotidiano. Essas juventudes viviam “guetificadas” e
sem nenhuma oportunidade para que pudessem fazer algo por si. Foi então, que Áfrika
Bambaataa, um Dj que conseguiu chamar a atenção para as músicas que tocava, levou
música para as ruas e a partir dali inventou a palavra hip hop e é considerado um dos
pais do Movimento Hip Hop (SOUSA, 2009; SOUZA, 2010; RECKZIEGEL, 2004;
BORDA, 2008).
E nesse cenário ainda consta os nomes de Dj Kool Herc e Grandmaster Flash.
Herc foi o primeiro Dj, era jamaicano, seu nome era Clive Campbell e foi ele quem
levou para os Estados Unidos as festas de rua que ocorriam na Jamaica, ele é
considerado o pai do hip hop. Granmaster Flash era um frequentador das festas que
começou a ser um colaborador e criou o scratch, que segundo Sousa (2009) era o “ato
de fazer o disco rodar para frente e para trás criando um som „raspado‟ característico do
rap” (p. 18). E foram essas pessoas que aperfeiçoaram a maneira de tocar e conseguiram
153

tornar possível o que hoje é conhecido dentro do hip hop como break, pois foi a partir
das paradas que faziam nas músicas nas quais as pessoas dançavam de uma maneira
diferente que conseguiram prestar atenção nesse momento e denominar de break boy e
break girl os jovens que estavam ali dançando. Ou seja, o B‟Boy e a B‟Girl que
conhecemos hoje dentro do movimento (SOUSA, 2009; RIBEIRO JÚNIOR, 2009;
SOUZA, 2010; RECKIEGEL, 2004).
O hip hop é uma manifestação cultural fruto de um contexto histórico que não
favorecia em nada a juventude que morava nos guetos americanos. E que já contava
com toda a trajetória histórica da escravidão negra nos Estados Unidos. Naquele país
está a raiz da música negra de onde veio o rap, uma música quase falada onde estão
presentes manifestações de protesto contra a condição de pobreza e violência que
envolve o nascimento desse movimento (SOUZA, 2010; SOUSA, 2009, SANTOS,
2007; BORDA, 2008).
O hip hop chega ao Brasil no inicio da década de 1980 tendo como primeiro
elemento a ganhar visibilidade o break, que se espalhou pelo país através de revistas,
jornais e a televisão. Segundo Santos (2007), foram os filmes, videoclipes e CD‟s que
traziam a mensagem do hip hop como a dança e que a partir daí ele foi se espalhando
pelo país.
A história do Movimento Hip Hop em Belém teve inicio na década de 1990.
Quando alguns jovens que já estavam envolvidos com os elementos desse movimento
estavam agindo com suas respectivas artes dentro da cidade, porém, de maneira isolada.
Foi então, que tomaram a iniciativa de se organizar juntando todos os elementos num
único movimento. Isso ocorreu dentro do bairro da Terra Firme, mais especificamente
no Centro Comunitário Bom Jesus, localizado na Passagem Bom Jesus (Borda, 2008),
(Dj Rg, 36 anos, entrevista em: 22-01-2012).
Mas, para que essa história fique esclarecida trabalho aqui com a história oral. E,
portanto, me utilizo da memória dos jovens que estão envolvidos nesse processo de
organização e de movimento dentro da cidade. Segundo Bosi (1998) trabalhar com a
memória de jovens é diferente de trabalhar com a memória de velhos. Pois, para essas
duas categorias, ela tem significados diferentes. Para os primeiros ela representa uma
fuga, enquanto que para o segundo ela representa um resgate de coisas que já foram
vivenciadas.
É importante perceber que ao utilizar a memória como um recurso documental
muita coisa corre o risco de ser perdido, pois não se pode reconstituir os fatos
154

exatamente da maneira como ocorreram. Pois, é necessário entender que a memória


retém apenas aquilo que ela acha interessante, imprescindível. Segundo Alberti (2004).
Bosi (1994) chama atenção para o fato de que cada individuo destaca em sua memória
os detalhes que mais lhe marcaram podendo um mesmo período histórico ser contato de
diferentes maneiras pelas pessoas que o vivenciaram.
No entanto, isso não invalida minha pesquisa, pelo contrário, aqui a memória
desses jovens torna possível fazer um resgate de uma história que ainda não foi contada
da maneira como eu buscava para entender a posição do Movimento Hip Hop assim
como do grafite em particular enquanto movimentos de juventude dentro do contexto de
Belém desde a década de 1990 até o ano de 2012 quando estou concluindo meu
trabalho.
Então, através dos diversos artistas e coletivos que estão relacionados dentro do
contexto de Belém, faço o trajeto percorrido pelo Movimento Hip Hop como um
importante movimento de juventude. E que consegue envolver diversas artes e
movimentos sociais além de seus elementos. Esses jovens formam uma rede de
sociabilidade (SIMMEL,1983) importante para o pensamento e ação social entre os
jovens que principalmente estão convivendo na periferia da cidade.

4.1- Nação de Resistência Periférica (NRP)

Durante minha pesquisa conversando com o Dj Morcegão e Dj Rg consegui


descobrir um pouco sobre como se deu o processo de formação do Movimento Hip Hop
em Belém. Eles contaram que antes que organizassem a Nação de Resistência periférica
(NRP) o hip hop já estava presente em Belém através da dança e dos grupos de rap que
já estavam se movimentando pela cidade. No entanto, os grupos de dança ainda não se
denominavam de grupos de hip hop e por isso se denominavam de Rap Boys porque
sabiam que estavam fazendo algo que tinha a “pegada hip hop”. Porém não estavam
organizados como um movimento nem mesmo os grupos de rap como no caso do
MBGC (Manos da Baixada de Grosso Calibre) que foi o grupo do qual participavam os
Rg e Morcegão.
MBGC foi um dos primeiros grupos de rap de dentro de Belém e teve uma
155

importância fundamental na organização do hip hop enquanto um movimento. Pois, ele


foi o grupo que tomou a frente dessa organização mobilizando as pessoas de outros
grupos principalmente as que estavam dentro do bairro da Terra Firme para que se
unissem e assim montassem um movimento onde todos os elementos do hip hop
estivem presente e ali também tivesse algo além do cultural, mas que também
envolvesse o social. Então a partir das mobilizações foi organizado o “Núcleo de
Resistência Periférica” e que mais tarde veio a se chamar “Nação de Resistência
Periférica”, a NRP.
Suas reuniões ocorriam dentro do Centro Comunitário Bom Jesus no bairro da
Terra Firme onde morava a maioria dos jovens que faziam parte de alguma maneira do
hip hop, que na época tinha como presidente Fafá. Ela abria as portas do centro para
essa juventude que se reunia todos os domingos e para outra também como os punks
que também estavam no bairro e que se reuniam e faziam seus shows ali. Então, fui
conversar com Fafá e ela disse que apenas abria as portas do centro e que não sabia o
que estava acontecendo porque estava ocupada com outras atividades do centro.
Mas, querendo ou não ela colaborou e muito com a história desses movimentos
ao oferecer a oportunidade de ter um espaço para se reunirem e para discutirem suas
ideias e suas perspectivas de futuro. Além do mais ali foi o espaço onde ocorriam
também os shows tanto dos grupos de hip hop como dos grupos punks. Fafá lamenta
que hoje o Centro Comunitário Bom Jesus esteja abandonado e por ser de madeira e
uma construção de mais de trinta anos está caindo e nenhum grupo de jovens ou
qualquer outro está se reunindo lá ou mesmo se mobilizando para que seja reformado,
essa é uma queixa dela que hoje não está mais a frente do centro.
A formação da NRP foi apoiada também por outros movimentos como contaram
Morcegão e Rg,

A gente acabou formando primeiramente o “Núcleo de Resistência Periférica”


um núcleo onde nós reuníamos no “Centro Comunitário Bom Jesus”, no bairro
da Terra Firme. Nos reuníamos todos os domingos e fazíamos o convite para
todos os caras que gostavam de escutar um rap, que se identifica com a cultura
e até com as próprias roupas, que acabam sendo um diferencial também.
Montamos o núcleo e depois acabamos montando a nação que se tornou a
NRP. Então através disso, nós fomos conseguindo fazer várias atividades e
chegamos a participar do “Conselho Municipal do Negro de Belém”,
participamos do MOB ( Movimento Hip Hop Organizado Brasileiro) . E foi
essa organização que se tornou NRP. (Dj Morcegão, 39 anos, entrevista em:
25-10-2012)
E ai a gente montou a „Nação de Resistência Periférica‟, até hoje. Junto com
outras pessoas que também estavam chegando, algumas meninas. E aí logo em
seguida quando a gente começou a reunir a gente percebeu que chamou a
156

atenção de outros grupos. O pessoal do Rock, o pessoal do Punk e o Reggae.


Então, começaram a ir na nossa reuniões, para poder, né dá suas experiências e
também contribuir com a nossa história e ver que jovem da periferia tão
surgindo como com uma nova ideologia bem radical e forte. Então, surge o
movimento organizado aqui em Belém. (Dj Rg, 36 an0s, entrevista em: 22-01-
2012)

A mobilização para organizar o hip hop dentro de movimento em Belém foi


realizada com sucesso e um grande número de jovens colaborou para que isso fosse
possível. E os problemas sociais estavam nesse momento sendo discutidos pelos jovens
a partir de seu ponto de vista e assim conseguiram pensar a cultura e a sociedade em que
estavam vivendo levando em conta as dificuldades que viam em seu bairro e a vontade
que tinham de mudança e que continuam tendo até hoje.
A NRP foi organizada na década de 1990 por Dj Morcegão, Dj Rg, Preto Michel
e outros jovens que se juntaram para organizar o hip hop como um movimento. Essa
organização ainda existe, porém com menos força do que tinha naquela época. Pois,
muitas pessoas dispersaram o que fez com que ela fosse perdendo a sua visibilidade
enquanto referência do Movimento Hip Hop. Porém, as pessoas com quem pesquiso e
que fazem parte da NRP continuam na militância desde a sua fundação e estão buscando
retomar as atividades sociais que essa instituição realizava no seu início.
Dj Morcegão e Dj Rg também fazem parte do “Coletivo Casa Preta” e estão
dentro da rede de sociabilidade dos grafiteiros que estão organizando o “Mutirão de
Grafite” e por isso também a sua história está relatada aqui. Pois, são fundadores do
Movimento Hip Hop em Belém. E tomando suas histórias como ponto de partida busco
levar ao conhecimento acadêmico de que maneira o hip hop foi pensado e
principalmente, por quem ele foi pensado enquanto um movimento de juventude
tomada pela juventude como algo que pode significar a sua maior expressão.
157

IMAGEM1: NRP NO ENCONTRO METROPOLITANO DE


HIP HOP NO IAP (INSTITUTO DE ARTE DO PARÁ)
FOTO DO ARQUIVO DO MOVIMENTO HIP HOP NRP ABR/2008

Na foto (imagem 1) acima algumas pessoa da NRP participando de um dos


muitos encontros do Movimento Hip Hop onde discutem a sua organização e as suas
ações. Essa organização também faz parte da rede de sociabilidade do grafite em Belém.
E alguns de seus membros estão dentro da organização dos “Mutirões” como Dj‟s e
como poeta marginal. É o caso do Dj Rg e Dj Morcegão, além do poeta Preto Michel.
158

4.1.1- Dj20 Morcegão

IMAGEM2: DJ MORCEGÃO NO VII MUTIRÃO DE GRAFITE


NO BAIRRO DA TERRA FIRME
FOTO EM REDE SOCIAL AGOST/2012

Dj Morcegão nasceu em 05 de maio de 1973, tem 39 anos. É tido como o


primeiro Dj de hip hop de Belém. Ele foi um dos fundadores do Movimento Hip Hop. É
casado, tem uma filha e mora no bairro da Terra Firme. Nossa conversa aconteceu em
sua casa no dia 25 de outubro de 2012. Então, vamos a sua história.

Eu conheci o hip hop através do grupo de rap chamado MBGC (Manos da


Baixada de Grosso Calibre), que é o grupo em que eu fui convidado a
participar. E a principio era formado pelo Marcelo Moslim, Jorge Pjó. Eu já era
DJ e através desse grupo de rap, acabei me identificando com a cultura hip hop
e principalmente com o elemento do Dj. Porque o hip hop é formado por
quatro vertentes que são: o Dj, o rap, o Grafite e Break. Me identifiquei
bastante com o trabalho do Dj, por que vi que ele poderia fazer um trabalho
não só cultural, mas também político, através das músicas que ele toca e de
outras atividades que podem ser inseridas com relação a cultural do mesmo.
O hip-hop já era visto em Belém através da dança, que era o Break dance, que
eram vários garotos do bairro da Terra Firme e do Jurunas e Telégrafo. Eles
dançavam, mas não tinham a noção de que era um hip hop. Para muitos era
simplesmente uma dança e muitos acabavam rotulando de Rap boys, por que
eram músicas que tinham essa pegada do hip hop e essa pegada do rap. E o hip
hop eu acabei percebendo que ele tinha algo a mais para passar pra gente.
Então eu acabei me inserindo de coração, de corpo e alma. E a gente começou

20
Segundo o Dj Rg, ser um dj é uma coisa que tem inicio nas gírias dos jovens jamaicanos e significa
'jogador de discos, mas não literalmente arremessar os discos, mas sim tocar com vinil.
159

a montar um hip hop não só cultural, mas que pudesse também tá fazendo um
trabalho social na nossa comunidade.
Até por que a maioria que fazia parte do movimento que eu participava NRP
(Nação de Resistência Periférica), morava na Terra Firme. E depois
contemplando outros bairros e trazendo outras pessoas para poder disseminar o
que era o hip hop e querendo que ele fosse visto daquela forma em Belém.
Então, através desse conhecimento a gente foi mobilizando, mobilizando, ai
começaram a aparecer uns grupos de rap. E apareceu uns grupos de rap
feminino também e apareceu um pessoal do rap gospel. Hoje em dia eu
percebo que o hip hop tá muito mais homogêneo. Eu falo isso por que através
de algumas atividades que acontecem a gente percebe a participação de todos
os elementos, que anteriormente a gente não tinha. Era o rap pelo rap e o break
pelo break.
A gente percebe até mesmo o pessoal do break colando nas atividades,
principalmente o pessoal do grafite, que era um pessoal muito disperso. E a
gente não ouvia falar sobre grafiteiros ou sobre grafite. Antigamente, era só o
rap e os Mcs, eram só esses que participavam, como eu, o Rg, o Fantasma.
Hoje eu percebo que o hip hop acabou crescendo bastante aqui em Belém,
mesmo se tornando ainda um estilo meio underground, a gente percebeu que o
hip hop acabou tendo essa evolução, não só cultural, mas acabou tendo também
uma evolução política. E começou a fazer discussão em uma esfera que
antigamente a gente não tinha essa noção de tá participando. Prova disso é que
muitos caras que fazem parte hoje da cultura hip hop são professores ou são
advogados ou tem outros trabalhos e através do hip-hop conseguiram tá dando
essa volta em suas vidas.
E eu continuo fazendo parte do NRP e faço parte do “Coletivo Casa Preta”, que
é uma entidade que veio também para fortalecer a cultura hip hop e a cultura
negra.
Através do grupo de rap MBGC, a gente começou a receber uns convites para
participar de festivais fora do Pará, uns festivais Norte e Nordeste. E aí a gente
percebeu que nos outros estados sempre tinha organizações. No Maranhão
tinha o “Quilombo Urbano”, o primeiro que a gente conheceu, em Teresina
tinha o QI (Questão Ideológica) e no Ceará tinha o “Movimento Organizado do
Ceará”. A gente acabou percebendo que faltava um pouco disso para o hip hop
se tornar um pouco mais forte para se tornar um hip hop um pouco mais de
combate perante o que tava acontecendo no nosso setor.
A gente acabou formando primeiramente o “Núcleo de Resistência Periférica”
um núcleo onde nós reuníamos no “Centro Comunitário Bom Jesus”, no bairro
da Terra Firme. Nos reuníamos todos os domingos e fazíamos o convite para
todos os caras que gostavam de escutar um rap, que se identifica com a cultura
e até com as próprias roupas, que acabam sendo um diferencial também.
Montamos o núcleo e depois acabamos montando a nação que se tornou a
NRP. Então através disso, nós fomos conseguindo fazer várias atividades e
chegamos a participar do “Conselho Municipal do Negro de Belém”,
participamos do MOB ( Movimento Hip Hop Organizado Brasileiro) . E foi
essa organização que se tornou NRP.
Hoje a NRP existe não naquela totalidade que tinha de pessoas, restaram uns
dez membros. Percebo que a “Nação” foi desgastando, muitos vinham pra NRP
pensando que ia ser só uma coisa cultural, só um oba-oba, escutar um rap,
participar de um baile de hip hop. E não era só isso, a gente tinha uma agenda
anual, tinha um planejamento anual pra vê onde a gente poderia tá inserido e
mostrando a cara da NRP. Hoje em dia quem ficou na NRP foi eu, Preto
Michel, RG, Mano Aice e outras pessoas a gente percebe que se afastaram
mesmo do hip hop enquanto movimento político. (Morcegão, 39 anos, Dj,
entrevista em:25-10-2012)

Dj Morcegão hoje toca com o Mc Bruno B.O e na VN (Vida Noturna) com Pjó,
160

que também faz parte da NRP. Ele não faz mais parte do grupo MBGC (Manos da
Baixada de Grosso Calibre), considerado o primeiro grupo de rap de Belém e que era
formado por jovens moradores do bairro da Terra Firme, ele se desfez, mas faz parte da
história do hip hop na cidade. Mas, ele ainda milita na NRP e também na “Casa Preta”.
Pois, segundo ele, o hip hop também tem que está envolvido socialmente e não apenas
culturalmente. E para ele foi por não entender isso que as pessoas se afastaram da NRP,
pois entendiam que era apenas a parte cultural que contava. E essa foi uma grande
dificuldade para a organização do Movimento Hip Hop e ainda é até hoje.
Dj Morcegão não tem o hip hop apenas como um movimento cultural para ele
esse movimento vai muito além. É preciso ter em mente que a militância deve ser
também social, se preocupar com as questões que estão cercando principalmente a
juventude que mora nas periferias e que enfrenta muitas dificuldades para conseguir
sobreviver. Ele diz que isso exige um trabalho duro e que exige das pessoas que estejam
se reunindo e debatendo para procurar as soluções para os problemas através da arte.
Mas, isso representa algo que vai muito além daquilo que as pessoas estavam
procurando dentro de um movimento como o hip hop onde não esperavam encontrar
nada além da diversão e para Dj Morcegão são essas as pessoas que logo se afastam
ficando apenas aqueles que realmente querem trabalhar em suas questões sociais em
conjunto com as culturais.
Para o Dj Morcegão o hip hop hoje está melhor organizado porque já consegue
reunir os elementos em uma programação como o “Mutirão de Grafite” onde é possível
ter a presença dos B‟Boys, dos Djs, dos grafiteiros e dos Mc‟s em um único momento e
todos voltados para o mesmo objetivo. Ele diz que isso não era algo fácil, justamente
pelas dificuldades acima colocadas e também pelo fato de que os grafiteiros e os
B‟boys, que segundo ele, eram quem menos apareciam, estarem organizados em grupos,
o que possibilitou o próprio surgimento do projeto “Mutirão de Grafite” que conseguiu
mobilizar a todos os elementos e além deles para “colarem” nas ruas e agirem. E
também o fato de ser algo que está nas ruas que é o espaço de todos os elementos e faz
com que se sintam a vontade para mostrarem sua arte e o que pensam através dela.
Borda (2008) aponta também o “Centro Comunitário Bom Jesus” como o ponto
de encontro do Movimento Hip Hop naquele momento inicial. Então fui conversar com
a pessoa que era a presidente do centro naquela época, a líder comunitária, Fafá, para
saber porque ela abria o espaço para aquela juventude. Pois, não eram apenas os jovens
do hip hop, mas também o Movimento Punk que estava ali dentro naquele momento,
161

que era anarquista. Segundo a líder comunitária ela não lembra daquele período e que
apenas abria as portas para a juventude se reunir e ocupar o espaço do centro.
No entanto, na verdade, apenas nesse “abrir a porta” ela já estava
proporcionando um fato inédito dentro da história da juventude de Belém,
principalmente do bairro da Terra Firme, a organização de coletivos como o hip hop e o
punk, que proporcionaram aos jovens novos posicionamentos diante da sociedade,
novos olhares diante dos acontecimentos locais. E é importante acentuar aqui que esses
movimentos, como demonstra Borda (2008) sobre o hip hop e Caiafa (1989) a respeito
dos punks, não são locais, mas sim um sinal de que a cidade de Belém, assim como
outras capitais brasileiras estavam ligadas ao que estava ocorrendo com a juventude não
apenas no Brasil, mas em quase todo o mundo ocidental buscando assim maneiras de
lutar por seus direitos como estavam fazendo outros jovens que também estavam se
movimentando e se organizando em coletivos.

4.1.2 Dj Rg

IMAGEM3: DJ RG NO “VIII MUTIRÃO DE GRAFITE” NO BAIRRO


DO GUAMÁ
FOTO: LEILA LEITE SET/2012

A conversa com o Dj Rg foi realizada durante o “I Mutirão de Grafite” no bairro


do Tapanã, em janeiro de 2012. Ele nasceu em 13 de Dezembro de 1976, tem 36 anos.
Mora no bairro da Terra Firme, periferia de Belém. Nesse bairro desenvolveu a ideia de
162

Movimento Hip Hop organizado na cidade. Partindo da união dos elementos do


movimento que em meados da década de 1990 já estavam presentes no contexto da
cidade, porém, não trabalhavam em conjunto. E entre os movimentos que apoiaram essa
organização estavam os Punks, o “Movimento Negro” e Reggae.
Dj Rg faz parte da NRP (Nação de Resistência Periférica) e do “Coletivo Casa
Preta”, além da bancada “Máfia da Baixada”. Bancada é um grupo de pessoas que
fazem parte de outros grupos de rap e que se unem para realizar trabalhos juntos. E essa
bancada em especial se reuniu porque em Belém são poucos os Dj‟s e assim Rg faz
esse papel para todos que estão ali reunidos. Então, deixarei que o Dj Rg conte com
suas palavras a história de sua vida que tanto se entrelaça com a história do Movimento
Hip Hop em Belém.

Eu comecei no hip hop quando eu tinha uns dezoito anos. E assim, escutei o
primeiro rap21 com um “mano”22 que trouxe de São Paulo um CD dos
“Racionais Mc's” e emprestou pra eu escutar.
A primeira música que eu escutei foi “O homem na Estrada”. Aí eu ouvi e
percebi que eu tinha também aquelas ideias. Porque quando adolescente dava
vontade de cantar e tal. Cantar umas músicas de outros assim. E ai escutava
muito rock nacional como “Legião Urbana”, “Cidade Negra”, “Skank” e até
“Gabriel, o Pensador”. Então, o que os “caras” falavam lá dava vontade de
falar contra o governo. Porque eu via a minha rua alagando. Porque eu via o
cara sendo morto pela policia.
Então quando eu escutei a primeira música original rap, que foi “Os
Racionais”, eu disse 'égua, eu sei escrever isso‟. Então eu comecei a escrever e
no mesmo ano eu encontrei um outro Reginaldo na escola que também já tinha
escutado “Racionais”. A gente resolveu montar um grupo. Até na época se
chamou “Regis rap”,porque era nós dois. Aí a gente escreveu algumas
músicas, fizemos algumas apresentações. E nessas apresentações conhecemos a
galera do MBGC (Manos da Baixada de Grosso Calibre), “Expressão Verbal”.
E aí já tinha algumas coisas, né, ideia pra fazer um movimento como o que
existia em outras cidades do Brasil.
E aí a gente montou a NRP, que é “Nação de Resistência Periférica”, até hoje.
Junto com outras pessoas que também estavam chegando, algumas meninas. E
aí logo em seguida quando a gente começou a reunir a gente percebeu que
chamou a atenção de outros grupos. O pessoal do Rock, o pessoal do Punk e o
Reggae. Então começaram a ir nas nossas reuniões para poder, né, dá suas
experiências e também contribuir com a nossa história e ver que jovens da
periferia tão surgindo com uma nova ideologia bem radical e forte. Então
surge o movimento organizado aqui em Belém nessa ideia desde os meus
dezenove anos já que se formou, já tô com 36 anos, então é uma história muito
grande de lá pra cá.
Nessa época parei de cantar com o “Regis Rap” e comecei a trabalhar na

21
Rap: Rythm and Poetry (ritmo e poesia) é a música do Movimento Hip Hop
22
Mano: segundo o grafiteiro Graf, mano é derivado de irmão, significando uma relação de familiar entre
os membros do Movimento Hip Hop. Destaque para a influência paulistana dos integrantes do hip hop
brasileiro. Isto tem certamente ligação com o protagonismo musical e politico do Movimento Hip Hop de
São Paulo na cena nacional.
163

produção do MBGC. A parte técnica, ajudando o Dj Morcegão a montar o som,


carregar os equipamentos. E aí comecei a viajar, conhecer outros estados, como
o Maranhão, Teresina, através do MBGC, o sul do Pará. Porque o grupo estava
começando a aparecer e aí eu aprendi a mexer nos equipamentos, né, os toca
discos. E aí o Morcegão foi me dando algumas dicas, aulas, aí aprendi, né.
E aí eu fui convidado pelo Bruno B.O (Bruno Borda) para ser Dj dele. Porque
era carente, só existia o Morcegão de Dj. Então ele já me ensinou, eu já aprendi
a tocar e toquei três anos e meio com o Bruno B.O como Dj dele. E aí depois
eu comecei a tocar também nas festas, nas boates, nas baladas, nos bailes de
hip hop aqui de Belém. Também tem essas histórias que vem até hoje ainda
fazemos os bailes.
Depois do Bruno B.O eu passei por um grupo [ele não lembrou o nome do
grupo]. Hoje eu tô no “Máfia da Baixada”. Então, o “Máfia da Baixada” já
estamos mais ou menos uns cinco anos juntos lutando para gravar um CD. E o
“Máfia da Baixada” não é uma banda, é uma banca onde tem outros grupos
menores que não tinham Dj e aí, né, eu comprei alguns equipamentos de
gravação, microfone e computador. E comecei a estudar edição de vídeo e
edição de áudio. E a galera colou lá, hoje é o lance do CD, porque a gente tá
gravando, aí já tem mais ou menos noventa por cento das músicas da galera.
Eu tô nessa “correria” junto com o “Máfia da Baixada” que é formada pela
banda QBS que é, “Quebrando a Barreira do Sistema”, a “Um Ponto”, que é o
primeiro ponto do hip hop, então um pouco o significado. E tem o “Sol” do
Mano Aice, que era do “Sequestro da Mente”, que saiu e montou junto com a
gente. Também tem um integrante que era do grupo “Tribunal Periférico”, que
é o Mano Bini, então uniu com o “Máfia da Baixada”. Hoje somos sete pessoas
comigo. Um Dj e seis Mc's. E aí a gente tá com esse show que é o show “Tamo
no Jogo”, que é um show com mais de duas horas.Essa é a história até aqui,
mas para chegar a correria até aqui. A história foi longa. Muita coisa.” (Dj Rg,
36 anos, entrevista em: 22-01-2012)

Dj Rg é uma importante figura dentro da história do Movimento Hip Hop em


Belém até hoje. Ele é um dos Djs mais conhecidos da cidade tanto dentro quanto fora
do estado. Além de ser um dos militantes mais convictos da importância do movimento
reconhecendo nele uma oportunidade de mudar a realidade, o hip hop para ele não tem
apenas o papel artístico, mas também tem um papel politico que envolve a
conscientização das pessoas através de seus elementos. Hoje sua militância está mais
visível junto ao “Coletivo Casa Preta” nas participações que faz nos “Mutirões de
Grafite” como Dj junto, principalmente ao Don Perna dentro das periferias de Belém.
Pois, os bailes de hip hop e shows que organiza são realizados em bares no centro da
cidade.
Segundo ele essas organizações se dão nesses espaços para facilitar o acesso de
todos que queiram participar, pois isso facilita a chegada e a saída pelo acesso ao
transporte coletivo. O Dj Rg sobrevive da música tanto em festas como também dando
oficinas de Dj em projetos governamentais voltados para a juventude. Isso significa que
as críticas sociais não o coloca radicalmente contra o governo a ponto de se negar a
164

ministrar oficinas em seus projetos. Mas, ele consegue também se dedicar a sua
militância no hip hop também dentro das bandas ou como no caso do “Máfia da
Baixada” nas bancadas que participa buscando manter o rap em constante
movimentação e visibilidade. E isso faz com que as pessoas consigam ter um contato
maior com essa música e também com a cultura hip hop.
Ao falar da história do movimento Rg aponta a participação do Movimento Punk
como um dos que apoiou essa organização. É importante dizer aqui que isso ocorreu
principalmente porque, além dos punks estarem organizados a mais tempo, desde a
década de 1980, dentro da cidade, eles estavam militando nesse momento desde o final
da década de 1990, dentro do bairro da Terra Firme. Nessa militância muita coisa em
comum estava sendo reivindicada, pois muitos punks moravam no bairro. Esse ponto
será melhor discutido abaixo.
Rg ainda mora no bairro da Terra Firme e ainda é um jovem que está criticando
e observando as dificuldades constantes que a juventude do bairro enfrenta e com o
crescimento populacional essa juventude se tornou ainda mais vitima de toda a situação
de descaso do poder público. Essas questões estão preocupando os militantes do
Movimento Hip Hop, pois esses jovens estão morrendo e matando cada vez mais cedo.

4.2- Coletivo Casa Preta


Não pretendo aqui repetir o que foi feito no capítulo anterior onde trago a
discussão em torno do espaço “Casa Preta”, aqui pretendo trazer a discussão em
torno do “Coletivo Casa Preta”a partir da história de vida de seus integrantes. O
“Coletivo Casa Preta” é formado por diversos artistas que estão movimentando a
cena artística marginal e dos movimentos sociais em Belém, são eles Dj’s, Mc’s,
grafiteiros, construtores de tambor, trançadeiras. Todos envolvidos com a cultura negra
como no caso de Don Perna que é um de seus fundadores. Segundo Don Perna esse
coletivo tem uma ligação direta com o Movimento Negro a partir da “Casa de Cultura
Tainã” e a “Rede Mocambos”.
Esses espaços estão dispostos à discussão e a produção da cultura,
principalmente da cultura negra dentro do país. A ligação da “Casa Preta” com eles
165

se dá a partir de Don Perna, que está envolvido e que desenvolve dentro da “Casa
Preta” atividades próximas ao que ocorre neles. São essas atividades, oficinas de
construção de tambores, discussões em torno da cultura na cidade de Belém e região
metropolitana assim como os “Mutirões de Grafite”.
Na “Casa Preta” são desenvolvidas algumas atividades, mas ela também
serve como moradia para Don Perna, Negro Lamar e Guine. No entanto, isso não
impede a circulação de pessoas no espaço diariamente, pelo contrário, facilita o contato
com o coletivo assim como o funcionamento do espaço.
Na narrativa de Don Perna ele afirma sobre o “Coletivo Casa Preta” o
seguinte,

Então, aqui o “[Coletivo] Casa Preta” acaba se tornando uma “perna” da “Rede
Mocambos”. Formando uma “perna” física vamos dizer assim. Porque daí eu
tô aqui, o Guine tá aqui. Lamartine tá sempre aqui. E a gente acabou dando
oficinas ligadas a essa área da tecnologia ou ligadas a essas construções com
quilombolas, tanto urbano quanto rural.
Então, a gente tem esses projetos que estão andando no momento. Aí tem
convites que são feitos pra gente que a gente vai participando de eventos, de
palestras ou de oficinas mesmo. O Guinê sempre tá dando oficina de dança afro
aí, esse ano acho que deve acontecer uma no IAP (Instituto de Artes do Pará.
Então, acho que o “Casa Preta” tá meio que amadurecendo. Eu considero o
“Casa Preta” ainda como um embrião assim como o bloco. A gente ainda tá
criando uma estrutura pra deixar isso nítido pras pessoas que a gente tá aqui
trabalhando nesse viés né. Que o fato da gente trabalhar com cultura negra não
exclui que outras pessoas, de outras raças ou de outras etnias pertença a esse
projeto. Até mesmo acho que a gente pensa como um quilombo. Um quilombo
é um lugar onde vivia não só os negros, mas vivia os brancos, vivia os índios,
vivia os caras que não concordavam com aquele sistema que regia aquelas
regras.
Então, o “Casa Preta”é isso e a gente tem uma metodologia, a gente tenta
executar uma metodologia que seja afro, baseada no conhecimento ancestral ,
baseada na tradição oral, mas que ela permita também o convívio com outras
pessoas e outros tipos de luta. A diferença é que a gente tem a nossa
autoestima, que a gente luta por esse viés e que a gente tá aqui pra debater,
dialogar, conversar, é mais ou menos por aí a história. (Don Perna, 33 anos,
Dj, articulador cultural e fabricante de tambor, entrevista em: 21-01-2012)

O“Coletivo Casa Preta” se configura assim, na atualidade, num importante


coletivo da juventude e da cultura negra dentro de Belém, pois consegue militar e
representar essas manifestações de maneira nacional mantendo relações com os
movimentos de outros estados e que estão também desenvolvendo atividades dentro da
mesma linha de ação que eles. É um espaço de encontro de jovens que estão atuando de
166

diversas maneiras e que buscam dentro dessa relação a discussão de suas ações e a
continuação de suas discussões.

4.2.1- Don Perna

IMAGEM4: DON PERNA NO “VIII MUTIRÃO DE GRAFITE”


NO BAIRRO DO GUAMÁ EM BELÉM
FOTO: LEILA LEITE SET/2012

Don Perna, ou simplesmente Perna, é Dj, construtor de tambor e articulador


cultural dentro do Movimento HipHop e é um dos fundadores do “Coletivo Casa
Preta”. Mora no bairro de Canudos, em Belém, dentro do espaço “Casa Preta”.
Nasceu em 25 de fevereiro de 1980,tem 33 anos. Ele é natural de São Paulo e sempre
esteve ligado a cultura negra e ao hip hop em sua cidade, Campinas e por isso montou o
coletivo do qual faz parte, chegou em Belém através de um projeto, o GESAC
(Governo Eletrônico de Serviço e Atendimento ao Cidadão, do Ministério da
Comunicação. A conversa com ele ocorreu na oficina do espaço “Casa Preta”, mais
ou menos onze horas da manhã em janeiro de 2012, mais especificamente no dia 21 de
janeiro de 2012, na véspera do “I Mutirão de Grafite”. E então com as palavras de
Don Perna.
167

Bom, o meu envolvimento com o Movimento Hip Hop, ele começa a partir do
momento em que eu entendo o hip hop como elemento negro. Eu acredito que
o hip hop é uma manifestação da cultura preta, é uma manifestação da cultura
negra. Então, eu já venho de uma escola de rua. Vamos dizer, eu já venho de
quilombo urbano, chamado “Casa de Cultura Tainã”, em Campinas. E nessa
casa de cultura eu aprendi várias coisas. Entre elas você tinha a galera do rap
que “colava”23, tinha a galera que era do grafite que “colava”. Tinha a galera
que era Dj. Assim como a galera que tocava tambor. Tinha a mãe de santo,
assim como tu tinha as pessoas que eram ligadas a literatura, que eram ligadas
a biblioteca. E gente que mexia com vídeo.
Então, assim eu tive o privilégio de com 14, 15, quase 16 anos de idade me
mudar pra dentro de uma casa de cultura. E lá eu tive acesso a muita
informação. Entre essas informações estava o hip hop. O hip hop é uma
linguagem da rua e eu nasci na periferia de Campinas. Então, a periferia me fez
chegar ao hip hop. Um dos primeiros raps que ouvi foi “Racionais”, “Taide” e
aí você vai se conectando.
Aqui em Belém, eu tô faz seis anos. E como eu não nasci aqui eu fui me
aproximando das pessoas que tinham a ver com a minha cultura. Que tinham a
ver com a minha lida. Então, eu tive acesso ao hip hop aqui. Fui a uma
primeira reunião, quando os caras faziam reunião aqui na José Bonifácio numa
escola24 a convite de uma galera que trabalhava com midiativismo. E aí eu fui
lá, participei da reunião e virei brother da galera. E hoje em dia eu enxergo o
hip hop não como um elemento sozinho. Eu enxergo o hip hop como parte
desse conjunto que é a cultura preta de periferia, que é a cultura negra
espalhada pelo Brasil.
Aqui em Belém o “Casa Preta” tem algumas parcerias. Então, eu conheci o
CEDENPA (Centro de Estudos do Negro no Pará), os “caras”25 tem mais de
trinta anos de militância. Tem uma mulherada que “manda muito bem”26, que
tem um conhecimento jurídico, um conhecimento sobre a autoestima negra.
Aqui eu não vou dizer que faço parte do “Movimento Negro”, mas faço parte
dos negros que estão em movimento no Pará. Não só aqui no Pará, mas no
Brasil como um todo.
Em Campinas eu participei da “Casa de Cultura Tainã”. E a casa de cultura foi
um dos embriões de um projeto chamado “Rede Mocambos”, que é uma rede
que discute tecnologia e ancestralidade. Então, a gente vai ter quilombos
urbanos e quilombos rurais em vários lugares do Brasil. Esses lugares do Brasil
já fui dá oficina lá, tanto na área de informática quanto na área de percussão, na
área de construção de arte gráfica. Tive recentemente na “Casa do Boneco”, na
Bahia, em Itacaré dando uma oficina de arte gráfica pra eles.
Então, assim eu vejo que esses elementos do movimento em si está desgastado.
Assim como está desgastada a palavra cidadania. Como é desgastada a palavra
assistencialismo. Então, eu prefiro dizer que não pertenço ao “Movimento
Negro”. Mas, eu pertenço ao movimento dos negros que estão sempre andando,
que estão sempre em movimento. Eu conheço aqui o pessoal da MALUNGU
(Organização Estadual- Malungu), o pessoal do CEDENPA. Conheço o pessoal
da “Rede Mocambos”. Aí já participei de algumas atividades em Campinas na
época tinha um deputado lá, Sebastião Arcanjo. Eu trabalhei para o Sebastião
Arcanjo produzindo arte gráfica. Ele foi um cara negro que era do PT (Partido
dos Trabalhadores) e fez várias manifestações políticas na época em relação ao
cuidar do negro. Então, eu acabei participando de algumas coisas assim. Eu
nunca vesti a camisa de ninguém, mas eu sempre estive presente contribuindo
com o que eu sei, com o que eu posso, com o que eu penso. Eu sempre estive
mais ou menos por ai dessas questões.

23
“Colar” significa ,na gíria, estar junto a alguém ou um grupo.
24
Avenida José Bonifácio, localizada no bairro de São Brás na cidade de Belém. As reuniões ocorriam na
Escola Estadual Augusto Meira.
25
Perna se refere aqui as pessoas que fazem parte do CEDENPA
26
Ou seja, que realizar suas atividades com muita qualidade
168

“Casa Preta”. Bom, essa história d'eu querer... querer não, me mudar pra uma
casa de cultura quando eu tinha 15 anos, isso mexeu com a minha cabeça pro
resto da minha vida. Faz dezessete anos que eu tô nessa “pegada27” aí. Eu não
consegui sair disso aí. Eu trabalho com isso desde os quinze anos. Eu saí de
casa e falei “mãe eu não vou fazer universidade. Eu vou entrar numa casa de
cultura e vou aprender a tocar tambor”. Ela disse “ah meu filho num dou uma
semana pra tu voltar”. Demorou oito anos. Eu voltei, mas não pra morar. Para
morar com a minha mãe eu fui morar depois de oito anos.
Eu passei por uma escola. Uma universidade mesmo e ai quando eu vim morar
aqui na Amazônia, aqui em Belém, eu falei “vou montar uma casa de cultura
aqui. Não aqui, mas eu vim pensando nessas coisas assim. Em transformar o
lugar onde eu moro. Eu morava em Campinas e participava da “Tainã”. Essa
casa de cultura. Então ajudei a “Tainã” a ser o que ela é hoje. Eu participei, eu
dei o meu axé lá. Aqui em Belém eu considero que eu também tô dando o meu
axé aqui. O que significa participar da construção, de uma construção que seja
coletiva, que sobretudo pela minha ideologia. A gente é pan africanista que
pensa na questão do negro dentro do Pará. Não só do Pará, mas dentro do
Brasil. De você poder enxergar como negro dentro do Brasil.
Eu tinha uns amigos aqui que eu acabei trazendo pra cá alguns parceiros que
fizeram parte desse processo com a gente, que vieram pra cá em função de
outros projetos. E aqui me “bati28” com um cara chamado Guinê, que já é do
movimento negro, que já tem aí pelo menos uns quinze anos de história dentro
da cidade, que trabalhava com o “Movimento Negro”, que é professor de dança
afro, que nossa aproximação possibilitou dele tá mexendo com tecnologia. Ele
é o cara que monta a rádio. É um negro, que nosso encontro possibilitou vários
avanços, assim, porque a gente acredita nas mesmas coisas.
A gente teve um projeto aprovado no Ministério da Cultura junto com
PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), que é
a formação do bloco. Então, a gente tá montando um bloco na Terra Firme que
é o “Bloco Firme”. Então, o “Bloco Firme” é um projeto que tá atualmente
acontecendo. A gente tem parcerias com o CEDENPA e parcerias com a
MALUNGU. Então a gente acaba se envolvendo em alguns processos ligados a
tecnologia, por exemplo, a gente tem um infocentro no CEDENPA, a gente
procura dá manutenção e “correr” atrás de recursos pra poder o CEDENPA ser
um núcleo de formação continuada da “Rede Mocambos”. (Don Perna, 33
anos, Dj, articulador cultural e fabricante de tambor, entrevista em: 21-01-
2012)

Don Perna, ele me confessou que ganhou apelido de Perna ainda em Campinas,
na capoeira, e que aqui em Belém começaram a acrescentar o Don e ele tomou para si.
Ele é o idealizador da “Casa Preta”, que como explicado acima, é um importante
espaço de cultura da juventude grafiteira e de outros artistas marginais em Belém. Ele
tomou como exemplo o espaço onde morou durante alguns anos, a “Casa de Cultura
Tainã”, que também já foi explicada acima, é uma casa localizada em Campinas no
estado de São Paulo e que desenvolve atividades artística e sociais dentro da cidade e
do país através da “Rede Mocambos”.
No entanto, é importante perceber que Don Perna deixa claro durante toda a sua

27
Ele quis dizer aqui que está envolvido em movimentos culturais.
28
Ele quis dizer que encontrou com pessoas.
169

narrativa que não faz parte do “Movimento Negro” em Belém, mas que faz parte dos
“negros que estão em movimento”, em contato constante com as pessoas e as
manifestações referentes à arte e a discussões sociais. No caso do Pará existe o contato
com o CEDENPA (Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará), além da
MALUNGU (Organização Estadual- Malungu), entidades que trabalham com as causas
relacionadas aos negros dentro do estado do Pará.
No site do CEDENPA é possível encontrar o seguinte texto ao acessá-lo,

O CEDENPA é uma entidade sem fins lucrativos, sem vínculos políticos-


partidários, fundada em 10 de agoto de 1980 e legalizado em 27 de abril de
1982, que, a partir do Estado do Pará, vem contribuindo no processo de
superação do racismo, preconceito e discriminação, que produzem as
desigualdades sócio-raciais, de gênero e outras, prejudicando, sobretudo, a
população negra e indígena, em todos os aspectos da sociedade brasileira.
(Disponível em: www.cedenpa.org.br/quemsomos, acesso em: 01/02/2013)

Quanto a MALUN GU, em seu site está o seguinte texto,

Malungu é uma palavra de origem africana que significa companheiro. Esta


palavra foi escolhida para nomear a coordenação das “Associações das
comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará”.
A representação estadual foi criada em Santarém em novembro de 1999 em
caráter ainda provisório. Em 2002, a Coordenação Estadual realizou a sua
primeira assembleia geral no Município de Baião. Em março de 2004, a
MALUNGU foi oficialmente criada com a aprovação de seu estatuto, a eleição
do Conselho Diretor e da Coordenação Executiva e a definição das prioridades
de trabalho da organização. (Comunidades Quilombolas do Brasil. Estado do
Pará. A organização estadual- Malungu . Disponível em:
http://www.cpsisp.org.br/comunidades, acesso em: 01/02/2013)

Como é possível perceber em seus textos de apresentação essas instituições são


legalizadas junto ao governo e tem o interesse de organizar os negros em suas lutas por
seus direitos. O CEDENPA fica localizado em Belém e a Malungu em Abaetetuba. E
Don Perna em sua ligação com eles também faz uma militância nesse sentido tanto
quando está tratando de arte quanto quando está falando de questões sociais. E ele
enfatiza muito isso quando fala de seu envolvimento com o hip hop. Pois, ele afirma
que se o hip hop não tivesse essa ligação com o negro, se não fosse uma cultura negra,
ele não faria nenhuma movimentação nesse sentido. Mas, é importante dizer que Don
Perna não faz parte do Movimento Negro em Belém, como ele mesmo já afirmou
170

acima, ele faz parte do “negros que estão em movimento”, ou seja, ele está se
movimentando em sua militância com as diversas questões que envolvem a
“ancestralidade”, mas não é alguém que se atrelou ao Movimento Negro, o que não o
impede de estar na discussão e na busca de novas alternativas para a sociedade,
principalmente para a juventude.
E essa ligação da “Casa Preta” e de Don Perna com o Movimento Hip Hop em
Belém é muito forte. Pois, além do interesse dos seus fundadores e coordenadores, o
coletivo “Casa Preta” é formado por vários membros desse movimento, como todos os
integrantes da NRP com quem conversei e muitos grafiteiros dessa pesquisa também.
E o envolvimento do hip hop com a questão negra vem desde a sua fundação.
Nos Estados Unidos quando começou o hip hop foi dentro da realidade da juventude
negra e hispânica que vivia no Bronx em Nova York. E foi a partir dali, com a música, a
dança, o grafite, que aqueles jovens se organizaram e conseguiram se tornar um
movimento denominado por Afrika Bambaataa de hip hop (quebrar os quadris).
(Reckiegel, 2004; Freitas, 2009; Santos, 2007) E que a partir daquele realidade chegou
ao Brasil e, no caso dessa pesquisa em particular, importa dizer que chegou a Belém. E
agora está interligando essa cidade com outras no país e fora dele através de uma cultura
de juventude que possibilita discussões e analises acadêmicas e de outros movimentos
culturais.
171

4.2.2- Negro Lamar

IMAGEM 5: NEGRO LAMAR NO “IX MUTIRÃO DE GRAFITE”


NO BAIRRO DE FÁTIMA
FOTO: LEILA LEITE OUT/2012

Negro Lamar, nasceu em 22 de novembro de 1969. Ele tem 43 anos. Nasceu no


Estado do Maranhão, em Colinas e mora lá e aqui em Belém, mais especificamente no
bairro de Canudos, na “Casa Preta”. Faz parte do Movimento Hip Hop e do
“Coletivo Casa Preta”. Foi um dos fundadores desse movimento aqui em Belém e
hoje é um dos articuladores culturais junto com Don Perna. É B'boy, Mc e Dj. A
conversa com ele ocorreu no espaço da “Casa Preta” no dia 16 de fevereiro de 2012.
Negro Lamar está participando atividades dentro de Belém desde a década de 1990
quando veio para o “Encontro da juventude Latino Americana Contra o
Neoliberalismo”. Nesse ele chegou com mais de vinte jovens para tentar organizar o
hip hop no Norte e no Nordeste como um movimento o que ainda não havia ocorrido.
O nome pensado para o movimento foi “Rima de Cima”e em Belém ainda não
existia a NRP. E ele participou naquele momento das reuniões que pensaram a NRP
como um movimento. Para Negro Lamar era necessário que o hip hop se organizasse
172

para que a partir daí conseguisse se fortalecer dentro das regiões Norte e Nordeste do
Brasil, pois em outros locais, isso já estava ocorrendo e para ele isso colaboraria para
que a juventude ganhasse novos espaços e mais força para brigar por seus direitos. Na
década de 1990 as vindas de Negro Lamar eram apoiadas pela prefeitura de Edmilson
Rodrigues (PT). Isso ocorria porque o hip hop estava ligado ao Partido dos
Trabalhadores (PT) na cidade e isso facilitou para que Negro Lamar até chegasse a
morar em Belém.

Eu comecei dançando dança de rua. Lá por volta de meados da década de 1980.


E depois, eu sou de Colinas, e depois eu fui pra São Luís. Em São Luiz depois
desse processo da dança a gente entra mais ou menos no final da década de
1980, mais ou menos 89 pra 1990, a gente começa a fazer as primeiras rimas e
cria uma organização de hip hop chamada “Quilombo Urbano”. Depois a gente
criou uma organização chamada “Favelafro”. E essas duas organizações , o
objetivo sempre foi fazer militância através da cultura hip hop. Mesmo que a
gente pudesse sobreviver, mas a gente sempre pensou nessa coisa da militância,
de fazer militância através da cultura hip hop. E na década de 1990 a gente
pensou, quando eu era ainda do “Quilombo Urbano”, a gente começou a pensar
na possibilidade de criar um “braço” revolucionário, um braço militante de
cultura hip hop no Brasil começando no Nordeste. E nossa primeira vinda aqui
no Pará foi mais ou menos em 1998, se não me engano. Quando aconteceu o
“Encontro da juventude Latinoamericana contra o Neoliberalismo”.
Aí a gente estava aqui, nós viemos em vinte pra cá e aqui... porque que a gente
veio pra cá? Além de participar desse encontro a gente veio fazer a primeira
tentativa, não foi exatamente a primeira. Primeiro a gente tentou com o Ceará,
Piauí, Maranhão, montar uma organização nacional com um pessoal de São
Paulo chamado Movimento Hip Hop Organizado, uma organização nacional,
ainda não tinha nome. Depois a gente pensou de fazer uma coisa chamada
“Rima de Cima”. E a gente veio parar aqui. “Rima de Cima” porque uma coisa
que é a parte de cima do mapa, que é a região Norte e Nordeste fazendo
revolução. Fazendo revolução a partir da cultura hip hop. E nós viemos fazer
nossa primeira conversa aqui.
Na época o Movimento Hip Hop do Pará ainda não tinha a NRP (Nação de
Resistência Periférica). Na época o Movimento Hip Hop se organizava dentro
da entidade “Mocambos”. E nós ficamos lá no Entroncamento hospedados na
primeira sedezinha do “Mocambos”. E a gente fez a primeira reunião reunião
na perspectiva de construir isso. Então foi minha primeira vinda ao Pará.
Depois por várias vezes a gente veio na época que o Edmilson era prefeito. A
gente veio às vezes participar de eventos como “Cultura de Rua”, que nasce lá
atrás. De outros eventos organizados pela NRP. Quase todas as vezes que a
gente veio pra cá a gente veio a convite da NRP e articulando com a prefeitura
de Belém através do Edmilson. Então a gente veio muito na década de 1990
aqui. Eu cheguei até a morar na década de 1990 aqui. Um período na praça da
República, não na praça, num apartamento perto da praça. Eu num tinha grana
pra morar, mas, „tava morando com uma companheira lá. E assim essa ligação
com o Pará sempre foi essa. Primeiro com NRP, depois com os outros núcleos.
Por exemplo, o b'boy, o “Cosp Tinta”, essa nossa ligação vem mais recente. O
“Coletivo Casa Preta”, a minha ligação com o “Coletivo Casa Preta”, primeiro
com o Guinê.
O Guinê a gente já se conhece desde lá de São Luís, ele no Reggae e no
“Movimento Negro” lá. O Perna eu conheço de Campinas através de um
vereador chamado Tiãozinho lá em Campinas. Quando a gente teve em
173

Campinas eles foram “colar” no nosso show pra dar uma olhada lá na “Casa
Portuguesa”em Campinas. A gente já se conhece há muito tempo. Depois a
gente se encontrou no “Encontro de Ponto de Cultura e Software Livre” que a
gente tava organizando em Teresina, Piauí. E a partir daí a gente ficou sempre
em contato falando de negritude e software livre. Aí ele veio trabalhar aqui
num programa do governo chamado GESAC (Governo Eletrônico de Serviço e
Atendimento ao Cidadão). Daí eu apresentei ele pro Guinê e os dois foram
morar juntos, rolou afinidade e aí vingou dessa criação desse “Coletivo Casa
Preta”que a gente mora junto e desenvolve ações de tecnologia, ancestralidade,
tambor, enfim. É daí que vem toda essa minha ligação com o Pará. E agora tem
com a chegada do Soldado na casa a UBI. UBI “Zulu Bambaataa” (União dos
B‟Boys Independentes Zulu Bambaataa), o Soldado é um camarada histórico
do Movimento Hip Hop. Ele é muito conhecido principalmente na área de
dança de rua.
E antes eu cantava, necessariamente não tô cantando mais. De vez em quando
eu boto um som em algumas festas no Maranhão e aqui. Mas, o que a gente
mais faz atualmente é fazer articulação. Fazer projeto e articular ações com o
Movimento Hip Hop, o “Movimento Negro”, enfim, tudo o que for possível pra
organizar o Movimento Hip Hop. Não só aqui, mas em todo o Norte e
Nordeste. Agora nós temos uma reunião de planejamento, agora em abril, em
Macapá. Uma reunião que vai apontar pro planejamento do MHF, Movimento
Hip Hop da Floresta. Eu faço parte do Movimento Hip Hop Brasileiro. (Negro
Lamar, 43 anos, articulador cultural, entrevista em: 16-02-2012)

Negro Lamar é tido pelos jovens do Movimento Hip Hop em Belém como uma
grande referência dentro do movimento nacional. Pois, está fazendo parte do hip hop
desde a década de 1980, já passou inclusive pelo momento de formação do movimento
em Belém, aonde veio para colaborar na fomentação do hip hop enquanto algo
realmente organizado dentro da cidade. Lamar afirma em seu relato que fundou o
“Quilombo Urbano” no Maranhão, um Movimento de Hip Hop. Segundo Santos (2007)
é uma organização que envolvia todos os elementos do hip hop até o momento em que
se dá a organização do movimento “Favelafro”, um movimento que levou a maioria dos
grafiteiros e dos B‟boys deixando no primeiro a maioria de grupos de rap.
E hoje Negro Lamar está no “Favelavro” e segundo ele relatou tem o mesmo
tipo de trabalho desenvolvido dentro da “Casa Preta”. E seu trabalho vem sendo
desenvolvido em relação com os dois coletivos além de outros dentro do país sempre
buscando levar o hip hop. E mesmo tendo um histórico de militância mais antigo e mais
direto com o hip hop do que Perna, os dois acabam tendo o mesmo objetivo, militar pela
cultura negra buscando sempre visar a juventude e isso veio a ficar ainda mais ligado
quando da formação da “Casa Preta”. Negro Lamar é um dos coordenadores do
“Coletivo Casa Preta” e está numa constante relação com os movimentos pelo país. E
assim como Don Perna mantém seu coletivo em Belém e o do Maranhão em constante
movimento e renovação de ideias politicas e culturais.
174

4.2.3- Rui

IMAGEM 6: RUI NA “CASA PRETA”


FOTO: LEILA LEITE JAN/2012

Rui nasceu em 10 de maio de 1983, tem 30 anos, é casado e tem um filho. Ele é
construtor de tambor e artesão. Faz parte do “Coletivo Casa Preta”, já fez teatro,
malabarismo e agora se dedica aos trabalhos que faz na “Casa Preta” de oficina de
construção de tambor dentro do projeto “Bloco Firme” e ao seu trabalho com artesanato
que desenvolve com sua companheira Juliene e de onde tira seu sustento. Nossa
conversa ocorreu em minha casa no dia 06 de novembro de 2012. Então, vamos a sua
história,

Eu, como morador da Terra Firme, onde um moleque não tem tantas
oportunidades assim, num tem formação, educação, tu vai logo pular do mais
fácil que é aquela da rua. Então, eu também fui pichador, cheguei a pichar na
minha adolescência, na pré-adolescência pra adolescência. Só que não era pra
mim, num era mesmo. Pichava até com nugget, que é aquela tinta pra pintar
sapato tipo uma bisnaga, nunca cheguei a pichar com lata porque eu num tinha
dinheiro. Mas aí me envolvi com outras delinquências também. O meu
envolvimento com a arte mesmo veio quando eu conheci a galera anarco. Os
175

anarcopunks porque a partir dai foi uma porta que se abriu. Assim contando
com outras coisas já, veio o teatro de rua, veio o circense, veio até a própria
literatura junto com o Movimento Anarco Punk. Mas também nenhum desses,
nenhuma dessas coisas foi algo que eu queria mesmo. Foi só o caminho pra
chegar aonde eu to chegando. E depois disso eu fiz várias coisas. Eu conheci o
artesanato, na rua eu conheci o artesanato através do malabarismo que eu fazia,
circense, eu trabalhei muito na rua, no semáforo fazendo, viajando pra outros
lugares também. Eu tive um contato com o artesanato e sobrevivo até hoje. E
de lá, fui tendo contato com a música também, com a percussão. A percussão
sempre teve, eu acho, desde o inicio comigo, mas só agora tá tendo um
trabalho mais engajado. Lá na “Casa Preta” foi um convite que eu tive. Eu fui
até privilegiado porque foi merecido porque foi o fato de ter afinidade. Então,
por isso que eu acho que eu fui convidado. Então a gente tá desenvolvendo um
trabalho lá com a percussão onde a galera também faz um trabalho com afro-
descendência, enfim. Hoje lá na “Casa Preta” tem a galera do “Cosp Tinta”, eu
acho interessante pra caramba o “trampo29”, a pesquisa dos moleques. Hoje eu
to voltando a ter contato com o grafite, com a pichação, eles são pichadores
antigos também, inclusive tenho pego algumas técnicas. E a “Casa Preta” tá
sendo a minha família hoje em dia, resumindo, tá sendo do caramba. O meu
trabalho na “Casa Preta” tá voltado mais pra percussão. Quando eu fui
convidado a trabalhar a gente deu logo uma oficina de construção de tambor. E
eu já tinha durante esse período desde o encontro com o movimento
anarcopunk até hoje, já tem mais de dez anos, faz uns quinze anos, então
durante esse período eu aprendi muita coisa e as melhores eu absorvi, que foi
trabalhar com a percussão, a trabalhar e construir, como eu tinha a técnica a
gente passou a trabalhar a construção, hoje a gente tem mais de quarenta
instrumentos prontos, confeccionados, coordenado por mim e o resto da galera
ajudando tal, hoje a gente tem o projeto o bloco firme afro beat, que é uma
mistura de música africana, música afrobrasileira, músicas regionais daqui,
seriam, o carimbó, o samba de cacete, no maranhão o boi, o tambor de crioula,
em Pernambuco o coco, o peão, o maracatu e com a levada do rap, o rap
sempre tá envolvido no nosso trabalho. A questão da casa preta com o rap é
porque é afinidade mesmo, é porque o rap é da rua e a maioria da galera
também é do Movimento Hip Hop, B‟boy, grafiteiro, Mc, Dj. Esse “trampo” já
tem pouco mais de um ano, quase dois anos. Hoje em dia as pessoas tão
começando a perceber a importância que a “Casa Preta” tá tendo hoje, então tá
aparecendo muitos trabalhos,muitas propostas e pra mim é bem legal isso.
Porque eu nunca imaginei que eu poderia trampar com o que eu realmente
gosto de fazer, eu gosto de tocar tambor e construir tambor. E do outro lado

29
O mesmo que trabalho na gíria.
176

tem também a importância que é o tambor, o tambor foi a primeira internet que
existiu, o tambor se comunica, qualquer pessoa que escuta um tambor vai atrás,
quer saber o que que é, mexe mesmo com qualquer pessoa e também tem
aquela questão de que o tambor volta aos nossos ancestrais. E tambor os nossos
ancestrais estão perto também e também é porque faz entender que a nossa raiz
é africana. Quando a gente entra em transe e quando as pessoas percebem que
“eu nunca tinha feito uma oficina, eu nunca tinha tocado num tambor, caramba,
„hei rui, me ensina de novo, quando é que eu posso voltar?, quando é que tu
pode me ensinar?, eu tenho um pandeiro lá em casa que já tá faz cinco anos e
eu nunca soube como tocar ele‟. Então, desperta mesmo essa curiosidade e as
pessoas vão se tornando, se sentindo mais importantes, então, tem essa função
também, abre uma visão externa, imensa mesmo. (Rui, construtor de tambor,
artesão, 30 anos, entrevista em: 06-11-2012)

Rui passou por vários grupos juvenis e artísticos dentro de Belém. E ter sido
punk é apontado por ele como algo muito importante, pois ocorreu no momento em que
ele estava envolvido no que ele chama de “delinquências” as quais ele não quis detalhar.
E naquele momento teve contato com um outro tipo de conhecimento que o aproximou
da arte. No entanto, o que ele aponta de mais importante em sua vida é o que está
ocorrendo no presente. Pois, está envolvido com a construção e a oficina de tambores
dentro do “Coletivo Casa Preta” para ele representa algo tão importante quanto o
Movimento Hip Hop e o grafite para seus integrantes. Rui deixa claro que entre o
momento de “delinquência” e o momento com os punks e a arte existe um
distanciamento de conteúdo e de forma. Com os punks ele se aproximou da arte e
conseguiu ver nisso uma nova possibilidade de vida. E diz que foi assim que se afastou
do que hoje ele encara como sendo algo negativo em sua vida.

Na foto acima é possível observar ele sentado em frente ao computador numa


bancada no pátio da “Casa Preta” enquanto nós esperávamos Don Perna que era quem
ele iria me apresentar nesse dia além da casa. Rui me falou da casa com muito
entusiasmo, mostrou cada espaço da casa e também os materiais utilizados para a
construção dos tambores. Então sentou e foi vasculhar a internet. Assim que Don Perna
chegou Rui foi embora para resolver problemas pessoais. Mas, não foi nesse dia que
conversamos. Nossa conversa ocorreu em um dia em que ele me fez uma visita e
aproveitamos o silêncio e a ausência de outras pessoas para termos uma conversa mais
formal. E foi aí que ele revelou a sua paixão pela percussão e a construção de tambores.
177

Como exemplo de tambor dentro do Estado do Pará é possível falar do carimbó


ou curimbó como aponta Monteiro (2012) em seu artigo ao falar da forma como se dá a
construção de um tambor carimbó em Salinópolis. Segundo o autor é preciso muita
habilidade para que essa tarefa seja cumprida, pois o tambor carimbó é importante tanto
musicalmente como na realização da manifestação cultural denominada Carimbó. No
entanto, ele chama atenção para a importância que a sensibilidade e a ligação do homem
com a sua natureza tem para o momento em que se constrói um tambor. Pois, ele é
construído com couro de animais e tronco de árvore, no caso de Salinópolis é utilizado
o couro de boi e a árvore siriúba.

O autor fala da satisfação que os fazedores de tambor de Salinas sentem ao


verem seus tambores sendo tocados e a tradição sendo mantida. E Rui, que já tocou
percussão em vários grupos, fala da alegria que sente ao ver que alguém gostou de sua
oficina de construção de tambor e que agora sabe tocar e quer aprender ainda mais.
Pois, além de aprender a construir os tambores as pessoas também aprendem a tocar. E
no caso da “Casa Preta” essas oficinas são realizadas dentro do projeto “Bloco Firme”.

4.3- Punk

Os punks contam na história do Movimento Hip Hop a partir do momento em


que estavam juntos dentro do bairro da Terra Firme no final dos anos de 1990. Nesse
período o Movimento Punk ocupava uma casa no bairro e uma das bandas punks
ensaiava com o MBGC no mesmo estúdio, participavam de eventos e de ações sociais
dentro do bairro. E os punks apoiaram o inicio do Movimento Hip Hop desde as suas
primeiras reuniões dentro do Centro Comunitário Bom Jesus. Além do que muitos
punks eram moradores do bairro assim como os integrantes do Movimento Hip Hop e
isso os tornava ainda mais próximos. E também tem as pessoas que no passado fizeram
parte do punk e hoje estão dentro do Movimento Hip Hop
em Belém.
Segundo relato de Serjão, o Movimento Punk está em Belém desde a década de
1980. Porém, os punks com quem conversei começaram a fazer parte do movimento a
partir dos anos de 1990. Entre os que moravam no bairro da Terra Firme estavam Rui,
Sérgio e Zangado, conversei com esses três, sendo que Rui não faz mais parte desse
coletivo, mas sim do “Coletivo Casa Preta”, o que não impede que continuem amigos e
178

participando de alguns projetos juntos.


O Movimento Punk tem seu inicio na Inglaterra ou nos Estados Unidos, isso é
uma polêmica ainda não resolvida na história do movimento no final da década de 1960
organizado por jovens operários inconformados com sua situação de poucas
oportunidades e muito desemprego e por isso montaram bandas para tocar um som de
protesto que conseguisse mostrar ao mundo a sua insatisfação. Em seu inicio o punk
ainda não tinha a ligação com o anarquismo. (CAIAFA, 1989; O‟HARA, 2005;
COSTA, 2000, OLIVEIRA, 2006)
O anarquismo, uma ideologia politica, vai ser incorporado por ser considerado o
mais próximo do punk, por pregar a liberdade e vai se tornar importante para o
posicionamento político do punk diante da sociedade. A partir de então o punk vai
passar a ser Movimento Anarcopunk e seus fanzines vão passar a conter uma forte
discussão politica a respeito da situação que vivenciavam.
É importante perceber que a maioria dos punks vive nas periferias, como no caso
do Brasil e no caso da minha pesquisa particularmente em Belém. E esses jovens
vivenciam a realidade do desemprego, do transporte público precário e outras
dificuldades que estão presentes em suas músicas e em suas manifestações, como
fanzines e telas pintadas em suas camisas. (CAIAFA, 1989; OLIVEIRA, 2006; COSTA,
2000)
O fanzine é uma revista produzida pelos punks, no inicio apenas para falar das
suas bandas preferidas, mas que mais tarde vai servir também para divulgar e discutir o
anarquismo e o posicionamento anarcopunk diante do que está ocorrendo ao seu redor
(OLIVEIRA, 2006). Um fato ilustrativo ocorrido com os punks nacionalmente e que
teve repercussão imediata em Belém foi narrado por Serjão da seguinte maneira,

Na sexta-feira tinha passado o globo repórter, uma reportagem sobre tribos


urbanas em são Paulo, essa reportagem tu até encontra na internet ainda, ai
falava dos punks, dos skinhead e os góticos. Hoje tu ver essa reportagem
totalmente deturpada assim, com umas gangues de punk de são Paulo, em
nenhum momento esse lado mais politizado, contestador e tal, era muito focado
na questão da violência entre os punks, os skinhead, sem se aprofundar muito
na questão ideológica também, então quando foi no domingo que eu fui lá na
praça os caras já estavam com o panfleto pronto já. Eles já tinham um panfleto
pronto já falando contra a reportagem que foi feita na sexta. Ai teve uma
179

reunião, ai já tinha Xerox, o panfleto todo xerocado assim, o panfleto era uma
página inteira, de um lado era a foto de um punk e dentro era um texto falando
desse negócio e se organizou do pessoal pegar e panfletar, é quem estudava na
época no Souza franco pregar lá no mural lá do Souza franco e panfletar pras
pessoas e pregou lá no CENTUR (Centro de Convênções Tancredo Neves)
também, enfim, cada um saiu com um pouquinho daquele panfleto e saiu
entregando assim pras pessoas.(Serjão, 38 anos, punk, entrevista em: 30-10-
2012)

Nessa narração Sérgio está falando de seu espanto quando ainda estava
conhecendo o movimento e percebeu a rapidez com que o fanzines ficou pronto para
denunciar a maneira como a televisão está tratando os punks e outros movimento de
juventude como violentos e sem nenhum conteúdo politico. Isso ocorreu no inicio dos
anos de 1990, quando em Belém os punks estavam organizados em um movimento que
estava constantemente se reunindo e discutindo seu posicionamento. Hoje, os punks
dizem que isso não está mais ocorrendo, pois os punks estão dispersos e o que se
encontra são os jovens de “visual”, mas que não sabem nem ao menos o que vem a ser
o punk.

A- Zangado

IMAGEM 7: ZANGADO ENTRE SEUS LIVROS EM SUA CASA


FOTO: LEILA LEITE JAN/2013
180

Zangado nasceu em 25 de agosto de 1979, tem 33 anos. É estudante do curso de


licenciatura em geografia do IFPA (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Pará). É músico, produtor de videoarte e faz parte do “Corredor Polonês”, um
atelier de arte no bairro da Campina. E também desenvolve o projeto “Pindorama Cine
Educação”dentro do IFPA, nesse projeto são exibidos filmes para que se provoque
uma discussão em torno do que o filme e o momento venham a oferecer aos
participantes. Ele também organiza a “Qasa Utopia”, um espaço cultural que assim
como o “Corredor Polonês” fica localizado no bairro da Campina e também é,
segundo ele um “espaço para criar e discutir arte”.
A foto acima mostra Zangado em seu quarto segurando dois livros da “Beat
Generation” que influenciam bastante o seu trabalho em todos os coletivos que faz
parte, inclusive o “Coletivo Marginalia”. Ele mora no bairro da Terra Firme e a
nossa conversa ocorreu em casa no dia 29 de outubro de 2012 logo após o seu café da
manhã e em seguida fizemos a foto onde ele mostra seus livros com uma postura de
quem se orgulha de manter durante mais de quinze anos de militância em movimentos
sociais e culturais o seu radicalismo e as suas influências. Seu quarto é cheio de livros e
como é meu irmão sei que é assim desde que era criança, ele sempre preferiu ler muito
e foi através de suas leituras que se tornou militante delas e do Movimento Anarkopunk
em Belém. Assim como da literatura, da música e de outras artes que estão também
presentes em seus coletivos.

Eu estudava no “[Escola Municipal] Stellina Valmont” , ai eu conheci a


malucada da sala que gostava de música, fui aprender a tocar violão, passei
alguns meses tentando com professor, não deu certo, sai e fui me virar sozinho,
montei uma banda com Cristiano, com José wilton e com Junior e com a Rosa
Paula que chamava-se “ Histeria Coletiva”.
Ai foi por causa desses ensaios do “Histeria Coletiva”, que a gente tocava uma
espécie de cover de rock nacional com música autoral, que a gente já tinha que
eu conheci os punks. Porque a gente fez um evento chamado...po num vou
lembrar o nome do evento porque faz muito tempo, foi em 1997.
Bom, esse foi o primeiro evento que eu organizei, digamos assim, de grande
porte. Foi numa antiga sede aqui do bairro da Terra Firme. E ai eu convidei
várias bandas punks pra tocar, mas até então eu num sabia nem o que era punk
exatamente. Foi a partir desse encontro com essa galera punk nesse evento que
foi o festival de rock, que eu comecei a sacar um pouco mais de punk.
E ai a gente também tinha um coletivo chamado “Afrontamento Punk”, que era
um coletivo anarcopunk que surgiu em 1998, que era eu, Mateus, Cristiano, o
Sergio, Pau de Rato, tinha mais outros camaradas porque eu não consigo
recordar de todos os nomes.
181

Depois, de 99 pra 2000 o coletivo se desfez e ai eu fiquei atuando só na banda


porque foi um momento de mudanças de perspectivas políticas na minha
cabeça. E ai eu achei que os coletivos em Belém não estavam correspondendo
a minhas expectativas. Existia até então o CCL que era o “Centro de Cultura
Libertária”, do qual eu tinha muita simpatia e eu sempre frequentava porque
era na “Morada da Arte”. E ai é isso eu fiquei atuando mais na banda, como eu
falei a banda era uma banda política, existia pra propagar a ideia anarquista
através das músicas que a gente tocava era punk-rock-hardcore, mais punk-
rock, uma parte das letras eu compunha, outra parte era o Cristiano
normalmente, em 99 a rosa Paula saiu, entrou o Sidnei, que passou até então a
ser o meu parceiro musical até hoje. O interessante é que entre 98 e 2003 mais
ou menos, 2004 sempre existiam eventos na cidade, sejam organizados por nós
anarcos, seja organizados por outros grupos que a gente sempre estava tocando.
Mas tinha uma outra coisa que era importante, porque, por exemplo, os anarcos
sempre estavam nos bairros periféricos e a gente sempre tocava na periferia,
nos centros comunitários, nas casas de show na cremação. Nos lugares de
periferia mesmo, nos bares, nas praças, a gente tocou várias vezes no centro
comunitário no [bairro] Maguari, na [bairro] Terra Firme, na [bairro]
Cremação, nas praças na Cremação, no Conjunto Maguari, na praça da Terra
Firme.
e depois, eu sempre tenho na minha cabeça como marca duas coisas
importantes que aconteceram no movimento em Belém que é o “Encontro
Americano contra o Neoliberalismo”, que aconteceu em 98 na UFPA e teve
grupos do mundo inteiro, zapatistas, enfim e a gente protagonizou um festival
com as bandas que estavam aqui, o “Sangue no olho”, eu acho que o “Ataque
Sonoro”, várias bandas punks que estavam aqui na época tocaram, os caras do
Maranhão. E em 2002, se não me engano, teve um encontro anarquista na
UFPA, que foi um encontro organizado pela FACA, que era “Federação
Anarquista Cabocla da Amazônia”.
Depois desses encontros, que foram bem pontuados, os movimentos
começaram a se dispersar e a ponto da gente, por exemplo, hoje em dia num
conseguir perceber a existência de um movimento tanto punk quanto anarquista
na cidade.
Todos os coletivos se dispersaram e ai eu fui atuar, como eu gostava de arte,
fui atuar em grupos que se envolvessem diretamente com a arte, não só com
política, né, mas que tinha uma ideia libertária, mas atuavam com arte. Eu
montei junto com a galera na Terra Firme o “Churume Literário”, que durou
cinco anos atuando com ações na praça e depois na UFRA, já como Marginalia
também. E durou pelo menos uns seis meses na UFRA ininterruptamente,
aonde nesse meio tempo no “Venha Ver a Utopia Acontecendo” ainda teve
uma edição especial punk- rock onde várias bandas tocaram inclusive “Sacco e
Vanzetti” .
O movimento punk sempre teve presente aqui [no bairro da Terra Firme], uma
quando a gente atuava dentro do “Centro Comunitário”, que a gente sempre
defendeu a ideia de assumir a nossa postura de anarquista diante de tudo isso.
Como uma ideia de que por ser da comunidade a gente também tinha o direito
de expressar a nossa opinião política e o “Centro Comunitário” sempre foi
aberto porque a Fafá sempre esteve nessa época era a Fafá que estava à frente,
e ela sempre esteve aberta as ações que viessem a contribuir com a
comunidade. E a gente sempre atuava junto e com o Movimento Hip Hop,
porque, por exemplo o “Sacco e Vanzetti” e o MBGC (Manos da Baixada de
Grosso Calibre), que eu creio, ouço falar, dizem que é o primeiro grupo de hip
hop em Belém e meio que dá inicio a essa organização toda que é o Marcelo, o
Jorge , tinha o Marcos, tinha outros camaradas que colavam junto com eles.
A gente ensaiou junto por um tempo, lá na Pedro Álvares Cabral, na [bairro]
Sacramenta e a gente sempre tocava juntos nos lugares, várias ocasiões a gente
tocou junto. E tinha uma certa ligação entre essa luta juvenil política que a
gente sempre teve. Porque a gente andava junto nesse sentido de que a gente
acreditava que eram possíveis mudanças e acredita ainda né, e ai a gente atuava
junto, sempre “colou”. Eu sempre “colei” com essa galera, porque a gente
182

atuava junto porque eram grupos underground, eram grupos que atuavam
independentes e ai nesse sentido a gente sempre atuava juntos.
E como o Movimento Punk tinha uma presença aqui na Terra Firme. A gente
estava junto, a galera [punks] alugou uma casa aqui na Rua Nova próximo a
são Sebastião [no bairro da Terra Firme] que foi aonde a galera passou a se
reunir. Então essa casa acho que durou um ano ou menos de um ano, não
lembro exatamente a quantidade de tempo, mas a gente atuou bastante nesse
período aqui no bairro da terra firme justamente por esse contato da galera tá
aqui dentro.
O interessante nisso tudo é que quando a gente fazia ações no bairro, no
“Centro Comunitário Bom Jesus” quando a gente tocou, os grupos de hip hop e
os grupos punks, existia uma parte da comunidade, principalmente da
juventude que colavam junto com a gente. Eles não eram punks e nem eram
membros do Movimento Hip Hop, mas eles curtiam o som. E eu lembro disso
numa discussão que eu tive com um camarada porque ele falou que, por
exemplo, antes na periferia tu tinhas hip hop, tu tinhas rock e todo mundo
escutava rock e hip hop e hoje em dia isso não existe. (Zangado, 33 anos, punk,
músico, entrevista em:29-10-2012)

É importante observar aqui que no final da década de 1990 os punks estavam


organizados dentro da cidade e atuando dentro da periferia como um movimento de
reivindicações por melhores condições de vida e também como um coletivo de
denuncias dessas condições. E foi realizando esse tipo de trabalho que Zangado, um
morador do bairro da Terra Firme até os dias atuais, junto com outros jovens do
movimento foi atuar dentro do bairro e foi nesse contexto que, como deixa claro Dj Rg,
eles se aproximaram das pessoas que estavam começando a organizar o Movimento Hip
Hop em Belém.
Como acentua Caiafa (1989) os punks são jovens, são moradores de periferia e
estão sempre andando em coletivo. E naquele período o movimento em Belém estava
assim organizado e o cunho político em suas letras e em suas ações era muito forte e
Zangado estava se iniciando como músico. A sua banda estava ensaiando junto com a
banda que iniciou a organização do Movimento Hip Hop, a MBGC (Manos da Baixada
de Grosso Calibre) que era formada por jovens moradores do bairro da Terra Firme
também. E uma característica em que punks e hip hop se aproximam é essa formação de
grupos em torno da música. Nessas músicas de autoria própria eles expõem seus
problemas e fazem esse relato do qual Caiafa (1989) fala criticando as condições em
que se encontram dentro do bairro, a maneira como a juventude vem sendo tratada pelas
autoridades. Como acentua Rg a música consegue transmitir todas as mensagens de
protesto que a juventude quer gritar. E tudo isso realizado com poucos recursos e com
muita força de vontade.
183

IMAGEM 8: BANDA HISTERIA COLETIVA NO CENTRO COMUNITÁRIO BOM JESUS


FOTO: ARQUIVO DA BANDA 1998

As bandas punks quando se apresentavam dentro do “Centro Comunitário Bom


Jesus” não tinham instrumentos e praticamente tudo era emprestado e bastante velhos,
principalmente a bateria. Os microfones eram remendados, os cabos também, os
pedestais enferrujados, mas nada disso e nem o fato de alguns nem mesmo saberem
tocar direito impedia que passassem suas mensagens para os outros jovens que estavam
assistindo ansiosos os shows. Isso os aproxima ainda mais dos punks pesquisados por
Caiafa (1989) e que também tinham dificuldades parecidas para realizar seus shows.
Acima a imagem mostra a banda “Histeria Coletiva” que mais tarde veio se denominar
“Sacco e Vanzetti”, o nome da banda mudou porque descobriram que já havia uma
outra com esse nome no sudeste, então decidiram fazer uma homenagem aos
anarquistas Sacco e Vanzetti.
Na imagem é possível ver o espaço do centro de madeira, o chão era de cimento
e suas paredes frágeis por já serem bem antigas já nessa época. As roupas dos
integrantes da banda tinha símbolos de protesto como o “Não veja” com as marcas da
Rede Globo e da revista “Veja” como uma contestação contra esses dois meios de
comunicação. A camisa com uma caveira vestida de soldado é um protesto contra o
militarismo e as guerras. No quadro colocado no chão ao lado um A de anarquia dentro
do circulo simbolizando a posição politica que a banda tinha, pois era uma banda
Anarkopunk e suas letras explicitavam bastante isso. E dentro desse contexto, como diz
Dj Morcegão e reforça Zangado o público era formado por jovens que “colavam” com
eles mesmo não sendo punk ou do hip hop, mas porque era algo que estava sendo feita
184

dentro do bairro e que era diferente de tudo o que era comum para eles. E isso se
aproxima do que o “Mutirão de Grafite” representa para os jovens que continuam nos
bairros como o da Terra Firme, que faz parte da periferia e que está à margem da
cidade.
E, segundo narra Zangado mesmo quando esses movimentos já estavam
afastados em sua atuação eles continuavam em contato. E o hip hop esteve presente, por
exemplo, nas atividades desenvolvidas pelo “Churume Literário”. Essas atividades eram
desenvolvidas em uma praça do bairro da Terra Firme. E eram apresentações musicais,
performances, exposições poéticas e outras onde estavam envolvidos vários artistas do
bairro e de fora dele. Zangado foi um dos fundadores desse coletivo e organizou todos
os eventos realizados por ele. Mais tarde como “Coletivo Marginalia” os eventos
passaram a ocorrer dentro da UFRA (Universidade Federal Rural da Amazônia). Esse
também é um coletivo de artistas que se organiza dentro do bairro da Terra Firme. E o
hip hop também esteve presente continuando o trabalho de militância.
O contato entre Zangado e o Movimento Hip Hop hoje diminuiu. Porém, sempre
que necessário eles estão juntos em alguma manifestação cultural e social realizada
principalmente dentro do bairro da Terra Firme. Ele faz parte hoje de um projeto
denominado de “Pindorama Cine Educação”. Esse projeto tem como objetivo levar o
cinema as pessoas como uma forma de educação e fazer com que ocorra uma discussão
a partir dos filmes exibidos. Zangado também participa do “Corredor Polonês Atelier
Cultural”, onde desenvolve trabalhos com diversas expressões artísticas, como música,
teatro, vídeo.
E, mesmo separados de alguma maneira, tanto Zangado quanto o Movimento
Hip Hop estão buscando trabalhar através da arte uma militância social e artística que
faça com que as pessoas possam refletir através dela.

4.4 Poetas marginais


“Poetas marginais”, essa é a maneira como os poetas que fazem parte da rede
de sociabilidade (Simmel, 1983) do Movimento Hip Hop e do grafite em Belém se
denominam. Esses poetas são jovens que estão escrevendo suas poesias e publicando
em diversos formatos para divulgação por conta própria. São essas formas os blogs, os
livretos, os fanzines, panfletos e a própria divulgação oral. Esses artistas fazem parte de
um grupo bem grande de pessoas dentro da cidade que estão na mesma situação.
185

Segundo Mattoso (1981) falar sobre poetas marginais implica em atentar para os
conceitos aí apontados, pois é importante entender o que significa esse termo
“marginal”. Então, ele questiona quem é marginal? A poesia ou o poeta? Ele afirma
que os dois. Pois, ser marginal implica na maneira como as coisas são escritas,
intencionadas e produzidas.
Mattoso (1981) aponta o inicio da poesia marginal na década de 1960 sendo que
o primeiro poeta marginal foi Torquato Neto, que morreu em 1972, mas que deixou sua
obra e suas ideias. Essa movimentação do que ele chama de “geração mimeografo”
enfrentou vários obstáculos como a ditadura militar e a falta de recursos para publicar
seus materiais o que não impediu que o fizesse. Essa geração movimentou os artistas
pelo país todo chegando mesmo ao Pará e ainda nos anos 2000 ter influenciado o
“Coletivo Churume Literário” e o “Coletivo Marginalia”. E com a utilização de
um mimeografo produziram seus livros e divulgaram suas ideias. Eles também
produziram revistas diversas, algumas que tiveram alguma duração além do número um
e outras que de maneira intencional ou não foram produzidas em apenas um número.
Esses artistas mudaram completamente a maneira de fazer literatura.
No entanto, Mattoso (1981) afirma que não se pode falar de um movimento
daquela geração, pois se tinha uma coisa que regia toda aquela movimentação era a
desordem. Pois, não eram teorias a respeito do conceito de poesia ou uma organização
em grupo que fazia com que as coisas acontecessem, mas pelo contrário, foi a desordem
que possibilitou, segundo o autor, tantos acontecimentos simultâneos.
Nascimento (2006) discute também essa história e de que maneira esse termo
“marginal” vem sendo utilizado pelos artistas dentro do Brasil. Segundo ela, são
várias as suas significações. Pois, pode indicar uma maneira de se estar colocado dentro
do mercado editorial, uma posição do próprio artista com relação a sua produção, ou
mesmo indicar o local de onde é oriundo esse artista. Ela afirma que os artistas
marginais das décadas de 1960/70 eram pessoas de classe média que conseguiam
publicar graças ao apoio de amigos e familiares. Porém, hoje, tomando como referência
a publicação de uma coletânea denominada “literatura marginal” organizada por
186

Ferréz30 (escritor de vários livros), esse termo é utilizado como sinônimo de periferia.
Ou seja, poetas, artistas que moram em áreas periféricas.
Segundo Nacimento (2006) Ferréz é um escritor que tomou para si o termo
“marginal” tendo como referência a sua condição de morador de periferia e também
de pessoa excluída socialmente. Assim ocorre também com os poetas com quem
trabalhei, pois, eles tomam para si o termo “marginal” por serem moradores de
periferia, no caso de Preto Michel do bairro do Tapanã e no caso de Augusto Poeta da
periferia de Marituba.
Preto Michel trabalha a sua literatura muito próximo do contexto de Ferréz, pois
também é um integrante do Movimento Hip Hop e também já publicou um livro
recentemente, “O assovio da Matinta Pereira”, uma publicação alternativa, que assim
como a literatura dos marginais da década de 1960/70 não teve patrocínio além do seu
próprio bolso.
Augusto Poeta também se aproxima dessa realidade. No entanto, ele não faz
parte do Movimento Hip Hop, mas sim de um coletivo denominado de “Churume
Literário”, à frente explico um pouco mais sobre esse coletivo. Esse coletivo na
verdade é formado atualmente apenas por ele. Porém, é importante deixar claro que são
muitos os poetas que em Belém estão produzindo e divulgando a sua literatura de
maneira alternativa e que estão tomando como referência os marginais das décadas de
1960/70 a exemplo dos dois com quem conversei, Augusto Poeta com seus livretos,
fanzines, blogs e a declamação nas ruas em eventos de suas poesias e Preto Michel com
seus fanzines, blog, livretos e a recente publicação de seu livro “Assovio da
Matintaperera” com seus próprios recursos.
Esses dois poetas ainda tem em comum o fato de terem sido pichadores na
adolescência e terem vivenciado o mundo das gangues. Isso os aproxima mais ainda dos
grafiteiros e os faz ainda mais envolvidos de maneiras diferentes com os coletivos do
Movimento Hip Hop e especificamente dos grafiteiros.

30
No blog intitulado “ferrez”, que é possível acessar no endereço:
http://ferrez.blogspot.com.br/p/autor.html estão maiores informações sobre esse escritor que revisitou a
literatura marginal e criou uma nova maneira de faze-la
187

4.4.1- Preto Michel

IMAGEM 9: PRETO MICHEL NO “IX MUTIRÃO DE GRAFITE”


NO BAIRRO DE FÁTIMA
FOTO: LEILA LEITE OUT/2012

Preto Michel, é poeta, faz parte da NRP (Nação de Resistência Periférica), é


militante do Movimento Hip Hop. Nasceu em 05 de janeiro de 1977, tem 36 anos, mora
no bairro do Tapanã em Belém. Produz fanzines com seus contos e de outros poetas da
literatura marginal. Tem uma filha. Participa dos “Mutirões” com sua feirinha de livros,
fanzines e Dvds de onde diz tirar seus recursos para a produção de mais materiais.
Então, vamos a sua história. Nossa conversa ocorreu no dia 23 de setembro de 2012 no
“VIII Mutirão de Grafite” logo após o almoço.

Ah! A minha história de vida. Além de começar quando eu nasci numa cidade
linda, maravilhosa, chamada Salinas em 1977, morei toda a minha vida num
bairro periférico. Conheci o movimento social assim em 1997 através da
“Pastoral da Juventude”. E aí em 1998 para 99 conheci uma organização do hip
hop através da NRP, “Nação de Resistência Periférica” na época a gente se
reunia aqui no bairro da Terra Firme numa escola chamada Mário Barbosa. E
militei durante todos esses anos na cultura hip hop.
Foi o que me sustentou pra eu ser o que sou hoje. Assim, a partir do Movimento
Hip Hop eu comecei a militar em outros movimentos. Comecei a participar de
uma ONG chamada APAC, a partir desse trabalho comecei a trabalhar na área
da infância e adolescência. E hoje quinze anos depois, dezessete anos depois,
188

eu posso dizer que to me afastando do Movimento Hip Hop pra trabalhar na


área que eu acho que é uma área que tá crescendo muito que é a “literatura
marginal”.
Assim, sempre fui um militante da cultura hip hop, não especificamente um
elemento, mas assim, hoje eu também trabalho com oficina de grafite, oficina
de “literatura marginal”. Mas, eu sempre quis no Movimento Hip Hop ser
militante. Por exemplo, com a NRP existiam pessoas que faziam os elementos
e pessoas que faziam a militância. Então eu percebi que a militância dentro da
NRP, dentro do hip hop, era na época, década de 1990, era muito forte. E
assim, ser militante era tu ter toda uma leitura do que é Movimento Hip Hop.
Naquela época o Movimento Hip Hop era muito ligado a questão negra. Eu
aprendi a ser preto na verdade, esse nome Preto Michel, dentro da NRP com o
hip hop eu aprendi a ser preto, eu aprendi a ser negro. E estudei, me formei, as
pessoas que na época, Morcegão, o Bruno, Rg, o Marcelo, o Pjó, o Madalena, o
Aice, uma banca assim, falava que eu tinha que ler e eu tinha que identificar a
minha cultura. A minha vida é essa, quinze anos de Movimento Hip Hop, hoje
eu falo para as pessoas que „tô um pouco aposentado da cultura hip hop, do
movimento. O que é isso? Para as pessoas entenderem. Na verdade hoje eu não
tenho como participar de reunião, de articulação do Movimento Hip Hop.
Hoje eu sou um acompanhante, vou nos eventos, mas sem compromisso
nenhum nessa linha de reunião. Hoje na verdade eu trabalho com “literatura
marginal”, trabalho com poesias, com contos. Na verdade eu tô mais dedicado
ao conto. Em 2010 um conto meu “ O Assovio da Matintaperera” que é o
titulo do meu livro, foi lançado pela coletânea chamada “Pelas periferias do
Brasil”, lançada em São Paulo, mas que teve uma boa recepção no Brasil
inteiro. Hoje eu trabalho produzindo oficina de “literatura marginal” nas
escolas e em outros espaços e assim me dedicando a isso diretamente hoje. Eu
hoje só escrevo produzindo contos, poesia. (Preto Michel, 36 anos, poeta
marginal, entrevista em: 23-09-2012)

Na foto acima Preto Michel estava tomando uma cerveja e em sua banquinha
não havia nenhum material à venda apenas alguns livros em exposição. Esse foi o
“Mutirão” onde ele apenas conversou e divulgou a campanha para prefeito de Edmilson
Rodrigues e a sua militância no Movimento Hip Hop. Nossa conversa ocorreu no
“Mutirão” anterior e foi dentro da biblioteca pública que serviu de sede para o evento no
bairro do Guamá. Preto Michel deixa claro que mesmo fazendo parte do Movimento Hip
Hop, mais especificamente da NRP nunca representou nenhum dos elementos do
movimento, ele nunca se dedicou a ser Dj, Mc, B’boy, grafiteiro, mas isso nunca
impediu que ele militasse e divulgasse o hip hop. Para Preto Michel o hip hop significa
uma busca de identidade já que foi lá que ele se descobriu negro, que ele conseguiu se
ver assim e tomar para si essa identidade negra, foi aí que ele aprendeu a ser um negro,
“Eu aprendi a ser preto” e foi assim que tomou para seu nome o “Preto”.
E agora está se afastando para se dedicar a “literatura marginal”. Para ele a
literatura é o mais importante hoje, é o trabalho ao qual está se dedicando com mais
ênfase pesquisando, escrevendo, publicando e até mesmo dando oficinas em escolas e
diversos espaços, mas ele deixa claro que não é qualquer tipo de literatura, mas sim a
189

“Literatura Marginal” especificamente a que se dedica. Seus escritos são postos a


público em seu blogue, através de seus fanzines que produz e distribui e agora também
realizando o seu maior projeto publicando seu livro “Assovio da Matintaperera” que
conseguiu publicar com seus próprios recursos e que em 2013 foi lançado na “XVII
Feira Pan-Amazônica do Livro, que ocorreu de 26 de abril a 05 de maio no Hangar
Convenções e feiras da Amazônia” no estande do escritor paraense. E ao militar com a
literatura ele se afastou um pouco do hip hop e mesmo participando dos eventos não
está mais em suas reuniões e organizações.
Como já foi dito anteriormente, recentemente ele publicou seu livro com seus
próprios recursos e fez isso em uma gráfica, o que permitiu ao livro ter uma qualidade
um pouco melhor do que a dos fanzines 31. Seus escritos remetem geralmente a questões
regionais como aponta o título de seu livro “O assovio da Matintaperera”, mas com algo
da sua realidade inserido. Esse título também é o de um conto seu que foi premiado
numa coletânea “Pelas Periferias do Brasil32”.
Preto ainda destaca a sua militância dentro do movimento como algo que mudou
a sua vida e fez com que ele se tornasse a pessoa que é hoje. Essa é uma relação que os
grafiteiros fazem dentro do contexto do grafite e que é possível perceber aqui com ele
enquanto um integrante do Movimento Hip Hop. E isso principalmente no que diz
respeito a questão do negro. Pois, ele afirma que no inicio esse movimento tinha essa
relação muito forte e isso fez com que seus integrantes procurassem conhecer ainda
mais a esse respeito.

31
Fanzines são pequenas revistas produzidas por grupos ou indivíduos que pretendem divulgar alguma
informação de maneira barata e em pouco número. Ele é construído a partir de colagens de imagens e
textos, foi inicialmente muito utilizado pelos punks para divulgar suas bandas e sua ideologia.
(Oliveira,2006) .
32
Essa coletânea é organizada por Alessandro Buzo, que se intitula curador da coletânea que segundo
escreveu em seu blog já está na quinta edição. (em: http://buzo10.blogspot.com.br/2011/08/me-orgulho-
de-ser-curador-da-coletanea.html)
190

IMAGEM 10:BANCA DE VENDAS DE CD’S, DVD’S, FANZINES,


LIVROS DURANTE O “VIII MUTIRÃO DE GRAFITE”
FOTO:LEILA LEITE SET/2012

Na foto acima a banca que é organizada por Preto Michel durante os “Mutirões”,
segundo ele os materiais que aí estão são produzidos com os seus recursos e são
materiais vendidos na intenção de colaborar com a conscientização das pessoas a
respeito do que é o Movimento Hip Hop. E também a literatura marginal através da
distribuição e venda de fanzines com seus contos e de outros artistas marginais. Mas,
ela também serviu para conseguir recursos para ajudar na publicação de seu livro com a
venda de cd‟s e dvd‟s com músicas e filmes relacionados a questões do hip hop e negra
para que fosse possível a realização da conscientização que para Preto Michel é tão
importante além de ajudar na conquista de seu sonho, o livro. Não que os outros meios
não sejam importantes para ele, mas como escritor ele desejava ver todos os seus
escritos reunidos num único livro e isso custa caro para a realidade de um jovem de
periferia que sobrevive do dinheiro que ganha com as oficinas de literatura que ministra
em escolas. Então, isso levou alguns anos planejando, calculando para que fosse
possível realizar.
191

4.4.2- Augusto Poeta

IMAGEM 11:AUGUSTO E PRETO MICHEL NO


“I MUTIRÃO DE GRAFITE”
FOTO: LEILA LEITE JAN/2012

Augusto Poeta tem 37 anos, nasceu em 24 de abril de 1975. É articulador


cultural, poeta, faz parte do “Coletivo Churume Literário”. Ele mora em Marituba.
Nossa conversa ocorreu no bairro da Terra Firme em minha casa no dia 27 de dezembro
de 2011 em minha casa.

Eu venho de pichação na verdade. Eu venho de um grupo chamado QS (Quick


Silver) que na minha época de moleque pichava uma figura chamada “Funk”.
Isso “rolou” durante alguns anos. Mas, não foi pra frente. Porque a QS
precisava de uma galera com mais atitude. Eu era de igreja também com quem
eu me mancomunei. A galera que se mancomunou pra entrar na QS era uma
galera da rua de casa. Que a gente começou a pichar sendo a GB, a “Gangue da
Baixada”. Aí depois a gente juntou com a QS, “Quick Silver”, aquela marca
famosa.
Quando eu completei 21 anos eu tive meu primeiro contato com a arte, cheguei
a ser diretor lá de teatro da comunidade fazendo o planejamento, porque era um
auto da paixão de Cristo. E no final de semana enchia a cara e escutava rock. Já
não pichava mais. Mas, ainda gostava de desenhar. Eu sempre tive aptidão pra
desenhar, criei marcas, “Open Curver”, marca de surf porque na época era
apaixonado por surf. Depois disso meu contato com uma arte que eu sou
apaixonado até hoje, que foi o origami. Foi quando conheci o pessoal do
“Churume Literário”, já com 24 anos. Aliás, “Churume Literário” não, o
pessoal do “Centro de Cultura Churumista”, uma galera do teatro, da poesia, o
cara que fabricava mascaras de carnaval.
Antes deu conhecer o “Churume Literário”, antes deu fazer parte dele, eu fiz
trabalhos na Terra Firme. Isso ainda assim que eu cheguei entre outubro e
novembro de 1999. Foi uma favela dentro da quadra da igreja matriz de São
192

Domingos de Gusmão. Eu tive vários contatos com vários tentáculos da arte,


mas hoje em dia a minha perspectiva da questão literária, com a minha
vivência junto com o grafite, com a minha convivência com o origami e a
educação [ele é arte-educador], que pra mim também é uma arte. Ah e fora a
questão de filme, da sétima arte que é o cinema, sou apaixonado, o material do
João Leno33, Leila Leite34, André Leite35, uma galera muito boa e que faz um
trabalho bacana.
A literatura foi através de uma pequena que eu namorei quatro anos e tive uma
decepção amorosa muito grande e foi quando comecei a escrever cartinhas pra
ela que eu nunca entreguei a ela. Até hoje tenho a maior vergonha de mostrar
meus escritos pra alguém. Fiz parte do “Mórficos”, uma coletânea churumista e
“Eflorescência Obscura”. Até hoje eu não entendo como se deu o meu
envolvimento com o grafite. Primeiro foi através do Pardal que me levou pra
um projeto chamado “Cores de Belém” lá no mercado de São Brás. Eu conheci
dois caras que iam ser meus mentores na grafitagem, foi o Anderson Bocão
[esse Bocão não é o mesmo que está aqui] e o outro foi o MPRIS.
Ai, o que fiz? Um cara que escrevia no meio de uma galera que grafitava?
Retratava o grafite. Eu ia pras oficinas e pegava as teorias e fazia as minhas
poesias, na hora. Não consegui interagir com o grafite. Enquanto o cara ia
fazendo o grafite eu ia aqui descrevendo a imagem do cara e depois colocava
no rodapé. Depois disso fui morar em Marituba e já conhecia o Bocão, o
MPRIS.
Ai foi quando eu conheci a galera de Marituba e que grafita em Marituba. O
Preto, o Tarta, Pezão, o Stuti e muita gente boa que faz a cena de grafite em
Marituba, que por sinal o pessoal da Cosp Tinta Crew tem o maior respeito por
essa galera, eles chamam de “a velha escola do grafite”. Foram os caras que
começaram a história do grafite na região metropolitana de Belém, eles que
criaram uma associação que não foi pra frente, a AMGRA, “Associação
Metropolitana de Grafite”.
Mas por causa dessa de um cara deu toda uma “cagada”, que é um cara que não
vai até hoje com a minha cara. E depois disso conheço a galera do Cosp Tinta
Crew. A minha convivência com eles começou num sei nem aonde nem como
se deu, eu lembro da primeira atividade que foi no dia das mulheres que
aconteceu na Praça da Leitura ali em São Brás, que a gente chamou uma
galera e a Cosp Tinta Crew estava no meio. Ai demos o material. E foi muito
bacana. Foi um pano imenso que foi retratado, questões de mulheres negras,
questões de violência doméstica, isso e aquilo outro.
Isso foi em 2007 ou 2008. Ai tiveram vários outros contatos em Marituba. A
galera foi grafitar lá com uma galera que tem uma grafitagem anual que esse
ano não teve por falta de conversa mesmo entre a gente.
Dai passei a conviver com a galera da Cosp Tinta Crew. A galera me convidou.
O primeiro serviço que eu recebi assim, que o pessoal disse „olha tá aqui Poeta,
tem ai cinquenta conto pra tu‟. Eu fiz uns stencil36 lá no CEDENPA, foi com o
que eu grafitei. Eu acho bacana trabalhar com stencil. (Augusto Poeta, 38 anos,
poeta, entrevista em: 27-12-2011)

Augusto é o único integrante do “Churume Literário”. Esse é um coletivo que


teve inicio no bairro da Terra Firme no ano de 2002. Ele era composto por vários
artistas, poetas, músicos e atores que moravam no bairro da Terra Firme onde começou,

33
João Leno é poeta, mora em Marituba e escreve o blog denominado “Entulho Cósmico” onde estão
algumas de suas poesias, além de produzir videoarte e fanzines.
34
No caso aqui citado ele está se referindo a minha produção de videoarte.
35
André Leite, mora no bairro da Terra Firme em Belém, é poeta, músico e produz videoarte.
36
Stencil é um grafite feito por cima de um desenho recortado em uma chapa de raio x, papelão, etc.
Basta que se encoste o desenho vazado na parede e passe a tinta para que ele seja feito.
193

mas também em outros bairros. Como eu fiz parte desse coletivo presenciei e organizei
as ações que ele realizou dentro e fora do bairro. É o caso do “Varal de Poesia”, que
era realizado no espaço da Praça Tenente Souza que o coletivo chegou a rebatizar com o
nome de “Augusto dos Anjos”. Ali eram organizadas duas programações num único
dia, a tarde oficinas de desenho e apresentações e leituras tudo voltado para as crianças.
Mais tarde havia a programação adulta com música, poesia e teatro.
Porém, esse grupo acabou se tornando o “Coletivo Marginalia” dentro da
Terra Firme e o “Churume Literário” passou a atuar em Marituba com Augusto
Poeta. Porém, é importante dizer que nos dois casos estávamos tomando como ponto de
partida a geração da “literatura marginal” das décadas de 1960/70 (Mattoso, 1981).
As produções literárias eram feitas por nós em forma de fanzines, de livretos, de
manifestos, de varais. Na verdade o “Coletivo Marginalia” ainda existe, porém em
número reduzido e no momento sem produção, pois os integrantes estão envolvidos
com atividades na academia.
É importante também destacar que o envolvimento de Augusto Poeta com o
grafite se dar desde o momento em que começou a se envolver com o projeto “Cores
de Belém”. Este foi um projeto realizado pela prefeitura de Belém ainda no final da
década de 1990, na administração do prefeito Edmilson Rodrigues. A partir dali ele
conseguiu entender melhor o que seria essa arte, além de continuar envolvido de alguma
maneira com ela quando saiu do bairro da Terra Firme para Marituba e lá se envolveu
com os poetas, grafiteiros e outros artistas.
E assim através desses grafiteiros, Augusto Poeta chegou ao contato com a Cosp
Tinta Crew com quem já chegou mesmo até ganhar dinheiro desenvolvendo trabalhos.
E com essa crew ele se envolveu ainda mais com o “mundo do grafite” dando apoio
na organização dos eventos e participando como poeta. Aliás, é assim que todos se
referem a ele, “Poeta”. Ele ainda ministra oficinas de origami em escolas públicas
para crianças e retira daí o seu sustento.
194

4.5 – Trançadeiras

As trançadeiras estão participando de todos os “Mutirões” desde o primeiro nem


sempre é a mesma pessoa, mas elas são jovens e negras e trazem em sua estética
características tidas como de afirmação da etnia negra. Como é possível observar na
foto abaixo onde Juliene, que é artesã e trançadeira cuida dos cabelos de Dona Ana
Guedes.

IMAGEM 12: JULIENE TRANÇANDO O CABELO DE DONA


ANA GUEDES DURANTE O “MUTIRÃO DE GRAFITE”
FOTO: LEILA LEITE FEV/2012

Porém, é importante dizer que o principal público dessas trançadeiras são as


crianças. Essas crianças formam fila para fazer o cabelo e esperam ansiosas. Foi o que
ocorreu no dia em que a foto acima foi feita. Quando a programação iniciou realmente e
uma outra pessoa assumiu o posto de trançadeira, as meninas começaram a chegar e
formaram uma fila tão grande que ela, a trançadeira, não deu conta de fazer o cabelo de
todas. Isso causou muita insatisfação nas meninas que ficaram por ali fazendo tranças
umas nos cabelos das outras.
Mas, as tranças não estão ali presentes por um acaso. Pelo contrário, elas fazem
parte de uma relação estética e ética. Pois, como afirma Paixão (2008) o cabelo faz parte
da identidade negra assim como o corpo. Segundo a autora o corpo é parte importante
junto com o cabelo da construção da identidade do ser negro. E essa relação no casa da
195

minha pesquisa está justamente da identificação que o Movimento Hip Hop em Belém
tem com a identidade negra. E por isso a presença da trançadeira ali como mais uma
prática da identidade negra.
Paixão (2008) afirma que no cabelo e na cabeça estão concentradas as energias
que destacam a afro-religiosidade no Brasil tornando ainda mais forte essa relação do
negro com o seu cabelo. E ela ainda fala das diferentes visões que se tinha para diversas
culturas o modo como o cabelo era usado. O corte, o volume, o formato como o cabelo
estava na cabeça isso possuía determinados significados como casamento, limpeza,
beleza no decorrer da história. E falando das tranças a autora relata da importância que a
relação familiar tem para o aprendizado das técnicas de tranças passados de mãe para
filha. No entanto, em meu trabalho isso não se evidencia. Pois, as trançadeira estão na
rua e no caso de Rubia com quem conversei, ela aprendeu com outras pessoas que já
faziam tranças, mas que não tem nenhuma relação familiar com ela.
No entanto, é importante observar que Rubia apontou em nossa conversa a
importância da beleza negra que as tranças trazem para a estética de cada individuo. O
que mais uma vez faz retomar o que Paixão (2008) trabalha em seu texto quando fala a
respeito dos usos do cabelo nas diversas sociedades.

A- RUBIA

IMAGEM 13: RUBIA TRANÇANDO O CABELO DE NEGRO


LAMAR NO “VIII MUTIRÃO DE GRAFITE” NO BAIRRO
DO GUAMÁ
FOTO: LEILA LEITE OUT/2012
196

Rúbia tem 19 anos, é trançadeira. Ou seja, é uma das meninas que trabalha com
tranças afro e participa dos mutirões trançando principalmente o cabelo das crianças.
Mora no bairro da Terra Firme. Ela nasceu no dia 07 de setembro de 1994. Faz parte do
“Coletivo Casa Preta”. Conversei com ela durante o “VIII Mutirão de Grafite” que
ocorreu no bairro do Guamá no dia 23 de setembro de 2012.

Meu nome é Rubia. Faço tranças, trabalho com tranças há dois anos e to
participando da iniciativa do pessoal do grafite. Na verdade esse é o “VIII
Mutirão”, mas eu participo desde o sétimo e é uma iniciativa linda, dá oficina
de tranças, que as pessoas não têm noção da importância de uma trança
estética. Está com uma trancinha arrumada, um Black arrumado, até pra galera
ter essa noção de quem é e se descobrir. Principalmente pras crianças que eu
particularmente gosto de trançar os cabelos de crianças e dar oficina pras
pessoas pra elas pelo menos terem uma noção.
Dezoito anos, preta, trançadeira, moro na Terra Firme, estudante do primeiro
ano do ensino médio e to ai, to lutando pra ser alguém melhor, aliás pra mim
me sentir alguém melhor, só.
As tranças, cara, isso foi um processo na minha vida incrível, porque eu usava
cabelo liso dos catorze aos quinze anos. Só que ai quando eu cheguei aos
quinze anos eu comecei a ter aquela tal de crise de identidade aí tu te pergunta
quem tu é aí eu „égua, pô, esse cabelo liso num é meu, sabe‟. E ai foi até então
que eu fiz alisamento mal sucedido e esse alisamento me incentivou a cortar
meu cabelo, foi um processo muito foda porque eu raspei a minha cabeça e tive
que deixar crescer. E por conta desse processo de deixar crescer o meu cabelo
natural, foi quando eu conheci as tranças e foi logo que eu me apaixonei.
Também na época não tinha grana pra tá indo no salão trançar. Usava trança
jamaicana e ai a trança custava “cento e cinquenta conto” aqui no Guamá
mesmo ai eu „égua doido, eu sei que eu sei fazer‟. E “tai” dois anos, saca faço
trança e adoro isso e um dia pretendo viver só de trança.
Eu cheguei na “Casa Preta” através da Cosp Tinta Crew através do meu amigo
particular, Ed, Rogério, do Cosp Tinta Crew. Cara, eu comecei a participar do
coletivo fazendo oficina de tambor e ai foi quando eu me interessei. Eu
comecei a estudar tambor de crioula e to apaixonada mesmo pelo negócio, eu
me sinto parte, eu me sinto bem. (Rubia, 19 anos, trançadeira, entrevista
em:23-09-2012)

Na foto acima Rubia está trançando e quando cheguei no “VIII Mutirão” ela já
estava fazendo isso, foi então que consegui me aproximar dela e pedir para que
conversássemos. Esse processo de trançar um cabelo, mesmo que curto como o de
Negro Lamar, é demorado e quando acabou foi ela quem me procurou para falar. Isso
foi interessante, pois, geralmente as pessoas se sentem tímidas para contar a sua
história, mas ela foi o oposto e isso facilitou bastante nossa conversa.
Rubia aprendeu a trançar apenas observando e trançando o próprio cabelo. E
para ela a trança torna a pessoa esteticamente melhor e conhecer a trança tem um
sentido para conhecer a própria identidade negra. No entanto, quando fala de sua
própria história relata um período em que seus cabelos não eram vistos como algo
197

bonito, pelo contrário, ela os alisava durante a infância e parte da adolescência. Isto,
segundo Paixão (2008) é um sintoma do que a sociedade faz ao individuo negro ao
considerar que suas características são feias. Ou seja, que o negro é feio. Isso leva
muitas pessoas, principalmente mulheres a alisar o cabelo na busca de se tornar uma
igual e com uma beleza imposta de fora.
Porém, Rubia percebeu isso aos quinze anos quando sofreu com o que ela chama
de “crise de identidade”, pois, ela diz que a partir de então se deu conta de que aquele
cabelo alisado não fazia parte do seu corpo, da sua identidade negra. Porém, foi preciso
sofrer um trauma que ela aponta como algo terrível em sua vida, a perda total de seus
cabelos devido a um alisamento que não deu certo. Isso foi como uma bomba para sua
autoestima, pois, como aponta Paixão (2008), os cabelos são de fundamental
importância para a configuração do corpo e isso principalmente no que diz respeito a
mulheres. E Rubia é uma jovem vaidosa que busca sempre estar bela no que hoje
entende como uma beleza representativa da etnia negra.
E dentro do “Coletivo Casa Preta” Rubia faz oficina de tambor e participa dos
debates, conversas e estudos realizados dentro da casa. Além do mais ela está envolvida
nos “Mutirões de Grafite” tendo como trabalho principal levar até as pessoas as tranças
como essa marca da identidade negra que para ela é tão importante que seja reforçada. E
a sua preocupação central são as crianças. Ela deixa muito claro que as crianças são as
suas preferidas para tranças os cabelos. Isso tem talvez mesmo uma ligação com o que
ela passou na infância tendo o seu cabelo maltratado e segundo ela a sua identidade
escondida pelo alisamento de seus cabelos. E trabalhando com as crianças ela consegue
fazer com que elas percebam que seus cabelos são bonitos e que não precisam ser
escondidos, pelo contrário, precisam ser tratados e respeitados assim como elas.
198

4.6- Skate

IMAGEM 14: SKATISTAS NO “V MUTIRÃO DE GRAFITE”


NA PRAÇA DO CARMO NO BAIRRO DA CIDADE VELHA EM BELÉM.
FOTO: LEILA LEITE JUN/2012

Na foto acima temos alguns skatista na Praça do Carmo, no bairro da Cidade


Velha. Eles estavam participando do “V Mutirão de Grafite”, que por ter ocorrido no
bairro onde mora Dudu do Skate, ele ficou responsável por alguns aspectos do evento
como a distribuição de água e preparação e distribuição do almoço, o que fez com a
colaboração de sua esposa. Esse foi o único “Mutirão” em que pude presenciar a
participação desses jovens apesar de o skate estar sempre representado por Dudu em
todos os que é o presidente da Associação Paraense de Skate (APA) em todo os
“Mutirões de Grafite” também dando apoio financeiro. Dudu tem um envolvimento
com a cultura do hip hop como um todo assim como ele era envolvido no passado com
o Movimento Punk.
A história do skate começou nos Estados Unidos na década de 1950 quando
ainda não era tido como um esporte, mas sim como uma brincadeira. Porém, a partir da
década de 1960 no Estado da Califórnia ele começa a ganhar outras características e é
apropriado pelos surfistas que achavam que ali poderiam ter onde surfar o dia todo. Foi
então que o skate ganha novas características em sua estrutura física e começa a ser
vendido em escala. (Machado, 2011)
Em Belém o skate é um esporte ligado diretamente ao Movimento Hip Hop e ao
199

grafite em particular, pois em minhas pesquisas pude perceber que grande parte dos
grafiteiros é ou foi skatista. Isso também se evidencia em suas roupas largas e seus tênis
que são os mesmos usados para andar de skate. Pois, no caso das roupas as pessoas
ligadas ao skate em Belém, elas também se vestem no estilo do hip hop e assim dificulta
que se possa saber quem está se inspirando em quem ou se realmente as coisas se
confundem por ser a mesma pessoa.

A- Dudu do Skate

IMAGEM 15: DUDU DO SKATE (DE CAMISA XADREX) E ED NO


“IX MUTIRÃO DE GRAFITE” NO BAIRRO DE FÁTIMA
FOTO: LEILA LEITE OUT/2012

Dudu do Skate nasceu em 24 de agosto de 1978, tem 34 anos. É empresário e


skatista , é o presidente fundador da “Associação Paraense de Skate” (APA). E no ano
de 2012 se candidatou a vereador pelo PT do B (Partido Trabalhista do Brasil). Nossa
conversa ocorreu em 27 de julho de 2012 em seu escritório no bairro da Cidade Velha
em Belém.

Pô, já tenho vinte e cinco anos de skate. Eu sou de 1987/88 mais ou menos, eu
ganhei meu primeiro skate em 1987 e ao longo desses anos eu cresci ouvindo
de tudo. É mais ou menos na década de 1990 você já ouvia falar em hip hop,
rap e tal, mas uma coisa muito norte americana e tal. Então eu era pô, vivia
com os irmãos do Movimento Punk, ouvindo Movimento Punk, que o skate na
200

década de 1980 era o Movimento Punk. Então, isso que foi a minha maior
influência.
Mas, já na década de 1990 a gente foi conhecendo, em Belém mesmo, eu tive o
prazer de ir no show do MBGC [Manos da Baixada de Grosso Calibre],
primeiro grupo de rap aqui de Belém, da Terra Firme.. E podendo conhecer o
MBGC naquele momento. É, pô, eu vi o Bruno B.O cantando as primeiras
rimas.
O Bruno B.O tocava numa banda de hardcore, então ele montou o
“Subversão”, depois começou a cantar no MBGC. Então, pô, é muito louco
isso, tipo isso tem quinze anos atrás, dezesseis anos atrás. Então isso tudo me
deu condições e eu acredito que foi o skate que me levou até o hip hop. como
eu te falei o skate é o esporte de rua, é um movimento popular que tá na rua
realmente. Então, graças ao skate eu tive o conhecimento, poder conhecer
grandes nomes do hip hop no estado do Pará, conhecer grandes militantes
como Lamartine do “Clan Nordestino”, um grupo de rap que tinha no Nordeste
muito louco mesmo, que começou a fazer algumas apresentações aqui em
Belém.
E com isso pô a gente se juntou realmente, eu fiz parte do “Primeiro Encontro
de Cultura de Rua” em Belém realizada pela prefeitura do prefeito Edmilson
ainda na primeira gestão dele. Então porra, lá eu tive contato com muita gente,
fui saber o que realmente era hip hop, fui descobrir que o hip hop tem os
elementos, grafite, B’boy, Dj, Mc, tá ligado. Então, isso é muito louco mesmo,
então. Então foi assim que eu conheci o movimento hip hop, sou amigo dos
cara e isso é muito louco. E hoje, pô ser empresário isso facilita também
porque a gente acaba contribuindo com a cena, apoiando.
A gente tem vários CDs de Mcs, de grupos que a gente patrocinou como
empresário, shows, movimentos, encontros. Então acho que a gente faz a nossa
parte, mas as vezes a gente ajuda, mas não é nem pelo marketing que a nossa
empresa vai ganhar, vai receber perante a sociedade, é uma coisa mais de a
gente acreditar na inclusão social né, por acredita políticas públicas para a
juventude. A gente acredita muito que esses elementos com a cultura no geral
possa fazer a diferença pro jovem de hoje, pra ele amanhã ter uma outra ideia,
uma outra cabeça e um rumo melhor na vida.
Pó, eu era aquele cara fanático por futebol, porque eu gosto muito de futebol e
em 1985 se mudou um americano aqui pra nossa...nosso bairro da cidade velha,
o nome dele era clifton, ele trouxe um skate um modelo chamado rang tan que
é uma coisa bem tosca mesmo, uma coisa bem anos 1980 né, então o meu
irmão ele brincando na rua, então o meu irmão trouxe nesse dia esse skate pra
dentro da nossa casa e naquele ano eu vi aquele skate e achei aquilo fantástico,
subi em cima do skate, mas por ser um produto americano, não ter a facilidade
que tinha...já existia skate no estado do Pará porque o skate é registrado aqui
desde a década de 1970, o primeiro campeonato de skate aqui foi em 1976,
então.
Eu comecei em 1987 onde meu irmão Sandro Bola comprou meu primeiro
skate e num parei mais, tipo eu até falo que eu parei na copa de 1990. Como eu
falei eu gosto muito de futebol, então a copa de 1990 pra mim, o segundo jogo
foi Brasil e costa rica, eu parei porque o Brasil...Eu gostava...Eu gosto muito de
futebol e eu parei naquele momento.
Eu fiquei alguns meses assim sem praticar skate por causa da copa, mas o skate
faz parte da minha vida, eu vivo de skate . Tudo que o skate...Tudo que eu
tenho o skate que me deu, minhas amizades, eu conheço quase todo o estado do
Pará, dos 144 municípios paraenses eu conheço 96 municípios viajando com o
apoio de ninguém, de governo, de prefeitura, de nada. Porque realmente eu
quis levar o skate pra esses municípios. Hoje se tem skate em Parauapebas foi
que a gente foi lá incentivou a garotada, em Itaituba, Santarém, vários lugares,
lugares distantes realmente, quando eu falo distante é distante mesmo, eu
conheci lugares no Amapá que não tinham nem asfalto e tinha skate, sabe.
(Dudu do Skate, 34 anos, skatista e empresário, entrevista em 19-07-2012)
201

Ele não ganhou as eleições para vereador. E ao contrário do que fez a maioria
dos envolvidos com o Movimento Hip Hop ele apoiou o candidato a prefeitura de
Belém Zenaldo Coutinho do PSDB no segundo turno das eleições. E isso me intrigou
quando estava em campo indo para o “IX Mutirão de Grafite” que ocorreu no bairro
de Fátima no dia 27 de outubro de 2012, na véspera do segundo turno, e encontrei com
o Dudu do Skate também indo para lá. Peguei uma carona com ele e como estávamos
procurando o local onde estava ocorrendo o evento não conversamos, mas ao
chegarmos a rua ele riu porque o “Mutirão” estava sendo uma campanha para o
Edmilson e a rua estava tomada de bandeiras amarelas, que é a cor do Zenaldo
Coutinho.
E eu consegui perceber que mesmo em posições opostas partidariamente, Dudu
estava levando alguns materiais para que a organização do espaço fosse melhor
aproveitada. Ele levou e montou a barraca que ficou cobrindo o Dj e o som e foi
recebido com tranquilidade pelos membros do hip hop que ali estavam, todos o
cumprimentaram e não ouvi nenhum comentário a respeito. E depois que falou para
meu vídeo e tirei a foto acima ele foi embora para a campanha de seu candidato. No
entanto, independente de qualquer tipo de campanha partidária, Dudu é uma pessoa
importante dentro do Movimento Hip Hop levando o skate como mais um elemento para
o movimento.
Dudu faz parte das discussões e das organizações sociais e culturais que
envolvem o hip hop e o grafite, como o “Mutirão de Grafite”, além de colaborar com
o apoio financeiro para a compra do almoço e de materiais necessários para a realização
do evento.
O Movimento Hip Hop em Belém está conseguindo retomar suas atividades e
sua visibilidade dentro da cidade e além de suas fronteiras a partir do “Mutirão de
Grafite”. Pois, está em constante relação com outros artistas para que suas atividades
possam ser realizadas com êxito e sua rede esteja constantemente crescendo e se
fortalecendo tanto social quanto artisticamente. E todos os artistas e movimentos aqui
colocados estão em atividade tanto coletivamente quanto cada um realizando as suas
diversas atividades e militâncias com a poesia, a música, o skate, as tranças, o punk e
todas as que aqui foram analisadas para que fosse possível um melhor entendimento do
202

mundo da arte marginal dentro de Belém.


No próximo capítulo discuto como todo esse entrelaçamento se dá entre os
grafiteiros e entre esses e as pessoas e movimentos aqui apontados para que ai sim fique
claro como se dá todo o processo de sociabilidade da juventude grafiteira em Belém.
203

CAPITULO V- LATA NA MÃO: GRAFITE E GRAFITEIROS EM


BELÉM

Neste capítulo faço um breve histórico do grafite como uma arte que está
diretamente ligada ao Movimento Hip Hop como um de seus elementos. Assim, estou
dando continuidade ao capitulo anterior trabalhando a partir da trajetória dos artistas
para que possibilite o entendimento de como esse processo se deu em Belém. O uso da
história oral se faz importante ainda pelo trabalho etnográfico realizado durante toda a
minha pesquisa de campo, mas também por não ter encontrado nenhum registro no
meio acadêmico que conseguisse suprir a história desse universo de sociabilidade
juvenil em Belém da maneira como gostaria para minha pesquisa. E, também por esses
artistas estarem com a sua própria história, como artistas, entrelaçadas a da sua arte.
A história do grafite como o conhecemos hoje tem inicio com a história do
Movimento Hip Hop, ou seja, foi no final da década de 1960 no Bronx, em Nova Iorque
com a juventude negra e hispânica que sentia a necessidade de se comunicar e mostrar
para a maioria da sociedade que estava ali e que queria ser visto. Então, o grafite foi
feito nas paredes das estações de metrô, mas, principalmente nas paredes dos próprios
metrôs para que se espalhasse pelos olhares de um número cada vez maior de pessoas
dentro da cidade. (RECKZIEGEL, 2004; FONTANARI, 2008; FREITAS, 2009,
SANTOS, 2007; SOUZA, 2010)
No Brasil o grafite chegou, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro, ainda
nesse mesmo período através de filmes que mostravam as organizações de gangues e a
maneira como demarcavam seu território através de sua assinatura nos muros e paredes
das ruas onde moravam. A chegada do grafite ao Brasil foi diretamente relacionada à
violência física e por isso muitos conflitos eram travados entre os jovens aqui. Nesse
contexto a formação de grupos de jovens que tomavam conta da cidade a partir de seus
grafites/pichações era uma constante e qualquer tentativa de invasão desse território
resultava em uma verdadeira guerra. (ARCE, 1999; BORDA, 2008)
Em Belém o grafite se mostrou da maneira como conhecemos na década de 1990
(FIGUEIREDO, 2004). E em minha pesquisa de campo conversando com os artistas
pude concluir que durante muito tempo não esteve nem mesmo ligado ao Movimento
Hip Hop como está hoje. Pelo contrário, ele estava disperso assim como os outros
elementos do movimento. Pois, mesmo eles estando presentes aqui era difícil que se
204

encontrassem e apenas no final da década de 1990 foram unidos. Porém, em minhas


pesquisas percebi que o grafite só começou a ganhar uma ligação mais forte e segura
com o movimento a partir da década de 2000, mais especificamente em 2010.
E foi a partir da década de 2000 que o grafite em Belém começou a se organizar
em crews. Ou seja, começou a se organizar em grupos de grafiteiros com o objetivo de
tomar a cidade através de sua arte nas paredes e muros. E em minha pesquisa tomo
como referência a Cosp Tinta Crew. Essa crew está no momento em que pesquiso, anos
de 2011 e 2012, em destaque dentro da cidade por ser a que mais tem grafites
espalhados nos muros centrais da cidade, mas também se destaca por ser uma crew que
consegue mobilizar outras crews e também o Movimento Hip Hop com todos os seus
elementos, além de outros artistas, tranceiras e algumas pessoas do “Movimento Negro”
para que estejam se mobilizando para o “Mutirão de Grafite”. Esse evento ocorre
mensalmente nos bairros de periferia de Belém e é um projeto elaborado pela Cosp
Tinta Crew no ano de 2012 para levar o grafite às crianças e jovens, como justifica Ed,
um de seus organizadores.
Então, para que essa história realmente fique esclarecida a partir de seus
protagonistas, abaixo trago as trajetórias desses jovens para que seja possível uma
compreensão mais coerente do que aconteceu e de como esse processo se deu para cada
um deles até que a história do coletivo fosse vivenciada e criada por cada um (
ALBERTI, 2004). E aqui também, no sentido de ampliar essa analise trago a narrativa
de alguns grafiteiros que mesmo não fazendo parte de nenhuma crew, fazem, porém,
parte da história do grafite e dessa manifestação juvenil dentro do contexto de Belém.
No entanto, antes de qualquer coisa, trago a discussão a respeito do que vem a ser uma
crew e de que maneira ela está colocada dentro de todo esse contexto.

5.1 CREWS
Crews são grupos de grafiteiros que assinam um nome em comum. Segundo a
gafiteira Cely uma crew é uma família e precisar estar organizada e agindo assim, ou
seja, é preciso que ocorra entre os membros de uma crew um relacionamento de respeito
e de união, ou então, ela se torna sem sentido, apenas um aglomerado de pessoas. Esses
grupos são formados por jovens que assim como os jovens que formam as gangues
(XAVIER, 2000) ou os do Movimento Punk (CAIAFA, 1989 E ABRAMO, 1994) estão
em busca de realizar atividades que os diferencia do mundo e da realidade dos adultos.
205

Através do grafite os jovens também criticam a maneira como a sociedade


formada por regras que não concordam, está se impondo a eles e tornando a sua
condição de jovem marginalizada (ABRAMO, 1994), outsiders (BECKER, 2008).
Pois, não estão enquadrados naquilo que a sociedade espera que seja vivenciado e
encarado como “normal” para que se tornem realmente integrantes dela
(ABRAMO,1994, Canevacci,2005 CAIAFA, 1989). Esses jovens grafiteiros se
identificam por uma assinatura comum, como Ratinhas Crew, o que os torna de certa
maneira identificados e quando necessário anônimos, já que ao identificar o coletivo
não necessariamente se torna possível identificar seus integrantes.
As crews ao mesmo tempo em que são reconhecidas na cidade por seus
desenhos característicos como no caso do grafiteiro com seu menino negro de um olho
fechado e que muitas pessoas com quem conversei perguntaram quem é seu criador, sua
crew é facilmente reconhecida, no entanto, ele nem sempre é identificado, apenas as
pessoas que já o viram grafitando sabem quem ele é. Assim, mesmo se expondo o
grafiteiro está anônimo e levando sua marca por toda a cidade.

IMAGEM 1: EXPOSIÇÃO DE GRAFITE NA GLERIA GOTAZKAEN


FOTO:LEILA LEITE JUN/2012

Esses grafiteiros saem para as ruas com seu coletivo, mas também em alguns
momentos saem sozinhos para grafitar ou mesmo para pichar sem autorização de
ninguém apenas pelo prazer de correr o risco de estar na rua e invadir uma parede sem
que ninguém o veja. Isso é o oposto do que ocorre nos “Mutirões” onde o grafite é
206

colocado em um projeto de visibilidade e várias crews estão reunidas com esse objetivo.
E ali uma autorização prévia é conseguida para que os grafites sejam realizados nas
paredes e muros das casas. Assim, tanto as crews quanto os grafiteiros se tornam
visíveis.
Em Belém existem várias crews que estão grafitando pela cidade tanto de forma
autorizado quanto não autorizada. Porém, a maioria das crews com que pesquiso têm
poucos componentes e ainda estão tentando se firmar enquanto coletivo. No entanto,
estão constantemente em contato e com exceção de duas, a Ratinhas Crew e Control
Crew, fazem parte das programações organizadas pela Cosp Tinta Crew, que de certa
forma está liderando as demais nesse momento.
A liderança dessa crew se torna possível primeiro por ser a que possui o maior
número de pessoas envolvidas como sendo membro e segundo por ser a que está
tomando a frente dos “Mutirões de Grafite” dentro de Belém junto com outro coletivo, a
“Casa Preta”. Assim, o grafite e todo o Movimento Hip Hop são postos em destaque
dentro dos bairros em que estão realizando suas programações.
As crew‟s com que pesquiso são: Cosp Tinta Crew, Nóis in Tinta Crew, Conexão
Visual Crew, Ratinhas Crew e Control Crew. Esses coletivos são importantes para que
possamos entender de que maneira o grafite está sendo produzido e organizado dentro
de Belém. No caso das Ratinhas Crew e Control Crew, seus trabalhos estão
relacionados, mas elas não estão participando dos “Mutirões” e desenvolvem suas ações
a partir de outros objetivos.
E mesmo com os grafiteiros se organizando dessa forma ainda existem os que
não fazem parte de nenhum coletivo, como o D‟Pádua, Micheu e a Débora. Eles
produzem sua arte voltados para outros objetivos e no caso de D‟Pádua está envolvido
em outros coletivos artísticos que não de grafiteiros e não são crews.
A seguir estão seus relatos, suas experiências colocadas a partir do grafite como
ponto de partida, pois é o ponto que aqui estou buscando analisar.

5.1.1- Cosp Tinta Crew


A Cosp Tinta Crew foi criada pelo grafiteiro George e pela grafiteira Cely,
segundo eles no ano de 2007. O nome foi pensado por ele que estava procurando um
nome para assinar e tomou como referência um fato ocorrido em sua vida ainda nos
anos de 1990. Cely conta esse fato assim,
207

Foi de uma situação antiga do passado do George. Ele estava pichando, aí a


PATAM (Patrulhamento Tático Metropolitano), policia, pegou ele e fez ele
comer manga. Eles molharam a manga com tinta e fizeram ele botar na boca a
tinta. Aí ele ficou cuspindo tinta e foi daí que surgiu o nome “Cosp Tinta”. Aí
comecei a jogar também. (Cely, grafiteira, 27 anos, conversa em: 04-11-2011
na UFPA)

Mas, a história não para por aí. Com medo do que a mãe poderia dizer o jovem
não procurou um hospital e ficou passando mal durante muitos dias colocando aquela
tinta para fora. Essa foi uma experiência concreta de violência sofrida por um jovem
através da ação do estado e que poderia ter causado sim a sua morte. Porém, o levou a
criar um nome que hoje é conhecido em toda a cidade de Belém, assim como a sua
marca registrada no grafite, um boneco negro com um olho aberto e o outro fechado.
Essa crew é no momento, a mais conhecida na cidade. Pois, ela possui um
número grande de grafites espalhados pelos muros do centro e da periferia. Sua
assinatura assim como seus grafites são reconhecidos por muitas pessoas com quem
converso, inclusive no meio acadêmico. Mas, no ano de 2012 a Cosp Tinta Crew iniciou
um projeto denominado “Mutirão de Grafite”. Essa projeto objetiva levar o grafite e até
mesmo o Movimento Hip Hop para todas as periferias de Belém. Mais tarde falarei mais
sobre ele.
Além disso, essa é a crew que no momento parece ter um maior número de
pessoas, não só grafiteiros, mas também Dj e outros artistas. E estes estão ali não apenas
nos momentos de programação, mas também como organizadores dessas, como no caso
do Don Perna, que faz parte da “Casa Preta” e também da “Cosp Tinta”. Ainda existem
as crews que são mais recentes e menores em número de pessoas e estão sempre
participando dos “Mutirões de Grafite” e mantém um constante contato com a Cosp
Tinta Crew.
E é a Cosp Tinta Crew que tem um espaço denominado “Casa do Grafite 37”. Um
local onde realizam suas atividades de produção, fazem reuniões e principalmente é um
ponto de encontro aberto para diversos artistas que estão se propondo a produzir arte na
cidade.

37
A “Casa do Grafite” está localizada no bairro do Tapanã. Ela foi construída em uma parte do terreno da
casa do Ed cedido pela sua mãe. E lá são desenvolvidas várias atividades voltadas para o grafite, o hip-
hop e outras artes.
208

Toda essa história me foi relatada pelos diversos artistas com quem conversei e
que estão envolvidos em toda essa rede de sociabilidade (Simmel, 2006) que torna
possível a movimentação realizada não só pelos grafiteiros, mas também pelos outros
elementos do Movimento Hip Hop além de poetas, skatistas e tranceiras. E os detalhes
estão colocados abaixo através dos relatos das experiências dessas pessoas que
encontrei nos “Mutirões de Grafite” que percorri durante o ano de 2012. A maioria
desses artistas fazem parte de alguma forma desses eventos sendo responsáveis por seu
sucesso ou insucesso.

5.1.1.1-George

IMAGEM 2: GEORGE NO “VIII MUTIRÃO DE GRAFITE” NO


BAIRRO DO GUAMÁ
FOTO: LEILA LEITE SET/2012

George ou Negão como também é conhecido, nasceu em 22 de agosto de 1973,


tem 39 anos. É casado, pai de um menino. É grafiteiro e ganha a vida fazendo
areografia. Ele faz parte da Cosp Tinta Crew até hoje. A conversa com ele foi durante
uma grafitagem que ocorreu na UIPP (Unidade Integrada de Polícia
Pacificadora/PROPAZ38) no bairro da Terra Firme, no dia 08 de dezembro de 2011. Ele

38
UIPP/PROPAZ: A Unidade Integrada de Polícia Pacificadora/PROPAZ Terra Firme foi inaugurada no
dia 09 de dezembro de 2012 com a presença do governador Simão Jatene. A UIPP é uma instituição onde
estão atuando juntos vários órgãos como Polícia Militar, Polícia Civil, Bombeiros, Defensoria Pública. O
209

estava grafitando e parou por alguns minutos para conversar, no entanto, demonstrou ser
tímido quando o assunto é a sua vida e suas experiências, mas conseguiu mesmo sob o
insuportável calor do meio dia narrar o que achou que seria interessante. Ao final ele
pediu licença e voltou pro seu grafite. Então, com suas palavras.

Minha crew sempre foi e espero que sempre seja a Crew Cosp Tinta. Quando
ela começou fui eu que tive a ideia do nome “cosp tinta”, entendeu? Eu
precisei colocar uma sigla e eu busquei no meu histórico alguma coisa e ai veio
no nome “cosp tinta”. Eu tive um fato na minha vida. Num momento ainda de
pichação. Uma punição da pichação, eu ter bebido tinta e tudo. E junto com o
catarro vinha tinta e tudo, ou seja, eu cuspi tinta de verdade, entendeu? Foi na
época da PATAM (Patrulhamento Tático Metropolitano), uma época muito
repressora e tudo. E por mais que tenha sido dolorido foi um mal que veio para
o bem. Na verdade eu sobrevivi, então. Não fui pro hospital que eu precisei me
esconder da família, não dava não.
A pichação foi há mais de vinte anos atrás. Então deve ser assim de 1980 pra
90. Em 1990 porque eu comecei com 11 anos. Com 11 anos eu conheci a
latinha de spray e foi amor a primeira vista. Até hoje, paixão mesmo, eu tô
mais apaixonado e não sou fiel a uma cor. A ideia “cosp tinta” surgiu apenas do
momento rua. O momento, o momento do grafite. Então, com o tempo a gente
foi buscando, que como eu disse, grafite é evolução. Então a gente foi
agregando ao Movimento Hip hop em si e houve a necessidade mesmo de ir
“colando39” os parceiros, amigos e acabou que essa família acabou crescendo,
entendeu? Digamos que hoje em dia não é só o grafiteiro que existe, tem a
galera que “cola”, por exemplo, o Mc, o Dj, o Ganz, que tá sempre “colando”
com a gente. Tem uma galera que faz as fotos, os vídeos, então, tudo isso aí já
tá fazendo parte do nosso coletivo, já é uma galera engajada ali. Então agregou
o jovem. Aquela brincadeira que começou comigo e depois com a Cely que
“colou” junto comigo e passamos um bom tempo só nós dois assinando “cosp
tinta”. Até chegar o pessoal “colando”, veio o Marcelo Bocão, depois o Ed,
depois o Graf, depois o Poik, Peste, toda essa galera passou.
E quem exatamente, eu num vou dizer que se encaixou na ideia, mas vou dizer
assim, quem se encaixou no projeto “família” exatamente, que a gente propôs,
quem se encaixou nisso ai permaneceu até hoje. E é o que o pessoal conhece. E
é isso.
Eu produzo areografia, que é meu ganha pão mesmo. Infelizmente a gente
sonha um dia com certeza viver do grafite em si, mas até então eu vivo da
aerografia, que é uma arte comercializada mesmo. Graças a Deus quase todos
os dias eu tenho trabalho. Areografia pra quem não sabe e precisa conhecer: É
a pintura com compressor e pistola, é bem estilo grafite, mas é areografia. É
personalização de fachada, de letreiros, desenhos, personalização de capacetes,
tanque de moto, automóveis. Tudo o que você pode personalizar com o grafite
e também areografia, sendo que areografia o trabalho é mais preciso.
Quanto à arte em si. Quando mais jovem, quando adolescente e tudo, eu fiz
algumas oficinas de pintura, pintura de telas. E vários tipos de pintura e
escultura também. Eu trabalhei com escultura e o que deu pra eu me envolver
em relação à arte. Eu fui artesão e tudo, de vender produtos na praça e aquela
coisa toda assim. E sempre relacionado ao desenho e a algum tipo de pintura. E
eu busquei o conhecimento do grafite na verdade. No momento que eu conheci
foi através de revistas. Num tinha muito essa coisa na mídia e passava uma vez

PROPAZ é um projeto do PSDB elaborado ainda no primeiro mandato do governador Simão Jatene e que
objetiva, segundo o site oficial da SEGUP (Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social), a
prevenção e o combate a violência através de ações sociais. Essa ação de grafitagem onde conversei com
George e outros grafiteiros era a preparação ainda para a inauguração do prédio.
39
“Colando” significa na gíria se aproximando.
210

ou outra alguma coisa na televisão. E também acesso a internet também era


muito pouco, muito leigo, num tinha uma coisa, então era muito através de
revista. E tu via alguma coisa e muitas vezes tu reproduzia, tu imitava e tudo
até tu encontrar o teu traço tudo.
Na verdade a gente sempre acha que nunca encontrou, que tu vai buscando a
cada dia, tu vai tentando melhorar e exatamente o que te dá prazer de fazer. Se
você não conhece o grafite começa a fazer e para porque isso aí não te
completou e no meu caso eu posso dizer que complementa.” (George, 39 anos,
grafiteiro, entrevista em: 08-12-2011)

George foi vitima da violência, da opressão da policia pelo fato de está pichando
sem autorização uma parede e assim como os jovens que Xavier (2000) pesquisou,
sofreu fisicamente as consequências de seus atos. E ainda passou pela necessidade de se
esconder da família com medo de sofrer uma nova represália. Esse fato demonstra que o
preconceito que gira em torno da pichação e do pichador é algo que faz com que esses
jovens se mantenham com medo e escondidos para que não sofram com a repressão da
sociedade.
George deixa claro que quando a “Cosp Tinta” foi iniciada ela ainda não tinha
nem características de crew e nem mesmo uma ligação com o Movimento Hip Hop.
Esses processos ocorreram mais tarde quando o número de pessoas cresceu e se criou o
que ele chama de “família”. Foi então que outros elementos do hip hop como Mc, Dj,
B‟Boy se aproximaram trazendo assim a possibilidade de ampliar os contatos dos
grafiteiros com esse movimento juvenil. “Família”, segundo explicação de alguns
artistas do movimento, é como os integrantes do Movimento Hip Hop se referem a ele e
por isso se tratam de “mano” e “mana”, respectivamente para homens e mulheres.
O grafiteiro também fala da falta de meios para obter informações sobre o grafite
quando começou a entrar nessa arte. Mas hoje, com a internet, o grafite não está mais
isolado e são muitos os encontros de grafite e hip hop pelo país em que a Cosp Tinta
Crew está representada e isso é possível de saber através da página tanto da crew como
na página particular de cada integrante dela no site de relacionamentos facebook. E é ali
que também se encontram as divulgações dos eventos e as fotos de todos os momentos
pelos quais está passando o grafite em Belém e até mesmo fora dela. Assim, os
grafiteiros fazem a sua própria mídia e transmitem as informações da maneira como
acham que devem. Essa discussão será colocada mais tarde.
Na foto acima George está grafitando dentro de uma casa abandonada no bairro
do Guamá, aí é possível observar o processo de construção do grafite que é a sua marca
e que faz com que sua crew seja reconhecida em toda a cidade.
211

5.1.1.2-Marcelo Bocão

IMAGEM 3:MARCELO BOCÃO NO “I MUTIRÃO DE GRAFITE” NO


BAIRRO DO TAPANÃ
FOTO: LEILA LEITE JAN/2012

Marcelo Bocão é grafiteiro, nasceu em 21 de outubro de 1973, tem 39 anos. E


faz parte da Cosp Tinta Crew. É morador do bairro da Sacramenta, onde, quando
adolescente, participou de gangue como pichador. A conversa com ele foi no “I Mutirão
de Grafite” no bairro do Tapanã no espaço da “Casa do Grafite”, no dia 22 de janeiro de
2012. Ele ainda não havia saído para grafitar e ainda estava se recuperando de um
problema de saúde que o manteve afastado por um bom tempo do grafite, das ruas e das
articulações. Assim como eu, ele também não conhecia aquele espaço e foi interessante
perceber seu olhar de curiosidade percorrendo as paredes, o telhado e todos os detalhes
da casa. E foi com muita calma que ele me contou sua história tão rica de detalhes.
Então, vamos a sua narrativa.

Já pichei. Isso foi na década de 1990. Que na Sacramenta mesmo eu já


desenhava. Aí tinha uns que pichavam assim com careta, aí eu falei „égua‟. E
tinha uns que via que eu desenhava e falava „pô inventa uma careta pra mim‟,
aí eu inventava umas caretas pros caras e tal. Aí os caras, „pô bacana‟ eu
começava a inventar. No começo era só papel, no meu caderno, imaginava que
era uma tela. Depois com cera na escola. Depois um colega meu levava uma
lata injetada que ele injetava a tinta dentro da lata de spray que ele tirava o gás,
injetava e depois colocava o gás de isqueiro. E daí ele levou lá e nós
“detonamos” o colégio todo. Mas o negócio era só pichar. Negócio de onda
não. Porque eu vendia picolé, chopp na rua. Eu num podia brigar porque
212

chegava num setor rival aí te quebrava no pau, te matava.


A minha gangue era a RB (Ratos do Barulho), da Sacramenta. Era uma gangue
que era muito “sujeira”, sabe? Onde tu ia, RB e os caras te quebravam no pau,
era muita “onda”. Eu quase cheguei a apanhar. Eu ia ser lixado. Eu estava num
“setor” rival. Eu olhava pros caras e eles apontavam pra mim. E nisso chegou
um colega meu que era da mesma gangue do cara rival, né? Só que me
conhecia „ah, porque aquele é da RB‟ e tal. „Égua, o Marcelo não. Bora lá com
ele‟ chegou lá, „hei Marcelo é o seguinte, tão falando que tu é RB aqui‟, eu
falei „não, eu num sou RB não‟. „Não, tu é RB sim‟ num sei que. Eu falei, „pô
se eu fosse RB num tava aqui nem pintado de ouro‟. Aí o moleque, „não,
ninguém vai tocar nele que o cara é meu amigo‟. Depois dessa onda rasguei de
lá. Foi o último “embaço40” assim, mas nunca cheguei a brigar mesmo. Isso foi
na década de 1990, 91, 92.
Eu cheguei ao grafite em 2000. Como o MPRIS e o Bocão de Marituba (outro
Bocão, o Anderson), que davam oficina de grafite. A primeira vez que eles
viram um “trampo41” meu foi no pincel né? O primeiro “trampo” que eu vi foi
areografia e grafite do MPRIS e do Bocão. Aí eu falei „égua, muito doido!‟. O
Bocão chegou comigo e disse „rapaz porque tu num faz um grafite?”. Que eu
fui conhecer através dele, eu falei „pô, tá legal‟. Aí eu comecei a acompanhar e
comprei um compressor pra eu fazer areografia, que eu trabalho areografia. Aí
depois foi pro grafite no spray. Oficina peguei com o MPRIS e o Bocão. Foi a
base que eu peguei com eles, depois já fiz só eu mesmo. Eu tô aprendendo
ainda.
Hoje eu faço parte da “Cosp Tinta”. Eu tava meio afastado por causa de
problemas de saúde. Aí é aquele negócio que eu sempre falo pra galera, em
primeiro lugar é a saúde, depois vem o “trampo”, vem dinheiro, vem as
condições materiais. Em 2008 que o MPRIS fez um encontro no setor dele, eu
já via muito o “trampo” do George da “Cosp Tinta”, que é o fundador. Aí
ficava admirando, comigo num tem esse negócio, „ah, porque o cara faz bacana
vou dá uma de orgulhoso‟, não. Quando eu admiro um “trampo” pode ser de
qualquer um, eu me aproximo. Aí conheci o George. Aí descemos de lá pra
Marituba. Aí tive um parceiro que eu estava afim de um parceiro e não tinha
um pra pintar. Aí conheci o George e todo final de semana eu ligava, „e ai,
bora?‟. Estava de toca mesmo aí saía pra pintar e chegava só de noite em casa,
estourado, mas é prazeroso. (Marcelo Bocão, 39 anos, grafiteiro, entrevista em:
22-01-2012)

Bocão foi o terceiro integrante da Cosp Tinta Crew. Antes disso ele pichava
como muitos grafiteiros com quem conversei. Xavier (2000) fez uma pesquisa com os
pichadores integrantes do que ele denomina de galera e Bocão e os outros grafiteiros
com quem pesquiso chamam grupos assim de gangue. E assim como aqueles jovens
pesquisados por Xavier (2000) Bocão também vivenciou a disputa e proteção pelo
território realizada por esses grupos de jovens dentro das periferias de Belém. Ele foi
vítima dessa disputa e mesmo não tendo sofrido fisicamente sentiu psicologicamente o
medo do que poderia lhe acontecer tendo penetrado despercebidamente em território
inimigo.
Como demonstra Xavier (2000) em sua pesquisa realizada no final dos anos de
1990 a disputa por território é levada muito a sério pelos grupos de jovens denominados

40
“Embaço” na gíria é confusão, mal entendido
41
“Trampo” na gíria é trabalho
213

de gangues. E esses territórios eram demarcados por suas pichações nas paredes dos
bairros onde moravam ficando assim estabelecido quem poderia ou não circular naquela
área. No entanto, é preciso perceber que não havia dentro de cada bairro apenas uma
gangue, pelo contrário, os bairros eram divididos entre as diversas gangues e a proibição
de uma ultrapassar o território da outra mesmo que fosse para comprar um pão colocava
a vida em risco. E Bocão se viu nessa situação ao não prestar atenção onde estava
entrando enquanto trabalhava vendendo picolé. Ele se viu ali acuado e achando que
seria seu fim.
Mas, é possível perceber que quando fala de grafite Bocão não narra histórias de
violência, mas sim a história da descoberta de uma nova realidade, a arte. E deixa a
pichação colocada no passado como se ela e a gangue fossem algo de pernicioso em sua
história. No entanto, mais tarde ele afirma que gosta da pichação, do prazer que a
adrenalina provoca. Porém afirma não ser mais pichador apenas grafiteiro.
Na foto acima Marcelo está ainda se recuperando do problema de saúde que o
retirou por algum tempo das ruas e do grafite e isso o deixou um pouco isolado do que
estava ocorrendo. Ele ainda não conhecia a “Casa do Grafite” e não fez parte
diretamente da organização do “I Mutirão de Grafite”. No entanto, assim que conseguiu
levantar partiu para o grafite. Mas, em nossa conversa ele revelou um fato que eu ainda
não sabia que no bairro da Sacramenta onde mora havia uma casa muito destruída que
os grafiteiros usavam como espaço para suas reuniões. Porém, ele afirma que quando
chovia era mais dentro da casa do que fora. Então, a casa significou uma conquista
muito importante e significativa na opinião dele, pois a partir dali seria possível
organiza com mais qualidade um espaço para desenvolver as atividades e mesmo
conseguir guardar seus materiais.
214

5.1.1.3-Ed

IMAGEM 4: ED NO “VIII MUTIRÃO DE GRAFITE NO BAIRRO


DO GUAMÁ EM BELÉM
FOTO: LEILA LEITE SET/2012

Ed nasceu em 15 de agosto de 1980, tem 32 anos. É grafiteiro, articulador


cultural e oficineiro. Mora no bairro do Tapanã. É casado e tem um filho. É um dos
organizadores do projeto “Mutirão de Grafite” e também faz parte do “Coletivo Casa
Preta”. A conversa com ele ocorreu durante o “I Mutirão de Grafite” no bairro do
Tapanã em Belém no espaço da “Casa do Grafite” no dia 22 de janeiro de 2012. Essa
conversa também ocorreu no espaço recém inaugurado, mas o olhar de Ed não se
voltava para a estrutura física da casa, mas para o que ela representava para ele em
termos de conquista. Ele tem um discurso mais politico e preocupado com o social do
que demonstrou Bocão. Então vamos a sua história.

Comecei a pichar com 16 pra 17 anos. Pichei por dois anos e saí. Fundei uma
gangue no meu bairro com meu irmão. A gente fundou a MR (Malucos
Revoltados), que era uma galera pequena dentro de uma gangue maior aqui no
nosso período. Era a RZZ (Ratos da Zona Zen) do bairro do Tapanã. Depois foi
a areografia aos 23 anos, em 2003, areografia durante algum tempo. Mas, já
vinha fazendo trabalhos no bairro com rolinho e com pincel.
A definição de grafite é como eu to te falando. Hoje eu não sei se to fazendo
grafite, não sei se o que eu to fazendo hoje é grafite ainda. Hoje eu to fazendo
uma confraternização com meus amigos. Um projeto que a gente idealizou,
então a minha história é querer fazer sempre mais. Fui estudando cada vez
mais, fui aproximando meu estilo e quando eu resolvi que eu ia grafitar,
encarar mesmo como grafite a minha realidade, comecei a estudar e eu acho
215

que me tornei um arte-educador sem formação [acadêmica]. Não tenho meu


segundo grau completo, não consegui terminar meu segundo grau ainda. É um
plano para o futuro. Vou fazer, vou concluir, é uma questão pessoal, um
objetivo, eu coloquei agora em 2012.
Então, por ter tido uma adolescência bem difícil no bairro periférico nessa
região, então perdi parte dos meus estudos pra droga e passei uma boa parte
dela inserido nesse segmento ai. Passei boa parte dela de cor e salteado. Então,
o grafite pra mim é dessa forma, ele me resgatou. Eu conheci o hip hop e fui
atrás dos outros elementos. Fui estudar, fui conhecendo pessoas. Foi o que me
trouxe à tona de novo. Me tornei um arte-educador.
Depois da Crew Cosp Tinta, então quando nós resolvemos que iríamos formar
um coletivo, quando a gente resolveu que era uma crew, quando a gente
começou a se encontrar, quando as peças foram se juntando, porque é um
grande quebra cabeça, a “Cosp Tinta” e ela tá em constante movimento. Hoje a
gente não sabe, oito, amanhã dez, quinze, a gente não sabe, a gente nunca
estipulou um número [de integrantes]. E as grandes parcerias dizem aonde a
gente vai, o que a gente quer. A partir do momento que a gente, eu pelo menos,
me aproximei do hip hop, porque o grafite pra mim era pintar na rua
simplesmente e aquilo me satisfazia, mas depois eu vi que era algo mais, eu fui
buscar aonde? No hip hop.
Isso que tá acontecendo hoje é obrigação, é dever do estado. Eles não estariam
fazendo um favor pra nós bancando uma ação afirmativa, entendeu? Isso aqui
era eles pra estarem bancando. Mas, isso não quer dizer que nós vamos ficar de
mãos atadas sempre na queixa. Então, por isso que a gente fez o “Mutirão”,
porque a gente já viveu outras experiências. E o hip hop do Pará precisa dessa
resposta. Dois dias atrás, dia 19, nós tivemos aí fazendo dois meses da chacina
de Icoaraci onde seis jovens negros foram mortos aqui do nosso lado. Icoaraci
tá aqui bem pertinho e parece que foi ontem pra quem não esquece, mas pra
quem não tá nem aí, sei lá, seis jovens negros mortos num bairro colado com o
nosso, na nossa quebrada. Icoaraci é nossa quebrada, Belém é nossa quebrada,
o Pará é nossa quebrada, o Norte, o Nordeste, o Brasil em si.
Toda essa juventude, a gente sabe que tem muitos coletivos fazendo um
trabalho positivo e é isso que a gente quer mostrar. E toda vez que a gente é
abordado, que a gente é entrevistado, tem esse âmbito de dizer alguma coisa,
falar quem nós somos, eu acho que é legal tocar nessa tecla também. O hip hop
é todo um conjunto. Eu poderia ser só um grafiteiro ou ter me tornado um
artista plástico como todos esses, mas prefiro ainda ser chamado de grafiteiro
independente da minha formação do que o meu estudo vai me levar a ser.
A minha história se confunde com a da crew porque eu assumi a
responsabilidade de tocar o coletivo, o hip hop exigiu isso de alguém e alguns
estavam preparados, outros não. Até mesmo o fato de ter acontecido algumas
desistências no grupo também que tem muito a ver com isso ai. Porque o hip
hop, a crew é sempre a mesma. A crew vai continuar pintando, mas uns vão
tomar o projeto social pra si, o hip hop vai fazer esse toque e vai te dizer que
tem que fazer alguma coisa não adianta só pintar, fazer o teu nome. E o teu
vizinho do teu lado e o filho do teu vizinho? o teu filho aprende a grafitar, não
vai pra rua, não vai participar da realidade das drogas, não vai saber o que é o
crime, mas e o filho do vizinho? Então, isso que é o hip hop é tu saber o que tá
acontecendo na tua quebrada, é tu querer algo melhor pra rapaziada. E o hip
hop é isso, o grafite é isso, o break é isso.
E tem gente que se fecha nos segmentos e se fecha naquilo e acha que existem
regras pra se ser um grafiteiro. A gente hoje tá invertendo os papéis. Nosso
sonho era bater foto com lata importada, um material bom. Hoje não. Hoje o
que importa pra gente aqui é quem vai bancar a nossa ação e se eles acharem
que não tem compromisso nenhum a gente veda a lata em forma de protesto. A
gente agradece todos os parceiros que “colaram” pra caramba, empresas do
bairro que acreditaram na gente e as pessoas que doaram suas casas. Essa é
uma ação diferenciada por causa disso, porque o “Mutirão” mexe com as
pessoas, é tu pintar nas casas das pessoas, é tu mexer com a autoestima daquela
pessoa. Não é só uma arte na parede, é tu chegar na rua e saber que o que tá
216

acontecendo é o moleque ficar vendo aquilo e querer aquilo pra ele.


Não é tu salvar ninguém, o hip hop não é salvação, é tu dá uma oportunidade,
fazer o moleque despontar que ele pode estudar de novo, que ele tem que voltar
a ler, que ele tem que produzir, que ele pode pensar, que ele pode produzir
música. O rap tem uma missão muito árdua em Belém, que é virar esse jogo
que as aparelhagens impõem ai desses bregas, desses raps ai que eles tocam,
que a gente sabe que são leves pra caramba, que não “fortalece”, não contribui
pra nossa cultura. Não deixam de ser grupos renomados, grupos históricos, a
gente nunca negou isso, mas a gente quer que contribua, a gente quer que
estude um pouco, buscar um rap pra frente . Porque tem um som dançante?
Tem. A gente tem que virar esse jogo ai e mostrar que rap em Belém acima de
tudo não é crime. Belém tem que virar esse jogo. (Ed, 32 anos, grafiteiro e
articulador cultural, entrevista em: 22-01-2012)

Ed ao falar do grafite e do hip hop relata uma experiência onde encontrou um


caminho diferente de tudo aquilo que conhecia. Pois, ele afirma que ali encontrou outra
maneira de se expressar longe das gangues, longe das violências que aquele seu
envolvimento trazia para sua vida. No entanto, observar a Cosp Tinta Crew me fez
perceber que ele exerce um papel de liderança muito forte dentro do coletivo, pois, é
quem está a frente junto com Graf e o “Coletivo Casa Preta” da organização dos eventos
envolvendo grafite. E essa liderança está presente desde o momento em que ele monta
uma gangue junto com seu irmão e depois quando entra na Cosp Tinta Crew e toma a
frente também dos projetos coletivos agora tendo em vista levar o grafite a uma maioria
de pessoas.
E como membro do “Coletivo Casa Preta” ele também tem em seu discurso o
posicionamento de uma militância negra que faz uma relação direta do hip hop com a
ação da juventude negra dentro da cidade. Essa relação existe desde o momento em que
o hip hop foi pensado enquanto um movimento vindo das ruas dos subúrbios
americanos (Souza, 2010) quando jovens negros e hispânicos tomavam as ruas nas
festas realizadas pelos Dj‟s nos anos de 1960/70(Borda, 2008). Para ele o hip hop pode
ajudar crianças e jovens a pensar a sua realidade e ver que as pessoas podem dizer o que
estão pensando de diversas maneiras, cantando, dançando, sendo DJ ou grafitando suas
reivindicações nas paredes da cidade. Assim, eles podem segundo ele, fugir do brega ou
mesmo do rap comercial que para ele não diz nada e apenas põe as pessoas para dançar
sem pensar em nada, sem criticar a situação social em que vivem.
O grafiteiro fala de uma educação a partir do Movimento Hip Hop, uma
educação não formal e que ajudou a trazer um conhecimento que para ele foi
significativo no sentido de se envolver cada vez na organização desse movimento e na
mobilização das programações e discussões que envolvem o grafite. Na foto acima é
217

possível ver o grafite que Ed fez durante o “VIII Mutirão de Grafite” no bairro do
Guamá, ali ele utilizou os traços que o marcam, que o identificam, o regionalismo.
Em seu discurso ele procura sempre reforçar essa característica para dizer que é
importante que o Pará seja valorizado e mostrado para ser reconhecido, afinal ele afirma
que o Pará é sua “quebrada”, o que na gíria significa dizer que é a sua área, o lugar onde
mora. E essa afirmação o destaca dos outros grafiteiros que reconhecem como sua
“quebrada” a rua, o bairro onde moram e não se utilizam do regionalismo nem mesmo
em seus desenhos.
Em sua casa fica localizada a “Casa do Grafite”. Ela foi construída em uma parte
do terreno de sua mãe. E ali são desenvolvidas as roupas com a marca “Cosp Tinta”,
além de ser o espaço utilizado para suas reuniões e é um dos pontos de referência dos
grafiteiros de Belém.

5.1.1.4-Graf

IMAGEM 5: GRAF NO “VIII MUTIRÃO DE GRAFITE” NO BAIRRO


DO GUAMÁ
FOTO:LEILA LEITE SET/2012

Graf tem 25 anos, nasceu no dia 03 de setembro de 1987. Ele é casado, tem um
filho, é grafiteiro e ganha a vida trabalhando com sua arte. É um dos articuladores da
Cosp Tinta Crew e também faz parte do “Coletivo Casa Preta” e mora no bairro do
Mangueirão em Belém. Conversei com ele enquanto estava na grafitagem da UIPP
218

(Unidade Integrada de Policia Pacificadora) no bairro da Terra Firme no dia 08 de


dezembro de 2011. Conversamos enquanto ele lanchava e descansava um pouco. Ele era
tido pelos outros como o mascote da crew por ser o mais novo.

Por volta de 2000 ingressei na pichação, passei um ano pichando e daí viajei.
Fui morar no Maranhão em Bom Jardim, tudo mais. No meu retorno conheci
um rapaz, Bil, que já conhecia a arte, trabalhava até com relação a ela. E dai
então, tive aquele primeiro contato e dai então, parei. Mas, já tinha facilidade
de desenhar, já me identificava e tudo mais. E dai eu fui estudando cada vez
mais. Estudando, desenhando, correndo atrás de informações em questão de
estudo mesmo até eu desenvolvei meu próprio estilo. Em 2006 comecei a
pintar, já tinha um estilo pré-definido e comecei a pintar na rua sozinho.
Ai fundei minha primeira crew que era a Conexão Visual Crew, era o pessoal
do bairro mesmo e dai então comecei a pintar. E ai num parei mais. Até que em
2007, no final de 2007, tive os primeiros contatos com o coletivo que agora
faço parte. De inicio não era coletivo, era só uma crew, que era Cosp Tinta
Crew. E daí então veio o convite através do George e do Ed pra ingressar e
tudo mais na crew e dai abracei a ideia.
E me identificava com os caras e tudo o mais, tínhamos os mesmos propósitos,
as mesmas ideologias e dai então, ingressei mesmo. Hoje faço parte do
coletivo. A gente sempre se reúne, tento fazer a cena mais positiva possível do
grafite no estado do Pará e hoje já sou representante do coletivo, faço minhas
viagens e tudo mais representando o coletivo e é isso aí. Essa é minha
trajetória. (Graf, 25 anos, grafiteiro e articulador cultural, entrevista em: 08-12-
2011)

Assim como outros grafiteiros Graf tem seu inicio com a pichação. Porém, seu
relato não traz o histórico de nenhuma gangue, o que não significa que ele não
participou de nenhuma, mas que apenas toma como ponto de maior interesse aquilo que
está ocorrendo atualmente em sua vida, ou seja, o grafite. Não apenas como arte, mas
também como meio de vida, pois sobrevive com sua arte. E como um articulador
cultural ele é um dos idealizadores do projeto “Mutirão de grafite” e organiza junto com
Ed e outras pessoas os eventos que estão ocorrendo e que estão envolvendo o grafite.
Durante o ano de 2012 ele se tornou um dos representantes do grafite paraense
em eventos em outros estados. Graf chama atenção para um diferencial que ele diz
existir entre coletivo e crew. Para ele ser um coletivo significa algo maior, mais
organizado do que vem a ser apenas uma crew. Pois, o coletivo estaria contando com a
participação de outros artistas do Movimento Hip Hop, mas também com a participação
de poetas, fotógrafos e outros que estavam e estão ainda participando dos eventos e das
discussões em torno do grafite e de toda a sua manifestação dentro da cidade.
219

5.1.1.5- Rog Cosptinta

IMAGEM 6: ROG NO “VIII MUTIRÃO DE GRAFITE” NO BAIRRO


DO GUAMÁ
FOTO: LEILA LEITE SET/2012

Rog Cosptinta faz parte da Cosp Tinta Crew, é grafiteiro e Mc. Nasceu em 11 de
setembro de 1987. Tem 25 anos. Mora no bairro do Tapanã. Nossa conversa foi durante
o “II Mutirão de Grafite” no bairro do Guamá na Rua dos Pretos no dia 25 de fevereiro
2012. Ele se mostrou bastante interessado em colaborar e a pesar do som alto
conseguimos conversar durante o intervalo do almoço. Ele já tinha concluído seu grafite
e estava descansando para almoçar e mais tarde participar da “Batalha de Mc”.

Eu tive um pequeno contato com a pichação quando era adolescente, tinha uns
doze anos. Eu pichei poucas vezes. A gangue surgiu na rua onde eu morava,
numa passagem chamada passagem Epitácio. Essa gangue denominada AP que
era os “Aniquiladores da Pitácio” que com o passar do tempo passaram pra
“Aniquiladores do Pânico” porque saiu da rua e acabou ganhando um bairro a
nossa gangue. Então, esse foi o contato que eu tive durante a adolescência. Isso
foi há doze anos atrás, em 2000.
Em 2000 eu tive contato com a pichação, pichei pouco. Como eu era
adolescente ainda eu fui repreendido pela minha mãe, que ela sabia que eu
tinha esse envolvimento do lado do vandalismo e eu passei muitos anos sem
contato com uma lata de spray, na verdade sete anos. Já em 2007 eu tive a
oportunidade de conhecer o grafite. No entanto, o grafite surgiu na minha vida
inesperadamente, só como uma forma de expressão vandalizada pra mim na
época.
Eu não acreditava que o grafite ia fazer parte da minha vida como faz hoje. No
momento era algo por impulso e momentâneo mesmo. Foi quando eu fiz o meu
primeiro grafite na rua. No dia 25 de dezembro, no natal de 2007. Com o
passar desse grafite eu quis fazer outros, fui fazendo outros e evoluindo.
220

Quando o grafite proporcionou pra mim minhas primeiras verbas, ou seja, os


primeiros recursos, a primeira vez que eu peguei em dinheiro, foi que eu
pensei, „égua isso é maior do que eu pensei‟. Então, eu decidi estudar e tive
esse contato com o grafite faz cinco anos desde o inicio, desde quando eu
comecei eu já me agreguei ao coletivo. (Rog Cosptinta, 24 anos, grafiteiro e
Mc, entrevista em:25-02-2012)

Rog como integrante de gangue se viu forçado a abandonar esse coletivo por ter
sido censurado por sua mãe e obrigado a deixar a pichação de lado, o que fez com que
abandonasse o spray por sete anos. Ele mesmo diz que o que estava fazendo como
integrante de uma gangue e pichador era vandalismo e que por isso sua mãe estava certa
em fazer com que largasse aquilo. Porém, ele também liga o grafite ao que chama de
vandalismo, mesmo fazendo uma separação entre ele e a pichação.
Ele não cita no início de seu envolvimento com o grafite nenhuma crew, mas
afirma assim como outros que o grafite hoje é parte inseparável de sua vida. O grafiteiro
também fala de um processo de “evolução” do seu grafite realizado através dos estudos
que possibilitaram uma melhor qualidade a sua arte. Mas, diferente dos outros
grafiteiros com quem conversei o que levou Rog a se interessar realmente pelo grafite
foi a questão financeira. Pois, foi a partir do momento em que ganhou dinheiro que veio
a se interessar realmente por se aperfeiçoar no grafite e só depois foi que veio a crew
enquanto uma possibilidade artística.

5.1.1.6-GASPAR

IMAGEM 7: GASPAR NO “DIA NACIONAL DO GRAFITE” NO BAIRRO


DA TERRA FIRME
FOTO: LEILA LEITE MAR/2010
221

Gaspar é grafiteiro e Mc, nasceu em 15 de outubro de 1984, tem 28 anos. Mora


no bairro da Terra Firme e tem uma filha. Nossa conversa ocorreu no bairro onde mora
enquanto grafitava a UIPP (Unidade Integrada de Policia Pacificadora/PROPAZ) no dia
08 de dezembro de 2011 enquanto ele pensava na melhor maneira de colocar sobre a
parede o desenho encomendado pela instituição. Ele faz parte da Cosp Tinta Crew.

Cara, eu comecei a grafitar em 2004. Em 2003 pra 2004, por ai assim. O pulso
mesmo com o grafite, pegar nas latas, na verdade eu comecei pegando em
outro equipamento, o equipamento de areografia. Comecei aprendendo dessa
forma. Não cheguei a pichar, pichar mesmo, sair pra pichar mesmo e tal.
Sempre tinha uns camaradas conhecidos que se envolviam, mas eu num
cheguei a colar pra fazer mesmo como os caras faziam. Diziam que era na
época o vandalismo, se encontrar, ter briga. Eu lembro que ai nessa praça ai da
Terra Firme [a Olavo Bilac em frente à Igreja de São Domingos de Gusmão] os
caras desmontavam todas as barracas, se lembra?42
Quando se encontrava, desmontava todas as barracas de madeira. E era pau pra
um lado, pedra pro outro. Era uma agonia. Quem estava passando se agoniava.
Mas acho que dessa forma como eles falavam que era vandalismo num sei se
era também exatamente um vandalismo43. Não sei se era um puro efeito.
Um puro efeito do cotidiano, todo lance urbano da pressão urbana de viver, o
risco de viver, violência na rua, tudo isso. Mas, eu acho que se aliando dessa
forma mesmo o grafite com a arte, com a expressão, a informação, acho que
eles vão ter que descriminar invés de incriminar, descriminalizar o grafite, a
arte de rua.
Eu participei de alguns projetos. Vi nascer alguns coletivos que eu participei.
Daqui da galera da Terra Firme, o de vocês o “Churume44”. Vi lá da Cidade
Nova, dos caras do Clan, lá de Marituba com os caras do grafite de Marituba.
Hoje em dia já surge uns coletivos virtuais com uns caras que produzem
imagem, vídeo e tal e bota na rede e produz toda essa onda. Acho que é isso
mesmo que é o caminho, todos os coletivos se unirem, documentarem e
mostrar mesmo que é arte, que faz parte mesmo.
Antes do grafite eu comecei a me envolver com a cultura hip hop através do
rap, através da música, percebi que era muito forte aqui na Terra Firme, aqui no
birro onde eu moro. E percebi que era atrair, chamava todos esses outros
elementos que era o grafite, que também é arte e através disso a galera dos
coletivos tão se organizando, usando isso. Acho bacana usar como forma de
organização, de protesto pra provar que não é algo criminal. E também passar
isso pros moleques nas oficinas com a molecada e tal, “lapidar uma par de
guri” que começa dessa forma aí a se tornar grandes profissionais. (Gaspar, 28
anos, grafiteiro e Mc, conversa em: 08-12-2011)

Gaspar na foto acima está participando como grafiteiro do “I Mutirão de

42
Gaspar está se referindo as brigas de gangues que eram muito comuns nos anos de 1990 dentro do
bairro da Terra Firme.
43
Ao mesmo tempo em que se mantem distante da situação de violência que ocorria naquela época
Gaspar analisa aquela atitude como sendo algo fruto do que a sociedade pensava a respeito dos que ali se
encontravam diretamente envolvidos, o que ele chama de puro efeito.
44
Ele está se referindo ao “Coletivo Churume Literário” que teve inicio no bairro da Terra Firme e hoje
está em Marituba. O coletivo era formado por vários artistas do bairro e de fora dele e atuou durante três
anos, de 2002-2005 em várias manifestações dentro da cidade. E como fiz parte desse coletivo ele se
refere dessa maneira a ele, “o de vocês” em nossa conversa. Ele também fez parte do “Churume” .
222

Grafite” onde também atuou como Mc na “Batalha de Mc45” que acontece durante o
evento. Ai é possível observar o grafite que estava sendo finalizado por ele, uma
imagem regional. O desenho foi realizado no muro de uma das casas da rua onde estava
ocorrendo o primeiro evento organizado por eles.
Ao se referir à violência dos grupos que saiam quebrando tudo na praça do
bairro onde mora Gaspar está se referindo a uma situação aqui já analisada e que o
pesquisador Xavier (2000) trabalha em sua dissertação. Ou seja, o caso das gangues ou
grupos juvenis que ao se encontrar com outro rival em determinados pontos de seus
bairros tidos como territórios divididos entre eles, se confrontavam com pau e pedra
sem querer saber quem estava pela frente ou mesmo o que estava no caminho.
No entanto, Gaspar diz não ter participado diretamente dessas ações, pois não
participou de nenhuma gangue, nunca pichou de verdade e, portanto não se arriscou
como outros grafiteiros aqui citados dentro da realidade da violência das ruas. Segundo
seu relato ele apenas observava esses momentos de longe. O que ele considera pichar de
verdade seria justamente isso, sair às ruas fazendo parte de um desses grupos e se
envolver diretamente nessas disputas. No entanto, isso não significa que ele não pichou,
pois, admite ter pichado sim e esse fato torna a sua história ainda mais semelhante as
dos outros grafiteiros com quem pesquisei.
No entanto, um ponto muito importante que ele toca é a questão do vandalismo.
Pois, ele afirma que a pichação é vista pelas pessoas como um vandalismo. Ou seja, a
ação das gangues, dos grupos de jovens que se reuniam durante alguns minutos e saiam
destruindo tudo, como demonstra também Xavier (2000) em seu trabalho se referindo
justamente ao final da década de 1990, o período a que se refere Gaspar, e que também
pichavam seu território eram vistos como pessoas que apenas sabiam destruir por
destruir. No entanto, o grafiteiro analisa isso como sendo uma reação dos jovens à vida
urbana

45
A “Batalha de Mc” é um momento em que os Mc‟s disputam para ver quem tem a melhor rima.
223

5.1.2-Nóis In Tinta Crew

IMAGEM 8: GRAFITE NA PRAÇA DO CARMO DURANTE O V


MUITIRÃO DE GRAFITE
FOTO: LEILA LEITE JUN/2012

Nóis in Tinta Crew é um coletivo relativamente jovem assim como seus


integrantes. Ela tem apenas dois anos de existência e apenas dois integrantes, Osga e seu
amigo Israel. Essa crew está presente em todos os “Mutirões de Grafite” fazendo parte
da sociabilidade da Cosp Tinta Crew e colaborando com os eventos. Eu conversei com
Osga. Na foto acima o grafite realizado num pedaço de compensado na Praça do Carmo
durante o “V Mutirão de Grafite” no bairro da Cidade Velha em Belém. Aí é possível
observar um grafite onde as letras são utilizadas e não um desenho, o que o aproxima da
pichação. Então, ai fica visível a tênue distância que existe entre grafite e pichação,
pichador e grafiteiro indo além de tudo o que aqui já foi discutido. O que faz com que
isso não seja uma pichação? A autorização para que fosse feita? A observação e aí uma
cumplicidade das pessoas que observam a sua construção sem recriminar o jovem que a
está construindo?
Assim, fica ainda uma questão o que faz então com que a Nóis in Tinta Crew não
seja na verdade uma gangue, mas sim uma crew? Talvez nenhuma dessas questões
tenham realmente uma resposta que possa satisfazer a todos, mas as coloco aqui no
sentido de pensar e fazer pensar a respeito delas como algo importante para o
224

entendimento daquilo que separa e une a pichação do grafite, assim como o grafiteiro do
pichador e a crew da gangue.

A- Osga

IMAGEM 9: OSGA NO “VIII MUTIRÃO DE GRAFITE” NO BAIRRO


DO GUAMÁ
FOTO: LEILA LEITE SET/2012

Osga nasceu dia 14 de dezembro de 1993, tem 19 anos. É grafiteiro, Mc e


skatista. E faz parte da Nóis in Tinta Crew. Conversei com ele durante o “V Mutirão de
Grafite” no bairro da Cidade Velha em Belém no dia 26 de maio de 2012. A conversa
ocorreu mais especificamente na Praça do Carmo depois que ele já havia grafitado em
um muro na Avenida Almirante Tamandaré. Pois, foi nesse muro que a maioria dos
grafites foi realizada. Na praça apenas algumas placas de compensado estavam
selecionadas com os nomes dos grafiteiros. Então, a sua história.

O hip hop entrou na minha vida há uns quatro anos atrás, no meio de 2007 pra
frente. Aí eu conheci primeiro o skate que é arte de rua e tal. Ai através de
alguns amigos comecei a escutar rap, comecei a ver o que era o hip hop. Eu já
desenhava mas, não conhecia o grafite. Comecei a desenhar no caderno e tal.
Comecei na pichação, riscando as cadeiras de escola, mesa, riscando a parede
dentro da escola, fazendo algumas coisas na “quebrada” e eu fui conhecendo
através disso, da música e tal. Eu conheci o grafite e foi uma coisa que me
identifiquei.
Ai uns dois anos eu trabalho com grafite, desde 2010, eu trabalho com grafite,
é isso mesmo, desde 2010 mais ou menos eu comecei a trabalhar. Comecei a
desenvolver no caderno mesmo algo mais relacionado ao grafite. Comecei a
fazer pequenos murais perto de casa mesmo, pintando até algumas telas em
casa mesmo porque em casa é uma marcenaria. Eu pegava os pedaços de
madeira e ia pintando.
225

E o grafite mesmo na rua já veio a partir do tipo, 2011 começo de 2011. Ai que
eu comecei a sair pra pintar na rua. Conheci outros grafiteiros, conheci o
pessoal da Cosp Tinta Crew, conheci através do rap o parceiro Israel que
também tá na caminhada. E o grafite pra mim hoje toma conta da minha vida
praticamente tudo que eu vivo. (Osga, 19 anos, grafiteiro e Mc, entrevista em:
26-05-2012)

Osga tem uma história bem semelhante a de seus amigos grafiteiros, pois, até
chegar ao grafite primeiro passou pela pichação e depois através de amigos ao hip hop
e finalmente aos primeiros contatos com o grafite. Esse é um caminho que em todas as
conversas que consegui ter com os grafiteiros parece ser comum e nenhum pouco
simples. Pois, antes de chegar ao conhecimento do que vem a ser grafite esses artistas
precisaram enfrentar ainda problemas relativos à questões como violência física por
estarem envolvidos em grupos juvenis considerados criminosos pela maioria da
sociedade onde vivem o que lhes torna ainda mais marginalizados e excluídos.
E ele fala do grafite como o motivo pelo qual vive. Ele tem no grafite também
uma arte que mudou sua vida, sua maneira de ver o mundo e as coisas ao seu redor.
Essa também é uma característica encontrada em outros grafiteiros. Pois, eles veem no
hip hop e no grafite algo que os tirou das ruas e os fez com que escapassem do mundo
do crime e das drogas, algo redentor. No entanto, as drogas ainda estão presentes, mas
são encaradas como divertimento e não como algo criminoso.

5.1.3-Conexão Visual Crew (CVC)

CVC era a crew da qual participava o grafiteiro Graf e mesmo não fazendo mais
parte da crew ele ainda mantém contato com seus integrantes e o coletivo faz parte dos
eventos realizados pela Cosp Tinta Crew. Ela ainda existe e está em ação mesmo com
apenas um membro presente, o Zang. É uma crew pequena com apenas quatro
integrantes e três deles estão dispersos e não estão participando dos eventos. É
importante perceber que esses coletivos estão sempre oscilando em número de pessoas
que integram suas organizações, pois ocorre uma certa dificuldade dos jovens na
permanência dentro dos mesmos. Essas dificuldades variam desde o entendimento entre
os membros do grupo diante de algumas questões até mesmo estudos, família ou
trabalho que fazem com que as pessoas não consigam conciliar com os compromissos
dogrupo.
226

A-ZANG
Zang nasceu em 27 de novembro de 1987, tem 25 anos. Faz parte da Conexão
Visual Crew. Conversei com ele durante o “VIII Mutirão de grafite” no bairro do
Guamá no dia 23 de setembro de 2012. Não foi muito simples a nossa conversa porque
o som estava muito alto. No entanto conseguimos nos afastar um pouco e conversamos.

Cara, a minha história de vida antes deu conhecer o grafite, antes. Antes,
durante e depois, né, que aí que jamais eu vou parar de fazer essa arte porque é
uma coisa que eu gosto de fazer.
Antes deu conhecer o grafite eu era pichador, pichava a cidade, era uma
destruição total, pegava fazia onda. Aí com o decorrer do tempo eu comecei a
estudar, fui pro colégio, pichava o colégio. A diretora até um certo dia me
pegou e disse que „tava‟...que já sabia que eu era um dos pichadores que
destruía o colégio. Ao invés dela me expulsar não, ela me pôs uma proposta, se
eu topava aprender a fazer grafite. Ai eu pensei, grafite, vou ver qual é dessa
“onda” e tal. Aí conheci o grafite, o professor até hoje não me esqueço dele o
D'pádua46, ele me mostrou o que é a arte de rua e hoje em dia „tô‟ aí até hoje.
Estou na caminhada, correndo, fazendo meus “trampos” e sempre levando o
nome dele porque foi esse “maluco” que me ajudou. A vida que eu tinha e até
hoje, „tô‟ aí até hoje graças a deus e espero que daqui pra frente Deus me der a
oportunidade de tá pintando essa cidade...o que realmente é o grafite, uma
pintura adequada do que a gente ver hoje em dia.
Fui, da “ VAN do Curió”, uma gangue lá de perto de casa, eu conheci os caras,
moleque novo, me “teleguiaram” . Eu tinha 12 anos, os „cara‟ me convidaram,
'hei bora pichar toma uma lata aí, risca aí' eu num sabia nem pichar, peguei
numa lata de spray com onze anos e num sabia pichar. Com o decorrer do
tempo fui aprendendo e tal. Arrumei um estilo de picho e pronto ai fiquei na
ativa com os “cara”, acabei me “queimando47” com outras gangues rivais, os
cara quase me agarram, me matam, mas hoje em dia graças a deus eu tô fora
disso e em outra situação que é melhor pra mim. (Zang, 25 anos, grafiteiro,
entrevista em: 23-09- 2012)

Zang narra uma história em que também passou pela pichação, gangue, violência
e finalmente o grafite. Aí mais uma vez o grafite é visto como algo redentor e adorado
como uma arte salvadora de todas as mazelas que poderiam ter ocorrido em sua vida.
Ele também foi um jovem que começou ainda adolescente a se envolver com a violência
considerada por eles como negativa. Assim, o grafite passa a ser visto como algo
positivo e a pichação como seu oposto assim como a gangue é tida como o oposto da
crew.

46
Esse D‟Pádua é grafiteiro e professor da rede pública. Eu também conversei com ele sobre seu trabalho
e mais adiante está seu relato.
47
Na gíria se queimar significa ficar marcado por algo que fez de errado.
227

5.1.4- ESC (Escarnio Social Crew)

ESC é uma das mais antigas crew‟s de Belém. Ela já está em atuação desde 2004
e bem antes da Cosp Tinta Crew já estava realizando grafitagens por toda a cidade e era
possível perceber sua marca em toda a área central. Eu conversei com um de seus
integrantes, o Dime. E como representante da crew ele participa dos “Mutirões”
principalmente como um Mc.

A- Dime

IMAGEM 10:DIME NO “IX MUTIRÃO DE GRAFITE” NO BAIRRO


DE FÁTIMA
FOTO:LEILA LEITE OUT/2012

Dime é grafiteiro e Mc. Nasceu em 27 de outubro de 1988, tem 24 anos. Faz


parte da Escarnio Social Crew. Está sempre nos “Mutirões” e participa das batalhas de
Mc, no dia 27 de outubro de 2012. Nossa conversa ocorreu durante a realização do “IX
Mutirão de Grafite” no bairro de Fátima, ele foi quem se aproximou de mim e pediu
para ter voz. Eu ainda não tinha me aproximado dele por falta de oportunidade.

Eu comecei com a pichação em 2002 na gangue chamada “PC do Chaco”, que


significa “Pivetes do Chaco”. E a pichação pra mim, eu tive na pichação
grandes amigos e a pichação me ensinou muita coisa, parceria, respeito e o
grafite também me ensinou isso e em 2005 eu conheci o grafite. E como eu já
tinha pichado em alguns lugares que na verdade são lugares que poucos
pichadores conseguiram alcançar, não é prepotência, mas, tipo, existem umas
metas de lugares na cena da pichação em Belém e eu consegui atingir algumas
228

metas e por conseguir essas metas eu tive alguns “embaços” também com
família, com poder público e enfim.
A transição pro grafite foi mais por esse fato de querer me expressar com a lata
de spray e não correr o risco que a pichação proporcionava naquela época. E aí
eu comecei com o grafite de 2005 pra 2006 com a crew chamada Escarnio
Social Crew, que surgiu em 2004, que é uma das precursoras da cena urbana na
cidade de Belém. Aí pintei 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e ai a gente foi
organizando os eventos, os primeiros eventos de grafite na rua que se chamava
“Grafite ou Morte” e hoje virei cantor, virei Mc. Hoje eu ainda grafito, mas
assim, na rua a gente denomina três classes de grafite, que é o grafite
vandalismo, o grafite comercial e o grafite galeria, o que eu gosto de fazer é o
grafite ilegal, a gente pega chega no espaço e independente se o dono quer ou
não a gente chega e transforma o lugar.
O Mc tá voltado muito pra pichação. Na pichação em Belém existe algo muito
poético porque, tipo, o cara consegue subir num lugar bastante alto e acaba
fazendo uma poesia rimada que acaba virando o marketing da parede que ele
consegue alcançar e isso, eu já falei via muito na pichação. E em 2009, 2010 eu
tive uma reaproximação com um tio meu que era poeta o Luiz Carlos França,
que na verdade o nome do espaço aqui da oca48 é em homenagem a ele. E aí ele
me incentivava a escrever, ele era compositor também e ele me incentivava a
escrever poesia, trova, verso e aí quando ele faleceu eu já tinha escrito uma
letra de música. E quando ele faleceu foi o abre-ala pra eu poder fazer a música
e eu me identifiquei muito fazendo música por isso que eu me tornei hoje Mc,
por isso que hoje eu mais faço música do que grafito. (Dime, 24 anos,
grafiteiro e Mc, entrevista em: 27-10- 2012)

Figueiredo (2004) em sua dissertação trata da fama buscada pelos pichadores e


do risco que correm ao buscarem pontos de difícil acesso na cidade para riscar. Dime
tornou isso visível para mim a partir de seu relato. Ele fala disso, do risco que sempre
estava correndo para conseguir alcançar esses pontos de difícil acesso. E confessa que
conseguiu vencer essa disputa varias vezes. No entanto, a repressão policial a mesma
sofrida por outros grafiteiros aqui citados, e que Xavier (2000) aponta em suas
pesquisas, fez com que buscasse uma saída para que continuasse com o spray, mas sem
sofrer com essa repressão. Uma repressão não apenas policial, mas também familiar.
Assim, ele buscou no grafite algo que todos os outros também buscaram, no
entanto, ele argumenta de maneira diferente dizendo que no grafite conseguiu
permanecer no spray, mas sem correr os riscos que a pichação lhe trazia. Então, assim
como outros grafiteiros ele saiu das ruas permanecendo nas ruas e saiu da pichação
permanecendo na pichação. Pois, a pichação é vista como algo pejorativo e ser pichador
significa ser visto como um criminoso. No entanto, no contexto atual, o grafite significa
uma arte e ser grafiteiro significa ser um artista.

48
Estava se referindo ao espaço que serviu de ponto de apoio ao “IX Mutirão de Grafite”
229

5.1.4-Ratinhas Crew
Ratinhas Crew é um coletivo formado por mulheres que grafitam. Tem pouco
tempo de existência também, um ano. Sua organizadora é Cely. Assim como as outras
crews a “Ratinhas” também tem um número pequeno de pessoas, aproximadamente
quatro. No entanto, elas também estão dispersas e o mais comum é encontrar apenas a
Cely grafitando e meu contato também é com ela. A Ratinhas não faz parte do grupo
que participa dos “Mutirões”, mesmo a Cely alegando ainda ser amiga dos grafiteiros da
“Cosp Tinta”.
Pois, foi a insatisfação que a grafiteira estava sentindo na maneira como estava
sendo tratada dentro da sua antiga crew onde era a única menina participando que fez
com que ela se afastasse. Uma das principais questões apontadas por ela era o fato de
que não se sentia à vontade nos momentos de grafitagem quando estavam todos
reunidos e a conversa se direcionava sempre para as mulheres e brincadeiras
“machistas” como ela afirma.
Ela ainda aponta dificuldades para manter a crew como um coletivo em ação e
unido. Pois, segundo ela é mais difícil para as meninas se iniciarem no grafite por se
sentirem reprimidas com a presença dos próprios grafiteiros. Pois, existem problemas
como todo o processo de aprendizado pelo qual as meninas assim como os meninos,
devem passar para que consigam trabalhar com o spray e desenvolver uma arte de
qualidade.
Cely também se queixa da maneira como os não-grafiteiros tratam as meninas
nas ruas. Os olhares sempre são diferentes e estranhos para o fato de serem meninas
grafitando, o que ela diz ser “muito chato”. E diante disso algumas observações são
comuns, como por exemplo, a pergunta “que menino te ensinou?”, essa é uma pergunta
que ela considera desrespeitosa do seu trabalho e do fato de ser mulher. “Quer dizer que
porque sou mulher não posso ter aprendido sozinha.” (Cely, 27 anos, grafiteira,
entrevista em: 04 de novembro de 2011).
E aqui cabe uma discussão de gênero, que como afirma Scott (1993) é uma
discussão de política e poder por onde perpassam as mais diversas questões que podem
levar ao entendimento do porque essas relações se dão em cada contexto social levando
em conta de que maneira o Estado está colocando politicas para regulamentar o
comportamento das mulheres. No caso das grafiteiras o seu comportamento é
controlado também por essas regras e mais pelas regras impostas na rua pelos grafiteiros
que estão em maioria nesse espaço. E, apesar de todo um discurso voltado para a
230

igualdade, conseguem transmitir em várias atitudes apontadas por Cely, a maneira como
diferem meninos de meninas, homens de mulheres dentro do espaço das ruas onde
atuam enquanto artistas.
Assim, mesmo sendo jovens esses grafiteiros reproduzem a dicotomia
homem/mulher em suas ações quando estão diante do que consideram o seu oposto e
mantém assim com as grafiteiras uma relação de hierarquia que Scott (1993) diz ser
algo que já é ultrapassado dentro dessa discussão de gênero. No entanto, aqui não
pretendo me aprofundar nesse debate deixado ele para uma próxima oportunidade.
Porém, é importante entender que aqui cabe também uma discussão colocada por
DaMatta (1997) que ao falar da casa aponta para questões que aqui se fazem caras como
a relação da mulher com a casa e a do homem com o espaço público que é a rua.
Essas grafiteiras estão quebrando com a organização que diz que as mulheres
cabe os cuidados com o lar e a família e ao homem e criam assim uma relação com a
rua que a mesma que a dos grafiteiros, onde ao contrário do que aponta DaMatta (1997)
não somem e se igualam a qualquer passante, mas que se destacam ainda mais que seus
amigos grafiteiros, pois estão em menor número e chamam a atenção dos passantes e
dos observadores com muito mais intensidade por não ser corriqueira a sua presença ali,
isso as torna diferentes e visíveis dentro do contexto da rua e do grafite.
É importante perceber que algumas das meninas que pretendem se iniciar no
grafite encontram a barreira em si mesmas ao acharem que não devem estar no espaço
que consideram dos homens e reproduzem assim aquilo que os homens fazem quando
as tratam como seres estranhos àquele espaço, a rua. Essas meninas, segundo Cely, tem
vergonha de aprender as técnicas necessárias para o uso do spray, pois se sentem
inibidas com a presença de quem já sabe utilizar a lata e acham que o mais fácil é se
retirar.
Cely também fala do fato de que a maioria das meninas começam no grafite
porque namoram com alguém do grafite, porém, quando chegam a se casar, morar
juntos, ter filhos, elas são levadas por seus companheiros a desistir do grafite para que
cuidem da casa. Essa atitude reflete mais uma vez o que DaMatta (1997) coloca quando
diz que a rua é para os homens e a casa e os cuidados com a casa devem ser da mulher,
pois a rua representa o masculino e a casa o feminino, a rua seria o rústico e a casa seria
o delicado. DaMatta (1997) também chama a atenção para a responsabilidade que as
mulheres devem ter com a comida e como no Brasil elas são comparadas a própria
comida. E, segundo ele a mulher que está na rua não é vista como alguém que sirva para
231

casar, não merece o respeito que as mulheres que estão no lar merecem.
Esses jovens grafiteiros ao agirem dessa maneira apenas estão reproduzindo
velhas atitudes diante de suas companheiras, assim como elas também. Pois, como
acentua Maria Lacerda de Moura, é responsabilidade de cada mulher a luta por sua
emancipação, uma emancipação que a leve a uma posição não de superioridade, mas de
igualdade com os homens, com direitos iguais para pensar e para lutar por seus direitos
(Ferreira, 2005), inclusive de dizer que quer continuar na rua e grafitar e produzir a sua
arte.
E foi por isso que Cely diz ter criado a Ratinhas Crew para que conseguisse
continuar grafitando e pensando a sua arte com a mesma liberdade que vislumbrou ao
iniciar nas ruas, sem a pressão que ela diz ser machista e que conseguia excluí-la até
mesmo das conversas informais durante as grafitagens nas ruas da cidade.

A- Cely

IMAGEM 11: CELY NA PRAÇA DA


REPÚBLICA
FOTO: LEILA LEITE OUT/2012

Cely é grafiteira, casada e tem dois filhos, um menino e uma menina. Mora no
232

bairro do Bengui em Belém. Ela tem 27 anos, nasceu em 28 de fevereiro de 1985.


Conversei com ela na UFPA no dia 04 de novembro de 2011. Ela é grafiteira,
ilustradora e estudante de Artes na UFPA e fazia parte da Cosp Tinta Crew, mas saiu
dessa crew e fundou junto com outras meninas a Ratinhas Crew e uma das justificativas
que deu para isso foi a falta de espaço que havia para ela desde as conversas até mesmo
nos muros, pois era a única menina na crew. Mas, vamos a sua história.

Eu comecei quando tinha uns treze anos. Estudava numa escola lá perto de
onde eu moro, lá no Bengui. Aí um menino que era b‟boy, viu que eu
desenhava e disse,„tu já pensou em ser grafiteira?‟ Eu nem sabia oque era
grafite, pensei até que era pichação, sabe? Ai ele me disse, „não, vou te mostrar
umas apostilas‟. Ai que um amigo meu me apresentou pro Nego Boy lá do
Bengui, ele é b‟boy. Até que eu comecei a pegar umas apostilas, ai fui ver o
que era mesmo grafite, ai eu conheci através deles que eram lá do hip hop. Ai
eu conheci o Preto Michel, comecei a ir em bailes. Ai fui conhecendo todo
mundo do hip hop. Ai fui vendo o que era grafite.
A primeira crew que eu participei foi a URBE, não era bem de grafite, era de
artistas. Uns que faziam pintura mural e depois com o tempo não deu certo.
Isso foi em 2004.. em 2006 teve a “Papa Chibé”que era eu, o Metal e o George.
Ai também o Metal saiu, eu parei um tempo de pintar, fiquei grávida. Ai a Cosp
Tinta Crew que começou em 2007, 2006, não estou bem lembrada, por ai. O
George que começou a jogar “Cosp Tinta”. Ai ele convidou pra voltar a pintar,
ele estava jogando “Cosp Tinta”, eu comecei a pintar com ele “Cosp Tinta”. Ai
foi “pintando”mais pessoas.
Eu saí da “Cosp Tinta” porque, assim, crew é uma família. Ai a partir do
momento tu tem que ter uma amizade fora. Tem gente da “Cosp Tinta” que eu
nem conheço, que eu nunca vi. Ai coletivo não é só porque tu faz grafite que tu
pode fazer parte de uma crew. Tem reuniões, tem eventos que tu não
participou, ai tu cobra, já não entendem. E pra esse tipo de discussão que eu
acho que já desgasta a amizade. Ai também já criei outra crew que é só de
meninas, que eu acho que tem mais a ver, tem um “papo de meninas”, tu não
fica ali naquele “papo de homem”. Porque geralmente quando eu tava no meio
era só homem, só eu de mulher, ai só ouvindo “papo de homem”, assim é
complicado.
Essa crew é Ratinhas Crew. Ratinhas porque era uma brincadeira que surgiu,
mas porque é um bicho urbano descriminado, porque num tem “frescura”, as
meninas são bacanas. Somos eu, a Dani, a Iris e a Kika. Nosso espaço é na rua
mesmo. A gente montou outro grupo, mas com outros seguimentos. Mas, é do
hip hop, a Companhia H2F (Companhia Hip Hop Feminino). De Mc tem a
Mana Josi, falta a Dj ainda, a gente tava até discutindo da gente mesmo fazer
um curso de Dj. (Cely, grafiteira, ilustradora e estudante, 27 anos, entrevista
em: 04-11-2011)

Cely é a única grafiteira com quem conversei que realmente toma o grafite como
uma forma de militância para si. O que prova isso é o fato de fazer parte não só de uma
crew de meninas, como ela mesma diz, mas também de um grupo de hip hop também de
meninas, respectivamente a Ratinhas Crew e o H2F (Hip Hop Feminino). Segundo ela,
isso é importante porque faz com que as meninas consigam se expressar de maneira
233

mais livre, sem ter a pressão machista que os meninos colocam sobre elas, o que
provoca constrangimento.
Essa grafiteira quebra com todos os conceitos que DaMatta (1997) coloca sobre
as mulheres e a relação com a casa e a rua. Pois, é casada, mas não está em casa
preparando o almoço do marido, é mãe e não está apenas cuidando do bem estar dos
filhos. Ela está nas ruas e faz com que todas as questões sobre a relação de gênero sejam
revistas, como o colocado por Scott (1993) e também acentuado por Torrão Filho
(2004), pois é preciso rever o que significa o masculino e o feminino e também é
preciso rever quais espaços estão sendo ocupados por quem.
Não que Cely não reclame das dificuldades que encontra, pelo contrário, por
exemplo, ela fala sobre a dificuldade que encontra por não conseguir ganhar dinheiro
com o grafite como fazem os meninos. Segundo ela essa é uma dificuldade comum
encontrada por qualquer menina que grafite, pois, elas não conseguem ainda ter o
reconhecimento de sua arte como os grafiteiros tem. Sendo assim ela trabalha numa
escola com algo bem distante do que realmente gosta de fazer. Porém próximo do que
estuda, ela é universitária, faz artes na UFPA e diz gostar muito do curso. Mas, também
admite que ter decidido continuar grafitando não foi uma coisa fácil, simples, ela diz ter
conseguido apenas por ter o apoio do marido, Metal, que também é grafiteiro.

5.1.5-CONTROL TRI
Control Tri é uma crew que não faz parte da rede de sociabilidade da Cosp Tinta
Crew. No entanto, faz parte da rede da Ratinhas Crew. Pois, ela é formada por apenas
dois grafiteiros e um deles é o companheiro de Cely, o Metal. E foi ele quem me
repassou as informações a respeito de sua crew. Segundo Metal esse coletivo já é fruto
de um momento de maturidade da sua arte e de sua participação nos coletivos e
discussões envolvendo o grafite.
234

A-METAL

IMAGEM 12: METAL NA PRAÇA DA


REPÚBLICA NO CONGRESSO DA
JUVENTUDE DO PSOL
FOTO: LEILA LEITE OUT/2012

Metal é grafiteiro e possui um atelier no bairro do Guamá em Belém. Ele é o


companheiro da grafiteira Cely da Ratinhas Crew. Nasceu em 29 de agosto de 1978,
tem 34 anos, tem dois filhos e ganha o seu sustento com o grafite. Conversei com ele na
Praça da República no centro de Belém no momento em que estava ocorrendo um
“Congresso da Juventude do PSOL” no dia 21 de outubro de 2012. Ele estava lá
grafitando umas placas.

A minha história é muito longa não dá pra contar tudo aqui. É uma longa
história. O grafite na verdade eu sempre gostei assim. Na verdade assim ,
quando eu comecei era bem pouco não tinha, eu procurava com quem pintar
não tinha com quem pintar aqui em Belém, não tinha, não tinha ninguém
assim. Aí assim porque já foi que me atraiu mais já foi quando eu comecei a
andar de skate assim, porque foi uma família assim, foi através do skate mesmo
que eu sou do tempo daquele Skate Ordai que a galera saía pra aprender
manobras e como o skate é da rua mesmo underground é aonde o grafite
também se encaixa dentro do mesmo movimento assim “vamo” dizer aí lá que
eu já fui conhecendo um carinha aqui outro ali porque é difícil.
Aí pô, só que antes disso eu já desenhava, antes de me envolver com isso eu já
pintava, já, só que eu vi que aquilo mexeu mais comigo aí „égua pô legal‟ isso
que eu quero aí quando eu comecei a ver assim, só que aí nesse tempo era
235

pouca informação, não tinha internet, não tinha computador, é difícil pra
caramba tu é doido, tudo era difícil, tipo a gente preparava a lata, tinha que
injetar, tipo tinha um brother meu que virou um especialista em injetar lata de
spray, velho.
Tem todo um processo artesanal assim, o cara era um artesão da lata de spray,
o pessoal ia comprar dele lá pra riscar, pra fazer pichação, porque o cara ficou
especialista e hoje em dia o cara é da igreja, irmão. Nossa é um exemplo
porque esse cara era pra tá morto velho, assim como todos, até eu de repente. A
vida tem os dois caminhos tem o bom e tem o ruim, entendeu então, você tá no
ruim é fácil, é a coisa mais fácil que tem, tu tem um amigo teu enfim, o mundo
te oferece isso. Agora pra ti tá no bem ai é que é o difícil e é isso ai você tem
que ter com você mesmo pé firme no chão, o cara ver as coisas do lado
diferente que é ali que tá a arte.
Na verdade “vamo” supor, eu já passei por algumas crews assim só que o
negócio de muito compromisso, muita responsabilidade e também porque
também me envolvendo nesse negócio de arte de rua como eu já pintava antes,
comercialmente. E dai já veio os filhos e tal ai já dei uma paradinha. Só que ai
o negócio já tá aqui no coração, tá ali contigo, tu num aprende com ninguém, tu
num ver na internet, tu num ver em livro, aquilo tá ali dentro de ti, foi quando
surgiu a “Control Tri”. Ela veio pra, sabe? A ideia do cara foi diferente sabe, já
tinha parado, tipo assim eu comecei com uma galera que eu contava com eles.
Eu pensava que eram meus amigos, só que, enfim, eu tinha uma ideia eles
tinham outra, esse cara veio pra junto comigo fazer o que eu tava tipo fazer por
amor, atitude, underground, tá na rua pintando sem tá na rua fazendo pose pra
fazer grafite pra fazer fama, pra fazer nome. Não isso aí era só pra ti tá na rua
pintando, eu „pô beleza é isso que eu quero então‟, porque hoje em dia pra mim
num dá mais, eu num tenho mais idade pra mim ta fazendo isso, aprendendo
técnica pra mim ser o cara do grafite.
Eu posso fazer, mas sem compromisso nenhum e pronto. É isso ai foi quando
nasceu a “Control Tri” . “Control Tri” na verdade é uma outra história, teve
todo um processo pra ter esse nome, porque tipo assim, eu sou paraense,
brasileiro, só que o nome é estrangeiro, aí inglês porque eu sempre fui
influenciado porque é foda, porque o Brasil é sempre um pais de terceiro
mundo, tem uma letra ai que o que é bom sempre vem de fora, porque tipo
assim as informações, as coisas, quando eu tinha treze anos, quatorze anos eu
gostava de ouvir Iron Maiden, Black Sabbat. Ai o cara já vem e já gosta disso,
já mora lá. Trazia todo um material que eu nunca vi na minha vida, uma revista
“gringa”, nunca tinha pegado um bico gringo, enfim, material, nunca, nunca,
fora da minha realidade.
Eu nasci no gueto, nascido e criado e eu tenho muito orgulho de dizer isso,
porque de lá eu tenho esse orgulho que eu tenho hoje e humildade de mostrar
pras pessoas que ser alguém na vida pelo bem e não pra ti passar por cima dum
amigo teu pra querer te dar bem ou então pra ti conseguir alguma coisa tá
entendendo? Pra ti ganhar pelo bem, pelo certo e seguir no caminho certo, eu
sei que é difícil, mas você consegue, eu vim de lá, eu to aqui até hoje, eu to
vivo, tenho trinta e quatro anos. (Metal, 34 anos, grafiteiro, entrevista em: 21-
10-2012)

Metal em seu relato deixa claro que não concorda com as ações dos outros
grafiteiros com quem pesquiso. Pois, diz que já foi amigo dessas pessoas e não foi
respeitado como grafiteiro por elas. Essa história gera um conflito que incomoda
bastante esse grafiteiro, mas que não percebi na conversa com nenhum outro grafiteiro.
Sua história também traz o contexto do skate assim como o do Micheu, pois foi a partir
dele que chegou a fazer um maior contato com as pessoas envolvidas com o grafite.
236

Metal diz que o skate e o grafite são das ruas e por isso esse caminho de um para o
outro foi facilitado. E ele também ver na arte, no grafite mais especificamente uma
maneira de sair do que ele denomina de “mal” e encontrar o “bem”. E afirma que isso
ocorreu com ele e com muitos outros que seguiram pela arte.
Segundo ele, entrar na Control Tri tem um significado muito diferente do que
tinha antes quando se decepcionou com outros grafiteiros em outros momentos de sua
vida. Ele diz que antes da Control Tri passou por várias crews, mas que as pessoas não
estavam dispostas a enfrentar a rua, o que para ele é importante, as pessoas não eram do
underground e estavam apenas em busca de fazer fama com o grafite. Isso foi uma das
coisas que o decepcionou e afastou das ruas e o fez pensar em desistir de participar de
qualquer coletivo. Porém, assim como outros grafiteiros ele também fala do amor pela
arte, de um sentimento que faz com que não consiga mais parar de fazer arte e por isso
resolveu assumir a sua atual crew. Ou seja, para Metal, assim como para outros
grafiteiros com quem pesquisei, o importante é fazer a arte e está em constante contato
com ela, produzindo e discutindo.
Na foto acima, Metal está na Praça da República grafitando uma tábua de
compensado para a campanha do candidato a prefeitura em 2012, Edmilson Rodrigues.
Ele também tem um envolvimento politico em um grupo de juventude partidária e por
isso estava ali e levou sua companheira para grafitar também. Porém, ele não estava
com sua crew, mas com um amigo que trabalha em seu atelier. E é desse atelier que ele
retira seu sustento. Lá ele trabalha com o grafite como meio de sobrevivência, o que ele
chama de “comercial”. E assim como outros grafiteiros busca em sua arte a sua
sobrevivência e de sua família, pois tem dois filhos com Cely e assim como ela afirma
que quando seus filhos nasceram precisou parar de grafitar por um tempo para que
conseguisse trabalhar com mais intensidade.
Metal fala da sua maturidade para está nas ruas discutindo técnicas de grafite e
tentando ser o melhor grafiteiro. No entanto, isso é quebrado quando fala de sua crew e
do fato de fazer parte de um grupo politico partidário de juventude. E apesar de falar
bastante a respeito desse tempo que já passou e do tempo que faz que está dentro do
grafite, ele demonstra todas as características em suas roupas, em sua fala, em seu
gestual, dos outros jovens com quem conversei. Então aqui fica uma questão que me
faço desde o dia em que conversei com esse grafiteiro, será que ele ainda é um jovem?
237

5.2- Grafiteiros sem crew

Em Belém também existem grafiteiros que não fazem parte de nenhuma crew. O
que não significa dizer que não estão envolvidos em nenhum outro coletivo. Esses
grafiteiros em algum momento já estiveram mais envolvidos na produção dos grafites
enquanto uma arte de rua. No entanto, mesmo não estando afastados totalmente da arte
não produzem tanto quanto os outros grafiteiros. E entre os três com quem conversei
apenas a Débora participa dos “Mutirões”. No caso de D‟pádua sua arte tem muitos
“braços”, pois ele está envolvido em um coletivo na cidade onde mora atualmente,
Colares. No entanto, esse coletivo não necessariamente trabalha com grafite, porém, não
o abandona. Micheu é skatista e sempre está em companhia de outros skatistas tanto em
Belém como na cidade de Benevides que faz parte da Região Metropolitana de Belém.

5.2.1- D’Pádua

D‟Pádua nasceu em 13 de março de 1979. Tem 34 anos. É mestre em artes pela


UFPA. É professor da rede pública. É grafiteiro, pichador e artista alternativo. É casado,
mas não tem filhos. Mora e trabalha atualmente na cidade de Colares. Mas, também
mora na Cidade Nova em Ananideua, Região Metropolitana de Belém na casa de sua
mãe. Está em constante produção artistica e em sua dissertação de mestrado analisou as
diversas artes que é possivel encontrar nas ruas. Nossa conversa ocorreu no ICA
(Instituto de Ciências da Arte) da UFPA localizado na Praça da República no Centro de
Belém, no dia 11 de novembro de 2011 logo após ele ter realizado uma ação artística no
meio do Centro Comercial de Belém.

Trabalhar com imagem sempre foi uma prática contínua no meu


processo de criação. E o acompanhamento de ajudar em atividades
cotidianas me fez perceber uma possibilidade de trabalhar com
matéria. Como assim? Eu sempre, eu posso dizer que minhas
primeiras experiências artísticas foram dentro de uma oficina no
quintal do meu avô com meu avô fazendo peças que ele construía
peças. Porque ele construía peças, aí meu primeiro espaço de criação
foi uma oficina de fundo de quintal.
Então, ali muitas coisas ficaram registradas trabalhando esse processo
de tempo e de memória. E trabalhando esse espaço das experiências
238

que eu tive na infância, na adolescência. Esse também fica um negócio


assim que tem muito o lado para criação autônoma. A universidade foi
por acaso, de arte, não tinha nenhuma informação e não pensava em
nenhum momento em fazer porra nenhuma nesse sentido. Mas,
gostava de trabalhar com imagem, trabalhar com restauração e era
algo que me interessava apesar de na adolescência trabalhar com
pichação. Trabalhar não, participar de alguns grupos lá do bairro que
fica na Região Metropolitana de Belém mesmo lá em Ananideua,
bairro do Coqueiro onde alguns grupos eram bem presentes na minha
infância, na minha adolescência. Era a “Anarquia” lá na Cidade Nova
8, a “Equipe Ligth” que era da Cidade Nova 2 e a “Demônios da
Noite”, a DN, quera da Cidade Nova 3. Tempo em que a “Terror
Bicolor” estava bem forte e a “Remoçada49” sempre competindo
espaço. A pichação nesse período, 1992-93, no tempo das festas no
CAN50, das queimadas de fogos (essa queima de fogos ocorre no
período do Círio de Nazaré, festa religiosa paraense) no CAN e tal é o
período que ela ganha a dimensão das torcidas organizadas, então elas
se propagam enquanto gangues. As gangues, os grupos de pichadores
é que combatiam nas ruas, nas festas de rua, nas festas na tuna, etc. E
eles passaram a se encontrar, se debater. Então tinha muito esse
cenário que pra mim estava distante tal era meu contexto social. Eu
participava de outro ciclo na escola. Eu não conhecia a escola do meu
bairro.
Quando eu vou pra escola do meu bairro eu começo a compreender o
que é realidade, tá entendendo? A escola estadual. Eu estudava em
escola particular. Aí com o contexto da separação dos meus pais eu
volto pra escola pública e a gente tem um contato geral com essa outra
linguagem que é a da pichação. Só que quando eu vou pro curso de
arte, que foi por acaso, foi “na tora”, porque eu estava quase
reprovado no ensino médio, eu escolhi por acaso, mas foram dali que
as coisas foram se desdobrando.
O viés pra trabalhar com as questões da rua, de intervenção foi quando
dentro do curso eu fui fazer um trabalho com os grafiteiros. Apareceu,
uma, não seria uma bolsa, seria um estágio pra trabalhar com o projeto
“Pichando Arte” que era do João Figueiredo, projeto de Psicologia51,
onde ele trabalhava a partir de Vygotsky, trabalhava a partir de alguns
autores uma certa domesticação da linguagem, acabava sendo, na

49
“Terror Bicolor” e “Remoçada”: Torcidas organizadas de futebol. A primeira do Paissandu e a segunda
do Remo.
50
CAN: Centro Arquitetônico de Nazaré
51
Esse projeto foi também a pesquisa de mestrado do João Figueiredo
239

minha leitura, uma domesticação da linguagem do grafite pra


areografia. Então, eu queria trazer as pessoas que trabalhavam com a
pistola, trabalhavam com o spray, com o desenho através das artes pra
levar pra areografia. Então foi um contato que eu tive novamente com
as escolas públicas, foi no “Santana Marques” lá na Marambaia. O
“Pichando Arte” foi na Marambaia e no Panorama 21. Esse do
Panorama 21 eu já fui sozinho, entendeu, já tinha saído do projeto e
estava em uma outra atividade.(D‟Pádua, 33 anos, grafiteiro e
professor, entrevista em: 11-11-2011)

D‟Pádua fala a respeito de algumas gangues que ele presenciou e que de alguma
maneira esteve próximo durante a década de 1990 quando adolescente em Ananideua. E
aí narra um fato interessante, o momento em que todas elas se reuniam no CAN para a
queima de fogos. Nesse momento a praça está lotada e era o momento em que as
gangues se encontravam para brigar. Xavier (2000) narra uma situação parecida em que
presenciou o confronto de duas gangues rivais e que isso era uma constante na história
desses grupos.
Uma outra característica a ser destacada na história desse grafiteiro é o fato de
que é um professor de Artes. Ele já terminou até o mestrado e isso o coloca numa
posição diferente da maioria dos grafiteiros que trabalham ou com oficinas de grafite ou
com areografia para se manter financeiramente. D‟Pádua é professor da rede pública
estadual e trabalha na cidade de Colares onde também tem um coletivo de artistas com
sua esposa Bruna .
Em sua dissertação ele trata justamente a respeito da arte que é produzida nas
ruas não só de Belém, mas também de outras cidades por onde passou. Ali ele discute o
conceito de arte a partir daquilo que é possível observar nas ruas mesmo que não sejam
considerados como arte pela maioria das pessoas. É o caso dos vendedores ambulante
que usam de várias estratégias para conseguirem chamar a atenção das pessoas e
circular nas ruas com suas mercadorias em carros e bicicletas cheios de artimanhas que
conseguem levar as ruas obras de arte de não-artistas (Azevedo, 2012). E nesse trabalho
de pesquisa é possível perceber impresso também o trabalho artístico de D‟Pádua, pois
a sua linguagem passa ao leitor o seu grafite, principalmente porque aí ele narra uma
situação que ocorreu com ele nas ruas de Belém quando estava produzindo a sua
dissertação.
A situação foi a seguinte, ele saiu para pichar/grafitar um muro e foi pego por
240

um porteiro que provocou um verdadeiro alvoroço e prometeu atirar se ele corresse. O


porteiro chamou a polícia e a imprensa e D‟Pádua foi preso como o professor que estava
pichando. Essa noticia foi dada por um telejornal sensacionalista que mostrou seu rosto
e o prejudicou profissionalmente e em sua relação com a família (AZEVEDO, 2012). Aí
mais uma vez é importante pensarmos a tênue linha que no caso do grafite o separa do
crime. Ser grafiteiro ou ser pichador, o que é positivo e o que é negativo dentro do
mundo do grafite. E tudo isso para D‟Pádua é a mesma coisa, sendo hipocrisia aquilo
que tenta se mostrar como neutro, ou seja, a rua não discrimina o que é grafite e o que é
pichação, quem é grafiteiro e quem é pichador, tudo, segundo ele, é a mesma coisa.
Porém a visão da imprensa ajuda a deturpar isso e divide em o que é a arte e o que é o
crime.
D‟Pádua em sua narração também fala sobre os projetos que envolvem o grafite.
Ele diz ter participado de um deles, o projeto “Pichando Arte” onde foi oficineiro e
também onde teve contato mais próximo com outras pessoas envolvidas com o grafite
num retorno a escola pública, mas dessa vez na posição de educador. Ele estava também
cursando a graduação e sua participação no projeto foi como estagiário. Esse projeto foi
coordenado por João Batista Leão Figueiredo e deu origem a sua dissertação de
mestrado intitulada, “De Pichador a Grafiteiro: Valores e transformação da atividade
artística em adolescentes”, defendida em 2004.
Segundo Figueiredo (2004), esse projeto foi realizado em duas escolas de bairros
diferentes. A escola “Mário Barbosa”, no bairro da Terra Firme e na escola “Hilda
Vieira” no bairro da Marambaia. Foi um projeto direcionado para a pesquisa que ele
estava realizando para a sua dissertação em psicologia experimental da UFPA. Aí ele
pretendia observar o desenvolvimento dos pichadores e seu potencial para a arte. Assim,
foram selecionados para ministrar as oficinas de grafite alguns estudantes do curso de
Educação Artística da UFPA, como ocorreu com D‟Pádua. Esse projeto o grafiteiro diz
ter sido muito importante para o seu envolvimento com o grafite como algo que pode
influenciar as pessoas através da criação artística.
E como professor D‟Pádua influenciou um dos grafiteiros com quem conversei,
o Zang da CVC, que diz ser agradecido a seu professor por ter mostrado para ele uma
outra alternativa, que seria no caso, o grafite como uma forma de produzir arte e se opor
ao vandalismo das pichações e das gangues. Apesar de perceber na fala de D‟Pádua algo
diferente disso, isso demonstra que a arte provoca pontos de vista diferente mesmo entre
aqueles que estão convivendo dentro do mesmo contexto.
241

5.2.1-Micheu52

IMAGEM 12: MICHEU NA UFPA VENDENDO SUAS CAMISAS


FOTO:LEILA LEITE SET/2012

Micheu é skatista, grafiteiro e estudante do curso de ciências sociais da UFPA.


Ele nasceu em 31 maio de 1978, tem 34 anos, mora atualmente no bairro do Guamá em
Belém. Nossa conversa ocorreu na UFPA, num banco sob as árvores ao lado do bloco A
no dia 08 de novembro de 2011. Então, vamos a sua história.

“Eu morei na Terra Firme a minha infância até a adolescência até os 16 anos.
Comecei a estudar no primário , ensino fundamental, primeira à quarta série eu
53
estudei na escola “Virgilio Libonati”, que ficava localizado na UFRA , antiga
FCAP (Faculdade de Ciências Agrárias do Pará), uma escola que eu considero
mais ou menos assim, que tinha um convênio cm o governo federal. Naquela
escola lá começou a despertar o interesse pelo desenho, pelo grafite. Tudo que
eu via naquela minha fase... Uma vez, uma professora pediu pra fazer um
desenho que ia servir pra “Feira de Cultura”, num sei o que, até o desenho de
um inseto.
E sempre gostei assim de cores, então, em casa eu ficava fazendo um monte de
outras coisas. Eu pegava pedaços de reboco, aquela massa assim e ficava
lapidando ela. Tipo lapidando, lixando, criando umas formas assim, estrela,
coração, essas coisas e desenhava também no papel. As pessoas sempre
falavam que eu tinha dom, num sei o que. E que eu tinha que desenvolver, ai
foi que eu fui. Depois comecei também, na minha adolescência, passei lá pra
aquela escola “Brigadeiro Fontinelle”. E lá as minhas companhias eram os

52
Ele explicou que o nome dele é escrito Micheu, com „u‟ por erro do cartório onde foi registrado.
53
Universidade Federal do Pará, essa escola ainda fica localizada dentro da universidade e ainda tem uma
outra escola estadual a “Mário Barbosa” que fica localizada no seu terno, porém de frente para a Av.
Perimetral.
242

caras da periferia que pichavam, que acabei sendo influenciado e fui, né.
Eu já gostava desse negócio de arte e tal. Era proibido assim bem, bem não,
totalmente proibido. A questão do preconceito, fiquei riscando por ai, me
envolvi em confusão e tal, então, eu cai na real, eu sabia que isso não era futuro
pra mim nem pra ninguém. Eu consegui caminhar pro outro lado. Sei lá assim
com a questão do grafite. Porque quando eu sai de lá da Terra Firme, eu fui
morar lá em Benevides, ai eu conheci esse pessoal que andava de skate, que
grafitava, que era mais arte de rua e comecei a jogar basquete. Fazia essas
coisas assim e ai conheci essa galera e fui trabalhar com eles e comecei a
ganhar dinheiro com isso. Consegui compressor, consegui ganhar uma grana
com isso e também comecei a fazer estampas em camisas.
E ai entrei na universidade também, queria fazer arte, não consegui passar no
teste de habilidades porque não tive estrutura. Eu levei só um lápis e tinha que
levar um monte de material, mas eu num me arrependo não porque como
outras pessoas falam, eu também penso assim, que a questão tá na pessoa
mesmo num tem esse negócio. A arte sempre vai tá em mim, tá no ser humano
que gosta, que tem como expressar.
Eu participei do “Celpa em Grafite”com o Bico e com o pessoal de Marituba,
o Bocão, o Moisés. Na verdade, eu ando de skate também, então eu conheci o
pessoal andando de skate, o pessoal lá de Marituba. E eles estavam nessa
“fita”do “Celpa em Grafite”. Ai me convidaram, eu fui olhar primeiro e depois
me inseri no grupo, rolou uma verba, uma ajuda e a estrutura toda.
E teve uma época na minha vida assim que eu fiquei andando de skate e
grafitando. Dai conheci muita gente lá em Benevides, teve um rapaz lá que
estudou comigo e sabia que eu gostava disso. (Micheu, 34 anos, grafiteiro,
skatista, universitário, entrevista em:08-11-2011)

Micheu está concluindo a graduação e assim se torna mais uma exceção nesse
cenário onde a maioria apenas possui o ensino médio. Ele é skatista também e o skate é
um dos elementos ao qual o Movimento Hip Hop em Belém está muito ligado chegando
a ser considerado até uma arte por alguns. Ele participou do projeto “Celpa em Grafite”,
um projeto realizado pela Rede Celpa no ano de 2004 e que envolveu muitos jovens
grafiteiros da grande Belém, em torno de duzentos. Foi lá que iniciei minha pesquisa. O
projeto funcionava sob a coordenação de Paulo Bico. E durante a sua realização vários
muros da Rede Celpa eram grafitados ao mesmo tempo.
Nesse projeto os jovens recebiam uma ajuda de custo de aproximadamente
duzentos reais e todo o material necessário para a realização do grafite, como latas de
tinta, compressor e pistola e latas de spray (ai cabe uma discussão a respeito do conceito
de grafite, pois para alguns grafiteiros não concordam que o trabalho realizado com
compressor e pistola seja grafite, mas sim aerografia), pincel, rolinho, além do almoço,
pois as grafitagens geralmente iniciavam às 9h e terminavam apenas as 18h. E foi nesse
contexto que conheci o Micheu. Ele estava na equipe que grafitou o muro do CENTUR
(Centro de Convenções Tancredo Neves) que fica localizado na Avenida Gentil
Bitencoul em Belém. Esse foi o único muro que não era da Rede Celpa a ser grafitado.
Micheu trabalha com a venda de camisas que pinta assim como as que estão na
243

foto acima. Nesse dia ele estava pintando e vendendo camisas em um evento acadêmico
que estava ocorrendo no Centro de Convenções Benedito Nunes. Ele também trabalha
com oficinas e faz parte de projetos de iniciação cientifica dentro da UFPA. E assim
como a maioria dos grafiteiros aqui relatados ele também chegou ao grafite através do
envolvimento com a pichação e com o mundo da violência que ele aponta como sendo
negativo tanto para ele como para qualquer outro jovem. Pois, ai estão os riscos que
envolvem as drogas e a prática ilegal de uma atividade vista pela sociedade como
errada. Assim, o grafite mais uma vez é visto como algo positivo e que pode ser
benéfico a partir do momento em que é uma arte e que leva as pessoas a um
envolvimento com o conhecimento e o afastamento da violência e das drogas.

5.2.3-Débora

IMAGEM 13:DÉBORA NO “V MUTIRÃO DE


GRAFITE” NO BAIRRO DA CIDADE VELHA
FOTO:LEILA LEITE JUN/2012

Débora nasceu em 1993, tem 19 anos, não faz parte de nenhuma crew e
começou no grafite em 2012 numa oficina ministrada por Ed. Mora no bairro da Terra
Firme e ainda é uma iniciante no mundo do grafite. Nossa conversa ocorreu no “V
Mutirão de Grafite” no bairro da Cidade Velha, no dia 26 de maio de 2012.
244

Eu estudo na terra firme também. Escola “Dr. Celso Malcher 54”. Estou no
segundo ano do ensino médio. Na minha casa mora eu, tem mais um irmão e a
minha mãe. E o meu sonho mesmo era ser modelo, porque eu já fiz tipo curso
de modelo e tal, só que ai eu deixei de lado esse negócio. E ai eu to mais
direcionada pra área de grafite. E ai eu botei na minha cabeça que eu quero ser
grafiteira, tipo igual profissional, igual o Ed meu professor, igual o George,
igual o Bocão, igual esses profissionais assim eu quero ser e eu vou chegar lá.
Mas, além disso eu quero ser...quero fazer faculdade de psicologia também.
Amigos que eu conheço assim, não tem nenhum que faz a oficina comigo, só
meu namorado o Junior, ele também faz oficina comigo de grafite....ele ta aqui
no mutirão também. Amigos que eu tenho é só da igreja, porque eu sou
evangélica também. Eu sou da “Assembleia de Deus”, ai eles são de lá
também. Todo mundo sabe que a gente faz grafite, ai tipo eles tiram uma onda
assim,mas é tudo na sacanagem, mas nada contra.
Eu queria fazer parte da cosp tinta. Porque eu conheço a maioria das pessoas de
lá e tipo eu tenho uma amizade muito grande com eles lá, ai eu queria poder
trabalhar junto com eles, ai a gente vai encerrar nosso curso agora dia 10 de
junho, vai ter a nossa formação, ai depois que a gente acabar o curso eu queria
fazer parte da Cosp Tinta Crew. (Débora, 19 anos, grafiteira, entrevista em:26-
05-2012)

Débora fez um caminho diferente para chegar ao grafite. Ela iniciou seu contato
com o grafite numa oficina realizada dentro do espaço da UIPP em 2012 ministrada
pelo grafiteiro Ed da Cosp Tinta Crew. Assim ela não chegou ao grafite pela pichação, o
que a afasta do contexto vivenciado por Ed que vivenciou esse contexto antes de se
aproximar do grafite. E isso também faz com que sua ligação com o Movimento Hip
Hop diante do que consegui perceber é quase nulo a não ser através do contato que tem
com a Cosp Tinta Crew através de seu oficineiro. Eu a conheci durante o “V Mutirão de
Grafite” onde estava participando pela primeira vez de uma programação desse tipo.
O que me chamou atenção foi o fato de ser mais uma menina dentro do contexto
das programações que são sempre tão ocupadas pelos homens. Então ela me contou que
seu maior sonho era ser modelo, mas que quando conheceu o grafite mudou de ideia e
agora seu sonho era se tornar uma profissional como Ed e entrar na sua crew. Aí mais
uma vez o relato de uma mudança de vida, uma mudança de perspectiva diante do
grafite o que leva a concluir que mesmo estando dentro do grafite a partir de um outro
processo, ela assim como os outros grafiteiros carrega consigo uma história de
mudanças ligada ao grafite. E nisso ela se diferencia da Cely, que mesmo não tendo
passado pela pichação não narra nenhuma história de mudança de vida a partir do
grafite, ela apenas se diz apaixonada pela arte.

54
Essa escola funciona dentro do Salão Paroquial da Igreja São Domingos de Gusmão que foi alugado
pelo governo do Estado para que a escola fosse reformada. No entanto, já faz alguns anos que isso
aconteceu e onde funcionava a escola hoje está o prédio da UIPP/PROPAZ (Unidade de Integrada de
Policia Pacificadora / PROPAZ). Isso reflete o pouco caso dado a educação pelos dirigentes do estado.
245

5.3- Companheiras

Durante a minha presença nos “Mutirões” realizando minha pesquisa percebi


que alguns grafiteiros estavam acompanhados por suas esposas ou namoradas. Então
passei a prestar atenção nisso com mais interesse. Assim, uma pergunta passou a
percorrer a minha pesquisa, o que faz com que essas mulheres estejam presentes nesses
eventos já que elas não estão grafitando? Pois, elas chegam geralmente com seus filhos,
que ainda muito pequenos precisam dos cuidados da mãe. Assim, sua atenção fica
dividida entre observar o grafite de seus companheiros e cuidar do filho que corre ao
seu redor ou tenta acompanhar grafitando.
Então, fui buscar essa resposta. Foi então que fiquei sabendo que a intenção
delas ali na verdade vai muito além do que eu estava supondo. Pois, na verdade elas
dizem gostar das programações pelo que elas proporcionam as pessoas dos bairro
conhecer a respeito do grafite e da cultura hip hop como um todo. Essas mulheres
apesar de serem mães, casadas e vivenciarem um mundo bem diferente do que seus
companheiros, ou seja, distante do mundo do grafite, estão fazendo um esforço de
também compartilhar essas experiências com eles, de entender o seu mundo e a sua
ausência em casa durante horas para fazer o seu grafite. Assim como as grafiteiras e os
grafiteiros, elas também estão nas ruas, porém de uma outra maneira. Pois, estão ali no
papel de apoiadoras de seus companheiros
246

5.3.1- RAFAELA

IMAGEM 14: RAFAELA, COMPANHEIRA DO GRAF DURANTE O “VIII


MUTIRÃO DE GRAFITE” NO BAIRRO DO GUAMÁ EM BELÉM
FOTO: LEILA LEITE SET/2012

Rafaela nasceu em 12 de julho de 1986, tem 27 anos. Ela é promotora de vendas.


É casada com Graf e tem um filho e está aprendendo a grafitar. Conversei com ela
durante o “VIII Mutirão de Grafite” no bairro do Guamá enquanto o Graf segurava o
Grafinho, ou tentava, no dia 23 de setembro de 2012. Então, vamos a sua história.

Cara, a minha história de vida, eu morava com a minha mãe, né, pai
tinha um namorado. Conheci o Graf pelo meu irmão e terminei com
meu namorado e fiquei com o Graf. ai foi muita tribulação, ficava com
meu namorado e ficava com o graf. Então teve um tempo que eu decidi
terminar com um e com outro e fiquei só. Ai foi que pedi pra Deus pra
me dá pra eu decidir quem era a pessoa mais certa pra eu ficar e ai foi
com o tempo que decidi ficar como Graf. Isso minha mãe gosta muito e
paparica o Graf.
Então a minha vida. Terminei o ensino médio, ai faltou eu terminar a
minha faculdade de RH que eu parei porque eu engravidei. Engravidei e
não voltei mais, tranquei minha faculdade, eu to pretendendo voltar a
fazer a minha faculdade. Eu trabalho como promotora de vendas e não
pretendo ser pra sempre promotora, eu quero uma coisa melhor pra mim
e pro meu filho, dar uma estabilidade pra gente. Então, a minha vida foi
sempre bacana. Eu tinha as minhas loucuras, eu sumia, então sempre foi
“de boa”55 nunca foi... Eu era doidinha, doidinha, mas agora eu sou uma

55
Na gíria significa que sempre foi uma vida boa, tranquila.
247

mulher casada e tal, sou mais quieta, eu fico mais na minha agora.
(Rafaela, 27 anos, promotora de vendas, entrevista em: 23-09-2012)

Rafaela deixa claro em sua fala que não faz parte do mundo do grafite. Sua vida
está voltada para o trabalho que tem como promotora de vendas e seu filho conhecido
como Grafinho por ser o filho do grafiteiro Graf. Sua história está sempre vinculada a
sua relação com seu companheiro, porém a forma como se relaciona com o grafite ainda
é muito distante mesmo ela afirmando que pretende se tornar uma grafiteira. Porém, ela
diz que reconhece nas ações realizadas pelos grafiteiros como os “Mutirões” algo de
positivo, pois assim o grafite pode ser mostrado direto para as pessoas que podem
entender o que realmente o grafite é, uma arte que pode possibilitar mudanças na vida
das pessoas como algo positivo.
Porém, é interessante perceber também que Rafaela é uma mulher que foge a
regra que segundo DaMatta (1997) pertencem ao mundo do lar e não da rua. Pois, ela
está na rua mesmo que não esteja grafitando ela este envolvida em uma outra realidade
que não a das preocupações com sua casa mesmo que não estando distante dos cuidados
com sua família já que ali está com seu companheiro e com seu filho. E enquanto o Graf
está preocupado com o seu grafite ela está preocupada em cuidar de seu filho. Mas, isso
não impede que ela consiga, por exemplo, conversar com as pessoas que ali estão
também apenas observando a grafitagem assim como também com os grafiteiros.
248

5.3.2-ESTER

IMAGEM 15: ESTER NO “IX MUTIRÃO


DE GRAFITE” NO BAIRRO DE FÁTIMA
FOTO: LEILA LEITE OUT/2012

Ester tem 31 anos, nasceu em 30 de setembro de 1981. Tem um filho de 4 anos e


é a companheira do Marcelo Bocão. É bibliotecária e está desempregada. Ela está
aprendendo a ser grafiteira e já tem algumas experiências e pretende se aperfeiçoar
nessa arte que tanto admira. Nossa conversa ocorreu na Praça da República numa
manhã em que ela estava em busca de trabalho no conselho de sua categoria, no dia 12
de setembro de 2012. Então, vamos a sua história.

Eu estudei meu segundo grau em escola pública, ai com 17 anos eu fui fazer
vestibular por sorte, assim, eu fui tentar na sorte e eu escolhi o meu curso
porque era o menos concorrido, eu estudei assim, eu não creio que eu tenha
sido muito bem preparada por ter estudado numa escola pública, eu estudei e
pelo meu mérito eu passei e depois que eu entrei no curso eu me identifiquei,
eu tinha uma vaga ideia do que era, mas como eu não tinha ingressado numa
universidade eu fui ter ideia do que era quando eu entrei, eu me formei mais ou
menos em cinco anos, quatro anos e meio, cinco anos e um tempo eu trabalhei
na secretaria de cultura durante três anos, depois eu trabalhei organizando
249

arquivo numa empresa privada de segurança, depois eu trabalhei no IPHAN


(Instituto de Patrimônio Histórico), depois disso eu voltei pra uma empresa
privada e no momento eu num faço nada, só estudo pra tentar passar em algum
concurso.
Eu acho um máximo o grafite eu sempre achei, porque pra mim fazer arte no
muro, pra mim grafite é diferente de pichação, grafite pra mim é uma forma de
protesto, pichação já foi, mas o que eu vejo, a gente vai olhar lá uma pichação
tá só o nome lá dos pichadores, num tá transmitindo mensagem nenhuma,
então o grafite pra mim além deles tarem expressando a arte deles, é uma
forma de protesto Tb.é antes de começar a namorar o Marcelo a gente já se
conhecia, ele tava começando e o que logo me chamou a atenção porque aquele
traço dele assim meio surreal, psicodélico, ele trabalhava mais o preto e branco
no inicio, só o preto e branco, depois que ele começou a jogar as cores. Aquilo
me lembrou muito o filme the wal do Pink floyd aquilo me chamou logo a
atenção e com o tempo foi evoluindo pra esse traço que tá ai agora e eu sempre
achei muito legal o trabalho dele, do George com aquele olho aberto e outro
fechado que ele diz que é pra ficar de olho na corrupção. Mas quando ele
começou a me chamar pra ir com ele, que antes de ter os mutirões eles já
atuavam nas ruas, né, então quando eles me chamavam pra acompanhar eu
ficava só olhando né, até que uma hora eu disse „ah eu não quero ficar só
acompanhando, eu quero pintar também. Ai o Marcelo foi me ensinar um
pouco de desenho porque eu num sou artista, a minha área é totalmente
diferente disso é biblioteconomia, eu não sou artista, eu não sei desenhar
direito, minha coordenação motora não é legal e eu nunca tive nenhuma
paciência pra nenhum tipo de trabalho manual, crochê, costura, bordado, ai eu
fui ter um pouco de paciência pra aprender um pouco pra é, eu num sei se
algum dia treinando muito eu poderia me equiparar a eles e eu ser uma artista,
uma grafiteira profissional como eles, mas o que eu queria fazer era alguma
coisa pra não ficar só olhando e pra fazer alguma coisa como protesto também
entendeu? Ai eu comecei a pensar o que que eu posso fazer, eu comecei a
pensar num personagem, eu pensei „eu vou fazer uma caveirinha com alguma
coisa estilizada feminina e vou jogar alguma frase bacana, alguma frase
bacana, tá, fui treinando, treinando, ano passado no dia da mulher eu fiz o
primeiro num elevado que fica lá na Júlio César, um viaduto que é na Júlio
César. Ai eu fiz, tava eu, ele, o Graf, George e o Ed, certo, depois disso
aconteceu do Marcelo adoecer, parou, ficou um bom tempo sem pintar, acabei
me desestimulando, acabei treinando as vezes em casa, fui perdendo o
estimulo, eu voltei no dia que ele foi voltar a pintar, eu peguei o spray dele isso
sem ele ver e fiz uma coisinha lá tosca, ai num outro mutirão na Guanabara, eu
fiz também na pressa, uma coisa rápida e depois eu não fiz mais, porque eu não
me preparei mais também. E das vezes que eu fui nos mutirões eu, as vezes eu
levo o meu filho, num dá pra conciliar, ficar lá pintando e olhando o moleque,
então foi só dessas vezes que eu fiz, mas acho muito legal, eu sempre dei
apoio, eu sempre dei força tanto pra ele quanto pros meninos. Os que eu tenho
mais envolvimento é o da cosp tinta, mais no âmbito masculino é o que mais
tem gente fazendo, na tua pesquisa tu deve ter visto, tem em castanhal, tem em
Marituba. Quase toda semana aparece um fazendo um bomber né. Meninas é
que tem poucas. E é isso, o que eu fiz até agora de grafite foi isso. (Ester, 31
anos, bibliotecária, entrevista em: 12-09-2012)

Ester é bibliotecária, está desempregada e essa é a sua grande preocupação no


momento. Ela assim como Rafaela é companheira de um grafiteiro, o Marcelo Bocão,
mas também não vive o mundo do grafite como seu companheiro, mesmo tendo a
intenção de se tornar uma grafiteira. Na foto acima tirada durante o “IX Mutirão de
Grafite” no bairro de Fátima ela está diante do grafite que fez ao lado do grafite de
250

Bocão. Isso demonstra ainda uma insegurança não apenas no fato de ainda ser uma
iniciante no grafite, mas também por ocorrer uma dependência da presença de seu
companheiro para que possa está grafitando. Isso fica claro quando ela narra o fato de
ter abandonado o grafite quando seu companheiro adoeceu e teve que se manter
afastado do grafite.
Assim como Rafaela ela também tem um filho que algumas vezes também está
acompanhando ela e seu companheiro aos “Mutirões”. Porém, ele não é filho do Bocão
com quem Ester afirma que a criança tem uma boa relação e já está influenciado para o
grafite. E durante o “IX Mutirão” ele estava lá e grafitando com outras crianças que
encontrou e com a orientação da mãe e do Bocão que forneceu a tinta e os pinceis para
que desenhassem.
Ester encontra ainda entre grafite e pichação algumas diferenças. Para ela a
pichação já perdeu o seu caráter de rebeldia, enquanto o grafite é essa rebeldia, pois o
grafite é algo que contesta a realidade, que vai contra aquilo que está imposto. No
entanto ao observar o grafite que ela fez durante o “IX Mutirão” ela fez aquilo que se
pode chamar de pichação, pois, além de desenhar ela escreveu. Então, a que pichação
ela está se referindo quando diz que ela não serve mais como forma de protesto? Seu
grafite é um protesto contra a obrigatoriedade do voto como é possível observar na foto
abaixo.

IMAGEM 16: DETALHE DO GRAFITE


DE ESTER AO LADO MARCELO BOCÃO
FOTO: LEILA LEITE OUT/2012
251

A frase no grafite diz “Se o Brasil fosse um país democrático não seriamos
obrigados a votar”, o que vai contra tudo o que estava sendo propagado no resto do
evento onde estava sendo realizada uma campanha para o candidato Edmilson
Rodrigues afirmando o compromisso que os coletivos ali envolvidos haviam firmado
com o candidato e seu partido.
Assim é possível afirmar que mesmo dentro de uma rede de sociabilidade onde
as pessoas estão se mobilizando para que algo seja realizado em prol de um evento e
uma arte como no caso dos “Mutirões” e do grafite nem sempre essas mesmas pessoas
estão concordando com tudo o que ali ocorre. Pois, mesmo não estando na organização
dos eventos essas mulheres, companheiras dos grafiteiros estão acompanhando seus
companheiros e sendo influenciadas e influenciando de várias maneiras não só a eles,
mas a todos que ali estão e que mantem algum tipo de contato com elas.
Os jovens aqui relacionados são pessoas que produzem e pensam o grafite e que
levam essa arte para aspectos de suas vidas de maneira geral. Pois, falam dele como
algo que mudou suas vidas e que conseguiu fazer com que chegassem a um outro tipo
de conhecimento, que buscaram para aperfeiçoar a sua arte e militar em nome dela seja
envolvidos em coletivos ou não. E muitas são essas características comuns que podemos
observar entre eles. Como por exemplo o fato de terem se aproximado primeiro da
pichação, das gangues, das drogas e da violência. E para só mais tarde numa fase
considerada mais adulta se aproximar do grafite nem sempre através do hip hop como
no caso das grafiteiras, mas que de alguma maneira chegaram a ele também
reconhecendo no grafite um dos elementos desse movimento.
Um outro ponto em comum é o fato de relatarem verdadeira paixão pela arte do
grafite falando dele como algo que não conseguem mais tirar de suas vidas por ter se
tornado a sua própria vida. Ainda tem o ponto em que o grafite é visto como algo
redentor, que os salva das ruas, das drogas, da violência, mas é importante perceber que
mesmo de uma outra maneira pelo menos a rua e as drogas ainda fazem parte de seu
cotidiano.
252

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os jovens grafiteiros e toda a sua rede de sociabilidade estão espalhados por


várias partes da cidade, principalmente na periferia. E todos eles têm em comum a arte,
mais especificamente a arte de rua. Pois, todos eles estão nas ruas produzindo e se
socializando uns com os outros a partir dessa arte de rua. E o grafite em especial é uma
arte que precisa da rua para existir, sem a rua ele não é grafite, segundo afirmam os
grafiteiros e todos aqueles com quem conversei durante todo o meu tempo de pesquisa
até aqui. Esses jovens estão nas ruas em um sentido positivo. Pois, levam para esse
espaço a discussão da sua utilização, assim como levam todo o seu conhecimento e tudo
aquilo que produzem enquanto arte e amizade. Mas, principalmente, eles estão nas ruas
produzindo arte e antes que se diga qualquer outra coisa a seu respeito é preciso
entender essas características.

E diante de tudo ainda existe o fato de que eles levam a sua arte de rua para
outros jovens e para as crianças que ainda não conhecem o grafite e o Movimento Hip
Hop, nem as tranças, nem a poesia marginal. Levam suas roupas que para a maioria são
diferentes, levam sua arte de rua como algo que acreditam poder fazer a outros jovens
aquilo que fez com eles. E colocam nos “Mutirões de Grafite” todo um trabalho de
organização que mobilizam muitos jovens em torno do grafite. E em minha pesquisa
não percebi em nenhum momento jovens que não estivessem dispostos a buscarem
novas maneiras de dizer o que pensam e buscarem também conhecimento e mudanças.
A juventude grafiteira com quem pesquiso, se destaca entre outros grupos
juvenis pela vontade de fazer diferente, de mudar a realidade da sociedade em que
vivem mesmo sendo postos por algumas pessoas como marginais. E ser marginal, como
diz Becker (2006), significa ser visto como alguém diferente pela sociedade em que se
vive. E esses jovens são vistos com essa diferença e estigmatizados pelas pessoas como
sendo estranhos. Gofman (1988) chama atenção para essa possibilidade de
estigmatização das pessoas e afirma que isso ocorre com elas por morarem em periferia,
por serem jovens, por se vestirem diferentes, mas principalmente por estarem mostrando
quem são através de suas grafitagens pela cidade e de sua resistência na militância com
a arte como no caso dos grafiteiros.
Esses jovens não se enquadram na pesquisa apontada pelo jornal “Beira do Rio”
da universidade federal do Pará Ano XXVII Nº 111, de Março e Abril de 2013. O jornal
trouxe a manchete “Jovens do Guamá têm pouco otimismo”, em que a diversidade das
253

juventudes não foi levada em conta, suas formas de resistência, seu conhecimento, sua
arte, seus sonhos, suas perspectivas foram anuladas como se a única possibilidade de
vida fosse seguir os padrões impostos pela sociedade. A pesquisa buscou saber se “a
juventude” via a universidade como alternativa para melhorar de vida e como a resposta
foi negativa sua conclusão foi de que os jovens vivem em total desalento, sem
otimismo, sem esperança, sem sonhos e sem perspectivas.
Mas, em minha pesquisa com a juventude grafiteira, que mora em bairros de
periferia e vive dentro de um contexto muito parecido com a dos jovens que foram
apontados na pesquisa acima, se rvelou que a universidade pode ser uma alternativa
futura e não única. Para alguns como Micheu, Cely, Dedeh já é uma realidade.
D‟Pádua já é mestre em artes pela Universidade Federal do Pará e é professor da rede
pública. O trabalho que desenvolvem é com sua arte, ganham seu sustento sem esperar
por um emprego formal. Ao contrário, militam com o grafite e o hip hop como
alternativas de expressar o que pensam e sentem. E D‟Pádua, mesmo sendo professor
continua na militância da arte. Esses jovens, essa juventude grafiteira vive uma
especificidade e têm sonhos, esperanças e perspectivas de que um dia sua periferia será
melhor, com melhor saneamento, com melhor iluminação, com melhor saúde, com
melhor educação.
Esses jovens esperam influenciar com sua arte outros jovens que possam ter aí
novas alternativas que os afastem da violência e das drogas que amedrontam as pessoas
nas ruas da cidade e mostrar para jovens e crianças através dos “Mutirões” que as ruas
podem ser usadas como espaço de produção artística e que é uma maneira de expressar
o que se pensa e sente a respeito da vida e das condições sociais ao seu redor usando a
arte. a juventude grafiteira se reúne em crews de grafiteiros e com outros coletivos
artísticos para poder elaborar e executar seus projetos e assim conseguir levar a arte para
as ruas sem perder as esperanças e nem mesmo a perspectiva de mudar de vida. A
reportagem acima citada generaliza e homogeniza a juventude e isso é muito perigoso e
não funciona para perceber como os diversos grupos juvenis estão se colocando dentro
do contexto da cidade.
Em toda a minha pesquisa com a juventude grafiteira entrei em contato com
outros jovens para poder entender o seu mundo, a sua rede de sociabilidade e mesmo
assim ainda não consegui percorrer toda ela. Ainda faltou muito para chegar a uma
totalidade. Pois, mesmo os jovens que estão nas crews também fazem parte de outros
grupos: Mc’s, skatistas, Dj’s. Também há em sua rede muitos outros jovens que fazem
254

com que o hip hop e outras artes e movimentos sociais se movimentem dentro e fora de
Belém. Entre os diversos jovens com quem tive contato estão, por exemplo, os poetas
marginais, que estão preocupados em fazer com que sua literatura circule não apenas no
meio hip hop. Mais que isso, se interessam em divulgar sua poesia através de livros,
panfletos, oralmente recitando para todos ouvirem seus pensamentos. E nem mesmo
eles, que estão em número de dois nesta pesquisa forma um único grupo, Preto Michel
trabalha sem nenhuma denominação coletiva. Augusto Poeta faz parte do “Churume
Literário”, um coletivo.
Essa diversidade na juventude apontada por Canevacci (2005) e por outros
autores é uma realidade que está presente ao longo do século XX quando o que
conhecemos como juventude hoje começou a ser forjado e esses jovens começaram a se
reunir em grupos com características diversas. Cada vez mais novas características,
novas maneiras de pensar o mundo, de se organizar em grupo, novas de conceber a
juventude surgem e colocam mais questões e mais expectativas em novas mudanças
para o que está ao seu redor.
E ser jovem não é algo que possa ser ditado pela maioria da sociedade, mas sim
implica em questões comportamentais, a maneira como se organiza em coletivos
juvenis, a maneira como se veste, fala, se comporta. Enfim, a maneira como as pessoas
se colocam diante do mundo. Os jovens grafiteiros e toda a sua rede de sociabilidade
estão dentro de todas essas definições, são jovens e contestam tudo o que está ao seu
redor através de sua arte, de sua forma de se posicionar diante do mundo.
Mas, diante de toda essa diversidade ainda faltou abordar um elemento
importante, as mulheres, onde estão as jovens que estão produzindo poesia, rap, grafite,
enfim, onde estão essas pessoas que não encontrei durante minha pesquisa em número
nem mesmo próximo ao dos meninos? Durante todo o meu trabalho de pesquisa essa foi
uma questão me coloquei e que coloquei em campo com as pessoas que fizeram parte
da pesquisa. Onde estão as mulheres que produzem arte? Será que não existem mulheres
no hip hop? No grafite? Não que não existam mulheres nos “Mutirões de Grafite”, elas
estão lá, mas raramente grafitando, em nenhum momento encontrei uma mulher Dj e
grafiteiras durante os “Mutirões” encontrei apenas Debora, Erica, Drika. No entanto,
elas não fazem parte de nenhuma crew e não estão presentes na organização do evento.
Uma outra mulher grafiteira que encontrei fora dos “Mutirões” foi Cely, ela faz
parte da Ratinhas Crew. No entanto, a maior preocupação dela é de não conseguir
manter as pessoas que fazem parte de seu grupo unidas. Mas, seu coletivo continua
255

militando com o grafite e pela vontade de Cely ele vai permanecer por muito tem e cada
vez mais organizado, pois, ela está com novos projetos para seus trabalhos e pretende
convidar outras pessoas para compor sua crew além de continuar insistindo com as que
já fazem parte.
E é com muita persistência que esses jovens com quem pesquisei conseguem
continuar militando com sua arte, produzindo, discutindo e levando o grafite para as
ruas de Belém. Pois, além de produzir sua arte eles ainda têm que enfrentar o sol quente,
a falta de apoios institucionais e também têm que sobreviver e a maioria faz isso através
do grafite por mais que com outras denominações. E minha pesquisa permitiu que eu
conseguisse entrar numa realidade, que mesmo não tão diferente da minha, eu não
conhecia a fundo. Foi uma descoberta que gostei muito de fazer, foram novos
conhecimentos, uma nova linguagem, novas discussões que fizeram com que meu olhar
de antropóloga, como afirma Oliveira (2006) estranhasse aquele lugar e indagasse a seu
respeito com muita curiosidade e vontade de entender e conhecer.
256

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