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Publico aqui uma opinião a favor e outra contrária aos jogos de 2016.

Os artigos foram publicados na edição de


hoje da Folha de São Paulo. E você, o que pensa sobre isso?

NÃO | Uma grande hipocrisia


ALBERTO MURRAY NETO
43, advogado, é árbitro da Tribunal Arbitral do Esporte, em Lausanne (Suíça), e diretor da ONG Sylvio de
Magalhães Padilha.
www.espn.com.br/albertomurrayneto

A DECISÃO do Comitê Olímpico Internacional foi indigna. Mais do que isso, foi hipócrita. Tentaram fazer
história à custa do desespero dos pobres. Não acredito que haja no COI alguém que ignore os gravíssimos
problemas sociais do Brasil.

Se essa pessoa existe, não merece estar lá. Ou melhor, merece, sim.

Quem achou que fez história ao “dar os Jogos à América do Sul, em razão de seu caráter universal”, não pensou no
movimento olímpico. Pensou em si mesmo e nos próprios interesses. Daí a hipocrisia.

O Brasil e o Rio são carentes de tudo. Não há escolas, hospitais, moradia, transporte público, alimentação para os
pobres, luz elétrica, saneamento básico, esporte etc. As pessoas continuam morrendo de sede, de frio, de bala
perdida etc. O Rio é a porta de entrada para o Brasil, o que nos dá visibilidade no exterior. A cidade tem tido a má
sorte de, há anos, ser maltratada por políticos incompetentes e mal-intencionados.

Se alguém acha que daqui a sete anos o Rio estará livre dos traficantes de droga e dos tiroteios, que o trânsito será
fantástico, que haverá hospitais de qualidade, escolas públicas de excelente nível para todas as crianças, praças
esportivas populares espalhadas pela cidade, pessoas morando condignamente, só para citar alguns exemplos,
escolha uma bela praia e espere deitado. Para não se cansar.

Nada, rigorosamente nada vai mudar. A baia da Guanabara, por exemplo, vai permanecer um dos locais mais
poluídos do mundo. Bela, mas de cheiro insuportável. Uma coisa, na cabeça dessa gente, é certa: o povo, pobre
povo do Rio de Janeiro, que se lixe!

Tudo isso é assunto que deverá ser acompanhado de perto. Sei que gente boa do Rio criou algumas ONGs para
fiscalizar o uso do dinheiro público.
Que elas trabalhem muito e façam o papel que os organizadores não terão coragem de fazer.

Que essas ONGs escancarem os números, as licitações públicas e quem estará por trás de cada empresa vencedora
-isso quando houver a tal licitação. Que o TCU e o Ministério Público não se apequenem e cumpram o seu papel
constitucional.

População carioca, assim que a festança acabar, cobre, fique de olho. Não se deixe enganar. Quero ver a patota
olímpica fazer em sete anos o que já deveria ter sido feito há mais de 20.

Ainda assim, acho que os atuais administradores do esporte olímpico devem sair. A renovação, salutar em
quaisquer circunstâncias, deve ser feita com muito mais razão, até para dar maior transparência ao que ocorrerá à
partir de agora. Se permanecerem os mesmos, o final da história já se sabe. Basta ver o Pan e multiplicar por mil o
tamanho do escândalo.

Que venha a lei que limita as reeleições indefinidas, já valendo para os atuais mandatários. Já que o COI cometeu
essa ignomínia, que se ponha gente do bem para administrá-la.
Nada do que foi escrito e falado sobre a candidatura por quem a ela se opôs é inútil. Tudo, agora com muito mais
razão, deverá ser aplicado e observado. A doutrina olímpica da honestidade vai sempre prevalecer.
Venceram, pela coragem do que disseram, tantos e tantos nomes da imprensa, do esporte e da sociedade civil
criticando essa manobra olímpica. Que todos continuem seu belo trabalho de fiscalização, agora redobrado.

As obras olímpicas serão muito mais caras, haverá denúncias, escândalos, atrasos nas construções e, acima de tudo,
não vão entregar o que prometeram.

Aqueles que gravitam no entorno do movimento olímpico brasileiro vão ficar ouriçados. Viva a agência de
turismo! Bravo para a corretora de seguros! Estupendo para a empresa que comercializa os ingressos! E a empresa
de marketing esportivo, que vibre muito! As construtoras vão dividir a fatia do bolo? Vai ter construtora falida
reerguendo-se à custa desse projeto megalômano? Haverá licitações públicas? Os fornecedores de serviços terão
que contratar “consultorias” de terceiros estranhos ao negócio?

Disseram aos brasileiros e aos cariocas que os Jogos Olímpicos seriam a solução dos seus problemas. “Olimpiator
Tabajara”, seus problemas acabaram. O Nuzman agora vai virar o “Seu Creysson”.

SIM | Uma grande oportunidade


MAURICIO MURAD
Sociólogo, doutor em sociologia do esporte, é professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e da
Universo.

TANTAS EXPECTATIVAS e dúvidas, mas está decidido: os Jogos Olímpicos de 2016 serão no Rio de Janeiro.
Agora, o importante é o que vamos fazer com essa grande oportunidade. Não podemos perdê-la. Somos bons em
diversos esportes, não só no futebol. Neste, é consenso internacional que sobramos. Como identidade cultural, só
nossa música se iguala ao futebol.

O Rio venceu fortes concorrentes. Foi escolhido, apesar da violência, da infraestrutura precária, da rede hoteleira
insuficiente (transatlânticos virão para a orla carioca para ampliar a oferta de quartos), do trânsito/transporte, da
poluição da baía de Guanabara (um dos compromissos do Pan 2007, com tecnologia e balsas australianas,
lembram?), da corrupção, da impunidade (o TCU não engoliu as contas do Pan) e das politicagens em todos os
níveis.

Nada disso é novidade hoje, embora seja tudo alarmante. A novidade é o que podemos ganhar com os Jogos.
O Comitê Olímpico Internacional e seus investidores exigem muito, cobram resultados, mas também ajudam com
segurança, turismo, saúde, educação, meio ambiente.

Com essa gente, não tem brincadeira. Os interesses são enormes, e prazos, metas, orçamentos e compromissos têm
que ser cumpridos. Uma boa oportunidade para o Brasil experimentar coletivamente novos conceitos, melhores
valores e mentalidades.

A Constituição diz que o esporte é direito do cidadão e dever do Estado.

Que os governantes respeitem a Constituição para que o legado dos Jogos (o do Pan 2007 foi lamentável) se
traduza em benefícios para a população, principalmente para seus segmentos mais necessitados, tão carentes de
oportunidades e políticas públicas de inclusão social.

A FGV fez estudo e projetou resultados animadores: os Jogos de 2016 no Rio podem repercutir em todo o Brasil
até 2020, pelo menos. Isso, claro, se as coisas forem bem feitas.
Como prevê o COI: avaliar, planejar e investir no curto, médio e longo prazos; mapear e intervir nos problemas,
com ações socioculturais de alto nível; aproveitar ao máximo o evento antes, durante e depois.

É um direito e um dever ir além do campo esportivo, agregar valores e realizações que fiquem. Temos um histórico
de vitórias esportivas. É hora de outras conquistas. Os Jogos são uma chance rara de ajudar a construir e a cumprir
esse plano estratégico.

Os ganhos nos níveis do emprego direto e indireto na cultura, na segurança, na educação e em outros domínios são
conhecidos. Mas também são conhecidas experiências com baixo resultado.

O Rio é, historicamente, uma cidade esportiva e tem tudo para servir de bom exemplo. Depende de nós: governos
(sobretudo), empresários, universidades, escolas, comunidades.

O Brasil precisa ganhar uma alma nova e passar suas instituições a limpo. Que tal aproveitarmos os investimentos
e a pressão internacional que virão com os Jogos para fazer da segurança, do meio ambiente, da geração de
empregos e da escola verdadeiras prioridades? Não é porque nos falta isso -os críticos têm lá as suas razões- que
devemos ser contra a Olimpíada no Rio. Que tal fazermos desse megaevento um meio para melhorarmos em
diversos aspectos?

Novos conceitos de cidadania, desenvolvimento e valorização do esporte educacional, envolvimento das escolas e
do professorado e uma política de longo prazo para as áreas esportivas são legados exigidos pelo COI. Não são
favores, são direitos previstos e bem vistos pelo comitê e por seus patrocinadores.

Temos que fazer mais, organizar melhor e controlar os custos. Bilhões estarão em jogo e sob avaliação
internacional. Nossa imagem também.
Esporte é uma atividade socioeducativa, uma expressão de identidade, um fator de socialização. Os esportes
contribuem para aproximar da sociedade aqueles que a economia e a política afastam. Nenhum evento esportivo
resolverá nossas questões básicas, estruturais e históricas, mas poderá ajudar. E como!

Fonte: Folha de São Paulo, edição do dia 03 de outubro de 2009

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