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A CORRIDA PARA CLONAR SERES HUMANOS

Os argumentos morais e religiosos contra a clonagem também evocam o que algumas


pessoas disseram sobre a fertilização in vitro há 30 anos. Algumas dos primeiros críticos da
fertilização acreditavam que ela ameaçava o próprio tecido da civilização: casamento, fidelidade, a
essência da família; nosso senso de quem somos e para aonde vamos; o que significa ser humano,
conectado, normal, aceitável; ideias sobre o amor e sexo; a disposição de se render ao mais
maravilhoso e inescrutável dos mistérios. Se se permitisse que a fertilização in vitro prosseguisse,
disseram alguns críticos, todos esses fios seriam desentrelaçados.
Agora podemos verificar que eles não se desentrelaçaram - ou, até o ponto em que isso
aconteceu, não foi por causa desse método de fertilização. Mesmo assim, alguns dos mesmos
argumentos éticos estão sendo apresentados hoje contra a clonagem.
A analogia é imperfeita, é claro, como são a maioria das analogias. A fertilização in vitro foi
uma forma de dar à Mãe Natureza uma mão quando se tratava da concepção, enquanto a
clonagem deixa a Mãe Natureza convencida do seu valor.
Na fertilização in vitro, a natureza é imitada, não subvertida. A única coisa que muda é o
lugar onde o óvulo e o espermatozoide se juntam. Depois disso, as coisas seguem da forma
normal. Já a clonagem é uma questão mais complicada. Ela deixa de fora todo o motivo da
reprodução sexual - a mistura da herança de um pai e de uma mãe para formar uma nova vida,
esplêndida e única.
Em 2002, após o nascimento de quase meio milhão de bebês de proveta normais e muito
amados em todo o mundo, podemos ver a relativa inofensividade da fertilização in vitro. Mas não
parecia inofensivo na década de 70, quando não sabíamos que a história teria um final feliz.
Realmente não sabemos, em 2002, qual será o final da história da clonagem humana - para
os clones nem para o resto de nós. Mas da mesma forma como nossa atitude coletiva em relação à
fertilização in vitro deu uma guinada de 180 graus depois que os primeiros bebês de proveta
mostraram ser normais, talvez haja uma evolução análoga na nossa atitude em relação às
tecnologias genéticas e reprodutivas que hoje parecem muito estranhas. Não apenas a clonagem,
mas também a manipulação de nossos destinos genéticos pela alteração de nossas células para
tornar nossos filhos mais altos ou mais bonitos, por exemplo, ou a troca de genes com outros
animais.
Ao menos algumas das técnicas mais improváveis deste novo século podem
eventualmente se transformar em lugar comum, a ponto de não implicar uma necessidade
aparente de deliberação ou debate. Em última análise, algumas destas invenções genéticas podem
se tornar, como ocorreu com a fertilização in vitro, apenas uma parte da paisagem no estranho
território dos genomas, genes e da geração.

Robin Marantz Henig. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 22 dez. 2002. (Fragmento)

PARA DISCUTIR
1) Qual o recurso usado pelo autor do texto para explanar e defender suas ideias?
2) Segundo o texto, quais as semelhanças e diferenças entre fertilização in vitro e clonagem?
3) Tanto a analogia (semelhanças entre fertilização in vitro e clonagem) quanto
a oposição (diferenças entre as duas técnicas) são espécies de argumento baseado no raciocínio
lógico. Além desse tipo de argumento, o autor do texto também usou um argumento baseado em
evidências, isto é, em fatos, dados estatísticos, etc. Localize-o no texto.

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