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AULA 1

SEXUALIDADE HUMANA

Profª Evelyse Iwai dos Reis Teluski


TEMA 1 – INTRODUÇÃO À SEXUALIDADE HUMANA

O tema sexualidade tem trazido inúmeras reflexões e posicionamentos


diferentes, ocasionando frequentemente grandes polêmicas de forma mais
intensa do que décadas atrás.
Esse excesso de discurso sobre a sexualidade humana poderia avançar e
caminhar em contribuição ao desenvolvimento amplo do ser humano. Na maioria
das vezes, isso não acontece devido às dificuldades de ampliar a visão integrada,
desde aspectos históricos e tabus até crenças pessoais e reprodução de
discursos, muitas vezes carregados de repressão e preconceito.
É de grande necessidade para aqueles que pretendem estudar e orientar
a sexualidade o desenvolvimento de uma postura neutra, crítica e com ausência
de preconceitos, pois essa característica marcante de toda a sexualidade humana
é retratada de forma reducionista. A sexualidade é apresentada no contexto
sensual, vinculada apenas à busca do prazer individual, com o objetivo de
consumismo, trazendo uma imagem deturpada da identidade do homem e da
mulher.
Aquino (1997) retrata a importância de contextualizar as dimensões que
constituem a sexualidade: biológica, psicológica, histórica, cultural. O autor traz
que, mesmo com a ampla percepção, o resultado sobre o tema sexualidade não
atinge uma linearidade, pois a discussão, em diferentes campos, não permite uma
regularidade de conceitos nem de posicionamentos. Contudo, há vários pontos
em comum, em especial o deslocamento da abordagem biologizante da
sexualidade humana para uma abordagem pluralista.
Ao debatermos sexualidade, a maioria das pessoas tendem a pensar
exclusivamente no ato sexual propriamente dito. Por vezes, a pronúncia da
palavra sexo é motivo de tensão e desconforto para pais e educadores, embora
cientes de que a sexualidade é inerente ao ser humano desde sua concepção,
ainda não está esclarecida o suficiente, ou mesmo não admitem o fato
principalmente em relação às crianças.
Contudo a sexualidade é mais do que apenas a relação sexual e a
necessidade de aprofundar entendimento, para que traga luz à compreensão a
vivência no seu aspecto multifacetado.
Ao verificar a análise histórica, percebe-se que o tema da sexualidade sofre
ainda fortes impactos. Batista (2008) retrata a dificuldade de verificar na história

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da humanidade tratados sobre sexo como componente humano. Traz ainda que
alguns textos da mitologia grega, ou da tradição judaica encontra-se o sexo como
uma punição desejada, ou então como causa de uma transgressão as regras que
incide em castigo, e não como aspecto de desenvolvimento humano.
Perdura ainda a associação de sexo ao pecado ou punição, contribuindo
para preconceitos, o que não é uma forma saudável de se fazer orientação sexual.
As políticas públicas, além de escassas, não apresentam a compreensão do todo,
nem da composição biológica e cultural do ser sexual, dificultando a ação dos
educadores e profissionais da saúde. Quase sempre vemos educadores com
dificuldades de lidar com a sexualidade de seus educandos, e essa dificuldade se
dá muitas vezes por falta de argumentos, ou mesmo por serem educadores fruto
de uma educação repressora, que os impede de reconhecer sua própria
sexualidade, ou seja, há uma dificuldade pessoal em compreender a
complexidade da sexualidade humana.
Pensar a sexualidade no mundo paradoxal em que vivemos é um grande
desafio, pois, segundo Barp (2010), a modernidade surge com tantas incertezas
em que a pedofilia, o estupro e a mentalidade distorcida sobre sexualidade fazem
do sexo um artigo de consumo. Sendo o corpo prisão e possibilidade ao mesmo
tempo, retrata, assim, a incapacidade de ver o mundo em sua totalidade, apenas
por meio de pequenos lampejos e recortes de informações que circulam pelos
meios de comunicação.
De acordo com Barp (2010), “uma infinita mídia dos dias atuais traz, sutil
ou explicitamente, um apelo sexual que enche os olhos e desperta muito
precocemente as crianças para vivência de sua sexualidade”.
Percebe-se uma antecipação das experiências corporais em relação ao
período e à época dos pais e educadores que atualmente estão em contato com
as crianças e adolescentes. Mudanças significativas ocorreram ao longo da
história, quando o corpo era considerado uma parte natural do meio ambiente,
mas, durante a Idade Média ou eras religiosas, foi transformado em algo
vergonhoso, devendo ser reprimido e escondido. No mundo contemporâneo, o
corpo é usado como atrativo sensual, despertando desejo e sensualidade e poder.
Com a mudança de perspectiva sobre o corpo e a sexualidade, mudam
comportamentos, culturas, o que acaba afetando a biologia humana.

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TEMA 2 – EVOLUÇÃO DA ESPÉCIE E SEXUALIDADE HUMANA

A sexualidade humana deve ser compreendida com base em um estudo


que contemple a análise de suas raízes.
Além das questões biológicas, também é preciso entender as questões
culturais para obtermos o entendimento do processo de formação do ser humano.
Barp (2010, p. 20) retrata que cultura e biologia andam juntas no processo
evolutivo do universo e sexualmente evoluímos tanto nos aspectos culturais
quanto biológicos: “nossa forma física, os mecanismos de sobrevivência e as
concepções sobre sexualidade evoluíram da mãos dadas para garantir que a raça
humana não fosse extinta do planeta”.

2.1 O ser sexual e a evolução da espécie

O ser vivo se reproduz por meio do ato sexual, momento em que a


sexualidade se estabelece. A observação do ser vivo, na sua composição celular,
nos ajuda a compreender o surgimento da sexualidade nos humanos:

Ao se multiplicar rapidamente por divisão celular, denominada


mitose...Surgiram colônias de bactérias. Reinaram sozinhas, durante
quase dois bilhões de anos, caracterizados por uma espantosa vontade
de viver e de se expandir. Teoricamente a reprodução por mitose confere
a imoralidade ás células, pois seus descendentes são idênticos, sem
mutações genéricas. (Muraro; Boff, 2002, p. 30)

A imortalidade presente na reprodução por mitose deu lugar à morte com o


surgimento da sexualidade. Não há morte na divisão celular, na qual cada ser vivo
se divide sucessivamente em dois novos seres vivos que vão sendo formados.
Barp (2010) afirma que a morte está associada à sexualidade e surge quando a
reprodução passa a ser sexual.
Na forma mais primitiva, o sexo significa troca de núcleos entre as células
binucleadas, chegando à fusão num único núcleo diploide.
Esses fatos apontam para o sentido profundo de sexualidade: a troca
enriquece e a fusão cria, paradoxalmente, a diversidade.
Nos primeiros 2 bilhões de anos do surgimento da vida na Terra, não
existiam órgãos sexuais específicos:

Uma existência feminina generalizada, que no grande útero dos


oceanos, lagos e rios produzia vidas. É especialmente em função da
reprodução em terra e de seres complexos que surge o pênis,
propriamente dito há duzentos milhões de anos, na época dos répteis.
(Muraro; Boff, 2002, p. 32)

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Ao pensar na teoria evolutiva, Morin (1975) retrata que o ser humano surgiu
há menos de 100.000 anos. Trazendo o entendimento pela ótica da sexualidade,
observa-se que o comportamento sexual do ser humano difere muito, se
comparado a outros mamíferos dos quais nossa espécie se ramificou.
Diamond (1999) mostra que a sexualidade humana é muito anormal
segundo os padrões dos outros 30 milhões de espécies de animais existentes no
mundo. Para esse autor, a sexualidade normal das espécies acontece da seguinte
forma:

• Não convive em família;


• Faz sexo somente quando está no cio e com finalidade reprodutiva;
• Os machos não proporcionam cuidados paternos e sua única contribuição
é o esperma;
• Faz sexo em público;
• As fêmeas avisam quando querem ou necessitam copular (sinais nos
órgãos genitais);
• Fêmeas rejeitam o macho fora do período de reprodução.

Fugindo do padrão dos mamíferos, os seres humanos frequentemente:

• Unem-se em pares por longo tempo;


• O casal faz sexo várias vezes, apenas ou principalmente um com o outro;
• Casamento é parceria para cuidar da prole resultante;
• Os casais vivem em sociedade com outros casais;
• Fazem sexo em locais privados;
• A ovulação é oculta;
• A receptividade sexual da mulher vai além do período de ovulação;
• Sexo é quase sempre diversão sem fins de inseminação;
• Todas as mulheres entram na menopausa.

São observadas muitas diferenças no comportamento humano quando


comparado ao das demais espécies, especialmente o comportamento sexual.
De animal coletor de folhas e frutos para caçador e de caçador para
humano um imenso caminho foi trilhado. Barp (2010) revela que a transformação
do animal coletor de frutas em caçador e o surgimento do fogo contribuíram para
a mudança da sexualidade apenas reprodutiva para também aquela em busca do
prazer.

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Barp (2010) retrata que, no Período Paleolítico, os hominidas viviam em
bandos nômades coletando e caçando para sua sobrevivência. Mais tarde, surgiu
o fogo, que pode ser concebido não apenas como uma inovação que aumenta o
conhecimento prático, mas uma aquisição ampla de utilização e significado,
proporcionando uma nova forma de vivência da sexualidade. A sensualidade e a
sexualidade foram intensificadas no novo local de encontro.
Comunidades foram surgindo ao redor do fogo de forma paulatina, e
homens caçadores fabricavam instrumentos cada vez mais complexos.
Quando o hominida passou a andar ereto para visualizar a caça, seus
órgãos sexuais começaram a se deslocar de trás para frente, de modo a se tornar
útil para cópula. Durante toda as etapas, a sexualidade humana foi sendo
construída e constituída de forma cada vez mais humana, ou seja, diferenciando-
se sempre cada vez mais em relação aos outros animais (Barp, 2010).
Atualmente continuamos a observar a função que a sexualidade ocupa,
tendo sua dimensão ampliada, e o sexo tem se transformado em impulso de
muitas ações humanas, deixando de ter o papel reprodutivo para a função extrema
de controle, poder, manipulação.
Na raiz da nossa cultura está inscrito o conflito entre o cultural e o biológico
na evolução da sexualidade humana. A cultura tentou inibir a evolução biológica
natural da sexualidade por muito tempo, porém a sexualidade está irrompendo
com mais força atualmente, tanto pela estimulação a que está submetida quanto
pela própria cultura que evoluiu significativamente.
Mudanças de comportamento e de sistemas físicos evoluem de forma
complexa e constante. Um comportamento nunca termina para que outro comece,
uma geração nunca morre para que outra nasça, uma forma de viver nunca
termina de forma pontual: trata-se de uma evolução paulatina (Barp, 2010).

TEMA 3 – SEXUALIDADE: ENTRE BIOLOGIA E CULTURA

Para se aprofundar no tema, é importante perguntar: qual é a diferença


entre sexo e sexualidade?
Sexo é marca biológica, caracterização genital e natural constituída com
base na aquisição evolutiva da espécie humana como animal, conformação
particular que distingue o macho e a fêmea, nos animais e nos vegetais,
atribuindo-lhes um papel determinado na geração(reprodução) e conferindo-lhes
certas características distintivas.

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Sexualidade é o conjunto dos fenômenos da vida sexual, um conceito
cultural, constituído pela qualidade e pela significação do sexo, portanto, algo
exclusivamente humano.
Em pleno século XXI, o ser humano apresenta muitas mudanças biológicas
em relação ao Neandertal.
De acordo com Morris (1975, p. 20),

Desse modo, o macaco caçador tornou-se um macaco territorial. Todas


as suas normas sexuais familiares e sociais, começaram a mudar. A
antiga forma de viver vagabunda, de apanhar frutos aqui e acolá, foi
desaparecendo pouco a pouco. O jardim do paraíso tinha de fato, ficado
para trás. Daqui para o futuro tratava-se de um macaco com
responsabilidade. Começou a preocupar-se com os equivalentes pré-
históricos das máquinas de lavar e dos frigoríficos. Começou a
desenvolver o conforto caseiro-fogo, despensa, abrigos artificiais. Mas
temos que ficar agora por aqui, senão afastamo-nos do domínio da
biologia e embrenhamo-nos no da cultura.

A linha que separa e une a cultura e biologia é muito tênue. Toda a


construção da sexualidade humana é indissociável da integração cultura e
biologia.
Morris (2001) mostra que o sexo e a necessidade de procriação
promoveram a evolução, selecionando genes mais fortes, com maiores condições
de sobrevivência. Culturalmente, a reprodução não é mais única razão da
existência da espécie, pois o próprio mecanismo para a reprodução é utilizado
como mecanismo de prazer e diversão. Contudo, essa forma de prazer ainda é
percebida com culpa e medo.
Essa evolução unificada acaba gerando conflitos e dificuldades de vários
aspectos.
Freud (1997b) amplia essa discussão ao afirmar o seguinte:

Acha-se em consonância com o curso do desenvolvimento humano que


a coerção externa se torne gradativamente internalizada, pois um agente
mental especial, o superego do homem, assume e a inclui entre seus
mandamentos. Toda criança nos apresenta esse processo de
transformação; é só por esse meio que ela se torna um ser moral e
social.

O autor discute o fato de a cultura e a civilização produzirem um mal-estar


nos seres humanos, pois existe uma dicotomia entre os impulsos pulsionais e a
civilização, ou seja, entre indivíduo e sociedade.
Albertini (2003) revela que Freud relaciona a civilização com a necessidade
de renúncia de desejo.

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Freud (1997a), explicando essa posição por meio da psicanálise, usa como
modelo o domínio do fogo, sua utilização como um bem cultural a partir da
renúncia à satisfação de um desejo.
De acordo com Freud (1997a, p. 110),

A primeira pessoa a renunciar a esse desejo e a poupar o fogo pode


conduzi-lo consigo e submetê-lo a seu próprio uso. Apagando o fogo de
sua própria excitação sexual, domara a força natural do outro fogo. Essa
grande conquista cultural foi assim a recompensa de sua renúncia ao
instinto.

A adoção da postura ereta teria, então, precipitado uma cadeia inexorável


de acontecimentos, uma série de transformações nesse ser, com uma
sexualidade contínua, mas marcada também por sentimentos de vergonha e
repugnância – sentimentos esses que vão colocar limites à satisfação sexual e
deslocar para outros caminhos. Esse deslocamento da sexualidade é o que
possibilitou a construção da civilização.
Por mais que não estejamos de acordo com algumas regras sociais, elas
são necessárias para manter uma unidade de conduta individual e coletiva,
permitindo uma unificação das ações.
Freud (1997a) afirma que a civilização impõe certa quantidade de privações
e também sofrimentos, seja por seus preceitos, seja por suas imperfeições.
Observa-se que as regras sociais trazem conflitos por suas tendências
antagônicas.
Essa castração social de formatar todos os seres dentro da mesma cultura
representa as regras e normas que afetam a vivência natural que nos diferenciam
dos animais, motivo de constante preocupação entre os organizadores das
sociedades humanas (Barp, 2010).

TEMA 4 – SEXUALIDADE E INFLUÊNCIA DA MÍDIA

A influência que a mídia exerce no cotidiano das pessoas é indiscutível e


preocupante. Crianças e adolescentes recebem o impacto das informações, na
fase de formação de valores, conceitos e comportamento sexual.
Temos uma forte tendência a afirmar que os meios de comunicação
influenciam na formação de valores sexuais e na transformação do corpo e do
sexo em produtos (Barp, 2010).

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Crianças e adolescentes muitas vezes agem utilizando-se de um
mecanismo de anestesiamento da consciência. Atualmente, as redes sociais e os
youtubers, em especial, influenciam as pessoas de forma intensa.
Luft (2000, p. 320) retrata esta influência como fanatismo. Segundo o
dicionário, fanático é:

1. Quem se diz ou acredita ser inspirado por uma divindade;


2. Quem tem zelo excessivo por uma religião;
3. Quem adere cegamente a doutrinas, partidos políticos etc.;
4. Quem tem paixão ardente excessiva por alguém ou alguma coisa.

Podemos concluir que os meios de comunicação, especialmente as redes


sociais, exercem o poder de conduzir por meio de regras e normas impostas pela
diversidade de comportamentos. Muitas informações e modelos impostos podem
afetar negativamente a formação da personalidade e a percepção saudável de
sexualidade. Os meios de comunicação, segundo Barp (2010), chegam trazendo
informações muitas vezes despercebidas e possuem uma tendência de mostrar o
corpo, o ser humano e o sexo como mercadoria de valores diversos que
correspondam a uma visão de mundo de cada um.
Para Ferrés (1998, p. 43), “os meios de massa audiovisuais são
precisamente uma gigantesca indústria de sonhos e mitos, uma poderosa
indústria de criação de associações emotivas”.
A vida sexual das pessoas acaba sendo alvo das mídias e do marketing,
não apenas em relação ao sexo, mas também à mercadoria de consumo de tudo
que o envolve. Todos os objetos de sedução acabam fazendo parte desse
estímulo que aumenta cada vez mais os lucros, ocorrendo um constante assédio
por um ambiente sexual.
A mulher é colocada como referência ou objeto de prazer associado ao
consumo de determinado produto, despertando interesse nas pessoas que
desejam ser como tal modelo. Fabricantes vendem aos consumidores a ilusão do
prazer que será desfrutado ao adquirirem o produto.
Como o prazer oferecido não é proporcionado pela mercadoria comprada,
o que acaba restando é buscá-lo.
Essa busca passa a ser uma necessidade e, assim, altera o
comportamento, o que acaba modificando a biologia, comenta Barp (2010).
É possível fazermos um comparativo entre a modernidade e o mito da
caverna de Platão, ou seja, as mídias sociais hoje mostram uma realidade que é
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aceita pelos habitantes da caverna e as visões que a grande massa humana
pensa ser realidade. As pessoas, pelo medo de viver suas experiências, vivem
suas realizações e emoções por meio dos personagens de séries, novelas e
youtubers.

TEMA 5 – SEXUALIDADE: PRAZER VERSUS PODER

Para a maioria dos seres humanos, prazer é uma palavra que evoca
sentimentos conflitantes. Ocorre uma associação com o que é agradável e a tudo
que nos dá esse sentimento de prazer; frequentemente a reação é positiva e boa,
mas tolhida por medos e receios. O medo do prazer está ligado a uma sensação
de que o prazer nos leve a caminhos perigosos, de esquecer as obrigações,
deixando o prazer descontrolado tomar conta. Outra associação ao prazer é uma
conotação lasciva, especialmente em relação ao prazer sexual, vinda de uma forte
influência religiosa, inscrita na história, como o prazer associado a demônios,
tentação e pecado. Segundo Lowen (1984), para os calvinistas, todos os prazeres
eram pecados.
O autor ainda enfatiza que a cultura contemporânea é dirigida mais pelo
ego, ou seja, a própria imagem do que pelo corpo. O corpo estaria escravo da
imagem, da performance e do controle.
Lowen (1984, p. 10) comenta que:

O poder se transformou no principal valor, reduzindo o prazer a uma


situação secundária. O homem moderno quer dominar o mundo e
comandar o self. Contudo não consegue se livrar do medo que isso seja
impossível, nem da dúvida de que, mesmo se fosse possível, talvez não
fosse bom

Segundo as teorias da psicologia corporal, o prazer é a força criativa que


sustenta a personalidade, a esperança ou a ilusão do homem contemporâneo,
que, ao alcançar seus objetivos, terá uma vida de prazeres. Acabam entrando em
um paradoxo, pois perseguem metas ou consomem produtos que prometem
prazer, mas ao mesmo tempo exigem sua recusa.
Uma linda jovem simboliza poder e força e, portanto, vitalidade. Isso
sustenta o poder da juventude. Todas as oportunidades de ser feliz e ter prazer
derivam diretamente da aparência. Levando-se em conta esse raciocínio,
entende-se que só é feliz quem é jovem. Em virtude disso, mulheres de todas as
idades tentam conseguir, mesmo sob tortura, a imagem de uma mulher bonita,

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jovem e esbelta. Quem não consegue está fadado ao fracasso (Menezes; Mayer,
2004).
A sexualidade contemporânea encontra-se escrava da performance, do
ideal de virilidade em detrimento aos sentimentos reais, humanos, perdendo
assim o potencial criativo e o real prazer.
Lowen (1984) afirma que o prazer é a única força capaz de se opor à
destrutividade em potencial do poder.
A sexualidade idealizada, submetida ao poder, coloca a cultura e o
indivíduo num afastamento do seu verdadeiro eu, sua real essência, produzindo
indivíduos fragmentados. A busca por perfeição faz com que o indivíduo passe a
buscar intensamente validar essa imagem ideal que criou de si mesmo.

5.1 Narcisismo versus prazer

A psicologia corporal percebe esse distanciamento do self e o culto à


imagem por meio do narcisismo.
Lowen (1983, p. 9) retrata o narcisismo como uma condição psicológica e
uma condição cultural:

Em nível individual indica uma perturbação da personalidade


caracterizada por um investimento exagerado na imagem da própria
pessoa à custa do self. Os narcisistas são mais preocupados com o
modo como se apresentam do que com o que sentem. [...] Em nível
cultural, o narcisismo pode ser considerado como perda de valores
humanos – uma ausência total de interesse pelo meio ambiente, pela
qualidade de vida, pelos seres humanos e seus semelhantes.

O narcisismo e a cultura caminham juntas. Um não pode ignorar o outro. A


cultura é modelada pela imagem, e a imagem é modelada pela cultura.
O indivíduo que está em contato com seu self vivencia seu corpo
diretamente através da sensação e tem uma imagem dele. Portanto tem contato
e autoaceitação, pois se identifica com seu corpo e com suas sensações. Já o
sujeito narcisista não tem essa consciência, mas sim uma ruptura entre o ego e o
self. Todas as suas realizações estão voltadas para ampliar e confirmar a própria
imagem.
De acordo com Lowen (1983, p. 38), “a autoaceitação é o que está faltando
nos indivíduos narcisistas, que dissociaram seus corpos, de modo que a libido é
investida no ego e não no corpo ou self. Sem autoaceitação não há amor do self”.
Entendemos, assim, que a autoaceitação está diretamente relacionada à
identidade, pois esta provém de uma sensação de contato com o corpo. Uma vez
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que os valores da sociedade de massa são o sucesso e o poder, quem os aceitar
se tornará um indivíduo de massa correndo o risco de perder sua identidade.
O poder é antagônico ao prazer. Segundo Lowen (1984), o prazer se
origina das sensações e de energias dentro do corpo, e entre o corpo e seu meio.
O poder se desenvolve pelo represamento e controle da energia. O prazer é uma
sensação de harmonia entre o organismo e seu ambiente. Obtendo poder sobre
a natureza, o homem foi obrigado aos inúmeros controles que impôs ao seu
ambiente.
Para que a sexualidade possa ser algo natural, é preciso integração do
organismo no funcionamento da vida emocional. Urge, assim, a necessidade da
ressignificação da sexualidade, em que a dimensão biológica e a dimensão
cultural se encontrem na unidade e não no confronto.

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REFERÊNCIAS

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