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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL HESIO CARNEIRO


Disciplina: Campanhas de Prevenção e seus simbolismos
Docente: Profa.: Claudia Mora
Discente: Elaine Cristina Alves Silva

CARDOSO, Janine; VAZ, Paulo Roberto Gibaldi. O drama epidêmico da dengue:


causas, sofrimento e responsabilidades no jornal nacional (1986-2008) In:
PETRACCI, Mónica; GONZÁLEZ, Janet García (Orgs). Comunicación y Salud en
America Latina: contribuciones al campo/Comunicação e Saúde na América Latina:
Contribuições ao campo. 1. ed. Barcelona: Universitat Autónoma de Barcelona,
2020. v. 1.

O texto analisa a cobertura de três epidemias de dengue (1986, 1998 e 2008)


pelo Jornal Nacional e outros telejornais locais, investigando as relações entre
saúde, mídia e política no tratamento da doença. A análise considera a construção
da dengue como um problema de saúde, social e público, e examina a influência do
binômio risco/segurança na percepção e abordagem da doença ao longo do tempo.

A primeira epidemia de dengue analisada ocorreu em 1986 e o estudo


investigou como o tema foi tratado pelo Jornal Nacional (JN) e pelos telejornais
locais. Nesse período, o Brasil estava passando por um período de transição
política, com o fim da ditadura militar e o início da "Nova República". O país
enfrentava uma série de desafios socioeconômicos, como inflação, desemprego e
dívida externa, o que influenciou a forma como a epidemia de dengue foi abordada
pela mídia.

O Jornal Nacional dedicou pouco espaço à cobertura da dengue, com apenas


três matérias sobre o assunto durante os meses de abril a junho de 1986. Em
contraste, os telejornais locais, como o RJTV-1ª Edição e o RJTV-2ª Edição, deram
mais destaque à epidemia, com 15 matérias abordando a dengue. A cobertura do
JN apresentou a dengue como objeto de investigação científica e de intervenção
sanitária. Embora especialistas tenham ressaltado a gravidade da doença e sua
ligação com a falta de estrutura e políticas de saúde, o tom das reportagens do JN
era mais contido, mesmo quando narrou a entrada do Exército no combate ao
mosquito. A responsabilização de políticos e governantes pela situação
sóciossanitária do país não teve espaço na cobertura. Os especialistas em saúde
pública foram apresentados como fontes confiáveis, capazes de cuidar dos doentes
e tranquilizar a população. Por sua vez, os jornais locais destacaram os sintomas da
doença, as medidas de prevenção e as condições de vida associadas à epidemia,
como a falta de saneamento básico, dando voz a líderes comunitários e
representantes da população, estabelecendo um vínculo de proximidade com a
audiência.

Quanto à epidemia de dengue no ano de 1998, os autores evidenciam


a falta de destaque inicial dado à possibilidade de uma nova epidemia nos
primeiros meses do ano, apesar do aumento expressivo de casos de dengue
no ano anterior. A atenção da mídia em relação à dengue aumenta apenas a
partir de março, coincidindo com a intensificação da doença em Belo
Horizonte e Rio de Janeiro e a substituição do Ministro da Saúde.

O texto ressalta que durante essa década houve mudanças no


jornalismo da Globo, com jornalistas profissionais assumindo posições-chave
na elaboração e apresentação do jornal, buscando ampliar sua credibilidade.
No entanto, a epidemia de dengue em 1998 não despertou um investimento
significativo nesse sentido. A cobertura enfatizou o curso da doença, as
intervenções técnicas e suas falhas, mas não abordou os fatores que
poderiam ser objeto de crítica e responsabilização, como o agravamento dos
casos clínicos e a endemização.

Embora haja um aumento no tom dramático da cobertura com a


confirmação dos primeiros casos de dengue hemorrágica no Rio de Janeiro e
a exibição de imagens de enterros de vítimas, o texto argumenta que não
houve um deslocamento significativo na exposição do sofrimento em
comparação com epidemias anteriores. A ênfase recai no que está sendo
feito no presente para combater a doença, destacando o empenho de
profissionais e autoridades. A atribuição de responsabilidades pela ocorrência
da epidemia e pelas mortes provocadas por ela não é abordada, e a
indignação é contida. No total, em 1998, foram registradas 10 mortes por
dengue no país, sendo 3 no estado do Rio de Janeiro, de acordo com os
dados do Ministério da Saúde citados no texto.

Quanto à discussão da cobertura midiática da epidemia de dengue em


2008, desde o segundo semestre de 2007 o país enfrentava um aumento
expressivo de casos, e a situação se agravou no início de 2008,
especialmente no Rio de Janeiro, onde houve um aumento de 42% nos
casos.

As autoridades federais, estaduais e municipais tiveram avaliações


divergentes sobre a epidemia, o que levou a uma polarização política intensa,
influenciada pelo fato de ser um ano eleitoral. A abordagem do telejornal, no
entanto, foi diferenciada. Em 2002, houve espaço para denúncias de
desperdício de recursos, mas também para destacar as iniciativas federais e
explicar a complexidade do combate à epidemia não apenas no Brasil, mas
em vários países. Já em 2008, ano de eleições estaduais e segundo mandato
do presidente Lula, a ênfase foi na denúncia do absurdo de mais uma
epidemia e na negligência das autoridades. Houve um conflito entre as
autoridades municipais, que negavam a epidemia, o prefeito, que recusava
entrevistas, e o ministro da Saúde, que instituiu um gabinete de crise no Rio
de Janeiro.

Desta vez a cobertura midiática da epidemia foi extensa, com alto


investimento em recursos e equipe de reportagem. O enquadramento do
evento como previsível e evitável foi crucial para a narrativa. A
responsabilidade individual foi apontada como a principal causa da epidemia,
e houve uma dramatização intensa do sofrimento e das responsabilidades,
individualizando as vítimas. A pobreza, falta de saneamento básico e outros
determinantes sociais da doença foram minimizados ou omitidos.

A população foi retratada não apenas como vítima, mas também como
parte do problema, através de reportagens sobre a falta de colaboração de
alguns indivíduos em eliminar os focos de mosquito. A responsabilidade
maior, no entanto, foi atribuída às autoridades. A individualização do
sofrimento acompanhou a individualização das responsabilidades. A
nomeação das vítimas e a exposição de suas histórias pessoais foram
estratégias utilizadas para aumentar a identificação e a indignação da
audiência. A dor dos pais das vítimas foi enfatizada, e as cenas de velório e
enterro foram retratadas de forma dramática, buscando gerar empatia e
revolta na audiência. O sofrimento foi apresentado como incomensurável, e a
perda dos entes queridos foi destacada como uma tragédia que poderia
atingir qualquer pessoa.

Levando-se em conta o que foi observado, o texto de Cardoso e Vaz


conversa com publicação anterior de um dos autores, afirmando que pela
comunicação podemos ser agentes de manutenção ou transformação da realidade
(Araújo; Cardoso, 2007). Assim, analisa a cobertura do principal telejornal brasileiro,
o Jornal Nacional, sobre três grandes epidemias de dengue no Rio de Janeiro,
ocorridas em 1986, 1998 e 2008, buscando compreender as relações entre saúde,
mídia e política no tratamento da dengue, considerando que os diagnósticos e
explicações são parte do problema a ser estudado. Além disso, também
reconhecem a mídia como um vetor ativo e constituinte da cultura contemporânea,
destacando o papel do jornalismo na construção da realidade social, utilizando as
narrativas jornalísticas como objeto de estudo, confirmando sua influência na
percepção da sociedade sobre a dengue.

Referência Bibliográfica

ARAÚJO, Inesita Soares de; CARDOSO, Janine Miranda. Comunicação e Saúde.


Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.

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