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Luís Coelho1
Autor para correspondência: Rua Actor Vale 10, r/c esq., 1900-025 Lisboa, coelholewis@hotmail.com
peuta vs. paciente”. Mas estes polos re- que o terapeuta pode ceder ao dogma,
memoram, igualmente, a dicotomia que implicando o paciente no processo. Se
se estabelece entre o “agente” terapêu- existe equilibração postural, é de espe-
tico, quiçá, dogmático, e o “paciente” rar função indolor, diríamos, ainda, que
empírico, que acusa a “dor” na medida subsiste uma harmonização “terapeuta
do excesso do primeiro. Em outro arti- vs. paciente”. Mas se o dogma se espraia,
go2 referi que a polarização em causa era aumenta a polarização «terapeuta vs. pa-
excelentemente representada pelo tra- ciente», com cada um reagindo defensiv-
to fisioterapêutico das raquialgias, pelo amente. E a defesa encurta a “postura”
“estado de arte” da sua intervenção, (ir)racional. E cria o sofrimento empíri-
que, envolve, justamente, ambas as co. E este gera, ainda mais, defesa. Nova
componentes (ir)racional e empírica. defesa, novel postura, pode ser que o
Mas a coisa não se basta nisto, o corpo, ser se adapte empiricamente, reduzin-
a forma como o poderemos “constru- do o grau de sofrimento. Mas, para isso
ir”, é um exemplo perfeito da referida acontecer, é preciso que o sintoma seja
polarização, bem como da referida inter- dirimido, nada obsta, por exemplo, ao
venção. medicamento. Uma compensação psi-
Podemos imaginar que a linha do ráquis cogénica poderia ser, também, de azo a
dualizaria uma área posterior, forte- harmonizar a nova postura racional com
mente postural, constituída, grande- o “insofrimento” empírico. De algum
mente, por músculos de ação constante modo, concebemos, aqui, a possibilidade
e anti-gravítica, e que compõem uma dum novo equilíbrio “Razão descenden-
“cadeia muscular” com tendência para te vs. empirismo ascendente”, que, a
a tensão e o encurtamento, e uma área nível psicossocial, poderia gerar toda
anterior, fortemente “liberal”, focada uma nova “sociologia clínica”, subme-
no movimento3-5. A Estrutura posteri- tendo a novel Razão a um conjunto de
or assegura o funcionamento da anteri- “convertidos” ao novo equilíbrio. Isto,
or, mas o excesso de encurtamento da claro, não aconteceria, decerto, sem que
primeira pode fazer do movimento um uma outra parte do Sistema viesse a so-
processo disfuncional e doloroso. Claro frer empiricamente.
está que, aqui, já processamos a teoria A partir daqui, o nível de relativismo e
“racional”, segundo a qual a postura in- subjetividade poderá levar-nos muito
terfere na função e pode provocar a dor. longe, poderia modificar-se toda uma
A última é o referencial empírico da teo- “episteme” (Foucault), constituindo-se
ria. E esta é a própria cadeia muscular, o novel equilíbrio onde as terapêuticas, in-
plexo “subconsciente”, que fomentaria cluindo a medicação, teriam de ser adap-
o sintoma. Nela se incluem, também, tadas à nova realidade “racional”. Pode
as diferentes variáveis psicossociais, ser mero saudosismo, mas há a possi-
que, aliás, poderão encurtar e, conse- bilidade da nova dinâmica não compen-
quentemente, “doer”. Curiosamente, o sar de todo o esforço do Sistema. Claro
excesso terapêutico, o exceder do alon- está que o dogma quererá vender-se,
gamento, tem, precisamente, o mesmo mas nada nos garante que poderíamos
efeito: “dor”. Que o mesmo será dizer alcançar algo “melhor”. E se é para ob-
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Acta Farmacêutica Portuguesa, 2021, vol. 10, nº2
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Coelho, L.
e pretende ver-se estabilizado pelo ri- da, acaba por ocorrer uma polarização
gor empírico, e dirá o dogma que este Terapeuta-paciente passível de banir os
fenece a possibilidade de transmutação, elementos do Sistema. Como se a nova
e o paradoxo não cessa, mas, como já vi- Razão fosse, de todo, estranha, familiar-
mos, a terapêutica medicamentosa está mente irracional.
envolvida, irmãmente, nos dois polos, Diante dos excessos compensatórios,
porque pode estabilizar, mas pode, tam- o prescritivismo farmacológico pode
bém, proporcionar a compensação trans- parecer securizante - também ele seria,
formadora. E assim como um terapeuta, quiçá, um placebo -, mas não deve, to-
ou um farmacêutico, poderá aliar polar- davia, perder-se a riqueza dialética, que
mente as diversas vertentes epistémicas, não é impossível para a Farmacologia,
isto não será em desprimor de se aliarem no fundo, o que se pede é o jogo com-
as diferentes áreas terapêuticas, conlui- pensatório da vida examinada, a dialéti-
ando esforços clínicos. ca constante, mas cerzida pelo equilíbrio
O terapeuta sabe, por exemplo, que (psicos)somático. Os excessos da
um alongamento primoroso pode re- própria ciência são de mote a produzir a
flectir-se numa dor neuropática, sabe necessidade placebetária, a tolerância, a
que pode acrescer-lhe o movimento, o flexibilidade, é o melhor remédio.
trabalho de força, mas sabe, tal-qual-
mente, que um medicamento poderá REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
minorar a dor e a inflamação, possibi- 1. Foucault M. Les mots et les choses.
litando mais função. A farmacoterapia Gallimard; 1966.
alia-se, reiterando-se essencial. Também 2. Coelho L. Raquialgias: Modelos fi-
o farmacêutico não esquece as variáveis sioterapêuticos e preventivos. Gazeta
psicogénicas, simplesmente as coloca Médica. 2020;7(3).
num plano paralelo. E este plano, exce- 3. Mézières F. La révolution en gym-
dendo-se, pode convidar ao abandono nastique orthopédique. Paris: Vuibert;
do mesmo fármaco que permite tolerar, 1949.
francas vezes, uma psicoterapia. Mais
4. Souchard Ph-E. Le champs clos. Paris:
difícil seria tolerar “ad infinitum” uma
Maloine; 1981.
terapia dolorosa, com a promessa da
salvação vindoura. Nem todo o sofri- 5. Coelho L. O anti-fitness ou o manifes-
mento se justifica. Não parece razoável to anti-desportivo. Introdução ao con-
estender indefinidamente uma terapêu- ceito de reeducação postural. Quinta do
tica sem o adequado suporte empírico. Conde: Contra-Margem; 2008.
Há transformações tão sofridas que se 6. Popper K. The open society and its
tornam incompatíveis com a vida “fun- enemies. Routledge & Kegan Paul, Ltd.;
cional”. Quando a mutação é exagera- 1945.
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