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A PROFESSORA

Enrique Buenaventura. Los papeles del Infierno.

PERSONAGENS
A PROFESSORA
JUANA PASAMBÚ
PEDRO PASAMBÚ
TOBÍAS, O CAOLHO
LA VELHA ASUNCIÓN
SARGENTO
O VELHO (PAI DE DA PROFESSORA)

Em primeiro plano uma jovem sentada em um banco. Atrás dela (ou de lado, algumas cenas vão
acontecer). Não deve haver relação direta entre ela e os personagens das cenas. Ela não os vê e
eles não a veem.

PROFESSORA Estou morta. Eu nasci aqui neste vilarejo. Na casinha de barro vermelho e
telhado de palha na beira da estrada, em frente à escola. A estrada é um rio
lento de lama vermelha no inverno e um redemoinho de poeira vermelha no
verão. Quando as chuvas chegam, as sandálias se perdem na lama. Os
cavalos e as mulas ficam sujos de lama até o focinho e os chapéus dos
cavaleiros se salpicados de lama. Nos meses de sol chegam, o pó vermelho
cobre toda a vilarejo. Sandálias cheias de poeira vermelha, e os pés, as
pernas e as patas dos cavalos, e o nariz resfolegantes das mulas, as crinas,
os arreios e os focinhos suados e os chapéus, tudo fica impregnado da lama
e do pó vermelho. Nasci disto e agora volto a eles. Aqui, no pequeno cemitério
semeado de hortênsias, gerânios, lírios e grama, que vigia o vilarejo aqui de
cima. É um lugar calmo e perfumado. O cheiro acre da lama vermelha mistura-
se com o doce aroma do pasto. O cheiro da montanha da montanha, à tarde,
desce até o vilarejo (Pausa). Trouxeram-me à noite. (Procissão silenciosa, na
parte de trás com um caixão.) Juana Pasambú, minha tia, estava chegando.
JUANA Por que não quiseste comer?
PROFESSORA Eu não queria comer. Por que comer? Não havia sentido em comer. Come
para viver e eu não queria mais viver. Não havia sentido em viver. (Pausa)
Pedro Pasambú, meu tio, estava chegando.
PEDRO Você gostava de bananas de maçã e espigas de milho assadas com sal e
manteiga.
PROFESSORA Eu gostava de bananas de maçã e espigas de milho assadas. Mesmo assim
eu não queria comê-las. Eu cerrei meus dentes. (Pausa.) Eu era Tobias, o
Caolho, que foi um corregedor anos atrás
TOBIAS Eu lhe trouxe água da fonte, da qual você bebeu quando era menina em um
copo feito de folhas, e não quis beber.
PROFESSORA Eu não queria beber. Eu pressionei meus lábios. Foi ruim? Deus me perdoe,
mas cheguei a pensar que a encosta deveria estar seca. Por que a água ainda
vinha da fonte? Me perguntava. Para que? (Pausa) Havia a velha Assunção,
a parteira que me trouxe ao mundo.
A VELHA Oh menina! Oh menina! Eu a trouxe para este mundo. Oh, menina! Por que
ele não pegou nada das minhas mãos? Por que cuspiu o caldo que eu te dei?
Por que minhas mãos que curaram tantas pessoas não conseguiram curar a
sua carne machucada? Enquanto os assassinos estavam aqui ...

As pessoas do cortejo olham ao redor com terror, a velha segue sua caminhada silenciosa
enquanto o Mestre fala.

PROFESSORA Eles estão com medo. Por algum tempo, o medo chegou a esta cidade e
permaneceu suspenso no ar como uma enorme nuvem de tempestade. O ar
cheira a medo, as vozes se dissolvem na amarga saliva do medo e o raio cai
sobre nós.

O cortejo desaparece, um violento rufar de tambores é ouvido na escuridão, e quando a luz volta,
há um camponês ajoelhado e com as mãos amarradas atrás das costas. Na frente dele está um
sargento da polícia.

SARGENTO (Olhando para uma lista) Você responde pelo nome de Peregrino Pasambú? (O velho
concorda.) Então você é o chefe político aqui (O velho nega).
PROFESSORA Meu pai tinha sido duas vezes corregedor. Mas ele entendia tão pouco sobre
política que não percebeu que a situação havia mudado.
SARGENTO Com a política você conseguiu essa terra, certo?
PROFESSORA Não é verdade. Meu pai foi o fundador da cidade. E como fundador, sua casa
correspondia ao lado da estrada e sua fazenda. Ele nomeou a cidade. Ele
chamou: “A Esperança”.
SARGENTO Você não fala, não fala nada?
PROFESSORA Meu pai falou muito pouco. Quase nada.
SARGENTO Esta terra está mal distribuída. Será distribuída novamente. Terá proprietários
legítimos, com títulos e tudo mais.
PROFESSORA Quando meu pai chegou aqui, tudo era mato.
SARGENTO E também os cargos estão mal distribuídos. Sua filha é a professora da
escola, certo?
PROFESSORA Não era nenhum cargo. Eles raramente pagavam meu salário. Mas eu
gostava de ser professora. Minha mãe foi a primeira professora que o vilarejo
teve. Ela me ensinou. Quando ela morreu, eu me tornei a professora.
SARGENTO Quem sabe o que essa professora ensina!
PROFESSORA Eu ensinei leitura e escrita. Ensinei o catecismo e o amor ao país e da
bandeira. Quando me recusei a comer e beber, pensei nas crianças. Eles
eram poucos, é verdade, mas quem iria ensiná-los? Não havia sentido em ler
e escrever. Por que eles deveriam aprender o catecismo? Por que eles
deveriam aprender o amor à pátria e à bandeira? A pátria ou a bandeira não
faz mais sentido. Talvez tenha pensado mal, talvez, mas foi o que pensei.
SARGENTO Por que você não fala? Não é coisa minha. Não tenho nada para fazer, não é
minha culpa. (Grita.) Você vê essa lista? Aqui estão todos os caciques e
grandões do governo anterior. Há ordem para eliminar a todos e organizar as
eleições. (O sargento e o Velho desaparecem)
PROFESSORA E assim foi. Eles o colocam contra a parede de barro, atrás da casa. O
sargento deu a ordem e os soldados dispararam. Então o sargento e os
soldados entraram no meu quarto e, um após o outro, me estupraram. Depois
não comi novamente, nem bebi, e morri pouco a pouco. (Pausa.) Logo
choverá e a poeira vermelha se transformará em lama. A estrada será um
lento rio de lama vermelha e subirá de novo as sandálias. Os cavalos e as
mulas ficam sujos de lama até o focinho e os chapéus dos cavaleiros se
salpicados de lama.

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