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A BATMAN STORY

UM POUCO DE LORE...

ASILO ARKHAM

O maior hospício/penitenciária
psiquiátrico do país, que abriga os
piores e mais vis criminosos de Gotham
e vilões do Batman.

JEREMIAH ARKHAM

Doutor em psiquiatria e diretor do Asilo Arkham. Seu avô foi o


fundador da instalação psiquiátrica.

AARON CASH

Comandante de segurança da seção externa do Asilo Arkham. Perdeu


uma de suas mãos num combate com o tenebroso Waylon Jones, enquanto
servia como detetive no Departamento de Polícia de Gotham, colocando em
seu lugar um gancho metálico. Depois disso, retornou ao Asilo Arkham,
agora como comandante de segurança.

ELLEN YIN

Oficial de segurança novata da seção interna do Asilo Arkham,


responde diretamente ao Comandante Lyle Bolton e indiretamente a Aaron
Cash na linha de comando do departamento de segurança.
LYLE BOLTON

Comandante de segurança da seção interna do Asilo Arkham,


especialista em fugas e técnicas de escape e responsável pela segurança da
penitenciária do manicômio.

ALYCE SINNER

Doutora em psiquiatria do Asilo Arkham, responsável por pacientes


da ala penitenciária.

ROMAN SIONIS / MÁSCARA NEGRA

Executivo das Indústrias Sionis e chefe de um


principais grupo de máfia e contrabando da cidade. Foi
detido por Batman e internado no Asilo Arkham.

WAYLON JONES

Nascido com uma condição rara que torna sua pele escamosa e
com aparência e estrutura óssea de répteis, trabalhou num circo antes
de se tornar um criminoso mentalmente insano e canibalista. Foi detido
por Batman e Aaron Cash e internado no Asilo Arkham.
UM PASSEIO EM ARKHAM
Uma história do Batman
Vozes vieram de longe. Poderia dizer que havia guardas por todos os lados, mas sabia que
era impossível. Um caminho o guiaria para a liberdade, mas qual? A doutora havia lhe prometido
uma vida nova. Acreditar que havia sido enganado era como acreditar na própria estupidez. Tinha
que escapar!

- Pare!

Mais passos frenéticos ecoaram pelo corredor. Com a iluminação tênue – causada pelo
desligamento de algumas das lâmpadas -, se alguém passasse por onde estava escondido, poderia
confundi-lo com uma sombra. Sua pele agora permitia isso, se fechasse os olhos, é claro. A roupa
laranja suja pela podridão da rede de esgotos abaixo da ala de enfermaria, entretanto, evidenciaria
sua localização por conta do cheiro. Tinha que sair dali assim que fosse possível.

- Ele está por aqui, mantenham os olhos abertos!

Agora era tarde. Mais 5 guardas se reuniram, e pelo menos 3 armados vigiavam os
corredores de escape. Um grito agudo veio dos andares inferiores, pontuando sua conclusão – era
delírio achar que escaparia da maior e mais perigosa prisão de Gotham.

Mas a doutora havia prometido...

- Jake, verifique os dutos. Eu vou verificar os canais de fiação.

Não havia mais escapatória. “Deixe que o sangue fervente transborde seus olhos”, lembrou-
se. Isso já havia lhe ajudado uma vez a escapar da morte. Escapar de uma prisão seria mais fácil.

Chutou um cano de gás assim que os passos se mostraram próximos o bastante. O chiado o
ensurdeceu, mas era melhor do que lhe cegar e assustar, como aconteceu com o guarda. Um
empurrão desastrado jogou seu algoz no chão, e seu grito engasgado fui suprimido pelo barulho
maior do cano.

Ao ter a iluminação lhe favorecendo de novo, correu até o corredor da direita – o caminho
pelo qual veio – e deparou-se com dois guardas, de costas para ele.

- Ei!

Um guarda ao longe, às suas costas, o avistou. Não poderia usar as escadas e escalar as
grades enferrujadas lhe colocaria de volta à ala das celas. Outro grito agudo cortou seus
pensamentos, vindo, dessa vez, dos andares superiores. Era um grito de socorro. O mesmo que
antecede um choro longo. Era sua maior motivação. Não queria escapar pela liberdade. Ele só queria
salva-los.

Não teve tempo de decidir.

Um comichão paralisou sua perna e quando o percebeu, já havia perdido o equilíbrio e


encontrado o chão em sua queda. Esperneou e gritou enquanto tentava engatinhar, mas por algum
motivo seu corpo estava rígido como uma pedra. Viu o mundo tremer para cima e para baixo... Para
cima e para baixo...

- Peguei você, desgraçado!


O grito agudo soou novamente, e este lhe fez dormir.

- Ele disse algo? – questionou Aaron.

- “Vocês não podem me impedir”. “Eu vou salva-los”. “A doutora prometeu”. Só consegui
entender isso. O resto foi bobagem – explicou o rapaz.

- É Haley, filho?

- Hale, senhor.

- Hale, o que acha que ele quis dizer com “a doutora prometeu”?

- A Dra. Alyce disse que ele se referia à morte da família dele. Ela havia lhe prometido que
ele a veria novamente um dia. Ela acredita que isso causou sua rebelião.

- Onde está a Dra. Alyce agora?

- Eu não sei, senhor – limpou o suor da testa com a manga do uniforme. – Ela disse que não
podia deixar suas tarefas no momento, então pode estar em sua sala.

O gancho ressoou um ruído metálico aflitivo quando Aaron o pousou sobre a mesa. Fez
questão de desliza-lo no metal enquanto pensava.

- Ela fez um relatório?

- Não, senhor.

- Merda! Vou ter que ir até lá. Eu não sei que tipo de parafuso o Dr. Arkham perdeu com a
idade para permitir algo assim. Fique de olho por aqui. Se acontecer alguma coisa – apontou para o
comunicador preso ao cinto e depois para o que estava em cima da mesa.

- Sim, senhor.

Sempre odiou os corredores. Sempre odiou a seção interna. Sempre odiou aquele lugar.
Sabia que sem uma mão nunca mais teria a chance de voltar à cidade - ao departamento de polícia.
Mas agora era o oficial comandante. Quando foi promovido, passou a ter alguns privilégios que não
teria no departamento, mas depois do acidente aquele lugar nunca mais foi o mesmo. As vozes, os
ruídos e até as ameaças tinham traços de terror. E mesmo com a reforma nos pisos de segurança
– graças ao investimento do filantropo Bruce Wayne -, as fugas, de alguma forma, estavam
acontecendo com mais frequência. O sistema eletrônico das celas falhava constantemente, e os
internos fujões apresentavam cada vez mais chances de escapar. Não fosse sua experiência e seu
grande ódio - muito maior que seu medo -, talvez já tivesse desistido daquele trabalho.

Quando abriu a porta, dois guardas se prontificaram para escolta-lo até os andares
inferiores, em direção à penitenciária.
- Não é necessário, rapazes. Estamos com falta de guardas, é melhor que não abandonem
seus postos. Temo que uma fuga realmente aconteça da próxima vez.

O mais velho deu risada.

- Está brincando, certo?! Isso aqui é Arkham. Ninguém vai escapar. Antes disso, o Ba...

- Acha que isso aqui é o banco nacional? – questionou-o, seriamente. – Acha que ele vai
salvar seu traseiro toda vez que um criminoso aparecer por aqui? Acha que os criminosos daqui
são racionais como os outros? Você está confundindo esse lugar com Blackgate, Kane. Isso aqui
não é Blackgate. Ontem aquele maldito do Paul quase escapou por causa de uma falha de segurança.
Temos 17 seguranças em toda a instalação. E mais de 60 internos! Acha que quando um colega seu
der mole, vai haver outro para lhe ajudar? Faz duas semanas que o prefeito prometeu uma revisão
e até agora nada. E isto... – mostrou a ausência da sua mão esquerda. – Acha que isso foi porque
ele me salvou? Aqui não há ladrões e terroristas, Kane. Aqui só tem assassinos e estupradores
psicóticos - mentes perdidas que querem abrir suas entranhas e dar suas tripas aos cães. Sugiro
que comece a prestar atenção no trabalho e fumar menos. Quem sabe se na próxima fuga não é o
Coringa quem escape...

Kane parecia pálido, apesar das rugas e do olhar morto esconder o medo. O efeito, no
entanto, surtiu como o esperado. Jake ficou rindo dele baixinho, enquanto Aaron continuava seu
caminho até as escadas.

- Cash, não pode ir por aí – avisou-o Jake.

- Por quê?

- Cena do crime – explicou -. O Paul matou o Geller nessa escada.

- Geller está morto?!

- É, comunicaram isso de manhã – disse Kane, com ar soturno. – Use o elevador.

Aaron lhes deu as costas e esticou o corpo sobre o parapeito para espiar os degraus
inferiores. Não parecia haver nada de estranho.

- Não parece mesmo ter nenhuma pista, mas Bolton requisitou uma equipe forense mesmo
assim e proibiu todos de passarem por aí – explicou o oficial mais jovem.

- Por quê? O que ele acha que tem lá?

- Ele não disse, senhor. Ele só nos deu a ordem.

- Merda...

Lyle Bolton era o outro comandante de segurança de Arkham. Ele era o responsável pela
equipe da seção interna, enquanto Aaron ficava com o serviço de fora. A despeito do cargo, Cash
odiava o sujeito e sua arrogância.

- Quando encontra-lo, digam a ele para ir até minha sala – ordenou Cash. - Inferno! É melhor
esta coisa funcionar – disse, olhando para o elevador.

Apertou um dos botões - indicativo do andar inferior - e aguardou a plataforma. Quando ela
chegou, averiguou-a por dentro e procurou por saídas de emergência.
- Quer que um de nós o acompanhe, comandante? – perguntou Kane. Uma pitada de
sarcasmo temperava sua voz.

- Você parece meio tenso, senhor – observou Jake, contribuindo para a gozação de seu
colega.

A bem da verdade, ele gostaria. Presumia que a possível causa das falhas não fossem falhas
eletrônicas, mas sim sabotagens - pior ainda, planejadas por alguém de dentro. Não poderia saber
quem o faria, porque todos eram suficientemente suspeitos - dos guardas aos médicos, com
exceção de dois ou três. O Asilo Arkham não era só conhecido por ser o maior sanatório do país e
o local que abrigava os piores criminosos insanos. Também era famoso por suas deficiências de
segurança. Quando a grande fuga aconteceu, há um ano e meio atrás, a cidade entrou em caos. Só
dois deles – Victor Zsasz e Jervis Tetch - mataram e feriram dezenas de pessoas e a polícia só
conseguiu retornar todos os internos que escaparam de Arkham quatro meses depois. Estes
arrombamentos renderam a prisão de diversos funcionários do Asilo, incluindo o renomado Dr.
Hugo Strange.

Considerando todo esse histórico, incluindo as recentes tentativas de fuga dos internos e a
falta de guardas na instalação, temer que havia alguém planejando uma nova fuga não era nenhum
exagero. Mas sabia que era uma isca deles, e que demonstrar fraqueza era a última coisa que podia
fazer.

- Sei que gostam de mim, mas prefiro deixar vocês dois a sós – respondeu. – Não quero
atrapalhar a química de vocês – zombou, no instante em que a porta do elevador se fechou à sua
frente, separando o oficial do piso superior.

Com um solavanco, a plataforma começou a se mover para baixo. Um ruído, no entanto,


mostrou-se constante enquanto descia - batidas vindas do lado exterior da plataforma, rítmicas,
como se um pêndulo estivesse se chocando com o elevador sempre que alcançava sua amplitude.
A lâmpada falhou na descida, oscilando a claridade com a escuridão enquanto a eletricidade faiscava
em algum lugar fora de sua vista. A interface dos andares, acima da porta, parou de exibir qualquer
informação relacionada ao andar atual. Sua intuição lhe dizia que a plataforma já havia descido
muito mais do que o necessário. Uma das batidas veio com força, ecoando um estalo metálico
assombroso. Temendo o perigo, tirou a pistola do coldre e se escondeu do lado da porta.

Outro solavanco abrupto lhe remexeu quando a plataforma finalmente parou. Foi como se
tivesse encontrado o chão com toda força. Quando a porta se abriu, percebeu que as batidas tinham
parado. Virou para o exterior, com a arma em punhos, preparado contra inimigos.

Mas não havia ninguém. O andar estava sem iluminação e mudo - completamente silencioso.
Estranhando, equipou a lanterna com a outra mão e banhou o local com o pequeno feixe de luz. O
que viu foram paredes sujas e mofadas, rachaduras que exibiam a fiação interna do prédio, e celas
- todas vazias e abertas. Além disso, só a imensidão negra da ausência de luz daquele andar lhe
cobria a visão.

- Onde diabos eu estou?

Um barulho repentino e calmo lhe assustou. Quando apontou a lanterna para aquela direção,
viu a porta de uma cela se mexendo. Oscilando lentamente, como se estivesse dessa forma há muito
tempo, mas só agora emitisse som.

Caminhou até lá e espiou o corredor que atravessava essa e as outras celas contíguas. Todas
elas abertas, e as paredes, iguais às daquelas defronte ao elevador.
Só então percebeu que as celas, na verdade, não eram os modelos atuais de Arkham. Depois
da reforma, as celas passaram a ser eletrônicas e continham barras especiais. Essas eram as
antigas - portinholas gradeadas que trancafiavam celas de metal enferrujado.

Voltou rapidamente até o elevador, adentrou e olhou para a interface. Ela funcionava e
mostrava o andar que se encontrava.

- C-5?! – praguejou. – Como eu vim parar aqui?

Percebeu agora que a iluminação não falhava mais - a lâmpada do elevador brilhava
incessantemente.

Guardou a lanterna e selecionou o andar que desejava ir.

Mas a porta não fechou. Apertou o botão mais uma vez, com mais força, como que para
garantir que ele funcionasse.

A porta se manteve aberta.

- Droga de elevador!

Nisso, ouviu passos frenéticos vindos de algum lugar do andar. A eletricidade faiscou,
escondida nas paredes, enquanto o ranger metálico de uma cela ressoou alta e claramente, como
se alguém tivesse chutado a portinhola. Pensou em sacar novamente sua lanterna para iluminar o
lado escuro, mas foi tarde demais.

A porta se fechou.

O solavanco pareceu lhe atirar todos os órgãos internos para baixo com o início da subida,
mas desta vez, ele já estava preparado.

Enquanto subia, notou que as batidas haviam parado. Ficou checando a interface que
mostrava os andares subindo gradualmente - o que de fato deveria ocorrer.

Assim que o andar C-3 foi alcançado, o elevador parou abruptamente e a porta se abriu. Por
reflexo, esticou os braços com as mãos fechadas ao redor da pistola, apontada para o exterior da
porta. O corredor se encontrava iluminado e vozes e passos preenchiam o local.

Lentamente, guardou a arma e pôs-se a caminho da ala médica.

- Comandante – saudou-o o Oficial Garrick.

- Você viu a Dra. Alyce? – perguntou-o Aaron.

- Não, senhor. Deve estar na sala dela, senhor.

- Provavelmente – admitiu.

Olhou em volta. A maioria das celas nem eram de grades - elas ficavam completamente
fechadas. Uma pequena interface do lado exterior ilustrava o sistema eletrônico aplicado às celas.
Os longos corredores só tinha mais do mesmo. Tudo estava perfeitamente iluminado e sem qualquer
falha esporádica.

- O que houve com o andar C-5?

- Está abandonado, comandante. O Dr. Arkham achou melhor que todos os internos ficassem
em celas eletrônicas. Disse que era mais seguro.
- Eles não reformaram todos os andares? – indagou.

- Não, senhor.

- 10 milhões de dólares! Esse foi o dinheiro doado por Bruce Wayne para essa reforma. Como
não reformaram toda a instalação?

O oficial não disse nada, exibindo uma careta de consentimento, embora austero.

- E ainda falha o tempo todo... – continuou a reclamação, entre dentes. - Sabe onde Bolton
está?

- Deve estar interrogando os internos, senhor. Estamos investigando a fuga de Paul ontem.
Ele matou um dos guardas: Geller.

- É, eu soube.

Duas pancadas, parecidas com aquelas do elevador, ecoaram de uma das celas.

- POR FAVOOOOR... – gritou a plenos pulmões uma voz de dentro dela. – Os doces... doces
de Dia das Bruxas... Por favoooor...

- Julian Day – explicou Garrick. – Ele costumava ser mais quieto antes.

- Hm... – ponderou. – Está sozinho nessa ala?

- Não, senhor. Simmon fica aqui também.

Olhou para os lados e não viu nada além de celas e internos.

- Ele foi acompanhar o Dr. Elliot até uma cela – explicou-se.

- Certo. Oficial.

- Comandante.

- Dra. Alyce?

A mulher tirou os olhos da papelada quando Aaron Cash entrou em sua sala.

- Cash, certo? – questionou, com um sorriso.

- Isso. Eu gostaria do relatório do interno 052, Paul Sloan, que fugiu de sua cela ontem. Sei
que você é a psiquiatra responsável por ele – explicou.

- É claro. Na verdade, já estava terminando a papelada dele.

Puxou um amontoado fino de papéis sobre a escrivaninha e empurrou-o com a ponta dos
dedos ao comandante. As fitas vermelhas em seu longo cabelo preto se enrolavam em espiras das
pontas até o nível da orelha. Ela jogou parte das mechas para trás do ombro quando voltou a falar.

- Estas são as atualizações mais recentes sobre o dados comportamentais de Paul. – Pulou
3 folhas e prosseguiu. – Estes são os relatórios mais antigos, de cada sessão que tivemos. E...
aaaqui... É o relatório do atentado de ontem. Não está acabado.
Cash continuou lendo atentamente.

- Desculpe pela pergunta, mas não é a equipe de segurança interna quem lida com esse tipo
de problemas?

Cash interrompeu sua leitura e lançou um olhar curioso a ela.

- É claro. Mas não gosto, tanto quanto qualquer um, quando acontece esse tipo de coisa
dentro do Asilo. Isso não pode acontecer e me irrita ver como todos aqui tratam essa tragédia tão
naturalmente. Essa instalação é tão responsabilidade minha quanto sua ou de Bolton – voltou a
ficha para a página inicial e deu duas batidas com o gancho na mesa, enquanto riscava as folhas.
Quando o fez, viu o rosto horrorizado de Alyce fitando suas mãos.

- Vejo que – pigarreou ela – não está satisfeito com o trabalho de Bolton – exibiu um
sorrisinho simpático, embora malicioso.

- O que está fazendo? Me psicoanalisando? Não iria gostar de suas descobertas, doutora –
adiantou.

- Inveja e condolência. Desprezo e condescendência... – disse-lhe, não desmanchando o


sorriso, mas dando-o uma forma mais ousada. Seus belos olhos pareciam estar lendo seus
pensamentos. – Alguém já lhe disse o quanto o senhor é interessante, Comandante Cash?

- Já... – franziu o cenho, incerto do que significava aquela aproximação. – Acho que meu
sogro disse isso uma vez. Ele não parecia fascinado quanto à senhora, entretanto.

Ela não reagiu àquilo. Seu sorriso se manteve, assim como o olhar analítico - ela o ignorou.

Resolveu tomar aquilo como uma esquisitice de cientistas. Ela não seria a primeira
psiquiatra a fazer algo assim.

– Faça uma cópia disto quando terminar e envie à minha sala. Quero ajudar nesta
investigação – ordenou o comandante.

Seu rosto voltou a encara-lo normalmente, desistindo de sua excêntrica análise.

- Sem problemas, comandante. Estará lá.

O turno acabou antes de sua quarta dose de café.

- O que está fazendo? – questionou Hale, vendo a oficial jogar seu copo de café no lixo.

- O café daqui é uma droga. E meu turno acabou – apontou para o relógio em seu pulso.

- Devia ser mais agradecida. Antes de você entrar eles serviam água. Quente. Além disso,
amanhã já é Dia das Bruxas. Anime-se.

- Como se fosse divertido ter que trabalhar num manicômio no Dia das Bruxas – ironizou
Ellen Yin, sendo mais ríspida do que gostaria.

Depois, empurrou a cadeira e deixou um adeus quando saiu do pequeno escritório.


Dirigiu-se até a sala do oficial comandante da seção externa.

- Senhor, queria falar comigo?

- Sim, Yin – passou por ela e fechou a porta às suas costas, garantindo maior privacidade.

Ellen se sentou e deu uma olhada ao redor da sala. Tudo estava intacto, com exceção dos
documentos sobre a mesa. Os livros, a lâmpada de mesa, os cadernos de anotação, o quadro de sua
família, as menções honrosas na parede e até as teias de aranha nos cantos da parede pareciam
iguais à última vez que ela esteve ali.

- Se lembra de quando me disse que as falhas pareciam ter sido propositais? – questionou-
lhe Cash, com voz baixa.

Ela confirmou com a cabeça.

- Bem, hoje de manhã fui até a sala da Dra. Alyce Sinner, psiquiatra responsável pelo Paul.
No caminho peguei o elevador secundário. Aquela droga me levou para o quinto andar inferior.

- C-5?

- É. Acontece que não tem nada lá. Dei uma pesquisada nos relatórios das instalações e
parece que não reformaram todo o prédio. Na verdade, mais de oitenta por cento do dinheiro da
reforma foi todo para o bloco C.

- E isso não é bom, porque...?

- Porque prejudica todas as outras áreas. E também, toda a finança já foi usada, há tempos.
Não sou nenhum economista mas isso não parece certo. Isso fede.

- Falou com o Dr. Arkham?

- Não. Ele não vai dizer nada. Conheço-o há muito tempo, infelizmente. E eu não tenho
provas. Além do mais, ninguém quer falar sobre o incidente do Paul. Todo mundo fazendo vista
grossa enquanto o Bolton varre a merda para debaixo do tapete. Meu palpite? A fuga está conectada
com toda essa merda.

- O que quer que eu faça?

- Por enquanto, nada. Apenas fique atenta. A instalação secundária está com mau
funcionamento e estamos com poucos homens. Além do mais, você é a mais importante agora.

- Obrigada, senhor, mas... – espiou as janelas fechadas. – E se realmente não for mau
funcionamento? – perguntou mais baixo.

- Eu não duvidaria. Não seria a primeira vez que alguém teria sabotado esse lugar. Mas o
que mais fede é o dinheiro. A segurança daqui é uma piada. 17 guardas, com 10 milhões de
investimento. Pode acreditar?

- Estamos em Gotham, comandante. Temos palhaços psicóticos e morcegos vigilantes. Não


há nada realmente inacreditável aqui.

- Isso é porque não leu as notícias de Metropolis – permitiu-se uma risadinha. – Olha, eu sei
que você me disse que queria mostrar serviço para conseguir sair dessa ilha de loucos –
literalmente, pensou -, mas não faça nada estúpido. Eu estarei investigando esse caso
indiretamente. Manterei contato.
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- Certo, homenzinho, vamos começar falando sobre essa coisa na sua cara. O que é isso? –
questionou, apontando para o rosto de Paul Sloan, que agora era coberto por uma casca preta. Só
havia um buraco no lugar do nariz, para respirar, e dois nos olhos.

Paul ficou calado, encarando a mesa com o olhar perdido.

- Quem colocou isso em você? – perguntou-o Bolton.

- A doutora... A doutora me prometeu... Ela me prometeu. Ela me prometeu. Ela me prometeu!


Ela me prometeu! ELA ME PROMETEU! ELA M...

- Já chega! – gritou, levantando-se e batendo com força as duas mãos na mesinha. – Comece
a falar ou vai ficar sem seus remédios por uma semana!

- O quê?! Não pode fazer isso! A doutora disse que...

Lyle inclinou-se até o interno, cheio de fúria e intimidação, agarrou-o pelo colarinho e
aproximou seu rosto do dele.

- Eu não ligo pro que sua doutora lhe disse. Eu comando essa merda aqui! Você vai começar
a falar agora porque minha paciência está acabando!

Soltou-o com gentileza e lentidão, voltando ao seu assento com maior tranquilidade.

- Eu posso contar... M-Mas você precisa me prometer uma coisa.

Lyle assentiu com a cabeça.

- Tem um enfermaria secreta aqui. Ela é secreta, sabe? E disseram... Disseram que eu
conseguiria escapar se colocasse... S-Se colocasse isso – desmanchou a felicidade do rosto e olhou
para o comandante. – E era verdade. Era verdade. Mas eu não consegui. Eu falhei. Falhei em salvá-
los, falhei em salvá-los! – começou a chutar os pés da mesa ininterruptamente.

- Pare. Pare! PARE!

Ele parou.

- Olhe. Preciso que você me diga exatamente por onde você passou. Onde é essa enfermaria?
Me ajude a te ajudar, Paul.

- Claro. É claro. Eu posso ajudar. Não posso? Sim. Sim, eu posso.

- Certo. Então, onde fica a enfermaria?

- Mas tem que me prometer!

- Prometer o quê?

- Prometer que... Q-Que não vai falar com a doutora... Não vai contar a ela...

- Sem problemas. Pode confiar em mim. Agora, a enfermaria. Onde fica?


- A enfermaria fica... fica... A enfermaria... A enfermaria? Eu – o olhar ficou perdido e seu
rosto foi tomado por horror. – Eu não sei... Eu não sei... Eu juro que...

- Basta. Terminamos. Obrigado pela colaboração, Sr. Sloan.

O comandante abriu a porta, encontrando-se com o Dr. Jeremiah Arkham, diretor do Asilo
Arkham.

- Ele não vai dizer nada a mim. Está... perdido demais – explicou.

- Entendo. Paul Sloan tem um passado complicado, não podemos fazer muito quanto a isso.
Espero que possam resolver esse problema – mostrou-lhe um sorriso simpático.

- É claro, diretor, não se preocupe – devolveu o sorriso.

Atrás deles, alguns de seus homens estavam presentes, como parte da segurança, além de
médicos e outros funcionários.

- Não me parece que ele vai dizer algo, então acho melhor procurar essa “enfermaria” que
ele mencionou. Ted, pode fazer isso?

- Claro, senhor.

- Senhor, essa enfermaria não poderia ser a verdadeira enfermaria, do bloco médico?

Bolton e o diretor viraram o pescoço para encara-la com ar de estranheza.

- Só estou tentando ajudar – adiantou-se ela, discretamente apavorada.

Ele a observou com calma.

- Ótimo, você pode entrevistar os internos da ala dele. Talvez alguém saiba ou tenha visto
algo.

Ellen Yin não escondeu a insatisfação, mas não por falta de tentativa. Exibiu um sorriso torto.

- É claro, senhor.

- Uma última coisa, diretor – voltou-se ao Dr. Arkham. - Sugiro que o coloquem em uma cela
sem barras. A visibilidade externa permite uma facilidade maior para escapar. E também, ajuda a
bloquear sua “criatividade insana”. Estes homens precisam ser enjaulados e acorrentados em uma
sala bem escura. Agora – virou-se para os seguranças -, voltem ao trabalho.

A maçaneta virou lentamente e foi solta com rapidez. Então soou duas batidas na porta.

- Entre – disse Aaron.

A porta abriu e Cash viu o comandante da instalação interna, Lyle Bolton, passar por ela e a
fechar.

- Disseram-me que queria me ver.

- Sim. Tenho algumas dúvidas sobre o caso da fuga de Paul ontem.


A lâmpada da sala estava fraca, muito fraca, sendo que a única luz realmente efetiva no local
era a lâmpada de mesa. Por conta disso, a sala tinha uma iluminação bruxuleante e sonolenta.

- Eu sei que este caso está nas mãos da equipe interna, mas eu gostaria de participar um
pouco mais dele. Tenho certeza que uma cabeça a mais na investigação será bem-vinda.

- Com todo respeito, Comandante Cash, estamos lidando bem com o caso. Além disso,
estamos com poucos homens. Precisamos de você fazendo o seu trabalho e não o nosso – disse,
forçando gentileza.

- Certo. O que sabe me dizer sobre o interno?

- Não ouviu? Não preciso de sua ajuda. Fique fora disso – levantou-se.

- Está com medo, Bolton? Parece com medo. Deixe-me dizer uma coisa: Eu trabalho nesse
sanatório há 18 anos. Eu perdi a porra de uma mão nesse trabalho. Eu consigo sentir o cheiro de
merda no ar quando tem uma. Eu estou dizendo, comandante, tem sujeira debaixo do tapete. Deixe-
me ajuda-lo.

- E eu estou dizendo, comandante, para não desperdiçar seu tempo com o nosso trabalho. O
que quer com ele afinal? Estamos lidando com isso, e assim que concluirmos, tudo ficará bem. E se
não ficar, pode chamar seu amigo de orelhas pontudas. Ouvi dizer que ele te dá uma mão quando
você precisa.

Fechou a porta atrás dele.

- Filho da...

Os corredores pareciam mais escuros do que antes, mas, na realidade, eram apenas seus
olhos. Além dos próprios passos, apenas o vento sussurrava através de alguma abertura daquele
piso.

Ela sabia que ele estava atrasado, mas mesmo assim, confiava que ele apareceria, porque
disse que apareceria.

Tudo estaria na penumbra absoluta, não fosse diminutas luzinhas piscando, oriundas de
qualquer painel eletrônico conectado ao sistema do Asilo. Também seria um silêncio absoluto, se
não conseguisse ouvir passos, sempre frenéticos e desorientados. Ela não os temia, porque sabia
que não significavam-lhe perigo. Até a escuridão tinha uma explicação. Tudo já havia sido
esclarecido anteriormente, de modo que nada daquilo poderia ser sinônimo de risco.

Mas mesmo conhecendo as fontes dos elementos que poderiam trazer-lhe riscos, e mesmo
tendo a certeza de que estava segura e isenta deles, não poderia contar aquilo à todo o seu cérebro,
porque não lhe ouviria. Sua contraparte instintiva dizia-lhe para sair dali o mais rápido que pudesse
- para um lugar claro, barulhento e populoso.

No entanto, isso significaria perder o encontro, e ela não estava disposta a fazê-lo.

- Minha doce pecadora – sussurrou-lhe. Ela estremeceu-se de susto.


- Finalmente – aliviou-se. – Por que a demora?

- Não foi fácil convencê-los – explicou. – Afinal quem vai acreditar num criminoso
mentalmente insano?

- Você não é, já lhe disse isso – agarrou sua cabeça delicadamente, como gostava de fazer.
– Eu só queria... – aproximou seu rosto do dele. Deixou que seu hálito quente o alcançasse, mesmo
sabendo que ele não o sentiria. – Eu só queria poder te...

- Eu sei – afastou-se dela calmamente. – Mas eu já disse por que não.

- Eu não ligo.

- Mas eu ligo. Você não tem que passar por isso. Eu não gostaria que o fizesse.

- Nem se fosse pelo meu amor? Nem por isso?

Ele suspirou e gentilmente inclinou-se a ela, encostando sua testa na dela.

- Alyce, eu...

- Nem por isso? – repetiu. Sua voz prenunciou lágrimas.

- É claro que sim, minha doce pecadora. Qualquer coisa pelo seu amor.

Ele a abraçou com força, fazendo-a sentir-se absolutamente segura naquele lugar. Nos
braços dele, a penumbra ao redor ganhava cor e vida. Cores dançantes e atrevidas.

- Gostaria de poder ficar mais...

- Então fique.

- Eu não posso – lamentou, agora lhe fitando. – Sabe disso.

- Apenas hoje – pediu.

Ele voltou a abraça-la.

- Não apresse as coisas, não falta muito agora. Apenas... – dizia-lhe, acariciando uma das
sete mechas do cabelo. – Apenas tenha paciência.

A porta se abriu e a alta claridade fez questão de queimar seus olhos naquele instante. Mas
sentiu-se aliviada. Se visse o que Aaron lhe contou, aí sim teria motivos para lamentar.

Caminhou até a ala desejada até que um guarda lhe interrompeu.

- O que faz aqui? – questionou-a, com voz severa.

- Interrogatório. Ordens do Bolton.

- Não estou sabendo de nada – retrucou, com empáfia.

- Deveria usar isso aí – apontou para o comunicador preso ao cinto. – Ajuda às vezes. –
satirizou.
O guarda bufou enquanto pegava o comunicador e perguntava ao comandante sobre os
procedimentos. Ellen não fez questão de esperar e logo partiu em direção à ala.

No corredor, ouvia alguns barulhos exóticos, embora nada inesperados. Era bastante comum
aquele comportamento, como já estava acostumada, apesar de ainda não ser nenhuma veterana.
Buscou com os olhos a cela de Paul, enquanto espiava de longe o que os internos estavam fazendo.
Não conseguiu tirar nenhuma conclusão.

Quando chegou até a cela, fez uma inspeção ao redor. Ao final do corredor, uma enorme
porta metálica separava esta ala da outra. Esta só podia ser acessada pela alta elite, que incluía
apenas o diretor e alguns associados. Tinha vontade de mergulhar fundo naquela investigação, e
sabia por onde começar: A rota de fuga. Faria uma inspeção detalhada nos registros de todas as
celas, nas câmeras, nos relatos das testemunhas e em tudo o que podia. Quem sabe se concluísse
o caso, poderia ser despachada para o Departamento de Polícia na cidade, onde seria o que sempre
quis ser.

Porém ela não podia fazer isso. Pelo menos não agora. Cash havia lhe dito para não fazê-lo.
Ela confiava nele. Assim como ela, Aaron havia começado no Asilo, antes de ser transferido pro
DPGC. Mas ele só pôde saborear o momento por pouco tempo. Assim que perdeu sua mão, foi trazido
de volta ao Arkham. Além disso, Cash era o policial mais experiente daquela instalação, e também
o mais honesto. Os boatos contavam que ele já havia trabalhado lado a lado com o Comissário e até
com o próprio Batman. Ele nunca disse nada a respeito, assim como ela também nunca perguntou,
mas apesar de parecer apenas uma lenda, ela acreditava firmemente naquilo.

Quando deu por si de novo, encontrou-se parada defronte à cela de Paul, feito uma idiota.
Ele estava sentado na cama, sussurrando palavras ininteligíveis enquanto encarava estaticamente
o chão à meia-luz da cela.

Ellen recompôs-se rapidamente e pensou por um instante no que fazer. Pesquisar qualquer
tipo de registro eletrônico levantaria suspeitas quanto à sua investigação, e isso era a última coisa
que ela deveria fazer.

Resolveu acatar as ordens de Bolton e tentar a sorte com algum interno. Particularmente,
ela não tinha a menor esperança de obter alguma coisa, e sabia que Bolton também sabia disso -
Retirar informação dos internos provavelmente guiaria a pistas erradas, isso quando guiava a algum
lugar. No entanto, era a única esperança na qual podia se agarrar para ajudar na investigação
secreta de Cash.

Resolveu começar pelo lado da cela de Paul.

O primeiro era Jeffer Goslin – como era enunciado na placa -. Ellen não o conhecia, mas isso
não a impediu de tentar interroga-lo. Aproximou-se do interfone e segurou o botão para que ele a
ouvisse.

- Ei, Goslin! – chamou-o.

O sujeito estava de costas e agachado, descansando o próprio peso na parede,


assustadoramente imóvel. A bem da verdade, parecia morto.

- Jeffer Goslin – repetiu. – Pode falar comigo?

A figura se manteve imóvel.

- É sobre o interno 052, Paul Sloan.


Quando ela o disse, ele se virou imediatamente. O rosto, antes coberto pelo próprio traje – o
qual ele puxou para cima para esconder a face -, agora lhe olhava assustado, como se ela tivesse
feito uma menção ao próprio diabo. Os olhos vítreos focados nos dela, atentos. Ela esperou, na
expectativa de que receberia algumas palavras.

Ela se enganou. O interno lhe fitou por não mais que dez segundos e, lentamente, voltou à
sua posição anterior, de costas, franzido no chã - morto.

Decidiu abordar o próximo interno.

Na placa dizia ser Lester Buchinsky. Este também era estranho para a oficial Yin.

- Lester Buchinsky, pode falar comigo?

O interno era um jovem, caucasiano e careca, não passava dos trinta. Estava de pé, apoiando-
se na parede com um braço esticado. Esfregava um antebraço no outro enquanto fitava a luz de sua
cela.

- O que você quer, porca? – questionou-a, rispidamente.

- Oh, ok – recompôs-se. – O que sabe sobre a fuga de Paul Sloan?

- Aquele maluco? Por quê? Ele realmente escapou? O que eu ganho se disser algo? – já não
fitava mais a luz. Seu rosto estava virado a Ellen, configurado numa feição raivosa. Notou que um
lado do seu rosto estava levemente desfigurado.

- I-Isso depende. Você sabe de alg...

- Eu não vou dizer merda nenhuma se não ganhar algo em troca – retrucou, ainda ríspido.

Ellen Yin sabia que não podia fazer nada a respeito. Ela não tinha autoridade nem poder para
barganhar informações em troca de benefícios na pena de Lester. No entanto, tinha a opção do blefe.

- O que quer em troca? – perguntou-o.

A raiva desapareceu de seu rosto. Por um momento, parecia que ele havia voltado a enxergar
de novo, como se os olhos estivessem antes mergulhados numa ilusão infernal.

- Para esse tipo de informação, eu quero uma transferência – disse-lhe, pedante.

- Você o quê? – bufou, em deboche. Sabia que aquele pedido era loucura. – Você acha que
vai ganhar uma transferência por uma mera informação? Não parece tão suspeito que te mandaram
pra cá.

- Tudo bem! – aceitou. – Mas eu quero mordomias. E uma cela maior.

- Eu não acho que está entendendo, Buchinsky. Você não está em Blackgate. Isso aqui é um
sanatório para criminosos. Sua sobremesa são pílulas psicotrópicas.

Lester bufou, nitidamente frustrado, embora mais irado do que triste. Voltou a fitar a luz,
mergulhando novamente no pesadelo que se encontrava.

- Olha, posso ajuda-lo, você não parece como os outros daqui – tentou. – Mas precisa me
ajudar também.

Ele não disse nada por um tempo.

- O que posso ganhar então? – perguntou, finalmente.


Ellen parou por um instante. Ela sabia o que era impossível se conseguir em barganhas, mas
não o que não era. Sua hesitação durou por tempo demais, enquanto lutava contra a pressão mental
de encontrar algo coerente em pouquíssimo tempo.

Ela falhou.

- Você está mentindo, não está? – falou, olhando com desprezo. – Está blefando como uma
porca suja! Eu devia saber. Estúpido. Você vai morrer, sabia? Quando eu sair daqui vou matar você!
– deslocou-se de onde estava para a porta, com um olhar psicótico. – Vou fritar seu cérebro
lentamente. Vai ficar demente e babar em si mesma. Depois vou parar seu coração três vezes, e aí,
vou matar você, como em uma cadeira elétrica – ele sorria horrendamente.

Ellen ignorou-o, ciente de sua insanidade e de sua própria estupidez em tentar blefar sem
conhecer as regras.

Quando iniciou o deslocamento para a próxima cela, viu Lester pular, aplicando força contra
a porta. O resultado foi um repulsão elétrica, fazendo-o recuar de volta ao centro da sala, derrotado.

O próximo era Roman Sionis. Este ela conhecia. Não era muito fácil esquecer um gângster
mafioso que usava uma máscara negra no rosto. Lembrava-se que ele havia sido trazido
pessoalmente ao Arkham pelo próprio Batman quando foi detido. Seu codinome também era difícil
de se esquecer.

- Máscara Negra – chamou-o.

Ele não se mexeu. Permaneceu deitado na cama, de braços cruzados sob a cabeça, olhando
pro teto.

- Podemos conversar sobre Paul Sloan?

Roman começou a rir, baixinho, um tempo depois, como se estivesse achando graça de algo
que só existia em sua cabeça. Em outras palavras, ele parecia a ignorar.

- Qualquer coisa que você saiba já seria prestativo, Sionis. Ambos sabemos que aqui não é
seu lugar – arriscou.

Ele levantou um braço e, com a mão, fez sinal para que ela fosse embora.

- Paul é assim tão importante para valer mais que sua liberdade?

- Não perca nosso tempo... – sussurrou-a, e foi a única coisa que disse.

- Droga – praguejou.

Começava a perder completamente a esperança. Não que tinha muita antes, mas agora
estava prestes a desistir.

- Ele está certo, está perdendo seu tempo – disse uma voz, vinda da cela seguinte.

Ellen assustou-se, porque ela não havia apertado o interfone, de modo que ele não deveria
tê-la ouvido.

A voz era de Simon Ecks.

- Como você ouviu? – perguntou ela.


- Prefiro manter isso em segredo, tudo bem por você? – disse o homem de meia idade, alto,
com olhar desafiador. Mantinha um ar de superioridade enquanto a fitava. – A menos é claro que
esteja disposta a me dar um monte de mentiras, como prometeu aos outros – exibiu um sorriso
sarcástico.

- Primeiro, eu não prometi nada – defendeu-se. – Segundo, você claramente não está numa
posição que condiz com sua confiança. Assim que eu sair, essa cela vai ganhar alguns reparos.

- Tenho certeza que vai. Assim como os últimos cinco – não desmanchou o sorriso.

- É claro. E assim como os outros, você também não vai dizer nada sobre Paul Sloan, não é?

- Sim, mas não como os outros. Na verdade, eu não vi nada, nem sei de nada. Para ser ainda
mais sincero, sou mentalmente saudável. Não faz sentido eu estar aqui, como você pode notar.

- É notável mesmo. Agora – afastou-se da cela -, se não vai me ajudar, não desperdice sua
sã eloquência comigo.

- Bolton – disse, após algum tempo.

Ellen aproximou-se novamente, implicando que ele continuasse.

- O comandante – continuou. - Ele esteve aqui, pouco antes da fuga. A fuga eu não vi, como
disse, mas isso é tudo que sei.

Ela estreitou os olhos nele.

- Por que resolveu ajudar?

- Para mostrar que eu não sou louco.

De fato, não parecia. Embora exalasse arrogância, seu comportamento não era diferente das
pessoas “normais”. Poderia ser um erro alguém como ele estar ali? Não. Ela não era uma
especialista médica para dizer.

- Tenho certeza de que há um bom motivo para estar aí – afastou-se e lhe deu as costas. Aí
voltou a olha-lo. – Ainda vou mandar consertarem seu interfone, mas mesmo assim obrigada.

Uma estranha fumaça emergia do pequeno vão deixado pela tampa entreaberta do bueiro.
Pensou em chamar sua equipe, mas depois descartou a ideia. Era improvável que encontraria
esquemas da Liga das Sombras dentro dos esgotos.

Mas assim como durante toda aquela noite, Aaron fez uma péssima escolha.

A água esverdeada e completamente opaca causou calafrios quando atingiu o nível de seu
joelho. Continuou lutando contra a correnteza na esperança de encontrar algo que provasse o
porquê de ter conseguido o cargo de detetive do DPGC.

Mas a verdade é que não tinha esperanças alguma. Nunca deveria ter entrado ali. Estava no
lugar errado e na hora errada. Se não encontrasse nada nos esgotos, voltaria à estaca zero, porque
todas as suas pistas lhe guiaram para becos sem saída. O Comissário Loeb não toleraria mais uma
missão fracassada e retiraria sua equipe do caso. Completaria mais um mês sem nenhuma
apreensão e aumentaria os riscos de perder seu cargo.

No entanto, se encontrasse - se houvesse alguém suspeito, rastros ou qualquer coisa que


significasse um progresso na investigação -, tiraria a pressão das costas. Já era difícil ser policial
em Gotham, pior ainda seria não poder mais sê-lo.

Mas tudo pareceria inóspito, se não fosse o agudo sibilar dos ratos e insetos se locomovendo
pelas tubulações.

Enquanto fazia os sapatos chapinharem pela água, começou a ouvir, bem distantemente,
vozes. Decidiu ir em direção a elas. Outro erro.

Descobriu três suspeitos dialogando baixinho de forma impaciente e apressada. Ao redor,


nada que gerasse luz suficiente para enxerga-los. O cheiro, além de insuportavelmente ruim, não
era a pior parte. Gostaria que fosse, porque aí seria aterrorizado apenas pelas memórias olfativas.
Além de armados, os capangas usavam algo no rosto que abafavam suas vozes. Aaron animou-se.
Pareciam as máscaras que os membros da Liga usavam.

- Ouviram isso? Tem alguém aqui.

Amaldiçoou-se por não ter recuado antes, enquanto podia. Amaldiçoou-se por não ter
chamado reforços. Afinal eram três capangas, o que de pior poderia acontecer?

O primeiro foi detido silenciosamente, o que inflou sua confiança em derruba-los todos. Os
outros dois, no entanto, foram alertados pelo rádio em seu cinto.

Não teve escolhas se não declarar-se e ordenar que se rendessem. Obviamente, não lhe
acataram.

O segundo descarregou sua arma em Aaron Cash. Por sorte – ou por esperteza -, o detetive
deu um jeito de se proteger em uma cobertura rápido o suficiente. Aproveitou-se da afobação do
capanga para acerta-lo com um dos tiros no escuro.

Acreditou que o terceiro, com todo aquele tempo perdido no tiroteio, teria fugido, mas
enganou-se, e descobrir isto foi seu terceiro erro.

Viu-o nas sombras. Este não usava máscara, como percebeu, uma vez que sua visão passou
a se acostumar com a escuridão. Todos os demais detalhes se fragmentaram com o tempo, mas os
mais importantes, como sempre, se mantiverem como fotografias. Ele era bem alto, talvez o mais
alto que já havia visto em toda a vida. Não saberia distinguir seu corpo do escuro das paredes do
esgoto, então ameaçou atirar. Não recebendo respostas, fossem verbais ou mesmo corporais,
resolveu fazê-lo.

Este foi seu último erro.

Quando ele sumiu, sentiu-se plenamente vazio e inseguro. As paredes fedidas se fechavam
contra ele. A atmosfera exalava escuridão e morte. Nem os ratos testemunhavam mais sua
presença. Sua arma estava travada. Seus músculos impotentes. As pernas tremiam enquanto
procurava desesperadamente uma luz. Mas elas pararam. Pararam porque uma mão lhe agarrou.
Uma mão, não, uma garra enorme, gelada, molhada, imersa nas profundezas azedas dos esgotos.
Quando deu por si, estava na água, sem conseguir respirar, com a força da correnteza travando
seus movimentos, submerso e desprotegido, sem conseguir ver a luz.

Ar! Ar!
Acordou completamente sem fôlego, como se por um instante estivesse de fato se afogando.
Levou alguns minutos para retornar à frequência cardiorrespiratória ideal e as ideias no lugar -
para retornar a si.

Já não estava mais nos esgotos do Narrows. Sua mão esquerda já não segurava mais uma
lanterna velha.

Lembrou-se de suas obrigações do novo dia.

- Preciso de um café.

- Senhor – bateu na porta. – Da Dra. Sinner – disse, antes de entrega-lo o documento.

- Obrigado – respondeu Aaron, vendo Hale sair.

- Vamos ver o que temos aqui.

O relatório de Paul Sloan, feito por Alyce Sinner, jazia em suas mãos, como havia pedido.

Entretanto, não estava interessado no conteúdo, porque se suas suspeitas estivessem


certas, sabia que não podia confiar nele.

E estavam.

Na sala da psiquiatra, Aaron fez um quase imperceptível rabisco nas folhas, enquanto
folheava o relatório incompleto. Claro que não teve tempo de inspecionar o texto, mas, como podia
ver agora, não havia rabisco algum em nenhuma folha. Mesmo que ela tivesse feito cópias do
relatório – uma vez que aquele mandado para Cash era extracurricular -, o rabisco se manteria
naquelas páginas, já que ela afirmara estar quase terminando o documento. Isso só poderia
significar que ela reescreveu as páginas e imprimiu-as a partir de folhas novas, modificando seu
conteúdo especialmente para despistar as suspeitas de Aaron.

- Te peguei, Dra. Alyce. Te peguei... – permitiu-se uma risada de satisfação.

Pouco tempo depois, depois de ler todo o relatório, ainda de manhã, Ellen Yin veio à sua sala.

- Não pode ficar vindo aqui sempre. Você não é da minha equipe e isso os fará começarem
a desconfiar – alertou-a.

- Eu sei, mas isso é importante. Além disso, você nunca sai da sua sala.

- Você pode ligar – argumentou.

- Não posso sair do meu posto, e não tem lugar seguro o bastante para isso.

- O C-5 e C-6 estão vazios, aparentemente.

- Acha que vou ficar em corredores escuros e sinistros só para te ligar? É assustador
demais.

- Você trabalha no maior e pior sanatório de criminosos do país. Tudo aqui é assustador.

- Touché.
- Qual a novidade?

- Eu interroguei alguns internos da ala de Sloan. Ninguém disse nada. Sei que não poderia
esperar muito mais que isso, mas o fato é que ninguém abriu o bico. Ninguém, exceto um: Simon
Ecks. Ele disse que Bolton esteve lá antes da fuga. Disse que não viu Paul escapar, mas viu o
comandante lá momentos antes.

- Acredita nele?

- Ele não parece como os outros.

- Quero saber se acredita nele – repetiu.

- Acredito.

- Merda – puxou o relatório que recebera mais cedo. – Aqui. Como eu te falei, não tem os
riscos. Ela manipulou.

- Que bosta. O que isso significa?

- Que agora temos que investigar. Você precisa continuar na cola deles. Tente descobrir
qualquer coisa sobre o caso. Não faça nenhuma idiotice, mas se puder, encontre o relatório de
Bolton sobre o caso. O psicológico é pura lorota. Alyce o encheu de problemas e transtornos que o
levaram a fazer isso, mas Bolton deve ter colocado algo no relatório criminal. Se não estiver na sala
dele, está com o diretor.

- Espere. Quer que eu roube documentos do Dr. Arkham?

- É claro que não – repreendeu-a. – Só preciso que descubra o que há nele. Temos que achar
provas de que há um crime acontecendo para poder acabar com essa festinha deles.

- Mas, comandante, nem sabemos se estão mesmo cometendo um crime. Quero dizer, vimos
que algumas coisas não batem e outras um pouco suspeitas, mas por que ajudariam um interno a
escapar? Fora que foram eles mesmos quem o colocaram de volta na cela.

- Eu não sei, Ellen. Mas agora sabemos que tem merda nisso. Apenas mantenha-se
despercebida e trabalhe nesse caso comigo.

- E o que você vai fazer?

- Vou atrás dos registros do Asilo. Verificarei a planilha de orçamento do dinheiro doado por
Wayne. Talvez eu descubra algo que me leve até Bolton.

O celular brilhou antes de vibrar. Quando vibrou, Lyle Bolton já o havia agarrado.

- Cadê você?

- Encontre-me perto da instalação médica, você sabe onde.

Não precisou dizer mais nada. Bolton guardou o telefone e saiu de sua sala. Tomou o cuidado
de evitar o raio de visão de suas câmeras de segurança enquanto se dirigia para fora da instalação
penitenciária. Não teve imprevistos com pessoas, devido à falta de funcionários do Asilo. Por isso,
sentiu-se satisfeito.

Do lado de fora, cumprimentou o oficial Homelay enquanto a chuva caía impiedosamente.


Não era ruim, no entanto. As tempestades que usualmente ocorriam na ilha ameaçavam tirar as
pessoas do chão e destruir tudo que não conseguia sustentar-se parado. Aquela não - era uma
chuva normal.

Ainda assim, fez questão de estreitar o sobretudo sobre o corpo e apertar bem o chapéu na
cabeça. Por outros motivos além da chuva, é claro.

Quando chegou lá, não viu ninguém, e por um breve momento, o estômago congelou ao
pensar que poderia ter sido traído. Não seria de se espantar. Embora tivesse um papel importante
no plano, ocupava um cargo comprometedor, e se livrarem de seu corpo não demandaria muito
trabalho. Não em um lugar como aquele, e principalmente, não em Gotham.

Felizmente, nada disso aconteceu.

- Finalmente – disse uma voz vinda de lugar nenhum. Também não fez questão de procurar
sua fonte. Já era suspeito demais que estivesse no extremo do Asilo, atrás de um prédio, no meio
da chuva grossa.

Acomodou-se debaixo das calhas e calmamente acendeu um cigarro. Deixou que Sionis
começasse a conversa.

- Como vão as coisas, Lyle? – perguntou-lhe. Ainda era difícil localiza-lo, tanto por causa da
chuva, quanto pela escuridão.

- Esplêndidas. Ninguém notou sua ausência e fizemos um bom trabalho com as evidências...

- Mas?

- Cash está desconfiado. O desgraçado anda procurando relatórios e registros sobre Paul.

- Sabíamos que ele poderia ser um problema – admitiu. - Pelo menos ele ainda está focado
em Paul.

- Sim – concordou Bolton. – E é melhor se apressar. Se ele começar a meter o nariz onde
não deve, será eu quem vai precisar limpar a sujeira.

- Ele não vai – garantiu-lhe. – Planejamos tudo perfeitamente. Continue o despistando que
eu terminarei minha parte o quanto antes.

- Certo. E quando chegar lá, fique escondido – avisou-o. – Se o morcego descobrir que está
em Gotham de novo, tudo vai por água abaixo.

- Não sou estúpido, Lyle. Não me confunda com um. Agora termine seu cigarro e volte para
sua sala antes que alguém que não deva suspeite.

Saiu da sala e a trancou com a chave que guardava consigo. Passou pelos corredores,
cumprimentando o oficial Joe pelo caminho e rumou para a porta que levava à saída da instalação
de segurança secundária. De lá, preparou-se para a chuva que caía na ilha há algum tempo. Ainda
não passava das 6h da tarde, mas devido ao céu nublado, o Asilo Arkham estava coberto por um
tela crepuscular alaranjada, quase vermelha, predizendo que a noite se aproximava.

Contudo, o dia ainda não havia acabado, porque ainda tinha trabalho a ser feito. Trabalho que
dependiam de pessias como ele - dispostos a fazer a diferença em Gotham.

Quando chegou, em frente ao portão, viu os dois guardas de capa darem sinal para que o
encarregado o abrisse.

Na seção interna, dirigiu-se até a administração. Ali foi abordado por uma funcionária.

- O que deseja, comandante?

- Preciso ver os registros de finanças dos últimos dois meses do departamento de


segurança.

- Certo. Preencha isso e assine aqui.

No documento, Cash era perguntado sobre o motivo de sua busca. Deixou claro que queria
analisar quanto foi gasto com os serviços de segurança eletrônicos do setor primário.
Evidentemente, se alguém estivesse o seguindo de perto – alguém que queria certificar-se de que
ele não estragaria os planos criminosos secretos em Arkham -, o que era provável, saberia que
Cash estaria investigando alguma suspeita, já que um comandante de segurança não tinha nada a
ver com o departamento financeiro. Mas ele não tinha recursos para fazer aquele tipo de serviço de
forma perfeita - ele não era o Batman. Arkham estava decadente, em direção à negligência social,
mas ainda era uma obrigação que cabia principalmente a Aaron. E ele sabia disso.

Logo, assinou o documento e partiu adentro em sua investigação. Precisava encontrar algo
suspeito dos registros. Afinal de contas, como uma quantidade tão grande de dinheiro foi tão mal
aproveitada? Um desvio poderia explicar as falhas de segurança nos setores da penitenciária.

E estava certo!

Na sala, sozinho com os computadores, observou que apenas um terço foi para o
departamento de segurança. Outro foi para o departamento médico e o terceiro para o “Projeto
Arkham”.

- Na mosca!

Aaron nunca tinha ouvido falar de um Projeto Arkham, e assim concluiu que era fachada. Na
certa, usaram o projeto como disfarce para desviar parte do dinheiro.

Agora, tudo o que precisava fazer era averiguar a validação do Projeto. Se conseguisse
encontrar provas criminais, poderia acabar com aquele esquema e dar um fim ao envolvidos. Mas
para isso, era necessário dar o próximo passo na investigação.

A entrada parecia mais acessível agora, mas Tom ainda estava no caminho. O guarda era
como o braço direito de Bolton e não saía da entrada por nada. Em contrapartida, a porta estava
aberta, o que significava que o comandante não estava em sua sala. Tudo o que precisava fazer era
passar pelo guarda sem que ele percebesse.

- Ei, Tom.

- E aí, Ellen?

- O chefe tá te chamando na seção interna – arriscou. Se ela estivesse errada, e ele ainda
estivesse em sua sala, ela estaria terrivelmente encrencada.

- O quê?! – questionou, olhando pra chuva que caía. – Por que ele não usou o comunicador?

- Eu não sei, Tom – deu de ombros, forçando indiferença.

- Mas que diabos! Por quê?

- Por que não vai até lá e descobre por si mesmo, em vez de ficar perguntando coisas que
eu obviamente não sei?

Tom bufou, fez uma careta e partiu debaixo da chuva para o portão que separava o norte do
sul do Asilo.

- Não saia daí – gritou a ela.

Ela estava encrencada! Tinha pouco tempo para investigar a sala de Bolton e, quando o oficial
Homelay voltasse, ela teria que arcar com as consequências da mentira de alguma forma, embora
ainda não tivesse pensado em uma desculpa.

- Vamos lá, Ellen – sussurrou para si mesma.

Adentrou a sala e, desesperadamente, procurou pelo relatórios. Abriu gavetas, armários,


caixas, vasculhou a bancada e a superfície da mesa. Torcia para que estivesse ali, pois de outra
forma, teria que invadir o escritório do diretor do Asilo Arkham, Dr. Jeremiah Arkham, neto do
fundador do sanatório. É claro que seria uma missão mil vezes mais complicada.

- Por favor...

Abriu o computador dele procurando documentos. Se não havia cópias físicas, pensou que
poderia ainda não ter saído do digital.

Estava com sorte!

O relatório criminal da fuga de Paul Sloan estava relacionado com dois documentos distintos.
Não se deu ao luxo de perder tempo lendo e, rapidamente, copiou os documentos e enviou para uma
conta de sua posse.

Depois disso, correu até a entrada.

O oficial Tom Homelay voltava marchando furiosamente debaixo da chuva. Atrás dele, vinha
o comandante Lyle Bolton.

- Posso ir agora? – disse ela.

- Ele disse que não pediu que eu abandonasse meu posto – falou Tom. – Por que mentiu,
Oficial Yin?

- Explique-se, oficial – ordenou Bolton, com olhar furioso.


- Ah... Eu... Bem, foi só o que me disseram para fazer. Achei que estava cumprindo ordens.

- Quem?

- Alguém da limpeza – mentiu. – Paul, John, George. Algo assim. Eu acho...

Bolton e Tom se entreolharam, ensopados e irritados. Depois Bolton devolver o olhar a Ellen.

- Suma da minha frente e volte ao trabalho – ordenou, antes de partir em direção à sua sala.

- Entre.

Aaron deslocou-se para dentro da sala do diretor. A noite ascendia com a chuva, esfriando
o Asilo Arkham como no inverno.

Cash puxou uma cadeira e acomodou-se em frente à mesa em que se sentava o diretor do
Asilo, Dr. Jeremiah Arkham.

Ficou algum tempo calado, fingindo ajeitar-se no assento e no ambiente bem iluminado.
Sabia que as conversas com o diretor precisavam ser assim. Ele era bastante rígido quanto àquelas
preliminares. Cash nunca soube o porquê e também nunca quis saber. Adicionava aquilo à categoria
de esquisitice de cientistas. Ele também não sabia quando era uma boa hora para começar a falar,
então sempre deixava que Arkham o fizesse. Este, por outro lado, parecia saber bem o que se
passava nas preliminares. Como se aquele ritual fosse uma ferramenta necessária de
sobrevivência. Ou como se aquilo simplesmente lhe trouxesse muito prazer.

- O que o traz aqui, comandante? – perguntou, por fim.

- Eu fiquei sabendo sobre um certo “Projeto Arkham”. Sei que um terço do investimento foi
aplicado neste projeto.

- Compreendo. Não gosto de sua objetividade, mas ela o torna extremamente eficiente em
seu trabalho, então a suporto, pelo bem deste estabelecimento. Entretanto, o que ainda não
compreendo é o motivo de sua vinda aqui.

- Sei que o dinheiro foi parar neste projeto, enquanto os outros setores de investimentos,
embora sejam dados como “aplicados” no papel, vêm exibindo problemas. Eu preciso saber em que
consiste este projeto, já que parte desta instalação está caindo aos pedaços enquanto outras
parecem bem fartas.

- Você... precisa? – riu. – Eu me pergunto por que um segurança precisa saber sobre a
distribuição de capital de seu estabelecimento de trabalho. Será que o senhor tornou-se um
economista, Sr. Cash? Quer participar e ajudar na construção financeira do Asilo Arkham? Quer uma
cadeira só sua nas reuniões da administração?

- Sabe o que eu quero dizer, Dr. Arkham – disse ríspido. – Se alguém caga aqui sou em quem
precisa farejar para encontrar e limpar a merda. Esse é o meu trabalho. Se este projeto for fachada,
para seja lá qual for o crime que estejam cometendo, sou eu quem precisa descobrir e levar à
polícia.
- Você se considera o inspetor deste hospital... - fitou-o seriamente enquanto parecia pensar.
- Sabe, eu gosto de você. Acredito realmente que se fosse um cientista, seria mais bem-sucedido
que eu. Você está sempre no caminho, tentando consertar erros e endireitar seus passos. Sempre
construindo uma estrada em linha reta que te leve até o sucesso. É inspirador, percebe? Eu nunca
consegui ser assim. Tinha que construir curvas para contornar obstáculos, atravessar o mar à nado
quando o barco quebrava. Mas sabe de uma coisa? Você está certo. Há coisas que não tem como
seguir em linha reta, atravessa-las e continuar em frente. Mas quando se acredita em uma coisa...
Ah – sorriu. – Aí tudo é possível. E você acredita, não acredita, comandante? Acredita no futuro
brilhante de Gotham. Acredita que peça por peça, as paredes vão cair e dar passagem à esperança.
Você não admitiria, no entanto. É covarde ou burro demais para isso. Mas nós sabemos. Pelas suas
ações. Pela sua determinação. O homem é moldado por aquilo em que ele acredita. Não é bonito
isso?

- Dr. Arkham, podemos por favor ir direto ao ponto? Não tenho a noite toda. Essa semana
está sendo muito...

- É claro, é claro, não diga mais nada. Venha – levantou e foi até a porta.

- Para onde vamos? – questionou, o seguindo.

- Vamos conhecer o Projeto Arkham.

Quando abriu seu laptop, já estava bem longe da seção interna. O dormitório em que ficava
não era o lugar ideal, mas estava decidida a não sair da ilha até o fim da semana. A investigação
estava se afunilando a um resultado. Não poderia atrasa-la agora.

Nos arquivos que conseguiu mais cedo do computador do comandante da equipe de


segurança interna, Lyle Bolton, a oficial Ellen Yin verificou o conteúdo do relatório criminal feito
sobre a fuga do interno 052. Em ambos os documentos, Bolton fala especificamente sobre a provável
estratégia de escape de Paul Sloan. O interno teria supostamente enganado o guarda Emerson
Geller, o assassinado e arrastado seu corpo para longe do corredor. Depois, Paul teria limpado a
sujeira e partido imediatamente em direção à saída. Porém, seu plano sofreu mudanças, já que havia
guardas no local pelo qual ele fugiria. Quando alternou o curso, os oficiais de Bolton o encurralaram.

- Quão conveniente – debochou.

Contudo, não havia perjúrios no documento. A explicação fazia muito sentido dada as
circunstâncias apresentadas sobre a fuga. Claro que, para usar aqueles documentos como prova
de crime, Ellen precisaria descobrir primeiro como foi a fuga na realidade. Aquele documento não
ajudava em nada.

Felizmente, Lyle Bolton havia digitado dois documentos, e o segundo trouxe boas notícias.
Tratava-se de uma anotação que ele distribuiu para os envolvidos da equipe dele, que consistia em
um plano estratégico de encobertar rastros - era o rascunho do plano.

Infelizmente, não poderia provar que aquele arquivo pertencia à Bolton, então não valia como
prova, mas valia como pista. No documento, é revelado uma manipulação das câmeras de
segurança, aliado a algum envolvido no setor de informática.
Agora, sabia para onde ir. Precisava encontrar as filmagens originais e confirmar que foram
manipuladas.

Já era noite, mas decidiu que aquilo não poderia esperar.

Saiu do prédio e foi em direção à saída. A chuva ainda caía, mas era fina agora, quase
silenciosa. Rumou até a administração, mas fez um desvio pelo caminho. Aproveitou-se da
escuridão e da ausência de vigias por perto para fazer uma ligação. Precisava avisar Cash antes de
dar continuidade ao plano. Além de arriscado, poderia ser decisivo.

Entretanto, a ligação não foi atendida. Ligou uma, duas, três vezes e nada.

- Droga, Cash! Cadê você?

Enquanto desciam pelo elevador, Dr. Arkham permaneceu calado, mantendo um meio
sorriso no rosto, como se estivesse todo o tempo apreciando o que fazia. Aaron notou que os
andares desceram até o C-7 na interface eletrônica do elevador, o que achava ser impossível.

- Não havia apenas seis andares inferiores? – questionou-o.

- Correto – respondeu Jeremiah. – Todavia o Projeto Arkham utilizou-se dos recursos para
abrir um sétimo piso. Achava desnecessário, afinal poderíamos realizar nossos experimentos no
andar 6, mas os argumentos de minha amiga foram incrivelmente convincentes quanto ao número
7.

Aaron não disse mais nada. Apenas aguardou que Arkham o levasse até o local.

Ali, havia alguns funcionários trafegando para lá e para cá. O local era cheio de salas,
corredores e fumaça. Era um laboratório subterrâneo.

Avistou Lyle Bolton dirigindo-se despreocupado em sua direção e congelou os movimentos.


Ele não podia vê-lo ali ou Bolton acresceria aquilo às suspeitas e a investigação poderia ir por água
abaixo, uma vez que Cash perderia o elemento surpresa, se houvesse um.

Pulou imediatamente para dentro de uma sala, a fim de evitar Bolton.

- Posso ajuda-lo? – questionou uma moça.

- D-Desculpe, senhorita... – olhou para a mesa, depois para a parede, procurando o nome da
mulher.

- Dra. Leslie Thompkins – disse-lhe, estendendo-lhe a mão. Ele a cumprimentou.

- Um prazer, doutora – deu-a as costas e espiou por entre as frestas da cortina. Bolton
estava conversando com o diretor. Voltou a falar com a doutora. – O que vocês fazem aqui?

- Nós trabalhamos, oficial...?

- Comandante Aaron Cash.

- Comandante Cash – abriu um sorriso.


- É, dá para perceber – espiou de novo pela janela. Continuavam conversando. – Eu quero
dizer, em que consiste seu trabalho, Dra. Leslie?

- Ah, tenho certeza de que se entediaria com biomedicina, Comandante Cash.

- Biomedicina, é? – voltou a olhar através da cortina. Quando o fez, a porta se abriu.

- Aí está você! – falou Arkham. – Não pode ver uma cientista bonita que logo perde o fio da
meada, não é, Sr. Cash? – brincou. - Desculpe o transtorno, Dra. Thompkins, mas ele veio fazer uma
inspeção em nosso trabalho.

- Não há problema algum – sorriu a ele.

Arkham manteve seu meio sorriso sinistro e voltou-se para Cash.

- Vamos continuar, comandante.

Cash deu uma última olhada para Leslie, intencionando identificar qualquer traço que
transparecesse culpa ou comunhão contra ele, mas não viu nada.

Quando saiu pela porta, só viu mais do mesmo. Embora todos parecessem trabalhar, havia
uma atmosfera tensa, como se o que acontecesse ali fosse proibido. Não era tão populoso, mas o
suficiente, considerando a falta de funcionários nos outros setores do Asilo.

O comandante também não viu mais sinais de Bolton. Não via nada além de funcionários
comuns e pessoas de jaleco.

- Então, doutor... O que exatamente vocês...

- Já vamos chegar lá – tranquilizou-lhe.

Caminharam através de um corredor até que Cash parou defronte uma sala com paredes de
vidro, onde havia pacientes deitados em macas, algumas verticais, amarrados ou algemados, e
vários médicos os examinando, andando para lá e para cá. Os pacientes estavam todos carecas e
alguns se contorciam. Os doutores lhes aplicavam seringas e apertavam as amarras da maca.

- Mas que diabos...

- Oh, vejo que encontrou a enfermaria – sorriu o diretor, quase deliciado. – Não se preocupe,
os médicos encarregados são do mais alto nível, eu os contratei a dedo. Eles estão em boas mãos.
Venha, por aqui.

O sentimento errado ganhou ainda mais forças quando Dr. Arkham entrou em uma grande
sala e se sentou atrás da mesa principal.

- Aqui, este é o resumo do projeto – entregou-lhe um documento.

Tratava-se de um relatório geral sobre o Projeto Arkham.

- Esta iniciativa – começou Arkham, enquanto Aaron lia – foi criada há alguns anos pelo Dr.
Strange, mas só pudemos dar o pontapé de saída quando recebemos a injeção de capital de Bruce
Wayne.

- Espere, quem criou este projeto?! – indagou, temendo o que havia entendido anteriormente.

- Dr. Hugo Strange, o...

- Lunático? Que organizou aquela quadrilha de psicopatas criminosos?


- Bem... Isso. Embora nós não usemos a palavra “psicopata” aqui. É simplesmente pejorativa
demais.

Nisso, seu celular vibrou no bolso, indicando que alguém estava ligando-lhe. Decidiu ignorar
naquele momento.

- Mas é claro que é! – levantou-se, furioso. – Eram lunáticos, assassinos! Hugo matou
dezenas de inocentes e mais alguns pacientes seus por aquele plano insano. Ele está trancafiado
na seção primária, você sabe disso!

- Sim, sim, é claro, comandante. Entendo seu ponto, de verdade. Quero reafirmar que eu
supervisiono este projeto de perto, e nós dois, juntos, o discutimos em parceria, bem antes de ele
se tornar um criminoso. Hugo Strange é um psiquiatra formidável, você sabe, e unidos conseguimos
tirar uma ideia promissora sobre neurociência do papel, comandante. Nós estamos criando o futuro
aqui – exibiu um largo sorriso, satisfeito.

- Ah, meu deus! – exclamou Cash, se afastando.

Já não via mais um doutor em psiquiatria, nem mesmo o diretor administrativo de uma
instalação, e sim outro lunático, como aqueles que riam e gritavam do lado de dentro das portas da
penitenciária.

Seu celular tocou novamente.

- Está dizendo que aliou-se aos planos doentios de Strange e investiu 4 milhões de dólares
nesta porra?!

- Como se atreve?! Leia o relatório antes de tirar conclusões.

Cash lutou incessantemente contra a vontade de sacar a arma e render o diretor. Era seu
instinto contra sua razão em um duelo implacável. Sua mente parecia fora de controle.

- O que queremos é compreender a mente doente, comandante. Sabia que cientistas


brilhantes possuíam inúmeras enfermidades psíquicas, muitas das quais temos pacientes sofrendo
aqui neste estabelecimento? Ludwig Boltzmann, um dos maiores gênios da história da física. Foi um
dos pilares da mecânica estatística e contribuiu muito para a sociedade. Contribui até hoje, de fato.
E no entanto, viveu toda a sua vida infernizado por incorreções psicológicas. Misturas horrendas de
vozes, risadas, sensações; sentimentos incompreensíveis para os sãos. Sua condição era
descontrolada e claro, contribuiu para todas as crenças de que nós, cientistas, somos todos loucos.
Já se perguntou por que nos consideram loucos, comandante? Nós que fazemos o papel mais difícil
da sociedade, que descobrimos os códigos secretos que regem a natureza, para tornar o mundo um
lugar mais bonito e adorável. Já se fez essa pergunta?

Cash não quis responder. Estava indeciso, ainda lutando mentalmente. Queria saber até onde
Arkham iria com seu discurso, para ter certeza. Estava farto de lunáticos, mas precisava agir da
maneira certa. Tinha que deixar a razão vencer, mas, estranhamente, não conseguia encontrar
forças para isso.

Mais uma vez, o celular tocou.

- Claro que não – respondeu a si mesmo. - Estão preocupados demais com a ordem e a
justiça que se esquecem das mentes que as lapidaram. O transtorno de Boltzmann pulsava entre
sinapses que faiscavam em seu cérebro, causando-o depressão, inquietação e dores, mas também,
lhe concedendo a possibilidade de destruir barreiras pensáveis, de atingir o abismo da ignorância
do mundo, onde tudo é novo e não descoberto. Ele sofria de neurastenia, comandante, uma condição
presente em diversos de meus pacientes em escalas mais graves. Acha que é coincidência que
diversos gênios do nosso mundo, que transcenderam limites da imaginação, portavam tantos
problemas mentais, trazendo a si mesmos a fama de loucos?

- Onde... onde quer chegar com isso, doutor? – perguntou Cash, sentindo cansaço.

- Já cheguei ao meu ponto, comandante. Boltzmann enforcou-se em seu quarto quando não
aguentou mais viver em agonia, mas imagine-o hoje. Com o Projeto Arkham, podemos compreender
tais mentes, alcançar novos patamares do conhecimento, mudar vidas, até mesmo impedi-las de
acabarem. Talvez até trazê-las de volta...

Cash caminhou em direção à saída. Sentiu um grande peso nas pernas. Não conseguia
pensar direito.

- Chama aquilo de mudança de vida? – apontou para as cobaias, acorrentadas nas macas
expostas atrás dos vidros como doces em vitrines.

- É ciência, comandante – insistiu ele. – Sempre há um preço.

- Então vocês usam pacientes para... – o mundo começou a girar lentamente. – Para... seus
experimentos malucosss....

- Mentes promissoras, comandante.

- O que foi que... você fez... comigo? – questionou, cambaleando pelas paredes.

- Um pequeno sonífero, comandante, nada além disso, não se preocupe. Temo que as
informações que lhe prestei sejam confidenciais, no momento. Mas é uma pena. Realmente achei
que você, pelo menos, entenderia. Você que vive conturbado, com pesadelos que parecem reais,
traumas que infernizam sua mente dia e noite. Não acha que há muitas similaridades com eles,
comandante?

- Você... – fez um grande esforço para retomar o equilíbrio das pernas. Em sua mente,
planejou entrar na sala e se trancar com Arkham, nocautea-lo e depois esperar o efeito passar.
Mas logo viu que seria uma tarefa muito difícil. – Não vai...

- Você é realmente forte, comandante, devo reconhecer. Está lutando contra o fármaco ou
contra a ideia que não quer admitir?

Levou a mão até seu coldre e apontou a arma para Arkham, trêmulo, caindo.

- Vamos com calma, comandante. Tenho certeza que entenderá o projeto com o tempo. Não
precisa criar problemas com isso.

- O que você fez com Paul... com Paul Sloan?

- Paul Sloan? Nada. Ele está em sua cela, não está?

- A fuga. A fuga, droga! – a cabeça girou, enquanto tentava apoiar-se sobre um joelho. – O
que ele tem... a ver com tudo isssso?

- Eu não sei do q...

- Fale! – gritou ao diretor.

- Isso está levando tempo demais, desculpe, doutor – disse uma terceira voz, atrás dele.
Antes de conseguir sequer perceber, uma pancada aguda e pujante incendiou sua nuca, antes
de encontrar-se com o chão.

Ellen aproximou-se do prédio com cautela. O departamento de vigilância era guardado por 3
homens. Não saberia dizer se eram de Cash ou Bolton, mas a essa altura não importava - todos
eram suspeitos.

Precisava encontrar uma maneira convincente de entrar, mas não havia pensado nisso ainda.
Estava com esperanças de que Cash resolveria esse problema, mas este não atendeu a suas
ligações. Decidiu que precisaria tentar sozinha. Talvez tivesse pouco tempo.

Resolveu usar a desculpa padrão: medidas de segurança. Obviamente, se fosse o caso, era
o comandante quem deveria lidar com estes assuntos. Com essa desculpa, certamente atrairia a
atenção de Bolton e comprometeria o caso. Porém não via opções melhores no momento. Teve que
arriscar.

Quando entrou, acenou aos guardas e partiu em direção ao lobby. Ali, pediu ao funcionário
que a desse acesso à sala das câmeras de segurança, conforme planejado.

- É necessária a confirmação da requisição do seu chefe, oficial – disse o funcionário. Em


seu crachá dizia ser Lonnie Machin.

- Lonnie, o comandante estava muito ocupado. Não pode quebrar essa para mim? Depois
consigo com ele uma confirmação se isso for lhe prejudicar.

Sentiu-se tensa. Espiou por trás dos ombros e viu os guardas, ainda de costas à ela, vigiando
a saída.

- Hmm – ponderou o funcionário. – Por que precisa de acesso às câmeras?

- Como é? – congelou.

- Posso quebrar as regras, se for por uma boa causa – explicou.

A oportunidade surgiu. Sabia que poderia mentir, mas isso só a complicaria. O mais sensato
ali era conta-lo a verdade. Ou a meia verdade.

- É sobre o caso da fuga do interno 052. Nós estamos investigando um possível complô com
Paul para que ele escapasse. É crucial que...

- Espere. Paul Sloan? – estranhou. - Mas vocês já vieram aq... Oh! – fez cara de compreensão.
– É claro. Está certo. Deixe seus dados aqui, incluindo de seu celular, e poderá prosseguir –
estendeu-lhe a chave com um sorriso simpático.

Ellen Yin não entendeu o que foi aquilo, mas resolveu fazer o que lhe foi dito. Precisava
terminar a investigação o quanto antes.

Passou pelos corredores cheio de salas com computadores, arquivos e tevês, antes de
chegar na sala indicada.
Uma vez lá dentro, buscou pelas gravações da ala em que estivera mais cedo: a de Paul
Sloan. Se Simon Ecks estivesse certo, Bolton teria aparecido nas câmeras momentos antes da fuga,
o que iria contra as constatações postas no documento de seu computador, e com isso, Ellen poderia
incriminar seu comandante por reportar relatórios falsos.

Porém, ainda mais impressionante do que de fato vê-lo passando por aqueles corredores,
foi vê-lo carregando consigo um homem com uma máscara negra: Roman Sionis. Além dos dois,
um oficial os acompanhava.

O que Bolton fazia com Paul e Sionis fora de suas celas?

Mas enquanto refletia e revisava os detalhes da gravação, teve uma epifania. Impediu-se de
continuar aquela atividade e raciocinou por um tempo. Depois, espiou o buraco da fechadura da sala
em que estava e concluiu sua súbita suspeita: dois homens estavam lá fora, armados, vigiando a
porta. Olhou para o resto do corredor e não viu mais ninguém. Era uma armadilha. Entendeu que
Bolton já a esperava ali para tira-la dos planos dele.

Com o repentino golpe de compreensão, Ellen ficou alguns segundos atordoada, com o
coração acelerado, pensando no que fazer. O plano já estava comprometido, então o que precisava
era sair dali a salva.

Primeiramente, trancou-se na sala. Depois, olhou ao redor. Só havia mais uma porta, mas
como percebeu ao tentar abri-la, estava trancada. Fortemente trancada.

Por sorte – ou por ironia - Bolton havia treinado sua equipe em técnicas de arrombamento
de portas e trancas, de modo que, com o uso de uma gazua que carregava, não levou muito tempo
para abrir a porta. Esta dava em um corredor secundário, que passava pelas outras salas do
corredor principal. Procurou freneticamente por uma janela pelas salas. Encontrou várias em uma
delas, mas todas de alguma forma estavam completamente emperradas.

Ouviu passos vindo do corredor. O ambiente era escuro e ela sentiu-se grata por não ter
acendido as luzes no processo da busca por uma janela. A sala, por sorte, era recheada de cabines
com computadores, então pôde se esconder atrás destas.

Pensou em atirar e fugir pela janela. É claro que ouviriam, mas pelo menos teria o tempo
para correr pelo Asilo e se esnconder. Mas depois, pensou que saberiam sua localização, e se mais
homens estivessem preparados para derruba-la, não teriam grandes dificuldades.

- Onde ela está? – sussurrou um deles.

- Ela foi para aquela sala – disse baixinho de volta o funcionário.

Quando os guardas passaram pela sala onde ela estava, Ellen deslocou-se agilmente até a
porta e procurou por Lonnie. Este voltava tranquilo, de costas, para o lobby. Arrancou os sapatos e
os deixou ali. Precisaria das mãos para atirar ou lutar, se fosse necessário, então não se deu ao
luxo de leva-los consigo.

Agachada, caminhou em direção ao lobby, usando novamente o corredor principal, olhando


para os guardas, que desciam até a sala das câmeras.

Seu coração pulsou como uma locomotiva desenfreada. Sentiu as pernas fraquejarem com
o medo, e por desespero, jogou-se para dentro de outra sala – esta mais próxima do lobby.

- Está trancado – falou um dos guardas, percebendo que Ellen se trancou na sala das
câmeras.
- Droga! – praguejou o outro.

Espiou pela porta e os viu se preparando para arromba-la. O coração voltou a arder, inflando
seu peito até o limite. As mãos tremiam e suavam e a respiração estava descontrolada.

Uma pancada alta veio do fim do corredor, que consistia nos guardas derrubando a porta, à
sua procura. Engoliu a seco e saiu pela porta assim que os guardas sumiram do corredor.

Ouviu Lonnie por detrás do balcão. Se conseguisse engatinhar, colada ao balcão, ele não
poderia vê-la. Achou que era a única maneira.

Prendendo a respiração, lutando contra o tremor e a tensão, Ellen engatinhou


silenciosamente até a saída. Pensou em inúmeras possibilidades que a levariam para a morte
naquele processo. Se o funcionário se levantasse, se os guardas já tivessem vasculhado a sala e
voltado para o corredor, se seu engatinhar tivesse feito barulho demais, ou sua respiração, se
aparecesse outros homens na entrada da instalação... De todo o caso, achou muito mais provável
que lhe matassem em vez de conseguir fugir.

E enquanto pensava, mergulhada em desespero, encontrou-se na saída.

Saiu da vista da área interna do prédio e correu de volta à seção interna. Correu como nunca.

Encontrou-se de volta na escuridão. Assustou-se com o barulho de água chapinhando,


quando na verdade, percebeu que eram seus pés, enquanto caminhava. Olhou ao redor e não havia
luz, nem caminhos para se seguir, a não ser o corredor infinito e largo em que se encontrava. Quis
fechar os olhos e ver outra coisa, mas não pôde. Não havia como. Nunca houve. Sempre esteve
preso àquele momento.

As paredes escorriam lodo lentamente. O ar, embora parecesse parado, transcorria pela sua
pele como sussurros gelados. Ele estava em algum lugar. Em algum lugar da escuridão.
Observando-lhe, espreitando, esperando o momento certo.

No chão, a água ondulava. A superfície fazia uma curva para baixo no centro do túnel, onde
a reserva descia até os confins imundos do subsolo de Gotham.

Só que, embora não vesse nada além das ondas fluindo pela água opaca, podia ouvir o líquido
se contorcer sob seus pés. A terrível sensação de que o próximo passo o levaria para o fundo do
esgoto. E apesar do medo e da angústia, sentia-se capaz de enfrentar o perigo - cego pela estúpida
valentia traiçoeira.

Aaron também podia ouvir bolhas emergirem na superfície da água, roncos abaixo dos seus
pés, como tremores precursores do ataque de um predador.

No momento, ainda que o pulmão e o coração pulsassem mais rápido do que seu cérebro
era capaz de controlar, sua mente ainda funcionava, mesmo que de forma estúpida. Pensava no
quão macabro era o lugar em que estava, no quão doentio aquele cenário se tornou em sua cabeça.
Pensava em como seu predador lhe tornava vulnerável e frágil - em como ele ainda o torna. Sua
ruptura física se estendeu até sua mente, e lutava contra a ideia de que aquilo lhe tornava um
lunático.
Mas estava cedendo.

Sentia os tremores aumentarem, o ar ficar mais gelado e cutucar seus ossos como espetos
mortais. O sussurro aumentava e se misturava com o ronco, fazendo sua cabeça dar voltas
desesperadas, à procura de seu algoz, que espionava nas profundezas pútridas do esgoto.

É claro que quando percebeu já era tarde demais, mas mesmo sabendo que falharia, e que
era impotente naquele cenário, o medo gritava mais alto. Tirava-lhe de suas retilíneas faculdades e
lhe ejetava à escuridão. Foi o que fez quando o predador ascendeu das águas opacas. Volumoso,
corcunda, ouriçado, violento. Observava-lhe com olhos amarelos e presas úmidas, sedentas pelo
seu sangue. A forma grotesca tremeu e pulou em sua direção, em um movimento que fez sua arma
disparar incontáveis vezes - todas em vão. A criatura não se abalou, porque não viu perigo. Só
pensou em sugar-lhe a vida.

Suas escamas gosmentas, escorrendo a lama fétida sob a qual vivia, brilharam sob a luz dos
disparos, assim como a baba entre suas longas e inúmeras presas. Sua voz rugiu através da enorme
boca quando lhe agarrou firme. Em seu estado impotente, Cash não conseguiu evitar o que viria a
seguir, mesmo sabendo e conhecendo o fim da história, ele nunca conseguia.

Tudo o que sentiu foi agonia e dor. O barulho dos músculos destroçando-se nas presas do
predador reptiliano, enquanto o sangue rechaçava de volta a penetração canibal.

Quando o osso estalou em sua bocarra, perdeu seus sentidos. Ainda que agora conseguisse
sentir toda a aflição e a dor surda, rompendo as entranhas de seu âmago e estilhaçando em cacos
de vidro sua mente, dopada pelo fluxo descontrolado de desespero e pânico, ele não estava lá para
vivenciar aquela experiência. Esteve uma vez e tudo o que ganhava agora era uma visita não
convidada daquele conto de terror da sua história em sua cabeça. Um conto que, embora não
admitisse, havia rasgado sua mente, deixando cicatrizes em sua sanidade para sempre.

- Ele está acordando – disse Bolton.

Quando ouviu a voz, automaticamente sentiu a cabeça latejar de forma lancinante. Levou a
mão à nuca e esperou que seus sentidos lhe recolocassem no lugar. Olhou ao redor, ainda lento e
dolorido, e notou paredes brancas, um vaso sanitário, uma cama e uma porta... uma cela.

- Como vai, comandante? – questionou-lhe Dr. Arkham.

Quando olhou em direção a voz, viu o diretor o encarando do pequeno quadrado de vidro
revestido, do lado de fora.

Levou as mãos até o cinto e não encontrou nada. Seu celular, arma, distintivo e algemas
foram tomados.

- Desgraçado! – gritou, pulando até o visor da porta da cela.

- Entendo sua raiva, comandante, no seu lugar também ficaria muito desapontado. Quero
que saiba que não me orgulho do que aconteceu, mas foi necessário, uma vez que, embora admiro
muitas de suas virtudes, conhecimento e inteligência não fazem parte delas. Todavia, cabe a mim
informa-lo de que tentei explicar. Agora você seria apenas um empecilho nos grandes planos
promissores que viso para este estabelecimento.

- Você é louco, assim como eles! – rosnou Cash.

- Não se precipite, Cash – disse Bolton, ao lado de Arkham. – Não demora muito para se
tornar um em uma cela como essa.
- Você é outro – acusou. – Vocês ajudaram criminosos a escapar, desviaram dinheiro de
investimento público e estão fazendo experimentos ilegais e doentios com cobaias humanas. Acham
mesmo que vão se safar disso? Acham que Gotham ainda é como era há cinco anos atrás? Acham
qu...

Uma gargalhada lhe interrompeu.

- Desviamos dinheiro? De onde tirou tanto absurdo? – satirizou Lyle Bolton.

- Experimentos doentios? Francamente, comandante, você é um completo boçal? Veja, o que


faze...

- Não importa o nome que dá para isso. Seu sistema de sanatório está falindo. Você criou
esse pandemônio junto a um psicopata assassino! Aliou-se a criminosos para conjecturar
experimentos extraoficiais com humanos!

- Humanos promissores! Que droga, comandante! – exclamou Arkham, tremendo. Viu fúria
em seus olhos pela primeira vez, como se um monstro preso em uma jaula tivesse dado o primeiro
golpe no portão para escapar.

- O que faz com eles, hein? Abre suas cabeças, serra seus cérebros ao meio e os coloca de
volta no lugar? Foi isso que fez com Sloan? Aposto que forjou aquela fuga só para poder usá-lo em
seus experimentos insanos!

- Comandante, eu recomendo altamente que cale-se imediatamente! – gritou, alterado. – Em


primeiro lugar, Paul Sloan está bem, está seguro em uma cela. Em segundo, a fuga foi um passo
importante para o Projeto Arkham...

- Doutor... – interveio Bolton.

- Não! Deixe-me explicar a esse troglodita a verdade. Foram jogadas necessárias,


comandante.

- Eu sabia. Era você por trás de tudo o tempo todo. Você sabotou a segurança eletrônica!

- Segurança eletrônica? Comandante, é verdade que tornei possível a fuga de um interno


mentalmente instável deste estabelecimento, como forma de...

- De saciar seus desejos sadistas e maníacos de cientista.

Jeremiah Arkham contorceu-se, controlando sua raiva.

- De auxiliar o Projeto. Um dia você verá e entenderá, comandante, tenho certeza disso. No
entanto, jamais sabotaria a segurança da minha instalação.

- Pois o fez, quando desviou 4 milhões de dólares para este projeto lunático, ao invés de
investir na infraestrutura da sua querida instalação.

- Comandante, parte do restante do dinheiro foi sim para a infraestrutura. Se acha que... Oh
– mudou a feição. – Eu sei o que está havendo aqui. Está alucinando, comandante – sorriu. – Sua
desilusões começaram a afetar sua realidade. Vê como é fascinante o funcionamento da mente
humana?

- Vocês estão fodidos! Vão estar no meu lugar antes de chegarem perto de concluir o plano
maníaco de vocês.
- Eu acho que não – sorriu-lhe de novo. Passados alguns segundos, virou para o homem ao
seu lado. – Comandante Bolton, o que faremos com ele?

- Eu já lhe disse, ele só vai atrapalhar. Temos que apaga-lo – respondeu, friamente.

- Medidas muito severas, comandante. Preciso de alternativas.

- E quanto à enfermaria? – sugeriu Bolton.

- Hmm – pensou. – Não é má ideia. Porém, também temos...

Arkham então desativou o comunicador externo e deixou o comandante Aaron Cash sozinho
e preso com o silêncio. Ainda via ambos conversando do lado de fora, mas a sensação claustrofóbica
de aprisionamento, o cheiro do interior da cela e o vazio solitário, por mais que lutasse contra a
ideia, Cash sabia no fundo que muito tempo ali poderia deixa-lo de fato insano.

Depois de algum tempo, Arkham voltou a falar.

- Não se preocupe, comandante, voltarei logo. Ainda tenho alguns planos para você.

Quando se aproximou do prédio e avistou os guardas, desmanchou sua feição de desespero,


endireitou os passos e fingiu que nada havia acontecido. Aí se lembrou: estava sem sapatos.

Evidentemente, aquele fato por si só geraria suspeitas, mas não havia outra saída. O setor
da penitenciária só possuía uma entrada, e esta nunca deixava de ser vigiada.

Manteve a postura, fingiu que estava tudo normal, ignorou os rostos dos guardas e adentrou
o prédio.

Agora sabia que teria pouco tempo. Além dos guardas que a perseguiram no departamento
de vigilância, qualquer um que fizesse parte do esquema de captura-la dentro da penitenciária
também passaria a procura-la. Ellen tinha que achar Cash.

Foi até a seção externa, em direção à sua sala e tentou ligar para ele de novo. Nada. Quando
chegou lá a porta estava trancada e o lugar estava vazio.

Certificou-se de que não havia ninguém olhando e a destrancou, usando as mesmas técnicas
que Lyle Bolton ensinara. Do lado de dentro, vasculhou pela mesa qualquer coisa que indicasse a
localização de Cash: uma nota, um relatório, um documento, mas não encontrou nada que a
ajudasse. Olhou nas gavetas, armários, caixas e nada. As únicas coisas suficientemente suspeitas
eram um documento sobre finanças e um minicofre, mas nenhum deles indicavam um lugar, então
teve que pensar. Onde ele estaria? Poderia estar em perigo, afinal não atendia o telefone. Também
poderia estar ocupado em assuntos pessoais, ou simplesmente estar trabalhando no caso e seu
celular sem bateria.

Então olhou de volta para o documento das economias do Asilo e entendeu. Ele teria ido
atrás do diretor, uma vez que, no documento, os dados indicavam distribuições não divulgadas. Saiu
da sala e correu para a seção interna.
Passou por guardas suspeitos, que lhe vigiavam com olhares predadores e discretos, como
se cada um estivesse lhe rastreando, observando cada movimento e esperando o momento certo
para ataca-la. No entanto, poderia ser apenas coisa da sua cabeça. Afinal ainda não havia
descoberto nenhum crime. Seu medo era real ou ela estava ficando maluca assim como os
pacientes daquele lugar?

Quando chegou até lá, teve o cuidado de espreitar primeiro, no canto da parede. O corredor
estava vazio e a porta entreaberta. Esgueirou-se até lá e ouviu vozes. A voz de uma mulher.

- Pare de se preocupar, querida, você sabe que paciência é uma das sete virtudes, e para
cada... Eu sei, eu sei. Não fale assim com Alyce, ela está em um momento difícil. Você tem razão.
Além do mais, há trabalho a fazer, assim eu foco em outra coisa. É assim que se fala.

Logo em seguida, ouviu passos se aproximarem e esgueirou-se depressa de volta para o


corredor. Depois correu para detrás de um porta, ficando fora de vista. Quando Alyce passou por
ela, voltou para o corredor e bisbilhotou a sala: vazia. Então começou a segui-la. Afinal, o que Alyce
fazia no escritório de Arkham? Ellen e Cash sabiam que ela era suspeita, mas estaria o diretor
envolvido naquilo também?

- Já percebeu que só se lembram de você quando precisam de você? Isso é ultrajante. Você
está sendo ingrata! Além do mais, você está fazendo isso por Roman, não se esqueça disso. Eu sei,
eu sei...

Alyce estendia-se em um diálogo bizarro com ela mesma, enquanto passava por corredores
vazios e escadas escuras. Ellen tomou o cuidado de segui-la distante o suficiente para não ser
percebida.

Dra. Sinner desceu alguns lances de escada até se redirecionar para um corredor. Neste,
dois guardas vigiavam a entrada. Era uma ala de internos - a ala de Paul Sloan.

Ouviu Alyce trocar sussurros com os guardas e passar adiante. Em contrapartida, Ellen Yin
não podia passar por eles. Precisava de um plano.

Teve de improvisar para não perder tempo. Se ficasse ali por tempo demais, perderia a
doutora de vista e aí não saberia mais o que fazer. Precisava descobrir o que acontecia, encontrar
provas e derrubar os esquemas criminosos que ocorriam no Asilo antes de ser tarde demais.

Afastou-se o máximo que pôde do corredor e utilizou o comunicador.

- Seção interna, Penitenciária, ala C – mal podia acreditar no que estava fazendo.

Passados poucos segundos, um dos guardas respondeu.

- Oficial Nikken Simmon – apresentou-se. – O que é?

- Chamada de reunião no departamento. Dirijam-se para lá imediatamente – ordenou Ellen,


modificando a voz.

- Quem está falando? – questionou, intrigado.

- Você é surdo? Imediatamente!

Não demorou muito para que os guardas, embora relutantes, rumassem para os andares
superiores. Quase podia ouvir as batidas do coração rugindo em seu peito. A cada segundo que
passava, sentia-se cada vez mais sem saída, desesperada e fora de controle.
Escondeu-se do lado oposto e esperou que os guardas passassem. Quando o fizeram, voltou
ao corredor à procura de Alyce.

Por sorte, a doutora ainda reproduzia seu monólogo de dupla-identidade pelos corredores,
o que facilitou a perseguição.

Encontrou-a indo em direção aos corredores cujas celas estavam vazias ainda.

- O quê?! Onde... – exasperou-se Alyce, falando no telefone. – Aaron? Aaron Cash? Merda!

Ellen aproximou-se o mais rápido que pôde, enquanto a doutora guardava o celular e
começava a andar acelerada para a outra direção.

- Pare! – gritou.

- Quem é você? – perguntou Alyce Sinner, virando-se assustada.

- Onde está Aaron Cash? – interrogou-a, agora apontando tremulamente a arma na direção
da doutora.

- Ele... Ele... D-Deveria...– balbuciou, engasgando-se com as palavras.

Ellen destravou a arma.

- Nós o prendemos e ele... Ele escapou – respondeu, aflita.

- Para onde?

- E-Eu não sei... – desesperou-se.

Aproximou o cano da pistola de sua cabeça.

- Eu não estou com o melhor dos humores, doutora. Já tentaram me matar hoje e meu único
amigo sumiu há horas. Sugiro que comece a falar!

- Esgotos. E-Ele deve ter fugido pelos esgotos.

Ellen espiou o vidro e averiguou o interior da cela em que estava de frente. Era de Roman
Sionis.

- Abra-a! – ordenou à doutora.

Relutantemente, Alyce levantou-se, trêmula, e digitou a senha no painel. A porta se abriu.

- O que fizeram com ele? – voltou a pergunta-la, ainda com a arma apontada.

A doutora baixou a cabeça, sem dizer nada.

- Responda, droga! – gritou Ellen, tremendo. Apesar de ter passado por muitos tipos de
instruções e treinamentos com situações semelhantes, a realidade sempre é intimidadora para os
não iniciados, como Ellen começava a aprender. – Eu o vi nas câmeras de segurança. Por que Roman
Sionis estava fora da cela?

- E-Ele não... – começou a responder, mas interrompeu-se, em meio de lágrimas e gagueira.

O interno da cela começou a rir baixinho, ainda deitado na cama. Quando Ellen aproximou-
se dele, foi que descobriu. Não era Roman Sionis. A pulseira eletrônica presa ao interno revelava
seu número. 052.
- Mas que porr...

Nisso, ouviu gritaria e passos ao longe. Eram guardas vindo em sua direção.

- Merda! – praguejou.

Freneticamente, agarrou a doutora e a arrastou para dentro da cela. Aí, deixando Alyce
choramingando no chão, Ellen correu para fora e fechou ambos lá dentro. Em seguida, foi
rapidamente em direção às escadas.

Quando os homens se espalharam pelo corredor, pôde ouvir os guardas dizendo o nome
dela. Agora, havia muitos deles. Era uma caçada.

Lembrou-se do que Aaron tinha lhe dito sobre o andar C-5 e desceu até lá, enquanto pensava
num plano para escapar.

Agora, era evidente que havia crimes acontecendo. Cash havia sido preso, guardas de sua
própria equipe lhe perseguiam, Roman Sionis fora substituído por Paul Sloan durante a fuga, além
de outras várias suspeitas que coletara antes. Nada fazia sentido. Precisava contatar a polícia.

Quando chegou ao andar, deparou-se com uma escuridão completa. Além dos passos
espalhados que se aproximavam, e as vozes de comando baixinhas que reverberavam pela
escadaria, nada podia ser ouvido. A penumbra inundou o ambiente e só pôde pensar em correr para
o meio daquele vazio.

Agachou-se ao lado de uma cela e pegou seu telefone. Imaginou que deveria ter feito aquilo
há mais tempo.

Entretanto, quando tentou fazer a ligação, seu celular desativou-se, e a tela passou a brilhar
intensamente. Como se não bastasse, um sinal intermitente extremamente agudo começou a tocar
nele. Ensurdecedor. Era mais que o suficiente para os guardas encontrarem sua localização.

- Mas o quê?! – disse, assustada.

Sem perder tempo, deixou o celular no chão e correu de volta às escadas. Agora não tinha
alternativas. Estava encurralada e sem opções.

Subiu a escadaria em frenesi, enquanto o coração saltava-lhe à boca e a respiração lhe fazia
engasgar com a correria. Não podia ver ninguém e quase nada à sua frente. Só podia ouvir passos
ecoarem pelos corredores. Caminhares que se aproximavam por todos os lados, lhe cercando.

A única saída que imaginou foi correr de volta à sala de Cash e trancar-se lá. Foi o que fez.

Quando chegou no andar inicial, atravessou a porta correndo, ao tempo que via dois guardas
ao longe perceberem sua presença e contatar alguém.

Correu através da chuva fina e entrou no setor externo da penitenciária. Temendo a própria
vida, engasgada pela aflição e o medo, dirigiu-se em alta velocidade à sala de Cash. Passou pela
porta e a trancou, quebrando uma gazua improvisada dentro da fechadura. Arrastou os móveis em
frente a porta e às janelas e barricou-se lá dentro. Ouviu os homens se aproximarem da sala
enquanto tentava controlar a respiração.

- Sabemos que está aqui, Oficial Yin! – falou o Oficial Homelay. – Entregue-se e talvez
seremos bondosos pelos seus crimes.
- Meus crimes?! – gritou lá de dentro. – Trancaram Cash em uma cela para lunáticos,
ajudaram Roman Sionis a fugir de sua cela e estão tentando me matar, e eu sou a criminosa?!

- Não sabemos do que está falando, Oficial. O que sabemos é que você invadiu propriedades
pessoais, roubou documentos privados e confidenciais, mentiu e enganou seus companheiros de
trabalho, expôs a segurança desta instalação e prendeu uma médica em uma cela de lunáticos. O
que acha disso, criminosa? – retrucou.

Infelizmente, Ellen não podia argumentar contra aquilo, porque tecnicamente era tudo
verdade - o que não ajudou em nada em sua aflição.

- Entregue-se ou vamos entrar – anunciou.

Ellen entrou em desespero. Estava encurralada. Nunca imaginou que se meteria nisso. Onde
estava com a cabeça? Tudo aquilo valia o risco? Ela realmente estava perdendo a noção?

Não importava mais. Precisava encontrar alguma coisa naquela sala. Qualquer coisa que
pudesse ajuda-la, como um telefone ou um comunicador. Varria os itens pela mesa e balcão,
enquanto pancadas graves ressoavam na porta, evidenciando a tentativa de invasão dos guardas.
Àquela altura da noite, era provável que todos os guardas que poderiam se aliar a Cash tinham ido
embora. O resto deveria estar na folha de pagamento de Bolton, ou coisa pior.

A porta se movia um pouquinho a cada batida, deixando claro que era apenas uma questão
de tempo até entrarem.

Então se lembrou. Lembrou-se da lenda que contavam sobre Cash. Sobre missões que fizera
no passado, sobre os aliados com quem trabalhou... E sobre um contato que ganhou o direito de ter.

Quando correu os olhos pela sala, acompanhada pelas pancadas cada vez mais altas, avistou
o minicofre que vira mais cedo. Ainda tinha sua arma, então poderia abri-lo.

- Agora é uma boa hora para as lendas serem verdadeiras – sussurrou para si mesma.

Atirou na pequena tranca e abriu o cofre.

- Por favor...

Dentro, encontrou cartas, fotos, algum dinheiro, itens que passaram despercebidos e um
pequeno dispositivo preto em forma de morcego...

A mesa que barricava a porta caiu com um estrondo grave, antes dos guardas entrarem na
sala.

- Acabou, oficial.

Varria os dejetos com os pés enquanto tapava as narinas com o antebraço. Nunca havia
pensado que um gancho lhe seria mais útil que uma mão, mas naquele dia foi, pois garantiu-lhe que
escapasse da cela. E mesmo com os pés soterrados na podridão dos excrementos que corriam
pelos tubos, ainda era melhor que ficar sozinho em uma cela de manicômio. Ou melhor, poderia ser,
se o local em que estava agora não lhe trouxesse memórias angustiantes.
Quando finalmente saiu dos tubos internos, encontrou-se na rede de tubulação dos esgotos
do Asilo Arkham. A princípio, tudo o que pensou foi em encontrar uma saída e sair de lá
imediatamente. Tinha que voltar à sua sala e contatar o comissário da cidade!

Mas aí, quando voltou a pensar no seu arredor, em vez de cegamente procurar uma solução
para seu atual problema, percebeu onde estava. Não era apenas a rede de esgotos. Como não havia
um lugar ideal para que ele vivesse, Waylon Jones havia sido mandado para uma cela especial, no
subsolo da instalação. Ali vivia o causador de todos os seus pesadelos, o responsável por
transformar completamente sua vida e distorcer sua realidade todos os dias - ali vivia seu maior
medo.

Desanuviou-se daqueles pensamentos, esforçando-se para se concentrar apenas no que lhe


interessava: sair dali.

Caminhou pelas laterais do túnel, que se estendia de uma ponta a outra da ilha e fazia
diversas curvas e cruzamentos pelo subsolo, à procura de uma porta, mas não encontrou nada.
Como sabia, aqueles túneis eram muito grandes, e nunca havia visitado o local para conhecê-lo
melhor. Nunca quis.

Além da vastidão e do mal cheiro, os esgotos possuíam uma iluminação extremamente


pobre, e uma infraestrutura longe da ideal - reflexão da negligência dada ao estabelecimento ao
longo dos anos. Mesmo sendo um local amplo, por causa da iluminação, encontrar a saída
necessitava muita caminhada. Mas não importava o quando andasse, não parecia que teria sucesso
em encontrar.

Enquanto só podia ouvir o som de seus passos, procurando por uma porta, avistou ao longe
um portão branco, que fechava toda a área da seção reta do túnel e separava o lado de cá de uma
cela. Sabia do que se tratava, e isso lhe desferiu um golpe no estômago mais gelado que o inverno
nas colinas de Bristol. Um pânico súbito tomou conta de sua mente, como vozes gritantes em uma
multidão. De repente, descobriu-se completamente sem fôlego e teve de se sentar, com uma
pressão no peito que lhe trazia muito mais do que dores físicas. Fechou os olhos, respirando fundo
e procurando uma forma de se acalmar. Claro que havia uma cela entre eles, separando-os com
um bloco maciço de aço, mas imagina-lo ali, próximo, capaz de lhe farejar, era algo que não
conseguia conceber. Seu âmago se abarrotava de angústia e já não tinha mais controle de si mesmo.
Eram seus pesadelos todos de novo, criando vida, ganhando forma em sua realidade, controlando-
o novamente. Queria ceder.

Quando conseguiu se recompor parcialmente, continuou a caminhada, tentando ao máximo


pensar em outra coisa.

Virou para outro túnel, deixando a cela para trás.

Sem seus itens, não havia nenhuma outra coisa que podia fazer. Consigo só possuía a roupa
do corpo. Perguntava-se onde estaria Ellen, o que o diretor pretendia fazer, até quando o Asilo
Arkham continuaria alocando lunáticos e devolvendo escória criminosa para a cidade - até quando
Gotham continuaria sendo o submundo do crime.

Depois de passar por mais três túneis, conseguiu ver algo diferente acima de uma escada,
ao final da rede: Uma porta. Sem perder tempo, começou a correr até lá. O repentino movimento lhe
fez latejar a cabeça, mas não se importou com a dor, só queria sair daquele lugar.
Mas no momento em que se dirigia para a saída, luzes vermelhas começaram a brilhar no
teto sujo dos túneis, seguidas do barulho de sirenes, ecoando e reverberando por todos os
corredores do esgoto: Um alerta de segurança.

Quando conseguiu desassociar o barulho com o resto do ambiente, ouviu um bloco de aço
se mover com um sistema eletrônico - ouviu a cela se abrir.

Por mais que agora estivesse em pânico total, a única coisa que foi capaz de fazer foi correr,
seguir seus instintos de sobrevivência e fugir para a saída.

Antes de alcançar, ouviu um rugido ressoar pelos túneis. Um vociferar gutural que Cash
conhecia bem. Sentiu náusea e falta de ar.

Somado aos seus passos, em meio ao frenesi desesperado da correria, ouviu também um
movimento na água do esgoto. Uma locomoção feroz e implacável, reverberando por todos os
corredores. Quando alcançou as escadas, subiu-as com um só pulo e tentou abrir a porta.

Trancada.

Sem ar, tentou golpear desesperadamente a maçaneta, depois puxa-la, mas não adiantou.
Arromba-la seria impossível, uma vez que a porta se abria para fora. No entanto, mesmo sabendo
a inutilidade daquele ato, seu desespero lhe tirou da razão. O barulho rítmico e sufocado de seu
coração pulsando, a respiração ofegante, a transpiração constante e o tremor nos músculos lhe
cegaram e a única coisa que pôde fazer foi chutar o centro da porta, para de alguma forma destruí-
la e abrir passagem.

Mas quando olhou para o lado, à entrada do túnel, enquanto se engasgava com o ar que
entrava e saía freneticamente de seu pulmão, viu olhos amarelos lhe fitando na escuridão. Neste
mesmo segundo, congelou. Até os músculos que tremiam pararam, dando lugar a um vazio gelado
que lhe preencheu até a alma.

Lentamente, os olhos diminuíram e desceram nas águas, desaparecendo.

Sem conseguir respirar, Cash prendeu a maçaneta com o gancho e puxou com toda a força
que a adrenalina em suas veias lhe permitiu. A maçaneta se rompeu, mas a porta se manteve intacta.

Olhou para a água e viu ondas e bolhas surgindo. Viu-se sem alternativas.

- Lagarto desgraçado! Apareça! – gritou, trêmulo, tomado por uma última gota de coragem
que lhe restara.

Das águas fétidas, suas escamas ascenderam como um crocodilo emergindo de um pântano.
A figura gigante ficou de pé, defronte a ele, observando-lhe com os olhos amarelos e as presas
salivando.

- Não tão corajoso agora, Cash? – rugiu a criatura.

Aaron ficou imóvel. A adrenalina do medo somada com a raiva pulsante crescendo em seu
peito. Aquela aberração era a representação da sujeira criminosa que boiava na superfície da cidade
- o resultado da opressão e do medo que governavam Gotham. Queria pular em sua boca e cravar-
lhe o gancho do pescoço à cabeça, mas não apenas seria um crime, como também seria suicídio.

– Eu consigo sentir... – fungou o ar, arranhando as entranhas reptilianas de sua laringe. –


Você exala medo... Sem armas, sem proteção... Você é minha presa agora!

Esperou...
#

- ...pagaria nada por tralhas. Se o senhor não puder me garantir o equipamento, prefiro que
se retire dos meus planos.

- Tolice, doutor. Apenas lhe dê mais tempo, sabe como é o caos em Gotham.

- Roman já deveria ter...

- Shh! Ela está acordando.

Assim que recobrou a consciência, tentou massagear os olhos para poder abri-los, mas
sentiu as mãos presas; atadas. Abriu-os assim mesmo, vislumbrando o diretor do Asilo, Dr. Arkham,
ao lado de Lyle Bolton, seu comandante, do lado oposto de uma mesa, dentro de uma sala, repleta
de guardas ao redor.

- Finalmente. Pensei que você morreria com a dose, mas por sorte me enganei – alegrou-
se o diretor. – Sabe o que isso quer dizer, Srta. Yin?

Ellen não conseguiu responder. Alguma coisa atrasava seus pensamentos, prendia seus
movimentos. Não eram apenas as amarras. Era uma fadiga mental.

- Ah, imagino que esteja se perguntando por que sente sua mente estranha e por que não se
lembra de nada. Sinto informa-la que, mediante sua má conduta para com este estabelecimento e
seus colegas de trabalho, tive de prepara-la para servir-me como cobaia em meu projeto. Não se
preocupe com a queda de cabelo, logo não vai ter nenhum para cair.

- ... Ca-sh... – balbuciou, com grande dificuldade.

- Oh, seu parceiro... Bem, o comandante realmente conseguiu escapar, mas como dizem por
aí, ele escapou do martelo mas não da foice. Está recebendo agora uma visita de seu velho amigo
Jones. Isso também foi parte do motivo pelo qual eu escolhi você. Seria ele, mas, a bem da verdade,
você servirá ainda melhor.

- O...Q-Que... Voc...

- Você descobrirá logo, Oficial Yin, não se preocupe. Agora, se me permite, comandante
Bolton...

- Sim, doutor – disse prontamente.

- Quero que a leve para o C-7 e depois cheque os esgotos. Quando Jones acabar, ative a rede
elétrica. Ele vai voltar para a cela rapidinho – disse, orgulhoso.

- Sim, senhor.

Antes que Bolton lhe alcançasse, Ellen conseguiu fazer força o suficiente para se derrubar
da cadeira, na tentativa de se desvencilhar das amarras. Tudo o que conseguiu foi se machucar.

- Ainda tentando fugir, oficial? – satirizou-a Bolton.

Quando Bolton a agarrava pelos braços, Arkham lhe interrompeu.

- O que é isso? – disse-lhe, apontando para o item no chão.


- É um... – pegou-o. – Ah, merda!

Instantaneamente, um alvoroço se instalou na sala. Bolton gritou ordens e todos ficaram a


postos. Ellen ouviu dezenas de armas sendo carregadas e destravadas.

Quando Arkham balbuciou o início de uma frase, um ruído ecoou até eles, vindo de cima.

- Chequem! – ordenou.

Arkham aproximou-se de Ellen, no chão, e agarrou-a, segurando-a pelo pescoço,


posicionado atrás dela. Em sua outra mão, uma seringa.

- Espero não ter que mudar de planos agora, Srta. Yin.

Após um instante de silêncio, os guardas o gritaram de volta.

- São apenas ratos – tranquilizou-o.

Assim que baixou a guarda, no entanto, vindo da janela, de súbito...

Um estilhaço agudo.

Não conseguiu ver com clareza. Não porque estava meio atordoada, nem porque a claridade
não permitia, até porque nada disso era completamente verdade. Na realidade, foi porque ele se
moveu tão rápido que tudo que conseguiu perceber foi um vulto negro, deslocando-se com agilidade
pela sala. Quando o primeiro tiro soou, já havia três homens no chão, e as luzes se apagaram
subitamente.

Daí em diante, tudo que Ellen conseguiu identificar foram barulhos. Ossos se quebrando,
disparos em vão, balas caindo no chão, gritos e golpes. Não levou mais de um minuto.

Silêncio total.

No meio da algazarra, enquanto a escuridão e a confusão lhe favorecia, Dr. Arkham fugiu.

- Onde está Cash? – perguntou-lhe. Sua voz lhe causou calafrios.

- Es...gotos.

E tão rápido como veio, ele desapareceu.

Moveu-se o mais rápido que podia, com tudo o que tinha. Sabia o que aquilo poderia
significar. E tudo havia acontecido bem debaixo do seu nariz. Não se impediu de se culpar por aquilo.
Por mais que tentasse fazer a diferença, a cidade continuava lhe traindo.

E quando chegou lá, recebeu o pior golpe que poderia receber naquela noite. Não um golpe
físico, como aqueles com que estava acostumado a lidar. Podia aguentar o tanto quanto quisesse
porque não iria parar nunca. Mas a dor da falha... Essa era implacável.

No chão, à sua frente, enquanto a água do esgoto lavava o sangue, encontrou Aaron Cash,
completamente desmembrado. Do outro lado, Waylon Jones jazia desacordado.
- Me desculpe, Cash – sussurrou ao corpo. – Eu devia tê-lo protegido... Mas eu falhei.

Com o tempo, o sangue parou de sujar as botas. Misturou-se com a água e foi esquecido nas
profundezas.
Quando o burburinho diminuiu e a maioria dos oficiais saíram da sala, conseguiu beber seu
café. A madrugada era fria e ela não planejava ir dormir tão cedo. Não depois de tudo que havia
passado.

Felizmente, o comissário retornou bem antes do que esperava.

- Devia ter ido descansar – disse-lhe, pendurando o sobretudo na parede.

- Como eu poderia? Preciso saber o que aconteceu.

James Gordon se sentou ao seu lado.

- Eu... – suspirou pesadamente. – Não sei como te contar isso.

Era o que já esperava. Mas por mais preparada que tentou ficar, não conseguiu conter as
lágrimas.

- Como?

- É melhor que não saiba – respondeu-lhe.

O silêncio preencheu a conversa. A tristeza preencheu seu coração.

- E quanto aos outros? – enfim perguntou ao comissário.

- Bolton foi preso. Ainda não temos a avaliação, mas o promotor Dent disse que pode pegar
perpétua aqui – enfiou a mão em um bolso e pegou um isqueiro.

- O que ele fez?

- Agrediu e prendeu um oficial comandante, falsificou documentos privados, foi cúmplice de


crimes gravíssimos e quase matou um segurança da própria equipe.

- Quem?

- Emerson Geller – informou-a. Ela se surpreendeu, como ele pôde notar enquanto acendia
e apagava o isqueiro. – Ele está vivo. Geller foi encontrado na cela de Paul Sloan, gravemente ferido
e com sinais de psicose. Os forenses encontraram uma grande quantidade de gás do medo no
pulmão. Envolveram até as merdas do Crane nisso.

Ellen não disse nada. Passou um tempo digerindo a informação, assustada.

- Então quer dizer que...

- Ainda não temos certeza porque precisamos encontrar Sionis, mas aparentemente a fuga
de Paul Sloan era planejada para encobrir a verdadeira fuga, a do Máscara Negra. A Dra. Sinner
soldou uma máscara igual em Paul e o colocou no lugar de Roman. Ao que parece ela estava
apaixonada por Sionis e por isso fez tudo o que fez – Eles conheciam um caso parecido. - Para a
cela de Paul, colocaram um Geller maluco.

- Por que Sionis?

- Não sabemos. Mas eu tenho uma ideia – guardou o isqueiro de volta e se levantou. – Venha
comigo.
Juntos, saíram pela porta principal do saguão do Asilo e encaminharam-se para fora. Ali,
Gordon passou pelas viaturas e foi até o prédio recém isolado da segurança. Aí o rodeou e encostou
na parede.

- O que estamos fazendo aqui? – perguntou-o.

- Só precisava de um pretexto para fumar – explicou, iluminando a escuridão inóspita


daquele local com o brilho do cigarro.

- Essa coisa ainda vai te matar.

- Eu nunca paro de ouvir isso – sorriu. – Enfim, acho que Sionis financiou de alguma forma
o Projeto Arkham. Equipamentos laboratoriais e seja lá o que mais o Dr. Arkham precisava.

- O que houve com o diretor?

- Ele havia fugido. O encontramos em sua mansão, ao lado de sua mãe – Ellen lhe dirigiu um
olhar incrédulo. – Pois é. Aquele lunático desenterrou o cadáver da própria mãe. Ela estava
apodrecendo na cama dele – gastou algum tempo fumando. – E pensar que o colocamos na
administração do pior sanatório do país.

- Por quê?

- Projeto Arkham. As inspeções preliminares sugeriram testes neurológicos em seus


próprios pacientes. Os documentos indicavam que o projeto fora criado por ele e Hugo Strange para
“melhor compreensão da mente humana”. Malditos lunáticos – enojou-se. – Acho que ele queria
ressuscitar a mãe ou usar seu cérebro para alguma coisa. Ironia ou não, ele com certeza vai voltar
pra cá. Para uma cela... Deus, esse realmente foi um longo Dia das Bruxas.

A escuridão começava a dar lugar a um azul crepuscular, enquanto apenas o sussurro do


vento preenchia o silêncio naquela penumbra.

- E-Eu posso ter – começou – cometido alguns crimes ontem, enquanto investigava este
esquema. Queria relatar que...

- Não se preocupe, oficial. Você fez um bom trabalho lá essa noite. Os documentos no seu
computador são mais do que suficientes para pelo menos colocar Bolton e seu pessoal em
Blackgate.

- Então eu não serei presa?

- Na verdade – tragou –, eu quero você no meu gabinete.

Seus olhos se arregalaram e brilharam contra a brasa do cigarro. Pensou em agradecer,


dizer o quanto estava feliz, o quanto sonhou com aquilo, mas não pôde, porque não foi assim que
imaginou aquilo acontecendo. Não sob aquele custo. Por isso, não respondeu nada.

- E quanto ao Sionis? – perguntou-o, por fim. - O que ele foi fazer?

- Ele está em Gotham. Provavelmente sujando um pouco mais as ruas. Mas não se preocupe
– terminou o cigarro e apoiou a mão em seu ombro. – Nós dois vamos acha-lo.

- C-Comissário – assustou-se com a proposta. -, eu não sei se já sou a pessoa certa para
trabalhar nesse caso. Eu ainda preciso pensar.

Gordon abriu um sorriso enquanto ia embora.


- Na verdade, eu não estava falando exatamente com você.

A princípio não entendeu, mas depois de um curto raciocínio, enquanto observava seu
arredor, percebeu que não estava sozinha.

Ao se virar, imersos na escuridão, dois olhos brancos lhe fitavam.

- É... É você?

- Sou eu.

- Sobre o que ocorreu ontem, eu...

- Eu sei. Eu também falhei. Falhei em salva-lo. Tudo aquilo não deveria ter acontecido. Eu
sinto muito.

Ellen Yin fitou as estrelas, triste.

- Eu também – disse-lhe.

- Sei que a proposta de Gordon era o que você sempre quis, mas acho que você tem uma
alternativa.

Ela se intrigou.

- Qual?

- Você é jovem, mas tem a coragem necessária para mudar a cidade. Sei que tem uma
irmãzinha na cidade e faria de tudo por ela. Se você continuasse aqui, poderia iniciar uma mudança.
A segurança de Arkham passaria a ser o que nunca foi. Gotham ganharia mais uma luz de
esperança.

Ellen pensou por um momento. No DPGC, ela poderia trabalhar no que sempre quis. Mas
aqui, ela poderia fazer ainda mais diferença - poderia ser uma heroína.

Decidiu deixar que seu silêncio respondesse.

- Sei que vai pensar sobre isso – disse-a.

Ainda fitando as estrelas, Ellen sabia que ainda precisava dizer uma coisa a ele.

- Obrigada. Obrigada por tud... – quando se virou de volta, os olhos brancos no meio da
penumbra haviam desaparecido.

No horizonte, acima do prédio principal do Asilo Arkham, o sol nascia.

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