Você está na página 1de 4

Tópico em CP I: Estudos Legislativos

Aluno: Nicholas Alves da Cunha Ribeiro

RELATÓRIO DE CAMPO DA SESSÃO ORDINÁRIA DE 25/05/2023 DA


ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

A literatura de estudos legislativos no Brasil tem na esfera federal o seu principal foco de
análise, privilegiando investigações acerca do Congresso Nacional, sobretudo no que se refere
à Câmara dos Deputados. Em contrapartida, as assembleias legislativas estaduais foram objeto
de um número restrito de estudos, tendência que se acentua quando se consideram estudos
comparados (Silva e Zulini, 2018). Conforme pontuam os autores, a repartição de prerrogativas
institucionais estabelecida pela Constituição federal de 1988 atribuiu aos estados a parte
residual daquilo que não fosse de competência da União e dos municípios, de modo que o
espaço para atuação legislativa das assembleias estaduais é reduzido.

Nesse sentido, se ao governo federal foi reservada exclusividade de competência


normativa sobre matérias centrais, como sistema monetário, seguridade social, trânsito e
transporte, aos municípios, naquela altura alçados à condição de entes federados, foi cedida
autonomia legislativa a respeito de “assuntos de interesse local”1. Aos estados, por seu turno,
restou o direito de inciativa legislativa em áreas “que não lhes sejam vedadas por esta
Constituição”2, o que inclui matérias de âmbito tributário, fiscal, orçamentário e de
administração pública, mas que, de fato, traduzem-se na “faculdade de propor leis de utilidade
pública, homenagens e denominação de prédios públicos, além das emendas à peça
orçamentária” (Silva e Zulini, 2018).

Os dados empíricos coletados a partir da experiência de campo realizada na Assembleia


Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj)3, analisados à luz das prerrogativas legais de
autonomia legislativa, mostram significativa convergência entre o que a legislação prevê em
termos do conteúdo das propostas de lei apresentadas e o que se verifica empiricamente, o que
corrobora a ideia de que, ao se analisar o comportamento dos parlamentares, é necessário levar
em conta procedimentos, normas e regras - estabelecidas, nesse caso, pelo regimento interno -,

1
Termo presente no texto constitucional (CF 1988, art. 30, inciso I).
2
(IBID., art. 25, $1º).
3
Foram acompanhados parte dos trabalhos legislativos da Alerj, em sessão ordinária do dia 25 de maio de
2023.
que guiam o comportamento legislativo, conforme prevê a literatura neoinstitucionalista
(Gomes, 2006).

Nesse sentido, se na ordem do dia constava um projeto de caráter potencialmente


polêmico e capaz de provocar debates na Assembleia, ao tratar do aproveitamento de armas de
fogo e de munições apreendidas em operações realizadas pelas políticas civil e militar do Rio
de Janeiro, em plenário não houve discussões e o texto foi aprovado em votação simbólica.
Seguiram-se então a apresentação de propostas de lei versando sobre temas como regulação de
aparelhos de mobilidade urbana, homenagem a magistrados, lista de material didático-
pedagógico exigida pelas escolas públicas e privadas, grupos com acesso gratuito a vacinas
oferecidas em campanhas de vacinação no estado, inclusão de disciplina extracurricular no
currículo das escolas estaduais, indicação legislativa a respeito da ampliação do “Programa
Segurança Presente” e implantação de um polo de formação profissional (Alerj, 2023).4 Dessa
forma, fica claro o caráter específico e focalizado, para além, em alguns casos, do impacto
efetivo pouco claro dos projetos de lei apresentados na assembleia estadual, em linha com o
que prevê o texto constitucional.

A seguir, foi apresentada a Indicação Legislativa nº 49/2023, de autoria da deputada


estadual Renata Souza (PSOL-RJ), sobre o qual houve maior discussão e debate, ao que se
soma a mobilização de grupos sociais favoráveis e contrários à matéria, que acompanharam a
sessão e se manifestaram a partir das galerias da Alerj. Segundo o regimento interno da Alerj,
O texto original da proposta previa o seu caráter de Indicação Legislativa, o que, segundo o
Regimento Interno da Alerj, uma indicação consiste numa proposição em que são solicitadas
medidas de interesse público, cuja iniciativa legislativa ou execução administrativa é de
competência privativa do Poder Executivo ou do Judiciário. Essas Indicações dividem-se em
duas categorias, quais sejam: as indicações simples, que se destinam a obter dos respectivos
poderes, medidas de interesse público que não caibam em Projeto de Lei, de Resolução ou de
Decreto Legislativo; e as indicações legislativas, que se destinam a obter, dos poderes citados,
o envio de Mensagem à Assembleia por força de competência constitucional (Alerj, 2015).

Nesse contexto, a Indicação Legislativa nº 49/2023 solicitava do governador do Rio de


Janeiro, Cláudio Castro (PL-RJ), o envio de mensagem dispondo sobre a concessão direito real
de uso do espaço ocupado pela Casa de Referência Almerinda Gama, ocupação organizada pelo

4
Foram analisados os conteúdos dos Projetos de Lei nº 1268-A/2019, nº 276/2023, nº 121/2023, nº 2701/2017,
nº 4432/2018, nº 790/2019, nº 401/2021 e nº 28/2023.
Movimento de Mulheres Olga Benário com o intuito de abrigar mulheres vítimas de violência
doméstica. Conforme prevê o Regimento, declarar um imóvel de utilidade pública não prevê a
permissão automática de vantagens associadas, mas admite a instauração de benefícios através
de concessões especiais, como isenções fiscais e possibilidade de receber tanto doações da
União e de suas autarquias quanto receitas provenientes da arrecadação das loterias federais
(Alerj, 2015).

A proposta, após tramitar na Comissão de Indicações Legislativas da Alerj, recebeu


parecer favorável à sua transformação em indicação simples. O debate que se seguiu,
encabeçado pelo deputado Rodrigo Amorim (PTB-RJ), presidente da Comissão de Constituição
e Justiça da Alerj, dizia respeito à necessidade de se votar, em plenário, a proposta, caso
transformada em indicação simples. Além disso, para além dessa questão de ordem, o próprio
mérito da Indicação foi posto em causa, uma vez que, segundo o deputado Amorim, caso a
proposta fosse aprovada como Indicação Legislativa e o Projeto de Lei enviado pelo Poder
Executivo, referente à transformação em imóvel de utilidade pública da Casa de Referência
Almerinda Gama, fosse aprovado, um precedente poderia ser aberto para que outros deputados
estaduais apresentassem Indicações Legislativas com o objetivo de transformar, em imóvel de
utilidade pública, algum espaço ocupado por um grupo ou movimento social pertencente à sua
base eleitoral. Isso, segundo o deputado, teria um potencial de ônus fiscal que o estado do Rio
de Janeiro não estaria habilitado a arcar.

Após ampla discussão entre deputados favoráveis e contrários à proposta de Indicação


Legislativa, tanto sobre questões de ordem quanto de mérito, em que, com base na tramitação
de propostas anteriores de natureza legal similar, decidiu-se pela necessidade de votação em
plenário mesmo no caso de uma Indicação Simples, tornou-se claro para os deputados
favoráveis e contrários à matéria que a oposição teria os votos necessários para derrubar a
Indicação. Diante dessa ameaça, após uma série de conversas e acordos, a deputada Renata
Souza decidiu ceder ao pleito oposicionista, no sentido de transformar o projeto de Indicação
Legislativa em Indicação Simples, sob a garantia de que, neste formato, sua proposta teria apoio
suficiente para a aprovação, o que, de fato ocorreu, com 41 votos contrários e nenhum contra.

Assim, diante de todo o processo de discussão da Indicação, foi possível observar a


importância das regras que guiam o trabalho legislativo e como elas são, a todo momento,
utilizadas pelos parlamentares a fim de direcionar o resultado legislativo. Além disso, chama a
atenção como os parlamentares agem estrategicamente frente às restrições impostas pelo
Regimento, a exemplo da quantidade de votos necessária para aprovar uma matéria, de modo a
maximizar o seu interesse, o que, novamente, dialoga com o que prevê a literatura
neoinstitucionalista, ao mostrar que, para explicar um resultado legislativo, é necessário levar
em conta tanto as preferências individuais dos políticos quanto as restrições impostas pelo
desenho institucional no qual estão inseridos, e como essas duas dimensões interagem (Gomes,
2006).

REFERÊNCIAS

ALERJ. Ordem do dia 25 de maio de 2023. Sessão Ordinária. Disponível em:


http://www3.alerj.rj.gov.br/lotus_notes/default.asp?id=59&url=L29yZGVtZGlhLm5zZi9jOT
dlOTdkYzEyNzVkOTI1MDMyNTZiYWMwMDcyNTRlYS85YWNhZGY0N2M0NDAwM
mQyMDMyNTg5YjQwMDY5NjQ0Yz9PcGVuRG9jdW1lbnQ=.

ALERJ. Regimento Interno. Rio de Janeiro, 2015. Disponível em:


http://www3.alerj.rj.gov.br/lotus_notes/default.asp?id=74&url=L2NvbnRsZWkubnNmLzgw
MzcyMGQ1NmQwOWMwZTcwMzI1NjYzMjAwNzU3YjU5LzQyZTMyMWI2NjY5ZmI5Z
jgwMzI1NjdkMDAwNjMwMjIzP09wZW5Eb2N1bWVudA==.

GOMES, Sandra. O impacto das regras de organização do processo legislativo no


comportamento dos parlamentares: um estudo de caso da Assembléia Nacional Constituinte
(1987-1988). Dados, v. 49, n. 1, p. 193–224, 2006.

SILVA, Glauco P. ZULINI, Jaqueline P. O que um deputado estadual faz? Analisando o perfil
da produção legislativa brasileira nas assembleias legislativas subnacionais. In: TOMIO,
Fabrício R. L. RICCI, Paolo (Orgs.). Governadores e Assembleias Legislativas: Instituições
e política nos estados brasileiros. São Paulo: Editora Alameda, 2018. Cap. 7, pp. 181-252.

Você também pode gostar